CALOURO UNIVERSITÁRIO: SEUS ESTÁGIOS DE … · particípio passado do verbo docere (ensinar ),...
Transcript of CALOURO UNIVERSITÁRIO: SEUS ESTÁGIOS DE … · particípio passado do verbo docere (ensinar ),...
VICENTE FIDELES DE ÁVILA
CCAALL OOUURROO UUNNII VVEERRSSII TTÁÁRRII OO:: SSEEUUSS EESSTTÁÁGGII OOSS DDEE UUNNII VVEERRSSII DDAADDEE SSOONNHHAADDAA,, II NNSSTTII TTUUÍÍ DDAA EE EEMM CCOONNSSTTRRUUÇÇÃÃOO
Elaboração para intenso uso universitário desde fevereiro de 1996
Redigitalização com alguns ajustes em agosto de 2008.
2
1 - O CALOURO NO ESTÁGIO HISTÓRICO DA UNIVERSIDADE SONHADA
Por vezes esse estágio começa antes mesmo de o calouro nascer. Ao
planejarem o advento dos filhos, e ainda com visão marcadamente romântica
da vida, os candidatos a futuros pais já costumam sonhar com algum doutor
em casa. Os ricos sonham com a certeza de que poderão dar as condições de
que o filho necessitar. Os pobres também devaneiam com a esperança de que
seu rebento seja agraciado pelas sorte e chance que a vida lhes privou.
Esse tipo de sonho não é coisa só de brasileiro. Sabe-se, por exemplo,
que o desejo dos jovens pais norte-americanos é o de ter o filho matriculado
na Universidade de Harvard. Alguns chegam a programar, desde a gravidez,
a poupança para viabilizar, no futuro, o lado financeiro desse sonho. Até os
filmes enlatados, que nos invadem em avalanche, têm aludido a essa questão
como assunto normal de família da classe remediada desse país.
No Brasil, hoje, o sonho se refere mais à categoria do diploma do que
a uma universidade em especial, visto que as preferências pelas renomadas
universidades públicas e privadas já se apresentam à mentalidade de massa
como espécie de direito adquirido por usocapião das elites profissionais e
econômicas. As classes que formam o nosso povão, no caso a média-baixa e
a baixa ou pobre, nutrem sonhos mais pragmáticos. O que importa, numa
perspectiva de lógica decrescente, é que o diploma seja de doutor médico,
doutor advogado, doutor dentista, doutor engenheiro, doutor farmacêutico,
doutor veterinário e assim por diante. A pragmaticidade de nossos jovens e
menos abastados pais é tão curiosa que chega a incluir concessões até no ato
de sonhar, ou seja: na impossibilidade de um diploma de doutor, obedecida
uma certa hierarquia de nobreza dos cursos, o diploma de nível ou curso
superior já basta.
Note-se que o termo superior, na expressão diploma de nível ou curso
superior, é a chave da questão pela sua essencial conotação de status, que
justifica inclusive tratamento especial a detentos diplomados (Código de
Processo Penal, art. 295, inciso VII), embora menos relevante que o diploma
de doutor. Este representa uma espécie de apólice de seguro do futuro
sucesso econômico-financeiro além de abranger, até com certa distinção, os
3
status e privilégios consignados por hábito ou norma jurídica a qualquer
diploma de nível superior.
No entanto, o sonho, que se inicia com as características de puro
devaneio, começa logo a suscitar esperanças e a gerar compromissos
contaminadores principalmente da própria criança quando entra na fase
escolar. Em função disso passam a gravitar a escolha da escola -a partir da
quinta série do primeiro grau-, a aprovação em cada série -até o final do
segundo grau- e toda sorte de sacrifícios quer do adolescente quer de sua
família tanto para evitar reprovações quanto para a preparação do vestibular.
A neurose do vestibular se alastra por toda a família e se acelera à medida
que se apresentam as primeiras e reais oportunidades de tentativas.
Nesse período, o fim ou passar no vestibular justifica os meios.
Pressões, chantagens, gastos além do poder aquisitivo, aulas particulares,
cursinhos, reforços de toda ordem, desgastes emocionais e agitação de
trânsito tomam conta de todo o ambiente familiar, principalmente nas
famílias de classe média, em geral, que prestam assistência mais direta aos
filhos. De certo modo, todos os integrantes da família participam da
absolutamente envolvente tortura do vestibular.
Sobre essa questão, e mesmo que se altere um pouco a rota narrativa,
torna-se irresistível perguntar: não há como pelo menos minorar essa tortura?
-Há, sim, e sem acabar com o vestibular, vez que tal pretensão estaria
totalmente fora das perspectivas históricas tanto da sociedade quanto da
instituição universitária brasileira, ou seja, de um lado seria irracional
imaginar que toda a população do país quereria, poderia ou deveria passar
pelo patamar universitário e, de outro, a instituição universitária, como
qualquer outra, tem de se dimensionar de acordo com a velha lei
mercadológica da oferta versus demanda, ou vice-versa, e com os pré-
requisitos mínimos de conhecimentos, maturidade e habilidades básicas para
nela se ingressar e aí permanecer construtivo-produtivamente.
Isso significa que a seleção, sempre eliminatória por déficit de vagas
ou por deficiências de pré-requisitos dos vestibulandos, continuará, por
tempo indeterminado, inerente à história da universidade no Brasil e no
mundo. Mas há como diminuir, e muito, essa neurose torturante. Basta que
os atuais três ou quatro anos de escolaridade pós-Primeiro-Grau (hoje -2008-,
4
Ensino Fundamental) se tomem efetivamente Segundo-Grau (hoje, Ensino
Médio) com as seguintes peculiaridades: que proporcionem aos seus
concluintes as mínimas condições de inserção no respectivo mercado técnico
de trabalho, se de cunho terminal em si mesmo, e que se ocupem com afinco
e eficiência, ao longo de toda a sua duração, das disciplinas ou matérias de há
muito reconhecidas como pré-requisitos para ingresso e permanência
produtiva na vida universitária, quando tal duração de fato se caracterizar
como ponte-de-acesso ao nível universitário. E isso não importando se a dita
rede que o desenvolva seja pública federal, pública-estadual, pública-
municipal, privada-confessional, privada-comunitária ou simplesmente
privada-empresarial.
O que ocorre atualmente nessa área é inconcebível a qualquer
inteligência mediana: por um lado, o Segundo Grau oficial só vem servindo,
de modo geral, para legitimar ou legalizar o respectivo ritual de escolaridade;
por outro, ocorre paralela e até concorrentemente a dispendiosa e desgastante
indústria dos macetes de preparação para vestibular; e tudo isso sem contar
que o calouro já se encontra na condição de farrapo-humano quando de seu
ingresso na universidade e que, mesmo assim, os dois primeiros anos da
graduação são gastos com verdadeiros malabarismos de recuperação
supletiva das lacunas não preenchidas quer pelo Segundo Grau quer pelos
macetes pré-vestibulares, com destaque para a falta de visão cosmodinâmica,
de exercitação lógico-interpretativa, de capacidade e habilidade em
exteriorização e comunicação escrita, de referenciais pessoais que tornem o
acadêmico agente-sujeito de sua própria construção universitária, de
autoconfiança para progressivamente abrir e construir caminhos nos
meandros da ciência, da tecnologia, do desenvolvimento pessoal,
profissional, societário, e assim por diante.
Na verdade, já se sabe e se confirma a cada ano que se o Segundo
Grau cumprisse de fato e com eficiência a suas funções, tanto a legal quanto
a societária, a neurose pré-vestibular daria lugar a sério e compromissado
processo de preparação menos para o vestibular e mais para o próprio
enriquecimento da vida universitária bem como, logicamente, da sociedade
brasileira e do saber universal. Há uma experiência em andamento, em pelo
menos duas universidades federais brasileiras, de inovação no processo do
5
concurso vestibular. Consiste em destinar um percentual de vagas dos seus
cursos a candidatos com as maiores notas de aproveitamento no Segundo
Grau. Mas só a reserva de vagas em universidades para melhores notas
conquistadas no Segundo Grau não resolve. É preciso melhorar o próprio
Segundo Grau.
Entretanto, o problema do Segundo Grau parece longe de se resolver e
a tortura pré-vestibular continua inexorável realidade. Filhos e famílias se
lançam nas batalhas preparatórias atirando por todos os lados, mais
orientados pelos lobbies da indústria pré-vestibular e instinto de luta que por
política e projeto educacional de prospecção da sociedade brasileira. E como
em toda batalha há vencedores e vencidos, os que conseguem ver seus nomes
nas listagens de aprovação entram em merecido e extremecido clima de
comemoração, restando aos demais a amarga sentença de que toda a neurose
se repetirá no próximo ano.
Aos vitoriosos-plenos, isto é, àqueles que logram aprovação exatamente para
cursos sempre pretendidos como primeira opção, a idéia da universidade
sonhada entra em seu ápice e desfecho. Embalados por parentes, amigos e
não raro por significativo élan etílico (ou alto teor alcoólico), os vitoriosos
vivem momentos dispersivos de agitação. Mas, à noite, quando se isolam em
seus quartos para merecido repouso, despem-se tanto das roupas de combate
quanto dos freios da automobilização psicossomática. Soltam a imaginação e,
como que em situação de transe hipnótico, deixam-se transportar para a nova
dimensão de vida. Despidos, olham-se no espelho mas não se vêm nus. Pelo,
contrário, o agora calouro de Medicina se contempla de uniforme branco, o
típico dos médicos tradicionais, com estetoscópio no pescoço e maletinha na
mão, resolvendo aquele caso famoso que ninguém ainda conseguiu
solucionar, a exemplo do jogador que, à véspera da decisão de importante e
difícil campeonato, se flagra mentalmente chutando do meio-de-campo com
tanto efeito e precisão que, bem à frente do gol e para desespero dos
adversários, a bola desenha artística curva, entra exatamente no canto
superior oposto ao do goleiro abatido e a multidão de pé se explode em
aplausos.
Observados os perfis profissionais de cada área (Direito, Engenharia,
Odontologia, Psicologia, Economia, etc), também os demais calouros,
6
sempre aqueles vitoriosos-plenos acima referidos, costumam passar por
semelhantes mirabolâncias. A universidade sonhada se lhes assemelha a
bilhete lotérico destinado a limitado contingente de ganhadores, mas
envolvendo prêmios que assegurem aos contemplados a abertura de
expectativas e portas da sociedade para o sucesso e a fama, sobretudo àqueles
que aspiram o diploma de doutor, ou pelo menos esperança de futuro melhor
a quantos se contentam, por ideal ou contingência, com o genérico diploma
de nível ou curso superior.
Não é à-toa, aliás, que o título de doutor vem sendo puxado, ao
longo da história, para a base da pirâmide dos cursos universitários,
principalmente os de natureza mais técnica. Em seus primórdios, desde o
final do séc. XII, doutor era título próprio dos laureados, ou seja, de quem
lograsse coroamento (laureatus era termo usado pelos romanos para
designar aquele que, por algum tipo de merecimento destacado, recebia a
coroa de louro) no processo de doutorado (doctor+ actus) com real sentido
de ato, ação ou processo de se tornar douto, sabendo-se que doctus é
particípio passado do verbo docere (ensinar), cuja forma substantivada, aqui
masculinizada, significa erudito, muito instruído ou aquele que tem doutrina
para ensinar já que a raiz latina de doctrina-ae também procede do verbo
docere.
O que efetivamente vem ocorrendo é que esse título originariamente
carregado de status profissional e social, justo porque decorrente de
reconhecimento público ou laurea latina, foi sendo apropriado pelos
bacharéis em direito e medicina, depois estendido também a bacbaréis
engenheiros, odontólogos, farmacêuticos, economistas, geólogos, etc, até se
esvaziar por completo mediante a designação de doutor para qualquer um
que tenha aparência de médico, pelo uso de indumentária branca, ou
advogado, aquele historicamente obstinado por terno e gravata.
Apesar de utópico e mirabolante, esse estágio da universidade
sonhada tem significativa importância na caminhada do candidato. Funciona
como base de alimentação e sustentação psicológica no decorrer de todos os
sacrifícios, mobilizações e neuroses pessoais e familiares que antecedem o
vestibular. Aliás, mesmo que se diluam as neuroses, através da melhoria do
Segundo Grau e do próprio concurso vestibular, os sacrifícios e
7
mobilizações continuarão, sobretudo para quantos se disponham à disputa de
vagas por cursos mais concorridos.
Isso significa que a universidade sonhada continuará sempre a
consistir espaço psicológico ou estado de espírito de motivação, durante a
fase pré-universitária, para as várias e intensas lutas que a concorrência por
cursos mais demandados implicará. O problema, quase inevitável, que resta
é o de o calouro dormir com a universidade sonhada na cabeça sem se dar
conta de que no dia seguinte terá que se defrontar, como se verá, com a nua-
e-crua realidade do estágio seguinte, neste contexto denominado
universidade instituída.
8
2 - O CALOURO NO ESTÁGIO DE INGRESSO NA UNIVERSIDADE INSTITUÍDA
É o que se caracteriza pelo confronto direto do calouro com a
objetividade concreta da instituição universitária que lhe é disponível por
aprovação no vestibular: normas, regulamentos, salas de aula, biblioteca,
laboratórios, professores, pessoal técnico, pessoal administrativo, disciplinas
curriculares, burocracia documental, corporações, corporativismos e tudo o
mais de factual, em termos de tipo, quantidade, qualidade, perfeições e
imperfeições a que o calouro deverá se adequar ao longo de toda a duração
de seu curso.
Em geral, qualquer pessoa, e não importa em que contexto, sente uma
espécie de esvaziamento de motivação quando, após intensa e longa luta,
começa a entrar na convivência rotineira com algo cuja conquista haja gerado
expectativas e exigido sacrifícios. Isso ocorre com a aquisição do carro, com
a compra da casa própria, com o casamento de contumazes apaixonados, com
a bicicleta, a bola ou o videogame tão insistentemente reivindicados pela
criança e, naturalmente também, com a batalhada vaga pelo curso pretendido
na universidade.
Se esse esvaziamento de motivação é de certo modo normal em todas
as situações apontadas acima, e similares, no caso específico da convivência
do calouro com a rotina universitária tem sido também normal que tal
processo de esvaziamento receba forte carga extra de fatores
desestimuladores. Ressalvadas raras exceções, o primeiro e efetivo embate de
vivência universitária do calouro se dá exatamente com o que historicamente
a universidade tem de mais pobre, agressivo e emporcalhado, o trote. O
batismo de lama, farinha, tinta ou graxa, a raspagem da cabeça, os
compulsórios pedágios de rua, os bandos escoltados, e outros, são fenômenos
do ritual de acolhida do calouro com mensagem de fundo extremamente
carregada de autoritarismo, submissão e subjugação, quando não de
humilhação e agressão, apesar de seus objetivos implícitos e aparências
externas serem de pura e juvenil descontração, diversão e, por vezes, até
ajuda a necessitados.
9
Que tal se você, adulto ou jovem, sonhasse morar num determinado
prédio e, após anos de sacrifícios para a compra do apartamento, fosse
recebido pelos demais condôminos com tesouras e baldes de lama no
corredor de entrada? -Embora no caso dos calouros universitários esse tipo
de entrada seja tolerado, até esperado por alguns como oportunidade
materializada de coroamento da vitória no vestibular e de experimentação
sensorial de seu efetivo ingresso na universidade, a mensagem de fundo que
mais cala no sub ou inconsciente do recém-chegado é aquela do
autoritarismo, da subjugação e da desmobilização. Tanto isso é real que tem
prevalecido no chamado veterano o impulso de reeditar para o calouro de
hoje praticamente a mesma essência negativa da experiência que sofreu na
condição de calouro de ontem, ou até do ano passado, vez por outra
amaciada com certo toque de humanismo, como o que costuma conferir aos
ditos trote cultural, trote assistencial e correlatos.
O fato é que a maioria dos calouros passa todo o seu primeiro ano de
universidade em estado de alienação e, por conseqüência, de manipulação.
Sobre a realidade e as potencialidades de tudo o que é disponível em sua
instituição (biblioteca; laboratórios; linhas ou núcleos de pesquisa;
oportunidades de iniciação científica; deveres e direitos acadêmicos e
disciplinares; instâncias administrativo-decisoras e respectivas atribuições;
entidades de política e organização estudantil; projetos e atividades
extensionistas; diversos tipos de colegiados; corpo docente; objetivo e
programação do seu e de cada curso; espaços e atividades de lazer e artístico-
culturais; e tudo o mais), o calouro só recebe, quando recebe, informações
gerais e esparsas. O ritual de recepção dos calouros se concentra no trote
propriamente dito, pouco ou quase nada se ocupando dessa espécie de
informação e orientação, e as unidades gestoras do processo de organização e
funcionamento da universidade se restringem a cuidar da legalidade e
oficialidade administrativo-acadêmica de ingresso na instituição, quando
muito fornecendo algum tipo de folheto, normalmente incompreensível
porque extremamente sintético e friamente distribuído.
Portanto, desmobilizado psicossomaticamente por haver passado no
vestibular e absorvido de um lado pela manipulação dos veteranos e de outro
pelo cumprimento das formalidades essenciais de ingresso, o calouro não é
10
trabalhado no sentido de se interessar pelo que são e como funcionam o todo
e cada segmento da instituição que acaba de se tornar -por horas diárias,
meses a fio e anos consecutivos- sua casa de formação, seu local de trabalho,
seu laboratório de aprendizado, amadurecimento de experiências e geração de
perspectivas pessoais, profissionais e societárias. Em decorrência, o processo
de tomada de conhecimento e consciência do calouro na instituição se faz
mais pela osmose da convivência, ao longo de todo o primeiro ano de sua
vida universitária, que por intencionado e institucionalizado programa de
integração, estimulação e envolvimento.
Mas o interessante dessa história é que a respeito do QUÊ é e de COMO
funciona a instituição o calouro pouco recebe orientação, e fica à própria
mercê. Mas sobre o que NÃO É e NÃO FUNCIONA é assediado por avalanche de
cuidados, conselhos e instruções. Quase sempre há alguém, normalmente um
punhado de veteranos, nas redondezas das listas de aprovação do vestibular
com a missão implícita ou explícita de começar o processo de doutrinação do
calouro, que se intensifica por todo o primeiro semestre letivo e só se
descaracteriza no final do segundo. Dessa doutrinação, alguns exemplos -
para ilustrar- mais ou menos nestes termos:
- Precisamos nos unir contra a opressão da direção. O autoritarismo é a marca
desta universidade, mas nós vamos derrotá-Io.
- A biblioteca é um lixo, desviam a verba da compra de livros e o
atendimento dos funcionários é péssimo: tratam a gente como se fossem os
donos daquilo lá.
- Ah!, você é do curso...? Esse curso é uma balela, os professores faltam às
aulas, os alunos são largados às baratas e os dirigentes não estão nem aí! Falo
com conhecimento de causa, porque um amigo meu também estuda lá.
- Olhe, tome cuidado. O protecionismo aqui é barbaridade. Só os peixinhos
estão com tudo, o resto que se dane!
11
- Vich!, você vai ter aula com o professor que é de torrar! Aquele cara é
maluco, doido varrido. A professora..., com essa você não brinca, senão se
ferra. Agora aquela outra, a professora... , com essa você tem que pegar o
jeito dela, aí tudo bem. O professor... é cascão, mas o professor... é moleza,
basta você estudar prá prova! As aulas do professor... são um saco, só teoria e
a gente vôa ou cochila o tempo todo; ninguém sabe porque colocaram essa
disciplina no curso; deve ser porque o professor é amigo da cúpula, puxa da
corte.
- Os laboratórios são mais ou menos; só quebram o galho, porque têm pouco
equipamento e o material de consumo não dá nem pro cheiro. Agora, situação
danada mesmo é a do restaurante universitário: por uma comidinha à-toa já
cobram um absurdo e ainda dizem que não está dando nem prá cobrir os
custos; mas isso não vai ficar assim, temos que fazer uma mobilização
exigindo a derrubada dos preços; nossa meta é a da luta pela comida de graça
para todos os estudantes, isso é um direito nosso!
- Você já ouviu falar naqueles grupos de atividades que dizem por aí que vão
incentivar na universidade? -Se fosse você, tomaria muito cuidado porque
tem muita gente achando que isso é uma estratégia que estão inventando pra
transformar os estudantes em massa-de-manobra.
- E assim por diante, sem contar os avisos rapidinhos, aqueles minutinhos-só
[que duram aula inteira, se não controlados] solicitados por candidatos logo
no início da aula de um professor tolerante, para informar aos calouros sobre
a necessidade de votar em sua chapa na eleição que acontecerá amanhã, para
a qual qualquer um poderia ter oficializado sua candidatura na assembléia
que foi realizada ontem, infelizmente pouco divulgada por motivo de força
maior.
Há, sim, calouros que conseguem superar a contramotivação de que
se falou atrás. É o pequeno contingente dos chamados caxias ou cdfs que se
isolam, por isso também tidos como alienados, e buscam, cada um à sua
maneira, se aproximar principalmente dos professores que os recebem nos
12
dois primeiros períodos letivos com o intuito de captarem fragmentos dos
textos e contextos ou linhas e entrelinhas da vida universitária em que se
encontram. Chegam até a atrair alguns outros tímidos que compõem o grande
grupo dos indecisos, aqueles em cima do muro que separa o grupo de tração
(que puxa para a frente, para o positivo, para a conquista, para a
desmobilização) do grupo da arreata, que puxa para trás o carro pessoal e
institucional, como aquela junta de bois atrelada à traseira do antigo carro de
boi para, estribando-se contrariamente ao movimento do carro carregado,
frenar-lhe nas descidas mais acentuadas. Só que no velho carro de boi apenas
uma junta era destacada para a função de frenagem, e nos declives perigosos.
Às outras duas, quatro ou seis juntas cabia levar o carro à frente, nas baixadas
e subidas. Já no contexto universitário brasileiro atual, quiçá também nos
âmbitos da economia e política nacional, a situação costuma se inverter: a
maioria das juntas se posta na arreata (palavra derivada do termo francês
arrière, que significa atrás em português), só que nas planícies e subidas ou
em tempos normais e de crise, reivindicando teoricamente que as poucas
juntas dispostas a tracionar para a frente o façam, com a rapidez e a
eficiência que julgam ideais, exatamente os carros que elas mesmas, e em
esmagadora maioria, pelo menos quantitativa, de fato e contumazmente
freiam ou até puxam para trás. E o ironicamente interessante nessa história é
que há “bem intencionados” que -à sua moda- se acham tracionadores para a
frente, embora de fato estribando-se na arreata de seus próprios carros
universitários.
Com a ajuda da alegoria do velho carro de boi fica fácil caracterizar o
perfil geral dos três grupos acima mencionados: o grupo de tração, sempre
em minoria quantitativa, tende normalmente a puxar o corro para a frente
tanto em tempos normais quanto de crise; o grupo da arreata, de modo geral
mais avantajado que o de tração, também faz força só que em sentido
diametralmente contrário, ou seja, para trás. Já o grupo dos indecisos ou em
cima do muro funciona sempre como mecanismo de estagnação, visto que
constitui carga adicional a ser puxada não importa em que direção, cuja
tendência prática se encaminha nos sentidos de anular os grupos que puxam
em direções contrárias e de atolar o carro onde quer que se encontre.
13
Retroagindo à superação da contramotivação, só os calouros com
características de grupo de tração conseguem realizá-la, como se disse cada
um à sua maneira, já que a universidade instituída não tem colaborado o
bastante para isso. Quanto aos demais, os dos grupos de cima do muro e da
arreata, restam duas opções de trajetória: a da revisão e reorientação de suas
posições ou a do agravamento cada vez maior e mais intenso da decepção e
frustração com a universidade instituída, visto que esta é a que está ai ao seu
alcance imediato e não aquela fàntasiada tanto nos sonhos de seus passados
quanto nas suas atuais e inconseqüentes resistências ou apatias.
E bem ao contrário do que se pensa à primeira vista, os contingentes
de estudantes universitários que se canalizam no sentido do agravamento de
decepção e frustração, em relação à universidade instituída, são muito
maiores que os comumente imaginados. O pior disso é que infernizam a
própria vida e a de todos com os quais convivem. Em termos alegóricos,
transformam a universidade, a partir do segundo ano, numa espécie de
penitenciária em que se sujeitam a cumprir a pena, a da vivência acadêmica,
sob o regime de trabalho forçado, única e exclusivamente por causa do
diploma. Trata-se de prisão voluntária, porque é o próprio indivíduo que se
faz aprisionar, por vezes com forte dose de pressão dos pais ou tutores,
porém de efeitos devastadores para si mesmo, para a universidade, para sua
família e para a própria sociedade, que se vê obrigada a incorporar membros
legalmente diplomados mas efetivamente desajustados como gente,
profissionais e agentes.
Propositalmente, as abordagens deste tópico se concentraram nos
aspectos de contramotivação do calouro em relação à universidade
instituída. Isto, porque suas dimensões construtivas, efetivamente
motivadoras, foram também intencionalmente destinadas ao próximo tópico,
o do calouro na perspectiva da universidade que se constrói.
14
3 - O CALOURO NO ESTÁGIO DE UNIVERSIDADE EM CONSTRUÇÃO
A REAL UNIVERSIDADE QUE EFETIVAMENTE SE CONCRETIZA AO LONGO
DA VIDA UNIVERSITÁRIA DO ACADÊMICO, DESDE SUA ENTRADA COMO
CALOURO, É AQUELA QUE ELE MESMO COMEÇAR A CONSTRUIR, BUSCANDO
INSPIRAÇÃO E MOTIVAÇÃO NA UNIVERSIDADE SONHADA, QUE O AMPAROU E
IMPULSIONOU ATÉ O SUCESSO NO VESTIBULAR, E NA UNIVERSIDADE INSTITUÍDA
QUE, DORAVANTE, SE TORNA SEU CAMPO DE VIVÊNCIA, SUPORTE E INSUMOS AO
LONGO DE TODA A SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA.
Há, sim dentre as universidades instituídas, entendidas como se
convencionou no tópico anterior, umas mais equipadas, qualificadas e bem
dirigidas, portanto melhores, que outras. Mas de fato a que persistirá na
história de cada acadêmico é aquela que realmente ele próprio se dispuser a
metabolizar, construindo-a a partir do que a universidade instituída -a que
estiver vinculado- lhe oferecer como mínimo, médio ou máximo em termos
de corpo docente, laboratórios, biblioteca, oportunidades de produção
técnico-científica, e assim por diante. Aliás, a boa universidade, como um
todo, se constrói dia-a-dia, mês-a-mês e ano-a-ano, ininterruptamente,
constituindo-se, em cada momento desses, a somatória da seriedade,
criatividade, competência e dinamismo de todos os seus segmentos humanos:
professores, alunos, dirigentes e técnicos.
Uma universidade ruim hoje poderá tomar-se ótima amanhã se todos
esses segmentos se conscientizarem, mobilizarem e agirem numa perspectiva
de autêntico e audacioso projeto educacional para sua instituição. Da mesma
forma, uma boa universidade –de ontem- poderá involuir-se para péssima –
hoje-, se os referidos segmentos perderem a perspectiva dinâmica de projeto
educacional e, em decorrência, se desconscientizarem, desmobilizarem e
desativarem para tal.
Universidades de renome do Brasil e de outros países não o são –
agora- por mero acaso ou porque se esforçaram para alcançar celebridade
apenas numa determinada época. Assim o são, porque num dado momento se
dispuseram a romper as cadeias que as prendiam no patamar da mediocridade
e não mais recuaram, mantendo sempre ativa e criativa a luta por melhores
15
padrões de infra-estrutura, de qualificação científica, técnica e pedagógica, de
gerenciamento e eficiência e de aperfeiçoamento do seu projeto educacional
como um todo. Sem um projeto educacional que as oriente para futuro,
qualquer universidade, qualquer faculdade e qualquer escola restarão sem
rumo, sem direção, largadas aos interesses e estilos pessoais e dos grupos
dominantes.
O mesmo acontece com cada calouro coletiva e individualmente. Se
logo ao chegar à universidade não coletar elementos e formular o seu projeto
educacional vagueará ao sabor das ondas, simplesmente cumprindo as
exigências que lhe são impostas para efeito do cumprimento de mínimos
formais ao longo de todo o seu curso, não tomando conhecimento e
desperdiçando as oportunidades e potencialidades realmente existentes na
universidade instituída que o acolhe, por mais modesta que seja e se
apresente.
E, PARA A FORMULAÇÃO DESSE PROJETO EDUCACIONAL, ALGUNS
PASSOS PODEM SER SUGERIDOS PELO CALOURO, MOTIVADO E AJUDADO POR SUA
UNIVERSDIADE:
3.1. Procurar descobrir as múltiplas alternativas de importância do seu curso.
Por exemplo, conhecer explícitas relações teóricas e aplicadas do
curso com o mercado profissional, o desabrochamento pessoal e a
participação do processo de construção da sociedade ideal, em sentido-macro
(sociedades brasileira e regional, por exemplo) e em dimensão-micro, como
nos casos das sociedades familiar e de determinadas instituições
educacionais, culturais, industriais, comerciais, produtoras e similares.
3.2. Traçar para si mesmo o perfil futuro de profissional, pai ou mãe de família e/ou agente de atuação e transformação societária que pretenda tornar-se com o respaldo tanto do curso quanto de toda a vivência universitária.
16
Definir e decidir que tipo de cidadão ou cidadã se preparará para ser e
atuar em breve futuro: cópia-xerox dos que aí estão ou agente criativo de
eficiências pessoais e sociais bem como de competentes e sadias evoluções e
mudanças.
Lembrar desde já que qualquer caminho decisório na linha do tornar-
se agente criativo implica necessariamente preparo teórico e exercitação de
habilidades em análise lógica, envolvendo: captação de referencial (em
qualquer universo analítico a que se referir), visão de texto e contexto ou
linhas e entrelinhas, organização interna e externa de pensamento bem como
capacidade e eficiência de comunicação oral e escrita do que pensar
reproduzindo e criando.
Mesmo que competente em domínios técnicos específicos, o cidadão
ou cidadã de nível universitário do futuro que não exercitar tais habilidades
desde calouro(a) se sentirá como leão ou leoa na jaula, visto que terá
potencial latente para difundir e contribuir mas não saberá com base em quê e
como fazê-lo. Tornar-se-á prisioneiro de suas próprias inabilidades, tentará
responsabilizar os outros pelas suas deficiências e colherá incompreensão e
revolta ao invés de influência e realização.
3.3. Verificar os EM QUÊ e COMO de todas e cada uma das disciplinas e demais atividades curriculares poderão ser canalizados e sugados nas perspectivas diretas e indiretas do projeto de vida universitária de cada calouro.
Isto implica esforços e iniciativas principalmente de dois lados, o da
universidade instituída que acolhe os calouros e o dos próprios calouros.
À universidade instituída cabe: de uma parte, informar os calourso
sobre O QUÊ há à sua disposição e COMO aproveitá-lo para o bem de suas
vidas acadêmicas; e, de outra, estimular e preparar todos os seus corpos
dirigente, docente, discente-veterano e técnico-administrativo a dialogarem
com os universitários recém-ingressados, a fim de animá-los, instruí-los e
instrumentá-los a tirarem o máximo proveito de tudo o que nela lhes é
acessível. É preciso, pois, que a universidade acolhedora crie e implemente
espaço institucional de gestação e logicização operacional dos projetos de
vida acadêmica de seus calouros.
17
Aos calouros, toca-lhes a superação da timidez e da passividade em
esperar que informações e oportunidades lhes cheguem prontas de cima para
baixo e de dentro para fora. Se até bem pouco correram atrás de tudo para
ingressarem na universidade, por quê, justo agora, não continuarem a correr-
atrás do que doravante mais lhes interessa, os rumos e meios de construção
de suas vidas acadêmicas como preâmbulos de suas próprias futuras vidas
pessoais e profissionais?
3.4. De modo especial, o calouro deve atrair o interesse de todos os professores e técnicos, com os quais mantenha ou venha a manter envolvimento, no sentido de colaborarem na implementação ou até reorientação do citado projeto de vida universitária, no que respeita tanto ao que é formalmente programado para as respectivas disciplinas e demais atividades quanto ao seu relacionamento com conhecimentos, experiências e habilidades adicionais ou complementares.
É bom ter sempre em mente que, de modo geral, não há professor
essencialmente ruim. O que há, na maioria das vezes, é professor desgastado
exatamente pela falta de motivação de alunos, colegas e dirigentes ao longo
de anos a fio. Uma das grandes frustrações de significativo contingente de
docentes consiste no fato de quase nunca poder desenvolver, em formas
expositiva, ou de outras múltiplas atividades, tudo o que julga necessário para
conferir bom proveito à disciplina, visto que os próprios alunos, em muitas
ocorrências, só querem aulas amenas, poucas e fáceis atividades e quase
nenhuma cobrança de efetivo aprendizado.
Isso faz com que o professor, ao invés de se sentir desafiado a crescer
no decurso dos anos, se veja, na prática, compelido primeiro a adaptar-se e,
com o passar do tempo, a se acostumar com o esvaziamento até das
programações mínimas formalmente exigidas, o que significa exatamente a
lenta mas progressiva institucionalização da crescente mediocridade na vida
profissional de muitos professores.
Mas, essa situação pode ser também paulatinamente revertida pela
séria e sincera manifestação de interesse dos alunos. Todo e qualquer
18
professor se desinstala quando se depara com alunos autenticamente
interessados, que são capazes de descobrir, por detrás de suas aparências de
mediocridade, as riquezas de seus conhecimentos não difundidos e de suas
dormentes experiências conquistadas nas batalhas da vida, inclusive
estudantil, pelas quais já tenha passado. Até os professores principiantes se
sentem responsáveis por contínuos aperfeiçoamentos quando seus grupos de
alunos a eles se unem para formarem verdadeiras assembléias de exploração
e produção do conhecimento nas respectivas áreas.
Ao contrário, muitos professores se tornam diminuídos e esvaziados
como profissionais e gente quando seus pupilos os tratam como máquinas de
reprodução facilitada de conhecimentos e práticas, de forma a dispensar ou a
excluir -da parte deles- empenho, esforço e iniciativas de aprendizagem.
Em síntese, alunos realmente motivados conseguem, em muitos casos,
reanimar até os professores mais empedernidos. Com alunos interessados, os
professores normalmente se sentem amparados e desafiados (perante a eles
mesmos, aos colegas, aos dirigentes e à própria sociedade) a processos de
criação, inovação e produção.
3.5. Descobrir oportunidades extracurriculares de desabrochamento de suas capacidades e habilidades produtivas.
A descoberta dessas oportunidades já nos primeiros meses de vida
universitária do calouro é extremamente importante para o seu projeto
educacional, que será evidentemente implementado em toda a duração de sua
permanência na universidade. Importa-lhe saber o QUÊ SÃO e COMO
FUNCIONAM as programações ativas e potenciais de Iniciação Científica,
Pesquisa e Extensão passíveis de sua futura participação. É bem verdade que
a universidade instituída, aquela tratada no tópico anterior, se preocupa muito
mais com as programações curriculares formais que com as extracurriculares
complementares, porém substanciais para a formação universitária, nas
abordagens informativas e interativas destinadas aos calouros. Mas, de
acordo com o velho ditado "se Maomé não vai à montanha, a montanha vem
a Maome''', ou seja, se as instâncias da universidade instituída (aí inclusas as
19
próprias representações e entidades discentes) lhe omitem, sonegam,
retardam ou pulverizam esclarecimentos a esse respeito, que o calouro
(individual ou coletivamente) não se iniba, não se acomode e corra atrás do
prejuízo, pedindo e cobrando dessas instâncias (representações e entidades
estudantis, departamentos, coordenadorias, pró-reitorias, secretarias, comitês,
comissões, etc.) até desvendá-los. Importa que se informe sobre o QUÊ SÃO,
COMO se operacionalizam e EM QUE princípios e habilidades metodológicas
precisará se iniciar para uma boa participação nessas atividades
extracurriculares, segundo o projeto educacional que haja delineado e
definido para sua formação universitária.
3.6. Inteirar-se sobre o potencial bibliográfico, documental e metodológico que possa dar suporte e contribuições à implementação do seu projeto de vida universitária.
Isso implica que o calouro deverá procurar saber: EM QUÊ a biblioteca
da universidade é forte nas áreas de seu interesse e COMO efetivamente
utilizá-Ia; COMO SÃO E FUNCIONAM os laboratórios curriculares e
extracurriculares porventura existentes na instituição e COMO acessá-los; QUE
bibliotecas e centros de documentação há e podem ser consultados na
localidade ou fora dela, procurando cientificar-se se pertencem ou não a
circuitos de redes informatizadas; SE EXISTEM institutos, centros, núcleos,
etc., especializados em pesquisas e estudos de sua previsão de interesse e
como contatá-los; QUAIS são as principais editoras e livrarias que publicam,
distribuem e vendem livros e outros materiais de apoio à implementação das
metas de seu projeto; SE HÁ na própria universidade ou fora dela outras
pessoas, equipes ou entidades já elaborando, implementando, avaliando, etc.,
projetos iguais ou similares; E ASSIM por diante.
3.7. Valorizar os espaços institucionais de organização, representação e iniciativas estudantis também na perspectiva de seu projeto de vida universitária.
20
Esses espaços são essencialmente importantes no processo de
formação do cidadão(ã) universitário(a). Isto, porque a formação universitária
implica a dinamização simultânea de três dimensões: uma formal básica, a
estritamente curricular de cada curso, e duas substanciais complementares, a
do encaminhamento teórico-metodológico de produção técnico-científica e a
da exercitação da cidadania através de vivências e iniciativas sistematizadas
que aprofundem, ampliem e enriqueçam as duas dimensões anteriores e as
projetem na atuação e realização pessoal e societária do futuro cidadão-
agente universitário.
Quanto à primeira dimensão, a curricular, o acadêmico é compelido a
cumpri-Ia até porque sem sua total adimplência não lhe será expedido
diploma. A segunda é aquela a respeito da qual se falou no 5° item atrás,
concernente à Iniciação Científica, à Pesquisa e à Extensão. Já a terceira
dimensão pode e deve ser exercitada, concomitantemente com as outras duas,
nos espaços institucionais de organização, representação e iniciativas
estudantis, existentes em todas as universidades até por força de lei, estatutos,
regimentos e regulamentos específicos. Portanto, os universitários que não
aproveitarem bem e sadiamente esses espaços sairão da universidade, quando
terminarem seus cursos, coxos como cidadãos mesmo que hajam se dedicado
intensamente e com excelente proveito às duas outras dimensões.
Reforçando, é bom enfatizar que a autêntica cidadania não se compra,
não se ganha, não se empresta, não se rouba, não se acha por aí e nem se
herda: conquista-se! Pode-se e deve-se reivindicar, exigir até -se necessário-
que o direito e as condições à exercitação e ao efetivo exercício da cidadania
sejam respeitados, por vezes inclusive proporcionados. Mas, mesmo assim,
cidadania de fato se conquista em âmbitos tanto pessoal quanto coletivo.
3.8. Encampar outros aspectos que venham a ser descobertos e relevados pelo próprio calouro em decorrência de suas aspirações, observações e sugestões colhidas junto a colegas, professores, familiares, mercado de trabalho, profissionais e especialistas de sua futura área de atuação.
O calouro que acaba de ler as sugestões acima pode estar pensando:
puxa-vida, mas que coisa complicada! -Nada disso, companheiro. Que você
21
tem de pensar e começar a esculpir desde já o perfil da pessoa, do cidadão, do
profissional que você pretende tornar-se com a ajuda da universidade e
efetivamente ser e viver no futuro, parece que não há muito o que discutir. Se
há, é porque você ainda se encontra numa estação tomando um trem sem
querer saber para onde ir, ou melhor, simplesmente disposto a ir para onde e
como o trem lhe quiser levar. E, se assim for, não venha a reclamar, depois,
que o trem lhe despejou em destino indesejado, que esse trem foi o exclusivo
culpado pela sua incompleta formação como pessoa, profissional e agente
social, sobretudo se apenas ele tiver sido a única chance de vivência
universitária em sua vida.
Portanto, se você agora se dispõe a não lamentar depois, mobilize-se
principalmente em seu primeiro ano de universidade no sentido de descobrir
o QUÊ e COMO você pretende tornar-se, durante o resto de sua vida
universitária, em matéria de conhecimento, produção técnico-científica,
cidadania, competência profissional e agenciamento social no futuro. Utilize
o trem e os trilhos da universidade para sua viagem-formativa, mas participe
ativamente de sua programação e operacionalização de maneira que, em
aprazado momento, se desembarque onde você de fato e deliberadamente
haja preparado e conquistado como destino. Se você não pensar seriamente
nisso (e logo nos primeiros momentos de sua entrada na universidade), muito
provavelmente nos anos posteriores se limitará à rotina formal da vida
acadêmica e o muro-das-lamentações será sua futura sina.
Ao contrário, se você agora começar a pensar, esboçar e concretizar
seu projeto de vida universitária, para as perspectivas de futuro, terá todos os
demais anos para concretizá-lo, utilizando tudo o que sua universidade lhe
oferecer ou colocar à disposição, mesmo que não seja ainda o ideal.
Mas, atenção: não ache que para isso precise sofisticar ou complicar
demais, sonhando com projeto mirabolante. Pense em tudo o que se registrou
atrás como estímulo, alerta e sugestões para que você mesmo reúna
informações e elabore o seu projeto, bem como priorize metas e programação
de acordo com suas sadias pretensões futuras, exatamente do tamanho de
suas possibilidades e do potencial subsidiário existente na universidade e fora
dela, mas ao seu alcance. Projeto bonito-não-exeqüível nem é verdadeiro
projeto; limita-se a ficção e pode tornar-se até objeto de frustração.
22
Procure parceiros e aliados para seu projeto. Com um pouco de
paciência você acabará descobrindo que há outras pessoas, principalmente
colegas e professores, com aspirações e experiências iguais ou próximas às
suas. Busque, portanto e na medida do possível, trabalhar em conjunto. É
mais estimulante, proveitoso e menos caro. A própria instituição tende a
priorizar seu apoio e colaboração a trabalhos multi-inter-disciplinares.
23
4 – NOTAS DE CONCLUSÃO
De imediato, enfatiza-se que os calouros universitários, ao
esculpirem teórica e operacionalmente seus próprios projetos de vida
acadêmica (com as seriedade, exeqüibilidade e multi-inter-disciplinaridade
anteriormente sinalizadas), tanto investem em suas perspectivas de presente e
futuro quanto influenciam decisivamente as respectivas universidades
instituídas a aperfeiçoarem seus próprios macroprojetos educacionais e a se
dinamizarem como universidades ou IES em processo de contínua
autoconstrução.
Alerta-se, também, para a premente necessidade de que todos os
gestores administrativos, docentes e discentes de todas as instituições
universitárias brasileiras invistam mais e melhor nos calouros, ingressados a
cada semestre ou ano, para que se tornem autoconstrutivos e produtivos na
totalidade de sua permanência universitária. Que, ao se transformarem em
veteranos, no ano seguinte, não se omitam a estimular os novos calouros no
mesmo sentido da autoconstrução universitária, rompendo o círculo-vicioso
da contramotivação mencionada lá no tópico 2.
Frisa-se, ainda, que a universidade não existe só para a promoção
individual de seus alunos. Isso, em razão de que suas principais macro-
finalidades e funções são as de: por um lado, abastecer a sociedade em que se
insere dos conhecimentos humanos, científicos, tecnológicos e técnicos de
que necessita para evoluir-se sadiamente; e, por outro, estimular e preparar os
agentes (inclusive calouros e veteranos) que nortearão e liderarão as
caminhadas evolutivas tanto da instituição universitária universal quanto das
dimensões societárias em que cada universidade se situe.
Isso quer dizer que a entrada na universidade implica
automaticamente, por parte de quaisquer jovens, compromissos de se
tornarem agentes de evolução da sociedade. Significa que esses(as) jovens ou
24
calouros(as) jamais poderão pensar e agir só em função de seus status e
sucessos pessoais. E o motivo disso consiste em que a sociedade, que confere
e legitimaa a razão de ser de cada universidade, investe e espera (explicita ou
implicitamente, não importa) que todos(as) os(as) calouros(as) se
prepararem, em termos pessoais e universitários, tanto para competências e
sucessos individuais quanto para fertilização e disseminação de abundantes
melhorias quantitativas e qualitativas em todas as suas demais dimensões
societárias. Portanto, individualismos e egoísmos não podem ter vez na vida
universitária. Se ocorrem, aqueles(as) que os praticam na verdade se
preparam para exploradores e não agentes de liderança e construção das
respectivas sociedades.
XXX