Protótipos curriculares de ensino médio e ensino médio integrado ...
Cálculo No Ensino Médio
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Matemtica
Programa de Ps-Graduao em Ensino de Matemtica
Vinicius Mendes Couto Pereira
Clculo no Ensino Mdio: Uma Proposta para o
Problema da Variabilidade
Rio de Janeiro, RJ Brasil 2009
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VINICIUS MENDES COUTO PEREIRA
Clculo no Ensino Mdio: Uma Proposta para o Problema da
Variabilidade
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Ensino de Matemtica, Instituto de Matemtica, Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Matemtica.
Orientadora: Prof Dr ngela Rocha dos Santos
Rio de Janeiro, RJ - Brasil 2009
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Pereira, Vinicius Mendes Couto. Clculo no Ensino Mdio: Uma Proposta para o Problema da
Variabilidade/ Vinicius Mendes Couto Pereira Rio de Janeiro, 2009. 182 f.: il.
Dissertao (Mestrado em Ensino de Matemtica) Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Instituto de Matemtica IM, 2009.
Orientadora: ngela Rocha dos Santos.
1. Ensino de Clculo. 2. Clculo no Ensino Mdio. 3. Mathlets. I. Santos, ngela Rocha dos (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Matemtica. III. Clculo no Ensino Mdio: Uma Proposta para o Problema da Variabilidade
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VINICIUS MENDES COUTO PEREIRA
Clculo no Ensino Mdio: Uma Proposta para o Problema da Variabilidade
Dissertao submetida ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Ensino de Matemtica da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessrios para a obteno do grau de Mestre em Ensino de Matemtica.
Aprovada por:
__________________________________________________
Professora ngela Rocha dos Santos, Dr Instituto de Matemtica - UFRJ
Orientadora / Presidente da Banca Examinadora
___________________________________________________
Professor Victor Augusto Giraldo, Dr Instituto de Matemtica - UFRJ
__________________________________________________
Professor Wanderley Moura Rezende, Dr Instituto de Matemtica - UFF
___________________________________________________
Professor Paulo Roberto Trales, Dr Instituto de Matemtica - UFF
Rio de Janeiro 25 de maro de 2009
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A vocs eu deixo o sono. O sonho no! Este, eu mesmo carrego!
Paulo Leminski
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Dedicatria
minha me Lise Agnes, seu amor e dedicao foram fundamentais para o sucesso da minha histria de vida.
minha amada esposa Ana Paula e a meus lindos filhos Raquel e Daniel, presentes de Deus pra minha vida.
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Agradecimentos
Ao meu Deus, razo da minha existncia, presente comigo em todos os instantes.
Aos meus pais, Clovis e Lise, pelo amor incondicional e por sempre acreditarem em mim.
minha amada esposa, Professora Ana Paula, pelo amor, carinho e companheirismo, fundamentais em muitos momentos desta caminhada.
Aos meus maravilhosos filhos, Raquel e Daniel, seus sorrisos fortalecem-me a cada dia.
minha orientadora, Professora ngela Rocha, pela sugesto do tema, pelo exemplo, companheirismo e pelas tantas sugestes.
Aos membros da douta Banca de Qualificao, Professor Victor Giraldo, Professor Wanderley Rezende e Professor Paulo Trales, pelas valiosas sugestes e contribuies, que se tornaram muito importantes para a realizao deste trabalho.
Ao Coordenador do Programa de Mestrado em Ensino de Matemtica, Professor Victor Giraldo, por acreditar que a fora de vontade e o potencial podem superar as dificuldades impostas pela logstica.
Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora (FSMA), na pessoa da Ir Maria La Ramos, pelo apoio financeiro, fundamental para os meus deslocamentos semanais ao Rio de Janeiro.
s diretoras do Instituto Nossa Senhora da Glria (INSG), Ir Regina Maria Meireles e Ir Ana Tereza Pinto, pelo total apoio dado a esta pesquisa.
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Aos Coordenadores Pedaggicos do INSG, Elma Bichara, Scheila Abreu, Balade Ayala e Jlio Boldrini, por tantas vezes viabilizarem meus deslocamentos.
Aos queridos alunos, Marcelo, nio, Lucas, Paula, Nomia, Aloizio, Lgia, Elton, Rafael, Luiz Fernando, Lorena, Brenda, Johann, Marina, Fbio e Fernanda pela sua imensurvel ajuda.
Ao meu irmo Clovis Jnior, pelo seu companheirismo.
Aos queridos padrinhos, Waldir Algemiro e Maria Helena Algemiro pelo exemplo, carinho e confiana no meu potencial.
Aos colegas do Mestrado da turma 2006, pela cumplicidade de nossa convivncia, em especial, aos colegas Victor Paixo e Francisco.
Ao querido Pastor Paulo Rosa Marchon, pelas oraes, pelo carinho e pela convivncia de tantos anos.
Aos queridos irmos da CBA pela convivncia enquanto famlia.
Aos amados conselheiros, Izalmir e Edith, por estarem conosco em todos os momentos.
Aos amigos mais chegados que irmos, Jorge e Carol, pela inestimvel amizade.
Aos meus sogros, Nilton e Mirtes, pelo apoio dispensado em tantas oportunidades.
Aos professores Srgio Fonseca, Ana Siria, Sandra Lucas, pela leitura crtica deste trabalho.
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Resumo
As dificuldades existentes com o ensino de Clculo nos cursos iniciais
das universidades brasileiras constituram-se como tema motivador deste
trabalho.
Nessa mesma linha e tendo como pano de fundo as dualidades
essenciais e os mapas conceituais do Clculo, Rezende (2003) consubstanciou cinco macro-espaos de dificuldades de aprendizagem de natureza
epistemolgica do ensino de Clculo e identificou, em essncia, um nico lugar
matriz dessas dificuldades: o da evitao/ausncia das idias e problemas
construtores do Clculo no ensino bsico de Matemtica.
Considerando principalmente esta ltima constatao e os macro-
espaos citados, concebemos uma proposta de insero de algumas idias do
Clculo no ensino mdio, tendo como metodologia o conceito de Engenharia
Didtica, desenvolvida pela Escola Francesa de Didtica da Matemtica.
Esta proposta foi aplicada a dezesseis alunos do 1 e 2 anos do
Instituto Nossa Senhora da Glria, utilizando pequenos aplicativos
computacionais escritos em linguagem JAVA, os mathlets, como um
organizador genrico, no sentido definido por Tall (1989). A partir da anlise do resultado dessa experincia, chegamos a algumas
concluses que corroboraram as hipteses feitas no transcorrer do trabalho.
Dentre estas concluses, mostramos que perfeitamente possvel tratar das
idias e conceitos do Clculo no Ensino Mdio e que esta abordagem, tem o
potencial no somente de diminuir os grandes ndices de reprovao
verificados hoje nas disciplinas de Clculo, no nvel superior de ensino, mas
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tambm o de melhorar a qualidade do ensino de matemtica do prprio Ensino
Mdio.
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Abstract
The existing difficulties of teaching Calculus in the beginners courses in
the Brazilian Universities were the main motivation for this work.
Being on this way, and having as background the essential dualities and
the conceptual maps of Calculus, Rezende (2003) consubstantiated five macro spaces of the difficulties in learning of an epistemological nature in the teaching
of Calculus, and was identified, essentially, a single point of their origin: the
omission/absence of the basic ideas and the construction problems of
Calculus in teaching of Math in elementary school.
Considering, mainly, this last confirmation and the macro spaces, we
conceive a proposal for include some of Calculus ideas in high school, having
methodology the concept of didactic engineering, defined by the French School
of the Mathematics Didactic.
This proposal was tested with sixteen students from first and second
grades of Instituto Nossa Senhora da Glria, using a few computer applicatives
in JAVA language, the mathlets, as a generic organizer, as Tall (1989) has defined before.
Since the analyses of the experimental results, we came up with
conclusions which proved the hypothesis given during the work. Among these
conclusions , we concluded that it is possible to make useful use of Calculus
ideas and concepts in high school and this approach has potential not only in
decreasing the University of failures observed today in Calculus, but also to
improve the quality of the Mathematics teaching in high school.
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SUMRIO
1. Introduo
1.1. O problema 1.2. O Ensino de Clculo 1.3. O Encaminhamento da Pesquisa 13
2. Referencial Terico
2.1. Dificuldades de Natureza Epistemolgica 2.1.1. Obstculos Epistemolgicos 2.1.2. Macro-Espaos de dificuldades de natureza epistemolgica do ensino de Clculo. 2.1.1.1. Macro-espao da dualidade discreto/contnuo 2.1.1.2. Macro-espao da dualidade variabilidade/permanncia 2.1.1.3. Macro-espao da dualidade finito/infinito 2.1.1.4. Macro-espao da dualidade local/global 2.1.1.5. Macro-espao da dualidade sistematizao/construo
2.2. Imagem de Conceito e Ambientes Corporificados 2.2.1. Imagens de Conceito, Definies de Conceito e Fatores de Conflito 2.2.2 Unidades Cognitivas e Raiz Cognitiva 2.2.3 Ambientes Corporificados
3. Nossa Proposta
3.1. Breve Histrico do Ensino de Clculo no Ensino Mdio 3.2. Algumas Idias do Clculo no Ensino Mdio 3.3. O Problema da Variabilidade 3.4. Relevncia de nossa proposta no Ensino Mdio
4. Metodologia
4.1. Detalhamento e Implementao da Engenharia Didtica 4.1.1. Anlises Preliminares 4.1.2 Concepo da Situao Didtica e Anlise a Priori 4.1.3 Aplicao de uma Seqncia Didtica 4.1.4 Anlise a Posteriori e Validao
5. Estudo de Campo
5.1 Seqncia Didtica e Anlise a Priori 5.2 Aplicao da Seqncia Didtica e Anlise a Posteriori 5.3 Validao
6. Concluses e Propostas Futuras
Referncias Bibliogrficas
1
1 6
15
15 15
17 17 19 22 26 28
29
29 34 36
43
44 49 50 56
63
64 64 65 66 68
69
69 122 168
165
169
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1
Captulo 1. Introduo
1.1 O Problema
A Sociedade Brasileira de Matemtica em um de seus boletins informativos
de 1995, expressa, da seguinte forma, uma grande preocupao das
universidades brasileiras nos ltimos anos:
O ensino de Clculo nas universidades brasileiras tem sido objeto de questionamento em diversos fruns em funo das dificuldades apresentadas pelos alunos na sua aprendizagem, bem como pela alta evaso dos estudantes dos primeiros perodos, matriculados nesta disciplina. (p. 4) (Barreto 2005 apud Reis 2001)
Em especial, nos ltimos anos, vrios trabalhos de pesquisa tm se
dedicado a estudar esse fenmeno. De fato, os ndices de evaso e reprovao
revelados em algumas pesquisas tornam evidente o que Rezende (2003) chama de fracasso no ensino de Clculo. Por exemplo, Barufi (1999) nos revela em sua pesquisa que, no ano de 1995, no Instituto de Matemtica e Estatstica da USP, a
taxa de no-aprovao (alunos reprovados por nota, falta ou desistncia) na disciplina MAT 135 (Clculo para funes de uma varivel real) foi de 66,9%. J na disciplina MAT 131 - Clculo Diferencial e Integral foi de 43,8%. No Instituto de
Geocincias da USP onde, segundo Barufi (1999), o curso de Clculo mais adaptado a realidade local, a taxa de aprovao foi de apenas 35%.
Rezende (2003) revela taxas ainda mais alarmantes na Universidade Federal Fluminense. Na UFF, no perodo de 1996 a 2000, a variao do ndice de
no-aprovao se encontrava na faixa de 45% a 95%, sendo que, para o Curso de
Matemtica, essa no foi inferior a 65%, ou seja, nesse perodo no se aprovou mais que 45% em uma turma de Clculo, no curso de Matemtica.
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2
Essas estatsticas, que consideramos extremamente alarmantes, nos
motivaram a fazer uma observao da nossa prpria realidade no que diz respeito
ao nmero de no-aprovados nos cursos iniciais de Clculo. A partir disso,
coletamos alguns dados na Universidade Federal do Rio de Janeiro, relativos ao
ano letivo de 2005.
Na UFRJ, os ndices de no-aprovao, em 2005, so altos. Embora tenha
existido uma turma com apenas 7% de no-aprovao, encontramos tambm
turmas com esta taxa chegando a 73%. No curso de Matemtica, 58% dos alunos
que fizeram Clculo I, no 1 semestre de 2005, no foram aprovados. De forma
semelhante, os alunos dos cursos de Qumica, Geologia, Astronomia e
Meteorologia que fizeram Clculo I, neste perodo, tiveram um desempenho
parecido com os alunos de Matemtica: o ndice de no-aprovao foi de 54%.
Entretanto, observamos que o ndice de no-aprovao diminui quando
consideramos os alunos dos cursos de Engenharia. No primeiro semestre de
2005, o ndice de no-aprovao nos cursos de Clculo I, entre esses alunos, foi
de 42%. J no segundo semestre desse mesmo ano, tal ndice subiu para 48%.
Um outro fato interessante que, considerando todas as turmas, a taxa de
aprovao no primeiro semestre de 2005 praticamente a mesma daquela
observada no segundo semestre desse mesmo ano.
Poderamos pensar que esses ndices seriam menores nas turmas de
Engenharia, j que, em geral, a relao candidato-vaga no vestibular para esta carreira consideravelmente mais alta do que as outras carreiras que tm
disciplinas de Clculo Diferencial e Integral em seu quadro de disciplinas.
Contudo, observando os grficos abaixo percebemos que as taxas de
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no-aprovao relacionadas aos cursos de Engenharia so praticamente idnticas
s taxas quando so considerados todos os cursos de Clculo da UFRJ.
ndices de aprovao e no-aprovao nos cursos de Clculo I na UFRJ no 2
semestre de 2005.
53%
47% APROVADOS
NO APROVADOS
Figura 1
ndice de aprovao e de no-aprovao em Clculo dos alunos dos cursos de
Engenharia da UFRJ em 2005
53%47% Aprovados
No-aprovados
Figura 2
Dessa forma, podemos concluir que os ndices de no-aprovao nas
turmas de Clculo na UFRJ so muito preocupantes, assim como os ndices
mostrados nas pesquisas mencionadas anteriormente.
O problema do ensino de Clculo, porm, est longe de estar restrito apenas
ao contexto brasileiro, visto que, em outros pases, muitos trabalhos relacionados
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a esse assunto tm sido publicados e recebido ateno especial por parte da
literatura especializada.
Podemos destacar, por exemplo, o trabalho do Professor David Tall, um dos
criadores da rea de pesquisa denominada Pensamento Matemtico Avanado, o
qual um dos suportes tericos para o nosso trabalho. Tall (1981), a partir deste seu clssico artigo, sugere que o ensino de Matemtica no deve ter o foco
apenas na construo formal de um dado conceito, mas que uma gama de idias
e relaes devem estar presentes na abordagem pedaggica deste conceito.
Outro movimento internacional, que merece ser citado, o chamado
Calculus Reform, iniciado na dcada de 80. Uma das caractersticas bsicas
desse movimento a insero de programas educacionais no ensino de Clculo,
usados tanto para o aprendizado de conceitos quanto para resoluo de
problemas. Todas as atividades so baseadas na chamada Regra dos Trs, isto
, todos os problemas devem ser abordados numrica, geomtrica e
analiticamente.
Reis (2001) descreve, em poucas palavras, 30 trabalhos relacionados ao Ensino de Clculo apresentados no ICME 8 (Internacional Congress on Matematical Education) . Esse nmero uma enorme evidncia de que o ensino de Clculo tem motivado diversas pesquisas em todo o mundo e que o fracasso
no ensino de Clculo est muito longe de ser exclusivo do Brasil.
Na tentativa de superar esse "fracasso", um procedimento que tem se
tornado normal em nossas universidades a criao de disciplinas especialmente
voltadas para suprir deficincias apresentadas pelos alunos recm-egressos do
Ensino Mdio. Em algumas universidades, essas disciplinas so chamadas de
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Clculo Zero, em outras, de Pr-Clculo e, ainda em outras, por nomes
semelhantes. O objetivo das referidas disciplinas o mesmo em quase todas as Universidades: preparar o aluno para o curso inicial de Clculo.
Achamos bastante preocupante os indcios existentes de que a implantao
nos currculos dessas disciplinas est longe de surtir o efeito desejado. Por exemplo, Rezende (2003) nos revela que, a partir do segundo semestre de 1997, foi introduzida uma disciplina obrigatria denominada Matemtica Bsica na grade
curricular do curso de Matemtica na UFF. Esperava-se, com a introduo desse
curso, que fosse diminudo, consideravelmente, o ndice de alunos no-aprovados
em Clculo I, mas o que aconteceu foi completamente diferente: os ndices de
no-aprovao em Clculo I no se alteraram e os ndices de no-aprovao em
Matemtica Bsica se tornaram to altos quantos os ndices de Clculo I. Estes
ndices permaneceram na faixa de 70% a 90%, chegando a ultrapassar a 90% no
segundo semestre de 1998.
Diante desse problema, que se estende durante anos, e das tentativas de
resoluo, na maioria das vezes ineficientes, consideramos pertinente a
comparao escrita por Reis (2001):
Comparando, ainda que de forma simplista, a situao com uma encenao teatral vemos, de um lado, os atores (professores) atuando em uma pea mal ensaiada e mal dirigida, fazendo com que o pblico (alunos), de outro lado, no capte sua mensagem e se retire antes do ltimo ato. De quem a culpa: do palco da sala de aula? Dos atores e sua m performance ou do pblico e sua insensibilidade? Ou seria do diretor?
A partir dessa reflexo pode surgir o seguinte questionamento. De quem
seria a culpa pelos enormes ndices de no-aprovao nos cursos iniciais de
Clculo? Dos professores ou dos alunos?
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Reis (2001) nos mostra que Barreto1, quando questionada a respeito dos altos ndices de reprovao nas disciplinas iniciais de Clculo e dos motivos que
levam os alunos a no apresentarem um bom desempenho nelas, afirma,
categoricamente, que o aluno e a escola so os principais responsveis:
As causas so muitas e j bem conhecidas, principalmente a m formao adquirida durante o 1 e 2 graus, de onde recebemos um grande contingente de alunos passivos, dependentes, sem domnio de conceitos bsicos, com pouca capacidade crtica, sem hbitos de estudar e conseqentemente, bastante inseguros. (Barreto 2005 apud Reis 2001)
Entretanto, Cabral (1992), ao questionar alunos de um curso de Clculo com respeito as suas prprias dificuldades, obteve as seguintes respostas:
- J trabalham e nada do que ensinado tem aplicao ou ligao. - As aulas so montonas. - O professor no demonstra segurana na matria. - O professor se esfora mas no expe bem.
Percebemos, ento, que na viso dos estudantes entrevistados, o problema
est relacionado forma como o professor conduz sua prtica pedaggica.
Independente do ngulo em que se enxerga a questo, o problema existe e
muitas tentativas, em vrios pases, tm sido realizadas no mbito de solucion-lo.
1.2 O Ensino de Clculo
Concordamos com Reis (2001) quando afirma: A "tradio" dos limites , indiscutivelmente, a tendncia predominante no ensino atual de Clculo.
1 Barreto, A. Uma das coordenadoras do Projeto Atendimento especial em Clculo I realizado no Instituto
de Matemtica da UFRJ.
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Essa afirmao sustentada em duas constataes feitas por Reis (2001): 1) tradicionalmente, o ensino de Clculo iniciado por meio da noo de limite de uma funo, e todos os conceitos seguintes so fundamentados no conceito de
limite, ou seja, a continuidade depende do limite (existir e ser igual ao valor da imagem da funo no ponto ); a derivada um limite ( do quociente incremental ); a integral um limite ( das somas de Riemann );
2) foi verificado que, na maioria dos livros didticos pesquisados, o desenvolvimento da teoria de derivadas e integrais posterior apresentao dos
limites. Esses, em geral, so definidos a partir do par e, em seguida, so
destacadas as principais propriedades e alguns teoremas mais importantes
relacionados aos limites.
Dessa forma, podemos perceber que as disciplinas de Clculo, assim como
as de Anlise, esto fundamentadas na noo de limite. Segundo o historiador
ingls Ivor Grattan-Guinness2, uma das principais causas dessa tradio se deve
ao movimento de Aritmetizao da Anlise, visto que, na busca pelo rigor, as
redefinies de conceitos como continuidade, diferenciabilidade e integrabilidade
utilizando a linguagem dos limites, representaram garantia inquestionvel de
obteno de um nvel de formalizao bastante aceitvel para os padres
acadmicos da poca e, porque no dizer, para as exigncias acadmicas atuais
da sociedade matemtica.
2 Esta afirmao foi feita aps uma palestra na Faculdade de Educao da Unicamp em uma
conversa informal com Reis(2001).
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Entretanto, cabe ressaltar que esta seqncia Limite, Continuidade,
Derivada e Integral no se caracteriza segundo a ordem histrica, mas segundo a
ordem formal. Contudo, o desenvolvimento histrico da idias centrais do Clculo
se deu, segundo Reis (2001), na seguinte ordem: Clculo Integral, Clculo Diferencial, clculo de limites e noo de nmero real. Logo, a partir destas
constataes, consideramos pertinente a colocao das seguintes questes:
Porque devemos esperar que os alunos aprendam de forma significativa os
conceitos do Clculo se eles so apresentados em uma ordem totalmente
diferente da qual eles foram concebidos? No seria mais natural pensarmos que
as dificuldades epistemolgicas do Clculo, encontradas historicamente,
antecipariam em determinados momentos algumas dificuldades encontradas pelos
estudantes? Dessa forma, a observao de como se deu a construo dos
principais conceitos do Clculo se torna, a nosso ver, imprescindvel. Todavia,
acreditamos que esta seqncia, tradicionalmente trabalhada nos cursos de
Clculo, seja muito mais adequada em um curso de Anlise do que propriamente em um curso de Clculo.
Um outro ponto comum em relao aos cursos de Clculo se d em relao
metodologia. Conforme j foi dito, os professores ministram os cursos de Clculo com base na seqncia Limite, Continuidade, Derivao e Integrao. J, em
sala de aula, alguns resultados que do sustentao teoria so demonstrados e
outros so apenas postulados. Sendo assim, levantamos a seguinte questo:
Ser que os alunos compreendem o sentido dos resultados demonstrados
apesar de acompanharem a sua demonstrao?
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A fim de ilustrar o que pensamos a respeito da questo, achamos oportuno
trazer uma ilustrao muito interessante citada pelo Professor Roberto Baldino:
Um professor, ao terminar a demonstrao de que se uma funo f possui derivada nula em todos os pontos de um intervalo aberto I ento constante em I, v-se interpelado por um aluno que lhe faz a seguinte pergunta:
A_ Professor, o que o senhor est querendo mostrar que um objeto que tem velocidade nula, no se move e, portanto, sua posio permanece constante?
O professor depois de meditar algum tempo, responde, meio desorientado:
P_ Sim, isto mesmo.
Ento o aluno d o golpe final:
A_ E precisa? (Baldino, apud Rezende (2003))
Em relao a essa questo, pensamos que somente a demonstrao do
resultado no suficiente. A nosso ver, a compreenso da essncia do resultado
tambm extremamente necessria. Nesse pitoresco exemplo, o aluno deixou
claro que compreendeu completamente o sentido do teorema. Acreditamos que a
demonstrao de um teorema importante, pois justifica logicamente a veracidade deste, porm, sempre que possvel deve-se levar seu sentido ao
aluno.
Por outro lado, a demonstrao de um teorema no explicita,
necessariamente, como o problema em questo foi resolvido. Por isso, se torna
muito importante observarmos, historicamente, como os conceitos do Clculo
foram evoluindo, a fim de compreendermos melhor quais foram as dificuldades
encontradas durante o processo de construo dos seus conceitos. Percebemos,
contudo, que na maioria dos cursos de Clculo, a prioridade de justificar os resultados logicamente, sem que haja uma preocupao maior com a essncia
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10
dos resultados demonstrados. Assim, vemos uma caracterstica bastante comum
nos cursos de Clculo: prevalncia do significado lgico sobre o sentido dos
resultados do Clculo.
Apesar de considerarmos importante que o aluno entenda um resultado
dentro da estrutura axiomtica na qual a Matemtica formalizada, pensamos que
o entendimento do sentido, da essncia desses resultados , pelo menos, to
importante quanto. Nosso pensamento de que o significado lgico no deve
prevalecer sobre o sentido dos resultados.
A construo dos significados por parte do aluno, entendida como um
objetivo primordial do ensino de Matemtica e, em particular, do ensino de Clculo , sem dvida, uma das premissas desse trabalho.
Acreditamos que a demonstrao no a nica forma de mostrar o sentido
do resultado. Faz-se necessria a busca de alternativas, alm da demonstrao,
para que o aluno compreenda de fato a essncia do resultado matemtico. Mais
ainda, esperamos que o docente compreenda com clareza o papel das idias
bsicas, no apenas dos procedimentos do Clculo Diferencial na formao
matemtica dos seus alunos.
Por outro lado, de forma geral, as demonstraes no so feitas pelo aluno
e sim pelos professores, que em suas aulas expositivas desenvolvem a teoria
formal e demonstram alguns dos resultados. A tarefa devida ao aluno a de
resolver extensas listas de exerccios envolvendo, na maioria delas, apenas
atitudes procedimentais, como clculos de limites, derivadas e integrais
envolvendo todas as tcnicas de derivao e integrao, exigindo do aluno
somente a habilidade de trabalhar com clculos algbricos utilizando, por
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11
exemplo, fatorao de polinmios e relaes trigonomtricas. Todavia,
concordamos plenamente com Rezende (2003) quando afirma que:
O campo semntico das noes bsicas do Clculo tem muito mais a ver
com as noes de infinito, de infinitsimos de variveis, do que com
fatorao de polinmios, relaes trigonomtricas, clculos algbricos.
Dessa forma, fica clara outra caracterstica comum nos cursos de Clculo: a
prevalncia da tcnica sobre o significado. Nessa perspectiva, algumas
questes se tornam latentes: ser que os estudantes de Clculo conhecem o
sentido matemtico do limite ou apenas sabem calcul-los, utilizando tcnicas
elaboradas de fatorao de polinmios e identidades trigonomtricas? Os alunos
de Clculo conhecem o significado da derivada ou sabem apenas aplicar as
tcnicas de derivao?
Conforme j foi dito, a maioria dos nossos cursos se baseia na seqncia Limite, Continuidade, Derivao e Integrao. Se, com relao ao conceito de
limite de uma funo, o que exigido dos alunos, em geral, so clculos de
limites, muitas vezes bastante trabalhosos, nas quais o aluno deve ter uma grande
habilidade algbrica para operar com fatorao de polinmios e identidades
trigonomtricas, ento, definitivamente, no nos parece que o aluno compreenda
de fato a essncia do sentido de limite. Da mesma forma, se em relao
derivada, o que pedido, prioritariamente, so clculos de derivadas de diversas
funes explorando as diversas tcnicas de diferenciao, ento dificilmente o
-
12
estudante entender as idias fundamentais relacionadas ao conceito de
derivao.
Outra grande dificuldade se torna evidente quando se comea a trabalhar
com as aplicaes da derivada, ou seja, no momento em que se torna necessrio identificar uma funo que modela um determinado problema ou ainda verificar
com que rapidez uma funo cresce ou decresce com relao a uma varivel,
aparecem as maiores dificuldades dos alunos.
Desta maneira, surge, naturalmente, a reflexo a respeito do que deve ser
imprescindvel, com relao ao conhecimento dos alunos, para terem condies
de obter sucesso nas disciplinas de Clculo.
Por outro lado, com base nas pesquisas feitas por Cabral (2002) e Reis (2001), nos parece unnime que, entre os professores de Clculo, a grande culpada pelos altssimos ndices de reprovao nesta disciplina a falta de base
dos alunos vindos do Ensino Mdio. De fato, concordamos que a formao
matemtica dos alunos da escola bsica muito deficiente, conforme mostram
avaliaes como SAEB, ENEM, PROVA BRASIL entre outras.
Portanto, como os alunos conseguiro visualizar uma funo que modela
um determinado fenmeno se o que eles estudaram a respeito das funes,
durante os trs anos do Ensino Mdio, resume-se a propriedades algbricas da
funo como, por exemplo, o clculo de razes de equaes e os zeros da funo?
Como entendero como se d a variao de uma funo se o que foi estudado
restringe-se apenas ao fato de a funo crescer ou decrescer? Pensamos que
indispensvel no somente estudar se a funo cresce ou decresce, mas de que
forma ela cresce ou decresce.
-
13
Todavia, se a tcnica tem prevalecido com relao ao significado, conforme
pensamos, ento a base esperada trata puramente dos procedimentos
algbricos. Dessa forma, se o aluno tem habilidade algbrica, ento, com um
pouco de treinamento, ele consegue facilmente calcular os limites e as derivadas
pedidas. Entretanto, acreditamos que apenas as habilidades algbricas esto
longe de constiturem a base to falada. Trataremos nesta dissertao, em
momento oportuno, de uma proposta de insero de algumas idias bsicas do
Clculo no Ensino Mdio.
1.3 O Encaminhamento desta Pesquisa
Colocado o problema, podemos salientar que um dos objetivos desta dissertao refletir, criticamente, sobre ele, e, a partir dessa reflexo, propor
estratgias alternativas, visando, em ltima anlise, melhoria do aproveitamento
nas primeiras disciplinas de clculo.
As pesquisas relacionadas ao ensino de Clculo seguem diversas
vertentes. Algumas se voltam prioritariamente para o uso da tecnologia no ensino,
outras priorizam a abordagem pedaggica.
Embora reconheamos que estes aspectos, no-excludentes, sejam de vital importncia em qualquer pesquisa que seja realizada a respeito do assunto, ressaltamos uma de nossas principais hipteses nesta dissertao. A nosso ver,
as dificuldades de aprendizagem no ensino de Clculo so essencialmente de
natureza epistemolgica.
-
14
Partindo-se desta hiptese e dos questionamentos relacionados ao
problema em questo, utilizaremos como referencial terico, o mapeamento das
dificuldades de aprendizagem de natureza epistemolgica do ensino de Clculo,
feito por Rezende (2003) em sua tese de doutorado, alm da teoria das Imagens de conceito formulada inicialmente por Tall e Vinner (1981).
No Captulo 3, faremos uma anlise de como podemos trabalhar as idias
do Clculo no Ensino Mdio, alm de observarmos historicamente, como
sucederam as diversas tentativas de insero de contedos do Clculo no Ensino
Mdio.
Baseando-se em todas essas consideraes, elaboraremos uma proposta
com o objetivo de sugerir uma seqncia didtica, a qual foi implantada com alunos do 1 e 2 anos do Ensino Mdio do Instituto Nossa Senhora da Glria
(INSG) em Maca/RJ. Tal seqncia permite que o aluno do Ensino Mdio tenha contato com algumas das principais idias do Clculo.
A metodologia da nossa pesquisa est fundamentada na Engenharia
Didtica desenvolvida pela Escola Francesa de Didtica da Matemtica.
No Captulo 5, faremos a anlise a posteriori das respostas dadas as
questes da seqncia didtica e validaremos, ou no, as hipteses levantadas no
Captulo 4, com base no confronto entre a anlise a priori e a anlise a posteriori.
J no Captulo 6 foram apresentadas as concluses, alm de sugestes de
novos trabalhos que podem aprofundar a presente pesquisa.
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Captulo 2. Referencial Terico
No h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino Paulo Freire
Apresentaremos, neste captulo, o referencial terico que d embasamento
s questes levantadas e discutidas em nosso projeto de pesquisa.
2.1 Dificuldades de natureza epistemolgica
Conforme j explicitado, parte de nosso referencial terico ser baseado em uma anlise de natureza epistemolgica.
2.1.1 Obstculos Epistemolgicos
A noo de obstculo epistemolgico foi criada por Gaston Bachelard em
1938, sendo definido da seguinte forma:
Quando se procuram as condies psicolgicas do progresso da cincia, logo se chega a convico de que em termos de obstculos que o problema do conhecimento cientfico deve ser colocado. E no se trata de considerar obstculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenmenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do esprito humano: no mago do prprio ato de conhecer que aparecem, por uma espcie de imperativo funcional, lentides e conflitos. E a que mostraremos causas de estagnao e at de regresso, detectaremos causas de inrcia s quais daremos o nome de obstculos epistemolgicos. (Bachelard, 1996, p.17)
Porm, Bachelard conceituou essa noo se referindo filosofia do
desenvolvimento cientfico e deixou claro que essa noo no era aplicada
Matemtica.
A nosso ver, essa diviso possvel porque o crescimento do esprito matemtico bem diferente do crescimento do esprito cientfico em seu esforo para compreender os fenmenos fsicos. Com efeito, a histria da matemtica maravilhosamente regular. Conhece perodos de pausa. Mas no conhece perodos de erro. Logo, nenhuma dessas
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teses que sustentamos neste livro se refere ao conhecimento matemtico. Tratam apenas do conhecimento do mundo objetivo. (Bachelard, 1996, p.28)
Segundo Giraldo (2004), a extenso dessa noo educao matemtica foi proposta por Brousseau (1983) e, desde ento, a literatura de educao matemtica tem demonstrado que a noo formulada por Bachelard pode ser
aplicada com sucesso para elucidar fenmenos importantes relacionados ao
ensino da Matemtica.
Refletindo sobre a noo de obstculos epistemolgicos proposta por
Bachelard concordamos com Giraldo quando afirma que:
...obstculos epistemolgicos no esto associados a quaisquer fatores externos, mas prpria natureza do conhecimento cientfico so inerentes ao prprio ato de saber, constituintes essenciais e inevitveis do prprio conhecimento a ser construdo ou adquirido. Desta forma, obstculos epistemolgicos se caracterizam por estarem presentes tanto na evoluo histrica do pensamento cientfico quanto em sua prtica educacional. (Giraldo,2004)
Salientamos, novamente, nosso pensamento, de que grande parte das
dificuldades de aprendizagem no ensino de Clculo essencialmente de natureza
epistemolgica, que , sem dvida, uma premissa importantssima deste
trabalho. Os resultados obtidos em Rezende (2003) ratificam nosso pensamento. Nessa tese, como resultado de um mapeamento feito das dificuldades de
aprendizagem de natureza epistemolgica do ensino de Clculo, a partir do
entrelaamento dos fatos histricos e pedaggicos, foram elaborados o que o
referido autor definiu como macro-espaos de natureza epistemolgica. Esses
macro-espaos foram identificados de acordo com cinco dualidades essenciais do
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Clculo e de seu ensino: discreto/contnuo; variabilidade/permanncia;
finito/infinito; local/global; sistematizao/construo.
Faremos ento uma resenha crtica desses macro-espaos elaborados por
Rezende (2003).
2.1.2 Macro-Espaos de dificuldades de natureza epistemolgica do ensino
de Clculo
2.1.2.1 Macro-espao da dualidade discreto/contnuo
Essa dualidade se materializa originalmente nos paradoxos de Zeno e no
problema da incomensurabilidade. Aps sculos de esquecimento, alguns
filsofos da Idade Mdia relacionaram os problemas pertinentes dualidade
discreto/contnuo associando-os a outras questes relacionadas ao problema da
variabilidade de grandezas fsicas. A partir desses estudos, surgem dois conceitos
importantes: as sries infinitas e a noo de varivel.
Porm a resoluo deste problema s foi formalizada na construo dos
nmeros reais por cortes de Dedekind.
No processo pedaggico, essa dualidade completamente ignorada desde
os nveis mais elementares do ensino de Matemtica. De acordo com Rezende
(2003), a associao entre os estudos das dzimas peridicas e das progresses geomtricas poderia ser uma excelente aproximao entre duas reas que esto
separadas no ensino da Matemtica, embora estivessem separadas durante o
processo histrico: a aritmtica e a geometria.
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O grande prejuzo causado pela ausncia dessa dualidade no ensino da Matemtica est relacionado com o conceito de nmero. Rezende (2003) observa que o conceito de nmero natural construdo a partir do problema histrico da
contagem. Por outro lado, os nmeros inteiros, racionais e irracionais esto
associados construo da reta numrica. Dessa forma, a representao
decimal dos nmeros reais so finitas ou aproximadas. Desse modo, pi se torna
3,14 ou 3 se torna 1,73.
Rezende (2003) afirma que o cenrio pedaggico que se apresenta em torno do nmero irracional no diferente daquele desenvolvido pelos
matemticos do Renascimento, visto que nesta poca os nmeros irracionais
eram caracterizados como nmeros decimais sem fim cujos algarismos aps a vrgula nunca se reproduzem na mesma ordem, sendo, por esta razo, chamados
de nmeros nebulosos ou surdos.
Rezende (1994) constata que alguns alunos caracterizam o conjunto dos nmeros irracionais como nmeros que so reais, mas que no so racionais. Na
verdade, esse parece ser o raciocnio da maioria de nossos alunos e professores
no que diz respeito conceituao de nmero irracional. Temos, ento, no
processo pedaggico, uma definio circular: os nmeros irracionais so definidos
como sendo nmeros reais que no so racionais e, o conjunto dos nmeros reais so definidos pela unio do conjunto dos nmeros racionais e o conjunto dos nmeros irracionais. Em verdade, Rezende (2003) faz uma constatao deveras preocupante: o universo numrico dos nossos estudantes se restringe
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apenas aos nmeros racionais acrescido de um conjunto enumervel de nmeros irracionais notveis.
Todavia, cabe ressaltar que a noo de continuidade como o ingrediente
fundamental na extenso do conjunto dos nmeros racionais para o dos nmeros reais completamente ignorada.
Concordamos com Rezende (2003) quando sugere que: Nesse sentido, seriam interessantes que se realizassem algumas antecipaes do
binmio sries/limites no ensino bsico para que houvesse uma problematizao inicial das dificuldades de representao e definio dos nmeros irracionais. No se pretende com isso antecipar a construo formal dos nmeros reais para o ensino bsico. O que se quer oferecer ao estudante um cenrio real das dificuldades de representao deste conceito, ao passo que, com essa apresentao, alguns elementos essenciais do pensamento diferencial- como a noo intuitiva de limites e as sries j pudessem ser iniciadas. Alm disso, o aluno poderia vislumbrar, com essa antecipao, outros processos de aproximaes possveis para alguns nmeros irracionais notveis. Assim, em vez de identificar pi simplesmente com o valor racional 3,14, o aluno poderia desenvolver outros procedimentos de aproximao, percebendo, atravs destes, as dificuldades intrnsecas a problemtica do nmero irracional.
Dessa forma, achamos pertinente o desenvolvimento de atividades no
Ensino Bsico que possibilitem ao aluno ter contato com a noo de continuidade,
para que o estudante tenha condies de entender o processo de extenso do
conjunto dos nmeros racionais para o conjunto dos nmeros reais, alm de perceber a dificuldade da caracterizao dos nmeros irracionais.
2.1.2.2 Macro-espao da dualidade variabilidade/permanncia
Os filsofos pr-socrticos j inferiam a respeito do problema da variabilidade. Seus estudos forneceram farto material para aqueles que viriam a
discutir este problema posteriormente. O estudo da variabilidade, porm, s veio a
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ser desenvolvido no sculo XIV pelos escolsticos que desenvolveram a teoria
que considerada como a forma embrionria do conceito de derivada: a teoria
das latitudes das formas.
Newton e Leibniz usando a cinemtica desenvolvida por Galileu e Torricelli,
o raciocnio algbrico de Vite, os mtodos analticos de Fermat e a geometria
analtica de Descartes resolveram finalmente o problema da variabilidade
desenvolvendo, respectivamente, as suas noes de ltima razo e diferencial.
Segundo Roque (2006): Matematicamente, o estatuto do novo clculo s ir se esclarecer com a
introduo do conceito de funo.
Nesse sentido, podemos considerar que o conceito de funo foi um
ingrediente indispensvel para o estabelecimento do conceito de derivada.
Reiteramos que o conceito de funo nasce no contexto da variabilidade.
Nesse contexto uma funo uma relao funcional implcita entre as
quantidades variveis, mas, com o avanar da histria, o conceito de funo
migrou do mbito da relao entre quantidades variveis para o mbito da Teoria
dos Conjuntos tal como temos nos dias de hoje. Uma funo (de uma varivel) , em nossa atual definio formal, um conjunto de pares ordenados que satisfazem determinadas propriedades algbricas. Temos a mesma opinio de Rezende
(2003), quando afirma que:
Em verdade, a definio formal de funo to abstrata quanto estril.
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Note que a definio formal de funo no carrega em si a idia que
motivou sua criao, a relao entre quantidades variveis. Visto que funo
definida e trabalhada em termos de uma correspondncia esttica entre os valores
das variveis x e y. No Ensino Bsico, o enfoque maior, para no dizer total, se
d em termos das propriedades algbricas da funo. Usa-se funo para resolver
inequaes, discute-se a respeito dos zeros da funo, fala-se sobre
sobrejetividade e injetividade, fala-se at sobre crescimento e decrescimento de uma funo, mas no se discute, qualitativamente, esse crescimento ou
decrescimento em relao sua varivel independente e, na maioria desses
exemplos, a expresso analtica da funo apresentada ao aluno, em vez de ser
construda por meio de uma situao-problema.
No entanto, conforme apontam Cabral (1998) e Neto (1998), o que tem prevalecido na formao dos estudantes exatamente a expresso analtica da
funo, ou seja, para alguns estudantes uma funo , simplesmente, uma expresso algbrica, tal como cos x ou x2, por exemplo. Isso, a nosso ver,
catastrfico. Como um conceito to importante, que tem uma malha de
significaes to rica, pode ser caracterizado somente por meio de uma expresso
algbrica?
Como conseqncia desses fatos, a idia de funo que estabelecida
pelos alunos, no est fundamentada no contexto da variabilidade, mas num
contexto esttico ou ainda num contexto algbrico. Essa interpretao
destacada por Rezende como um dos maiores obstculos epistemolgicos:
... tal interpretao, alm de no ter participado historicamente da soluo do problema da variabilidade dada pelo Clculo, constitui efetivamente um dos maiores
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obstculos epistemolgicos quela noo de interdependncia entre quantidades variveis, to essencial para o desenvolvimento do Clculo. Rezende (2003)
Uma enorme evidncia de que o conceito de funo no adequadamente
trabalhado no Ensino Bsico so as dificuldades dos estudantes quando se
deparam com os problemas relacionados aplicaes da derivada. Como j dissemos, como os estudantes podero obter a funo que modela uma situao,
se em todos os momentos esta funo sempre lhes foi apresentada como um
dado a priori ? Como construir conceitos sobre variao de uma funo se
funes sempre so trabalhadas de forma esttica via expresso algbrica?
No entanto, acreditamos que o conceito de funo pode e deve ser
trabalhado dentro do contexto da variabilidade, a fim de que possamos evitar este
grave desvio epistemolgico. Construir uma proposta neste sentido sem dvida
um dos principais objetivos deste trabalho.
2.1.2.3 Macro-espao da dualidade finito/infinito
Podemos dizer que a histria do infinito tem incio com os paradoxos de
Zeno e tambm com a descoberta das grandezas incomensurveis. Esses dois
fatos abalaram os alicerces de grande parte da Matemtica grega produzida at
ento e, obrigaram os estudiosos a produzir Matemtica de outra maneira.
Grandes matemticos que surgiram posteriormente usaram o infinito como um
ingrediente indispensvel concluso de seus resultados. Eudoxo e Arquimedes
deram continuidade idia de infinito elaborada por Zeno. No livro V de Os
Elementos de Euclides descrita uma grande realizao de Eudoxo: o mtodo da
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exausto, que foi criado com o objetivo de se calcular reas e volumes. Eudoxo pressups a existncia de quantidades to pequenas quanto desejarmos.
Segundo Amadei (2005), esta foi a idia que introduziu o conceito de infinito potencial que inspirou matemticos do sculo XIX a introduzir o conceito de limite
como fundamento para o Clculo.
Arquimedes expandiu as idias de Eudoxo e as utilizou em muitos de seus
resultados, como, por exemplo, no clculo do volume de uma esfera e de um
cone.
Entretanto, aps estes trabalhos, extremamente avanados para a sua
poca, muitos sculos se passaram e pouco se avanou a respeito do conceito de
infinito. Segundo Rezende (2003): ... , a insero definitiva do infinito no contexto matemtico se d na idade
mdia, novamente com os escolsticos.
Procedimentos infinitesimais comearam a ser usados com bastante
intensidade e j eram considerados usuais. Esses procedimentos participaram fortemente tanto do Clculo de Newton quanto do Clculo de Leibniz.
No entanto, apenas no sculo passado que a noo de infinito
definitivamente formalizada, principalmente por meio dos trabalhos de Dedekind e
Georg Cantor.
Certamente o conceito de infinito altamente complexo e durante milnios
foi sempre um desafio a ser superado por diversos matemticos. Entretanto,
Rezende (2003) observa que: ... diante dessa complexidade , no mnimo curioso que nossos estudantes no tenham sequer conscincia das dificuldades inerentes noo de infinito, mesmo tendo eles j realizado um curso de Clculo ou mesmo de Anlise.
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E a seguir Rezende (2003), conclui: Isto nos leva a concluir que cursar ou no cursar as referidas disciplinas, tal
como se encontram organizadas nos dias de hoje, no faz diferena alguma para a instruo do aluno nesse assunto.
De fato, surpreendente que um conceito to importante na construo das
idias matemticas e, ao mesmo tempo, to complexo, no seja sequer considerado pelos estudantes. Acreditamos que este fato um forte indcio de que
a complexidade do infinito sequer seja citada entre os estudantes do Ensino Mdio, talvez porque o professor desconhea esta complexidade ou, ainda, por
varrer as dificuldades e coloc-las debaixo do tapete. O que mais grave o
crculo vicioso formado. Muitos licenciandos saem dos cursos de Clculo e de
Anlise com atitudes extremamente ingnuas em relao ao infinito e so
exatamente estes licenciandos que iro formar outros estudantes mais tarde,
possivelmente sem despertar a conscincia destes em relao a complexidade do
infinito.
Rezende (1994) em sua dissertao de mestrado relatou algumas atitudes de estudantes do Ensino Superior com relao ao infinito, vejamos: Com relao srie de Girandi: ...11111111 ++++ , os estudantes
majoritariamente afirmaram que tal soma nula, visto que:
0...0000...)11()11()11(...11111111 =+++=+++=++++
Alguns outros estudantes afirmaram que tal soma seria 1, j que: 1...0001)...11()11()11(1...11111111 =+++=++++++=++++
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Assim, podemos perceber que os estudantes em questo, fizeram uso da
propriedade associativa, sequer questionando se esta propriedade vlida para
somas infinitas ou se a srie convergia.
Esses estudantes, segundo o relato de Rezende, ficaram completamente
impotentes e passivos quando lhes foi mostrado que esta srie pode convergir
para qualquer nmero inteiro, se fosse utilizado o seguinte raciocnio:
2...00002...)11()11()11(11...11111111 =++++=++++++++=++++
Ou ainda:
3...00003...)11()11()11(111...11111111 =++++=+++++++++=++++
J com relao as indeterminaes matemticas, Rezende relata os
seguintes procedimentos bastante comuns por parte dos estudantes em relao
ao clculo de limites:
1111lim ==
+
x
x x
( ) 02lim ==+
xxxx
00.1lim ==
xxsen
x
Fica clara a ingenuidade dos estudantes com relao a infinito. Muitos deles
criam uma lgebra do infinito, deixando evidente que no tm clareza a respeito
desta noo to importante.
Dessa forma, percebemos que o infinito um elemento estranho ao aluno
do Ensino Superior, mesmo aps ter concludo o curso de Anlise. Observemos
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que se o infinito estranho ao aluno do Ensino Superior, com maior razo, o ser,
para o aluno de Clculo.
Sendo assim, concordamos com Rezende:
Isto posto, fica evidente que a idia de infinito no participa nem contribui de forma significativa na construo das redes de significaes estabelecidas num curso inicial de Clculo. Rezende (2003)
Todavia, acreditamos que novas atividades direcionadas ao aluno do
Ensino Mdio devem ser pensadas e construdas, para que este tenha contato
com a idia de infinito.
2.1.2.4 Macro-espao da dualidade local/global
Essa dualidade a mais recente em relao s que j foram apresentadas. Segundo Petitot (1985, p.11) esta dualidade pode ser datada de meados do sculo XIX.
A oposio local/global pode ser caracterizada, inicialmente, como um
produto de nossa percepo do espao, porm no se esgotando nela. Nri
(2006) descreve muito oportunamente um exemplo dessa oposio: Consideremos a Terra. Durante muitos milhares de anos, pensou-se que a
superfcie terrestre era plana. A razo que o planeta era visto de muito perto. S quando nos afastamos dele, vemos que na realidade a sua superfcie mais parecida com uma esfera do que com um plano. Diz-se que Aristteles reparou isto vendo a sombra da Terra sobre a Lua durante um eclipse. De certa forma, Aristteles precisou recorrer imagem da Terra vista da Lua para poder perceber que a Terra no era plana. Ora, se a Terra parece (ou parecia) plana significa que existe um plano que se parece muito com a Terra, certo? Na verdade, sabemos que no um plano, mas sim vrios planos. Para um habitante de Tquio, o plano que se parece com a Terra no o mesmo que para ns. Isto nos indica que esta noo de aproximao local, isto , dependendo do ponto onde nos colocamos percebemos de modo diferente o objeto simples (reta, plano, etc) que mais parece com o objeto original (curva, esfera, etc). Nri (2006,p.91)
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Rezende (2003) ressalta que a simulao euclidiana do espao, aprendida pela percepo humana, to somente uma aproximao local do que
efetivamente , visto que podemos aproximar localmente uma superfcie esfrica
pelo seu plano tangente.
Alguns autores, percebendo a oposio local/global, tm utilizado esta
dualidade para formularem novos conceitos a serem aplicados no ensino da
Matemtica. Baseado no fato de que a percepo humana de um objeto curvo reto quando olhado muito de perto, Tall (1989) formulou a noo de retido local3. Giraldo explica como a noo de derivada pode ser introduzida atravs da noo
de retido local :
Numa abordagem baseada na noo de retido local, a derivada introduzida a partir do processo computacional de magnificao local, em que uma poro de uma curva altamente ampliada numa tela de computador. A derivada de uma funo apresentada como a inclinao da reta com a qual seu grfico se confunde quando submetido a um processo de magnificao local. Assim, a derivada pode ser aprendida a partir da variao do prprio grfico. Giraldo (2004)
Rezende (2003) chama ateno para o fato de que alguns conceitos do Clculo so definidos localmente; continuidade num ponto, diferenciabilidade num
ponto, para que ento sejam estendidos de forma natural para o seu estado global, a funo contnua se ela o for em cada ponto de seu domnio. Sem
dvida, esse fato exige do aluno uma habilidade de ir e vir entre essas duas
extremidades, local e global. Habilidade essa que deveria ser trabalhada, a nosso
ver, desde o Ensino Mdio, trabalhando alguns temas sob a luz desta dualidade.
3 Local straightness, no original em ingls.
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2.1.2.5 Macro-espao da dualidade sistematizao/construo
De forma geral, a relao entre sistematizao e construo no
constitui necessariamente uma dualidade. Restringindo-nos, porm, ao caso do
ensino de Clculo, sistematizao no oposio de construo, ao contrrio,
parte integrante do processo de construo do conhecimento em geral. Sendo
assim, essa dualidade se constitui dentro da escala pedaggica.
Rezende (2003) faz ponderaes a respeito de algumas prticas normais em um curso inicial de Clculo, sob a luz da dualidade sistematizao/construo.
Geralmente, os conceitos do Clculo so apresentados segundo a sua
definio formal e alguns resultados so demonstrados. Aps as apresentaes e
demonstraes, os alunos so levados ao treinamento atravs dos exerccios de
fixao. Dentro desse contexto, a significao dos conceitos realizada dentro da
lgica formal das definies e da estrutura axiomtica.
Rezende ratifica este pensamento e enxerga um grande obstculo de
natureza epistemolgica:
Primeiro define-se o conceito, depois, apresentam-se os exemplos, como se estes nada tivessem a ver com a origem histrica do conceito definido. Assim, com essa sistematizao exacerbada, surge um dos grandes obstculos de natureza epistemolgica do ensino normal de Clculo: a desmaterializao dos seus resultados e conceitos bsicos. Rezende (2003)
De fato, achamos muito mais oportuno que o aluno entenda o sentido dos
resultados do Clculo e no apenas saiba suas demonstraes. Desta forma,
podemos perceber claramente que a rede de significaes dos alunos est
relacionada ao conceito j sistematizado dentro da estrutura axiomtica. Rezende
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sugere que se inverta a polaridade da dualidade sistematizao/construo a fim
de que os estudantes passem a ter um bom nvel de significao dos conceitos.
Assim, para recuperar o real nvel de significao dos conceitos e resultados do Clculo preciso que se inverta a polaridade da dualidade sistematizao/construo; isto , ao invs de se construir as significaes no nvel do conhecimento j sistematizado, deveramos construir os campos de significaes dos resultados e idias bsicas do Clculo para, num momento posterior, buscar a sistematizao desses elementos. Rezende (2003)
Isto posto, trabalharemos nesta dissertao no sentido de contribuir com
uma proposta que contemple da melhor forma possvel os aspectos supracitados.
2.2 Imagens de Conceito e Ambientes Corporificados
2.2.1 Imagens de Conceito, Definies de Conceito e Fatores de Conflito
A teoria de imagens de conceito, hoje, bastante difundida, surgiu a partir do artigo escrito por David Tall e Sholomo Vinner (Tall e Vinner, 1981).
Nesse clebre artigo, Tall e Vinner lembram-nos, de que muitos conceitos,
os quais usamos, no esto formalmente definidos, mas aprendemos a
reconhec-los pela experincia e uso nos contextos apropriados. Mais tarde,
porm, esses conceitos podem ser refinados em seus significados e interpretados
cada vez com mais sutileza, dando-se ou no ao luxo de uma definio precisa.
A partir dessas reflexes e, considerando que durante o processo mental
de retomada e manipulao de um conceito, muitos processos sero trazidos
cena, afetando consciente ou inconsciente o seu significado e uso, a imagem de
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conceito de um indivduo relacionado a um determinado conceito foi definido
como:
... a estrutura cognitiva total associada ao conceito, que inclui todas as figuras mentais, processos e propriedades associados. Ela construda ao longo dos anos, atravs de experincias de todos os tipos, mudando enquanto o indivduo encontra novos estmulos e amadurece. (Tall e Vinner 1981, apud Giraldo 2004)
E ainda, imagem de conceito evocada definida como:
...a poro da imagem conceitual que ativada em um dado momento. Tall e Vinner (1981)
Segundo Giraldo (2004), este artigo:
... sugere que o ensino de matemtica deve visar a compreenso pelo estudante no apenas na construo formal dos conceitos, mas o enriquecimento, como um todo, da estrutura cognitiva individual associada a estes. Com este propsito, uma gama ampla de representaes e idias relacionadas de todo tipo deve figurar na abordagem pedaggica de um dado conceito.
A respeito da imagem de conceito, Giraldo (2004) esclarece que: A imagem de conceito compe-se de atributos de diferentes naturezas e graus de generalidade, e que podem ser representaes visuais, bem como colees de impresses ou experincias. A imagem de conceito de funo real de um indivduo, por exemplo, pode incluir elementos, tais como formas de apresentao (grficos, frmulas, tabelas, diagramas); elementos da definio (como domnio, contradomnio) propriedades especficas (como bijetividade, linearidade, monotonicidade); exemplos particulares (como operaes, inverso); e assim por diante.
Dessa forma, acreditamos, em consonncia com esta teoria, que a
abordagem matemtica para um determinado contedo deve objetivar o enriquecimento da imagem de conceito desenvolvida pelos estudantes,
considerando que esta no uma estrutura esttica, mas que est sempre sujeita a transformaes, podendo ter atributos acrescentados, excludos ou modificados.
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Alguns alunos so capazes de especificar um determinado contedo
matemtico atravs de palavras. Assim, uma definio de conceito o arranjo de palavras usado para especificar o contedo em questo, ou ainda, o arranjo de palavras que o aluno usa para explicao prpria de sua imagem conceitual
evocada. Essa definio pode ser decorada pelo indivduo ou significativamente
aprendida e relacionada ao conceito em maior ou menor grau, sendo que uma
definio de conceito pode diferir ou no da definio formal deste conceito,
usualmente aceita pela comunidade matemtica. (Tall e Vinner, 1981) Inicialmente, a definio de conceito tratada como parte da imagem de
conceito. Em trabalhos posteriores, entretanto, Vinner considera a imagem de
conceito como uma estrutura excludente definio de conceito. Todavia, ambos
os autores, concordam que esta diferena de natureza puramente formal, no
acarretando em quaisquer diferenas relevantes para a teoria em si. Por outro
lado, ressaltado que tanto uma definio de conceito que corresponda
definio formal sem uma imagem de conceito rica quanto uma imagem de
conceito rica sem uma definio de conceito adequada podem ter conseqncias
catastrficas. (Giraldo, 2004) Muitos contedos em Matemtica so abordados inicialmente por meio de
definies, tanto em livros quanto em aulas nos Ensinos Mdio e Superior. Ao
observarmos a estrutura formal da Matemtica, como concebida pelos
matemticos, podemos entender porque esse fato acontece, visto que, por esse
vis, a Matemtica uma teoria dedutiva e como tal, comea com definies
primitivas e axiomas, sendo que todos os outros resultados devem ser deduzidos
a partir destas definies e axiomas. Desta maneira, Tall e Vinner (1981) lembram
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que o crebro humano no uma entidade puramente lgica e, como seu
funcionamento se d de maneira bastante complexa, ele est, muitas vezes, em
descompasso com a lgica da Matemtica, fazendo-se necessrio ento
estabelecer uma distino entre os conceitos matemticos como os definimos
formalmente e os processos cognitivos pelos quais so concebidos.
Vinner (1991) salienta que com esta abordagem esperado pelos professores, que a definio de conceito dos estudantes seja consistente com a definio formal do conceito e a imagem de conceito seja completamente concebida e controlada pela definio de conceito. Conforme ilustrado na figura
abaixo:
Figura 3
Porm, difcil treinar um sistema cognitivo para agir contra a natureza e
for-lo a consultar definies, seja em um processo de formao de uma imagem conceitual ou de execuo de uma tarefa cognitiva 4 (VINNER, 1991), traduo nossa.
Na execuo de uma tarefa cognitiva, o sistema cognitivo desejvel de acordo com Vinner (1991) est representado na Figura 4:
4 It is hard to train a cognitive system to act against its nature and force it to consult definitions either when
forming a concept image or when working on a cognitive task
Definio de Conceito Imagem de Conceito
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33
Figura 4
Tall e Vinner (1981) chamam-nos a ateno para o fato de que as imagens de conceito de limite e continuidade provavelmente contm fatores que conflitam
com a definio conceitual formal, sendo que alguns desses fatores podem no
ser conscientemente percebidos pelo indivduo, mas podem causar confuso
quando confrontados com a teoria formal. Dessa forma, uma parte da imagem de
conceito ou da definio de conceito que pode conflitar com outra parte da
imagem de conceito ou da definio de conceito definida como fator de conflito
potencial. Por outro lado, um fator de conflito cognitivo acontece quando fatores
conflitantes da imagem de conceito ou da definio de conceito so evocadas
simultaneamente.
Vinner (1991) recomenda que esses conflitos devem ser evitados e s estimulados quando existir a necessidade de conduzir os estudantes a alcanar
Tarefa cognitiva Entrada
Sada
Definio de Conceito Imagem de Conceito
Um comportamento intelectual
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um nvel de compreenso mais significativo. Alguns autores como Giraldo (2004), utilizam esses fatores de conflito de forma a fazer com que a atualizao desses
fatores tenham um papel pedaggico importante no processo de aquisio de um
conceito matemtico.
Giraldo (2002) define conflito terico-computacional como a situao na qual uma representao computacional aparentemente contraditria com a
formulao terica associada. Esse autor defende que se os conflitos terico-
computacionais so enfatizados, em lugar de evitados, o papel pedaggico das
caractersticas inerentes a cada forma de representao podem sofrer uma
reverso positiva: elas podem contribuir no para o estreitamento, mas para o
enriquecimento das imagens de conceito.
2.2.2 Raiz Cognitiva
Tall e Barnard (1997) definem unidade cognitiva como a parte da estrutura cognitiva que pode ser mantida no foco da ateno durante um determinado
perodo de tempo. Sendo assim, essa unidade cognitiva pode ser um smbolo, um
fato especfico como 4 + 5 = 9, um fato geral como a soma dos ngulos internos
de um tringulo 180, uma relao, um passo de u ma argumentao, um
teorema etc.
Todavia, em alguns casos, o conceito matemtico abordado inicialmente
com o aluno de forma insatisfatria. Vrios autores, por exemplo, como Rezende
(2003), Vinner (1991) e Sierpinska (1988), ressaltam que introduzir o conceito de funo atravs da sua definio formal completamente inadequado, uma vez
que todos os exemplos de funo trabalhados com os alunos carregam fortemente
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a idia de relao entre quantidades variveis, de maneira que a definio formal
se torna infrutfera. Nesse contexto, Tall coloca a questo de como introduzir e
motivar novos conceitos matemticos sem pecar pela simplificao excessiva nem
pelo formalismo excessivo. Como uma primeira tentativa para resolver esta
questo, Tall (1989) define raiz cognitiva como:
... um conceito-ncora que o estudante acha fcil de compreender, e que, ainda sim, forma uma base a partir da qual a teoria pode ser construda.
Em um outro trabalho Tall (2000) este conceito redefinido atravs das unidades cognitivas da seguinte forma:
... uma unidade cognitiva que tem significado para o estudante no estgio em questo, e ainda assim contm as sementes de expanses cognitivas para definies formais e desenvolvimento terico posterior (Tall 2000, apud Giraldo 2004)
Fica claro, aps essa nova definio, que a raiz cognitiva passa a ser
considerada como uma unidade cognitiva especial, ou seja, deve ser um atributo de sua imagem de conceito, uma idia familiar ao estudante.
Giraldo (2004) ressalta duas caractersticas especiais que uma raiz cognitiva deve atender:
i) fazer sentido (ao menos potencialmente) para o estudante no estgio em questo;
ii) permitir expanses cognitivas para desenvolvimentos tericos posteriores.
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Com relao ao conceito de derivada, a raiz cognitiva proposta por Tall
(1989) a noo de retido local, que se baseia no fato de que percepo humana um objeto curvo parece reto quando olhada de muito perto.
Acreditamos fortemente que essa raiz cognitiva pode fazer parte da imagem
de conceito dos estudantes desde o Ensino Mdio.
2.2.3 Ambientes Corporificados
Nas ltimas duas dcadas tem sido desenvolvida a teoria de cognio
corporificada5 no mbito da cincia cognitiva. No contexto do ensino de
Matemtica, as principais contribuies tm sido feitas por meio dos trabalhos de
Lakoff (Lakoff e Johnson, 1999, Lakoff e Nunez, 2000, Nunez et al 1999). Nesse sentido, segundo a teoria da cognio corporificada, a aprendizagem e a prtica
da Matemtica no so apenas atividades intelectuais, mas devem levar em
considerao as experincias corpreas e sensoriais dos seres humanos, alm
dos fatores socioculturais e o contexto onde a prtica desenvolvida.
Tall (2003) usa o termo corporificado em um sentido mais restrito, referindo-se ao pensamento construdo fundamentalmente por meio da percepo
sensorial em oposio operao simblica e a deduo lgica. Nesse mesmo
trabalho, Tall sugere uma abordagem corporificada para o ensino de Clculo tendo
como idia central a interao com a imagem fsica do grfico de uma funo.
Para ilustrar um dos exemplos dessa abordagem, enfatizado que as
funes (trabalhadas usualmente com os alunos) envolvem variveis numricas e
5 embodied cognition
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as declividades6 dessas funes tambm so funes com variveis numricas.
Pode se ento levar o aluno a perceber que os aspectos grficos de xxf 2)( = e xxf 3)( = so semelhantes aos grficos das funes obtidas quando as variveis
so as declividades dessas funes. Desta forma, procura-se o nmero k tal que
o grfico de xkxf =)( o mesmo grfico da funo declividade.
Concordamos com Paixo (2008), quando acrescenta: ... uma abordagem corporificada com uso da tecnologia , em geral, uma
abordagem visual/grfica que leva o aluno, de algum modo, a construir uma intuio a cerca de um determinado tpico.
Um organizador genrico definido por Tall (1989) como um ambiente (ou micromundo) que possibilita ao aluno manipular exemplos e contra exemplos (se possvel) de um determinado conceito matemtico ou de conceitos matemticos relacionados.
Segundo Tall (2003) os conceitos de organizador genrico e raiz cognitiva so muito importantes em abordagens corporificadas no ensino de Matemtica.
Um organizador genrico pode ser formado por materiais concretos ou ainda por
softwares computacionais. Sendo assim, a abordagem inicial de um contedo
matemtico deve levar em considerao uma idia que seja familiar ao estudante e que d possibilidades para que ele evolua para conceitos mais complexos, ou
seja, desejvel que a abordagem inicial em um organizador genrico deve ser uma raiz cognitiva.
6 Neste sentido, a declividade de um ponto do grfico a declividade da reta tangente ao grfico neste ponto.
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Dessa forma, Tall (2003) prope que a tecnologia seja utilizada como suporte para uma abordagem corporificada, atravs do que Paixo (2008) denomina Ambiente Corporificado.
Nesse sentido, um Ambiente Corporificado um organizador genrico onde
uma abordagem corporificada seja implementada tendo como ferramenta o uso do computador.
Cabe ressaltar que no utilizamos o termo Corporificado no sentido
inicialmente proposto pela teoria da cognio corporificada, pois no
compartilhamos a opinio de que tudo corporificado conforme acreditam seus
autores. Contudo, acreditamos que ao estar em um ambiente corporificado,
manipulando exemplos e contra exemplos, o aluno ter condies de construir
uma imagem mental que ser o ponto de partida para uma conjectura e posterior formalizao e/ou abstrao do conceito matemtico explorado.
Concordamos com Paixo (2008), quando afirma que: Este modo muito peculiar de interatividade professor-aluno, onde o professor pode
disponibilizar aplicativos (mathlets) que explorem determinadas caractersticas do contedo proposto, para que o aluno possa, atravs da experimentao, elaborar conjecturas e inferir propriedades relacionadas aos entes matemticos envolvidos na aplicao, simboliza a utilizao do que chamamos de ambientes corporificados.
Dessa forma, o trabalho em um ambiente corporificado permite migrar da
abordagem tradicionalmente utilizada no ensino de Matemtica, baseada na
cadeia:
definio teorema demonstrao corolrio (aplicaes) Para uma outra abordagem baseada em uma nova cadeia:
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explorao conjectura tentativa de demonstrao concluso e
aplicao
Contudo, Paixo (2008) alerta que este tipo de abordagem deve ter o complemento de outras representaes simblicas e/ou formais, a fim de evitar
conflitos cognitivos por conta da incorreta abstrao de um dado conceito. Por
exemplo: quando um aluno tem contato com as noes primitivas da Geometria
Euclidiana Plana: ponto, reta e plano, em um ambiente corporificado. Neste
contexto, pode ter dificuldades para perceber, que uma linha reta, em geometrias
no-euclidianas, no exatamente o que imagina por meio de seu sentido fsico-
corpreo.
Em nossa pesquisa, utilizaremos, como organizador genrico, os aplicativos
denominados Mathlets, definidos pelo JOMA7 como uma pequena plataforma
independente e interativa para o ensino de matemtica.
Existem diversos aplicativos disponveis no mercado, que podem ser teis
no ensino de Matemtica, como por exemplo, Cabri, Maple, Graphmatica. Porm,
uma desvantagem destes programas a impossibilidade de que um professor
ministre suas aulas distncia.
Contudo, segundo Paixo (2008), uma grande vantagem atribuda aos Mathlets a possibilidade real de interatividade, aliada ao fato de que um mathlet
no est atrelado a nada mais que um navegador web. Alm do fato de que os
alunos podem participar de verdadeiros laboratrios de Matemtica onde, a partir
de experincias interativas, possvel fortalecer sua imagem de conceito.
7 Journal of On Line Mathematics and Applications
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Existem, na Web, diversos mathlets independentes e conjuntos de mathlets para o ensino de determinados conceitos matemticos. A maior parte, contudo,
dessas bibliotecas no podem ser reescritas. Portanto, o professor ter
dificuldades ao adaptar os mathlets existentes sua realidade.
Por este motivo, fazemos uso dos Construtores de Mathlets. Um
construtor de Mathlets , segundo Paixo (2008): Uma biblioteca de mathets configurveis, onde a alterao de alguns
parmetros capaz de produzir uma nova aplicao, completamente diferente da anterior.
Dessa forma, um professor que nunca teve contato com programao de
computadores ser capaz de construir novos mathlets, apenas conhecendo
propriedades de conceitos matemticos e modificando convenientemente alguns
parmetros.
Partindo de um mathlet pronto, o professor pode alterar suas configuraes,
gerando automaticamente um cdigo em linguagem HTML e, dessa maneira,
construindo um novo mathlet.
Em outras palavras, o Construtor de Mathlet possibilita a construo de
novos aplicativos que sero usados conforme a realidade e a convenincia do
professor.
Observe a seguir, um mathlet, sua janela de configurao e seu cdigo HTML.
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Figura 5: Exemplo de Mathlet
Figura 6: Janela de Configurao do Mathlet
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Figura 7: Janela com cdigo gerado pelo construtor
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Captulo 3. Nossa Proposta
Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar,no j a sua imagem na gua ou em qualquer stio, mas a ele mesmo, no seu lugar Plato
Considerando essas reflexes com respeito problemtica em torno do
Ensino de Clculo, nossa proposta se baseia na hiptese de que os problemas no
ensino desta matria so de natureza essencialmente epistemolgica. Por outro
lado, alm deste ponto de vista, nossas aes tambm estaro baseadas em
algumas das teorias da rea de pesquisa denominada Pensamento Matemtico
Avanado a fim de analisarmos de que forma algumas abordagens, com respeito
a determinados conceitos, ajudam no desenvolvimento cognitivo dos alunos. As concluses obtidas por Rezende (2003) em sua tese de doutorado tambm formam uma premissa crucial em nosso trabalho. Aps mapear as
dificuldades de aprendizagem dos estudantes e relacion-las com os mapas
histricos e conceituais do Clculo, e tambm com o ensino de Matemtica em um
sentido amplo, o referido autor conclui que existe um nico lugar-matriz das
dificuldades de aprendizagem de natureza epistemolgica do ensino de Clculo:
o da omisso/evitao das idias bsicas e dos problemas construtores do
Clculo no ensino de Matemtica em sentido amplo.
E ainda mais, o maior obstculo de natureza epistemolgica do ensino de
Clculo funo:
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Da evitao/ausncia das idias e problemas construtores do Clculo no ensino
bsico de Matemtica.
Considerando especialmente esta ltima constatao, elaboramos uma
proposta que permite abordar determinadas idias do Clculo, nos Ensinos
Fundamental e Mdio.
Conforme j dissemos, uma das principais premissas de nosso trabalho a nossa convico de que as idias do Clculo podem e devem ser trabalhadas,
pelo menos, desde o Ensino Mdio, uma vez que dentro do seu contedo
programtico encontram-se alguns resultados do Clculo. Desta forma, achamos
pertinente entendermos com maior propriedade, como se desenvolveu o ensino de
Clculo no Brasil, em particular o ensino de Clculo no Ensino Mdio.
3.1 Breve Histrico do Ensino de Clculo no Ensino Mdio
No final do sculo XIX, existiu uma grande preocupao em alguns pases
europeus com relao ao ensino da matemtica em nvel secundrio. Esta
preocupao estava baseada no fato de que a matemtica ministrada nos cursos
secundrios estava em completo descompasso com as novas exigncias do novo
contexto scio-poltico-econmico e tambm com a matemtica estudada nas
universidades. A culminncia dessa insatisfao geral foi o primeiro grande
movimento de modernizao do ensino da matemtica, tendo como marco inicial a
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criao da Comisso Internacional de Ensino da Matemtica,8 em 1908, em
Roma, liderada pelo ilustre matemtico Flix Klein no IV Congresso Internacional
de Matemtica. Os trabalhos do CIEM mostraram a muitos pases, inclusive ao
Brasil, a necessidade da reformulao tanto do currculo, quanto da abordagem de
determinados contedos.
O ensino secundrio no Brasil no incio do sculo XIX era catico. Na
verdade, existiam poucas aulas avulsas, sem nenhum incentivo ou orientao,
onde os professores escolhiam os horrios que melhor lhe conviessem, bem como
o contedo a ser ensinado, e os alunos matriculavam-se e retiravam-se quando
bem entendessem.
A criao da primeira escola pblica secundria da cidade do Rio de
Janeiro em 1837, o Colgio Pedro II, foi uma das tentativas de mudana desta
triste realidade. A partir da, foi proposto um plano, a partir do qual, os alunos
seriam promovidos por srie e no mais por disciplina.
Com a Reforma Benjamim Constant no ano de 1890 o sistema educacional brasileiro passou por uma profunda mudana. Esta reforma, elaborada segundo
as idias de Augusto Comte, intentava, entre outras coisas, introduzir uma
formao cientfica em substituio formao literria existente. Nesta proposta,
que reservava sete anos para o ensino secundrio, foram contempladas, nos
tpicos relativos matemtica, tanto a matemtica aplicada, quanto a matemtica
discreta, tendo no 3 ano a cadeira de Clculo Dife rencial e Integral. Porm,
conforme relata Euclides Roxo:
8 CIEM Commission Internationale de LEnseignement Mathmatique
IMUK Internationalen Mathematische Unterrichts Kommission
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o estudo do Clculo no tinha ligao com o resto do curso, onde no era desenvolvida a idia de funo, e foi feito de um ponto de vista excessivamente formalstico, tornou-se intil e contraproducente (apud Spina 2002)
Tal postura culminaria em 1900 com a retirada dos programas oficiais do
Clculo Diferencial e Integral. Nos anos que se seguiram, at 1930, nenhuma das
reformas propostas chegou a produzir mudanas significativas no ensino
secundrio brasileiro.
O professor Euclides Roxo, diretor do Colgio Pedro II de 1925 a 1935,
inspirado nas idias de Flix Klein e do CIEM, props uma mudana curricular no
programa de matemtica do Colgio Pedro II, que foi efetivada atravs do Decreto
no18569 de 1929. Apesar da mudana estar restrita ao Colgio Pedro II, esperava-
se que as outras instituies fossem atingidas, visto que este deveria ser o modelo
para as outras escolas secundrias.
Este fato s se deu com a Reforma Francisco Campos, em 1931, a qual foi
a primeira tentativa de estruturar todo o curso secundrio nacional, e de introduzir
nele os princpios modernizadores da educao. Por meio desta reforma ficaram
estabelecidos definitivamente o currculo seriado, a freqncia obrigatria, dois
ciclos, um fundamental e outro complementar. As disciplinas matemticas agora
estavam unificadas sob o ttulo de Matemtica. No programa de Matemtica, foi
proposta a fragmentao das vrias reas da Matemtica, tendo sido enfatizadas
a importncia de suas aplicaes, a introduo do conceito de funo e noes do
Clculo Infinitesimal. Este fato fica claro aps observarmos alguns trechos da
Reforma:
... como um desenvolvimento natural do conceito de funo, ser includo na 5 srie o ensino das noes fundamentais e iniciais do clculo das derivadas, tendo-se no
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s em vista a sua aplicao a certas questes, geralmente tratadas em matemtica elementar por processos artificiais, como ainda aos problemas elementares da mecnica e da fsica ...
... a noo de funo constituir a idia coordenadora do ensino. Introduzida, a princpio, intuitivamente, ser depois desenvolvida sob feio mais rigorosa, at ser estudada, na ltima srie, sob ponto de vista geral e abstrato.
(Decreto n 19890, 1931, apud Miorim, 1998)
Porm, esta proposta inovadora encontrou muitas resistncias para ser
implantada, principalmente a partir dos professores que, em geral, no se sentiam
seguros para trabalhar a Matemtica de uma maneira to diferente daquela a que
estavam habituados. O fato certamente foi agravado pela inexistncia, quase que
total, de livros didticos que contemplassem as idias modernizadoras. Estes
fatores contriburam fortemente para que a implementao da Reforma no
tivesse o efeito desejado, visto que, segundo Spina (2002): ...os professores, em sua maioria, continuavam a trabalhar os contedos
de forma desconectada e excessivamente rigorosa.
Em 1942, com a Reforma Capanema, praticamente encerraram-se as
discusses sobre o ensino de matemtica. Nesta reforma o ensino secundrio foi
reformulado e dividido em dois ciclos: ginasial e clssico ou cientfico. Os
contedos referentes ao Clculo continuaram, de forma mais sinttica, nos
programas regulares do cientfico. Contudo, Spina (2002), aps anlise de vrios livros didticos da poca, relata que:
... apesar de todas as discusses a respeito do assunto, prevalece a abordagem rigorosa, linear e formal dos contedos, assim como a total desarticulao destes com os demais contedos.
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Em 1951, atravs da Portaria Ministerial n 1045, o Ministrio da Educao
oferece uma abertura para que os governos estaduais e territoriais elaborassem
seus programas de ensino, obedecendo a um programa mnimo de contedos e
s respectivas instrues metodolgicas.
Com a Lei de Diretrizes e Bases em 1961, a estrutura da escola brasileira
foi dividida em quatro graus escolares: primrio, ginasial, colegial e superior. Com
a flexibilizao do currculo escolar, desaparece o ensino do Clculo na escola
secundria, salvo em algumas escolas isoladas, situao que perdura at hoje. Aps esta anlise, se torna evidente que as experincias com o ensino de
Clculo, em nossa escola secundria, no so positivas.
Entretanto, cabe ressaltar que nossa proposta no pretende enfatizar, no
Ensino Mdio, tpicos tradicionais do Clculo, como limites, derivadas e integrais.
Mas, ao contrrio, pretendemos que as idias do Clculo que permeiam os
contedos no Ensino Mdio, sejam evocadas e trabalhadas devidamente, de forma a incluir novos atributos, relacionados a estas idias, na imagem de
conceito dos estudantes.
Ressaltamos, todavia, nosso pensamento de que trabalhar os conceitos do
Clculo no Ensino Mdio, tal como se encontram organizados no Ensino Superior,
no resolveria o problema, mas, ao contrrio, faria somente com que este fosse
antecipado.
Neste ponto, reafirmamos que nossa proposta no se baseia em uma
antecipao do problema, mas na preparao, a nosso ver, imprescindvel, para
uma resoluo deste.
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3.2 Algumas Idias do Clculo no Ensino Mdio
Quando olhamos para o programa de matemtica a ser trabalhado nos
Ensinos Fundamental e Mdio, podemos perceber de forma imediata a presena
de alguns elementos e resultados do Clculo Diferencial. Podemos citar, por
exemplo, a rea do crculo. O resultado quase sempre levado ao aluno como
uma frmula, sem que o aluno perceba como se chegou a ela ou, pelo menos,
tenha idia da dificuldade que existe para que se alcance tal resultado. A nosso
ver, seria pertinente, neste caso especfico, levar o aluno a fazer clculos de reas
de polgonos regulares inscritos e circunscritos, com o nmero de lados cada vez
maior, em uma circunferncia de raio r, a fim de que ele perceba, ao menos, que a
rea do crculo menor que a rea de qualquer polgono regular circunscrito e que
maior do que a rea de qualquer polgono inscrito. Desta forma, achamos
tambm importante fazer o aluno perceber que quando temos um pol