Cadernos Metrópole 31. -

294
cadernos metrópole ISSN 1517-2422 teoria urbana e cidade neoliberal na América Latina Cadernos Metrópole v. 16, n. 31, pp. 1-292 jun 2014

description

Cadernos Metrópole 31. -

Transcript of Cadernos Metrópole 31. -

Page 1: Cadernos Metrópole 31. -

cadernos

metrópole

ISSN 1517-2422

teoria urbana e cidadeneoliberal na América Latina

Cadernos Metrópolev. 16, n. 31, pp. 1-292

jun 2014

Page 2: Cadernos Metrópole 31. -

Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,

SemestralISSN 1517-2422A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22

1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles

CDD 300.5

Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

Periódico indexado na Library of Congress – Washington

Cadernos Metrópole

Profa. Dra. Lucia BógusPontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das MetrópolesRua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes

05015-001 – São Paulo – SP – Brasil

Prof. Dr. Luiz César de Queiroz RibeiroUniversidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das MetrópolesAv. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão

21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil

Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970São Paulo – SP – Brasil

Telefax: (55-11) [email protected]

http://web.observatoriodasmetropoles.net

SecretáriaRaquel Cerqueira

Page 3: Cadernos Metrópole 31. -

teoria urbana e cidadeneoliberal na América Latina

ttteeeooorrriiiaaa uuurrrbbbannna eee ccciiidddaaadddeeennneeeooollliiibbbeeerrraaalll nnnaaa AAAmmméééricccaaa LLaaatttinnnaaa

Page 4: Cadernos Metrópole 31. -

PUC-SP

Reitora Anna Maria Marques Cintra

EDUC – Editora da PUC-SPDireção

Miguel Wady Chaia

Conselho Editorial Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor,

Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norival Baitello Junior, Oswaldo Henrique Duek Marques,Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori

Coordenação EditorialSonia Montone

Revisão de portuguêsEveline Bouteiller

Revisão de inglêsCarolina Siqueira M. Ventura

Revisão de espanholVivian Motta Pires

Projeto gráfi co, editoração e capaRaquel Cerqueira

Rua Monte Alegre, 984, sala S-1605014-901 São Paulo - SP - Brasil

Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085 [email protected]

www.pucsp.br/educ

Page 5: Cadernos Metrópole 31. -

cadernos

metrópole

EDITORESLucia Bógus (PUC-SP)

Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)

CONSELHO EDITORIAL

Eustógio Wanderley Correia Dantas (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (Universidade de São Paulo,

São Paulo/São Paulo/Brasil)

COMISSÃO EDITORIAL

Adauto Lucio Cardoso (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito

Federal/Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Fani Alessandri Carlos (Universidade de São Paulo, São

Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. Britto (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi (Universidad Nacional de General Sarmiento, Los Polvorines/Provincia de Buenos

Aires/Argentina) Angélica Tanus Benatti Alvim (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Universidade

Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (Universidade Federal Fluminense, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (Pontifi cia Universidad Católica de Chile, Santiago/Chile) Carlos José Cândido G. Fortuna (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (Universitat de Barcelona, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de Castro (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Eleanor Gomes da Silva Palhano (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz Sánchez (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (Universidade Técnica de Lisboa,

Lisboa/Portugal) Frederico Rosa Borges de Holanda (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa (Universidade Federal

de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (Universidade de São Paulo, São Paulo/São

Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesus Leal (Universidad Complutense

de Madrid, Madri/Espanha) José Alberto Vieira Rio Fernandes (Universidade do Porto, Porto/Portugal) José Antônio F. Alonso (Fundação de Economia e

Estatística, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) José Machado Pais (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Universidade

Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) José Maria Carvalho Ferreira (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Tavares Correia Lira (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Christina Duarte Dias (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil)

Luciana Corrêa do Lago (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado da Silva (Instituto Universitário

de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Márcio Moraes Valença (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (Universidade Federal da

Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil)

Marta Dominguéz Pérez (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) Nadia Somekh (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/

Brasil) Nelson Baltrusis (Universidade Católica do Salvador, Salvador/Bahia/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo

Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (Universidade de São Paulo, São Paulo/

São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/

Brasil) Sarah Feldman (Universidade de São Paulo, São Carlos/São Paulo/Brasil) Tamara Benakouche (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa

Catarina/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Wrana Maria Panizzi (Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)

Page 6: Cadernos Metrópole 31. -
Page 7: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 1-292, jun 2014 7

sumário

Apresentação9

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América La naJosé Luis Coraggio

17Reading Polanyi based on socialand solidarity economy in La n America

37The capitalist city in the neoliberal pa ernof accumula on in La n America

La ciudad capitalista en el patrón neoliberalde acumulación en América La naEmilio Pradilla Cobos

Words and things in the La n American city. Epistemological obstacles in Argen nean

urban policies

61 Las palabras y las cosas en la ciudad la noamericana. Obstáculos epistemológicosen polí cas urbanas argen nasAna NúñezJorge Roze

Enfoques teóricos y usos polí cos del conceptode espacio público bajo el neoliberalismoen la ciudad de Cuernavaca, MéxicoCarla Alexandra Filipe Narciso

Theore cal frameworks and poli cal uses of the concept of public space under neoliberalism

in the city of Cuernavaca, Mexico

113

89A la carte urbanism: theories, policies,programs and other urban recipes

for La n American ci es

Urbanismo a la carta: teorías, polí cas,programas y otras recetas urbanaspara ciudades la noamericanasVictor Delgadillo

Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo la no-americano de cidade ou metrópole?Ponto de vista de uma europeiaHélène Rivière d’Arc

139Is it possible to talk, in the 21st century,of a La n American model of city or metropolis?

A European’s point of view

dossiê: teoria urbana e cidade neoliberal na América Latina

Page 8: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 1-292, jun 20148

195Regional centers in the North of Rio de Janeiro and the Metropolitan Region: poli cal culture

in a compara ve perspec ve

Polos regionais do Norte Fluminensee a Região Metropolitana: cultura polí caem perspec va comparada Sérgio de AzevedoJoseane de Souza Fernandes

169Internal migra ons and their contemporary protagonism in the urban imaginaries

of the metropolis of Lima, Peru

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo nos imaginários urbanosda metrópole de Lima, PeruBeatriz Silveira Castro Filgueiras

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográfi cas: um olhar sobre o entornodo Arroio Dilúvio em Porto AlegreWilliam MogHeleniza Ávila CamposLívia Salomão Piccinini

219Morphological analysis of urban spacesin river basins: analyzing the surroundings

of Dilúvio River in Porto Alegre

Avaliação das metodologias brasileirasde vulnerabilidade socioambiental como decorrência da problemá ca urbana no BrasilMônica Maria Souto MaiorGesinaldo Ataíde Cândido

239Analysis of the Brazilian assessmentmethodologies of socio-environmental

vulnerability as a result of urbanproblems in Brazil

Instruções aos autores289

149Neoliberal urban reorganiza on and the bus companies in the city of Rio de Janeiro

Reestruturação urbana neoliberal e as empresasde ônibus na cidade do Rio de JaneiroIgor Pouchain Matela

Variações intra e intermetropolitanasda desigualdade de renda racialLeonardo Souza SilveiraJerônimo Oliveira Muniz

Intra- and inter-metropolitan varia onsof racial income inequality

263

Artigos complementares

Page 9: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 9

Apresentação

Sob o impacto da explosão do crescimento das grandes cidades, no período 1950/1970,

surgiu na América Latina um pensamento urbano que buscava encontrar os marcos estruturais-

-históricos da nossa formação urbana. Marcado pelo debate entre as teorias da dependência,

da modernização e do imperialismo e pelo reconhecimento da diversidade das cidades do

continente, esse pensamento teve grande infl uência no debate internacional. Expressava uma

atitude intelectual de estabelecer uma relação crítica com as próprias formulações críticas sobre

o desenvolvimento capitalista – vale dizer, o marxismo – pela qual as categorias de pensamento

necessitavam ser historicizadas diante da experiência histórica dos países latino-americanos, sem

o que o pensamento se destituía de sua capacidade cognitiva.

Posteriormente, contudo, a partir da institucionalização das disciplinas das ciências sociais

e suas especializações sobre os temas urbanos, o vigor intelectual desse debate foi obscurecido

pelo poder “geo-cultural“1 das grandes universidades do mundo europeu e norte-americano

e sua capacidade de hegemonizar o pensamento urbano na escala global. Uma verdadeira

divisão mundial do trabalho se estabeleceu no campo acadêmico, pela qual às instituições e

aos pesquisadores dos países do mundo euro-americano caberia a formulação de conceitos e

teorias com pretensões de legitimidade universais, enquanto aos posicionados nas periferias e

semiperiferias caberiam as tarefas de colocá-los à prova empírica.

O presente número da revista Cadernos Metrópole busca abrir espaço para os acadêmicos

que em vários países latino-americanos – e em outros continentes – vêm retomando os esforços de

reconstrução do pensamento latino-americano sobre a cidade, em diálogo crítico com uma teoria

urbana globalizante, nos planos teórico, conceitual e empírico. Ele repercute a iniciativa de um

Page 10: Cadernos Metrópole 31. -

Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201410

grupo de pesquisadores2 do continente em criar um movimento intelectual-acadêmico que retome

o projeto de pensar a especifi cidade dos processos de urbanização e de mudanças das grandes

cidades latino-americanas. Tal iniciativa está em sintonia com um movimento mais amplo que

reúne acadêmicos, pesquisadores e intelectuais de vários países que vêm pensando e discutindo a

necessidade de construir uma perspectiva crítica desde o “Sul” sobre a globalização cultural que

impera nas ciências sociais em geral e nas disciplinas desse ramo de conhecimento que se dedica

aos temas urbanos.

A ampla adesão de pesquisadores à proposta editorial dos Cadernos Metrópole evidencia

que o tema atende à necessidade do mundo acadêmico latino-americano de encontrar formas

ativas de resistência ao poder cultural que criou uma geo-epistemologia global, cujo centro são as

grandes universidade do mundo euro-americano. Trata-se de uma batalha tanto mais importante

na medida que o controle do conhecimento é hoje a fronteira de expansão capitalista, dada sua

importância capital no desenvolvimento das Nações.

O continente latino-americano vive um momento especial, que impõe refl etirmos sobre os

paradigmas com os quais temos analisado as nossas particularidades como periferia da economia

mundo capitalista e as nossas possibilidades históricas para encontrar caminhos alternativos na

atual fase de crise da “virada neoliberal” iniciada nos anos 1970. Após a recessão dos anos 1980

e as políticas neoliberais dos anos 1990, observa-se em vários países crescimento econômico com

diminuição das desigualdades de renda, embora de modo geral os coefi cientes de Gini permaneçam

muito mais elevados do que a média mundial. Trata-se da combinação de efeitos pró-ciclos do

crescimento econômico impulsionado por dinâmica exportadora de commodities e pela expansão

do mercado interno. Simultaneamente, surgiram em vários países políticas sociais de transferência

de renda, ao mesmo tempo em que os Estados retomaram seus antigos compromissos com os

direitos sociais, notadamente na educação e na saúde, o que se expressa no aumento dos gastos

sociais. Também surgiram, em vários países da região, políticas de aumento real do salário mínimo

e do PIB per capita.

Este conjunto de mudanças se associa à crise do projeto neoliberal nos países centrais e

ao surgimento de governos que expressam novas correlações de forças, com a maior presença

dos partidos e grupos populares. Para muitos analistas, o continente latino-americano ingressou

desde os primeiros anos do século XXI em uma etapa de transição marcada por uma crise de

hegemonia do modelo liberal3 de desenvolvimento que orientou as políticas econômicas nos anos

1990. Com efeito, a economia mundial atravessou desde 1994 um longo período de crescimento,

apesar das frequentes crises, mas simultaneamente acontecem mudanças profundas na direção

do enfraquecimento das condições econômicas, fi nanceiras, políticas e ideológicas do projeto

neoliberal em marcha desde a segunda metade dos anos 1970. Para vários analistas da cena

política dos países latino-americanos, vêm surgindo no continente projetos de enfrentamento da

política neoliberal.

Page 11: Cadernos Metrópole 31. -

Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 11

O que vem acontecendo nas cidades da América Latina? Segundo o documento Estado

das Cidades da América Latina e Caribe,4 elaborado pelo Programa das Nações Unidas para

os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a taxa de urbanização no Brasil e nos países do

Cone Sul chegará a 90% até 2020, só superior às verifi cadas no norte da Europa (84,4%) e da

América do Norte (82,1%). No México e nos países que formam a região andino-equatorial a

urbanização chega a 85%. No Caribe e na América Central, as taxas de urbanização são mais

baixas, mas em elevação constante, devendo chegar a 83% e 75% da população urbana em

2050, respectivamente. Mas as sociedades urbanas em emergência se expressam também pela

enorme concentração da população em grandes cidades, embora em ritmo mais lento do que o

verifi cado no passado. Segundo o mesmo estudo, hoje, 34 % da população da América Latina vive

em cidades com mais de 1 milhão de habitantes e 20% em centros metropolitanos, concentrando

mais de 5 milhões de pessoas.

Mas as cidades na América Latina conformam também o território de concentração dos

ativos e dos passivos de seus países. Ainda segundo o documento da ONU/Habitat, cerca de 2/3

do PIB concentram-se nas regiões urbanas e, ao mesmo tempo, há extremados índices de carência,

polarização e desigualdades sociais. Com efeito, 111 milhões de pessoas ainda moram em

moradias consideradas subnormais em termos de padrões habitacionais, 74 milhões de pessoas

(16%) em moradias sem saneamento adequado e menos de 20% do esgotamento da água usada

e do resíduo sólido é tratado antes de ser despejado. A polarização e as desigualdades sociais

em termos de renda vêm diminuindo nos últimos anos em alguns países – Panamá, México, El

Salvador, Honduras, Brasil, Venezuela, Uruguai e Peru – mas mantêm-se em elevados patamares,

o que faz das cidades da América Latina as que apresentam os maiores índices de inequidade do

planeta. Tal desigualdade da estrutura social traduz-se na constituição de cidades duais, divididas

e segregadas como marcas da organização do território urbano, com importantes impactos nos

padrões de sociabilidade.

Tais números indicam que os países ingressaram em sociedades urbanas, mas com cidades

ainda fortemente precárias e improvisadas para cumprir seu papel de espaços sociais fundamentais

para a produção e a reprodução da vida. Por outro lado, o mesmo estudo da ONU/Habitat menciona

a retomada em alguns países de políticas urbanas e habitacionais regulatórias e de promoção de

bem-estar coletivo, praticamente abandonadas no período neoliberal dos anos 1990. Em vários

deles surgiram, por exemplo, políticas de provisão de moradia fundadas no subsídio fornecido pelo

orçamento público para aquelas famílias que sempre estiveram fora do mercado imobiliário. No

Brasil, a constituição de 1988 e a lei federal conhecida como Estatuto das Cidades fi xaram, como

princípio da política e da gestão urbana, a função social da propriedade privada do solo urbano e

da própria cidade.

Page 12: Cadernos Metrópole 31. -

Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201412

Simultaneamente à retomada de políticas públicas de provisão de moradia de interesse

social, observa-se nos países do continente a inexistência de ações públicas de regulação

do mercado de terras e de ordenamento do uso e da ocupação do solo. Ao mesmo tempo, em

várias cidades latino-americanas vem sendo adotado o modelo de política concebido sob a

ótica da competitividade urbana, o que se expressa por projetos que visam ativar e promover

reformas urbanas que liberem a cidade dos fatores institucionais, culturais, sociais e urbanísticos

que bloqueiam o pleno funcionamento dos circuitos de acumulação urbana. São experimentos

regulatórios liberais usando a formulação de Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore no, hoje,

famoso artigo Depois da Neoliberalização? publicado nos Cadernos Metrópole, 2012, v. 14,

n. 27 – entendidos como ações pontuais realizadas em vários âmbitos da ação do Estado e em

suas múltiplas escalas com o poder de impor, intensifi car e reproduzir modalidades de políticas

e governança urbana focadas na mercantilização da cidade. No plano das cidades, assistimos,

portanto, a uma disputa entre modelos de políticas neoliberais e reformistas.

Uma das preocupações que orientaram a organização deste número é a de que esta

disputa de projeto de cidade e sua experimentação ganham centralidade no atual momento de

confronto de projetos políticos nacionais liberais e reformistas, em vários países da América Latina.

Disputa marcada, por um lado, pela crise de hegemonia do modelo liberal global, e, por outro,

pelas difi culdades das esquerdas de construírem um projeto alternativo com a capacidade contra-

-hegemônica para conduzir a oportunidade de transição aberta para os países do continente.5

Como afi rma Eder Sader (2007), a construção do projeto hegemônico pós-liberal depende do

conhecimento das transformações ocorridas na América Latina, em especial da nova estrutura

social de recomposição da força de trabalho ocorrida nos períodos liberal e pós-liberal e, ao mesmo

tempo, do conhecimento dos elementos e mecanismos pelos quais a concepção liberal de mundo

se afi rma e se difunde nas sociedades do continente. Em outras palavras, trata-se de entender os

mecanismos de construção e de legitimidade do projeto liberal.

Traçando um paralelo entre esse período recente com outro momento da história política

da América Latina, nossa hipótese é que a crise urbana e suas representações nos campos político,

acadêmico, jornalístico e na sociedade civil vêm realizando papel semelhante ao assumido

pela crise dos serviços públicos nos anos 1980 e 1990: veículo e mecanismo de construção de

consentimento de uma nova rodada de neoliberalização que participa ativamente da fragilização

da hegemonia dos projetos antiliberais.

Conforma-se, assim, um paradoxo cuja compreensão é fundamental. Enquanto muitas

políticas na escala federal parecem mover-se na direção antiliberal, mas em constante confl ito

com as políticas macroeconômicas ainda de orientação liberal por fundarem-se em seus

princípios – metas de infl ação, câmbio fl utuante e superávit fi scal – experimentos regulatórios

liberais na cidade vão afi rmando seu contrário, muitas vezes através da associação entre políticas

urbanas locais liberais com políticas nacionais com pretensões antiliberais. Ao mesmo tempo,

experimentos de políticas urbanas locais claramente neoliberais são difundidos e adotados, ainda

Page 13: Cadernos Metrópole 31. -

Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 13

que parcialmente, por escalas supralocais em políticas que se pretendem regulatórias antiliberais.6

O exemplo é o novo modelo de relação entre o Estado e os interesses dos capitais representado

pela Parceria Público-Privado.

A compreensão dos fundamentos desse paradoxo da cidade exige ir além dos fatos mais

imediatos da presente conjuntura. Devemos nos indagar sobre as relações econômicas e políticas

entre as forças presentes nas cidades com aquelas que vêm comandando o desenvolvimento das

relações capitalistas na América Latina. Tais relações foram sempre biunívocas, especialmente

naqueles países que conheceram a expansão do capitalismo industrial. Em outros termos, em

muitos países do continente se estabeleceu uma relação orgânica entre o capitalismo industrial e

o que poderíamos chamar de “capitalismo urbano”, pela qual pôde se legitimar o padrão liberal

do desenvolvimento latino-americano. A cidade foi, portanto, historicamente controlada pelas

forças do mercado como fundamento de um bloco de poder que comandou nossa inserção na

expansão do moderno sistema capitalista. Este fato político-econômico decorre da acomodação

das forças dominantes internas aos países latino-americanos à inserção associada às forças

liberais-internacionalizantes que surgem e se expandem desde o século XVI, a partir do núcleo do

moderno sistema capitalista.

Os textos reunidos no dossiê referem-se a esse debate, evidenciando as distintas

manifestações do embate neoliberal em diferentes contextos da sociedade latino-americana.

O artigo de José Luiz Coraggio retoma o pensamento e os conceitos elaborados por

Karl Polanyi, traçando um paralelo entre o pensamento desse autor e o atual debate contra o

neoliberalismo, ressaltando a importância de se fazer uma leitura do continente latino-americano

a partir da própria América Latina. Aponta a coerência entre a contribuição de Polanyi e a proposta

de construir “outra economia” a partir de práticas de economia social e solidária.

Emílio Pradilla Cobos analisa as características da cidade capitalista forjada no contexto

neoliberal de acumulação vigente na América Latina. Ressalta suas peculiaridades e adverte para

a difi culdade de elaborar análises com conceitos elaborados a partir e para o estudo de cidades do

chamado mundo desenvolvido. Para ele, a análise das cidades latino-americanas no neoliberalismo

vigente deve considerar a combinação entre o novo e o velho, a existência de um desenvolvimento

desigual e combinado e as especifi cidades históricas de cada uma dessas cidades.

Focalizando os processos de produção de teorias e marcos conceituais voltados à análise

das cidades latino-americanas e à formulação de políticas urbanas, Ana Núñez e Jorge Roze, a

partir do caso das cidades médias da Argentina, propõem a revisão das bases epistemológicas de

um pensamento desvinculado das situações empíricas às quais a formulação de políticas urbanas

deve estar necessariamente referida.

De fato, como aponta Victor Delgadillo, ao longo das últimas décadas surgiram na América

Latina em cidades de diferentes países, políticas públicas e "receitas" urbanísticas similares, de

eficácia supostamente comprovada, que parecem ignorar tanto as especificidades históricas

como os problemas e desafios presentes nos diferentes contextos urbanos. Compreender as

Page 14: Cadernos Metrópole 31. -

Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201414

circunstâncias que produzem a formulação e implementação de programas e políticas urbanas

semelhantes em contextos políticos com orientações distintas constitui a proposta central do

autor. Nesse sentido, o conceito de espaço público tem se tornado polissêmico, ideologizado

e idealizado, sobretudo quando se trata de legitimar a estruturação capitalista das cidades

e mascarar as desigualdades sociais que, para serem combatidas, necessitam de políticas

específi cas, adequadas a cada situação concreta. A partir da análise da cidade de Cuernavaca,

no México, Carla Alexandra Filipe Narciso discute os usos políticos do conceito de espaço público

e a necessidade de sua revisão.

Avançando nesse debate e indagando sobre o que se entende, hoje, por cidade

neoliberal na América Latina, Hélène Rivière d'Arc apresenta algumas refl exões sobre eventos

que pontuaram a história das cidades e identifica algumas categorias de análise utilizadas

nas investigações sobre as cidades latino-americanas, desde os anos 1990, e destaca seis

paradigmas de análise que orientaram importantes trabalhos de investigação sobre o processo

de urbanização em diferentes países latino-americanos, salientando simultaneidades e

similaridades desse processo.

Passando para outra escala de análise, Igor Pouchain Matela, sobre as empresas de ônibus

na cidade do Rio de Janeiro, trabalha com a hipótese de que a reorganização do transporte no

Brasil expressa a agudização do processo de neoliberalização e estaria produzindo alterações

estruturais na organização espacial vigente. Para esse autor, a modernização das formas de

acumulação urbana tende a estabelecer padrões de regulação nos serviços públicos ligados à

lógica de mercado.

Em artigo sobre as migrações internas no Peru e a explosão urbana de Lima na segunda

metade do século XX, Beatriz Silveira Castro Filgueiras investiga o protagonismo desses

movimentos populacionais – sobretudo em comparação com outras metrópoles latino-americanas

e considerando os diagnósticos característicos do pensamento urbano regional neste início de

século – como elemento central nos discursos e imaginários sobre a metrópole contemporânea.

Por um lado, trata-se de compreender as especifi cidades daqueles processos no caso peruano, no

marco mais geral da urbanização latino-americana e dos discursos canônicos que marcaram seu

entendimento. Por outro lado, em diálogo com estudos mais recentes, destaca-se a persistente

centralidade do fenômeno migratório nos discursos contemporâneos sobre a cidade e suas

dinâmicas socioespaciais.

Os artigos do dossiê são complementados por outros textos cujos temas têm permeado

os estudos sobre as cidades na América Latina e constituem, em muitos casos, importantes

chaves para a compreensão das diferentes formas de sociabilidade, associativismo e dos

movimentos sociais ali presentes.

Page 15: Cadernos Metrópole 31. -

Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 15

O artigo de Sérgio de Azevedo e Joseane de Souza Fernandes analisa, numa perspectiva

comparada, as semelhanças e diferenças da cultura política da população residente nos polos

regionais do Norte Fluminense (Campos dos Goytacazes e Macaé) e na região metropolitana

do Rio de Janeiro, identifi cando seus determinantes a partir tanto de fatores cognitivos como

daqueles associados à participação política estrito senso. O estudo aponta para a predominância

do associativismo e da mobilização sociopolítica nos polos regionais, quando em comparação

com a região metropolitana do Rio de Janeiro, e analisa as condições em que essas diferenças

se manifestam.

Os textos seguintes abordam os desafi os que se colocam à sustentabilidade ambiental

urbana. Willam Mog et al. discutem a importância das bacias hidrográfi cas e de sua preservação, a

partir do caso de bacia situada em área de grande densidade populacional, na região metropolitana

de Porto Alegre. O trabalho analisa situações consideradas críticas devido aos confl itos entre a

população e o meio ambiente e abre caminho para o debate sobre as vulnerabilidades socio-

ambientais e a importância das metodologias de avaliação das mesmas, tal como proposto no

texto de Mônica Maria Souto Maior e Gesinaldo Ataíde Cândido.

O último artigo deste número, de Leonardo Souza Silveira e Jerônimo Oliveira Muniz,

discute a associação entre segregação residencial e desigualdade racial buscando apontar os

mecanismos responsáveis pelos diferenciais entre brancos e negros, com destaque para aqueles

favoráveis à reprodução das desigualdades, consideradas as especifi cidades de diferentes regiões

metropolitanas brasileiras. O texto apresenta resultados de pesquisa que mostram a variabilidade

da desigualdade racial tanto do ponto de vista intrametropolitano quanto intermetropolitano,

além de mostrar o quanto as segmentações raciais e espaciais estão atreladas à variabilidade do

diferencial de rendimentos entre brancos e não brancos.

Além de um convite à reflexão e à realização de novas pesquisas, este conjunto de

textos vem contribuir para o debate de alguns dos principais processos em curso nas cidades

latino-americanas.

Lucia BógusLuiz César de Q. Ribeiro

Editores científi cos

Page 16: Cadernos Metrópole 31. -

Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201416

Notas

(1) O termo geo-cultura foi criado por I. Walerstein para designar as normas e as prá cas discursivas amplamente reconhecidas como legí mas no seio do sistema-mundo e que, como tal, exercem relevante papel de base do poder hegemônico exercido nas relações hierárquicas eistentes no âmbito do sistema interestatal e na divisão mundial do trabalho. Ver Wallerstein, I. (2006). Comprendre le monde. Introduc on à l´analyse des systèmes-monde. Paris, La Découverte/ Poche.

(2) Sobre a criação de uma Red La noamericana de Inves gadores sobre Teoría Urbana, veja-se www.relateur.org [email protected].

(3) Ver, por exemplo, Sader, E. (2007). Crise hegemônica na América La na. Revista em Pauta, Rio de Janeiro, Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n. 19.

(4) h p://www.onuhabitat.org/

(5) Esta análise está presente no texto de Sader (2007).

(6) No caso brasileiro, um bom exemplo é a difusão no tecido ins tucional regulatório a par r da experiência de muitos governos municipais do disposi vo conhecido como Parceria Público-Privado – PPP, através do qual a ação do poder público se orienta para fomentar o fi nanciamento privado de polí cas públicas. Concebido na segunda metade dos anos 1980 com instrumento para a realização de operações de renovação urbana de certos territórios da cidade pela coalisão ad hoc entre governos municipais e empresas de construção de obras públicas e imobiliárias, tornou-se em 2011 (Estatuto da Cidade) instrumento nacional de polí ca urbana e atualmente vem sendo u lizado pelo Governo Federal para a realização de vultosas obras de infraestrutura econômica.

Page 17: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina*

Reading Polanyi based on socialand solidarity economy in Latin America

José Luis Coraggio

AbstractThis paper presents elements of social thought and of concepts developed by Karl Polanyi, in confrontation with economic neoliberalism, and draws a parallel with the current struggle against neoliberalism. Differences emerge when Latin America is considered: a bias that might be qualifi ed as Eurocentric, which excludes considerations about the co-constitution of America and Europe, the structural heterogeneity that produces an incomplete market economy. However, it is coherent between Polanyi’s contribution and the proposal for building another economy with the collaboration of practices of social and solidarity economy, which is outlined in the present paper.

Keywords: Po lany i ; so l idar i ty economy; neoliberalism; substantive economics.

ResumenSe presentan elementos del pensamiento social

y de conceptos desarrollados por Karl Polanyi,

en confrontación con el liberalismo económico,

haciendo un paralelo con la lucha actual contra el

neoliberalismo. Se plantean diferencias que surgen

al hacer una lectura desde América Latina: un

sesgo que podría califi carse como eurocéntrico, que

excluye consideraciones sobre la co-constitución de

AMérica y Europa, la heterogeneidad estructural

que nos hace economías de mercado incompleta.

A la vez se muestra la coherencia entre aportes de

Polanyi y la propuesta de construir Otra Economía

con el aporte de prácticas de Economía Social y

Solidaria de la cual se esbozan algunos rasgos.

Palabras claves: Polanyi; economía solidaria;

neoliberalismo; economía sustantiva.

Page 18: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201418

Introducción

Karl Polanyi y la propuesta de que otra economía es posible

La obra de Karl Polanyi (2003 e 2008) puede

contribuir a la elaboración de esquemas

mentales que ayuden a desentrañar el sentido

y las posibilidades de las prácticas económicas

conocidas como de Economía Social y Solidaria

(ESS). Esto requiere un trabajo previo de

esclarecimiento sobre qué es lo económico,

cuestión que el redescubrimiento de Polanyi

permite retomar.1

Como ot ros grandes pensadores

que no solo escribieron sino que hablaron

públicamente a lo largo de épocas de fuertes

transformaciones, el conjunto de su obra

leído simultáneamente puede ser visto como

ambiguo y hasta contradictorio.

En todo caso, consideramos que la

obra de Polanyi está abierta a desarrollos

diversos y es extraordinariamente fértil para

pensar en momentos de gran incertidumbre.

No buscamos un conocimiento polanyiano

def ini t ivo y coherente que pueda ser

igualmente válido para caracterizar y explicar

las dos mayores crisis del capitalismo global,

las diferencias o similitudes en sus orígenes

liberales o neoliberales y el período de

capitalismo organizado (los treinta gloriosos

años) que media entre ambas. No buscamos

tampoco una ley general del doble movimiento

que pretenda proyectar un posible fascismo

o estatismo en un futuro post-neoliberal

(posibilidades que están presentes como

amenaza en los saltos mentales al vacío

que provoca la incertidumbre). Tampoco

argumentaremos que hoy Polanyi propiciaría

la Economía Social y Solidaria como salida a la

crisis de reproducción social. Nos interesa en

cambio su autorizada y sugerente contribución

crítica al programa de las ciencias sociales

en coyunturas de transición epocal como la

que atravesamos, y es desde adentro de ese

programa en construcción que intentaremos

pensar.2

Resumimos la lección de Polanyi: no hay

una realidad económica necesaria a la que hay

que adaptarse o morir, más bien, a partir de

cualquier economía empírica, otras economías

son siempre posibles. Tambien recogemos su

advertencia: aún las acciones más conscientes

y bien intencionadas pueden producir

resultados opuestos a los buscados.3 Tomamos

esto como un sabio consejo: si vamos a hacer

propuestas para un cambio societal mayor, es

mejor ser cuidadosos, humildes, responsables,

conocedores de la historia y reconocedores de

la diversidad.

La obra de Polanyi permite organizar

un argumento contra la naturalización de

la economía que pretende introyectar el

neoliberalismo en nuestro sentido común.4 Es

el siguiente:

a ) toda sociedad cont iene procesos

económicos ( ac t i v idades económicas

recurrentes institucionalizadas) (Polanyi, 2008,

pp. 53-78);

b) una sociedad no puede perdurar a

menos que pueda institucionalizar el proceso

económico de tal forma que produzca y

reproduzca las condiciones materiales para el

sustento de la vida, tanto humana como de la

naturaleza externa;5

c) al menos desde la modernidad, las

economías son construcciones políticas y no el

Page 19: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 19

mero resultado natural de procesos evolutivos;

d) esas construcciones, para ser viables

y no auto-destructivas, deben reconocer la

base natural transhistórica que toda sociedad

humana necesariamente tiene (como parte de

la condición humana los sujetos son sujetos

necesitados);6

e) los intentos de realizar la utopía que

reducir la economía moderna a un sistema de

mercados autoregulados es destructiva de lo

humano y sus bases naturales.7

La responsabi l idad que en estas

afirmaciones le cabe al pensamiento social

crítico y propositivo fue señalada por Polanyi:

el mercado no puede ser reemplazado como

cuadro general de referencia mientras las

ciencias sociales no logren elaborar un cuadro

de referencia más vasto dentro del cual se

pueda situar el mercado mismo (Polanyi, 2008,

p. 77).

La institucionalización/integración de la economía

La institucionalización de lo económico como construcción

Nos ubicamos dentro del amplio espacio que

abre el concepto sustantivo de economía

propuesto por Polanyi para orientar el

programa de investigación histórica de las

condiciones económicas de existencia de

cualquier sociedad humana: “un proceso

de interacción de los hombres entre sí y con

la naturaleza cuyo resultado es la provisión

continua de medios materiales que permitan

la satisfacción de las necesidades” (Polanyi,

2012). Un proceso que Polanyi visualiza como

organizado y estabilizado en cada sociedad

mediante la combinación variable de un

conjunto de principios o modelos discernibles

de institucionalización, que pautan las

conductas con contenido económico de

personas y grupos, integrándolas como parte

de la trama de relaciones constitutivas de esa

sociedad.

Polanyi limita esos principios a los de

redistribución, reciprocidad e intercambio

(comercio o mercado), por lo que ha sido

tachado de circulacionista. En un intento

de completar ese conjunto de principios

de integración social de los procesos

económicos, hemos incluido los principios de

autarquía (producción para el autoconsumo,

mencionado pero finalmente excluido por

Polanyi), producción social (relaciones sociales

de producción, organización de los procesos

de trabajo y su relación con la naturaleza),

distribución (apropiación por los productores

di rectos o por una c lase dominante) ,

consumo (consumismo, consumo prudente

de lo necesario), coordinación (mercado,

planificación). No vamos a desarrollar tal

esquema ampliado en este trabajo.8

En r e sumen : e l s en t i do de l a

integración de la economía por la sociedad es

institucionalizar las actividades de producción,

distribución, circulación y consumo de los

miembros de la sociedad de manera que ésta

mantenga su cohesión como tal y reproduzca

sus bases materiales constituidas, en última

instancia, por la vida de los miembros de

la sociedad y de la naturaleza “externa”.

Por supuesto que “la sociedad” y “la vida”

resultan abstractos. Hay la vida del esclavo y

la vida del amo, la vida de los proletarios y la

Page 20: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201420

de los capitalistas, la de los colonizados y los

colonialistas. Por otro lado, la reproducción

social es mucho más que reproducción de la

base material de la vida, pero sin esa base no

hay vida social con todas sus contradicciones,

ni mundo simbólico. Por lo demás, lejos de ser

un puro metabolismo, la participación en la

economía genera valores, reglas, visiones del

mundo, sentimientos, etc. El mero hecho de ser

una interacción entre hombres supone lenguaje

y modos de comunicación, como Habermas

señala reprochando a Marx no haber tenido

suficientemente en cuenta este aspecto de las

relaciones sociales de producción (Habermas,

1981, pp. 131-180).

La institucionalización parece poder

ser resultado de procesos históricos sin

sujeto (cristalización de usos o costumbres)

o con sujeto (e.g. el estado moderno o las

mismas fuerzas políticas que lo fundan), y

puede prospectivamente ser eficaz para la

reproducción social o no serlo. Así, la forma

capitalista de institucionalizar la economía

durante el Siglo XIX en base al modelo de

individuación egocéntrica utilitarista de los

integrados, y con la pretensión del dominio

del mercado autorregulado (precios formados

en el juego de oferta y demanda agregadas),

fue resultado de una construcción política

parte de la cual Polanyi describe en La Gran

Transformación (LGT) y que el liberalismo

económico condujo a situaciones insostenibles

que generaron nuevas acciones desde la

política ( fascismo, socialismo estatista,

socialdemocracia, cada una con su propio

proyecto social) en un doble movimiento

que Polanyi interpreta no como movimiento

mecánico sino como dirigido con la intención

de superar las tendencias a la autodestrucción

de la sociedad. Lo que está en juego entonces

es la posibilidad de subsistir como todo

social (esto no implica armonía ni ausencia

de contradicciones internas) ante procesos o

políticas expresas que ponen en alto riesgo el

basamento material de la vida humana.

Pero no se trata de confirmar la hipótesis

observando el fin definitivo de la vida en la

tierra, sino de actuar cambiando de curso

para evitar las graves anticipaciones de ese

fin. Estamos, al hacerlo, participando en el

movimiento defensivo de la sociedad humana,

no de la pretendida sociedad de mercado que

lleva a su autodestrucción. Y la Economía Social

y Solidaria es una propuesta – entre otras –

para organizar esa defensa de la sociedad. No

se trata de recalcular la mejor asignación de los

recursos con precios “sociales” en un mundo

en incierta transición. Más que racionalidad

exacta se busca institucionalizar la economía

subordinando los comportamientos al principio

ético de la racionalidad reproductiva de la vida

de todos, pautar la razonabilidad y prudencia,

maximizando la seguridad de la reproducción

de la vida de todos, partiendo del principio

de que la vida del individuo humano aislado

es un imposible y que el reconocimiento del

otro y la valoración de su vida es condición de

la superación de las tendencias del mercado

egocéntrico. En todo esto, el posible final

de la sociedad humana debe diferenciarse

claramente de la discusión sobre el derrumbe

del capitalismo al sucumbir por las propias

contradicciones internas del sistema de

acumulación.

Extraemos de los trabajos de Polanyi

la idea-fuerza de que el liberalismo y el

neoliberalismo entran en contradicción mortal

– institucionaliza la economía de manera que

Page 21: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 21

tiende a destruir la sociedad – generando

condiciones para una necesaria y posible

reinstitucionalización que, agregamos, puede

(socialismo?, economía social y solidaria?) o

no (fascismo, socialdemocracia) implicar un

cambio en el Modo de Producción.9

Algunas consideraciones desde la periferia latinoamericana

El comercio colonial

Polanyi hace un aporte muy significativo para

la teoría de la economía social cuando plantea

la necesidad de diferenciar entre comercio y

mercado. Por mercado se refiere a un sistema

de intercambio en que se absolutiza el principio

egocéntrico de trocar para ganar, ganar para

acumular. La lógica del mecanismo de mercado

tiende a barrer con las diferenciaciones entre

grupos y personas, los vuelve indiferentes –

conmutables – y a través de la mercantilización

de todas las dimensiones de la vida destruye las

bases de la misma existencia de seres humanos

en sociedad; y lo hace en un proceso de culto

a la ilimitación, como demuestra la lógica de

la acumulación de capital montada en un

proceso de industrialización, mecanización y

automatización, independizado del sentido

de lograr el sustento de todos. Esto a su vez

lleva a modos de individuación que reducen las

personas a poseedores-consumidores que no

se hacen responsables por las consecuencias

de sus acciones sobre otros o sobre la

naturaleza. En cambio, por comercio se refiere

a un sistema de intercambio administrado o

sujeto a costumbres, que cuida de conservar las

sociedades que participan. Es de destacar que

los activistas de la Economía Social y Solidaria

hablan de comercio justo y no de mercado justo

(que sería un oximoron, pues no hay pretensión

de justicia en los principios de comportamiento

del mercado).

Tal diferenciación, siendo úti l , es

incompleta cuando se la mira desde la

perifer ia del mundo occidental ( las ex

colonias o ámbitos de imperialismo de

Europa y EEUU). Efectivamente, aún si no se

utilizaron los mecanismos de formación de

precios de mercado, el comercio administrado

impuesto dentro de una estructura de poder

colonial puede haber sido coherente con

el progreso de las sociedades centrales,10

pero fue destructivo (más precisamente: no

cuidadoso sino genocida) para las sociedades

periféricas.11 En todo caso, en ese casos de

comercio administrado ya está instalado el

utilitarismo, operando con un poder central

que busca cohesionar en un todo asimétrico

soc iedades con cu l tu ras fuer temente

diferenciadas. Se comercia administrando la

distribución asimétrica de las ventajas entre

metrópoli y colonia.

La posterior posibilidad de comerciar

libremente (propuganada por muchos de

nuestro próceres de la independencia), y que

fueran los individuos (personas naturales

y personas jurídicas)12 quienes tomaran la

iniciativa de ganar mediante el comercio,

podía entonces aparecer como una liberación

del despotismo de los poderes coloniales

administradores. Sin embargo, aún con libre

Page 22: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201422

comercio iban a operar otros mecanismos

propios de un sistema-mundo desigual

( intercambio desigual, dependencia) aun

cuando hubiera liberación de la esclavitud

o la servidumbre, una libertad tan aparente

como la de los proletarios amenazados por el

hambre a la que se refiere Polanyi.

La heterogeneidad estructural

Aún hoy, desde la periferia del sistema-mundo,

donde el proceso de industrialización, de

individuación y de desarrollo de las condiciones

para el funcionamiento de los mercados

continua lejos de haberse completado, es

fácil observar fenómenos que indican algo

que tal vez sea menos visible en los países del

centro de occidente: la economía no se reduce

a economía de mercado. Existen sectores

de la economía (en sentido sustantivo) no

monetizados, partes importantes de la

naturaleza y del trabajo que no han sido

mercantilizados, y todos los principios,

incluido el de administración doméstica,

tienen peso en una economía plural (Laville

plantea esto pero como una posibilidad lógica

universal, sin diferenciar empíricamente entre

sociedades del centro y de la periferia…).13

A pesar del proceso secular de destrucción

violenta-sobreconformación de estructuras

comunitarias (Ayllu-Encomiendas) mediante

el coloniaje despótico y la mercantilización,14

en la actualidad sobreviven y se reproducen,

inc luso de manera ampl iada , fo rmas

económicas con distinto grado de hibridación,

p ropias de las redes de mutual idad -

reciprocidad y la administración doméstica

( familias nucleares o extendidas, redes

de parentesco, vecindarios, comunidades

r u r a l e s r e l a t i v a m e n t e a u t á r q u i c a s ,

comunidades indígenas, que mantienen una

red de relaciones de autoabastecimiento

y cuidado fuera del mercado, en defensa

de su integridad, incluso si la opción del

mercado puede parecer más ventajosa en lo

inmediato).15 Igualmente, el peso del Estado y

el principio de redistribución (entre sectores y

clases sociales, entre géneros y etnias, entre

ramas de la economía, entre regiones, etc.),

siguen operando efectos, y son atacados

abiertamente cuando son progresivos por

fuerzas políticas (interestatales o nacionales)

como las que promovieron el mercado total,

mientras son impulsados por otras fuerzas (los

industrialistas, los sindicalistas, los sectores

pobres, movimientos reivindicativos de la

tierra y el agua, la lucha contra las leyes de

propiedad intelectual global, etc.). El estudio

de la economía requiere tomar en cuenta que

los principios no se imponen y substituyen

por el mero transcurso del tiempo, sino que

son asumidos y defendidos como bandera

por distintas fracciones de clase o fuerzas

sociales.16

En adición, dentro de la economía

dominada por el mercado, y aun con una

perspectiva empresarialista, se reconocen

fuertes segmentaciones y puede diferenciarse

un gran sector inorgánico de emprendimientos

mercantiles de la economía popular urbana y

rural, con relaciones de producción familiares,

comunitarias o asociativas (pero informales).

Desde nuestra propia perspect iva, las

unidades económicas populares no son los

emprendimientos mismos,17 que compiten en el

mercado con las empresas de capital y luchan

por sostenerse viables, sino las unidades

Page 23: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 23

domésticas familiares o comunitarias de los

cuales los emprendimientos mercantiles son

una extensión articulando prácticas orientadas

por el principio de mercado pero subordinadas

al principio de administración doméstica.

Esas unidades domésticas hibridan recursos

y combinan diversas formas de inserción

económica de sus capacidades y recursos

en el sistema de división social del trabajo

procurando la reproducción ampliada de la

vida de sus miembros. En esto juega un papel

importante la economía pública, proveedora

de bienes y servicios públicos parcialmente

o no monetizados en absoluto. Estos bienes

pueden verse como una institucionalización de

lo económico por el principio de redistribución,

pero también como una institucionalización

por el principio de reciprocidad/mutualidad

(sistemas de seguridad social de reparto), y el

principio de plan (anticipación de necesidades

sociales de educación, salud, crecimiento de las

ciudades, etc.).

Polanyi y la relación Europa-América

Como un subproducto inesperado, nuestra

lectura de Polayi señala un aparente silencio,

que podría ser significativo, en la obra de

Polanyi que conocemos hasta ahora, y que

puede dar lugar a la circulación de otros

trabajos de Karl Polanyi, a refutaciones o a

explicaciones e interpretaciones de tal silencio:

la ausencia de consideración, en su análisis del

surgimiento del sistema-mundo capitalista, del

co-nacimiento de Europa y América, del centro

y la periferia de ese sistema-mundo.

No es que Polanyi no advi r t iera

la violencia de la unidireccionalidad del

comercio: "Lo que distingue el comercio de la

búsqueda de presas, de un botín, de maderas

de esencias raras o de animales exóticos, es

la bidireccionalidad del movimiento que le

confiere también su carácter generalmente

pacífico y bastante regular".18 También hace

referencias al imperialismo, y explica que

los efectos de degradación y hasta extinción

que provocaba en las poblaciones de las

regiones semicoloniales contribuían a limitar

el comercio interno en los países centrales

por temor a experimentar consecuencias

similares.19 En efecto, nada de pacífico tuvo

el saqueo de América Latina y de África, de

recursos naturales y de personas esclavizadas,

que es aún hoy una fase o un elemento del

desarrollo del Capital, constituyendo lo que

Marx denominó “acumulación originaria”,

sin la cual el Capital y el Capitalismo no

hubieran podido formarse ni podrían hoy

reproducirse. Pero tampoco fueron sin violencia

las formas posteriores que tomó la relación

centro/periferia, el imperialismo económico

y la dependencia política, los manejos de las

deudas que fueron desde los bloqueos por

flotas extranjeras hasta las condicionalidades

del FMI y el BM. Cabe preguntarse si la

acumulación originaria,20 que no sólo se dio

mediante los cercamientos y las leyes de pobres

en Europa sino en la relación de dominio y

exacción de los pueblos americanos y africanos,

fue una fase histórica que ya estaría agotada

porque el capital puede reproducirse sobre

sus propias bases.21 En cambio compartimos

la tesis de Meillasoux (1977) de que la

acumulación originaria ha acompañado a toda

la modernidad y continúa con formas más o

menos pacíficas: la minería a cielo abierto o

la extracción de petróleo avanzando sobre el

Page 24: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201424

hábitat indígena o popular, el patentamiento

de conocimientos ancestrales como propiedad

privada, la imposición del cobro usurario de

deudas ilegítimas, o la continuada explotación

indirecta del trabajo doméstico de mujeres

y niños, ahora a escala global, o el uso del

Estado para consolidar la propiedad privada

de recursos que son patrimonio de pueblos

ancestrales o de la humanidad.22

Desde la perspectiva latinoamericana,

es evidente la parcialidad (al menos en los

trabajos que conocemos de Karl Polanyi) en la

explicación del surgimiento del capitalismo en

Europa cuando se construye sin considerar la

relación ya mencionada entre el colonialismo

y la formación de Occidente como centro del

sistema-mundo capitalista.23 Los valiosos

anális is que hemos considerado están

centrados en la lucha contra el evolucionismo

naturalizador de la economía de mercado y

el homo economicus, en la conjunción de los

procesos de formación del estado nacional

moderno y la creación política de condiciones

para que pudiera funcionar un sistema de

mercado (mediante la mercantilización de la

naturaleza y el trabajo humano). No aparece

en cambio registrado el gigantesco proceso

de conformación de una economía-mundo

centrada en la relación Europa-Centro/

América-Periferia. De otra manera lo ven

autores como Aníbal Quijano,24 que ha dado

lugar a una escuela de pensamiento alrededor

de la colonialidad. Fue la ocupación y saqueo

de América25 lo que puso en marcha el proceso

de formación de la modernidad tal como la

conocemos, generando a la vez conceptos

fundantes como el de poder-dominio y el de

raza, o inspirando la interesada teoría política

de autores como Locke para justificar la relación

colonial y el esclavismo en base a los derechos

humanos y la definición de ciudadano como

propietario.26 Esta relación de co-constitución

fue material, política e ideológica. El concepto

de progreso así como las utopías europeas de

los siglos XVI-XVIII no pueden explicarse sin la

experiencia de descubrimiento de América.27

Si el concepto de América fue incluso

previo al de Europa, si la formación de los

Estados Nación y del sistema capitalista mundial

centrado en Europa no pueden comprenderse a

cabalidad sin el comercio abiertamente colonial

y luego como intercambio desigual entre las

nacientes repúblicas de América y los Estados-

Nación europeos (y posteriormente entre

Estados Unidos de Norteamérica y el resto de

América), hay aquí una tarea significativa para

completar la obra de Polanyi como explicación

del surgimiento del sistema-mundo capitalista,

déficit que no es achacable a Polanyi, que no se

propuso ese objetivo, sino eventualmente a sus

lectores y seguidores.

Principios de integración y modos de producción

Por o t ro lado , desde las soc iedades

altamente heterogéneas de la periferia

no resulta tan fácil admitir que la tópica

polanyiana de la pluralidad de principios

de integración social habilite la disolución

total de la tópica marxista de la Formación

Económico Socia l ( la ar t icu lac ión, en

s o c i e d a d e s c o n c r e t a s , p o r e l m o d o

capitalista de otros modos de producción,

donde capi ta l i smo y mercado no son

términos intercambiables). Por lo pronto, es

importante incorporar el análisis histórico

Page 25: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 25

que inspira Aníbal Quijano, cuando señala

que el pensamiento europeo produjo un

concepto de tiempo unilineal, en el que

ubicó el modo de ser europeo en el presente

y futuro, como autoconstrucción (cuando no

podía haberse dado sin la construcción de

América) y las formas de las altas culturas

americanas como formas “primit ivas”,

salvajes, prehistóricas, más como parte de

la naturaleza que de la humanidad. Y que

las formas de explotación del trabajo no

formalmente capitalistas (como la pequeña

producción campesina o artesanal, las formas

de servidumbre de las comunidades que

pudieron salvarse del genocidio, el esclavismo

de los negros) fueron en realidad articuladas

en un sistema de explotación capitalista, lo

que aún perdura como “nuestro” modo de ser

parte del capitalismo. Esto lleva a pensar si

la reciprocidad que hoy encontramos tiene

algo que ver con la reciprocidad ancestral,

o si t iene el mismo sentido. De ser un

modo de organización de la economía para

asegurar la autonomía, puede haber pasado

a ser una forma de subsidio al capital en

el proceso de reproducción de la fuerza de

trabajo. Y este análisis se potencia cuando

se hace en el contexto del conjunto de

relaciones de la sociedad.

Un problema derivado es que, si bien

se define la economía como un sistema

de producción, distribución (movimiento

de apropiación), circulación (transporte,

almacenamiento, intercambio, compra-venta

simultánea o a crédito con formación de

deudas), y consumo, el análisis de Polanyi o de

sus intérpretes/continuadores se centra en los

modos de distribución (apropiación directa y/o

mediada por un centro) y de circulación. Hay

poca referencia a las relaciones de producción,28

a la organización del proceso de trabajo en la

transformación material (salvo la referencia

a la vertiginosidad y voracidad de escala que

introdujo la maquinización) y a los modos de

consumo (definición de las necesidades, su

relación con los deseos, la determinación de

los satisfactores y la tecnología del consumo

mismo como relación social).

En todos estos aspectos es preciso

incluir la discusión planteada por la teoría de

la dependencia originada en América Latina y

la teoría que se inspiró parcialmente en ella:

el Sistema-Mundo de Wallerstein. Aún si

incorporamos (como creemos debe hacerse)

la tópica de los modelos de integración

social de lo económico, esas otras cuestiones

no pueden dejarse afuera, al menos para

entender lo esencial de la historia de las

formaciones sociales de América Latina. Y

también para hacer la crítica no sólo de la

mercantilización del trabajo y la naturaleza

sino de las formas de organizar la producción,

el metabolismo sociedad-naturaleza y

de definir las necesidades, todo lo que la

economía sustantivista permite pone en el

centro de atención.

Esto tiene consecuencias además para

pensar las alternativas: no se trata meramente

de tomar el poder de la propiedad, de los

mecanismos de redistribución, o de propiciar

las relaciones de autarquía o ayuda mutua

sobre la misma base de cultura productivista

y consumista que forjó el capitalismo. Otra

Economía implica un cambio civilizatorio, otro

sistema de mediaciones, desde la base del

metabolismo sociedad/naturaleza, desde la

redefinición emancipadora de la división del

trabajo y del trabajo mismo.29 Sin una crítica

Page 26: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201426

al proceso socio-técnico de trabajo capitalista

– el dirigido por el capital empresarial o el

que aparenta ser autónomo – no surge la

visión más dialéctica que advierte que el

trabajo responde a fines utilitarios desde

la perspectiva del capital o del trabajador,

pero “también trabajamos” – declara Mauss

(1924) – “porque tenemos el sentimiento del

deber, por dignidad, por conciencia, y antes

que nada porque sentimos y nos alegramos

de sentir el progreso regular, gradual y

cotidiano de nuestras búsquedas” (1969[1924],

p. 635).30 No se trata entonces de recuperar

la centralidad del empleo y la generación

de ingresos, sino de redefinir el sentido del

trabajo y de las necesidades humanas.

La posible anomia teórica del indeterminismo

Pero hay más cuestiones teóricas. Si los

precios son tan importantes en una economía

de mercado, cabe preguntarse si hay alguna

ley tendencial que rige su formación. Aquí,

mientras Marx reconoce la acción de la

oferta y la demanda, postula que subyacen

precios de producción que dependen de la

composición del capital, de su velocidad de

rotación y de la tasa de explotación y plantea

tendencias intrínsecas del modo de producción

capitalista que se manifestarían en la ley

tendencial a la caída de la tasa de ganancia

así como en la tendencia a la pauperización

de los trabajadores. O recordemos la tesis de

Presbish sobre la tendencia en los términos

del intercambio entre economía industriales y

primario-exportadoras.

Por su lado, Polanyi parece no apreciar

la teoría del valor-trabajo de formación de

los precios y atenerse a la ley de la oferta y la

demanda que, sin duda, opera en el corto plazo.

Pero esto nos dejaría en un mundo contingente

sin tendencias discernibles (por hipotéticas que

fueran) salvo las catastróficas consecuencias de

los intentos de totalización del mercado. Siendo

bueno no retomar versiones ideologizadas del

determinismo económico finalista, abandonar

la hipótesis de que hay grados y formas

de determinismo nos dejaría en un mundo

político, sí, pero puramente decisionista. Esto

no puede ser ignorado, y creemos que resulta

inevitable el regreso de consideraciones

ontológicas críticas, en ningún caso para recaer

en un determinismo de las estructuras que no

permite pensar la política.

Por otro lado, la autorregulación no

es un proceso mecánico cuyo movimiento

puede ser anticipado exactamente, sino que

supone que en la sociedad capitalista y en

toda sociedad se registran luchas, conflictos

antagónicos o agónicos , que pueden

efectivamente estar expresados en el mercado

(por ejemplo en la lucha por el salario o por

los precios de los medios de vida o de los

servicios ambientales. Esto es tan importante

como analizar y teorizar qué ocurre en el

interior de los diversos modelos capitalistas

de organización del trabajo así como subrayar

la dimensión emancipadora en la disputa del

control del proceso de trabajo que debe ser

parte del programa de construcción de otra

economía.31

De lo contrario, el conjunto de las luchas

sociales, propio de la política, queda fuera del

campo de la indagación de la economía como

Page 27: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 27

sistema, pues cae en el dominio de la libertad

de opción de los seres humanos, no sujeta a

leyes determinables. Esto sería paradójico

para una teoría sustantiva que advierte que

hay leyes de lo económico, pero nos limita a

describir y analizar desde la empiria cada caso,

muñidos de ciertos conceptos que no alcanzan

a constituir una teoría (falible, por supuesto)

del movimiento histórico. Un punto no menor

es que la casuística del doble movimiento

debería incluir no sólo la Revolución Soviética

y la instauración del modelo fordista-

keynesiano, sino otras revoluciones socialistas

de la periferia, fallidas o exitosas, así como las

grandes manifestaciones democráticas que

recientemente experimentaron Venezuela,

Ecuador y Bolivia, que, en los tres casos,

levantan la consigna de una economía

popular, social, solidaria o comunitaria.

Sobre la Economía Social y Solidaria

Vamos a resumir nuestro esquema conceptual

relativo a la Economía Social y Solidaria

y su programa de acción, de modo que

algunas de las convergencias o diferencias

con el pensamiento de Polanyi puedan ser

resaltadas.32

Adoptamos una definición sustantiva

de economía: el sistema de instituciones,

valores y prácticas que se da una sociedad

para definir, movilizar, distribuir y organizar

capacidades y recursos a fin de resolver de

la mejor manera posible las necesidades

y deseos legítimos de todos sus miembros

(reproducción ampliada de la vida de todas y

todos, e intergeneracionalmente). Se retoma

aquí la idea central de Polanyi: las economías

modernas son construcciones políticas, sea a

cargo de democracias o de dictaduras. Marcar

como sentido la resolución de las necesidades

y deseos legítimos de todos implica que se

mantiene la idea de Polanyi de que las vías de

institucionalización deben ser procesadas por

una democracia participativa y no por un poder

político de elites.

En nuestra v is ión, las unidades

domésticas populares, sus extensiones ad-hoc

(como los emprendimientos mercantiles) sus

comunidades y sus asociaciones voluntarias,

marcan el contenido material de esa parte

de la economía mixta bajo dominación

capitalista que llamamos economía popular:

la reproducción de la vida de sus miembros

(racionalidad reproductiva).33 El trabajo es su

principal capacidad, pero cuentan también

con otros recursos y una potencia en acto de

producción y reproducción de riqueza (valores

de uso producidos o naturales) que queda

oculta para la ideología económica hegemónica

pero es de gran peso económico. Es usual la

combinación de inserciones: trabajo para el

autoconsumo doméstico, trabajo por cuenta

propia, asalariado, asociativo, cooperación

en la producción, en la comercialización,

producción para el autoconsumo de bienes

públicos a niveles locales, etc.

A nuestro juicio, el programa de la

Economía Social y Solidaria supone reconocer

como base material de última instancia el

principio de producción humana para el

autoconsumo, desarrollar (complejizar) a partir

de la economía popular y la economía pública

Page 28: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201428

las prácticas cooperativas, comunitarias y

solidarias, luchar por la redistribución progresiva

de recursos productivos y bienes públicos,

impulsar formas democráticas de gestión de los

colectivos de producción y de lo público, ganar

autonomía respecto a la dirección del capital

y desarrollar la capacidad de regular procesos

ciegos como el mercado monopolista o el

competitivo autorregulado, asumiendo como

objetivo estratégico la reproducción ampliada

de la vida de todos y todas (solidaridad

ad-extra) (Lisboa de Melo, 2007). Esto no

puede limitarse a reconocer y remunerar el

trabajo doméstico en su sentido corriente,

o a promover emprendimientos familiares

a nivel microeconómico, o a focalizarse en

determinados sectores de actividad, como los

servicios de proximidad. Incluye una búsqueda

– desde lo micro, lo meso y lo sistémico – de

otra ética y complejidad de la aparentemente

contradictoria solidaridad material ( c f.

Caillè, 2009), y su objetivo estratégico no

es meramente reintegrar los exlcuidos más

pobres al mismo sistema de mercado que

los excluyo, sino transformar todo el sistema

económico. Tampoco se trata de meramente

satisfacer las necesidades no cubiertas por

el mercado ni el estado, sino de transformar

los patrones de consumo y el sistema de

satisfactores, resignificando la libertad del

consumidor como prosumidor.

Se af i rma una ét ica mater ial : la

vida debe ser el criterio de evaluación y

reinstitucionalización de las actividades

económicas. Esto puede parecer idealista

cuando vivimos en sociedades que sin

duda existen y se reproducen generando

decenas de miles de muertes evitables. Aquí

Hinkelammert o Dussel afirmarían que la vida

humana pensada como condición individual

y por tanto pasible de ser contada y sumada

a otras no tiene posibilidad de existencia,

que es siempre vida en sociedad, y que el

reconocimiento del otro es condición de

nuestra propia vida como individuos. Cabe

señalar que el límite entre lo fáctico y lo ético

no está claro, pues sería posible proponer

una ética del dominio como condición de

la existencia de sociedades humanas, aún

reconociendo que el imperio deberá asegurar

el sustento de los diferentes estamentos de la

sociedad, y en todo caso en ningún caso de

habla de sociedades institucionalizadas de tal

manera que sean eternas. Nos parece que aquí

es preciso combinar el determinismo natural

de la ética (debemos sostener la vida si es que

vamos a existir y tener cualquier tipo de fines)

con la apuesta a una sociedad democrática

que pueda debatir, elaborar y codificar no sólo

conceptos particulares de la buena vida sino

de la vida social en general.

Se trata de continuar y actualizar las

críticas Marxiana y Polanyiana del liberalismo,

ahora neoliberalismo, que propone resolver

la institucionalización de la economía como

un sistema de mercados abarcador de cuanta

actividad humana pueda ser organizada

como negocio individual. Esa economía

orientada por la utopía de mercado perfecto

produce una ética individualista y socialmente

irresponsable, y que hace del crecimiento

y la acumulación el criterio de eficiencia

económica. La crítica teórica y la evidencia

empírica -particularmente en América Latina,

donde de manera expresa y conciente se

experimentaron en nuestros pueblos esas

tesis en condiciones extremas- confirman

la tesis de Polanyi de que esa propuesta se

Page 29: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 29

basa en falacias y es un discurso elaborado

para reproducir estructuras de poder de

elites, con dominio (hasta con dictaduras)

o con hegemonía (ahora con instrumentos

tan poderosos como los medios de masas,

convertidos en negocios privados).

En términos de Polanyi, la Economía

Social y Solidaria afirma el objetivo posible

de construir un sistema económico nacional

y regional que articule los principios de

integración antes expuestos atendiendo a

las diferentes condiciones de partida (las

sociedades andinas y mesoamericanas, las

caribeñas, las del Cono Sur) de manera de

generalizar instituciones democráticas, en las

que podamos ir aprendiendo progresivamente

a articular libertad e igualdad. Se trata de

ir hacia una sociedad con mercado y no de

mercado. En esto es crítico lograr otra relación

entre Estado, economía y sociedad y evitar las

opciones absolutistas que reiteradamente se

plantea entre esos términos.

Al final de LGT, Polanyi da pautas para

un programa radical de Economía Social y

Solidaria. Aunque erró al afirmar que “gran

parte del sufrimiento enorme, inseparable

del proceso de transición, ha pasado ya” sus

lineamientos estratégicos siguen firmes para la

nueva transición:

1 ) s a c a r a l t r a b a j o d e l m e r c a d o ,

desprivatizando los contratos de trabajo

asalariado al instalar como una cuestión social

y política las relaciones sociales de producción

capitalista, agregando ahora la expansión

y articulación de un sector cada vez más

complejo de ESS basado en organizaciones

autogestionarias de trabajadores vinculadas

por redes de cooperación, responsabilidad y

solidaridad con el otro;

2) limitar el sometimiento de la tierra

respecto del mercado, hoy planteada por los

movimientos indígenas y ecológicos como

desmercantilización de la naturaleza, respeto a

los territorios y a los ecosistemas. Por extensión,

tal como plantea Polanyi, se trata de avanzar en

la soberanía alimentaria (incluyendo el agua)

y energética, que implica desmercantilizar

los medios básicos de alimentos y de energía

de los pueblos del mundo. Aquí se conjuga

la racionalidad reproductiva con un grado

imprescindible de autarquía en ámbitos a

definir en cada sociedad;

3) recuperar de la competencia de los

Estados o de organismos interestatales

controlados democráticamente en relación a

cuestiones de emisión monetaria, productos

financieros, orientación del ahorro, el crédito y

la inversión, con desarrollo de la capacidad de

las ciudadanías para participar en la discusión

de prioridades y vías institucionales, algo tan

actual como cualquier lector de diarios puede

advertir.

Esta plataforma supera la diferenciación

neoliberal entre lo económico (como segunda

naturaleza) y lo social (dominio de la voluntad

política, relativo a la atención de los pobres,

excluidos y discriminados) y de ningún modo

se limita a promover caminos autogestionarios

de microemprendimientos asociativos, o

la ocupación de nichos de necesidades

que el mercado y el modelo redistribuidor

asistencialista no atienden. Se trata de

mucho más: de encarar la reestructuración

del conjunto del sistema económico, las

instituciones jurídicas, de justicia, educativas,

de protección pública, las definiciones y accesos

plurales a la disposición/propiedad de los

recursos, la reingeniería del sistema financiero

Page 30: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201430

y bancario, del sistema fiscal y de inversión

pública, de las regulaciones laborales, del

sistema educativo, de la gestión de los recursos

públicos, de la deuda pública, de controlar

los sistemas de innovación tecnológica, de

impulsar instituciones participativas en que

el saber práctico y el científico se encuentren,

atendiendo a los problemas cotidianos en

un marco de prospectiva y planificación

de los principales procesos del desarrollo

humano, desde lo local a lo nacional y lo

regional. Esto debe ser hecho no por un poder

central omnímodo y esclarecido, sino con la

participación y el continuo aprendizaje de las

mayorías populares y sus organizaciones y

movimientos, sea porque toman la iniciativa,

sea porque refrendan las propuestas iniciadas

desde el Estado (las constituyentes de

Venezuela, Ecuador y Bolivia y sus respectivos

procesos democráticos muestran que ese

camino es plural, posible, conflictivo y largo).

Con diferencias entre subregiones, en

América Latina partimos entonces de una

economía mixta bajo dominación capitalista,

donde Otra Economía deberá construirse

con la convergencia de acciones públicas y la

autoorganización de una sociedad conciente

de su potencial y de la imposibilidad de que el

sistema de mercado reintegre la sociedad con

justicia y libertad. Según la coyuntura, como

se dijo, la iniciativa podrá ser inicialmente

de los gobiernos (Venezuela) de los actores

colectivos (la guerra del agua en Cochabamba,

el Movimiento sin Tierra en Brasil) o de la

conjunción de ambos (Ecuador). A ello hay

que sumar procesos diversos de orientación

popular, el de Argentina o aún menos definido,

el brasileño. Y esto variando con el proceso de

maneras no previsibles. En todo caso, la tarea

de construir otra economía se plantea como

imperativo ético, basado en la necesidad previa

de vivir como sociedad para poder discutir qué

abanico de buenas vidas y qué instituciones

distintas admite o quiere cada pueblo.

El programa de la Economía Social y

Solidaria ve a las prácticas de construcción

de Otra Economía como una larga transición,

donde cabe experimentar y aprender de la

experiencia propia y de otros. No hay modelo

más allá de la necesidad de no absolutizar

ningún modelo (ni “mercado solidario”,

realmente un oximoron, ni homo reciprocans).

No hay sujeto histórico pre-visto deducido

teóricamente ni ya listo para asumir la

propuesta. La construcción de Otra Economía es

un proceso político cuyos sujetos emergerán en

el mismo proceso. La naturaleza de los sistemas

de poder es las sociedades capitalistas obliga a

una lucha contrahegemónica cuyas variantes

dependerán de la coyuntura, pero en todos

los casos la lucha cultural prolongada que nos

espera incluye como elemento fundamental la

desnaturalización de la economía.

América Latina está en un inevitable

proceso de creación de una pluralidad de

formas de economía alternativa. Al hacerlo

hereda y abona un piso firme y fértil basado

en nuestra propia historia para avanzar

por los caminos objetivamente necesarios

de construcción de otra economía. Como

periferia ex-colonial expoliada de Occidente,

la propuesta del Estado desarro l l i s ta

modernizador (la versión para América Latina

del Estado de Bienestar de los gloriosos

treinta años de posguerra) no pudo completar

su tarea. Subsistió y mostró resiliencia un

grueso sector de economía popular basada

en el trabajo autogestionado, mercantil y

Page 31: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 31

no mercantil. Y lo que se avanzó hacia una

sociedad semi-industrial (dependiente), fue

desmantelado en muchos de nuestros países

por dictaduras y democracias neoliberales. Pero

no se trata ahora de intentar anacrónicamente

instalar o reinstalar la versión europea del

estado social. Lejos de que la mayoría de las

necesidades fueran resueltas por el mercado

o el Estado, la pobreza estructural – rural

y urbana – no pudo ser erradicada en la

mayoría de nuestros países y a ella se sumó

la nueva polarización de la distribución del

poder y la riqueza, con el empobrecimiento

de las clases medias, alcanzando tasas que

promedian un 50% de pobres (que para los

estándares de consumo del Norte serían

indigentes), por lo que grandes mayorías de

nuestros ciudadanos siguieron apelando a

formas no capitalistas de producción para la

supervivencia, manifestado en la perduración

de formas campesinas, comunitarias y en el

gran sector informal urbano. Nuestro desafío

es, sin embargo, no limitar nuestras prácticas

a los sectores indigentes – algo a lo que

tienden las prácticas y hasta las teorías de

la economía solidaria en la región –, sino

lograr la autoconvocatoria (o la convocatoria

desde legítimos gobiernos populares) de

comunidades locales heterogéneas y alianzas

tan amplias como se pueda para participar

en la pugna por otro desarrollo, por otra

humanidad.

Notas

(*) Versión revisada y reducida de la ponencia presentada en la Eleventh Interna onal Karl Polanyi Conference/20th Anniversary of the Karl Polanyi Ins tute of Poli cal Economy Conference, “The relevance of Karl Polanyi for the 21st Century”, Montreal, December 9-11, 2008.

(1) Ver: Qué es lo económico...

(2) Con las contribuciones de Polanyi se deben ar cular, sin duda, las de otros crí cos del capitalismo, como por ejemplo K. Marx, M. Mauss, I. Wallerstein, A. Quijano, F. Hinkelammert, G. Arrigi, A. Escobar, E. Dussel,…

(3) Speenhamland y el socialismo real son dos ejemplos (Polanyi, 2003, p. 129).

(4) Polanyi sustenta este argumento en inves gaciones históricas y antropológicas, algunas de las cuales han sido cues onadas, pero ello no invalida sus conclusiones generales. Ver: Caillè y Laville (2008).

José Luis CoraggioUniversidad Nacional de General Sarmiento, Instituto del Conurbano. Buenos Aires, [email protected]

Page 32: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201432

(5) Esta proposición fác ca es corroborable, sujeta a una defi nición empírica de cómo se especifi ca en cada momento histórico el sustento, dado que la vida no es meramente biológica, sino vida en sociedad. Sobre esta base empírica es que Hinkelammert deriva el impera vo é co de evitar el suicidio y luchar por la vida. Se en ende que hay que diferenciar una sociedad perdurable de una buena sociedad, pero no puede haber confrontación entre proyectos diversos de buena sociedad sin una sociedad con bases materiales para perdurar. Ver: Hinkelammert (2005, cap. I). Ver también Hinkelammert y Mora (2009).

(6) En el mismo sen do, ver: Hinkelammert (1984 y 2005).

(7) Como muestra la actual crisis que, aunque anunciada desde las teorías crí cas, no ha dejado de sorprender a los defensores de la economía de mercado libre.

(8) El desarrollo de este esquema pude verse en Coraggio (2011).

(9) Aunque la perspectiva institucionalista no substituye al concepto marxiano de Modo de Producción agrega un marco rico, menos determinista o más con ngente, para comprender y actuar en el espacio de las prác cas que pretenden mantener o transformar las estructuras sociales existentes. La reins tucionalización puede tanto ser un cambio en la jerarquización y peso de los modelos básicos de integración social de la economía sin salir del modo capitalista de producción (al es lo de la construcción del estado de bienestar, planifi cador, redistribuidor y regulador del mercado dio lugar al capitalismo organizado y sus “30 años gloriosos”), como ser parte de un proceso de transición societal más profunda.

(10) Cabe discu r si esto fue cierto en el largo plazo para España y Portugal.

(11) Igualmente, en el Imperio Azteca el comercio tenía un fuerte contenido de tributación asimétrica.

(12) Pero sólo para aquellas personas incluidas en las nuevas leyes, claramente no para los indios ni menos aún para los negros. En cuanto a las personas jurídicas, las empresas, pasaban a tener derechos como los seres humanos!!

(13) Ver Laville (2006). La versión traducida y revisada está incluida en este volumen.

(14) Algo que KP señala con total claridad en LGT para el proceso de construcción de una economía de mercado dentro de Europa en el siglo XVIII, y que Marx denominó acumulación originaria.

(15) Esto toma hoy la forma, por ejemplo, del ya mencionado programa de soberanía alimentaria. Evidentemente los países de Europa y EEUU aplican el principio de autarquía cuando subsidian su producción de alimentos o reservan sus fuentes propias de energía fósil evitando depender totalmente del mercado global.

(16) Aquí nos estamos refiriendo, como Polanlyi, a la redistribución secundaria, no a la primaria, fuertemente asociada a la propiedad pero también a los poderes asimétricos en los cuasimercados de factores y de bienes. En un análisis más completo deberíamos a) considerar que el principio de redistribución puede ser rever do en su sen do: concentrar para concentrar la riqueza, en cuyo caso cabe reservar el concepto para el caso de redistribución progresiva y ver esta redistribución regresiva como una extensión del principio de maximización egocéntrica de la u lidad al ámbito del Estado; b) ubicar la consideración de los mercados reales, monopólicos, con capitales en capacidad de infl uir sobre la oferta y la demanda, incluso sobre los deseos, cuyas relaciones enen un contenido no sólo de intercambio libremente pactado sino de redistribución de la riqueza mercantil sin la mediación inmediata de un centro político o de una autoridad simbólica. Esto sólo puede captarse con una visión del conjunto de la estructura económica.

Page 33: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 33

(17) Ver Coraggio (1998). Para otro punto de vista, ver los trabajos de Luis Razeto en: h p://www.riless.org/inves gadores_desarrollo.shtml?x=24531.

(18) “Ce qui dis ngue le commerce de la recherche de gibier, de bu n, de bois d’essences rares ou d’animaux exo ques, c’est la bidirec onnalité du mouvement que lui confère également son caractère généralement pacifi que et assez régulier” (Polanyi, 2008, p. 66).

(19) Ver Polanyi (2003, p. 275).

(20) Para una aplicación del concepto de acumulación originaria al proceso de transición que denominamos Economía Social y Solidaria, ver Cristobal Navarro, La acumulación originaria de la economía del trabajo. Elementos para un debate necesario, Tesis de Maestría, Buenos Aires, 2008.

(21) Algo que parece afi rmar Caillé (2009).

(22) Aquí podemos coincidir con la búsqueda de realismo de Caillè: hablar de economía de la solidaridad o de las virtudes del asocia vismo local sin referirse y proponer acciones rela vas al marco global de explotación, limita y vuelve inverosímiles las profesiones de solidaridad.

(23) Margie Mendell afi rma (comunicación personal) que Polanyi estaba perturbado por el contraste que había encontrado entre las condiciones económicas y de reproducción cultural tan desfavorables para la clase obrera en Inglaterra y la Europa que había conocido antes de emigrar. El concluyó en que en el proceso de industrialización Inglaterra había sufrido ese experimento social conocido como “laissez faire”, proceso que grafi có como los “molinos sátánicos”.

(24) Ver su “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América La na”, en Lander (2000, pp. 201-246).

(25) Diferenciando entre el Norte, por un lado, y América Central y Sudamérica, en que fueron los reinos de España y Portugal los centros de poder.

(26) Ver Hinkelammert (2005, cap. II).

(27) Ver Quijano (1988).

(28) A nuestro juicio, no alcanza con mencionar que se mercan liza la erra y el trabajo, sin algún concepto elaborado de explotación del hombre y la naturaleza, sobre todo si se rechaza la teoría del valor marxiana.

(29) Ver: Postone (2006).

(30) Para un estudio del imaginario del trabajo que puede emerger en las experiencias de economía solidaria, ver Veronesse (2007).

(31) Aunque la economía solidaria usualmente se prac ca centrada en la integración de los excluidos al mercado que los excluyó y la mejor distribución del valor en el mercado.

(32) Hay diversas ver entes y corrientes de economía alterna va en la región. Al respecto pueden verse los trabajos incluidos en Coraggio (2007).

(33) Sobre el concepto de racionalidad reproduc va ver Hinkelammert y Mora (2009). Ver también su trabajo publicado en h p://www.riless.org/otraeconomia/

Page 34: Cadernos Metrópole 31. -

José Luis Coraggio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201434

Referencias

ARICÓ, J. (1982). Marx y América La na. México, Alianza Editorial Mexicana.

CAILLÈ, A. (2009). “Sobre los conceptos de economía en general y de economía solidaria en par cular”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). Qué es lo económico. Materiales para un debate necesario contra el fatalismo. Buenos Aires, Ciccus.

CAILLÈ, A. e LAVILLE, J.-L. (2008). “Actualité de Karl Polanyi. Pos acio”. In: POLANYI, K. Essais de Karl Polanyi. Paris, Seuil.

CORAGGIO, J. L. (1998). Economía urbana. La perspec va popular. Quito, Abya-Yala.

______ (org.). (2007). La economía social desde la periferia.Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.

______ (2008). Economía Social, Acción Pública y Polí ca. Buenos Aires, Ciccus.

______ (2011). Economía social y solidaria. El trabajo antes que el capital. Alberto Acosta y Esperanza Mar nez (eds). Quito, Abya-Yala.

GAIGER, L. I. (2007). “La economía solidaria y el capitalismo en la perspec va de las transiciones históricas”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). La economía social desde la periferia. Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.

GARCÍA, R. (2006). Sistemas complejos. Barcelona, Gedisa.

HABERMAS, J. (1981). La reconstrucción del materialismo histórico. Madri, Taurus.

HINKELAMMERT, F. J. (1984). Crí ca a la razón utópica. San José de Costa Rica, DEI.

______ (2005). El sujeto y la ley. El retorno del sujeto reprimido. Costa Rica, EUNA/Heredia.

HINKELAMMERT, F. J. e MORA, H. (2009). Economía, Sociedad y Vida Humana. Preludio a una segunda crí ca de la economía polí ca. Buenos Aires, UNGS/Altamira.

LANDER, E. (comp.) (2000). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspec vas la noamericanas. Buenos Aires, Clacso/Unesco.

LAVILLE, J.-L. (2006). Défi ni ons et ins tu ons de l’économie. Pour un dialogue maussien. Revue du MAUSS, n. 27. Paris, Découverte.

______ (2008). Los servicios de proximidad en Europa: en perspec va con la economía popular. Otra Economia, n. 3. Disponível em: h p://www.riless.org/otraeconomia/

LISBOA DE MELO, A. (2007). “Economía solidaria: una reflexión a la luz de la ética cristiana”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). La economía social desde la periferia. Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.

MAUSS, M. (1924). Interven on à la Société Française de Philosophie sur les fondements du socialisme (28 de febrero de 1924). Cohésion sociale et divisions de la sociologie. Œuvres. Marcel Mauss, III, Edi ons de Minuit, 1969 [1924], Marx, Karl, Introducción general a la crí ca de la economía polí ca/1987, Cuadernos de Pasado y Presente, n. 1, Córdoba, 1968.

MEILLASOUX, C. (1977). Mujeres, graneros y capitales. México, Siglo XXI.

NAVARRO, C. (2008). La acumulación originaria de la economía del trabajo. Elementos para un debate

Page 35: Cadernos Metrópole 31. -

Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 35

necesario. Tesis de Maestría. Buenos Aires.

NYSSENS, M. (2000). Les approaches économiques du tiers sector. Les contributions théoriques européennes sur la protec on sociale et l’économie prurielles. Sociologie du Travail, v. 2, n. 4, Paris.

PATZI PACO, F. (2005). Sistema comunal. Una propuesta alterna va para salir de la colonialidad y del liberalismo. CEA.

POLANYI, K. (2003). La gran transformación. Los orígenes polí cos y económicos de nuestro empo (LGT, 1944). México, Fondo de Cultura Económica.

______ (2012). “La economía como proceso instituido”. In: POLANYI, K. Textos escogidos. Buenos Aires, UNGS/Clacso.

POLANYI, K. et al. (2008). Essais de Karl Polanyi (EKP). Seuil.

POSTONE, M. (2006). Tiempo, trabajo y dominación social. Una reinterpretación de la teoría crí ca de Marx. Madri, Marcial Pons.

QUIJANO, A. (1988). Modernidad, iden dad y utopía en América La na. Lima.

______ (2000). “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América La na”. In: LANDER, E. (comp). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspec vas la noamericanas. Buenos Aires, Clacso/Unesco.

SINGER, P. (2007). “Economía solidaria. Un modo de producción y distribución”. In: CORAGGIO, J. L. (org). La economía social desde la periferia. Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.

VERONESSE, M. (org.) (2007). Economía solidaria y subje vidad. Buenos Aires, UNGS/Altamira.

Texto recebido em 14/out/2013Texto aprovado em 5/nov/2013

Page 36: Cadernos Metrópole 31. -
Page 37: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014

La ciudad capitalista en el patrón neoliberalde acumulación en América Latina

The capitalist city in the neoliberal patternof accumulation in Latin America

Emilio Pradilla Cobos

ResumenEl desarrollo capitalista es desigual y combinado

en el tiempo y territorio; por ello la ciudad

latinoamericana tiene características particulares,

específicas, que no pueden analizarse mediante

conceptualizaciones que explicarían a las del

mundo desarrollado. La histórica mundialización

del capital – ¿globalización? – no homogeniza a

las formaciones urbanas; las diferencia. Explicar la

ciudad latinoamericana en el neoliberalismo vigente,

implica analizarla en la generalidad capitalista y su

particularidad latinoamericana, su combinación de

lo nuevo y lo viejo, sus rasgos históricos específi cos:

subsistencia indígena; urbanización acelerada;

industrialización tardía; desindustrialización

temprana; terciarización informal; autoconstrucción

masiva; mercado informal de suelo y vivienda;

desempleo estructural, pobreza, informalidad;

regímenes de excepción; baja ciudadanización;

diversas posturas gubernamentales ante el

neoliberalismo; violencia urbana generalizada; etc.

Palabras claves: capitalismo; desarrollo desigual;

patrón neoliberal; ciudad latinoamericana; rasgos

específi cos.

AbstractA combination of unequal capitalist development, time and territory produces Latin American cities with particular, specific characteristics that cannot be analyzed by concepts that are used to explain cities of the developed world. The historical capital globalization does not homogenize urban formations ; rather, it dif ferentiates them. Explaining the Latin American city in the current neoliberal pattern involves analyzing, in the capitalist generality and in its Latin American particularity, its combination of new and old, its specific historical features: indigenous subsistence; rapid urbanization; late industrialization; early deindustrialization; informal outsourcing; massive self-help housing; informal land and housing market; structural unemployment; poverty; informality; emergency regimes; low urbanization; various governmental positions concerning neoliberalism; widespread urban violence, etc.

Keywords: capitalism; uneven development; neoliberal pattern; Latin American city; specific features.

Page 38: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201438

Introducción: el desarrollo desigual del capitalismo y las particularidades latinoamericanas

Desde su formación o reconfiguración en

el siglo XVI, las ciudades latinoamericanas

estuvieron subsumidas, formal o realmente, al

proceso de acumulación originaria de capital

que engendró al capitalismo en las entrañas

del feudalismo (Marx, [1867] 1976, cap. XXIV,

t. 1, v. 3) en el que jugaron un papel sustantivo

pero subordinado dadas las condiciones de

dominación colonial a las que se encontraban

sometidas (Pradilla, 2009, cap. I); desde

entonces, siguieron las determinaciones y

ocuparon los lugares estructurales que les

impusieron los distintos y sucesivos patrones

de acumulación de capital,1 en su relación

dialéctica2 con las fases específicas de su

inserción en la mundialización del capital

(Pradilla, 2009, cap. VIII): expoliación colonial

hasta las independencias, capitalismo mercantil

en el siglo XIX e inicios del XX (patrón

primario-exportador), intervencionismo estatal

de 1940 a 1980 (industrialización sustitutiva de

importaciones), y neoliberal después de 1982.

Por ello, desde entonces y a lo largo de

su historia, las ciudades latinoamericanas

han sido capitalistas3 y en lo general, se

explican a partir de la(s) teoría(s)4 y leyes

generales que explican las formas sociales, la

estructura, los procesos y las contradicciones

del modo de producción capitalista. Sabemos

también, desde Marx, que el desarrollo de las

formas y relaciones sociales y de los modos de

producción que conforman es desigual, y por

tanto combinado, en el tiempo, la intensidad, la

profundidad y el territorio (Pradilla, 2009, cap.

I); esta lógica es reconocida ampliamente por

Harvey en sus elaboraciones teóricas generales

sobre el capitalismo, el territorio y la ciudad

(Harvey, [1982] 1990, cap. XIII, 1 y 2; Harvey,

[2000] 2003, pp. 93 y ss.).

Tanto la inc is iva cr í t ica teór ico-

metodológica de Kalmanóvitz a los teóricos de

la dependencia latinoamericana de los años

setenta (Kalmanóvitz, 1977 y 1982, citado en

Pradilla, 1984, pp. 622 y ss.), como la de Singer a

Castells sobre su concepción de la urbanización

dependiente y la marginalidad (Singer, 1973;

Castells, 1973), nos mostraron hasta la

saciedad que ni el desarrollo capitalista en

América Latina ni la urbanización que genero

han seguido el mismo camino histórico, ni

iguales modelos,5 ni ocurrieron en los mismos

tiempos y ritmos seguidos por estos procesos

en Europa o Estados Unidos en los siglos XIX

y XX, ni han dado lugar a ciudades y sistemas

urbanos similares. Ningún tratado serio de

historia general, económica, social o urbana de

los siglos XIX y XX avala la posibilidad de la

igualdad mundial del desarrollo.

Las razones fundamentales señaladas

por Kalmanóvitz y Singer son: a) el papel

diferenciado que asumen unas y otras

sociedades en sus relaciones (colonizadores o

dominantes, colonizados o dominados); b) las

diferentes estructuras económicas, sociales,

culturales y políticas que se conformaron

en unas y otras sosedades, en su relación

conflictiva con las sociedades pre-existentes,

y las diferencias de sus condiciones de

desarrollo; c) el papel activo de las clases

sociales colonizadas o dominadas frente a las

colonizadoras o dominantes, y sus conflictos,

evidentes en la historia; d) las distintas

Page 39: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 39

temporalidades de los procesos en unas y otras

sociedades; y e) las diferencias geográficas,

medioambientales y territoriales pre-existentes

o que se configuraron en estos procesos.

En la actualidad, el mito ideológico6

neoliberal de la globalización y su derivación

en el de las ciudades globales (Pradilla, 2009,

cap. VIII) han pretendido homogeneizar al

planeta entero, y aplicar así en los países

latinoamericanos, asiáticos o africanos, las

mismas recetas de políticas económicas,

sociales y territoriales engendradas en los

países hegemónicos del patrón neoliberal de

acumulación, imponer su verdad única, explicar

sus procesos, incluidos los urbanos, mediante

las mismas conceptualizaciones y modelos

construidos para analizar los suyos propios, en

una clara muestra de colonialismo intelectual,

pasivamente aceptado por muchos en nuestra

región (Pradilla, 2010b).

La imposición del patrón neoliberal de

acumulación de capital, en sus tres décadas

de historia, ha dado lugar a una creciente

desigualdad del desarrollo capitalista entre

los países hegemónicos imperialistas y los

dominados y atrasados, y entre estos últimos,7

acentuando la fragmentación y diferenciación

entre los países y sus formas territoriales;

aún en las áreas dominadas del mundo, con

condiciones histórico-sociales homólogas como

América Latina, esta diferenciación se acentúa,

por ejemplo entre Brasil o México y Haití u

Honduras; así, el planeta aparece hoy como

una combinación caleidoscópica, un mosaico

de fragmentos profundamente desiguales en lo

económico, lo social y lo urbano.

La naturaleza capitalista y la vigencia,

también diferenciada, del patrón neoliberal

de acumulación impuesto a la mayoría de

las naciones del mundo por los organismos

multinacionales (FMI, OMC, Banco Mundial)

asignan generalidades y rasgos comunes

a nuestras c iudades y las del mundo

desarrollado, que son explicadas por las teorías

generales; pero estos rasgos generales también

se combinan con los heredados del pasado, de

la propia historia particular de las formaciones

sociales concretas, y los que surgen de sus

desigualdades de desarrollo, que solo pueden

ser explicados por el análisis concreto de

las realidades concretas y diferenciadas.

La presencia histórica en América Latina

de formas y procesos socio-territoriales

particulares, ausentes en Europa o los EUA,

como la subsistencia de núcleos indígenas en

el campo y la ciudad, las formas de propiedad

colectiva de la tierra periurbana en México8

(1917 a 1992), la urbanización acelerada entre

1940 y 1980, la autoconstrucción masiva de

vivienda popular generalizada en la región

desde 1940, la formación y presencia actual

de un mercado informal de suelo urbano, la

llamada informalidad9 como actividad laboral

de subsistencia ante el enorme desempleo

estructural y la pobreza, la presencia recurrente

de dictaduras militares y regímenes de

excepción en la región sobre todo en los años

setenta, la actual diversidad – discursiva o

real – de las posturas gubernamentales ante

el neoliberalismo, o la violencia generalizada

en las ciudades en la actualidad debida en

gran medida al narcotráfico y su incidencia

en la vida cotidiana urbana, nos sirven a la

vez para mostrar: que las teorizaciones y

modelos urbanos globales homogeneizantes

no tienen validez para nuestra región; y

que existen rasgos generales propios de la

región, gestados históricamente y agudizados

Page 40: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201440

en el neoliberalismo, que hacen viable la

construcción de explicaciones latinoamericanas

de esas particularidades comunes. Tenemos

que entender también que aún en e l

contexto regional los procesos entre países,

regiones y ciudades son desiguales, y que las

conceptualizaciones regionales nos explican

solo los rasgos generales y comunes entre ellos

y no toda su especificidad.

Las ciudades latinoamericanas en el patrón neoliberal de acumulación de capital

En las últimas tres décadas, las ciudades

latinoamericanas han sufrido grandes cambios

demográficos, económicos, sociales, políticos,

culturales y morfológicos cuya naturaleza y

determinaciones debemos explicar y teorizar,

tanto en su generalidad como producto de

las relaciones capitalistas dominantes y del

tránsito de un patrón de acumulación a otro,

como en su particularidad histórica regional.

Estos cambios se han producido a partir

de la aplicación – diferenciada en el tiempo,

la intensidad y la profundidad en los distintos

países – que no podemos suponer concluida

ni irreversible, de las reformas estructurales

que han materializado el cambio de patrón

de acumulación de capital en la región, del

intervencionista estatal al neoliberal, las

cuales han modificado la arquitectura del

capitalismo y su territorio, acentuando sus

rasgos y contradicciones y generando nuevos

conflictos socio-territoriales. Para avanzar en

la caracterización y teorización de la ciudad

capitalista que emergió durante el período

de operación del patrón intervencionista

estatal de acumulación de capital y el proceso

simultáneo de industrialización sustitutiva

de importaciones y urbanización acelerada,

y de cómo se ha venido reestructurando

con la implantación del patrón neoliberal de

acumulación de capital, contamos con un acervo

de investigaciones sobre las particularidades

nacionales y urbanas, y los rasgos comunes

a la región, que construyen sus conceptos e

interpretaciones en el trabajo de análisis de

las realidades concretas latinoamericanas

mediante el uso de las teorías generales

que explican la estructura, funcionamiento

y contradicciones de la sociedad capitalista

(ver Ramírez y Pradilla (comps.), 2013); en

este esbozo, nos apoyaremos en una parte,

limitada por el tiempo de elaboración y la

dimensión de este trabajo, de este rico acervo

latinoamericano.

Las mutaciones del proceso de urbanización

La fase más intensa de cambio de la

distribución territorial de la población entre

urbana y rural ocurrió en América Latina,

desigualmente según los países, en el período

1940-1980, impulsado por la industrialización

por sustitución de importaciones y su correlato,

la penetración del capitalismo en el campo, la

descomposición de las formas agrarias pre-

capitalistas y la expulsión del campesinado

hacia las ciudades, que dio lugar a altas tasas

de crecimiento poblacional en ellas (Pradilla,

1981); hoy podemos afirmar que la región

se acerca a la urbanización relativa casi total

(Pradilla, 2009, caps. VI y VII). En las últimas

Page 41: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 41

décadas, han disminuido sustancialmente

las tasas de crecimiento anual promedio

de la población urbana, en especial en las

metrópolis, lo cual no significa que se haya

agotado totalmente el potencial de migración

debido a que el crecimiento demográfico en el

campo, a pesar de ser declinante, ha mantenido

en él a una masa de población muy grande,

que por lo general subsiste aún mediante

formas pre-capitalistas o capitalistas atrasadas

de producción.

La persistencia de la migración del

campo y los pequeños poblados a las ciudades

es motivada por la descomposición de las

formas atrasadas de producción agraria aún

subsistentes determinada por la pobreza, la

carencia de servicios, la introducción de nuevas

técnicas productivas, la exacerbación de la

competencia desigual en el libre mercado con

las formas productivas avanzadas internas

o externas, la eliminación neoliberal de los

subsidios públicos al campo y la continua

expansión urbana sobre las tierras agrarias.

La persistencia de la migración rural y entre

ciudades, que se suma al crecimiento natural

interno, o la integración de pueblos y pequeñas

ciudades a las tramas urbanas, en las nuevas

condiciones de la acumulación de capital, han

acelerado los procesos de metropolización y

formación de ciudades-región,10 que se han

convertido en las formas urbanas características

y dominantes del patrón de urbanización en el

actual período histórico (Pradilla, 2009, pp. 263

y ss.).

Al interior de las metrópolis, asistimos

también a intensos cambios de la distribución

territorial de la población derivados de: la

periferización de la vivienda de interés social

construida por el capital inmobiliario en

grandes mega-conjuntos o por los ocupantes

irregulares y autoconstructores; el vaciamiento

de población residente de las áreas centrales

o los corredores terciarios donde la vivienda

es sustituida por actividades terciarias y por

grandes megaproyectos inmobiliarios mixtos

destinados a las actividades empresariales y a

vivienda de sectores de altos ingresos (Pradilla,

2010b). El resultado son tasas de crecimiento

demográfico muy bajas o negativas en las

áreas centrales, mientras en las periferias y en

los asentamientos en proceso de integración

a las metrópolis se alcanzan tasas muy

superiores a la media urbana, lo cual mantiene

un crecimiento físico más que proporcional al

demográfico.

Las rentas del suelo en los procesos de expansión y re-construcción urbana

Los patrones de estructuración urbana en

América Latina están determinados, en forma

compleja, por las lógicas de formación de las

rentas del suelo urbano tanto en los territorios

periurbanos o intersticiales metropolitanos,

como en las áreas ya integradas donde se

articulan las viejas y nuevas condiciones

estructurales de la acumulación de capital

(Jaramillo, 2009).11

En las ciudades latinoamericanas

funcionan hoy dos mercados de suelo urbano

con reglas del juego distintas: el formal,

plenamente capitalista y sometido a las

regulaciones estatales de la propiedad y el

urbanismo; y el informal que domina en las

áreas carentes de titulación de la propiedad

que fueron urbanizadas ilegal o irregularmente;

el segundo, articulado y subsumido al primero,

Page 42: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201442

entra también en el juego de definición de

las rentas del suelo urbano (Calderón, 2006;

Eibenschutz y Benlliure, 2008; Abramo, 2011).

Los gobiernos urbanos, desde los tiempos de

la urbanización acelerada han tratado, por la

represión o la regularización, de eliminar el

mercado informal o de integrarlo al formal, sin

que hayan tenido éxito pleno pues la pobreza

y la ausencia de una oferta legal adecuada a

los bajos niveles de ingreso, lo reproducen

continuamente.

La coexistencia de estos dos mercados

en las ciudades latinoamericanas es uno de

sus rasgos específicos que las diferencian

estructuralmente de las de los países

hegemónicos e imponen la necesidad de una

elaboración teórico-interpretativa propia.

Las rentas urbanas y su metamorfosis

en precios del suelo inician en la intersección

de lo urbano con lo rural, partiendo del nivel

alcanzado allí por las rentas agrarias. En

este límite, a los vectores históricos de la

continua expansión urbana, en particular los

procesos de ocupación irregular de terrenos

para la autoconstrucción de vivienda popular,

se combinan ahora como factores de la

transformación del uso del suelo de rural a

urbano y de formación e incremento de las

rentas urbanas: los cambios en el régimen

de propiedad de la tierra rural hacia su

privatización (caso mexicano en 1992) y/o

su concentración; la irrupción del capital

inmobiliario-financiero en la producción de

vivienda “de interés social” en las periferias

lejanas para abaratar el costo del suelo, la cual

transforma en urbanos y eleva las rentas en los

terrenos que quedan libres entre sus proyectos

inmobiliarios y el límite urbano anterior (Duhau,

2008; Eibenschutz y Goya, 2009, pp. 16 y ss.);

las grandes infraestructuras viales producidas

por el Estado o las empresas privadas, que

impulsan el fraccionamiento y construcción

del suelo aledaño; y la generalización de las

ventajas de aglomeración en los ámbitos de las

regiones urbanas que permiten la localización

casi indiferenciada de actividades económicas

en sus intersticios rurales (ver nota 10).

En el caso de la Zona Metropolitana del

Valle de México, una de las dos mayores de

la región junto con São Paulo, la expansión

urbana ha ocurrido siguiendo un patrón de

tipo cíclico, de expansión – consolidación –

expansión territorial (Duhau, 1998, pp. 131 y

281; Duhau y Giglia, 2008, p. 116) que, en su

segundo movimiento implica la saturación

de los terrenos intersticiales dejados libres

en el movimiento expansivo, por nuevos

asentamientos irregulares o empresariales.

A pesar de las particularidades, entre las que

destaca la diferencia de tendencias históricas

hacia la verticalización y la compactación

(Brasil o Argentina), o la expansión con

baja densidad (México), creemos que esta

característica se repite en diversas ciudades

latinoamericanas (Ferreira, 2012, pp. 18 y 22;

Pradilla, 2011). Este tipo de expansión difiere

estructuralmente del que Dematteis caracteriza

como disperso o difuso al referirse a las

ciudades anglosajonas de Europa en el pasado,

y su generalización actual en ese continente

(Dematteis, 1998), o el patrón disperso de

baja densidad históricamente dominante

en las áreas de vivienda de las ciudades

norteamericanas.

En el neoliberalismo, en las áreas ya

integradas y centrales de las metrópolis,

las diversas formas de la renta del suelo

(Jaramillo, 2009, cap. IV), están dialécticamente

Page 43: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 43

articuladas con: los procesos de privatización

de lo público urbano; los significativos cambios

en la localización de las actividades urbanas

(usos del suelo), determinados por los procesos

de desindustrialización y terciarización

metropolitana (Márquez y Pradilla, 2004 y

2008) y la formación de corredores terciarios

(Pradilla y Pino, 2004; Pradilla, Moreno y

Márquez, 2012a); y los nuevos procesos de

verticalización emprendidos por el capital

inmobiliario-financiero (Pradilla, 2010a), que

modifican sustantivamente su funcionamiento,

monto y distribución social, y son características

determinantes y dominantes de la lógica actual

de estructuración urbana.

El resultado es un crecimiento sostenido

en términos reales de las rentas y, por tanto,

de los precios del suelo urbano, de múltiple

sentido territorial: de la periferia hacia el

centro, del centro hacia la periferia, de la

trama de corredores terciarios hacia el interior

de las áreas de vivienda y otros usos, cuya

orografía no puede explicarse desde esquemas

concéntricos como los de la Escuela de Chicago;

este crecimiento afecta sobre todo a los

sectores más pobres de la sociedad, sean ellos

compradores o locatarios de vivienda, eleva el

costo de la vida en las metrópolis e incide en los

procesos de empobrecimiento en ellas.

La mercantilización y privatización de lo urbano

Marx, al construir su teoría general sobre

el modo de producción capitalista en El

Capital ([1867] 1975) y muchos otros textos,

señala claramente el papel de la mercancía

y su realización en el ciclo del capital y

su acumulación, la necesidad constante y

creciente de los capitalistas de integrar a todo

lo producido y aún lo no producido por el

hombre (la tierra, el agua, el aire, los recursos

naturales no renovables, etc.) al régimen

mercantil, y el papel del fetichismo de la

mercancía en el ámbito de la ideología como

encubridor de las relaciones de explotación

de los trabajadores por el capital (Marx,

[1867] 1975, l. 1, t. 1, cap. II, 4). Se refiere

también, premonitoriamente, a la tendencia

a la privatización, mercantilización plena y

capitalización de las condiciones generales

del proceso social de producción – transporte,

comunicaciones y almacenamiento en ese

momento, pero que integran a muchos otros

elementos considerados urbanos hoy en día

(Pradilla, 1984, cap. II) – en la medida que

el capitalismo se desarrolla (Marx, [1857-

1858] 1972, v. 2, n. 22, citado en Pradilla,

2009, p. 125). En tiempos recientes, autores

multicitados por los investigadores urbanos

como Polanyi ( [1957] 2003), Wallerstein

( [1983] 1988, cap. 1) , o Harvey ( [1973]

1977, pp. 273 y ss.), se refieren ampliamente

al proceso continuo, pero desigual, de

mercantilización. Sobra señalar que las

mercancías y el mercado en el que se

intercambian, son las piedras claves de la

construcción de la teoría económica burguesa,

y en particular de su variante neoliberal.

En el patrón neoliberal de acumulación,

esta mercanti l ización se ha acelerado,

profundizado, y articulado intrincadamente

con la privatización de lo público constituido

o construido a partir de la intervención del

Estado – incluyendo a su aparato legislativo12

– en etapas históricas anteriores, que

constituye una de sus políticas fundamentales

Page 44: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201444

(Valenzuela, 1991, cap. II; Pradilla, 2009,

cap. III). La privatización de lo público, que

entrega al capital privado a las empresas

productivas, comerciales, de servicios y las

condiciones generales de la acumulación y de

la reproducción social bajo su control, incluye

a muchos ámbitos públicos urbanos: suelo e

inmuebles públicos, plazas, parques, reservas

naturales, vialidades, servicios sociales,

áreas recreativas, etcétera, integrándolos a

un amplio, profundo e incesante proceso de

mercantilización de todos los elementos de la

estructura urbana, incluidos los no producidos

por el hombre.

Paradójicamente, esta privatización

ha sido más acelerada, profunda y extensa

en los países latinoamericanos que en los

capitalistas hegemónicos, sobre todo los

europeos, debido fundamentalmente a

la poca capacidad defensiva real de los

trabajadores y ciudadanos latinoamericanos

ante las embestidas privatizadoras de sus

gobernantes y empresarios neoliberales, que la

de los ciudadanos europeos con gran tradición

histórica de lucha defensiva de sus conquistas

sociales y sus condiciones de vida. Estos

hechos, constatables factualmente, muestran

el carácter desigual de los dos procesos,

que también se manifiesta entre los países

latinoamericanos y sus ciudades, en el tiempo,

la intensidad y la profundidad, lo que obliga a

su diferenciación y particularización.

Estos dos procesos han sido claves para

que el capital en su conjunto, en particular el

inmobiliario-financiero y constructor, avance

por múltiples caminos en su empoderamiento

sobre la economía y el cambio urbanos.

La desindustrialización y la terciarización informal de las metrópolis

E n l a s ú l t i m a s d é c a d a s, l o s p a í s e s

latinoamericanos, en particular los de mayor

peso económico relativo (Brasil, Argentina

y México) han sufrido desigualmente lo que

Pierre Salama denomina desindustrialización

re lat iva prematura, debida a: la baja

productividad del sector fabril; las altas tasas

de interés en el mercado especulativo y abierto

de capitales; la apreciación de sus monedas

frente a las divisas internacionales; y la baja

competitividad de sus precios de producción

en el marco del proceso neoliberal de apertura

comercial internacional (Salama, 2012a).

Este ha sido el contexto general nacional

en el que ha ocurrido una desindustrialización

relativa y/o absoluta de las metrópolis

latinoamericanas industrializadas durante

el período 1940-1980, cuya determinación

multifactorial incluye, además de las razones

generales, el crecimiento de las desventajas

(deseconomías) de aglomeración derivadas de

la saturación vehicular que alarga el tiempo

y costo del transporte de materias primas,

productos y trabajadores, la contaminación

ambiental y el costo de las medidas para

controlarla, la elevación de los precios del suelo

y los impuestos prediales, los más elevados

niveles salariales; así como de los efectos de

las políticas públicas desindustrializadoras y la

aceptación acrítica de la vocación terciaria de

las metrópolis (Márquez y Pradilla, 2008).

La desindustrialización y las políticas

públ icas urbanas en ese sent ido han

Page 45: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 45

determinado y /o acentuado la tendencia

estructural hacia la terciarización de las

economías metropolitanas propia de esta

etapa del desarrollo capitalista. Sin embargo,

en la región, la terciarización ha tenido un

carácter espurio, polarizado y dominantemente

informal notorio en la mayoría de los análisis

empíricos, pues en 2002 la fuerza laboral

en la informalidad alcanzaba en América

Latina el 46,5% (Tokman, 2007, p. 295)

de la población económicamente activa

total (PEA), superaba el 34% en algunas

de las mayores metrópolis del continente

y se concentraba fundamentalmente en el

sector terciario (Portes y Roberts, 2005, pp.

40-41; Pradilla, 2010a). Esta característica

dominantemente informal del sector terciario

urbano latinoamericano es una diferencia

sustantiva respecto de la señalada por diversos

autores sobre la predominancia de los servicios

especializados a la producción en las grandes

metrópolis de los países hegemónicos en la

economía mundial.

La conjunción de los dos procesos ha

tenido consecuencias muy negativas para la

vida económico-social metropolitana: pérdida

del dinamismo económico por la desaparición

del sector industrial, más dinámico que

el terciario; caída de la productividad

urbana media al dominar el sector terciario

informalizado, de más baja productividad del

capital y del trabajo que el industrial; déficit

de la balanza comercial del territorio urbano

específico dada la poca exportabilidad de los

servicios; incremento del desempleo urbano;

y caída del nivel de ingresos de los sectores

populares al perderse los empleos fabriles

mejor remunerados que los terciarios (Márquez

y Pradilla, 2008).

Los impactos territoriales de ambos

procesos combinados han sido: liberación

de grandes terrenos industriales insertos en

la estructura urbana, en muchos casos de

alto precio, y cambio de su uso a terciario o

habitacional para sectores de ingresos medios

o altos; terciarización de los usos del suelo en

áreas integradas a la trama urbana donde se

desarrollan los corredores terciarios (ver item

“Los cambios en el patrón de estructuración

urbana”) reemplazando antiguas áreas de

vivienda y desplazando a sus habitantes; y

multiplicación de las concentraciones lineales

o zonales de comercio en la vía pública y

otras actividades informales, en particular

sobre los ejes viales, los corredores terciarios

y áreas e inmuebles de gran flujo de peatones

y usuarios como centros comerciales, servicios

públicos, oficinas gubernamentales, lugares de

recreación, etc.

La hegemonía del capital fi nanciero y su fusión con el capital inmobiliario

Desde finales del siglo XIX, el capital financiero

resultante de la fusión del capital bancario

y el industrial y comercial, inició su carrera

hacia la hegemonía como fracción del capital

en el capitalismo; América Latina no fue la

excepción, gracias sobre todo a la penetración

del capital bancario extranjero y al crédito

internacional solicitado por los sectores público

y privado. Desde entonces, ha penetrado

profundamente en el funcionamiento de la

economía en su conjunto y en la vida cotidiana

urbana a través del crédito a las personas y más

recientemente a la proliferación de las tarjetas

de crédito y débito (Pradilla, 2012). Su carácter

Page 46: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201446

abiertamente especulativo y parasitario ha

estado presente en todas las crisis económicas

sincrónicas a nivel mundial de las últimas tres

décadas, sobre todo en la del 2008 (Rozo,

2010, cap. 1).

La fusión entre el capital financiero

y el inmobiliario nacional y trasnacional,

de te rm inada po r l a s ca rac te r í s t i ca s

estructurales del sector de la construcción,13

se ha convertido en la fracción dominante en

la inversión urbana, debido a la disminución

rápida y la pérdida de protagonismo del

capital productivo industrial, a que tiende

a convertirse en el único sector productivo

de valor en las metrópolis y al hecho de que

crea gran cantidad de empleo, aunque sea de

baja calificación laboral, de corta duración,

estacional e inestable y mal remunerado.

Por estas razones, los gobiernos urbanos,

discursivamente de distinta ideología, tienden

a otorgar privilegios e incentivar los negocios

de esta fracción del capital en sus políticas

urbanas, lo cual, como veremos en la sección

“Las dinámicas de los movimientos sociales en

las metrópolis”, genera nuevas contradicciones

urbanas y una modificación de los actores en

los movimientos sociales urbanos.14

El capital inmobi l iar io-f inanciero

expande, casi sin límites, a las ciudades al

adquirir terrenos baratos y construir viviendas

para distintos sectores sociales, incluido ahora

el segmento de viviendas de interés social

en mega-conjuntos de micro-viviendas en

las periferias lejanas; al mismo tiempo, re-

construye las áreas centrales de las ciudades

con sus productos emblemáticos: centros

comerciales, torres de usos mixtos y conjuntos

cerrados y segregados, etcétera, apoderándose

de los incrementos de rentas del suelo

generados colectivamente por el crecimiento

metropolitano mismo (Pradilla, 2010a).

Las nuevas políticas neoliberales de

vivienda popular tienden a ubicar el papel de

las instituciones estatales de vivienda, en el

lugar de bancos hipotecarios que financian a

sus derechohabientes para que compren sus

viviendas al capital inmobiliario, convirtiéndose

así en sus promotores (Ferreira, 2012, pp. 39 y

ss.; Puebla, 2002; Castro y otros, 2006).

La fracción inmobiliaria-financiera en

la producción de vivienda fue el origen de la

crisis, por sobreproducción, de 2008-2009

en Estados Unidos, para luego transmitirse

a otros sectores económicos a través de los

vínculos del capital financiero (Rozo, 2010,

cap. 1); ha estado presente en las posteriores

convulsiones de las economías europeas; y

en México, el sector se enfrenta hoy a una

seria crisis sectorial derivada de la ausencia

de compradores para sus viviendas de interés

social o su abandono y/o moratoria de pago,

por su pésima calidad constructiva y muy mala

localización en relación con las ciudades, la

cual está relacionada con la desaceleración

y bajo crecimiento reciente de la economía

nacional.

La pauperización de la fuerza de trabajo y la segregación socio-territorial

La aguda desvalorización de la fuerza de

trabajo asalariada se ha producido por la vía

de la reducción del salario real – directo,15

indirecto16 y diferido17 – y la eliminación o

reducción de las prestaciones sociales en los

contratos colectivos de trabajo, la flexibilización

de la relación laboral – despido discrecional,

Page 47: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 47

fragmentación de la jornada laboral, reducción

del escalafón de puestos de trabajo, exigencia

de calificación múltiple de los trabajadores,

contratos de corta duración, etcétera –, y la

privatización de los servicios públicos con

elevación de los precios. La eliminación de

subsidios y la reducción del gasto público

social, ha sido un eje básico de la política

neoliberal en América Latina (Valenzuela, 1991,

pp. 45 y ss.; Guillén, 1997, pp. 167 y ss.; Pradilla,

2009, cap. II). Estas políticas se han aplicado

desigualmente en el tiempo, la intensidad en

los distintos países.18

En el contexto de una reducción de

la inversión para la formación bruta de

capital fijo, un bajo crecimiento del Producto

Interno Bruto desde 1982 y hasta ahora, y

recesiones recurrentes (Cepal, 2004 y 2013,

pp. 81-86; Pradilla, 2009, pp. 312 y ss.), los

impactos sociales más inmediatos han sido:

un reducido crecimiento del PIB per cápita

(Cepal, 2013, p. 74), la elevación de la tasa

de desempleo abierto, el crecimiento del

sector informal, la caída del salario real sobre

todo en las décadas iniciales de los ochenta

y noventa cuando imperó la hiperinflación,

la pérdida de participación del salario de los

trabajadores frente a la ganancia empresarial

en la distribución de la renta nacional, y

una mínima reducción de los niveles de

pobreza e indigencia urbanas a pesar de

los gastos multimillonarios en programas

focalizados en sectores muy vulnerables

de corte fundamentalmente asistencialista

(Cepal, 2013, p. 78; Tokman, 2007, pp. 294-

296). La mejoría relativa, desigual según los

países, del salario real y la distribución del

ingreso entre salarios y ganancias, registrada

en la primera década del siglo XXI, partió

de niveles muy bajos, y no ha permitido

la recuperación de lo perdido en las dos

décadas anteriores (Salama, 2012b, p. 648).

La histórica desigualdad en la distribución

del ingreso y su concentración en una minoría

se han acentuado significativamente en este

período (Cepal, 2013, p. 78); en este aspecto,

deberíamos incluir también los efectos del

incremento de los flujos de ganancias al

extranjero derivados de la trasnacionalización

del capital y la liberación de los flujos de

mercancías y capitales (Cepal, 2013, p. 97),

pues reducen la reinversión de ganancias y las

rentas distribuidas al interior de los países.

La segregación socio-territorial en las

ciudades latinoamericanas19 se fraguó en

su fase de crecimiento acelerado – 1940 a

1980 –, teniendo como vectores articulados

dialécticamente, a la desigualdad socio-

económica creciente, la formación de

rentas y el mercado del suelo, las formas de

producción de los soportes materiales urbanos,

en particular la formación de viviendas del

tipo vecindad o conventillo en las áreas

centrales, la ocupación irregular de la tierra y

la autoconstrucción de viviendas localizadas

en los terrenos menos construibles y poco

atractivos para los promotores inmobiliarios

y los sectores de ingresos medios y altos, los

fraccionamientos de capas medias y altas

mediante la producción por encargo (Pradilla,

2012) y los valores ideológicos imperantes.

Durante las tres décadas de políticas

neoliberales, el mantenimiento o incremento

de la desigualdad y la polarización socio-

económica, y de la pobreza y la indigencia

en los sec tores populares urbanos es

uno de los factores explicativos de la

segregación territorial imperante en las

Page 48: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201448

ciudades latinoamericanas de hoy, pero en

su articulación dialéctica con otros procesos:

los cambios sustantivos en las rentas y los

mercados – formal e informal – del suelo,

las modificaciones ocurridas en la estructura

de las formas productivas de lo urbano

(Pradilla, 2012), las nuevas formas urbano-

arquitectónicas impulsadas por el capital

inmobiliario-financiero (megaproyectos de

renovación urbana, centros comerciales,

corredores terciarios, clubes privados, edificios

mixtos, conjuntos cerrados, macro-conjuntos

de vivienda de interés social, etc.) , y los

gobiernos locales: revitalización y renovación

urbana, revalorización de centros históricos,

construcción de vialidades confinadas y otras

obras viales (Sabatini, 2003, p. 6). Hay también

que añadir el predominio del automóvil

individual en los desplazamientos urbanos,

la individualización de la vida cotidiana en la

ideología, y la formación de territorios de la

violencia creciente.20

La fragmentación socio-territorial de las

ciudades, que implica a la vez la desigualdad

social, la segregación territorial y la existencia

de barreras físicas o socio-culturales como la

violencia, a la movilidad, se ha incrementado

a partir de la multiplicación de los conjuntos

cerrados y cercados para clases medias y altas,

el aislamiento territorial de los mega-conjuntos

de interés social, la proliferación de vialidades

confinadas y segundos pisos viales como

barreras físicas, y las creadas por los guetos de

la violencia urbana (Carrión, 2006).

La movilidad urbana y el dominio del automóvil

La movil idad y la conectividad se han

convertido en temas predilectos del discurso

de los gobiernos urbanos y de la investigación,

precisamente cuando los recorridos urbanos

han a lcanzado una gran extens ión y

complejidad, la saturación de las vialidades

y los medios de transporte público llegan a

niveles críticos y se alarga significativamente

el tiempo dedicado a los desplazamientos. Los

factores estructurales hay que encontrarlos

en el crecimiento poblacional y la continua

expansión territorial de las ciudades, la

complejidad alcanzada por las actividades

urbanas, la generación de múltiples polos de

atracción de los desplazamientos debido al

surgimiento disperso de las nuevas formas

urbano-arquitectónicas, el papel protagónico

de la industria automotriz en las economías

regionales y sus prácticas publicitarias y

de crédito, el rezago y mala calidad del

transporte colectivo público o privado, y la

creciente individualización de la vida cotidiana

acrecentada por la violencia urbana.

El transporte urbano de pasajeros

es realizado cada vez más en automóvil,21

m ien t ra s s e a cen túa e l de te r i o ro e

insuficiencia del transporte colectivo público

o concesionado a actores privados, donde

aún dominan en muchos casos los medios de

transporte más irracionales o contaminantes

como los microbuses o pequeños autobuses

Page 49: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 49

organizados precariamente en cooperativas o

asociaciones atrasadas. A pesar del desarrollo

reciente de sistemas como los metro-buses22

confinados y los trenes subterráneos o de

cercanía en algunas ciudades, públicos o

privados, de alto precio, el automóvil es

privilegiado por las políticas públicas mediante

la continua construcción de vialidades

confinadas o en segundo piso, distribuidores

viales, puentes y subterráneos, en muchos

casos realizados y/o administrados por el

capital privado nacional/extranjero, de cuota

y excluyentes, a partir de visiones pragmáticas

y realistas impregnadas por la ideología

neoliberal de la privatización de lo público.

Estas obras y sus efectos multiplicadores sobre

el uso del auto, impactan negativamente

sobre el funcionamiento del trasporte público,

se convierten en barreras de fragmentación

socio-territorial, y afectan la vida cotidiana del

sector mayoritario de la población.

Los peatones, en particular los niños,

mujeres embarazadas, discapacitados y

ancianos, son los grandes olvidados por las

políticas de movilidad, transporte y vialidad:

cada vez más tienen que enfrentar barreras

infranqueables como las vías rápidas y /o

confinadas, los segundos pisos y distribuidores

viales, los subterráneos y puentes o los

elevados y distantes puentes peatonales;

el automóvil, el artefacto más icónico del

capitalismo industrial del siglo XX (¿y XXI?)

es el dueño absoluto de la calle y la ciudad

(Márquez y Pradilla, 2007).

Los cambios en el patrón de estructuración urbana

En las grandes metrópolis y ciudades medias

en expansión, emerge una lógica diferente de

estructuración urbana basada en una trama

de corredores terciarios lineales, sobre grandes

ejes de vialidad y de flujos de personas y

mercancías, de diversa intensidad de actividad,

de densidad inmobiliaria y de área de

influencia, que sustituyen a las centralidades

ampliadas del período de la industrialización

y al poli centrismo de transición23 (Pradilla y

Pino, [2002] 2004; Pradilla, Moreno y Márquez,

2012a; Pradilla (coord.) y otros, 2012, cap. VI).

Las determinaciones de este cambio

estructural tenemos que encontrarlas en una

combinación compleja de factores, entre

ellos: el crecimiento poblacional y físico de las

ciudades que dispersa a la población en grandes

extensiones territoriales; las necesidades de

abasto comercial y de servicios en áreas cada

vez más alejadas de la antigua centralidad; la

respuesta privada y pública a este mercado de

bienes y servicios territorialmente localizado; la

libre circulación internacional de mercancías y

capitales; la multiplicación de formas terciarias

como centros comerciales, tiendas en cadena

y franquicias; las nuevas formas urbano-

arquitectónicas desarrolladas por el capital

inmobiliario-financiero nacional y trasnacional

que se ubican privilegiadamente en estos

corredores de flujos para apropiarse de las

ventajas de aglomeración que allí se forman y/o

Page 50: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201450

contribuyen a formar; el dominio del automóvil

privado como medio de transporte urbano; y

las políticas promocionales públicas que los

consideran ámbitos de desarrollo económico

y urbano en la terciarización asumida como

vocación de las ciudades. Paradójicamente, los

corredores terciarios también se convierten en

lugares de concentración del comercio informal

en la vía pública cuando este es tolerado por

los gobiernos locales, complementando al

sector formal en el abasto de los compradores

pobres y los empleados formales de bajos

ingresos que no pueden acceder a lo vendido

por sus empleadores (Duhau y Giglia, 2008).

La desigualdad social en la apropiación de las nuevas tecnologías

La introducción de los nuevos productos y

procesos resultantes de la aplicación del

conocimiento científico y tecnológico, ha

sido muy desigual en los diversos sectores

de la actividad urbana: por ejemplo, es muy

importante en los campos de la comunicación

y trasmisión de la información24 o la salud,

menor pero notoria en el transporte, y muy

poco significativa en el suministro de agua

potable o la eliminación de desechos líquidos

y sólidos.

La apropiación social de estas nuevas

tecnologías es muy desigual, tanto en su acceso

como en su uso en los procesos productivos,

de acumulación de capital o de reproducción

social, de acuerdo a la ubicación de los sujetos

en la estructura de clases y de distribución

del ingreso. Excluyen a sectores productivos,

comerciales o de servicios como las micro y

pequeñas empresas, y en su adquisición y uso a

sectores mayoritarios de trabajadores urbanos

y acentúan la segregación socio-territorial.

Estas dos desigualdades implican que su

papel en la modificación de aspectos diversos

del funcionamiento estructural y de la vida

cotidiana urbana sea muy diferenciado y

desigual, lo que nos lleva a dejar de lado las

caracterizaciones generales, a veces propias

de un futurismo sin sustento, y analizar

en lo concreto, en nuestra realidad, sus

desigualdades y sus efectos específicos y

particulares.

La extinción de la planeación y la subordinación de las políticas urbanas al capital

En el patrón de acumulación con intervención

estatal, la planeación urbana indicativa gozaba

de legitimidad y contaba con los instrumentos,

limitados, que se derivaban del papel que tenía

el Estado en la arquitectura de la actividad

económica, social y política. Sin embargo, su

práctica real en el ordenamiento racional de

la construcción y re-construcción de lo urbano

fue limitada, insuficiente y con frecuencia

inadecuada para enfrentar el crecimiento

urbano acelerado resultante de la acción

individualizada, espontánea de los múltiples

actores urbanos.

Esa planeación no fue sistemática y

continua en el tiempo; no se aplicó en todos

los centros urbanos que la requerían; con

frecuencia fue realizada por agentes privados

(consultores o despachos de urbanismo)

sin conocimiento de las lógicas políticas y

sin capacidad de decisión; se pensó como

plan documento estático y no como proceso

Page 51: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 51

permanente y dinámico; careció de una base

científica de análisis de la problemática a

resolver; cuando existió, se modificó cada

vez que cambiaba el gobierno por lo que

careció de continuidad; se subordinó a los

intereses de los sectores sociales hegemónicos

y del capital inmobiliario; no incluyo la

participación ciudadana como elemento

de validación y aceptación social; careció

de los instrumentos de acción suficientes y

adecuados a la problemática a enfrentar y a su

aplicación, particularmente ante las acciones

irregulares de los promotores inmobiliarios

para las clases medias y altas y los ocupantes y

autoconstructores del sector popular (Pradilla,

2009, pp. 201 y ss.).

En el patrón neoliberal de acumulación,

desapareció esta legitimidad ante la ideología

y la política dominaste: la desregulación de la

vida económica y social, el adelgazamiento

del Estado, su cambio de función de

interventor a facilitador de la acción privada,

la libre iniciativa y el libre mercado como

formas de funcionamiento de la economía

en el territorio, el fortalecimiento del capital

inmobiliario-financiero nacional y extranjero

en el marco del libre flujo internacional de

capitales, y el nuevo protagonismo del capital

privado (Pradilla, 2009, pp. 205 y ss.). Aunque

se mantenga la elaboración de planes de

desarrollo urbano por cuestiones legales25 o de

legitimación discursiva e ideológica, su eficacia

y operatividad se desvanece en el aire ante las

nuevas condiciones de operación del Estado

capitalista en el neoliberalismo.

De hecho, tanto en el intervencionismo

estatal como en el neoliberalismo, lo que ha

operado y opera son las políticas urbanas

entendidas como:

Todas aquellas acciones, prácticas o discursivas, que llevan a cabo los distintos poderes del Estado (Ejecutivo, Legislativo, Judicial, militar) en diferentes campos de la actividad económica, social, política, territorial, cultural, etcétera, que tienen efectos directos o indirectos, temporales o duraderos, sobre las estructuras y el funcionamiento de las ciudades. (Pradilla, 2009, p. 198)

Las políticas urbanas de los gobiernos

locales, poco diferenciadas en términos

de la ideología declarada de los partidos

gobernantes, se han hecho pragmáticas

y en ocasiones banales,26 responden a los

imperativos neoliberales, ideológicos o

reales, del libre mercado, la globalización, la

competitividad entre ciudades, la rentabilidad

del terr itorio, la vocación terciaria, la

conectividad, la movilidad, la gobernanza,

etc. En realidad, se someten a las razones

o dictados del capital y sus cabilderos: a la

privatización y la mercantilización creciente

de lo urbano, a la rentabilidad de los negocios

urbanos, al capital inmobiliario-financiero

como fracción dominante en la producción de

lo urbano y sus intervenciones, a los intereses

de las trasnacionales automotrices, etcétera,

aunque tengan que afectar más a los sectores

mayoritarios o, aún, a sectores medios y altos

en sus barrios y colonias.

Las dinámicas de los movimientos sociales en las metrópolis

A pesar de la agudización de las contradicciones

sociales urbanas, los movimientos urbanos

populares se han debilitado relativamente, muy

desigualmente en el tiempo y el territorio según

Page 52: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201452

los países y ciudades, en lo que se refiere a sus

reivindicaciones históricas de tierra, vivienda

y servicios, bajo los impactos del cambio de

función del Estado, el clientelismo político sobre

todo de los partidos locales “de izquierda”, las

nuevas políticas asistencialistas de vivienda, o

la presencia y prácticas desmovilizadoras de

muchas ONGs; sin embargo, aparecen también

nuevas causas urbanas para su movilización

como la reivindicación del derecho a la ciudad,

o la defensa ante los mega-eventos y sus

impactos sobre la vivienda popular en Brasil en

los años 2012 y 2013.

La novedad actual es que la articulación

estrecha entre gobiernos locales y capital

inmobi l iar io -f inanciero, en los mega-

proyectos urbanos públicos y privados

(grandes conjuntos de usos múltiples y /o

cerrados, vialidades confinadas y elevadas,

inmuebles y complejos para los mega-eventos,

etc.) , o en las intervenciones privadas de

re-producción, renovación y verticalización

urbana, afecta crecientemente a sectores

medios y altos en sus lugares de vivienda y

ha llevado a la integración de estos sectores,

puntual y fragmentádamente, a movimientos

de oposición, a la vez, al capital inmobiliario

y a los gobiernos locales (para la ZMVM, ver

Pradilla, Moreno y Márquez, 2012b).

En el período, se han operado dos

desp lazamientos s ign i f i ca t i vos en la

reivindicación y la confrontación social

por razones urbanas o urbanizadas. En

primer lugar, la aparición de múltiples

movimientos interclasistas y/o sectoriales por

reivindicaciones y problemas nuevos como la

igualdad de género, la diversidad sexual, la

exclusión social, la ecología, la discapacidad,

la violencia urbana, etc. En segundo lugar,

el desplazamiento del discurso político, la

investigación y las prácticas sociales, de los

movimientos como procesos colectivos, hacia

la participación ciudadana, individualizada,

controlada y restringida por el Estado y sus

regulaciones, sin que este le otorgue un papel

decisorio en la gestión urbana, dominada

por burocracias políticas neoliberalizantes;

este desplazamiento busca debilitar a los

movimientos sociales clasistas, al tiempo

que evadir la toma de conciencia de una

participación que trasforme a la sociedad y

la ciudad.27

La violencia y la vida cotidiana en la ciudad

En las tres décadas transcurridas desde la

gran crisis económica de 1982, las ciudades

latinoamericanas se han hecho cada vez

más violentas, dando lugar a un imaginario

social del miedo, sobre todo urbano, al

reconocimiento social de “espacios” del

miedo28 y a modificaciones sustantivas de las

prácticas sociales cotidianas urbanas en función

de uno y otros: rutas de desplazamiento,

lugares de recreación, cierre de calles en áreas

de vivienda, multiplicación de inmuebles y

unidades de vivienda cerradas y amuralladas,

controles de policías privadas, uso de centros

comerciales en lugar de la calle y las plazas

públicas, etc. (Carrión, 2006).

Aunque no podemos caer en e l

simplismo lineal de asignar al neoliberalismo

como patrón de acumulación la causalidad del

fenómeno de la agudización de la violencia,

si podemos constatar que ella ha ocurrido en

este periodo.

Page 53: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 53

Se habla de la globalización de la

delincuencia organizada en el narcotráfico,

el contrabando de armas y muchos otros

productos, el tráfico internacional de seres

humanos, el secuestro de personas, etc.,

actividades por naturaleza violentas como

lo ejemplifican los casos de Colombia en la

década del ochenta o México en la actualidad.

Su alta rentabilidad y la masa de dinero

que mueven las organizaciones criminales,

articuladas trasnacionalmente, les permiten

penetrar las estructuras políticas y estatales,

usar la corrupción y mediante ella gozar de

amplios márgenes de impunidad. El incremento

del desempleo, la multipl icación de la

informalidad, y la exacerbación de la pobreza,

en este período, nos permiten explicar por

qué, donde y como encuentran las mafias a

sus ejércitos de sicarios, como carne de cañón

sacrificable. Estas realidades nos explican

también la multiplicación de la delincuencia

incidental, espontánea, que se registra en las

calles de nuestras ciudades.

A manera de conclusión: lo nuevo y lo viejo, lo común y lo diferente en la lógica de estructuración urbana

Los países y ciudades de América Latina, se

estructuran y funcionan hoy, en términos

generales, siguiendo las determinaciones del

patrón neoliberal de acumulación de capital,

que tiene ya una edad de más de treinta años,

el cual ha determinado una nueva fase de

su historia. En ella, lo viejo, lo heredado del

pasado, se ha combinado y mutado con lo

nuevo, en una estructura compleja que suma

y potencia los problemas y contradicciones del

pasado y el presente, así como las prácticas

y políticas de los distintos actores según sus

intereses, divergentes u opuestos. Aunque

el patrón neoliberal de acumulación ya ha

mostrado sus deformaciones estructurales,29

no es aún posible predecir su sustitución por

otro, pues aún es sostenido por los países

hegemónicos y los empresarios trasnacionales,

grandes benef ic iar ios de su carácter

especulativo y expoliador.

Lo que se mantiene es el imperativo y las

determinaciones de las relaciones técnicas y

sociales del modo de producción capitalista, el

dominio y la explotación del trabajo asalariado

y otras clases dominadas, por el capital, como

la base de la acumulación de riqueza; y por lo

tanto, el carácter capitalista como lo general de

las formas urbanas en los sucesivos patrones

de estructuración.

L a s c i u d a d e s c a p i t a l i s t a s

latinoamericanas que también han asumido

diferentes estructuras y morfologías a lo largo de

su historia, adquieren ahora las características,

los rasgos generales del neoliberalismo. Sin

embargo, a pesar de que comparten estos

rasgos, no podemos confundirlas con las

ciudades de las sociedades de los países

hegemónicos en el mundo capitalista, porque

ellos son formaciones sociales concretas

diferentes, con historias distintas, y porque

ocupan una posición distinta, dominante, en la

cadena de depredación del mundo capitalista;

debemos, tenemos que explicarlas en su

particularidad social e histórica, sin caer en el

recurso fácil de utilizar las interpretaciones,

validas o no, que explicarían a las ciudades

del capitalismo avanzado, y menos aún las

Page 54: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201454

mitologías neoliberales de moda, espuriamente

generalizadoras.

A lo largo de este texto, que se sustenta

en la investigación original desarrollada

po r muchos i nves t i gado res u rbanos

latinoamericanos, citados algunos, muchos

otros no debido a la dictadura del tiempo y

la extensión, hemos tratado solamente de

articular entre sí algunas de las formas y

procesos económicos, sociales, ideológicos

y territoriales, presentes en las realidades

urbanas latinoamericanas, resaltando tanto

sus rasgos comunes como sus particularidades

y sus diferencias con las formas y procesos

urbanos que se han desarrollado en los países

dominantes del capitalismo y, en algunos casos,

sus propias diferencias.

Los rasgos comunes a las diferentes

ciudades latinoamericanas nos permiten

construir una interpretación y teorización

macro-regional, mientras que las diferencias

nos remiten a las particularidades nacionales o,

aún, micro-regionales a su interior, resultantes

de las particularidades que diferencian a una

formación social de otras, y sus desiguales

grados y procesos de desarrollo.

Avanzar en una teorización válida para

las ciudades de América Latina, ha sido en el

pasado y lo seguirá siendo, un trabajo colectivo,

a veces anónimo, acumulativo y necesariamente

crítico, que no podemos desechar por motivos

de actualidad, precisamente porque lo viejo y

lo nuevo se combinan en la realidad y, también,

en su explicación. Es de lamentar y hay que

criticar que este esfuerzo latinoamericano sea

ignorado con demasiada frecuencia por los

investigadores de países desarrollados cuando

generalizan sus propias explicaciones al

mundo entero, por muchos de nuestros propios

investigadores, y por las grandes editoriales

de lengua castellana o portuguesa también

dominadas por el capital trasnacional.

Emilio Pradilla CobosUniversidad Autónoma Metropolitana – Unidad Xochimilco, División de Ciencias y Artes para el Diseño, Departamento de Teoría y Análisis. México DF, Mé[email protected]

Page 55: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 55

Notas

(1) Entendemos por patrón de acumulación de capital, a la “arquitectura” que asumen los diferentes componentes estructurales de una formación social concreta en un período determinado y sus reglas de operación, para garan zar la reproducción simple o ampliada del capital. Estos patrones han cambiado, local y/o internacionalmente, en diferentes momentos de la historia del capitalismo, su desarrollo es desigual en diferentes formaciones sociales, y sus resultados y contradicciones también lo son.

(2) Como veremos más adelante, las formaciones sociales la noamericanas no han sido, ni son, pasivas en esta relación; sus estructuras y actores sociales han actuado de una forma u otra en ella.

(3) En los dis ntos grados de desarrollo determinados por la ubicación de la nación, la región y la ciudad en el patrón de acumulación vigente en ese momento.

(4) En aras del debate teórico, podríamos incluir a las teorías burguesas que, desde el punto de vista del capital y los capitalistas, explican su lógica y la de la explotación de la fuerza de trabajo, desde las clásicas hasta las neoliberales.

(5) Agregaríamos, en general, que la “modelización” de los procesos socio-territoriales es un ar fi cio metodológico espurio, acien fi co, para igualar, generalizar y eternizar estructuras y procesos que solo se constatan en casos par culares, históricamente datados.

(6) Todo mito ideológico se asienta sobre algunos hechos de la realidad que se sistematizan, se generalizan, se magnifican y se convierten en verdad única e incontestable que no hay que comprobar por que forma parte de la ideología social dominante, aceptada por todos independientemente de su lugar en la estructura económica, social o polí ca, formando parte de la falsa conciencia.

(7) Las llamadas economías emergentes, las del grupo BRIC, ejemplifi can esta diferenciación del desarrollo capitalista entre los países dominados o atrasados.

(8) La propiedad ejidal y la comunal de la tierra rural, restauradas en la Constitución de 1917, intransferibles e inalienables, se mantuvieron así hasta 1992 y tuvieron un papel fundamental en la forma que asumió el crecimiento urbano en el período 1940-1980.

(9) Aunque consideramos este concepto inconsistente teóricamente, no conocemos otro alterna vo, ni lo hemos construido, por lo que lo usamos a regañadientes.

(10) “Entendemos la ciudad-región como un gran sistema urbano uni o mul -céntrico, como una trama densa pero no necesariamente con nua, de soportes materiales de infraestructuras y servicios, viviendas, ac vidades económicas, polí cas, culturales, administra vas y de ges ón, resultante de la expansión centrífuga de una o varias ciudades o metrópolis cercanas, que ar cula y/o absorbe a otros asentamientos humanos en su periferia o a lo largo de las vialidades y transportes que los unen y a las áreas rurales inters ciales; este conjunto está integrado como un todo único pero contradictorio, por una alta intensidad de relaciones y fl ujos permanentes de mercancías, personas, capitales, mensajes e informaciones; en esta trama, la localización de ac vidades es rela vamente indiferente en la medida que sus lugares comparten los efectos ú les de aglomeración y las ventajas compara vas” (Pradilla, [1998] 2009, p. 263)

(11) El libro de Samuel Jaramillo desarrolla en forma sistemá ca, rigurosa y precisa el funcionamiento de las rentas del suelo agrario, su transformación en rentas urbanas y las formas que asumen estas en la ciudad capitalista de hoy, y en par cular en la ciudad la noamericana.

Page 56: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201456

(12) Por ejemplo, en la legislación que defi ne al subsuelo, a las corrientes de agua, o a determinadas erras como propiedad de la nación.

(13) La larga duración del proceso construc vo de los inmuebles derivada de su ubicación en un si o determinado, como proceso de ensamblaje y el bajo desarrollo de las fuerzas produc vas en el sector; y el largo período de recuperación del precio de producción del inmueble por su alto costo, lo que implica la presencia de un agente fi nanciero diferente al promotor inmobiliario: la banca hipotecaria (Pradilla, 2012).

(14) Ver el conjunto de trabajos sobre São Paulo, Buenos Aires, Ciudad de México, San ago de Chile y otras ciudades la noamericanas incluido en la compilación de Pereira (2011).

(15) Entregado periódicamente en dinero al trabajador por el empleador.

(16) Recibido por el trabajador mediante los servicios públicos estatales subsidiados: agua, energía, transporte, educación, salud, etc.

(17) Recibido como prestación social o derecho cuando las condiciones del trabajador lo exigen o permiten, como vivienda, salud, servicios funerarios, etc.

(18) La intensidad en su aplicación fue mucho mayor en las décadas de los 80 y 90, cuando se aplicaron simultánea e intensivamente en todos los países, con frecuencia por gobiernos dictatoriales; disminuyó su intensidad en la primera década del siglo XXI en algunos países gracias en parte a la presencia de gobiernos democrá cos y/o de izquierda, discursivamente an neoliberales.

(19) Sobre este tema, en lo teórico y factual, ver el trabajo de Francisco Saba ni (2003).

(20) Para el caso de la ZMVM, ver: Rubalcava y Schteingart (2012) y Pradilla (coord.) (2013).

(21) Una mayoría de automóviles privados subu lizados satura las vialidades y el tránsito, circulando o estacionados, pero transporta a una minoría de los viajeros urbanos.

(22) En cada ciudad, iniciando en Curi ba, Brasil, se le ha dado una denominación dis nta a este sistema.

(23) Hemos llevado a cabo trabajos empíricos sobre la Zona Metropolitana del Valle de México y observaciones sobre otras ciudades mexicanas que confi rman nuestra hipótesis; también los recorridos realizados en algunas metrópolis latinoamericanas nos sugieren que ocurre algo similar en estadios diferentes de desarrollo, para las que habría que llevar a cabo estudios empíricos para confi rmarlo.

(24) No compartimos las versiones teórico-analíticas que asignan al cambio tecnológico en la informá ca un papel central en la organización social en su conjunto y en la ciudad (modo de producción informacional, sociedad de la información, ciudad imformacional, cibercity, etc.) por considerarlas teóricamente insustentables, no coincidentes con lo real, y preñadas de determinismo tecnológico.

(25) En México, por ejemplo, se man ene vigente la Ley de Planeación Democrá ca aprobada en 1983, cuando se iniciaban las reformas neoliberales que la harían ineficaz, la cual contiene la obligación de cada nuevo gobierno Federal, Estatal o Municipal de elaborar Programas Generales de Desarrollo y de Desarrollo Urbano.

(26) Poco signifi ca vas en relación con los problemas socio-territoriales a enfrentar, o simplemente resultantes de las modas o mitos del la modernización neoliberal.

(27) Sobre estos temas, es muy signifi ca vo y ú l el trabajo crí co de Sergio Tamayo (2010).

Page 57: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 57

(28) Ciudades enteras consideradas violentas, incluidas en rankings mundiales, como Ciudad Juárez o Monterrey en México, o ámbitos territoriales como los Centros Históricos en general, las favelas en las ciudades brasileñas, Tepito o partes de la Delegación Iztapalapa en la ciudad de México, el bronx bogotano, por ejemplo.

(29) La generalizada y profunda recesión económica de 2008-2009, aún no superada, es una muestra de estas deformaciones estructurales y, también, de cómo se cargaron sus costos a todos los ciudadanos a través de los “rescates” gubernamentales de grandes bancos, fondos de inversión, monopolios industriales trasnacionales, y empresarios de naciones enteras, como Grecia y otros (Rozo, 2010).

Referencias

ABRAMO, P. (2011). “O mercado de solo informal em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes ciudades brasileiras: notas para delimitar um objeto de estudo”. In: NATAL, J. (org.). Território e planejamento. Rio de Janeiro/IPPUR, URFR, UFRJ/Letra Capital.

CALDERON COCKBURN, J. (2006). Mercado de erras urbanas, propiedad y pobreza. Lima, Peru, Lincoln Ins tute of Land Policy, Sinco Editores.

CARRIÓN MENA, F. (2006). La inseguridad en la ciudad: hacia una comprensión de la producción social del miedo. EURE, n. 97. San ago, Chile.

CASTELLS, M. (1973). “La urbanización dependiente en América La na”. In: CASTELLS, M. (comp.). Imperialismo y urbanización en América La na. Barcelona, Espanha, Gustavo Gilli.

CASTRO, J.; COULOMB, R.; LEÓN, P. e PUEBLA, C. (2006). “Los desarrolladores y la vivienda de interés social”. In: COULOMB, R. e SCHTEINGART, M. (coords.). Entre el Estado y el mercado. La vivienda en el México de hoy. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Azcapotzalco y Miguel Ángel Porrúa.

COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE (CEPAL) (2004). Una década de desarrollo social en América La na 1990-1999. San ago de Chile, Organización de las Naciones Unidas.

______ (2013). Estudio económico de América La na y el Caribe 2013. San ago de Chile, Organización de las Naciones Unidas.

DEMATTEIS, G. (1998). “Suburbanización y peri urbanización. Ciudades anglosajonas y ciudades la nas”. In: MONCLUS, F. J. (ed.). La ciudad dispersa. Suburbanización y nuevas periferias. Espanha, Centre de Cultura Contemporánea de Barcelona.

DUHAU, E. (1998). Habitat popular y polí ca urbana. México DF/México, Miguel Ángel Porrúa y Universidad Autónoma Metropolitana-Azcapotzalco.

______ (2008). Los nuevos productores del espacio habitable. Ciudades, n. 79. México DF/México, Red Nacional de Inves gación Urbana.

DUHAU, E. e GIGLIA, A. (2008). Las reglas del (des)orden: habitar la metrópoli. México DF/México, Siglo XXI y Universidad Autónoma Metropolitana-Azcapotzalco.

Page 58: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201458

EIBENSCHUTZ HARTMAN, R. e ESCOBEDO, C. G. (coords.) (2009). Estudio de la integración urbana y social en la expansión reciente de las ciudades en México, 1996-2006: dimensión, caracterís cas y soluciones. México DF/México, Cámara de Diputados/Sedesol/UAM-Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.

EIBENSCHUTZ HARTMAN, R. e BENLLIURE B. P. (coords.) (2009). Mercado formal e informal de suelo. Análisis de ocho ciudades. México DF/México, UAM-Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.

FERREIRA, J. S. W. (coord.) (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafi os para um novo Brasil urbano. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.

GUILLÉN ROMO, H. (1997). La contrarrevolución neoliberal. México, Era.

HARVEY, D. [1973] (1978). Urbanismo y desigualdad social. Madri, Siglo XXI.

______ [1982] (1990). Los límites del capitalismo y la teoría marxista. México, Fondo de Cultura Económica.

______ [2000] (2003). Espacios de esperanza. Madri, Akal.

JARAMILLO GONZÁLEZ, S. (2009). Hacia una teoría de la renta del suelo urbano. Bogotá, Universidad de los Andes.

KALMANOVITZ, S. (1977). Ensayos sobre el desarrollo del capitalismo dependiente. Bogotá, Pluma.

______ (1982). Cues ones de método en la teoría del desarrollo. Comercio Exterior, v. 32, n. 5. México, Bancomext.

MÁRQUEZ LÓPEZ, L. e COBOS, E. P. (2004). Estancamiento económico, desindustrialización y terciarización informal en la Ciudad de México, 1980-2003, y potencial de cambio. Inves gación y Diseño, n. 1. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.

______ (2007). Ciudad de México: el automóvil contra el transporte público. Inves gación y Diseño, n. 4. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.

______ (2008). Desindustrialización, terciarización y estructura metropolitana: un debate conceptual necesario. Cuadernos del CENDES, n. 69. Caracas, Universidad Central de Venezuela.

MARX, K. [1857-1858] (1972). Elementos fundamentales para la crí ca de la economía polí ca. Borrador, v. 2. Buenos Aires, Siglo XXI.

______ [1867] (1975). El Capital. México, Siglo XXI.

PEREIRA, P. C. X. (org.) (2011). Negócios inmobiliários e transformaciones sócio-territoriais em ciudades da América La na. São Paulo, Universidade de São Paulo.

POLANYI, K. [1957] (2001). La gran transformación. Los orígenes polí cos y económicos de nuestro empo. México, Siglo XXI.

PORTES, A. e ROBERTS, B. R. (2005). “La ciudad bajo el libre mercado”. In: PORTES, A.; ROBERTS, B. R. e GRIMSON, A. (eds.). Ciudades la noamericanas. Un análisis compara vo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros.

Page 59: Cadernos Metrópole 31. -

La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 59

PRADILLA COBOS, E. (1981). Desarrollo capitalista dependiente y proceso de urbanización en América La na. Revista Interamericana de Planifi cación, v. XV, n. 57. México, Sociedad Interamericana de Planifi cación.

______ (1984). Contribución a la crí ca de la teoría urbana. Del espacio a la crisis urbana. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.

______ (2009). Los territorios del neoliberalismo en América La na. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.

______ (2010a). Mundialización neoliberal, cambios urbanos y polí cas estatales en América La na. Cadernos Metrópole, n. 24. São Paulo, Educ.

______ (2010b). Teorías y polí cas urbanas: ¿Libre mercado mundial o construcción regional? Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2. São Paulo.

______ (2011). “Zona Metropolitana del Valle de México: una ciudad baja, dispersa, porosa y de poca densidad”. In: COBOS, E. P. (comp.). Ciudades compactas, dispersas, fragmentadas. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.

______ (2012). Formas produc vas, fracciones del capital y re-construcción urbana en América La na. México, Universidad Autónoma Metropolitana.

PRADILLA COBOS, E. e HIDALGO, R. A. P. [2002] (2004). Ciudad de México: de la centralidad a la red de corredores urbanos. Anuario de Espacios Urbanos. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Azcapotzalco/Gernika.

PRADILLA COBOS, E.; GALVÁN, F. M. e LÓPEZ, L. M. (2012a). ”Cambios económicos y morfológicos en la Zona Metropolitana del Valle de México”. In: DUHAU, E. (ed.). Ciudad de México: la construcción permanente de la metrópoli. Quito, Olacchi.

______ (2012b). “Changements économiques, sociaux et mor ologiques dans la zone métropolitaine de la Valée de Mexico (1980-2010)”. In: TELLIER, L-N. e VAINER, C. (comps.). Métropoles des Ameriques en muta on. Quebec, Presses de l´Université de Quebec.

PRADILLA COBOS, E. (coord.), CARPYNTEIRO, C. C.; FLÓREZ, L. O. D.; DIEGO, C. H.; CHAPA, F. G. N.; GALVÁN, F. DE J. M.; HIDALGO, R. A. P.; SANTIAGO DE LA CRUZ, C. e RÍOS, C. V. Zona Metropolitana del Valle de México: cambios demográficos, económicos y morfológicos. México, Proyecto Conacyt-UAM parte I, inédito.

PRADILLA COBOS, E. (coord.), MEJÍA, H. B.; FLORES, L. O. D.; DIEGO, C. H.; ROBLES, F. F. M.; GALVÁN, F. DE J. M.; HIDALGO, R. A. P. e SANTIAGO DE LA CRUZ, C. Zona Metropolitana del Valle de México: cambios sociales. México, Proyecto Conacyt-UAM parte II, inédito.

PUEBLA, C. (2002). Del intervencionismo estatal a las estrategias facilitadoras. Cambios en la polí ca de vivienda en México. México, El Colegio de México.

RAMÍREZ VELÁZQUEZ, B. R. e COBOS, E. P. (comps.) (2013). Teorías sobre la ciudad en América La na.México, Universidad Autónoma Metropolitana.

ROZO, C. A. (2010). Caos en el capitalismo fi nanciero global. México, Océano/Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.

Page 60: Cadernos Metrópole 31. -

Emilio Pradilla Cobos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201460

RUBALCAVA, R. M. e SCHTEINGART, M. (2012). Ciudades divididas. Desigualdad y segregación social en México. México, El Colegio de México.

SABATINI, F. (2003). La segregación social del espacio en las ciudades de América La na. Washington, Banco Interamericano de Desarrollo.

SALAMA, P. (2012a). Globalización comercial: desindustrialización prematura en América La na e industrialización en Asia. Comercio Exterior, v. 62, n. 6. México, Bancomext.

______ (2012b). ¿Cambios en la distribución del ingreso en las economías de América La na? Foro Internacional 209, LII.

SINGER, P. (1973). “Urbanización, dependencia y marginalidad en América La na”. In: CASTELLS, M. (comp.). Imperialismo y urbanización en América La na. Barcelona, Gustavo Gilli.

TAMAYO, S. (2010). Crí ca de la ciudadanía. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Azcapotzalco/Siglo XXI.

TOKMAN, V. R. (2007). Informalidad, inseguridad y cohesión social en América La na. San ago de Chile, Cepal.

VALENZUELA FEIJOO, J. (1991). Crí ca del modelo neoliberal. México, Facultad de Economía, UNAM.

WALLERSTEIN, I. [1983] (1988). El capitalismo histórico. México, Siglo XXI.

Texto recebido em 31/out/2013Texto aprovado em 20/nov/2013

Page 61: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014

Las palabras y las cosasen la ciudad latinoamericana.Obstáculos epistemológicos

en políticas urbanas argentinas*

Words and things in the Latin American city.Epistemological obstacles in Argentinean urban policies

Ana NúñezJorge Roze

ResumenEl artículo invita al debate sobre los procesos

de producción de saberes, teorías y marcos

conceptuales que operaron y operan en el

conocimiento sobre la ciudad latinoamericana,

junto a la formulación de políticas urbanas. Nos

adentramos, fundamentalmente, en la constitución

de las categorías dominantes que operan en la

refl exión, y la construcción de pseudonecesidades

como políticas urbanas. Abordamos la revisión de

las bases epistemológicas de este pensamiento,

hac iendo obser vable sus l imitac iones , y

proponemos un retorno a un conjunto de

refl exiones, presentes en las investigaciones que

venimos desarrollando desde fines de la década

de 1980, ancladas empíricamente en dos ciudades

intermedias argentinas.

Palabras claves: procesos de conocimiento;

obstáculos epistemológicos; estilos investigativos;

fetichismos; políticas urbanas.

AbstractWe propose a discussion about the processes of production of knowledge, theories and conceptual frameworks that have operated and will operate in the construction of knowledge about Latin American cities, together with the formulation of urban policies. We focus on the constitution of the dominant categories that influence the reflection and construction of pseudo-needs as urban policies. We approach the revision of the epistemological foundations of this thought, carefully observing their limitations, and propose a return to a set of reflections present in the research that we have been developing since the late 1980s in medium-sized cities in Argentina.

Keywords: knowledge process; epistemological obstacles; investigative st yles; fetishism ; urban policies.

Page 62: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201462

Introducción

“El pensamiento surge desde el lugar dondese halla el cuerpo: acomodado, o en conflicto”.

Eduardo Rosenzvaig (2004, p. 175)

Este texto plantea una invitación a debatir

sobre los procesos de producción de saberes,

teorías y marcos conceptuales que operaron

y operan en el conocimiento de las ciudades

latinoamericanas, en general, junto a la

formulación de políticas urbanas en dos

ciudades intermedias argentinas, en particular.

Nos adentramos en aspectos particulares de

esas teorías. Uno de ellos, vinculado con el

dominio de los estudios sobre las metrópolis,

donde los problemas urbanos son tratados

como problemas metropolitanos. Otro, sobre

la constitución de las categorías dominantes

que operan en la reflexión, construcción de

pseudonecesidades como políticas urbanas,

y la fetichización de los sujetos operantes. Es

decir, su constitución en un sentido común

que tiñe linealmente el pensamiento de los

investigadores de la ciencia “normal” y sus

derivados, y su emergencia como políticas

públicas.

Para ello, abordamos en la primera

parte la revisión de las bases epistemológicas

de este pensamiento, haciendo observable

sus limitaciones, y proponemos un retorno a

un conjunto de reflexiones, presentes en las

investigaciones que venimos desarrollando

desde fines de la década de 1980. Estas

reflexiones emergen a partir de invertir y abrir

el problema investigativo y sus categorías, que

han operado hegemónicamente en la literatura

especializada.

A los efectos de ejemplificar la brecha

entre teorías y realidad de la investigación

que denominamos como “normal”, en la

segunda parte ponemos en movimiento dichas

categorías a partir de su anclaje empírico

en dos políticas urbanas, desenvueltas en

dos ciudades intermedias argentinas. La

selección de dichas políticas, las luchas por

y con el agua y el saneamiento, en Mar del

Plata, y la construcción de defensas, en torno

a las inundaciones, en Resistencia,1 tiene su

fundamento no sólo en la potencialidad de

su matriz teórico-metodológica y empírica

para sostener nuestros argumentos, y pensar

las políticas urbanas, sino que han sido

reconstruidas históricamente por los autores

de este texto, pues atraviesan axialmente las

condiciones de vida de nuestras sociedades. Por

último, recuperar su historicidad, en términos

de mediciones cruciales, torna observables

otros procesos explicativos de lo que se

denomina “política urbana”, soslayados por la

bibliografía latinoamericana, en general.

Apertura del problema2

Como planteáramos en un trabajo anterior

(Núñez y Roze, 2011), dos estilos de búsquedas

de explicación de la realidad parecen dibujarse

en el ámbito académico argentino, donde

constituyen y son constitutivos tanto de lo

que podríamos denominar el ámbito del

descubrimiento, conocimiento, saberes, así

como de las trayectorias, o, mejor dicho, las

carreras profesionales en lo que se denomina

“la investigación”, con éxitos disímiles entre

los que se inscriben en uno u otro camino.

Page 63: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 63

Caracterizaremos como “investigación

normal” por su carác ter ex tendido y

dominante, aquella que se produce y reproduce

en las estructuras fuertemente formalizadas,

donde conceptos y teorías aplicables a las

realidades locales tienen, en general, su origen

en lo que se puede denominar los maestros de

las disciplinas, mayoritariamente provenientes

de los caracterizados como centros de

excelencia del saber: universidades y centros

de investigación dominantemente americanos

y europeos estrechamente vinculados con las

grandes editoriales que alimentan sin crítica

los saberes de nuestros maestros locales y el

conjunto de discípulos sostenidos con becas

de las agencias, universidades, fondos de

programas.

Esta investigación normal, consume la

casi totalidad de los fondos para investigación

y formación, en tanto los miembros de las

Comisiones Evaluadoras son tributarios de

este estilo de investigación donde el éxito de

las propuestas está asegurado por las líneas

trazadas en el largo proceso de colonización –

que podríamos caracterizar como horizontal –,

al interior de las disciplinas en Argentina.

Al otro estilo de búsqueda de explicación

de la realidad lo denominaremos como de

“crítica conceptual”, compuesto por un

conjunto de herejes que intentamos desafiar

esos saberes estructurados, lo que nos lleva a

la búsqueda de nuevas explicaciones a través

de métodos, instrumentos, marcos teóricos y

conceptuales. En general, el punto de partida

es la crítica de los saberes operativos en

el conjunto de la sociedad y la convicción,

además, que esos saberes actúan como

obstáculos epistemológicos en la posibilidad de

una explicación acorde con las condiciones de

existencia de nuestras poblaciones operantes

en nuestras sociedades.

En el ámbito de la práctica social, los

saberes, en distintos niveles de estatalidad,

definen líneas de acción a través de programas,

planes, políticas, que afectan de forma directa

las condiciones de vida – y la vida misma – de

grandes grupos de población. Los saberes del

hacer de los funcionarios, siempre derivados de

la investigación normal, es decir, de las teorías

de las verdades indiscutidas, se transforman

de un simple juego ético en la práctica

profesional a dar curso y reproducir las formas

más inhumanas devenidas de un orden social

esencialmente injusto.

Empero, en ambos estilos investigativos

hay que añadir ciertas prácticas bamboleantes

entre uno y otro, según convenga a los

comisarios del saber. Estos teóricos olvidan la

riqueza inagotable de la realidad; y olvidan que

toda cosa es una totalidad de momentos y de

movimientos que se envuelven profundamente,

y cada uno de los cuales contiene otros

momentos, otros aspectos, otros elementos

provenientes de su historia y de sus relaciones.

Todo lo que proclama la superioridad de

una parte sobre la totalidad proviene de la

alienación y de sus formas modernas (Lefebvre,

1971, 2011).

La literatura académica hegemónica, en

Argentina particularmente, y la investigación

de base que la sustenta, independientemente

de las d ist intas per spec t ivas teór ico -

m e t o d o l ó g i c a s , a r t i c u l a o b s t á c u l o s

epistemológicos (Bachelard, 1987) que

cercan un saber cosif icado centrado en

f ic t ic ias d icotomías ( centro / per i fer ia ;

legal /ilegal; formal /informal; propietario /

ocupante; público/privado) que, al mantener

Page 64: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201464

como inobservable la génesis social del

problema, redunda en la materialización

fetichista de políticas reproductoras de la

desigualdad social (Núñez, 2007, 2011, 2012;

Roze, 2003).

En otros términos, se ha ido aludiendo,

implícita o explícitamente, a un patrón espacial

“centro-periferia”, signado por un gradiente

decreciente en las condiciones sociales, urbanas

y de la intervención del Estado en medios de

consumo social, proceso que se subsumió y

denominó, junto al de la autoproducción de

viviendas, como urbanización de la pobreza,

sin suturar el hiato entre teoría social y espacio

material (Roze, 1995).

Se trató, en la casi totalidad de los

estudios urbanos latinoamericanos, de una

ficción homogeneizante de sujetos desposeídos

que viene promoviendo modelos acríticamente

replicados de políticas desenraizadas de

las prácticas sociales (Núñez, 2012). Esta

naturalización y manera hegemónica de

abordar el problema, ha permanecido hasta

la actualidad y es realimentada por los

organismos y las agencias internacionales,

tiñendo los diagnósticos y justificando acciones

que reproducen la desigualdad.

En ese contexto, del análisis de la

literatura académica, independientemente

de los momentos por los que atravesó y qué

dimensiones se jerarquizaron, las distintas

perspectivas pueden vincularse, en general,

a partir de: a) un abordaje fragmentado y

sesgado; b) una matriz analítica espacio-

temporal decreciente centro-periferia en

las inversiones (o ausencias) del Estado, a

su vez reificado,3 en medios de consumo

social; y c) los determinismos predominantes

muestran la resultante, en la que las fuerzas

han desaparecido, se han cosif icado y

transformado en inobservables, es decir, donde

la tregua establecida por los sujetos aparece

como el sistema institucional de ese momento:

el orden, y, por ende, la política urbana como

un producto de actores sociales previamente

constituidos (mercado, Estado, empresas...),

naturalizándola en apariencias fetichizadas

(Cfr. Pírez, 1995; 2013). En otras palabras, y

siguiendo a Elías (1982), se abandonaron las

preocupaciones teóricas por el estudio de los

procesos, tratando a los objetos sociológicos

como entidades cerradas e independientes

entre sí, omitiendo la conceptualización de las

acciones y las relaciones sociales que vinculan

dichos objetos, sólo sentidas en trabajos

de campo de tipo etnográfico y análisis

documentales, de largo aliento (Núñez,

1994, 2000, 2012). Siguiendo a Pradilla

(2010, pp. 9-10), las visiones y políticas

importadas y fragmentadas disciplinarmente,

ha llevado a los investigadores a acuñar y

reproducir conceptos (ciudad global, ciudad

informacional, ciudad dual, ciudad estallada,

etc.), que se generalizan y se reproducen

acríticamente en cualquier parte del mundo,

referenciando en forma espuria, en nombre

de la globalización, homogeneizando procesos

sociales e ignorando las particularidades

socio-territoriales, escamoteando el análisis

de la totalidad social como articuladora de la

segregación y la fragmentación, sin dar cuenta

de sus causas estructurales (Pradilla, 2010, pp.

16-17; Núñez, 2000; 2012).

En s íntes i s, nuest ra c r í t i ca a la

construcción dominante del problema que

nos ocupa refiere a tres dimensiones: 1) una

visión tecno-burocrática que constriñe los ejes

del debate a la naturalización de la escasez,

Page 65: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 65

conduciendo la reflexión a la hegemonía de

las obras; a materializar objetos, manteniendo

la génesis del problema como inobservable

(Cfr. Herzer, Pírez, et al., 1994); 2) aun los que

propugnan observar los aspectos socio-políticos

del problema, construyen la identidad social

del demandante (Castro, 1999), perdiendo de

vista que, por un lado, no siempre y no toda

carencia material se transforma en demanda

social (por qué y cómo, nos preguntaríamos),

y, por otro, que la demanda y la apropiación

de las respuestas a esa demanda es una de

las formas en que la rutina burocrática, que

descansa omnipotente e infinita sobre la

propiedad parcelaria, dirá Marx (1998, p. 120),

diluye, fragmenta y dispersa de esa manera la

lucha social (Holloway, 1994; Lefebvre, 1972,

1976); y 3) a la ausencia del análisis sobre cuál

es el contenido de la expresión de una lucha de

clases como lucha política, económica y teórica

(Marín, 1996).

En todo caso, la pregunta debería

reformularse en términos de qué respuestas, a

qué demandas y de quién y dónde, para poder

desentrañar los mecanismos institucionales

que operan en la construcción y ordenación

normativa de lo que “debe demandarse”.

Concretamente, la desnaturalización de la

demanda conlleva a no considerarla sólo

un derecho,4 sino una condición esencial

del funcionamiento de las instituciones y su

burocracia (Holloway, 1994).

Sucintamente, el problema ha quedado

encerrado en una naturalización y poco feliz

esquematización que lo fractura en políticas,

enraizadas en arreglos formales, y necesidades,

enraizadas en arreglos informales (Cfr. Pírez,

2013), perdiendo de vista que todo límite, toda

frontera es una relación social.

Se trata de reorientar la observación

sobre el movimiento de la sociedad, para tornar

observable que aquella ficción homogeneizante

oculta un proceso previo de expropiación,

por lo que debería hablarse de miserias de la

urbanización (Núñez, 2012).

En efecto, ¿Cómo comprender, si no, el

crecimiento en profundidad y extensión de los

denominados asentamientos precarios, que en

la ciudad de Mar del Plata superan los 200?

¿Cómo explicar que la tasa de crecimiento de

la población que habita en esa forma social de

extrema pobreza denominadas villas creció a

un ritmo más de cuatro veces superior a la tasa

de crecimiento de la población total? Avances

de actuales investigaciones en distintas

ciudades (Núñez y Ciuffolini, 2011), muestran

que un alto porcentaje de los adjudicatarios

de viviendas sociales no reside en ellas porque

se han vendido hasta cuatro veces, y han

retornado a otro asentamiento; un 48% de

los hogares continúa sufriendo hacinamiento

personal, un 24% padece hacinamiento

familiar, se abandona el trabajo por los costos

sociales y económicos que implica el traslado,

pérdida de fuentes de ingreso, se producen

rupturas de relaciones sociales y construcción

de otras nuevas, muchas veces bajo la forma

de conflictos de vección horizontal, cambios

en los compor tamientos demográf icos,

entre otras transformaciones. Es decir, las

cifras e indicadores socio-habitacionales por

todos conocidos, sólo reflejan este proceso

expropiatorio. Se trata de conocer la génesis

de los procesos que las generan, oculta bajo su

naturalización.

Pero argumentemos más detenidamente

nuestra exposición. A mediados de la década

de 1970, concomitantemente con la crisis

Page 66: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201466

del modelo de acumulación fordista, se

produjo una ruptura epistemológica en los

estudios urbanos, a partir de la aplicación

de análisis basados en diferentes enfoques

del materialismo histórico. En ese marco, el

espacio urbano se consideraba un componente

de la producción y reproducción de las

relaciones sociales capitalistas (Lefebvre,

1969, 1972, 1976); de las dinámicas más

generales de la acumulación (Lojkine, 1979);

y el locus de la reproducción de la fuerza de

trabajo (Castells, 1978),5 siendo la renta del

suelo la categoría explicativa de los diferentes

costos de reproducción y de la división social

del espacio (Lipietz, 1979; Topalov, 1979;

Yujnovsky, 1984).

A s í , l o s e s t u d i o s u r b a n o s

latinoamericanos, en general, de la década de

1970 y comienzos de la de 1980, inscriptos en la

corriente francesa de la sociología, movilizaron

mecanismos estructurales y de naturaleza

económica para explicar la conformación

de la ciudad y las políticas urbanas, ya sea

asociándolos al modo de producción o al

comportamiento económico de los agentes

sociales (Marques, 1997).6 A lo largo de la

década de 1980, esos determinismos fueron

reemplazados por otros de nivel micro,

basados principalmente en los actores y los

movimientos sociales (Castells, 1988).7

En ambos casos, coincidimos con el

análisis de Marques (1997) en que el punto

ciego de la literatura fue el análisis del Estado,

en toda su complejidad, y, por ello, las políticas

urbanas eran explicadas como un producto

de procesos externos a él, predeterminadas

por las necesidades de reproducción del

sistema capitalista, basando las reflexiones,

primero, en los procesos localizados del lado

de la oferta y, posteriormente, del lado de

la demanda, reificando, en ambos casos, el

producto, el Estado y el mercado.

A partir de la década de 1990, las

políticas de ajuste neoconservador, bajo

denominaciones como la mercantilización

del consumo, la desregulación del mercado,

la privatización de los servicios, la reforma

del Estado y la descentralización, entre otros

procesos, colocaron los problemas urbanos

de manera muy diferente a las dos décadas

anteriores, y reinsertaron como principal

tema de investigación en las ciencias sociales,

la problemática del Estado, que había sido

desplazada en la década de 1980 por estudios

sobre la democracia y la sociedad civil.

Sin embargo, y coincidiendo con Oszlak

(1997), buena parte de esa literatura ha

omitido aspectos significativos, al evaluar

procesos de reforma sobre modelos de Estado

deseables (Cfr. Herzer, et al., 1994).

A s i m i s m o , l o s p r o g r a m a s d e

modernización del Estado y descentralización,

preconizados e impulsados por los organismos

multilaterales de crédito, a través incluso de

cursos de gestión urbana impartidos a través

del mundo (Stren, 2001, p. 10), y aceptados

e implementados por nuestros académicos y

gobiernos de la región, se alimentaron de dos

procesos: 1) la revalorización del municipio;

y 2) las privatizaciones.8 Concretamente,

“Ciudades y municipios son la base de

la estructura polít ica de cualquier país

democrático” (Freire, 2001, p. xx); “En algunos

aspectos importantes, un gobierno local es

análogo a un negocio. Proporciona servicios

a sus clientes, los residentes. A su vez, los

residentes deben pagar por los servicios

que reciben” (Bird, 2001, p. 164), o “...el

Page 67: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 67

lenguaje de ´reinventar el gobierno´, y aplicar

las experiencias y cultura del sector privado al

gobierno local (...)comenzó a tener coherencia

(...)los administradores locales (con el apoyo

de agencias internacionales tales como el

Programa de Administración Urbana, UNCHS,

UNDP y el Banco Mundial) comenzaron a

llamarse “administradores urbanos” (Stren,

2001, p. 188).

En ese contexto, la política urbana y

el Estado van a reaparecer, en los estudios

urbanos, pero acríticamente naturalizados

bajo el término de gestión,9 especialmente

de los medios de consumo colectivo,10

y la globalización (Pradilla Cobos, 2009,

2010), abonando lo que hemos dado en

llamar las miserias de la urbanización, a los

efectos de conceptualizar la imbricación de

la mercantilización política, económica y

teórica, a la vez que problematizar, en una

irónica inversión, la construcción de la tesis

hegemónica de urbanización de la pobreza

(Núñez, 2007, 2012).

Precisamente, las perspectivas del estudio

de las ciudades – asumiendo que las usinas

del pensamiento dominante en los ámbitos

académicos latinoamericanos se importan

de los centros de saber de las metrópolis –,

refieren al dominio de la reflexión sobre las

metrópolis latinoamericanas, donde, al calco

de los estudios de las ciudades globales, dejan

de lado el conjunto de ciudades de porte medio

que alojan, en general, la mayor parte de la

población de América Latina. Resulta imposible

explicar – con las conceptualizaciones e

instrumentos de análisis con que se enfocan

los problemas metropolitanos –, los fenómenos

que impactan, configuran y estructuran las

ciudades intermedias latinoamericanas,

producto de la aplicación de los planes y

proyectos de las políticas neoliberales. No

se trata de lo mismo a otra escala, sino de

problemas y fenómenos propios del tipo de

configuración que la relación de la ciudad con

su entorno, así como la dinámica de las clases

populares, determina.

La ciudad informacional, los barrios

cerrados de las burguesías aterrorizadas por

la sociedad que están creando, los shoppings,

ciudades mundiales, las megaciudades, los

archipiélagos urbanos... nos entretienen en

juegos de nuevas palabras, para mirar una

ciudad sin detenernos en los sujetos. En

palabras de Balvé y Balvé (2005, p. 128),

“el fetichismo de los cuerpos y las cosas

organizadas en instituciones corporizadas, sean

éstas sindicatos o movilizaciones, se convierte

en un obstáculo epistemológico en el proceso

de conocimiento de la realidad”.

La ciudad, ámbito de enfrentamientos,

lugar de relaciones, espacio de conflictos,

alianzas, estrategias de supervivencia, se ha

convertido en lugar describible en una práctica

de entomólogos. Como los “no lugares” la “no

ciudad”.

Esa no c iudad es la c iudad s in

multitudes. Es la ciudad que el pensamiento

posmoderno funda y refunda todos los días en

sus ilusiones de una sociedad sin trabajo, sin

masas, sin clases, sin sujetos. Nuestra ciudad

latinoamericana es la antítesis, y entenderla es

nuestro rumbo.

N u e v o s f e n ó m e n o s , s o n l o s

emprendedores en Pymes11 que se expresan

en le retorno al paisaje urbano de vehículos

de tracción a sangre, particularmente carros

tirado por caballos que circulan a lo largo

del día por las calles céntricas de la ciudad

Page 68: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201468

en busca de objetos vendibles, madera para

combustible, cartón, botellas, etc.

Las más avanzadas redes de la ciudad

informacional, que vinculan (y hacen parte de

la globalidad) a la mayoría de la población

tienen su nodos en las agencias internacionales

de crédito y llegan a los usuarios a través

de programas de distintas instancias de la

estatalidad bajo la forma de de reparto de cajas

de comida, alimentos en comedores escolares,

y comedores comunitarios y, en los últimos

años, tarjetas de débito, popularización de los

cajeros automáticos, como forma de pago de

diversos planes y programas sociales.

Así, la ciudad informacional y las

Tecnologías de Información y Comuncaciones

se nos aparecen en nuestro centro con una

notable cantidad de gente con teléfonos

celulares; los bancos y sus redes de cajeros

automáticos, comercios de artículos de

computación, cabinas de telecentros, una

gran empresa de servicios de computación de

capitales mixtos y sin que quede mucho por

enumerar los usuarios privados que intentamos

ser intelectuales globalizados.

La mayoría de las escuelas han sido

equipadas con computadoras, pero muchas

de ellas no tienen electricidad o no pueden

pagar maestros que enseñen computación a

los chicos, o las maestras, lejos de la cultura

informática prefieren que no se toquen para

que nadie las rompa.

Tal vez, el único elemento que refleja

grandes avances en la cultura mediática

son los políticos y gobernantes, quienes han

construido una virtualidad de su imagen y

de sus emprendimientos mientras más de un

tercio de la población está por debajo de la

línea de indigencia.

Desde la perspec t iva urbaníst ica

y /o arquitectónica los nuevos espacios

de sociabilidad urbana lo constituyen los

comedores comunitar ios o los nuevos

asentamientos donde aparecen espacios

comunes para la alimentación de los caballos.

Lo que queremos poner de manifiesto son dos

cuestiones: la primera, ya señalada, sobre el

uso de las categorías analíticas en las modas

sociológicas. La segunda, y más importante,

que afuera de los circuitos globales de la

información y el dinero, los comportamientos

de los sistemas siguen leyes diferentes, de

modo que debemos repensar la dinámica

de nuestras ciudades a partir de nuestros

hallazgos empíricos y emprender la aventura

de teorizar por nuestra cuenta.

Nues t ra p ropues t a e s pone r en

interacción y movimiento los vínculos que

ver tebran tales relaciones, indisolubles

al hablar de polít ica urbana ; tornando

visibles los procesos de construcción social

de identidades12 situándonos, para ello,

en una perspectiva diferente que abra el

problema, y partiendo de otra pregunta

rectora preliminar ¿qué relaciones sociales

se ocultan, se construyen y destruyen,

detrás de la materialidad de los objetos?

¿Qué mecanismos de violencia invisible y

cotidiana operan detrás de la racionalidad

técnico-burocrática de una política urbana,

y a través de qué dimensión institucional?

Así, la política urbana que viene siendo

reificada en una aparente homogeneidad

como producto, nuestra hipótesis de trabajo

la repiensa como materia prima analítica

de las interconexiones en las prácticas

cotidianas de dominación, y como mediación

de relaciones sociales.13

Page 69: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 69

En otras palabras, transformamos lo

que se denomina política urbana, en luchas

sociales, desnaturalizando así la cosificada

relación lineal entre “población que aumenta,

una ciudad que se expande y objetos escasos

que, corriendo detrás, nunca llegan...”

Y esto es lo que permitiría situar el

conflicto en el conjunto de la sociedad, en

la lucha de clases, ya que la producción

de lo social es ininteligible sin introducir la

noción de confrontación, de enfrentamiento,

de luchas entre existencias...Se ponen en

interacción, así, obediencia y resistencia como

los vínculos que vertebran el conjunto de

relaciones entre clases; de relaciones sociales

entre sociedad y espacio.

Abriendo categorías

Cuando hablamos de política urbana, una

primera dimensión es el Estado. Pero “¿Se

puede analizar el Estado?”, se pregunta Lourau

(1980, pp. 24-25). La premisa básica es que

sí es posible analizarlo pero, a partir de ahí,

lo que aparece son estudios, de las distintas

alternativas, de reificación de un determinado

Estado del poder (Lourau, 1980).

Está ausente, diría este autor, en las

interpretaciones corrientes, el análisis sobre

cuál es la fuerza que dispara, autoriza o

legitima la modificación de las relaciones

sociales que condensan esa estabilización.

Pareciera confundirse, en general, el resultado

de la lucha con lo que el contenido de la lucha

transforma. Porque esa “emergencia” es, en

todo caso, la expresión de una lucha de clases

como lucha política, económica y teórica.

Expresión, más o menos densa, en alguno de

esos ámbitos centrales, pero nunca en forma

escindida (Marín, 1996).

A s í , l a p e r s p e c t i v a c a m b i a s i

consideramos, como dice Lourau (1980, p.

123), que es el Estado el que nos analiza, el

Estado es nuestro inconsciente, a partir de

un enfoque que propone reflexionarlo no

sólo como objeto sino como instrumento de

investigación (el proceso de estatalización), es

decir, abrirlo, transformarlo en un instrumento

de conocimiento de las fuerzas reales que

operan no sólo en el control sino en el

proceso de construcción del orden social y,

por lo tanto, de identidades sociales que lo

sostienen y reproducen (Roze, 2001b, 2003b;

Castro, 1999), porque:

El Estado es una simple película de legit imación sobre la superficie de las sociedades (. . . ) El Estado es el Inconsciente... (Lourau, 1980, pp. 15-19)

Porque así pareciera ser la forma en que

el Estado se nos revela en Marx y Engels, como

una organización compleja, atravesada por

conflictos y luchas:

Todas las luchas que se libran dentro del Estado (...) no son sino las formas ilusorias bajo las que se ventilan las luchas reales entre las diversas clases... (Marx y Engels, 1968 , p. 35)

Esta visión dinámica permitiría articular

teóricamente lo que se presenta en distintos

niveles de abstracción, considerando al Estado

como un conjunto dinámico, cambiante, y

conflictivo de relaciones entre clases, en

una determinada sociedad, que expresan

la dominación bajo formas aparentes de

Page 70: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201470

consenso, y a los aparatos del Estado como

la forma visible en que esta relación se

materializa (Roze, 2003b). Distinción útil, y

necesaria, diría el Profesor Paul Bromberg,

entre Estado y aparatos del Estado, que permite

claridades que, de confundir los términos, no

serían posibles14.

No conocemos, hasta el momento,

mejor operacionalización para avanzar y

sortear estériles discusiones, y que nos ayude

a analizar las interconexiones en las prácticas

cotidianas de dominación, naturalizadas en

apariencias fetichizadas. Concretamente,

creemos más fructífero empíricamente y más

fértil teóricamente, analizar los mecanismos

institucionales que dispersan, diluyen y

fragmentan la lucha de clases, considerando

al gobierno como el uso de esos mecanismos,

en el que compiten los partidos que expresan,

alternativamente, las fuerzas orgánicas propias

del capitalismo (Roze, 2003).

Empero, esas inst ituciones deben

ser leídas como construidas por fuerzas

sociales para librar las confrontaciones de

las clases dominantes; instituciones políticas

e instituciones sociales (Marín, 1996), como

ámbitos del régimen, es decir, de los defensores

del orden social y jurídico institucional (Roze,

2003b), a través del interjuego por el cual se

intenta mantener el dominio de los intereses de

una clase sobre el conjunto.

Las formas en que se organizan estos

intereses sociales y económicos particulares

desde la dominación capitalista, pueden ser

mejor comprendidas a través de Marx (1968,

pp. 59-61), cuando esclarece las relaciones

entre burocracia y corporación:

“Las corporaciones son el materialismo de la burocracia y la burocracia el espiritualismo de las corporaciones. La corporación es la burocracia de la sociedad civil; la burocracia es la corporación del Estado”;

y más adelante,

“La burocracia (...) es la ´conciencia del Estado´, la ´voluntad del Estado´, el ´poder del Estado´... “La burocracia es el círculo del que nadie puede escaparse

Así, esa dialéctica se va a explicar a partir

de la transfiguración de los intereses (particular

y general) y, en esta crítica, la burocracia, como

institución de obediencia pasiva, sería una

forma de incapacidad para la lucha.

L a i nve r s ión d e l p ro b lema q ue

proponemos reconoce su origen en que “No

existe inicialmente un sujeto, al que se ve,

se nomina, se analiza, y finalmente sobre el

que se despliegan un conjunto de acciones

(de salvaguarda, de protección, de represión,

de exclusión, etc.) sino que las acciones

que la sociedad ejerce y los procesos de

conceptualización con que se nominan, son

los elementos configuradores del sujeto,

resultante de esas acciones”, en Roze et al.

(1999) y Roze (2003).

Es decir, postulamos que creando,

manipulando y violentando identidades

que sustentan un orden permanentemente

naturalizado, se genera y nomina población

cautiva, objeto de diversas expropiaciones,

a través de distintas formas de violencia,

deambulando por la espacialidad social que

se configura en una doble dimensión: una

estatalidad profunda y una estatalidad extensa

Page 71: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 71

(Núñez, 2012)15. ¿Qué lazos sociales y políticos

articulan la estatalidad profunda, (el blindaje16

hacia su interior), y la estatalidad extensa,

su permeabilidad hacia y con el exterior?

¿Cómo median las obras en la construcción/

destrucción de esos lazos? Porque, como dice

Marx (1968, pp. 61-62):

El espíritu general de la burocracia es el secreto, el misterio guardado en su seno por la jerarquía y hacia fuera, por su carácter de corporación cerrada(...), es la lucha por los puestos más elevados; hay que abrirse camino (...) El burócrata ve en el mundo a un simple objeto de su actividad.

Esta apertura del problema nos permite

salir del círculo vicioso de la tesis hegemónica

de que hay sujetos pobres que se localizan en

suelos baratos, sin servicios de infraestructura,

en ausencia del Estado, desconociendo

que su fuerza radica en poder disimularse

y, por ende, es esa ficción homogeneizante

de sujetos desposeídos lo que permite,

precisamente, la acción racionalizadota y

justificatoria de los aparatos del Estado y los

intelectuales a la moda. En otros términos, la

escasez de equipamiento urbano evidencia el

enfrentamiento de las fuerzas sociales17 en la

apropiación de la ciudad y no la ausencia del

Estado (Pereira, 1986).

Ahora bien ¿cómo operacionalizar este

andamiaje teórico? A partir de mediciones

cruciales, por medio de las cuales se hace

referencia a momentos del proceso social de

enfrentamientos, donde emergen los problemas

devenidos del juego de intereses, que se

expresan tanto en sus aspectos económicos,

políticos como teóricos (Roze, 2003).

Mediciones cruciales, pseudonecesidades y pseudoidentidades

Los estudios sobre política urbana, en general,

han abordado los vínculos y las relaciones

entretejidos entre los sujetos involucrados

como algo dado, cosificados, y con un énfasis

excesivo en la corrupción y en el clientelismo,

ambos en sus variadas formas, reificando

la burocracia, los vecinos y las empresas,

en términos de actores y escenarios. Por

otra parte, aun cuando el municipio ha

sido el ámbito social clave de las políticas

neoliberales, vehiculizando las reformas

estructurales emanadas de los organismos

internacionales de crédito, se ha prestado poca

atención a las formas que asumen las alianzas

de las fracciones sociales dominantes locales,

y sus acciones, en tanto fuerza política que

viabilizó el programa neoliberal.

Por el contrario, las mediciones cruciales

(Roze, 1993; Núñez, 2012) refieren, por un

lado, a distintos ejes de análisis: a) a las

luchas sociales generadas en el proceso de

construcción de estructuras organizacionales

y su transformación (lucha política); b) a las

luchas sociales entre fuerzas progresivas y

del régimen (lucha teórica); y c) a las luchas

sociales interburguesas (lucha económica).

En tanto a ) hace referencia a la

creación de instituciones políticas, b) y c) a

instituciones sociales, que son atravesadas

transversalmente por a) y, por lo tanto,

suponen también momentos diferentes

de articulación de alianzas de clase y de

confrontación (Marín, 1996).

Page 72: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201472

Por otro, a distintos ámbitos de análisis,

que interrelacionamos y abrimos: a) el

ámbito político burocrático, el de cómo los

sujetos definen situaciones de dominación

y violencia a través del manejo de las

instituciones, de la construcción de normas y

de pseudoidentidades que generan población

cautiva y excluida, de los dueños del saber

y del hacer no se sabe cómo, dueños de las

decisiones sobre las condiciones de vida de la

mayoría de la sociedad, donde se organizan los

intereses económicos y sociales particulares de

la condición de dominación capitalista, el de

los saberes legítimos, dominantes, que definen

el orden de las personas y las cosas; b) el

ámbito de la economía, de donde se construye

la escasez de recursos económicos y se decide

la transferencia que una parte de la sociedad

realiza a otra; c) el ámbito de lo barrial, de

identidades heterogéneas que oscilan entre la

autonomía y la heteronomía, entre el consenso

y la indefensión; la obediencia pasiva a la

burocracia y la desobediencia; sus fracturas y

controversias; y d) el ámbito de las empresas

constructoras y su relación con el gobierno, los

trabajadores y los vecinos, y la transfiguración

de personificaciones.

El anclaje empírico del trabajo, a los

efectos de ejemplificar la brecha entre teorías y

realidad de la investigación que denominamos

como “normal”, lo constituyen las luchas por y

con el agua y el saneamiento, en Mar del Plata,

y la construcción de defensas, en torno a las

inundaciones, en Resistencia,18 reconociendo

que esta selección de dicho anclaje tiene

su fundamento no sólo en la potencialidad

teórico-metodológica y empírica para sostener

nuestros argumentos, sino que constituyen dos

políticas urbanas reconstruidas históricamente

por los autores de este texto, pues atraviesan

axialmente las condiciones de vida de nuestras

sociedades.

El punto de partida fue, en el primer

caso, comprender la génesis urbana como un

momento de la lucha de clases; como forma

de resolver un conflicto interburgués, a través

de un intercambio de favores y la emergencia

del pueblo como un loteo privado aprobado

por excepción en 1874 (Núñez, 1994, 2012),

pero instaurando la mercantilización del suelo

urbano y el orden de la propiedad privada.

De aquí se construirán socialmente las

pseudoidentidades de ocupante, clandestino,

usurpador y otros.

En ese desenvolvimiento, la génesis

de una institución política como Obras

Sanitarias de la Nación, en 1912, fue la

forma de resolver un conflicto entre la

Iglesia, los higienistas y la estatalidad, pero

instaurando los límites del derecho al agua,

creando las pseudoidentidades del usuario y

el demandante. La bifurcación temporal de

la manipulación de esta institución política

por las diversas alianzas de clases que se

la apropiaron, las fueron traduciendo en

distintos dispositivos urbanos, tales como

grifos públicos, bombas manuales, bombas

eléctricas, etc. (Gráfico 1).

En el marco de la confrontación histórica

sobre la gestión del agua y el saneamiento de

fines de la década de 1980, paradójicamente,

el proceso de municipalización ha quedado

relativamente soslayado en la literatura

especializada, respecto del derrotero que han

seguido las diversas formas de privatización.

Además de esa invisibilidad, nuestra crítica

refiere a que, por un lado, en la bibliografía

consultada, aparece el momento de la

Page 73: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 73

privatización y el estudio de ese proceso en

términos de condiciones y/o consecuencias del

mismo, desde un enfoque, en nuestra opinión,

parcial, aun desde perspectivas teóricas

diferentes. Particularmente en Argentina,

a pesar del lugar de privilegio en que las

investigaciones en ciencias sociales ubicaron

a los servicios públicos en la década de 1990,

lo hicieron de una manera fragmentaria y

sesgada, obstaculizando la mirada de una

década aludiendo al paso de un servicio

bajo control público, a un servicio privado

no regulado. Se afirmaba que “las correas de

transmisión entre uno y otro polo (público-

privado) pudieron accionar por las usinas de

pensamiento neoliberal, por una estrategia

de cooptación y soborno al sindicato” (Loftus

y McDonald, 2001) y “por la ausencia de

la sociedad en el proceso de discusión”

(Aspiazu y Forsinito, 2001). Se ignoraron,

así , los observables que le otorgarían

significación al proceso, al considerar la

privatización como un punto de partida y de

llegada, subsumiendo su complejidad en las

precondiciones, condiciones y consecuencias

de la participación del capital privado. Sin

embargo, ni la sociedad ni el sindicato

estuvieron ausentes en el conflicto por la

transferencia de los servicios, iniciado antes

de 1980. En ese marco, la municipalización del

servicio de agua y saneamiento fue una forma

de resolver un conflicto de cuatro años entre

gobierno y sindicato, que emergió como lucha

económica, generando amenazas, chantajes e

indefensión a las fracciones sociales excluidas

de esa confrontación, bajo la forma de “falta

de agua” (Núñez, 2007, 2012).

Siguiendo el Gráfico 1, lo que se conoce

como OSN fue una sucesión histórica de

distintas alianzas de clase que crearon, se

apropiaron, manipularon y transformaron

una institución política para vehiculizar sus

intereses a través del agua y el saneamiento,

construyendo y transfigurando distintas

identidades sociales (Núñez, 2007, 2012).

Con esta mirada teórica, genética

y procesual, pudimos tornar observables

procesos históricos que trabajos sobre los

servicios públicos soslayan, y que explican,

precisamente, una política urbana, de los

cuales mencionaremos sólo algunos: a) la

creación del cerco urbano, de mediados

de la década de 1930, que por ley limitaba

espacialmente el espacio escaso para la

inversión pública de agua, condicionando la

demanda legítima, y por fuera del cual, por

supuesto, la población comenzó a desplegar

una multiplicidad de estrategias de resistencia

y de apropiación del agua. Estrategias de

desobediencia al cerco, dentro y fuera de

él, porque el límite no significó la inversión

efectiva. Esto no es sino la construcción

estatal de la carencia,19 de población cautiva,

que luego será clasificada y homogeneizada,

entre otras nominaciones, como clandestina,

sujeta a nuevas expropiaciones; b) el ANDA,

que ya en 1944 transforma el servicio público

en una ficción,20 c) la AGOSN,21 que intenta

vincular el adentro y el afuera del cerco con

extensiones atravesantes que supusieron

relaciones de propiedad y buena vecindad,

para confluir en usuarios; d) en 1956, el

primer proyecto de privatización de OSN,

cuando Argentina ingresa al FMI y al BIRF, con

la consiguiente apertura al capital financiero

internacional,22 derivando en la creación

del SNAP (1964),23 donde la alianza con la

burguesía extranacional va a permitir a los

Page 74: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201474

Gráfi co 1 – Eje temporal de las bifurcaciones de OSN

Fuente: Núñez (2007).

Page 75: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 75

organismos internacionales conocer dos cartas

fundamentales para el juego privatizador de

1990:24 las constituciones provinciales y los

recursos hídricos subterráneos y superficiales

de todas las provincias, neutralizando a

otras fracciones sociales a través de un

tortuoso camino a la propiedad y al agua,

según capacidad de pago, e indefensión.

Indefensión que se profundiza a partir de

perversos procesos de construcción de

heteronomía, obediencia pasiva y anticipada,

y subordinación.

En lo que denominamos estatalidad

profunda, hay que entrar en el espacio

social de la burocracia de la clase dominante

para encontrarnos con: la migración de

recur sos y conoc imientos , técn icos y

financieros, entre instituciones; la seducción,

captura, migración y desecho de técnicos y

funcionarios entre instituciones, y entre éstas

y empresas constructoras; apropiación de

cargos jerárquicos a partir de las prácticas

heteronómicas de los partidos políticos;

intercambio social clandestino entre el espacio

público y el espacio privado (colusión) ;

absorción gradual y continua de intelectuales

orgánicos ; lealtades que reproducen la

obediencia ant ic ipada y subordinada ;

funcionarios cautivos de los ilegalismos,

intermediarios de la alianza entre el gobierno,

las empresas y la universidad, entre otros

vínculos. En otros términos, los lazos de lo que

denominamos territorialidad burguesa.

A su vez, la heterogeneidad empresarial

materializada en el territorio, expresa un

conjunto de relaciones sociales que nos

hablan de una ficción jurídica de igualdad

en las licitaciones. Algunas de ellas refieren

a la permeabil idad gobierno-empresa;

la te rc ia r i zac ión in terempresar ia l ; la

asociación partido-empresa; la asociación

inter-empresarial; la cartelización. Estas

relaciones, que nos hablan nuevamente de la

complementariedad y los difusos límites entre

lo legal/ilegal, entre corrupción y colusión, nos

abren los vínculos con los vecinos quienes,

también, desplegarán una multiplicidad de

estrategias, en defensa de sus condiciones de

reproducción, resignificando constantemente

esa identidad, al combinar, en sus acciones,

distintas personificaciones. Es decir, los vínculos

de la estatalidad extensa.

¿Quién y cómo construye la demanda?

¿Cómo se establece el juego entre vocero y

representados? ¿Cómo se traduce este juego

en la relación con el campo político y hacia

adentro del campo barrial, en una política

urbana?25

A veces, el vecino legítimo, opera

como intermediario entre quien no tiene la

propiedad del suelo y la empresa pública,

y construye solidaridades, intercambiando

capital económico por el trabajo del vecino

pauperizado. Concretamente, es el vecino

legítimo que personifica la empresa, a la vez

que articula acciones para la valorización

económica y social del barrio, siendo también,

un promotor. Otras veces, la estrategia de

cartelización de las empresas, permite entablar

negocios con el vecinalista, dando lugar a la

colusión y desplazando a la institución política.

Es decir, es el vecino legítimo, dirigente barrial,

que puede ser corrupto, y personificar a la

empresa estatal, eludiéndola.

Esto lleva a profundizar la fractura

vecinal debido a que los costos se inflan,

llegando a la denuncia, de otros vecinos, de

la falsificación del contrato vecino-empresa.

Page 76: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201476

En otros casos, se induce al vecino moroso

a que arregle con el abogado de la empresa

constructora. Entonces, el vecino corrupto,

se transforma en persuasivo legítimo de

aquellos a quienes introdujo en un conflicto

legal ilegítimo, en función de sus intereses

particulares, personificando la legalidad.

Claro está que, otros vecinos, están

nutridos de valores diferentes. Son los vecinos

legítimos que, sin cuestionar la heteronomía,

están apegados a lo instituido y a la moral de la

palabra, como capital simbólico, personificando

al peticionante obediente pasivo. Pero la

construcción compleja de la heteronomía a

través de la palabra, de la promesa, crea el

vecino capturado por el discurso del gobierno,

que se lo apropia y reproduce, entrando en el

juego del campo político-burocrático, aun en

condiciones de máxima precariedad. En estos

intercambios, juega la imagen fetichizada

del vecino de creer que pertenece, por un

momento, al estado del poder. Es el vecino

cooptado, personificando un inspector,

ocupando el lugar de un técnico, desplazado a

su vez, por el funcionario.

La contracara, es la fracción social

que se opone a las obras, obstaculizando la

urbanización, pero, a la vez, realimentando

el desenvolvimiento de otras estrategias,

apropiándose de la potencial renta diferencial y

de la valorización económica y social del barrio,

aportada por otros vecinos. Nos referimos al

vecino ausente y el vecino terrateniente.

También, la desocupación del otro,

su est igmat izac ión, se t ransforma en

moneda de cambio que permite optimizar

las propias estrategias de acumulación de

capital económico. Es el vecino legítimo que

personifica la autoridad legítima, desplazando

a las empresas constructoras: “que trabajen los

desocupados del barrio...”

En fin, las identidades sociales que

configuran las acciones en una política urbana,

aparecen constantemente resignificadas. Las

personificaciones son trastocadas y generan

creencias que redefinen interacciones, vulneran

relaciones sociales pre-existentes y constituyen

nuevas. En otras palabras, ejerciendo una

violencia simbólica.

Los vecinos confían más en un organismo del Estado conducido por políticos, que en un procedimiento autogestionario conducido por sus propios vecinos... (Entrevista a Carlos Katz, ExPresidente de la empresa municipal de agua)

Esta aterradora conclusión de un

funcionario, ganado por la ignorancia, sólo

puede apenas comprenderse en el contexto

de la compleja construcción de la heteronomía

que hemos intentado objetivar, es decir, la

construcción de la argamasa de violencia y

obediencia en la que se anclan las situaciones

de dominio de una fracción social, sobre el

conjunto.

De esta manera, se reproduce el

discurso oficial y se devela la función negada

de las instituciones y reproduciendo el orden

dominante.

Si en el caso de los servicios públicos

hemos visto cómo la vaporosa indefinición de

la estatalidad profunda y extensa explica la

provisión selectiva de agua y saneamiento, en

el caso de las defensas contra la inundación la

explican como una pseudonecesidad.26

Acuñamos ese término a los efectos de

escapar de los encierros que nos planteaban

los conocimientos que la ciencia normal había

Page 77: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 77

construido como “saberes” alrededor de las

inundaciones.

Desde la ciencia normal se hacían

presentes cuatro saberes vinculados con

“lo social” – más allá de las “exactitudes”

de los saberes técnicos o los haceres de los

saberes de la decisión – que buscaron aportar

a la cuestión. Referían a: 1) la evaluación

socioeconómica, 2) las estadísticas sociales,

3) la etnografía de la prensa, 4) el saber en

auxilio de la reparación. Todos ellos, con

un fuerte acento de lo local, por lo que, a

partir de la trascendencia de la catástrofe

en 1982-983, nuevamente el saber experto,

hegemónicamente concentrado en Buenos

Aires, se traslada a prestar colaboración,

bajo la forma de un equipo de la Comisión de

Estudios Urbanos y Regionales, del Consejo

Latinoamericano de Ciencias Sociales –

CLACSO.

Con algún f inanciamiento, con el

prestigio y el saber de la corporación

lat inoamer icana y e l es fuer zo de los

intelectuales locales, – que prestan su

información a cambio de alguna participación

– se organiza el Saber, con mayúscula,

que en última instancia no fueron sino las

teorías de los países del norte, prolijamente

traducidas y aplicadas a la situación local

(Cfr. Caputo, Hardoy, Herzer y Vargas, 1985;

Caputo y Herzer, 1987; Herzer, 1990). Lo más

sobresaliente de las conclusiones del seminario

fueron que “cuando más débil es la estructura

política, económica y social de una sociedad,

mayor es el impacto de la catástrofe” (Diario

Norte, viernes 20-5-1983, p. 4).

Ante tanta pobreza conceptual en

relación con el fenómeno, estudiamos para

cinco situaciones de catástrofes, las acciones,

sus resultados y consecuencias llevadas

adelante tanto por las poblaciones como los

diversos aparatos institucionales para enfrentar

las consecuencias del desborde de las aguas

del Río Paraná.

Acciones codificadas, repetitivas, –

que a lo largo del período permanecen, se

modifican, o son reemplazadas por otras –,

de cómo plantear y resolver los problemas

derivados del fenómeno natural del desborde

de los ríos.

Estas acciones produjeron una parte

de lo social, produjeron sujetos, produjeron

individualizaciones; produjeron el inundado,

como identidad, como cuadrícula de sujetos

cuya conducta se nutre de sus estrategias

de supervivencia y aquellas esperadas por

quienes se asumieron dueños del saber de lo

público.

Catástrofe y encierro, sintetizados

en el albergue, fueron los elementos que

determinaron el ámbito de la manufactura

de esta identidad, el lugar donde se hicieron

observables y observadas las cotidianeidades

de la pobreza.

Hemos privilegiado y particularizado los

procesos de conocimiento, reflexionando sobre

el saber de las inundaciones. Hemos mostrado

que es una larga construcción, producto de

la diseminación social de un conjunto de

pensamientos perversos de quienes tuvieron la

hegemonía del discurso.

Quienes tuvieron y tienen la decisión

y el saber para paliar sus efectos, han

fundado su acción en un conjunto de

falacias que estructuraron socialmente una

pseudonecesidad.

Dicha pseudonecesidad, a lo largo de

más de 50 años de enfrentar el problema, tomó

Page 78: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201478

la forma de la imperiosa necesidad de construir

un rígido sistema de defensas materializado en

obras. Así, las falacias que la sustentaron fueron

tres: 1) las defensas como única alternativa, 2)

que no hay otro saber que el saber técnico, 3)

que no existen soluciones surgidas de lo local.

Respecto de la primera, la concepción

de las defensas definitivas de la ciudad de

Resistencia, planteadas como un gigantesco

recinto producto de un conjunto de grandes

obras, constituyó desde su concepción un

obstáculo a pensar otro tipo de alternativa y

bloqueó toda forma de reflexión acerca de la

ciudad.

La neces idad de de fensa se ha

constituido como una necesidad “natural”

para la existencia de la ciudad de Resistencia.

Transformar una cuestión propia de

lo social en “natural” conlleva, entre otras

conclusiones, a su inevitabilidad, así como

también a hacer inobservable su origen, ya que

por su naturaleza, se ha generado con la propia

ciudad.

La primer falacia – la más difícil de

refutar – es acerca de la necesidad misma de

defensas.

¿Para qué las defensas? El primer

señalamiento que queremos hacer, es que

la concepción de defensas definitivas, actuó

como una profecía que se autorrealiza. Desde

el momento que se planteó que si no se

construían defensas definitivas Resistencia

agonizaría con las inundaciones, se pusieron

en marcha mecanismos que hicieron de los

desbordes una catástrofe o se impidieron

que se pusieran en marcha los mecanismos

autocorrectivos propios de una estructura

sistémica (García; Inhelder, Volnéche, [1977])

¿A qué nos estamos refiriendo?

La c iudad s in defensas , hubiera

autoorientado su crecimiento hacia las

zonas sin afectación; ya por los mecanismos

propios del mercado, o por las decisiones de

los técnicos que necesariamente deberían

orientarse hacia las zonas altas.

Sobre la falacia de que no hay otro

saber que el saber técnico, vimos que a

la par del despliegue del saber técnico de

controles estructurales de las inundaciones y

de cualquier otro tipo de catástrofe a través

de grandes obras, se fueron desarrollando un

conjunto de saberes respecto de la prevención

de la catástrofe vinculados con la introducción

de acciones racionales en las acciones de

control de asentamientos, en la construcción

de edificios, en el tratamiento de los territorios

como las llanuras inundables.

La emergencia de estos saberes,

fueron producto, particularmente, de las

consecuencias no buscadas de las grandes

soluciones que constituyeron paradigmas

del saber tecnológico en el control de la

naturaleza, como lo fueron las grandes obras

hídricas de la cuenca del Rió Mississippi y los

grandes ríos de los EE.UU. 27

Emergieron, también, de la búsqueda de

soluciones en situaciones donde los ingentes

gastos en grandes obras constituían una

utopía y las soluciones debían buscarse con

procesos de adecuación a los fenómenos

naturales.

Esos conocimientos, no fueron privativos

de unos pocos, sino que se plantearon como

patrimonio de la humanidad, a través de

los organismos internacionales. El saber

técnico respecto de las catástrofes no puede

ignorarlos, alegando algún tipo de aislamiento

o dificultad de acceso a la información. La

Page 79: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 79

orientación del saber es una elección. Lo

universal apareció de la mano del lucro de los

consultores, y se instaló dejando de lado toda

otra alternativa. Esa situación aún es presente.

Por último, la falacia de que no existen

soluciones surgidas de lo local. Otra vertiente

posible como respuestas a las inundaciones

a lo largo de este período de recurrencia, fue

la emergencia de los saberes locales, como

resultado del ingenio, la acción o la práctica de

los afectados, o como preocupación intelectual

de los técnicos atentos a nuevas alternativas

frente al fenómeno.

Soluciones improvisadas (colocar

ropas y utensilios en grandes bolsas plásticas

semi infladas que flotan, haciendo posible

transportar grandes volúmenes de ropa y

víveres con el agua en la cintura); artefactos

producto de la improvisación y el ingenio

(mecánicos que construyeron para campos

inundados lanchones adecuados a los niveles

de la zona, botes con gomas de autos o

tractores, o transportes acuáticos construidos

en base cualquier otro material de desecho),

pequeñas defensas para impedir la entrada de

agua en las casas, sistemas caseros de bombeo,

no fueron sino anécdotas locales.

Respecto de las soluciones alternativas

de técnicos locales, tampoco tuvieron eco

aquellas propuestas que tuvieran otro punto de

partida que los grandes emprendimientos.28

La posibilidad de defensas por áreas,

la necesidad de establecer códigos para la

construcción, la posibilidad de tecnologías

adecuadas a las áreas inundables de las

costas y de las islas, inclusive, la solución

de situaciones límites en cuanto a desagües

siempre críticos con trazados a cielo abierto, no

alcanzaron siquiera existencia efímera.

Una solución a las inundaciones rurales,

propuesta en el mencionado seminario que

consistía en que los productores instrumentaran

sistemas locales de defensas, pequeños

terraplenes que podían ser realizados con

sus máquinas o de sus vecinos, quedó como

una anécdota de intelectuales y de expertos

agropecuarios encerrados en sus experimentos.

(Neif, Patiño y Orfeo; 1987).

Refl exiones fi nales

Desde el momento mismo que, en 1999,

pusimos en marcha el grupo de trabajo sobre

ciudades latinoamericanas en los sucesivos

congresos de la Asociación Latinoamericana

de Sociología, evidenciamos la existencia de

un conjunto de obstáculos epistemológicos en

los estudios urbanos, que no sólo dificultaban

comprender el fenómeno de la vida de los

habitantes de las ciudades de América Latina,

sino también reproducían – fortaleciendo –,

un pensamiento sin perspectiva alguna para

superar la llamada “crisis urbana”, a través

de una gama de posibles intervenciones que

no hacían sino profundizar las condiciones

adversas de los pobladores.

El principal origen de esos obstáculos

epistemológicos se encontraba en las formas

que había adquirido la producción de verdad

en el ámbito de la academia y la denominada

“investigación científica” en las comunidades

y corporaciones del conocimiento en América

Latina. En relación con la dinámica de la acción

de los diversos grupos sociales, las respuestas

estructuradas en el plano académico no nos

ofrecían un marco explicativo, particularmente

Page 80: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201480

en los aspectos relacionales entre las diferentes

personificaciones.

La causa, hipotetizábamos ya en aquel

entonces, residía en la raíz de las reflexiones,

en la casi totalidad de los casos, cimentada

en las políticas neoliberales – en principio –

emanadas desde los organismos financieros

internacionales y, a continuación, desde los

investigadores locales alineados en la ciencia

normal. Es decir, lo que no estaba presente en

esas reflexiones (aún hoy de uso hegemónico),

en los niveles de las acciones sociales,

era la dinámica de las fracciones sociales

directamente involucradas en la acción, en

términos de alianzas y enfrentamientos.

En el desarrollo de los diversos procesos

de asentamiento, los sujetos actuantes – en

los distintos casos – constituyen conjuntos de

relaciones sociales estructurados bajo forma

de instituciones o personificaciones, que

sintetizan, en su corporeidad, determinados

conjuntos de relaciones, que, en general,

operan bajo una lógica determinada por

una sumatoria (variable en sus magnitudes

y contradictorias, por lo tanto en conflicto

permanente) de intereses en los planos

económicos, políticos o corporativos.

Empero, nuestras reflexiones críticas

conceptuales, sostenidas con avances empíricos

que refutaban rigurosamente aquel “sentido

común”, eran un susurro que se mantuvo

históricamente acallado.

En el contexto de polémicas recientes,

este trabajo vuelve sobre la revalorización

de las sugerencias de Marx y Engels, Piaget

y Lefebvre, entre otros autores, sosteniendo

la fertilidad de una mirada que parte de la

génesis e historicidad de los procesos, contra

las visiones hegemónicas que naturalizan

el orden social y fetichizan los objetos y las

políticas urbanas.

Fina lmente, a tentos a lo nuevo,

pensamos que nuestro desafío de intelectuales

está en construir los instrumentos que en

lugar de desarmarnos intelectualmente en

teorías de lo imposible o entretenernos en los

juegos de pensamientos ajenos, nos armemos

teórica y moralmente, en nuestros ámbitos, y

podamos armar a las multitudes en actitudes

de autonomía y cooperación.

Ana NúñezUniversidad Nacional de Mar del Plata, Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Diseño, Instituto de Investigaciones en Desarrollo Urbano, Tecnología y Vivienda. Mar del Plata, Província de Buenos Aires, República [email protected]

Jorge RozeUniversidad Nacional del Nordeste, Facultad de Humanidades. Chaco, Corrientes, República [email protected]

Page 81: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 81

Notas

(*) Este artículo es la ponencia homónima, presentada en el I Seminario Internacional La ciudad neoliberal en América la na: desa os teóricos y polí cos. Eje (IV) Los modelos de polí ca urbana y el pensamiento neoliberal. Red La noamericana de Inves gadores sobre Teoría Urbana, Río de Janeiro, 5-8 de noviembre 2013.

(1) Esta misma matriz teórico-metodológica es el andamiaje de nuestros estudios actuales sobre los programas de construcción de viviendas sociales, en dis ntas ciudades de Argen na. Ver Núñez (2010).

(2) Siguiendo a Zemelman (1987, p. 66), “La idea de apertura se corresponde con el planteamiento de la realidad como proceso y exige que el objeto, a par r y a través del cual se explica algo, se considere siempre abierto a la constante transformación de sus referentes empíricos. La idea de movimiento en que descansa la noción de apertura, se relaciona con el “cómo es” de lo real y con el “cómo es posible de darse” de lo real...” (sub. nuestro).

(3) Cae fuera de los obje vos de esta Introducción, analizar los dis ntos enfoques que, tanto desde la perspectiva “estadocéntrica” como desde la “sociocéntrica”, han contribuido a analizar la relación Estado-sociedad en la defi nición de polí cas públicas. Ver, para ello, un excelente estado de la cues ón en Viguera (1998) y Marques (1997).

(4) Porque, además, siguiendo a Espinosa-Saldaña (1997, pp. 202-207), dentro de las ciencias jurídicas, dos de los puntos más complejos son: a) determinar cuándo estamos o no frente a un derecho fundamental; y b) la definición de cuáles derechos, en concreto, pueden ser considerados como sociales. El di cil acuerdo conduce al regateo de su exigibilidad, tendiendo a negar a algunos derechos de po social su carácter de derecho fundamental, aun cuando los organismos internacionales los reconozcan formalmente.

(5) Si bien el Castells de La cues ón urbana alcanza formulaciones de un cierto determinismo al subes mar, en principio, el peso de las contradicciones sociales, su aporte fue fundamental, al menos, al señalar que en los países periféricos el proceso de acumulación y el papel desempeñado en él por el Estado, no repiten el esquema de los países centrales. Ver este tema en Cignoli (1985).

(6) Como bien señala Marques (1997), aun introduciendo el confl icto en la explicación de las polí cas urbanas, el Estado aparecía como estructuralmente capturado y el proceso polí co resultaba en la victoria del capital en general. Para un análisis de las perspec vas analí cas que desde el marco histórico-estructural y desde la economía explicaban la intervención del Estado, ver Marques (1997).

(7) Para este segundo Castells (1988, p. 79; 1986) “...sólo las luchas urbanas que producen efectos de transformación en la estructura urbana son movimientos sociales urbanos”. Este autor procura caracterizar la contradicción urbana como específica a los problemas de la ciudad, diferenciándola de otros mo vos para la movilización social que ocurren en la ciudad (movimientos urbanos). En este sen do, para Pereira (1986) y Cignoli (1997), la limitación de la contradicción en Castells, es que confronta en la esfera del consumo y sólo indirectamente en la de la producción.

Page 82: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201482

(8) Ver Burki, Perry y Dillinger (1999); y Freire y Stren (2001), ambas publicaciones del Banco Mundial. La nueva estrategia del desarrollo urbano del Banco Mundial difundía que la sustentabilidad de las ciudades debía abarcar cuatro aspectos: ser “habitables” (asegurar una vida decente e igualdad de oportunidades a todos los residentes); ser produc vas y “compe vas”; estar bien gobernadas y ser “fi nanciables” (en: Freire, 2001, p. xxii).

(9) A modo de ejemplo, pueden citarse a Dourojeanni (1994); Herzer et al. (1994); Borja y Castells (1997) y la publicación de Antonio Azuela y Emilio Duhau (1993) sobre Ges ón urbana y cambio institucional, donde explicitan “la necesidad de dar un giro a los análisis sobre “políticas urbanas”, aunque “sin descartar la interpretación general del papel del Estado” (p. 12). El debate que concentra dicha publicación creemos que cons tuye un avance respecto a los que se encuadran en la perspec va ar culadora de las funciones del municipio (Cfr. Herzer et al., 1994).

(10) Independientemente de su imprecisión, “medios de consumo colec vos” es la expresión que más se ha impuesto y la que se u liza como referencia, entendiendo por éstos una serie de valores de uso que por alguna de sus caracterís cas son di ciles de suministrar por el capital individual y, sin embargo, son indispensables para la acumulación del capital en general. Así, su naturaleza pública es el resultado de procesos sociales concretos, históricamente determinados. Ver Coing (1988, p. 88) y Jaramillo (1988, 1986, pp. 19 y ss.)

(11) Categoría censal que en Argentina refiere a “pequeña y mediana industria”, en la que se incorporan los emprendedores individuales y familiares, cuentapropistas, y todos aquellos que no disputan las tasas de ganancias como burguesías consolidadas en empresas.

(12) Respecto de las identidades, resulta particularmente pertinente retomar el sentido que le dan, por un lado, Rebón (2007, p. 21), como “concepto que enfa za el carácter social de una personifi cación, el haz de relaciones que expresa y su relación en términos de funcionalidad con el orden social en el que está inmerso. La conformación de las iden dades sociales no puede comprenderse sin tener en cuenta el desarrollo de la confrontación entre las mismas”.

(13) En palabras de Roze (1993), “No se trata de la materialidad de ese elemento de mediación ni de su volumen o costo sino que (la vivienda) enlaza relaciones que hacen a la casi totalidad de aspectos de las condiciones de producción y reproducción de la fuerza de trabajo en nuestras formaciones sociales”.

(14) Dice Paul Bromberg (2011), avanzando sobre la defi nición de Weber (1992, pp. 1056-1057), que “Una “sociedad” decide conformarse como Estado mediante un proceso en el que un grupo, o una alianza de grupos dentro de ella (la sociedad), logran consolidar su capacidad exclusiva para emplear la violencia sica con el fi n de hacer valer sus órdenes… Este acuerdo implica, entre otras cosas, que ese grupo o grupos deciden y hacen valer con éxito una frontera territorial (...) El Estado, así pensado, abarca entonces (1) territorio, (2) habitantes y (3) un aparato. Este úl mo concreta, en forma de en dades compuestas por personas con atribuciones establecidas, las reglas defi nidas por el grupo o por la alianza de grupos para la toma de decisiones que deben ser acatadas por los integrantes de la sociedad, bajo la amenaza del ejercicio de la violencia sica sobre quienes no las acatan.” (Material de clase del Curso de Posgrado Gobierno de la ciudad y polí cas públicas, en el marco de la Especialización en Polí cas y Mercados de Suelo en América La na, Universidad Nacional de Colombia). Sin embargo, para Lourau (1980, p. 29) al servirse de todos los recursos ideológicos para imponer una forma equivalente a todas las relaciones sociales some das a su poder, el Estado dispone de un instrumento de coacción que torna inú l la dis nción entre Estado y aparatos ideológicos del Estado.

Page 83: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 83

(15) Entendemos por estatalidad profunda (territorialidad burguesa), las estrategias de reproducción adaptativas; trayectorias, vínculos y relaciones sociales en el entramado de instituciones políticas; entre el secreto y la lucha por abrirse camino (Marx, 1968); y por estatalidad extensa a la permeabilidad hacia y con el exterior (burocracia, empresas, vecinos), a la construcción y reproducción de estrategias y categorías que reproducen el orden dominante en las instituciones sociales. Se trata de ver cómo ambas se vertebren y se mantienen en una vaporosa indefi nición, en cuanto a límites y contenidos, y así se instala en el imaginario (Lourau, 1980). Ver Núñez (2007).

(16) El blindaje, el cierre social, refi ere a que determinados grupos sociales se apropian y reservan para sí mismos – o para otros allegados a ellos – ciertas posiciones sociales. En: Ansaldi (1997).

(17) Una fuerza social es una alianza de clases, entre fracciones de clases, que enen dis ntos grados de unidad de clase (Roze, 1993, 2003).

(18) Esta misma matriz teórico-metodológica es el andamiaje de nuestros estudios actuales sobre los programas de construcción de viviendas sociales, en dis ntas ciudades de Argen na. Ver Núñez (2010). Asimismo, para un análisis más exhaustivo de estas políticas urbanas en Argentina, remi mos al lector a nuestra bibliogra a citada, de manera de no extender este texto.

(19) El límite urbano de provisión de agua en la ciudad fue fi jado por Ordenanza del 3 de agosto de 1937, Exp. 158-0-1937. Asimismo, la Ley 12140/35 preveía el abastecimiento de provisión de agua mediante grifos públicos. Es decir, la carencia y la precariedad se legislan, se construyen y se ex enden estatalmente.

(20) El Decreto 33425/44 fundía Obras Sanitarias de la Nación – OSN y la Dirección General de Irrigación en la Administración Nacional del Agua. Establecía, en uno de sus artículos, la obligatoriedad de pagar a todo propietario cuyo inmueble estuviera localizado dentro del cerco, estuviera o no abastecido de agua. Es decir, se crea el contribuyente no usuario.

(21) Se crea por Ley 13577/49, que será la nueva Carta orgánica de OSN, confi riéndole autarquía.

(22) La transferencia de OSN era un proyecto dentro del programa de modernización del aparato estatal de la burguesía desarrollista y de la necesidad de divisas para implementar su polí ca. La alianza con la burguesía extranacional, a través de la Alianza para el Progreso, retrotrajo a la población a fi nes del siglo XIX, reinsertando el miedo a la muerte, pero sembrando el camino al agua con condiciones de propiedad, heteronomía y capacidad de pago. Para el Banco Mundial, la amenaza, la causa de la elevada mortalidad era la intensa presión del crecimiento demográfi co. O, en otros términos, la urbanización de la pobreza.

(23) Servicio Nacional de Agua Potable, creado por Decreto n. 9762, dentro del Plan Decenal de Salud Pública de la Alianza para el Progreso. En el ámbito local, se profundizó la provisión de grifos públicos y se implementaron préstamos para compra de bombas manuales.

(24) No debe olvidarse que, a fi nes de la década de 1990, los organismos internacionales de crédito promueven la reformulación del sistema polí co y la superación de la crisis de representación alentando la disolución de todo lazo entre representantes y representados, asumiendo que los sectores populares son incapaces de tomar decisiones y de par cipar con autonomía en la defi nición de su propio des no. El Programa de fi nanciamiento a municipios, con aportes del Banco Mundial – BM y el Banco Internacional de Desarrollo – BID de U$S420 millones en 1999 a la ciudad de Mar del Plata, apunta en esta dirección.

(25) Estas iden dades sociales surgieron de entrevistas abiertas en los barrios, que no transcribimos por razones de espacio. Ver Núñez (2007).

Page 84: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201484

(26) Siguiendo a Piaget y García (1985, p. 81), una pseudo necesidad es un fenómeno corriente que se ubica en los primeros niveles de la génesis del conocimiento y que expresa la difi cultad de imaginar otros posibles diferentes y, como tal, cons tuyen una fase de indiferenciación entre lo real, lo posible y lo necesario (Roze, 2003).

(27) Un cierto número de conclusiones obtenidas a par r del estudio de campo produjeron un efecto intranquilizador sobre los responsables de la ejecución de programas federales de control de inundaciones, provocando la iniciación de nuevas inves gaciones para indagar más a fondo las cues ones que no habían quedado resueltas. Como resultado de estos nuevos trabajos, se vino a descubrir que mientras los gastos hechos para el control de inundación se habían mul plicado considerablemente, el nivel de daños producidos se había elevado también, por lo que resultaba que, con la ejecución de las obras proyectadas para el control de las avenidas, no se había conseguido alcanzar el obje vo nacional de reducir el tributo que suponían las pérdidas y daños sufridos por el país por tal concepto (White, 1973, p. 291).

(28) Cuando en el III Seminario sobre el Impacto de las Inundaciones en Resistencia, se plantea una exposición de este po de tecnologías, la inicia va no prosperó, al igual que toda otra que no supusiera ¡defensas defi ni vas ya! No queremos con este señalamiento que se pueda inducir que nuestro pensamiento se inscribe en "lo pequeño es hermoso" – tan de moda en décadas pasadas – o en la línea, – fuertemente impulsada del Banco Mundial – de las tecnologías adecuadas o apropiadas. Simplemente, dejamos constancia de la existencia de respuestas locales cuya diseminación debió haber cons tuido una de las tantas alterna vas a la emergencia hídrica y fue también transformada en un inobservable.

Referencias

ANSALDI, W. (1997). Fragmentados, excluidos, famélicos y, por si eso fuera poco, violentos y corruptos. Revista Paraguaya de Sociología, año 34, n. 98, pp. 7-36. Asunción, Centro Paraguayo de Estudios Sociológicos. Disponível em: h p://catedras.fsoc.uba.ar/udishal/art/fragmentados.pdf

AZPIAZU, D. e FORSINITO, K. (2001). La priva zación del sistema de agua y saneamiento en el Área Metropolitana de Buenos Aires. Discontinuidad regulatoria, incumplimientos empresarios, ganancias extraordinarias e inequidades distribu vas. Mimeo.

AZUELA, A. e DUHAU, E. (coords.) (1993). Ges ón urbana y cambio ins tucional. México, IIS/UAM/IFAL.

BACHELARD, G. (1987). La formación del espíritu cien fi co. México, Siglo XXI.

BALVÉ, B. e BALVÉ, B. (2005). El ́ 69. Huelga polí ca de masas. Rosariazo-Cordobazo-Rosariazo. Buenos Aires, RyR/CICSO/Ediciones ryr.

BIRD, R. (2001). “Cargos a los usuarios en las fi nanzas del gobierno local”. In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds.). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial # 21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega, pp. 164-176.

Page 85: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 85

BORJA, J. e CASTELLS, M. (1997). Local y global. La ges ón de las ciudades en la era de la información. Madri, Taurus.

BURKI, S.; PERRY, G. e DILLINGER, W. (1999). Más allá del centro. La descentralización del Estado. Estudios del Banco Mundial sobre América La na y el Caribe. Washington, Banco Mundial.

CAPUTO, M. G.; HARDOY, J. E.; HERZER, H. M. e VARGAS, R. (1985). La inundación en el Gran Resistencia (Provincia del Chaco, Argen na) 1982-1983.Desastres naturales y Sociedad en América La na. Buenos Aires, CLACSO. Colección Estudios Polí cos y Sociales.

CAPUTO, M. G. e HERZER, H. M. (1987). Reflexiones sobre el manejo de las inundaciones y su incorporación a las polí cas de desarrollo regional. Desarrollo Económico, v. 27, n. 106. Buenos Aires, Ides.

CASTELLS, M. (1978). La cues ón urbana. México, Siglo XXI.

CASTRO, E. (1999). El retorno del ciudadano: los inestables territorios de la ciudadanía en América La na. Perfi les la noamericanos, # 14. México, FLACSO, pp. 39-62.

CIGNOLI, A. (1985). Estado e força de trabalho. Introduçao à polí ca social no Brasil. São Paulo, Brasiliense.

COING, H. (1988). Serviços urbanos: velho ou novo tema? Espaço & Debates, n. 23. São Paulo.

DOUROJEANNI, A. (1994). La ges ón del agua y las cuencas en América La na. Revista de la CEPAL, n. 53, pp. 111-127. San ago de Chile.

ELÍAS, N. (1982). Sociología fundamental. Barcelona, Gedisa. Serie Mediaciones.

ESPINOSA-SALDAÑA, E. (1997). “Apuntes sobre las difi cultades existentes para la protección de los derechos sociales en el modelo de jurisdicción cons tucional español”. In: BIDART CAMPOS, G. (comp.). Economía, cons tución y derechos sociales. Buenos Aires, Ediar.

FREIRE, M. (2001). “Introducción”. In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds.). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega.

FREIRE, M. e STREN, R. (eds.) (2001). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega.

GARCÍA, R.; INHELDER, B. e VOLNÉCHE, J. (comps.) (1977). Epistemología gené ca y equilibración (Homenaje a Jean Piaget). Buenos Aires, Huemul.

HERZER, H.; PÍREZ, P. e RODRÍGUEZ, C. (1994). Modelo teórico conceptual para la ges ón urbana en ciudades intermedias de América La na. San ago de Chile, Cepal, LC/R 1407.

HERZER, H. M. (1990). Los desastres no son tan naturales como parecen. Medio Ambiente y Urbanización, año 8, n. 30. Buenos Aires, IEED.

HOLLOWAY, J. (1994). Marxismo, Estado y capital. La crisis como expresión del poder del trabajo. Fichas temá cas de Cuadernos del Sur. Buenos Aires, Tierra del Fuego.

JARAMILLO, S. (1986). Crise dos meios de consumo cole vo urbano e capitalismo periférico. Espaço & Debates, ano VI, n. 18, pp. 19-39. São Paulo, Neru.

JARAMILLO GONZÁLEZ, S. (1988). “Crisis de los medios de consumo colec vo urbano y capitalismo periférico”. In: CUERVO, L. e JARAMILLO, S. et al. Economía polí ca de los servicios públicos. Una visión alterna va. Bogotá, Cinep.

Page 86: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201486

LEFEBVRE, H. (1969). El derecho a la ciudad. Barcelona, Península.

______ (1971). El materialismo dialéc co. Buenos Aires, La Pléyade.

______ (1972). La revolución urbana. Madri, Alianza.

______ (1976). Espacio y polí ca. El derecho a la ciudad II. Barcelona, Península.

______ (2011). La noción de totalidad en las ciencias sociales. Telos, v. 13, n. 1, pp. 105-124. Maracaibo, Universidad Rafael Belloso Chacín.

LIPIETZ, A. (1979). El capital y su espacio. México, Siglo XXI.

LOFTUS, A. e McDONALD, D. (2004). Sueños líquidos: una ecología polí ca de la priva zación del servicio de agua en Buenos Aires. Realidad Económica, n. 183. Buenos Aires, Iade.

LOJKINE, J. (1979). El marxismo, el Estado y la cues ón urbana. México, Siglo XXI.

LOURAU, R. (1980). El Estado y el inconsciente. Ensayo de sociología polí ca. Barcelona, Kairos.

MARÍN, J. C. (1996). Conversaciones sobre el poder (una experiencia colec va). Buenos Aires, Ins tuto Gino Germani, Ofi cina de Publicaciones CBC, UBA.

MARQUES, E. (1997). Notas crí cas à literatura sobre Estado, polí cas estatais e atores polí cos. Bole m Bibliográfi co de Ciências Sociais, n. 43. Rio de Janeiro.

MARX, C. (1965). El Capital. Buenos Aires, Cartago.

______ (1968). Crí ca de la fi loso a del Estado de Hegel. México, Grijalbo.

______ (1998). El Dieciocho Brumario de Luis Bonaparte. Buenos Aires, Libertador.

MARX, C. e ENGELS, F. (1968). La ideología alemana. Montevideo, Pueblos Unidos.

NEIF, J.; PATIÑO, C. A. e ORFEO, O. (1987). Pautas para el manejo de plataformas y taludes en áreas inundables. Centro de Ecología Aplicada del Litoral (Cecoal-Conicet). Serie Técnica n. 2.

NÚÑEZ, A. (1994). Apropiación de la erra y organización territorial en una ciudad media argen na. El caso de Mar del Plata. Revista Interamericana de Planifi cación, v. l. XXVII, n. 107-108. Equador, SIAP.

______ (2000)[2012]. Morfología social. Mar del Plata, 1874-1990. Tandil, Grafi kart.

______ (2007). Polí ca urbana y proceso de estatalidad. Confl uências. Revista interdisciplinar de sociologia e direito, n. 9. Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense.

______ (2010). “Tras el fe chismo de la vivienda digna”. In: ORTECHO, E.; PEYLOUBET, P. e DE SALVO, L. (comps.). Ciencia y Tecnología para el Hábitat Popular. Fortalecimiento del espacio disciplinar en los Sistemas Cien fi co Tecnológicos (seleccionado por referato internacional). Buenos Aires, Nobuko.

______ (2011). Formas socioterritoriales de apropiación del habitar y derecho al espacio diferencial.Revista Territorios, n. 24, pp. 165-192. Bogotá, Universidad del Rosario.

______ (2012) [2006]. Lo que el agua (no) se llevó...Polí ca urbana: poder, violencia e iden dades sociales. Buenos Aires, El Colec vo.

NÚÑEZ, A. e CIUFFOLINI, M. A. (eds. e comps.) (2011). Polí ca y territorialidad en tres ciudades argen nas.Buenos Aires, El Colec vo.

Page 87: Cadernos Metrópole 31. -

Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 87

NÚÑEZ, A. e ROZE, J. (2011). Refl exiones sobre falacias conceptuales y acciones concomitantes en polí cas urbanas y sociales en Argen na. Revista Theomai. Estudios sobre sociedad y desarrollo, n. 23, pp. 193-204. Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmes.

OSZLAK, O. (1997). Estado y sociedad: ¿nuevas reglas de juego? Reforma y Democracia, Revista del CLAD. Caracas, CLAD.

PEREIRA, X. (1986). Valorização imobiliária, movimentos sociais e espoliação. Sinopses, #9. São Paulo, Fauusp.

PIAGET, J. e GARCIA, R. (1984). Psicogénesis e historia de la ciencia. México, Siglo XXI.

PÍREZ, P. (1995). Actores sociales y ges ón de la ciudad. Ciudades, n. 28, pp. 8-14. Puebla, RNIU.

______ (2013). Perspec vas la noamericanas para el estudio de los servicios urbanos. Cuaderno urbano. Espacio, cultura, sociedad, n. 14. Resistencia, Nobuko/UNNE.

POPOLIZIO, E. (en col. con Oscar Bonfan ) (1985). “Bases y criterios para la concepción de obras de infraestructura vinculada con las inundaciones”. In: Inundaciones y Sociedad en el Gran Resistencia, Chaco, 1982-83. Buenos Aires, Ediciones Bole n de medio ambiente y urbanización. CLACSO.

PRADILLA COBOS, E. (2009). La mundialización, la globalización imperialista y las ciudades la noamericanas. Bitácora, n. 15, pp. 13-36. Bogotá, Universidad Nacional de Colombia.

______ (2010). Teorías y polí cas urbanas: ¿libre mercado mundial o construcción regional? Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2. São Paulo.

REBÓN, J. (2007). La empresa de la autonomía. Trabajadores recuperando la producción. Buenos Aires, Colec vo/P.I.CA.SO.

ROSENZVAIG, E. (2004). Pabellón de rurales. Herramienta, Revista de debate y crí ca marxista, n. 27. Buenos Aires, Herramienta.

ROZE, J. (1993). Desastres recurrentes y confl ictos sociales. Tomas de viviendas en el marco de las inundaciones de 1983 1986. Cuaderno 1, Cátedra de Sociología Urbana. Resistencia, Facultad de Arquitectura y Urbanismo, Universidad Nacional del Nordeste.

______ (1995). Espacio y poder. Una mirada material. Cuaderno Urbano 2. Cátedra de Sociología Urbana. Resistencia, FAU/UNNE.

______ (2001). Las ciudades y la acción sobre las ciudades. AREA – Agenda de refl exión en arquitectura, diseño y urbanismo, n. 9. Secretaría de Inves gación en Ciencia y Técnica, Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, Universidad de Buenos Aires.

______ (2003). Inundaciones recurrentes: ríos que crecen, iden dades que emergen. Ediciones Al Margen. Colección Entasis. La Plata, Fundación IDEAS Ediciones.

ROZE, J. et al. (1999). Trabajo, moral y disciplina en los chicos de la calle. Buenos Aires, Espacio.

SIR WILLIAM HALCROW e PARTNERS LTD. (1994). Estudio de regulacion del valle aluvional de los ríos Paraná, Paraguay y Uruguay para el control de las inundaciones. Informe fi nal. Buenos Aires, Sub Unidad de Coordinación para la Emergencia/Ministerio del Interior.

STREN, R. (2001). “Par cipación del sector privado en el suministro de los servicios públicos” e “Introducción” (a varios capítulos). In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega.

Page 88: Cadernos Metrópole 31. -

Ana Núñez, Jorge Roze

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201488

TOPALOV, C. (1979). La urbanización capitalista. Algunos elementos para su análisis. México, Edicol.

VIGUERA, A. (1998). Estado, empresarios y reformas económicas. En busca de una perspec va analí ca integradora. Perfi les la noamericanos, año 7, n. 12, pp. 9-51. México, FLACSO.

WHITE, G. F. (1973). “La inves gación de los riesgos naturales”. In: CHORLEY, R. J. Nuevas tendencias en geogra a. Madri, Colección Nuevo Urbanismo. Ins tuto de Estudios de la Administración Local.

YUJNOVSKY, O. (1984). Claves polí cas del problema habitacional argen no. Buenos Aires, GEL.

ZEMELMAN, H. (1987). La totalidad como perspectiva de descubrimiento. Revista Mexicana de Sociología, v. 49, n. 1. México, Ins tuto de Inves gaciones Sociales/UNAM.

Texto recebido em 4/nov/2013Texto aprovado em 15/dez/2013

Page 89: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014

Urbanismo a la carta: teorías, políticas,programas y otras recetas urbanas

para ciudades latinoamericanas

A la carte urbanism: theories, policies, programsand other urban recipes for Latin American cities

Victor Delgadillo

ResumenEn las últ imas décadas diversas ciudades

latinoamericanas han impulsado un conjunto de

similares políticas públicas, programas urbanos

y otras “recetas” urbanísticas para: confrontar

dist intas problemáticas urbanas, generar

competitividad económica o construir una buena

imagen de la ciudad. Este conjunto de acciones

parece constituir un “menú” de “recetas probadas”

en distintos contextos urbanos para confrontar

“con éxito” algunos problemas y desafíos urbanos.

Este artículo revisa sucintamente la circulación

de paradigmas y políticas urbanas; compara

algunas políticas y programas urbanos realizados

recientemente en Buenos Aires, Ciudad de México y

Quito e intenta responder algunas preguntas: Porqué

alcaldes con orientaciones políticas tan diferentes

ejecutan el mismo tipo de políticas urbanas: hay una

visión pragmática compartida, coincidencia política,

coacción económica o una ideología dominante?

Palabras clave: Urbanismo a la carta, teoría

urbana latinoamericana, políticas urbanas,

circulación de paradigmas urbanos, espacio público

AbstractIn recent decades, many Latin American cities have launched a similar set of public policies, urban programs and other urban development "recipes" in order to: confront different urban problems, generate economic competitiveness or build a good city image. These actions appear to build a "menu of tested recipes" in different urban contexts to "successfully" confront different urban problems and challenges. This article briefly reviews the circulation of urban paradigms and policies, compares some urban policies and programs which have been recently conducted in Buenos Aires, Mexico City and Quito, and attempts to answer some questions: Why do mayors with different political orientations implement the same type of urban policies? Is there a shared pragmatic vision, a political coincidence, economic coercion or a dominant ideology?

Keywords: a la carte planning; Latin American urban theory; urban policies; circulation of urban paradigms; public space.

Page 90: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201490

Introducción

En las últimas décadas diversas ciudades

latinoamericanas, gobernadas por partidos

con la más distinta orientación política,

han impulsado un conjunto de similares

políticas públicas, programas urbanos y otras

“recetas” urbanísticas para: 1) confrontar

distintas problemáticas urbanas, 2) generar

competitividad económica o 3) construir una

buena imagen de la ciudad. Este conjunto de

políticas, programas y recetas urbanas abarca

la recuperación de los centros históricos, la

introducción de carriles confinados para el

uso de bicicletas y sistemas de transporte

colectivo rápido, el mejoramiento de barrios y

de vivienda, becas para población vulnerable,

presupuestos participativos, “playas urbanas”,

etcétera. Se trata de un conjunto de políticas

y acciones urbanas que parecen constituir un

“menú” de “recetas probadas” en distintos

contextos urbanos para confrontar “con éxito”

algunos problemas y desafíos urbanos.

Este artículo reconoce positivamente

que en América Latina hay un sistema de

vasos comunicantes que históricamente han

permitido el intercambio y la difusión de

políticas públicas y experiencias urbanas, que

han facilitado a las ciudades, sus ciudadanos

y gobiernos confrontar con dignidad y eficacia

diversos problemas y desafíos urbanos. La

difusión de experiencias urbanas desarrolladas

en otros contextos geográficos y en otros

momentos históricos son condiciones básicas

para la innovación urbana y el aprendizaje

mutuo. Por e l lo, en nuestro quehacer

profesional promovemos la difusión crítica de

las llamadas “buenas” políticas que adaptadas

a las condiciones locales pueden coadyuvar

a la solución de problemas específicos. Sin

embargo, en la difusión y reproducción de las

políticas, programas y acciones urbanas que

conforman este “Urbanismo a la carta” actual,

destacan dos cosas: 1) el papel (más o menos

impositivo) desempeñado por los organismos

internacionales de financiamiento como el

Banco Mundial y en nuestra región el Banco

Interamericano de Desarrollo; y 2) una visión

pro empresarial que a nombre de la creación

de riqueza y empleo, privilegia la actividad

económica directa e indirecta.1

Este art ículo 1) se propone abrir

n u e va s p e r s p e c t i va s e n e l e s t u d i o

comparado de algunas políticas públicas

que simultáneamente se aplican en diversas

ciudades latinoamericanas y 2) intenta

responder una serie de preguntas: Qué es lo

que hace que alcaldes y gobiernos locales con

orientaciones políticas tan diferentes ejecuten

el mismo tipo de políticas urbanas (más y/o

menos neoliberales), como la introducción de

“playas urbanas”, circuitos confinados para

bicicletas y metrobuses, o la programación

de múltiples eventos culturales en espacios

públicos que al parecer tienen la intención de

erosionar la dimensión política y ciudadana

de esos lugares para convertirlos en sitios

de entretenimiento para consumidores. ¿La

promoción de la misma política y el mismo

tipo de acciones urbanas en distintos contextos

responde a una misma visión pragmática, una

coincidencia política, una coacción económica,

o hay detrás de ello una teoría y una

ideología dominante que soporte esa toma de

decisiones? Los programas y recetas urbanas

que más se difunden ¿Promueven soluciones

de fondo o son simples paliativos para algunos

Page 91: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 91

problemas urbanos? ¿En ausencia de pan

se trata de llevar circo a esas ciudades? ¿Se

atienden necesidades de la población o se

favorece la realización de negocios privados?

Este artículo analiza algunas políticas

públicas en tres ciudades latinoamericanas

(Buenos Aires, Quito y Ciudad de México)

que han sido elegidas en función de trabajos

previos (Delgadillo, 2011). A la manera de una

carta de restaurante este artículo propone

analizar una variedad de acciones, programas,

políticas, proyectos y megaproyectos urbanos,

así como estrategias de marketing urbano

para distintos gustos y precios, lo que abarca

la “cocina” típica, regional e internacional.

El “Urbanismo a la Carta” abarca acciones

puntuales, planes estratégicos; la realización

de megaproyectos; la recuperación de centros

históricos; así como acciones de marketing

urbano (con la adopción de slogans públicos

similares: Ciudad Verde, Ciudad global, Ciudad

compacta, Ciudad sustentable, equitativa y

competitiva; etcétera). Se trata de un “menú”

con diversificado origen de esas “recetas”

urbanas, cuyo análisis debe abarcar el papel

desempeñado por los consultores foráneos

(algunos de ellos promotores del “modelo

Barcelona” for export), las agencias de

cooperación internacional y los profesionistas

locales (en su papel de académicos, consultores

o funcionarios públicos) en la difusión de

este “Urbanismo a la carta”. Por cuestión de

extensión en este artículo sólo analizamos las

políticas del espacio público y de transporte

público en bicicleta y en menor medida las

políticas de mejoramiento barrial.

Tenemos conciencia que algunos

aspectos de este artículo son bastante obvios

y conocidos, pero creemos que analizados en

el conjunto de tres ciudades llamaremos la

atención sobre la necesidad de teorizar sobre

la reproducción de estas prácticas. En síntesis,

este texto pretende evidenciar las cosas en

común que tienen tres políticas urbanas

recientes en tres ciudades latinoamericanas,

y cómo éstas son modeladas por la doctrina

neoliberal, lo que alcanza a gobiernos de las

más diversas orientaciones políticas (en el

discurso). El artículo presenta, en la primera

parte, una revisión sucinta sobre la circulación

de paradigmas y políticas urbanas. El apartado

dos presenta una comparación de tres políticas

urbanas realizadas en las dos últimas décadas

en las tres ciudades objeto de estudio. El

último apartado presenta las conclusiones y

una agenda de temas para seguir investigando

sobre la teoría urbana que subyace a una serie

de políticas públicas urbanas que se realizan en

más de una ciudad latinoamericana.

Sobre la circulación de los paradigmas y las políticas urbanas

Reproducción de prácticas latinoamericanas

En América Latina hay diversos sistemas

de comunicación que históricamente han

permitido la difusión de políticas públicas y

de experiencias urbanas heroicas (como las

de la población organizada de bajos ingresos

que ha construido su vivienda, su ciudad y

su barrio), que han facilitado a las ciudades,

sus ciudadanos y gobiernos confrontar con

dignidad y eficacia diversos problemas y

Page 92: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201492

desafíos urbanos. La difusión de experiencias

urbanas desarrolladas en otros contextos

geográficos y en otros momentos históricos

son condiciones básicas para la innovación

urbana y el aprendizaje mutuo. Así por

ejemplo:

• El movimiento cooperativista uruguayo

de vivienda por ayuda mutua nutrió en la

década de 19702 una serie de experiencias

habitacionales en la Ciudad de México3 y otras

ciudades latinoamericanas. En el siglo XXI esta

experiencia ha sido retomada y renovada en las

áreas urbanas centrales de Buenos Aires por

el Movimiento de Ocupantes e Inquilinos y en

San Salvador por la Fundación Salvadoreña de

Vivienda Mínima, Fundasal.

• El sistema de transporte colectivo rápido

Metrobús, en un carril confinado, ideado en

Curitiba, se reprodujo en múltiples ciudades

latinoamericanas, entre ellas, Quito (1995),

Ciudad de México (2005) , Buenos Aires

(2011), etc.

• Los programas de mejoramiento barrial

de Suramérica, impulsados desde la década

de 1980, se han expandido a México y

Centroamérica en el siglo XXI.

• E l m o d e l o d e l o s p r e s u p u e s t o s

participativos brasileiros ha sido adoptado,

mal copiado o enriquecido en múltiples

ayuntamientos latinoamericanos.

• La política de vivienda social chilena,

construida por el sector privado con los fondos

sociales, se expandió de manera colosal, salvaje

y abusiva en México, y amenaza con hacerlo en

otros países de la región.

Algunas de éstas políticas, programas

e instrumentos urbanos han trascendido la

geografía latinoamericana, para ser adaptados

en algunas ciudades de Europa, como es el

caso de los Presupuestos Participativos y los

Programas de Mejoramiento Barrial adoptados

en Cataluña.

Reproducción de prácticas foráneas en América Latina

Nuestra región históricamente ha estado

vinculada e interesada en los avances

urbanísticos, sociales, tecnológicos, etcétera,

realizados en Europa desde el siglo XIX, y en

Norteamérica después de la II Guerra Mundial.

Arturo Almandoz (2002) en su bellísimo libro

sobre la planeación urbana de las principales

capitales de la región, realizada entre 1850 y

1950, da cuenta de la transferencia, adopción,

adaptación, transformación y enriquecimiento

de ideas urbaníst icas foráneas . En el

tránsito del siglo XIX al XX se trataba de un

selectivo préstamo de ideas urbanísticas

europeas, realizado por pequeños grupos

sociales (elites, académicos, gobernantes)

que buscaban: una identidad cosmopolita,

modernizarse o seguir “perteneciendo” (en

términos culturales) a Europa.

Tal vez una razón de mayor fondo era

la búsqueda de alternativas e instrumentos

para confrontar los emergentes problemas

urbanos (congestión, hacinamiento, salud

pública, etcétera) derivados del desarrollo

urbano impulsado por la incorporación de las

economías locales al mercado internacional,

la inversión capitalista local y extranjera, la

irrupción de nuevos sistemas de transporte

colectivo (primero tranvías y trenes y después

autobuses), el crecimiento de la población

(debido a la inmigración del campo) y la

expansión urbana. Al mismo tiempo que se

Page 93: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 93

buscaba higienizar la ciudad y permitir la

fluidez de los nuevos transportes, se pretendía

modernizarla y embellecerla. Así, en el último

cuarto del siglo XIX y la primera mitad del siglo

XX destacadas figuras del urbanismo europeo

(Forestier, Agache, Bouvard, Le Corbusier, y

después Sert) fueron invitados a trabajar o

a aportar ideas para la modernización de

varias ciudades latinoamericanas (Hardoy,

1995). Queiroz y Pechman (1996) analizan la

presencia de urbanistas franceses en Brasil.

También pueden mencionarse las iniciativas

de algunos arquitectos, como Carlos Contreras

(Ríos, 2008) y Karl Brunner (Hoffer, 2003), que

entre las décadas de 1920 y 1940 intentaban

introducir en los países latinoamericanos la

planificación urbana practicada en ciudades de

los países más desarrollados.

Asimismo, otros urbanistas foráneos,

residentes temporales o permanentes

de nuest ra región, han apor tado sus

conocimientos y experiencia en la búsqueda

de nuevos rumbos para la planif icación

urbana, la modernización de las ciudades y la

solución de los problemas urbanos locales; y

han realizado ricas aportaciones teóricas. Por

citar a algunos de ellos podemos mencionar a

Gilbert (1997), Gormsen (1981 y 1989), y Bähr

y Mertins (1995).

A c t u a l m e n t e l a s “ n o v e d a d e s ”

urbanísticas europeas y anglosajonas continúan

siendo una referencia en América Latina. Se

trata de una relación dialéctica y asimétrica.

Por un lado, algunos arquitectos, urbanistas y

gobernantes latinoamericanos buscan ávida y

acríticamente emular las “modas” urbanísticas

del llamado “primer mundo”; en tanto que

otros latinoamericanos lo hacen de manera

crítica. Por otro lado, algunos consultores,

gobiernos y casas editoriales difunden masiva y

estratégicamente las “novedades” urbanísticas

de sus ciudades, con el propósito de vender

servicios, programas, políticas y proyectos a las

urbes del llamado “tercer mundo”. Aquí, para

hacer negocios, se trata de transferir políticas,

sistemas de planificación estratégica y formas

de gestión que han demostrado su “éxito” en

las ciudades del “primer mundo”. Esta segunda

actitud coincide con la de los organismos

internacionales de financiamiento, como el

Banco Mundial y en nuestra región el Banco

Interamericano de Desarrollo, instituciones que

promueven un “menú” de “recetas probadas”

en distintos contextos urbanos para confrontar

“con éxito” algunos problemas y desafíos

urbanos. Estas instituciones de financiamiento

fueron actores clave en el período de la guerra

fría y tuvieron un papel importantísimo como

promotores del “desarrollismo” en las décadas

de 1950 a 1970, y en la década de 1990

participaron activamente en los procesos de

reformas estructurales (políticas y económicas)

en América Latina.

Algunos ejemplos dan cuenta de la

diversidad de prácticas foráneas reproducidas

en América Latina, lo que abarca desde

la producción de planes estratégicos,

megaproyectos hasta la adaptación de algunos

instrumentos urbanísticos.

El modelo Barcelona for export

El proceso de transformación urbana de

Barcelona con motivo de las olimpiadas

de 1992, realizado entre 1980 y 1995 fue

reconocido como un modelo exitoso por

diversas agencias internacionales como

Page 94: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201494

el Programa de Gestión Urbana, el Centro

Hábitat de Naciones Unidas, la cooperación

alemana GTZ, el Programa de Naciones Unidas

para el Desarrollo, etcétera. Este “modelo”

ha sido ampliamente promovido y difundido

en muchas ciudades. En este contexto, Borja

y Castells (1997) reconocen el papel de los

consultores catalanes en el Plan para Puerto

Madero de 1990 en Buenos Aires,4 y en la

elaboración de los Planes Estratégicos de Río

de Janeiro de 1995 y de Bogotá del año 2000,

en los que el mismo Jordi Borja fue consultor.

Se trata de una gran campaña realizada

por algunos consultores catalanes para

conquistar ávidos mercados (es decir, ciudades

y ayuntamientos) interesados en emular el

éxito vendido por Barcelona. El libro de Puig

(2009), Marca Ciudad, más que académico

desde la dedicatoria parece un folleto que

vende la adaptación del modelo Barcelona

“para las ciudades Latinoamericanas que están

rediseñando su futuro”.

Golda (2007) da cuenta de la aplicación

de los principios urbanísticos barceloneses en

el Plan del Centro de Lima de 1989 con todo

“el dogma de la multifuncionalidad del espacio

público” en el que el Parque de la Exposición

(cuyo origen se remonta a 1872) se transformó

en Parque de la Cultura. En este caso el

promotor del plan fue un arquitecto local que

estudió y trabajó en la capital catalana.

Por su parte, un híper crítico local de ese

“modelo” (Delgado, 2007) dice rabiosamente

que se trata de la “venta de mentiras”: una

ciudad habitada que ha sido “ordenada”,

maquillada, empaquetada y vendida como si

fuera una mercancía, una top model. Para él,

se vende una Barcelona aséptica, bien portada,

gentrificada y parquetematizada, una ciudad

donde los pobres, inmigrantes ilegales y

marginales han pagado muy altamente el costo

en la producción de un “modelo” socialmente

excluyente.

El Banco Interamericano de Desarrollo (BID)

El BID es una institución que promueve el

otorgamiento de créditos para la realización

de diversos programas y políticas urbanas

para confrontar diversos problemas en las

ciudades y promover el desarrollo: construcción

de infraestructura y vivienda, recuperación de

centros históricos, mejoramiento de barrios,

etc. El otorgamiento de los préstamos del BID

está condicionado a la adopción de formas

de gestión y administración de los créditos

adquiridos por los gobiernos nacionales y

locales, para facilitar el funcionamiento del

libre mercado. Así por ejemplo, en la década

de 1970 el BID promovía el turismo en las

áreas patrimoniales (zonas arqueológicas de

Perú y centros históricos de Cuzco y Panamá),

mientras que desde la década de 1990 el

BID, igual que el Banco Mundial, reconoce al

patrimonio cultural como un capital económico

capaz de generar riqueza. En el ámbito de la

recuperación del patrimonio cultural esto se

traduce en el impulso a la participación del

sector privado en el financiamiento, rescate

y usufructúo del patrimonio cultural, lo que

abarca la (des)regulación urbana; la generación

de condiciones idóneas para la operación del

mercado inmobiliario; y el retorno de la buena

clientela (ver Rojas y De Moura, 1999). Un

caso paradigmático fue el préstamo otorgado

en 1994 para la recuperación del Centro

Histórico de Quito, ciudad que tuvo que crear

Page 95: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 95

una institución público privada, la Empresa de

Desarrollo del Centro Histórico, para operar

ese crédito e incorporar al sector privado en la

recuperación y aprovechamiento de la herencia

edificada.

Algunos instrumentos para el desarrollo urbano

En materia de instrumentos urbanísticos

destacan, por ejemplo, las Zonas Especiales

de Desarrollo Controlado (Zedec), actuales

Programas Parciales de Desarrollo Urbano, de

la Ciudad de México, inspiradas en las Zones

de Amenagement Controllé (ZAC o Zonas de

Gestión Controladas) de Francia. Mientras que

los Sistemas de Transferencia de Potencialidad

del Desarrollo Urbano o del Potencial de

la Capacidad Construible aplicados en las

Ciudades de México, Río de Janeiro y Buenos

Aires, están inspirados o son adaptaciones de

los Sistemas de Desarrollo Transferibles de las

ciudades estadounidenses (ver Rojas et al.,

2004, p. 224).

Centro periferia, original y copia, importación y exportación de políticas urbanas

En el debate sobre la forma en que circulan

las ideas, los paradigmas y las políticas

urbanas aún permanecen algunas visiones

anglo y eurocentristas, en donde igual que

en las visiones dependentistas, prevalece

la idea de que las innovaciones urbanas

provienen del corazón de occidente (el

primer mundo, las ciudades globales, los

países más desarrollados) y desde allí se

diseminan al resto del mundo. Esta idea es

a menudo constatada al evidenciarse que

varios políticos, urbanistas, planificadores

urbanos y arquitectos de la región, con

gusto importan sistemas de planificación y

ordenamiento territorial, proyectos, políticas y

modelos urbanos foráneos (fundamentalmente

europeos y anglosajones) para intentar

confrontar problemas urbanos locales o

desarrollar estrategias de competitividad

urbana; mientras que los académicos y otros

estudiosos de los temas urbanos con gusto

adoptan teorías urbanas foráneas para explicar

los procesos urbanos locales.5

Sin embargo, frente a estas visiones

simplistas que reducen la circulación de las

ideas, los paradigmas y las políticas urbanas

a esquemáticos procesos lineales (centro-

periferia, original-copia) se ha avanzado y

actualmente se reconoce que se trata de

procesos más complejos (Jajamovich, 2013),

bien lejos de las visiones eurocentristas6 y

reduccionistas:

• Amér ica Lat ina ha mantenido un

diálogo respetuoso y crítico, así como un

interés constante con las apor taciones

teóricas urbanas provenientes de los países

hegemónicos (con sus poderosas cadenas

editoriales que inundan nuestros mercados

de libros con traducciones al español y al

portugués).

• La circulación de las ideas se ha acelerado

y multiplicado en un mundo globalizado.

• Muchos colegas “foráneos” que se

han avecindado y radicado temporal o

permanentemente en América Latina, han

realizado grandes aportaciones prácticas y

teóricas para la comprensión de los procesos

urbanos locales.

Page 96: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201496

Conviene citar aquí dos críticas a las

visiones eurocentristas:

• Robinson (2009) señala que la modernidad

más que occidental es cosmopolita, y que

la idea de la invención, apropiación o copia

es una actitud o toma de posición frente al

mundo. Ella pone de ejemplo dos ciudades,

Nueva York y Rio de Janeiro, que a fines

del siglo XIX y principios del XX adaptaban

con gusto los modelos urbaníst icos y

arquitectónicos franceses: la primera se

asume como ciudad moderna y cosmopolita,

y olvidó que su cosmopolitismo urbanístico es

una apropiación, copia e imitación de otras

culturas; mientras que en la segunda, desde la

década de 1920 se mantiene la idea de que la

modernidad es foránea y es una copia que no

ha podido invisibilizar la pobreza urbana.

• Este mismo debate se repite en un

libro reciente sobre el nuevo urbanismo

colonizador. Atkinson y Br idge (2005)

presentan la idea de establecer una sede

del Museo Guggenheim en Rio de Janeiro,

a principios del siglo XXI, como una clara

evidencia del urbanismo colonizador. Sin

embargo, en ese mismo libro la sede de ese

museo en Bilbao aparece como una marca

y un modelo exitoso de renovación urbana

¿Porqué en Rio una sede del Guggenheim es

una evidencia del urbanismo colonizador y en

Bilbao no?

Es evidente que las teorías surgidas

en países foráneos, particularmente los

anglosajones, han tenido una influencia en

la agenda de investigación de la región (el

postmodernismo, la ciudad global, etc.). Sin

embargo, rechazamos la idea que coloca a

los investigadores latinoamericanos como

actores pasivos que adoptan paradigmas

en boga. Muchos latinoamericanos hemos

estudiado en países del llamado primer

mundo y a diferencia de muchos colegas

monolingües (sobre todo los anglosajones)

leemos y nos mantenemos actualizados sobre

lo que se escribe en otras lenguas sobre el

mundo urbano (hasta traducimos y reseñamos

trabajos escritos en idiomas foráneos) ,

pues tenemos un interés en el conocimiento

universal y de ninguna manera renunciamos

a las aportaciones extranjeras. Sin embargo,

retomamos críticamente lo que consideramos

que aporta para explicar nuestras y otras

realidades urbanas.

Asimismo, v iv imos en un mundo

globalizado en el que (así sea de forma

asimétrica) tenemos acceso a un importante

cúmulo de conocimiento c ient í f ico, e

interactuamos directa e indirectamente

con colegas, expertos y profesionistas de

los países del norte y/o del sur que van y

vienen a estudiar o son enviados a cooperar

y trabajar en el sur (y en menor medida

en sentido contrario ) . Estas relaciones

(cada quien con su formación profesional,

académica, así como con sus paradigmas,

visiones urbanas e intereses profesionales y

económicos), que se realizan en el marco de

profundas desigualdades económicas entre

las partes participantes de estos intercambios,

contribuyen al enriquecimiento científico y al

avance de las ciencias sociales en materia de

los estudios urbanos.

P o r e l l o , e n n u e s t r o q u e h a c e r

profesional promovemos la difusión crítica

de las aportaciones teóricas foráneas y de

las buenas políticas locales y foráneas que

adaptadas a las condiciones locales pueden

coadyuvar a la solución de problemas

Page 97: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 97

específicos. Sin embargo, somos críticos

de las l lamadas “buenas p rác t i cas”,

especialmente cuando quienes las promueven

son organismos internacionales legitimadores

del modelo neoliberal.

Políticas, programas y acciones urbanas ¿urbanismo a la carta?

La repetición del mismo tipo de programas

y políticas urbanas y la difusión “exitosa” de

algunas experiencias urbanísticas en varias

ciudades latinoamericanas gobernadas

por partidos políticos con las más diversas

orientaciones políticas, conducen a plantear

la hipótesis de que existe un “Urbanismo a la

Carta” para confrontar diversos problemas y

desafíos urbanos, que se oferta a los gobiernos

locales y nacionales por parte de consultores,

bancos de desarrollo, agencias de cooperación

internacional, la Organización de Naciones

Unidas y otras instituciones internacionales.

Este “Urbanismo a la Carta” presenta, cual

menú de restaurante, una variedad de entradas,

ensaladas, platos fuertes y postres ad hoc para

distintos gustos y precios, lo que abarca la

“cocina” típica, regional e internacional.

Acciones puntualesDe bajo costo y con una gran visibilidad mediática

Programas urbanos diversosDe bajo costo que no necesariamente implican

la realización de obra pública

Programación de eventos culturales en espacios públicos.7

Introducción de políticas y programas de seguridad pública.

Promoción del turismo urbano.

Instalación de playas urbanas en el verano.

Introducción de carriles confi nados para el uso de bicicletas.

Formulación de planes estratégicos.

Otorgamiento focalizado de becas para población vulnerable.

Aplicación del ejercicio de los presupuestos participativos.8

Reubicación del comercio informal.

Introducción de parquímetros (para ordenar el tráfi co y desplazar a los “cuida” autos).

Remozamiento y recuperación del espacio público. Introducción de eco bicicletas como sistema de transporte público.

Proyectos y megaproyectos urbanos Estrategias de marketing urbano

Realización de Megaproyectos: recuperación de frentes fl uviales, reconversión de zonas fabriles, construcción de proyectos ícono, etc.

Recuperación de centros y barrios históricos.

Introducción del Sistema de Metrobús en un carril confi nado.

Programa focalizado de mejoramiento de barrios.

Programas de mejoramiento de vivienda popular con microcréditos.

Campañas de marketing urbano: Ciudad Verde, Ciudad global, Ciudad compacta, Ciudad sustentable, equitativa y competitiva / Ciudad para todos / Ciudad de la esperanza / Primero los pobres (porque siguen los ricos).

Realización y participación en conferencias internacionales para presentar los “logros” de una “gestión exitosa”.

Negociar en foros internacionales para ser la sede de algo: Capital Cultural, Encuentro internacional de Alcaldes, etc.

Nota: Los “platillos” del menú pueden cambiar de lugar y ser ofrecidos en paquete (menú completo) o en partes. Un pedido puede no tener entradas o postre. Así por ejemplo el comensal (ayuntamiento, gobernante, inversionista) puede considerar laelaboración de un Plan Estratégico o una campaña de marketing como “el plato fuerte” de su gestión o inversión.

Urbanismo a la Carta, Menú

Page 98: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201498

Los chefs o cocineros de este “Urbanismo

a la Carta” son destacados académicos

y consultores foráneos, los organismos

financieros internacionales (en nuestra

región el BID), las agencias de cooperación

internacional y también los profesionistas

locales en nuestro papel de académicos,

consultores o funcionarios públicos.

Por cuestiones de espacio, en este

artículo desarrollamos sólo algunas de las

recetas de este “Urbanismo a la Carta”:

el sistema de transporte en bicicleta, las

políticas sobre el espacio público y los

programas de mejoramiento de barrios. Las

razones de esta elección responden al énfasis

actual de la política urbana en la Ciudad de

México, en donde este conjunto de políticas

públicas se presentan no sólo como políticas

innovadoras sino como una invención “local”.

Sin embargo, como se puede comprobar en

este artículo, se trata de la recreación de

políticas y programas urbanos que han surgido

antes o de manera casi simultánea en otras

ciudades latinoamericanas. Asimismo, antes

de presentar algunos programas y políticas

urbanas considero necesario presentar algunos

datos de las tres ciudades objeto de estudio

para contextualizar las acciones desarrolladas

en ellas.

Algunos datos sobre Buenos Aires, Ciudad de México y Quito

Las tres ciudades han sido sede del poder

político desde la época de la colonia, son

la capital de su respectivo país desde la

independencia y tienen una dimensión

metropolitana, pero son muy diferentes en

dimensión física, demográfica, formas de

gobierno, origen, función económica, historia,

etcétera. Así por ejemplo, en términos de

población, la zona metropolitana de la

Ciudad de México es una vez y media mayor

que la zona metropolitana de Buenos Aires

y casi nueve veces mayor que el Distrito

Metropolitano de Quito. Mientras que sólo

la Ciudad de México es tres veces mayor que

Buenos Aires Capital Federal y 5.4 veces mayor

que la ciudad de Quito.

Población y Vivienda 2010

Buenos Aires Ciudad de México Quito

Metrópoli Ciudad Metrópoli Ciudad Metrópoli Ciudad

Población

Vivienda

12,801,364

4,230,636

2,891,082

1,082,998

20,019,381

5,827,109

8,851,080

2,453,770

2,239,191

763,719

1,619,146

550,265

Fuentes: Elaboración propia con base en datos del Inec (2010); Inegi (2010).

Page 99: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 99

Sin embargo, las t res ciudades y

los tres países presentan problemáticas

económicas, políticas públicas y turbulencias

políticas semejantes o coincidentes. Así

por ejemplo: 1) En el marco de reformas

políticas en 1996 y 1997 las ciudades capital

de Argentina y México, respectivamente,

eligieron democráticamente a sus gobiernos

locales por primera vez en la historia; 2)

La economía argentina estuvo dolarizada

durante un período de 10 años y la ecuatoriana

se encuentra dolarizada desde 2001, en

ambos países un mismo personaje fungió,

en diversos momentos, como secretario de

economía; 3) A pesar de procesos locales

de desindustrialización, las tres ciudades

contribuyen de manera importante a la

economía nacional. En el año 2000 Buenos

Aires aportaba el 25% del producto interno

bruto nacional y la Ciudad de México el 22.3%,

mientras que Quito concentraba el 30% de

la industria nacional; 4) Los tres países han

padecido fuertes crisis económicas y grandes

cambios políticos desde 1990:

• La economía mexicana sufrió un crack en

diciembre de 1994 y su moneda se devaluó

fuertemente en el trascurso de 1995; la

economía del Ecuador tuvo una fuerte crisis en

1999 y en el 2001 se dolarizó; mientras que la

economía argentina tuvo su crack entre 2001 y

2002 y se desdolarizó ese último año.

• Constantes crisis políticas, económicas y

financieras, generadas por la introducción de

políticas de ajuste de la economía y casos de

corrupción, han ocasionado la destitución de

varios presidentes en Ecuador (Bucaram en

1997, Mahuad en 2000 y Gutiérrez en 2005)

y Argentina (De la Rúa en 2001, aquí además

transitaron varios presidentes interinos).

Introducción de sistemas de transporte en bicicletas

Este apartado está basado en trabajo de

campo realizado en febrero de 2013 (Quito),

mayo de 2013 (Buenos Aires) y durante

agosto – octubre de 2013 (Ciudad de México),

así como en información obtenida en las

siguientes páginas de internet, visitadas en

oc tubre de 2013 : Gobierno Autónomo

de la Ciudad de Buenos A i res w w w.

ecobicibuenosaires.gob.ar; Gobierno de la

Ciudad de México www.ecobici.df.gob.mx;

Gobierno de Quito www.biciq.gob.ec/web.

Buenos Aires, la Ciudad de México

y Quito han introducido recientemente el

sistema de transporte público en bicicletas. En

las dos primeras esto ocurrió en los meses de

marzo y febrero de 2010 respectivamente, y

en Quito en julio de 2010. En las tres ciudades

el sistema incluye el conf inamiento de

algunos carriles para la circulación exclusiva

en bicicleta, un sistema de disposición de

bicicletas en préstamo en Buenos Aires, y en

alquiler Quito (25 dólares anuales) y Ciudad

de México (con costos desde 400 a 90 pesos

mexicanos si es por un año o por un día

respectivamente).

El sistema más grande es ofrecido en la

Ciudad de México con 275 estaciones, cuatro

mil bicicletas y 87 mil usuarios; seguido de

Buenos Aires con 28 estaciones, 750 bicicletas

y 70 mil usuarios registrados. Mientras que

en Quito el sistema tenía 25 estaciones y 425

bicicletas. Buenos Aires pretende incrementar

el sistema hasta llegar a 3 mil bicicletas, 200

estaciones y automatizar el servicio para

funcionar las 24 horas del día.

Page 100: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014100

Curiosamente el Gobierno de la Ciudad

de México, que se autodesigna de izquierda,

es el único que ha concesionado el servicio

EcoBici. Aquí el sistema es operado por Clear

Channel a través de su división Smartbike

(una firma que opera en Oslo, Barcelona,

Estocolmo, Verona y otras ciudades) en

conjunto con una de las empresas de Carlos

Slim (el inversionista más rico del país) que

puede cobrar el alquiler de una Ecobici a través

del sistema telefónico Telmex. En cambio, en

Buenos Aires Mauricio Macri no consiguió

concesionar el sistema Mejor en Bici o Ecobici

por oposición social y en el parlamento local.

Llama la atención que el sistema

funciona en la parte bonita o moderna de

las tres ciudades (centro de las ciudades,

distritos de negocios, centros y barrios

históricos recuperados), al margen de los

barrios populares y bien lejos de los barrios

periféricos, donde vive la mayor cantidad

de población. Si bien es cier to que el

discurso en la promoción de este sistema de

transporte público, es justamente contribuir

a la descongestión del tráfico en las áreas

urbanas centrales, curiosamente estos

sistemas no promuevan una cobertura en los

barrios populares céntricos y en las periferias

urbanas, donde centenas de miles de personas

realizan desplazamientos locales para ir a

la escuela, de abasto y de compras. Tal vez

estos programas de transporte no se realizan

en los barrios pobres porque se teme que

la población no pague por el alquiler de la

bicicleta o se la robe para venderla o para su

consumo personal.

También es revelador que en los

argumentos of iciales en favor de este

sistema aparezca de manera protagónica una

comparación con las metrópolis del primer

mundo. Así:

• Mauricio Macri señala que éste es un

programa “en línea con las tendencias

mundiales” y con las grandes capitales como

“París, Nueva York, Barcelona y Bogotá”

(Fuente: GCABA Boletín del 22/6/2012).

• En la inauguración de EcoBici en la Ciudad

de México, en febrero de 2010, el alcalde

Marcelo Ebrard decía que éste sistema “nos

pone al mismo nivel que ciudades como

Barcelona, París y Washington” (Fuente: El

Universal 16/2/2010).

Políticas sobre el espacio público

El espacio público, como concepto, tiene

múltiples significados y dimensiones: política,

física, urbana y otros más. Algunas visiones

reducen este concepto al ámbito de la

ideología dominante o a los espacios urbanos

abiertos. Nosotros reivindicamos una definición

más amplia del concepto que puede inscribirse

en el ámbito de la filosofía política. En una

versión sintética, Rabotnikof (2010) define el

espacio público por tres criterios y principios

básicos: 1) lo que es de utilidad o de interés

común para todos (una comunidad o colectivo),

2) lo que se hace y desarrolla a la luz del día,

lo manifiesto y lo ostensible, y 3) lo que es de

uso común, lo que está abierto y es accesible

para todos. Esta definición amplia abarca la

política, la economía, la educación, la ciudad,

la salud, los medios de comunicación, el medio

ambiente, etcétera. Se trata de una definición

de principios que no necesariamente coincide

con el espacio público que tenemos o hemos

tenido. En este sentido se trata (como el

Page 101: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 101

Derecho a la Ciudad) de un espacio público a

(re)conquistar o a construir.

Para Merino (2010) el espacio público se

corrompe, cuando su naturaleza se convierte

en privada, se oculta lo que debe saberse,

los atributos de inclusión y accesibilidad se

transforman en excluyentes, lo abierto se cierra,

los recursos públicos se utilizan como si fueran

privados, la información pública se usa de

manera privada, se oculta el origen y destino

de los recursos públicos, se cierran las calles y

plazas en beneficio privado, y el gasto social

y la política pública se tornan excluyentes e

inaccesibles.9

Para Borja (2003) el espacio público

no se reduce a un suelo con un uso y función

especializados, sino que el espacio público es

la ciudad: un lugar abierto y accesible para

todos, un sitio significante en el que confluyen

todo tipo de flujos, y un lugar político de

representación y de expresión colectiva de la

sociedad. Por su parte, el espacio público en su

dimensión física es un espacio funcionalmente

polivalente, que articula todo con todo, ordena

la urbe, facilita el encuentro, el intercambio,

la movilidad y la accesibilidad de los recursos

urbanos, así como la permanencia de las

personas.

Para Delgado (2011) el espacio público

es un concepto que tiene una yuxtaposición de

concepciones e interpretaciones que abarcan:

los lugares de libre acceso, los ámbitos para

los vínculos sociales, los espacios de relación

con el poder, los sitios del público y para las

relaciones en público, etcétera. La presencia

del espacio público ratificaría la democracia

y promovería el encuentro y las reuniones

sociales. Sin embargo, el espacio público

no es por naturaleza un lugar democrático

para un ciudadano abstracto e ideal, ni

tampoco borra las desigualdades sociales. Al

contrario, actualmente el espacio público es

una ideología que sirve a las construcciones

y a los negocios que rodea y se llena de

modo adecuado para los objetivos de los

inversionistas y los gobiernos. Como si

hablara de nuestro “Urbanismo a la carta”,

Delgado señala que las intervenciones en el

espacio público son una “guarnición de las

grandes operaciones inmobiliarias” (algo así

como una orden de papas fritas para un buen

bife).

Delgado (2011) afirma que el espacio

público es un concepto que recientemente

se puso de moda,10 a partir de los grandes

megaproyectos de reconversión urbana.

Se trata de una ideología que sirve para la

reapropiación capitalista de la ciudad, y que

bajo el argumento del paraíso de la ciudadanía

(cortés, consciente y bien portada) excluye y

desplaza los comportamientos inapropiados

de las clases bajas (vendedores ambulantes,

indigentes, inmigrantes, prostitutas, etc.).

Justo por ello, las legislaciones y normativas

cívicas a nombre de un espacio para todos

pretenden ordenar y controlar el espacio

público, y excluir los malos comportamientos.

Se trata de ordenanzas del tipo de la cero

tolerancia que intentan construir un estado de

excepción y excluir u ocultar la pobreza.

• Aquí podemos citar como ejemplo, que

el Gobierno de “izquierda” de la Ciudad

de México, comandado por Andrés Manuel

López Obrador, en 2002 contrató al ex

alcalde republicano de Nueva York, Rudolf

Guliani, para que lo asesorara en materia

de la seguridad pública en dos territorios

emblemáticos en proceso de “recuperación”:

Page 102: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014102

el Centro Histórico y el Paseo de la Reforma.

En el marco de las recomendaciones de Guliani,

la mayoría de “izquierda” en el parlamento

local aprobó en 2004 la Ley de Cultura Cívica,

que otorga instrumentos jurídicos al gobierno

local para combatir el comercio y los servicios

informales, el grafiti y los sospechosos.

Autoridades y programas de recuperación, construcción y ampliacióndel “espacio público”

En las tres ciudades objeto de estudio ha

emergido con fuerza, en la última década,

el tema del Espacio Público, al grado que los

tres gobiernos locales han creado instituciones

específicas para ello. Lo que no omite que

antes de ello se hayan realizado proyectos

de mejoramiento del espacio público en

barrios y centros históricos, bulevares (como

la recuperación del Paseo de la Reforma en la

Ciudad de México 2000-2006 y de la Avenida

de Mayo en Buenos Aires 1991-1993) y de

otras calles simbólicas.

En efecto, en 2008 se creó la Autoridad

del Espacio Público en la Ciudad de México

(AEP, 2012), mientras que la Gerencia de

Espacio Público en Quito dejó de depender de la

Dirección Metropolitana de Territorio y Vivienda

para pasar a la Empresa Pública Metropolitana

de Movilidad y Obras Públicas (Salazar,

2011). Por su parte, en 2007 se fusionaron

dos ministerios en Buenos Aires para formar

el Ministerio de Ambiente y Espacio Público

(GCABA, 2013). Las tres dependencias públicas

tienen funciones similares, son órganos de

gestión y realización de obra pública como la

mejora y sustitución de mobiliario urbano y

alumbrado público; la arborización y cuidado o

creación de áreas verdes y plazas con juegos

de agua, aparatos de ejercicios, etc.; o el

cuidado y pavimentación de calles. En Quito

esa dependencia se ocupa de la nomenclatura

y la publicidad; y en Buenos Aires de la basura.

Destacan dos funciones en dos ciudades:

• la Autoridad del Espacio Público, en la

Ciudad de México, tiene como función la

mejora del espacio pública para crear las

condiciones económicas que incentiven la

inversión productiva y fomenten la creación de

empleo (AEP, 2012).

• en Buenos Aires destaca el eslogan de

Ciudad Verde y el impulso -desde 2008- al

Plan “Guardianes de la plaza” consistente

en un cuerpo de “Intendentes de plaza” que

difunde las normas básicas sobre el buen uso

del espacio público, disuade las actividades

prohibidas y denuncia los delitos. Hay 380

guardianes (en tres turnos) para 88 Espacios

Verdes en la capital porteña (GCABA, 2013).

Entre los proyectos emblemáticos se

pueden mencionar:

• en Buenos Aires: 1) la Remodelación

del Microcentro, con la peatonalización de

varias calles y la sustitución de redes de

infraestructura; 2) el Remozamiento de Palermo

Viejo, y 3) el remozamiento de una parte (27

de 130 hectáreas) del Parque Indoamericano

inaugurado en diciembre de 2011.

• en la Ciudad de México la Autoridad del

Espacio Público en su corta vida ha realizado

15 proyectos, los más emblemáticos son: 1)

el remozamiento de la Plaza, Monumento y

Museo de la Revolución, 2) el conjunto de la

Plaza Garibaldi (con el Museo del Tequila,

el Mercado San Camilito y la Academia del

Mariachi); el Corredor peatonal Madero, la

Page 103: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 103

Azotea Verde y el remozamiento de la Av.

Juárez y la Alameda Central, la Av. Pino Suarez

y la Plaza Tlaxcoaque. Todos ellos en el centro

histórico.

• en Quito: 1) la construcción del Bulevar

Avenida Naciones Unidas con la ampliación

y mejoramiento del espacio público, lo que

recupera el prestigio de ese sector; 2) la

creación de la Plaza Cultural Quitumbe en

el Sur de la Ciudad; 3) el remozamiento

de la Av. Napo, en la zona centro sur; y 4)

el mejoramiento del espacio público y la

infraestructura de La Mariscal Sucre, un barrio

turístico y de servicios.

• en Buenos Aires y la Ciudad de México las

autoridades sobre el espacio público también

rescatan o mejoran los llamados “Bajo puente”

o “Pasos bajo nivel” con iluminación, cámaras

de video seguridad y pintura antigrafiti.

• en Quito esa autoridad es la encargada de la

administración de los 9,762 estacionamientos

concesionados o privados del área central,

mientras que en la Ciudad de México la

autoridad es la responsable de la instalación de

parquímetros en algunas colonias centrales de

clase media y alta.

En las tres ciudades se promueve

la realización de exposiciones y eventos

culturales al aire libre en los espacios públicos

remozados, creados o ampliados (esculturas

urbanas, pinturas, murales, etc.). Igualmente en

Buenos Aires se realizó en 2011 el Encuentro

Internacional Street Art y en la Ciudad de

México ese mismo año se realizó una actividad

similar a la que acudieron los más famosos

grafiteros, stencileros y muralistas del mundo.

Es curioso como el concepto de grafiti tiende

a ser, o ha sido, sustituido por el de murales,

esténciles, Street Art y Urban Art.

A s i m i s m o , e s e v i d e n t e q u e e l

remozamiento o creación de espacios públicos

privilegia selectas áreas urbanas centrales,

sobre todo en la Ciudad de México, en donde

prácticamente toda la intervención pública

se concentra en la parte “bonita” del centro

de la ciudad, donde viven o consumen las

clases medias y altas. Con ello, se fortalece

el patrón de segregación funcional y social

de la ciudad. En cambio, en Quito y Buenos

Aires hay obras simbólicas y puntuales que

se han realizado en zonas populares como el

parque Indoamericano (así sea para ocupar

políticamente un territorio invadido en 2010

por personas sin techo) y la Plaza Quitumbe

respectivamente.

Un último aspecto que me interesa

destacar es el discurso de los alcaldes y

gobiernos locales sobre el espacio público, así

como los eslóganes que usan y responden a

campañas de marketing:

• Macri habla de que "El espacio público

(…) es el lugar más democrático y el que más

necesitan los que menos tienen" y señala

que “El Parque [Indoamericano] recupera su

razón de ser: un espacio público de todos y

para todos”. Fuente: GCABA: Comunicado del

13/2/2013.

• El anterior alcalde de la Ciudad de

México, Ebrard, decía que “El espacio público

permite reducir la segregación que produce

la economía”, pero que en el centro histórico

“no se permitirá que haya vendedores

ambulantes, porque el espacio público es lo

que nos hace ciudadanos y nadie tiene derecho

a apropiárselo por ningún motivo”. Fuente: La

Jornada 19/7/2012.

• Por su parte, el gobierno local de Quito dice

que genera y recupera espacios públicos en la

Page 104: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014104

ciudad (aunque además del megaproyecto

de la Avenida Naciones Unidas sólo ha

emprendido dos más, de menor dimensión e

inversión) para disminuir los desequilibrios

urbanos acercando los equipamientos y

servicios a la ciudadanía.

Market ing urbano, es lóganes de

gobierno: El Gobierno de Macri agrupa, bajo

el eslogan de Ciudad Verde, varios de los

programas públicos aquí referidos, mientras

que en toda la publicidad y difusión de los

programas y políticas de gobierno usa En todo

estás Vos. Ambos eslóganes son muy parecidos

a los que el actual y el anterior gobierno de la

Ciudad de México usaban y usan:

• Marcelo Ebrard (2006-2012) usaba un

anodino eslogan de gobierno “Ciudad en

Movimiento”, tal vez en abierta oposición al

de su antecesor López Obrador (2000-2006)

que usaban “La ciudad de la esperanza”, pero

en cambio su eslogan de desarrollo urbano era

“competitivo, equitativo y sustentable”.

• por su parte, el actual alcalde, Miguel

Ángel Mancera (2012-2018), usa como eslogan

de gobierno “Decidiendo juntos” y para el

desarrollo urbano el de “Ciudad compacta”.

Es evidente que los eslóganes de

gobierno se amparan en las ideas de la

atención y participación ciudadana; y los

de desarrollo urbano en el tema de la

sustentabilidad urbana, el urbanismo verde y

el desarrollo urbano intensivo. Sin embargo,

se trata de meros discursos que no resisten la

mínima prueba de la participación ciudadana

y del desarrollo urbano sustentable, pues a

menudo bajo estos emblemas se practican

políticas públicas en sentido contrario.

Programas de mejoramiento de barrios

Los programas de Mejoramiento de Barrios

se remontan a las décadas de 1960 y 1970,

cuando los gobiernos de diversas ciudades

latinoamericanas recurrieron a la regularización

de asentamientos informales y posteriormente

introducían infraestructuras y otras medidas de

saneamiento. Sin embargo, la versión actual de

esta política focalizada se remonta a la década

de 1980. El BID es un activo agente que desde

la década de 1980 ha otorgado créditos para

el mejoramiento barrial (hasta 2008 había

financiado 37 proyectos de mejoramiento

barrial en 13 países) con el propósito de

garantizar la gobernabilidad urbana, evitar

conflictos sociales y combatir la pobreza (Rojas,

2009).

En Argentina, Ecuador y México es

evidente el papel protagónico del BID,

institución que otorgó el primer crédito para

este propósito a Chile en 1986 y cofinanció el

emblemático programa Favela Bairro desde

1995. Esta política focalizada, en términos

sociales y territoriales, pretende integrar física

y socialmente los asentamientos populares a

la ciudad a través de un conjunto de acciones

físicas, jurídicas y sociales, entre las que

destacan: la dotación de infraestructuras, la

recuperación de áreas medioambientalmente

degradas o no urbanizables; la regularización

de la tenencia de la vivienda (esto no aplica en

muchas ciudades); y la introducción de servicios

sociales y comunitarios. Los programas de más

reciente generación también han pretendido

incorporar medidas para reducir la violencia

y combatir la inseguridad pública. Asimismo,

Page 105: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 105

se ha pretendido incidir en la economía local,

a través de la creación de empleos; facilitar el

acceso a créditos a través de la regularización

de la propiedad inmueble; y eliminar el estigma

socio espacial a través del acceso a una

dirección y a un barrio formal.

E n A r g e n t i n a e l P r o g r a m a d e

Mejoramiento Barrial (PROMEBA I) data de

1996 y una segunda fase (PROMEBA II) se

realizó a partir de 2007. Este programa no ha

operado en Buenos Aires, tal vez porque la

dimensión de la problemática constituida por

las llamadas Villas Miseria es insignificante

comparada con la de las otras 19 provincias

argentinas, o bien porque no ha habido la

intención de reconocer esos asentamientos

informales. En cambio, en Ecuador y México

esa política se remite apenas al siglo XXI con

los programas de Apoyo al Sector Vivienda

(2002) y de Mejoramiento Integral de

Barrios (2007); y Hábitat I (2003) y Hábitat II

(2007) respectivamente. En ambos casos, los

asentamientos informales están excluidos de

esta política pública. En la capital mexicana

ese programa nacional financiado por el BID

no opera, porque un gobierno de izquierda

“no trabaja” con instituciones neoliberales.

Sin embargo, como se verá enseguida, no

hay diferencia alguna entre las políticas de

mejoramiento barrial financiadas por el BID

y el Programa Comunitario de Mejoramiento

Barrial que desde 2007 y desde la “izquierda”

se opera en la capital mexicana.

En e fec to, los bar r ios pobres y

marginados de Quito y la Ciudad de México se

deben organizar para competir por los recursos

públicos para mejorar sus barrios. En la Ciudad

de México en seis años se atendió a 981

barrios (la tercera parte de los 3,328 barrios

que compitieron para ganar los recursos

públicos) y los programas de mejoramiento

de la imagen urbana abarcaban el 40% de

los barrios atendidos (pintura de fachadas);

la construcción o rehabilitación de espacios

comunitarios alcanzaba una cuarta parte

(25%); y el mejoramiento de diversas áreas

comunes y jardines constituían el resto (22%).

Se trata de nobles pero insuficientes

políticas públicas que son definidas como

universalistas, pero tienen una forma de

operación focalizada. Los barrios pobres deben

organizarse y concursar por la obtención de

fondos públicos, y los escasos recursos se

reparten entre el mayor número posible de

población y de barrios. En este sentido hay una

serie de preguntas sin respuesta: ¿Se atiende

a la población más pobre o los beneficios

son capturados por los menos pobres? ¿La

población más pobre tiene capacidad de

organizarse y concursar un proyecto?

Algunas conclusiones

Para una agenda sobre la teoría urbana en América Latina

Este artículo ha pretendido modestamente

contribuir a la apertura de una línea de

investigación sobre la circulación de las

políticas urbanas recientes que de manera

simultánea o diacrónica se están reproduciendo

en diversas ciudades de América Latina. Aunque

este artículo se limita a la comparación de tres

tipos de políticas urbanas que se realizan en

tres ciudades, sabemos que estas políticas se

reproducen, recrean, adoptan y adaptan en

Page 106: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014106

muchas ciudades de la región. Ello representa

un desafío y una línea de trabajo para futuras

investigaciones comparadas.

La circulación de ideas y políticas

urbanas se ha intensificado merced a la

propagación de las nuevas tecnologías de

las telecomunicaciones y a la multiplicación

de los intercambios, reales y virtuales, entre

gobernantes, académicos, estudiantes y

profesionistas de diversas ciudades, en

múltiples escalas: sur-sur, norte-sur, sur-norte,

etc. Hasta donde alcanzamos a ver la actual

circulación de paradigmas y políticas urbanas

ocurre en múltiples escalas y en dos circuitos

de manera simultánea y yuxtapuesta:

• un circuito hegemónico y bien neoliberal,

promovido por gobernantes, consultores y

agencias de desarrollo internacional,

• un conjunto de redes alternativas promovido

por gobernantes y académicos críticos,

organismos civiles y sociales, que lejos de la

doctrina neoliberal, y con una actitud universal

y abierta al mundo, aprenden de experiencias

foráneas (locales, regionales e internacionales)

para intentar confrontar de mejor manera los

desafíos urbanos del siglo XXI y las necesidades

de la mayoría de nuestra población.

En el primer caso destaca el papel

desempeñado por el BID que promueve

la reproducción de lo que esa institución

considera como “buenas prácticas” en otras

ciudades y países de la región, como es el caso

de los programas de mejoramiento de barrios.

También destaca el papel de los consultores

catalanes en la elaboración de un conjunto

de planes estratégicos para distintas partes

de diversas ciudades (así por ejemplo, el libro

de Borja y Castells (1997), contiene varios

recuadros que sintetizan la labor de estos

consultores en ciudades como Bogotá, Rio de

Janeiro y Buenos Aires.

En el segundo caso pueden citarse

por ejemplo el papel de la Secretaría

Latinoamericana de la Vivienda y el Hábitat

Popular (SELVIHP), institución creada a fines

del siglo XX por un conjunto de organismos

soc ia les, que constantemente rea l iza

intercambios en materia de experiencias

autogestivas entre sus socios miembros de

Brasil, Argentina, Uruguay, Chile y Paraguay.

Sobre la circulación histórica y actual

de paradigmas urbanos entre América Latina

y Europa y Norteamérica se han realizado

varios y muy ricos trabajos (Almandoz, 2002;

Golda, 2007; Hardoy, 1995; Jajamovich, 2013;

Queiroz y Pechman, 1996; etc.). Sin embargo,

consideramos que tenemos pendiente la

realización de investigaciones que den cuenta

cómo han circulado las políticas urbanas y

las aportaciones teóricas latinoamericanas

en la misma región. No conocemos trabajos

que de manera comparativa que presenten

un conjunto de programas urbanos surgidos

en el sur que se han propagado en el mismo

sur y en el norte, como la política de vivienda

social chilena, los presupuestos participativos

brasileños, el Metrocable de Medellín y el

Metrobus de Curitiba.

¿Izquierda y derecha? ¿Neoliberal anti neoliberal?

Este trabajo no está en condiciones de

responder fehacientemente a una de las

preguntas planteadas en la introducción ¿Qué

es lo que hace que alcaldes y gobiernos locales

con orientaciones políticas tan diferentes

Page 107: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 107

ejecuten el mismo tipo de políticas urbanas?

¿La misma visión pragmática, coincidencia

política, coacción económica, una ideología

dominante? Consideramos que para responder

a estas preguntas tendríamos que realizar una

investigación en profundidad que en lo posible

abarcara la entrevista con los gobernantes, los

tomadores de decisiones y los promotores de

esas políticas. Dicho análisis podría abarcar

algunos aspectos biográficos relevantes, como

dónde estudiaron o dónde conocieron las

políticas urbanas que se adoptan. No obstante,

a manera de hipótesis, estamos de acuerdo

con Pradilla (entrevistado por Delgadillo,

2013) cuando sostiene que las “mismas”

políticas urbanas y similares megaproyectos

urbanos son reproducidos en distintas ciudades

latinoamericanas por gobiernos con distintas

ideologías y orientaciones políticas por tres

razones fundamentales: 1) después de la

caída del socialismo real se ha perdido la raíz

ideológica y el pensamiento neoliberal se ha

convertido en un pensamiento hegemónico del

cual se alimenta la mayoría de las tendencias

políticas actuales, 2) la falta de conocimiento y

de ideología en muchos gobernantes y políticos

les impide establecer las diferencias, 3) el

pragmatismo ha reemplazado el conocimiento,

de igual forma que la planeación estratégico y

los megaproyectos (que tienden a sustituir a la

planeación urbana tradicional), se concentran

en algunas partes de la ciudad y no en el todo

de la ciudad.

En este artículo, a partir de este análisis

sesgado y preliminar, es curioso constatar como

las orientaciones políticas que se sostienen en

el discurso poco tienen que ver con la praxis.

Así por ejemplo:

• el gobierno de la Ciudad de México que se

autodefine como de izquierda y anti neoliberal,

es más neoliberal que el conservador gobierno

de Buenos Aires. La Ciudad de México

es la única de las tres ciudades que tiene

concesionado el sistema de transporte de

bicicletas y de cobro de parquímetros. En esta

ciudad, a pesar del discurso universalista,

igualitarista y de izquierda, el programa de

mejoramiento barrial actúa de facto con las

reglas de operación del BID sin deberle crédito

alguno: mejoramiento de barrios a través de

concursos, hacer más (mejoramientos) con

menos (presupuesto), etc.

• la correlación de fuerzas polít icas

locales en Buenos Aires no han permitido al

conservador Jefe de Gobierno privatizar el

servicio de transporte público en bicicleta.

Mientras que en Quito el sistema de transporte

público en bicicleta es controlado y subsidiado

por el gobierno local.

La modernización selectiva de privilegiados territorios céntricos

Las tres ciudades concentran la mayor cantidad

de sus inversiones y proyectos emblemáticos

en las partes centrales de la ciudad, donde

viven y/o consumen la clase media y media

altas: los centros de negocios, centros y barrios

históricos. Allí, se remoza, recrea y amplía el

espacio público urbano, que además 1) se llena

de actividades culturales y posibilidades lúdicas

para atraer a más población; y 2) es objeto de

nuevas y fuertes medidas de seguridad pública

para prevenir y combatir cualquier tipo de

delitos.

Page 108: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014108

En estos lugares, bellos, vibrantes,

higiénicos y seguros las 24 horas del día

parece cumplirse la utopía de la equidad social

y territorial; el derecho a una ciudad segura y

saludable donde coexisten respetosamente

las diferentes culturas, etnias y género (como

dice la propaganda en Quito); el lugar donde

se democratiza la cultura con las exposiciones

y espectáculos culturales abiertos y gratuitos

al aire libre; y el sitio donde se encuentran los

colectivos locales, nacionales y extranjeros en

sus facetas de trabajo, estudio o recreación.

Sin embargo, en dichos lugares no caben las

prácticas económicas de los desempleados

y subempleados que representan una gran

cantidad de nuestras ciudades, quienes

se dedican al comercio ambulante, a los

servicios informales y a otras actividades

“inadecuadas” para la dignidad de dichos

espacios urbanos.

La inversión pública no sólo mejora y

amplía los espacios públicos en las áreas más

rentables y visibles de las tres ciudades, sino

que revaloriza la propiedad privada, pero dicha

inversión pública no es recuperada. Además,

al no realizarse este tipo de acciones públicas

(ni en su dimensión física ni económica) en

espacios públicos en los barrios populares

ni en las periferias distantes dichas acciones

contr ibuyen a la profundización de la

segregación social y espacial de la ciudad.

• Espacios públicos en barrios en barrios

populares se realizan de manera muy puntual

en Buenos Aires (parque Indoamericano) y

Quito (Plaza Quitumbe).

• En la Ciudad de México no se realiza (ni

siquiera como alibi) ninguna acción de espacio

público en las periferias distantes ni en los

barrios populares céntricos.

Ello demuestra una vez más que de

nada sirve autonombrarse como gobierno de

izquierda y apostar por una ciudad igualitaria,

cuando en los hechos se refuerza la histórica

segregación socioespacial, las grandes

inversiones públicas se concentran en las

partes privilegiadas de las ciudad y se sigue

condenando a la periferia a la ausencia de la

inversión pública.

Victor DelgadilloUniversidad Autónoma de la Ciudad de México, Colegio de Humanidades y Ciencias Sociales, Academia de Ciencia Política y Administración Urbana. Ciudad de México, Mé[email protected]

Page 109: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 109

Notas

(1) Se trata de obras que mejoran el espacio público y la imagen urbana con el propósito de atraer inversión local e internacional.

(2) En gran medida esta experiencia fue difundida por el exilio uruguayo, es decir por los coopera vistas perseguidos por la dictadura militar.

(3) Las coopera vas Guerrero y Palo Alto en el centro y la periferia urbana respec vamente.

(4) Moscato (2000) da cuenta del rechazo de los gremios de profesionales argen nos a la inicial propuesta catalana, por lo que se organizó un concurso público local para defi nir el plan urbano defi ni vo.

(5) Esta ac tud no es exclusivamente “un problema la noamericano”. Inves gadores de Europa también recurren a la “importación” de conceptos en boga. Recientemente en Francia se puso de moda el concepto del gueto estadounidense para intentar “explicar” la problemá ca de sus barrios étnicos problemá cos ubicados en las periferias urbanas (Wacquant, 2010).

(6) No resulta ocioso mencionar un ejemplo: en julio de 2013 estudiantes españoles que volvieron a Madrid después de una estancia de intercambio en Buenos Aires, sostenían que la capital porteña con la realización de Puerto Madero se estaba “desla noamericanizando”.

(7) Estas ac vidades pueden ser (co)fi nanciados por las embajadas de países amigos.

(8) No se necesita des nar el 17% del presupuesto público territorial como ocurre en Porto Alegre, puede ser el 3% – como se hace en la Ciudad de México – o hasta menos, cuando el obje vo es hacer creer a la población que realmente “par cipa” en la defi nición de lo público y de la polí ca pública territorializada.

(9) Merino (2010) presenta un estado desastroso del espacio público en México: el espacio público electoral ha sido debilitado por los par dos polí cos y los poderes fac cos; el espacio público mediá co es dominado por dos televisoras privadas; la economía mexicana (lejos de ser el lugar del intercambio y la producción) está marcada por la voracidad de los oligopolios; la clase polí ca actúa en su propio benefi cio. Por ello, Merino sos ene que el espacio público en México es un territorio secuestrado y excluyente. Aquí, los contenidos del espacio público no son negociados, sino que se han vuelto un negocio.

(10) Delgado demuestra que el espacio público es un concepto reciente que en las décadas de 1960 a 1980 casi no era u lizado. Ni Jane Jacobs, ni Jordi Borja, ni Henry Lefebvre usaban este concepto, y cuando lo mencionaban lo hacía como sinónimo de plaza y calle.

Page 110: Cadernos Metrópole 31. -

Victor Delgadillo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014110

Referências

AEP – AUTORIDAD DEL ESPACIO PÚBLICO (2012). Ciudad de México, Espacio Público 2009-2012. México DF, AEP-GDF.

ALMANDOZ, A. (coord.) (2002). Planning La n America´s Capital Ci es, 1850-1950. Londres, Routledge.

ATKINSON, R. e BRIDGE, G. (coords.) (2005). Gentrification in a Global Context: the new urban colonialism. Oxon, Routledge.

BÄHR, J. e MERTINS, G. (1995). Die Lateinamerikanische Gross-Stadt, Verstädterungsprozesse und Stadtstrukturen. Darmstadt, Wissehnscha liche Buchgesellsha .

BORJA, J. (2003). La ciudad conquistada. Madri, Alianza Editorial.

BORJA, J. e CASTELLS, M. (1997). Local y global, la ges ón de las ciudades en la era de la información. Madri, UNCHS/Taurus.

DELGADILLO, V. (2011). Patrimonio histórico y tugurios: las polí cas habitacionales y de recuperación de los centros históricos de Buenos Aires, Ciudad de México y Quito. México, UACM.

______ (2013). América La na Urbana: la construcción de un pensamiento teórico propio. Entrevista con Emilio Pradilla Cobos. Andamios, Revista de Inves gación Social, v. 10, n. 22, pp. 185-201.

DELGADO, M. (2007). La Ciudad Men rosa, fraude y miseria del “modelo Barcelona”. Madri, Los Libros de la Catarata.

______ (2011). El espacio público como ideología. Madri, Los Libros de la Catarata.

GCABA – Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires (2012). Bole n del 22/6/2012. Disponível em: h p://www.365buenosaires.com/buenos-aires-en-bicicleta_nota820.html

______ (2013). Espacio público en Buenos Aires.Disponível em: h p://www.buenosaires.gob.ar/areas/med_ambiente/. Acesso em: 31 out 2013.

GILBERT, A. (1997). La ciudad la noamericana. México, Siglo XXI.

GOLDA, K. (2007). Retracing a relation: Barcelona´s Role as Urban Model for Ibero-American Metropolises – Limas a Case Study. Trialog 93. Darmstadt, pp. 4-11.

GORMSEN, E. (1981). Die Städte in Spanischen Amerika; ein zeit-räumliches Entwicklungsmodell der letzten hundert Jahren. Erdkunde, Band 35. Bonn, pp. 290-303.

______ (1989). La rehabilitación de centros históricos en ciudades de América La na y de la península ibérica. Revista Interamericana de Planifi cación. Guatemala, v. XXII, n. 87 e 88, pp. 233-252.

HARDOY, J. (1995). Teorías y prác cas urbanís cas en Europa entre 1850 y 1930. Su traslado a América La na. Dana, n. 37/38, pp. 12-30.

HOFFER, A. (2003). Karl Brunner y el urbanismo europeo en América La na. Bogotá, El Áncora Editores/ Corporación La Candelaria.

JAJAMOVICH, J. (2013). Miradas sobre intercambios internacionales y circulación intenacional de ideas y modelos urbanos. Andamios, Revista de Inves gación Social, v. 10, n. 22, pp. 91-112.

MERINO, M. (coord.) (2010). ¿Qué tan público es el espacio público en México? México, FCE/Conaculta/UV.

Page 111: Cadernos Metrópole 31. -

Urbanismo a la carta

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 111

Texto recebido em 20/ago/2013Texto aprovado em 30/set/2013

MOSCATO, J. (2000). “El proceso de reconversión de Puerto Madero en Buenos Aires”. In: GUTIÉRREZ, R. (coord.). La otra arquitectura: ciudad, vivienda y patrimonio. México, Conaculta.

PUIG, T. (2009). Marca Ciudad, cómo rediseñarla para asegurar un futuro espléndido para todos. Buenos Aires, Paidos.

QUEIROZ, L. R. e PECHMAN, R. (orgs.). (1996). Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

RABOTNIKOF, N. (2010). “Discu endo lo público en México”. In: MERINO, M. (coord.) ¿Qué tan público es el espacio público en México? México, FCE/Conaculta/UV.

RÍOS, C. (ed.) (2008). Carlos Contreras. Revista Planifi cación 1927-1938. Tres Tomos, 27 números (1ª edición en versión digital). México, Facultad de Arquitectura UNAM.

ROBINSON, J. (2009). Ordinary Ci es. Londres, Routledge.

ROJAS, E. (ed.) (2009). Construir ciudades, mejoramiento de barrios y calidad de vida urbana. Washington DC, BID.

ROJAS, E. e De MOURA, C. (1999). Préstamos para la conservación del patrimonio histórico urbano, desa os y oportunidades. Washington DC, BID – Departamento de Desarrollo Sostenible.

ROJAS, E.; RODRIGUEZ, E. e WEGELIN, E. (2004). Volver al Centro, la recuperación de las áreas urbanas centrales. Washington DC, BID.

SALAZAR, D. (2011). Quito un nuevo Modelo de ciudad. Folleto promocional. Trama Ediciones.

WACQUANT, L. (2010). Las dos caras de un gueto. Ensayos sobre marginalización y penalización. Buenos Aires, Siglo XXI.

Page 112: Cadernos Metrópole 31. -
Page 113: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014

Enfoques teóricos y usos políticosdel concepto de espacio público

bajo el neoliberalismo en la ciudadde Cuernavaca, México

Theoretical frameworks and political uses of the concept of public space under neoliberalism in the city of Cuernavaca, Mexico

Carla Alexandra Filipe Narciso

AbstractIn the construction of the neoliberal cit y, public space has become a central concept with widespread use in academic and political discourses and agendas. Its utilization has become polysemic, ideological, and even highly idealized when it comes to legitimizing the capitalist management of cities and hiding the social inequalities that generate such interventions. What is the use of the concept of public space to the State and to neoliberal governments and how do they use it? The answer to this question is developed throughout the paper through a qualitative study whose methodology is to understand and interpret in order to transform (Massey, 1984).

Keywords: public space; neoliberal government; political ideology; social differentiation, socio-territorial relations.

ResumenDentro de la construcción de la ciudad neoliberal,

el espacio público se ha convertido en un concepto

central y de uso generalizado en los discursos

y las agendas académicas y políticas. Su uso se

ha tornado polisémico, ideologizado e incluso

altamente idealizado cuando se trata de legitimar

la ordenación capitalista de las ciudades y de

ocultar las desigualdades sociales que generan

dichas intervenciones. ¿Cómo y para qué sirve al

Estado y a los gobiernos neoliberales el concepto

de espacio público? La respuesta a esta pregunta

se desarrolla a lo largo del documento a través de

un estudio de carácter cualitativo cuya metodología

es comprender e interpretar para poder transformar

(Massey, 1984).

Palabras claves: espacio público; gobierno

neoliberal; ideología política; diferenciación social;

relaciones socioterritoriales.

Page 114: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014114

Introducción

El estudio del espacio público ha sido en los

últimos años un tema de persistente debate

entre diversas disciplinas, sin embargo,

en él se mantiene una cierta confusión en

relación con su significado y dimensión, ya

que comúnmente se refiere a una extensión

abstracta de uso común con el que se designa

espacio político, opinión pública, vida pública,

ciberespacio, dominio público y espacios físicos,

en el caso concreto a describir, las plazas.

La evolución conceptual de los conceptos

mencionados ha dado como resultado el que

sean tratados como sinónimos dentro de un

marco neoliberal, es decir, hablar de plaza es

lo mismo que hablar de dominio público o

espacio democrático de la toma de decisiones

de la comunidad. Sin embargo, hay que tener

en cuenta que la selección léxica que se haga

no es neutral, está repleta de significados,

ideologías y de legitimización social de los

mismos poderes gubernamentales. Esa inercia

abstracta del concepto procura justificar las

intervenciones del gobierno que no hacen

más que aumentar las desigualdades sociales

a través de una deformación u ocultamiento

de la realidad que hace creer a las clases

dominadas que participan del mismo modo en

la sociedad, mientras las hegemonías se van

tornando cada vez más fuertes. Como comenta

Delgado (2011, p. 25), “(…) la dominación no

solo domina, sino que también dirige y orienta

moralmente tanto el pensamiento como la

acción sociales”. Lo preocupante es que la

validez de estos discursos está respaldada por

la misma academia y viceversa, así como de

organizaciones nacionales e internacionales.

Pero, ¿cómo viven y entienden las

poblaciones estos espacios ideológicos?,

¿cuál es la relación entre la forma de las

relaciones socio-territoriales y las nociones de

espacio público que construyen los agentes,

enfatizándose el uso y apropiación que se

desarrolla en los lugares, así como la percepción

que de estos se derivan de forma conjunta y

complementaria en la ciudad de Cuernavaca?

Estas preguntas orientan el presente trabajo,

justif icado por el conocimiento sobre el

espacio público de Cuernavaca y cómo este

fue rompiendo y cuestionando con ideas y

teorías predeterminadas que no se aplican al

espacio en estudio y cuya definición puede

estar conformada por distintos supuestos

teóricos asociado a diferentes factores, en la

mayoría de los casos, contextos abstractos

y homogéneos. Así, ¿cómo ubicarse fuera de

los cánones producidos para pensar de otra

forma el espacio público? Nuestro objetivo

es generar conocimiento y teoría a partir del

caso empírico de Cuernavaca, a partir de los

agentes que usan, perciben y se apropian del

espacio público.

En esta labor asumimos el concepto de

lugar como lugar de identidad y de percepción,

pero también como una integración de

espacio y tiempo, como un tejer de historias

en proceso, como un momento dentro de las

geometrías del poder y, en proceso, una tarea

inacabada (Massey, 2008). Además, si es una

tarea inacabada y en contante construcción,

¿cómo se puede seguir hablando de un espacio

público en abstracto y que se territorializa de

la misma forma en cualquier contexto? Es esa

misma concepción del espacio público y como

se ha viniendo construyendo que hace que

se haya tornado un blanco por excelencia del

Page 115: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 115

poder político, ya que su carácter impreciso y

mítico lo ha convertido en un discurso repleto

de ideales e ideologías.

El trabajo se estructura en cinco partes:

en la primera, haremos un breve recurrido por

la evolución conceptual del espacio público y

su correlación con la construcción histórica en

la ciudad de Cuernavaca; en la segunda parte

concretamos el análisis a partir de la nueva

corriente neoliberal y cómo se manifestó en

la ciudad; la tercera parte se dedica a analizar

las relaciones que los agentes construyen

en los lugares concretos a partir de sus

prácticas cotidianas; posteriormente, en la

cuarta parte, analizamos la forma en que los

agentes perciben y representan el concepto;

finalmente, ponemos a discusión esa relación

con el poder político.

La contracara de la concepción teórica del espacio público en la ciudad de Cuernavaca

Tradicionalmente, el espacio público fue creado

o definido como lugar de expresión política

y social, de interacción y modos de la vida

cotidiana de una sociedad, que se expresaba

igualitaria desde una perspectiva teórica. Este

marco de análisis surge en la modernidad a

partir de los escritos filosóficos de Habermas

(1984) y Arendt (1972) que cuestionan la

dimensión pública y privada (esfera pública)

del espacio público y que, posteriormente, se

ha tornado en uno de los principales marcos

para su discusión. A pesar de que estos autores

no hayan discutido el desarrollo del concepto

de espacio público como tal, la conformación

histórica con la que analizan la esfera pública

se volvió un sello imperativo en el análisis

del concepto como espacio de la ciudadanía

y de la expresión igualitaria del poder y de

los derechos comunes. Habermas (1984) y

Arendt (1972) retoman la esfera pública y

privada de la civilización romana y griega

respectivamente, configurados a partir del

ágora y el fórum, donde el ciudadano libre y

los señores feudales ejercían su poder. Arendt

(1972) define el espacio público a partir de una

concepción de carácter más simbólico como

el espacio de las apariencias, la expresión de

modos de subjetivación no identitarios, en

contrapunto a los territorios familiares y de

identificación comunitaria, pero donde rige la

libertad y la igualdad. Habermas (1984), por su

parte, define lo público como consecuencia y

prolongamiento de las relaciones económicas;

como el dominio histórico construido a partir

de la controversia democrática y finalmente

como el espacio de uso libre y público de la

razón. La postura de Habermas fue tomada

de Kant que defendía que el espacio público

estaba en el corazón del funcionamiento

democrático, así como la esfera intermedia que

se constituyó históricamente, en el período de

las Luces, entre la sociedad civil y el Estado.

Entonces, el espacio público sería el lugar

accesible a todos los ciudadanos, donde el

público se reunía para formular una opinión de

forma democrática. La posición de Habermas

lleva a la construcción de un espacio público

idílico que supone la existencia de individuos

más o menos autónomos, con capacidad de

formar una opinión propia, no “alienados a

los discursos dominantes”, acreditando en

las ideas, argumentos y no solamente en la

confrontación física. En este contexto, el espacio

Page 116: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014116

público sería la autenticidad de las palabras

que se impone sobre la de los muros, de las

vanguardias y de los sujetos de la Historia; la

idea de un reconocimiento del otro y no su

reducción al estado de “sujeto alienado”; el

reconocimiento del otro como igual y no como

diferente, lo que irreflexivamente marcaba las

pautas de definición entre público y privado.

Parece ser, en efecto, que era la

redefinición de lo privado lo que permitía

al espacio público diseñarse y afirmarse, en

contrapunto, pero siempre en función de

grupos hegemónicos. La definición de los

límites entre los espacios públicos y privados

era clara y acentuada por el uso de clase, factor

que, de acuerdo a algunos autores, parece

que se ha perdido en varios momentos de la

historia. ¿Será que realmente se ha perdido o

es un elemento que efectivamente lo define?

Las aportaciones de Habermas (1984) y Arendt

(1972) y su marco de análisis entre esfera

pública y privada hacen que, a partir de los

años setenta aproximadamente, el análisis

político del espacio público se popularice y

gane especial relevancia en su teorización. Lo

anterior ha llevado a la acepción de espacio

público como aquel que, adentro del territorio

urbano tradicional, sobre todo en las ciudades

capitalistas, donde la presencia del sector

privado es predominante, es del uso común y

posesión colectiva, pertenece al poder público

y como tal existe para el uso común donde

todos tienen derecho.

Esta imagen idealizada de un espacio

público moderno se ve afectada por diversos

cambios urbanos, sobre todo desde una

lógica neoliberal que acentuó procesos de

fragmentación y privatización. A partir de esto,

desde diferentes latitudes geográficas autores

como Sennett (1978); Borja (2003); Giglia

(2003); Zukin (2010) y Ramírez Kuri (2009)

empiezan a reivindicar el espacio público

como construcción social y como elemento

activo en la comprensión de las relaciones

y prácticas sociales en que se especializan,

transformando tanto la estructura, la forma y la

imagen urbana como las actividades humanas

y el significado de la ciudad vivida por grupos y

actores sociales diferentes.

Las aportaciones de estos últimos

autores surgen de la confrontación con la

planificación y su cambio de intervención

funcional a intervención espectáculo y

monumental, sumándose aquí la proliferación

de los centros comerciales, condominios

cerrados, pero también por la implementación

de políticas urbanas que fomentan los grandes

proyectos de renovación que han originado

una pérdida de la identidad y sociabilidad,

la generación de procesos de exclusión, la

privatización de la vida urbana y la desigualdad

social (Caldeira, 2007; Low, 2005) despuntando

la crisis y muerte del espacio público (Borja,

2005; Davis, 1992; Sorkin, 2004; Duhau y

Giglia, 2008). Sin embargo, esta crisis se

ha cuestionado en el sentido que algunos

rasgos de la sociedad actual ya se observaban

en la sociedad moderna: la desigualdad

social, la segregación y fragmentación

urbana. ¿Entonces, hasta qué punto estas

transformaciones urbanas han detonado

una crisis del espacio público?, ¿cuáles son

los objetivos de estas transformaciones y su

relación con la modernidad? Lo que podemos

afirmar es que este tipo de transformaciones

urbanas son resultado de un amplio proceso de

reproducción de las relaciones de producción

capitalistas y de la necesidad del capital en

Page 117: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 117

generar excedente. En la modernidad podían ya

observarse, pero con otros matices.

Lo que nos parece pertinente considerar

es el supuesto desde el que dirigimos la

investigación: más que una crisis del espacio

público hubo dos transformaciones clave, por

un lado, una refuncionalización a partir de las

nuevas estructuras urbanas controladas por

nuevos agentes como el poder municipal y el

mercado; y, por el otro, una resignificación

a partir del momento que el espacio público

se asume como un producto que puede ser

comercializado desde el ideario de las clases

hegemónicas.

Ahora, esta crisis del espacio público

levantó diversos cuestionamientos sobre su

papel en la ciudad y el debilitamiento de los

espacios de formación de la sociedad, de

inclusión social, de accesibilidad y movilidad

que se estaban generando. Se empezó,

entonces, a problematizar a nivel mundial

sobre la importancia de espacios dignos

para la convivencia y calidad de vida en

condiciones de igualdad, es decir, sobre la

cuestión del derecho al espacio público como

un derecho humano.

Hablar del derecho al espacio público

es hablar de los atr ibutos tangibles e

intangibles del espacio público que han

sido defendidos por diversos autores e

instituciones (DGOTDU – Direcção Geral do

Ordenamento do Território e Desenvolvimento

Urbano, 2008; www.pps.org; Unesco) como

la accesibilidad, el confort, la buena imagen

y el entorno amigable, perspectiva asociada

en cierta medida a arquitectos y urbanistas.

Entonces, si el adjetivo público evoca a una

accesibilidad generalizada e irrestricta, un

espacio accesible a todos debe significar

algo más que simple acceso físico a espacios

abier tos de uso colectivo, debe ser un

componente fundamental para la organización

de la vida colectiva (integración, estructura)

y de representación (cultura, política) de la

sociedad que construye su razón de ser en la

ciudad. Por otra parte, el segundo atributo que

se defiende como el derecho al espacio público

es el derecho a espacios públicos confortables

y con buena imagen1 que promuevan la

inclusión social (Carrión, 2007) aunque se

pueda generar segregación social porque los

espacios bonitos son para las zonas de ingresos

medios/altos y para las zonas de ingresos

bajos, “cualquier cosa sirve”. Estas alocuciones

denotan cierta ambigüedad y recaen sobre

clichés preestablecidos y homogéneos propios

de un discurso neoliberal.

La componente idílica transversal al

espacio público heredada de la modernidad

se empieza a cuestionar desde diferentes

posiciones académicas ya que el neoliberalismo

lo va a d e tona r como un e l emento

estructurador y vertebrador del territorio de

la ciudad, entendido como el espacio físico y

las funciones urbanas que en él se procesan. El

espacio público moderno era una garantía de

las continuidades que incluía en la ciudad las

áreas segregadas y acercaba la periferia con el

centro. En estos discursos, el espacio público

surge como el espacio por excelencia de y en

la ciudad, es el espacio en el cual se conoce

la ciudad, capaz de producir ciudad y generar

integración social (Carrión, 2007; Borja, 2003;

Ramírez Kuri, 2009; Jacobs, 1992).

Borja (2003) explica que los valores

vinculados a la ciudad – libertad y cohesión

social, protección y desarrollo de los derechos

individuales y expresión y construcción

Page 118: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014118

de identidades colectivas, de democracia

participativa y de igualdad básica entre sus

habitantes – dependen de que el estatuto de

ciudadanía sea una realidad material y no

solamente un reconocimiento formal. Pero,

¿qué es la ciudadanía o de cuál ciudadanía

nos habla? Parece ser una definición muy

abstracta (Delgado, 2011) la que Borja ofrece,

además, existen dimensiones importantes

como la política, temporal e histórica que no

son consideradas.

Por otro lado, el origen de la crisis del

vínculo social y de la crisis de ciudadanía

que Borja (2003) argumenta parece estar en

la pérdida de los valores (democrático) que

otorga al espacio público, así como de su

función relacional que, según el autor, parece

ser que no aísla, no segrega a los habitantes,

pero les da la oportunidad de vivir y participar

en igualdad en la ciudad. ¿Pero hasta qué

punto el espacio público se caracteriza por

ser democrático e igualitario?, ¿dónde está la

democracia y la igualdad? Nuestra posición es

diferente de Borja y más cuando consideramos

casos empíricos sobretodo de ciudades en

Latinoamérica cuyas realidades son muy

diferentes en que la construcción del espacio

público ha generado desigualdades sociales

muy fuertes,2 como el caso de Cuernavaca. Por

otra parte, autores como Fainstein (2005) tejen

toda una crítica a esta conceptualización del

espacio público, argumentando que este nunca

fue democrático, ya que no todos participaban

en los fórums y ágoras del mismo modo,

incluso había gente, sobretodo de las clases

bajas, que no podían asistir. Entonces, ¿dónde

está la democracia perdida?

También Ash Amin (s. d.) cuestiona las

actuales posturas sobre el espacio público,

para el autor no se puede pensar más como

un sitio central de la formación política. Se

está lejos de los tiempos cuando los espacios

públicos de la ciudad central eran un sitio

político primordial. Sin embargo, aunque

nos parece pertinente la posición de Amin, el

autor no hace un análisis más específico de la

historia y también cree en un espacio idílico de

integración social, en que todos participaban

por igual. A pesar de su crítica dura, Amin no

puede imaginar un lugar desde proyecciones

comunes del espacio público porque los

diferentes contextos tienen representaciones

d i ferentes . Efec t ivamente, aunque se

construyan bajo procesos similares, los matices

en los que se reproducen espacialmente son

distintos. Para Amin, el verdadero público son

los espacios públicos de la calle, de la plaza,

del jardín, del centro comercial, pero también

los virtuales.

Parece así que estamos frente a un

espacio público con nuevos significados

– político, ideológico, social y estructural –

pensado como un recurso, un producto y una

práctica (cotidiana, política, simbólica).

Desde las distintas posiciones – las

que reivindican la dimensión pública o la

física – las perspectivas de análisis se han ido

entrelazando, la dimensión pública se vuelve

espacial y viceversa, lo que ha dificultado más

su conceptualización, convirtiéndolo así en

un discurso ideal e ideológico o “una práctica

entendida como una unidad o incluso como una

política dominada por una misma perspectiva”.3

Como bien señala Delgado (2011, p. 10):

Page 119: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 119

[ . . . ] e l e s p a c i o p ú b l i c o p a s a a concebir se como la real ización de un valor ideológico, lugar en el que se materializan diversas categorías abstractas como democracia, ciudadanía, convivencia, civismo, consenso y otros valores políticos centrales, un escenario en el que se desearía ver deslizarse a una ordenada masa de seres libres e iguales que emplea ese espacio para ir y venir de trabajar o de consumir y que, en sus ratos libres, pasean despreocupados por un paraíso de cortesía.

Esa construcción ideológica lo ha

definido a partir de un espacio contenedor

que parece ser igual y que se define en todos

los lugares de la misma forma, esto es, la

experiencia entre diferentes, la posibilidad

de encuentro entre desiguales, la interacción

e integración social, la vivencia de la ciudad

a partir del espacio son procesos comunes a

cualquier espacio público. Es en cierta medida

a partir de esta idea del espacio público

contenedor y reflejo, que autores como

Lefebvre (1974) y, posteriormente, Santos

(1986) y Massey (2005) proponen incorporar

nuevas dimensiones sociogeográficas y a su

vez renovar las perspectivas tradicionales

sobre la conceptualización o significado

de la categoría del espacio, propuesta

que retomaremos para e l anál is is del

espacio público. Así, a partir del análisis

metodológ ico de l espac io de Massey

(2005) nos quedó claro que no podíamos

analizar el espacio público de Cuernavaca

como un objeto inanimado, sino como un

objeto que está directamente relacionado

con la conformación de la sociedad en sus

distintos momentos históricos así como de

las relaciones socioterritoriales que lo van

resignificando y reutilizando. Así, ¿de qué

espacio público estamos hablamos?

El espacio público de Cuernavaca a finales

del siglo XIX era un espacio marcadamente

dividido entre la clase baja y la aristocracia;

había una clara división socioterritorial entre

los espacios públicos que usaban las dos

clases. Incluso el mismo uso era diferenciado,

ya que no era lo mismo el uso por necesidad

del trabajo cotidiano de las clases bajas, a los

paseos de la aristocracia que se lucia por los

espacios públicos emblemáticos de la ciudad.

Esta dualidad fue acentuada con la llegada de

Porfirio Díaz y la inauguración del ferrocarril

que detonó diversas obras que transformaron

el centro de la ciudad y expulsaron a los

mercadores que conferían una “mala imagen”

a las zonas centrales y obstruían la “belleza”

de la ciudad.

El descontento con la administración del

presidente Porfirio Díaz levanta la revolución

y la ciudad de Cuernavaca es el palco por

excelencia de confluencia de los ejércitos. Así,

cuando el comando de Emiliano Zapata toma

las calles, plazas y jardines de la ciudad de

Cuernavaca, la aristocracia la abandona y solo

a partir de los años veinte o treinta empieza

a regresar, pero va encontrar en el espacio

privado las funciones que anteriormente

depositaba en el espacio público. Este

periodo es marcado por una resignificación

y refuncionalización del espacio público a

través del abandono de los espacios públicos

de las elites y la apropiación de espacios

privados y una reapropiación de esos espacios

por las clases bajas. El espacio público es

así reconstruido a partir de la resistencia

social y con funciones que sirven al mismo

trabajo, las clases populares al ganar ese

Page 120: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014120

espacio lo refuncionalizan de acuerdo a sus

necesidades que, por un lado, es la necesidad

de reivindicación de derechos por la tierra, por

el trabajo, pero también por el esparcimiento.

En los años sesenta, Cuernavaca va a

recibir mucha migración por cuenta de la

implementación del complejo industrial, sobre

todo del estado de Guerrero y empieza la

disputa por las tierras entre los asentamientos

irregulares y los fraccionamientos de lujo.

Los diferentes grupos sociales (dentro de una

misma clase social) empiezan a apropiarse

de los diferentes espacios y a consolidarlos

a partir de sus prácticas (uso, percepción

y apropiación). Pero esa diferencia entre

espacios es acentuada a partir de los años

noventa cuando el proceso de privatización

del espacio en Cuernavaca se realza con las

políticas neoliberales y el surgimiento de las

primeras plazas comerciales.

Este momento de privatización de la

vida pública4 despunta un interés en el estudio

sobre del espacio público, tornándose “el

centro del debate sobre las políticas urbanas, al

ser tomado como un componente urbano capaz

de soportar o desencadenar otros procesos

económicos y culturales” (Portas, 2003).

¿Cómo se redefi ne y resignifi ca el espacio público en el nuevo orden económico neoliberal?

Una nueva política se hacía adivinar por

la aportación del intervencionismo estatal

keynesiano que siguió a la Gran Depresión de

los años treinta y por una economía de guerra

cuyo objetivo era reconstruir las economías y

resolver la consecuente crisis de acumulación

(Pradilla, 2009). El proyecto neoliberal aparece

así como una forma de lograr la restauración

del poder de clase, pero que al mismo tiempo

hacía más vivos “(…) los efectos redistributivos

y la creciente desigualdad social como un rasgo

tan persistente de la neoliberalizacion para

poder ser considerado un rasgo estructural

de todo el proyecto” (Harvey, 2007, p. 23).

Esa reconfiguración en pro de la acumulación

del capital se sienta en una política de

empresarialismo urbano y de transferencia de

la competencia de los estados a los municipios

y al sector privado.

En este periodo la urbanización gana

especial protagonismo como un anclaje

espacializado por excelencia para acumulación

y reproducción del capital. Sin embargo,

autores como Pradilla (2009) argumentan

que el urbanismo a escala urbana tiende

a extinguirse, manteniéndose como débil

instrumento de regulación mientras ganan

importancia el capital inmobiliario y sus

grandes proyectos urbanos o megaproyectos.

Efectivamente, si consideramos la escala de

la metrópoli y su importancia en el contexto

global, vemos que muchos de los proyectos

de renovación urbana y espacio público

se reproducen de la misma forma en esas

escalas, lo que significa que se convertirán en

elementos de mercantilización.

Esta nueva forma de construir ciudad,

y a su vez el espacio público, no hizo más

que aumentar el número de condominios

cerrados, el conservadurismo estilístico,

la homogeneidad, una imagen general de

intolerancia y el mote de reivindicación de

Page 121: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 121

un espacio público moderno inexistente.

No se ofrecieron soluciones para problemas

existentes, sino soluciones para las clases

media y alta. ¿Qué es lo que actualmente hace

la diferencia en el proceso de construcción

social del espacio público?

En la tarea que el estado delega a los

municipios, estos últimos se aprovechan

y, conscientes de sus limitantes, empiezan

a mostrar y mezclar una serie de intereses

públicos y privados – que puede ir desde los

intereses del propio presidente a agentes

privados y a grupos sociales hegemónicos.

Esa mezcla es visible en la reproducción del

espacio de forma conflictiva, porque posiciona

intereses contradictorios en donde gana lo que

más puede.

En este contexto, las infraestructuras

urbanas se vuelven imperativas para la

acumulación y regulación neoliberal, incluso

cuando en el proceso simultáneamente se

las socava y devalúa: se coloca las ciudades

en las fronteras de la formación de políticas

neoliberales al tiempo que son lugares de

resistencia concertada a la neoliberalización

(Leitner et al., 2007).

En Amér ica Lat ina , la expresión

territorial del neoliberalismo surge a partir

del agotamiento de la industrialización

sustitutiva de importaciones en la década de

los setenta y de la entrada de la economía

en la onda larga recesiva consecuencia de la

grave crisis económica de 1982, lo que abrió

la puerta política e ideológica a la progresiva

implantación de las políticas neoliberales

y al inicio de la extensión de la planeación

urbana y del gran urbanismo (Pradilla, 2009,

p. 206). Desde los años noventa, la lógica de

mercado neoliberal se empieza a reflejar en las

formas de producción y de gestión del espacio

urbano, en los grandes proyectos inmobiliarios

conducidos por el capital privado, en espacios

públicos cerrados y controlados en forma

privada, en el abandono de espacios públicos

tradicionales por parte de las clases media y

alta y la colonización de los mismos por los

sectores populares, entre otros (Duhau, 2003).

Sin embargo, este no es un proceso

nuevo, recordemos las intervenciones de

Haussaman en París que, con el objetivo de

sanear e higienizar la ciudad, confina las

clases bajas a zonas marginadas y al uso del

cuartier (Sennett, 1978) para que las clases

burguesas pudieran disfrutar tranquilamente

de las zonas bonitas de la ciudad sin mezclarse

con las clases populares. Estas intervenciones

fueron posibles gracias al apoyo de “la

burocracia capital ina que incentivó la

reconstrucción de París por Haussmann –

acumulación de capital” (Sennett, 1978), al

igual que en México con la política económica

del régimen porfirista.

La lóg ica de poder económico y

de embellecimiento urbano de Por f ir io

Díaz también se trasladó a Cuernavaca,

con las características de un contexto

latinoamericano, mexicano, del centro del

país, la ciudad de la eterna primavera. Lo

anterior ha conferido al proceso neoliberal y a

sus mecanismos de urbanización en la ciudad

especificidades propias y seguramente muy

distintas de otras ciudades. El gobierno de la

ciudad dio continuidad y además profundizó

las metas urbanas neoliberales definidas por

Brenner et al. (2009), apoyadas por una clase

dominante muy fuerte. En este nuevo proceso

entra un nuevo agente, el mercado, y sale el

Estado. La ciudad se queda a la merced del

Page 122: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014122

mercado, entra en la lógica de la privatización

de los espacios: consumo de las elites (lo

que ya ocurría pero de otra forma) y el

control de poblaciones excluidas a diferentes

escalas; promoción de políticas de marketing

territorial; reducción de los impuestos locales;

establecimiento de corporaciones público-

privadas y nuevas formas de promoción local.

En 1991 es cuando el proceso gana

mayores contornos con el surgimiento de la

primera plaza comercial, Plaza Cuernavaca,

que pretendía dar respuesta a los moradores

de una de las zonas elegantes de la ciudad:

Reforma y Vista Hermosa. En el año de 2001

se genera uno de los grandes conflictos en la

ciudad debido a la construcción de una zona

comercial en Casino de la Selva, lo cual llevó a

la destrucción de una de las zonas naturales y

culturales más importantes de la ciudad.

En 2005 se construye la Plaza Galerías

junto de la autopista México-Cuernavaca,

como una forma de dotar a las clases medias-

altas de espacios de consumo diferenciados de

la Plaza Cuernavaca que se había popularizado.

Actualmente se encuentra en construcción

lo que será lo nuevo centro comercial en la

Av. Domingo Diez, en la zona norte de la

ciudad junto a Wal-Mart. Es visible cómo la

construcción del espacio se lleva a cabo en

buena medida en función del mercado y de la

sociedad de consumo.

En 20 0 9 su rge e l p rog rama de

embellecimiento de la imagen urbana5 de

la ciudad de Cuernavaca, a través del cual el

ayuntamiento, impulsor del proyecto, contrajo

un préstamo bancario de 600 millones de

pesos con el objetivo de movilizar la ciudad

a la modernidad y desarrollo. El programa

tenía beneficios integrales tales como dotar

a la población de espacios dignos para la

convivencia social, evitar el ocio y conductas

antisociales, además de atraer al turismo

y generar el desarrollo de la economía

local.6 Más que por las intervenciones, este

programa ganó importancia por los discursos

políticos que lo concibieron como un referente

sociourbano idí l ico, pero también una

mercancía y un mecanismo de control utilizado

como moneda de cambio para propósitos

electorales.

Las obras llevadas a cabo tuvieran como

blanco de intervención glorietas y camellones

(principal tipología en que intervinieron),

sobretodo en áreas de ingresos medios-

altos y altos o ejes estructurales de la ciudad

como Av. Domingo Diez y Av. Morelos. Su

principal característica fue adornar con flores

y fuentes repitiendo una imagen similar de

composición espacial en las diversas obras.

Dentro del programa se destacan dos obras

cuya implementación tiene relevancia por los

objetivos y discursos que las acompañaran:

la primera fue el Parque Tlaltenango, ya que

no fue una determinación del alcalde sino

de un grupo de agentes de clase media-alta

que buscaba su propio espacio, marcando

las pautas de acceso y automáticamente

excluyendo a los moradores de una colonia

popular colindante. La paradoja es que, en los

discursos, este era un parque resultado de la

“ciudadanía”.

El segundo ejemplo fue la construcción

de la “Fuente de la Eterna Primavera y sus

Cinco Musas” en la Avenida Teopanzolco

que, de acuerdo con el nuevo alcalde Sánchez

Gatica, “será un símbolo, una referencia y un

icono (…) situando a la Ciudad de la Eterna

Primavera como un símbolo emblemático a

Page 123: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 123

nivel mundial".7 El discurso del alcalde es

respaldado por el diseñador y arquitecto8 de la

obra, Carlos Benítez Fuentes,

Cuernavaca no es la excepción en cuanto a la necesidad de contar con espacios dignos de convivencia social. El programa (…) ha logrado este objetivo y si hoy involucramos a las bellas artes como elemento significativo, definiéndolas como un fenómeno social, un medio de comunicación, una necesidad del ser humano de expresarse y comunicarse mediante formas, colores, sonidos y movimientos, logramos una simbiosis de estas bellas artes, la arquitectura y la escultura,

señaló.9 Se unen así discursos ideológicos a

partir de la cultura, como una forma engañosa

de estimular la condición de exclusión de

algunos agentes. Por otra parte, un factor

muy interesante y que respalda lo anterior

es que al término de cada obra se hacía una

inauguración, pero no todas las fiestas eran

iguales ya que los agentes eran distintos,

estas se establecían de acuerdo a la clase

social. La inauguración del camellón de la

Av. Reforma (zona de ingresos altos) fue

muy distinta del distribuidor vial de Emiliano

Zapata donde distribuyeron comida y llevaron

grupos musicales, lo que llevó a una espantosa

afluencia de gente de colonias populares.

¿Entonces, de qué espacio público

hablan los agentes públicos? Es visible cómo

en este marco neoliberal la planificación

anda de la mano con los discursos políticos

y viceversa, pero también con los privados y

los discursos académicos. Sin embargo, este

tema ha sido abordado de forma distinta

entre los diferentes autores, que en algunas

ocasiones contradicen sus posturas. Aunque

sea considerado para muchos un académico,

autores como Borja (2005, pp. 16-17) han

tenido un papel fundamental en la función

pública y en las decisiones políticas, así que no

es de extrañar que para él:

La presentación de las ciudades como lugares nodales, las nuevas oportunidades de los territorios (argumento apoyado en emergencias y reconversiones exitosas) y la prioridad al posicionamiento en las redes globales y, en consecuencia, a su proyección exter ior han s ido elementos clave de la construcción del vademécum de la buena política urbana. El plan estratégico, a su vez, ha sido la herramienta operativa (o ha pretendido serlo) de las ciudades aspirantes a triunfar en el mundo global mediante el discurso «hipercompetitivo»”.

Para el autor, el urbanismo neoliberal

debe ser encarado como una forma positiva

de atraer inversión, de mercantilización de los

espacios, y esa postura está apoyada por la

misma mercantilización del modelo Barcelona

a varios países de Latinoamérica, del cual Borja

formó parte. Hay que resaltar las interesantes

aportaciones que ha ofrecido al estudio del

espacio público desde un punto de vista

más conceptual, aunque muchas veces con

discursos contradictorios, entre la academia y

la función pública.

Borja y Forn (1996) creen que el

mayor desafío del planeamiento urbano

contemporáneo es aumentar el potencial

competitivo de las ciudades en el sentido

de responder a las demandas globales

y atraer recursos humanos y financieros

internacionales, sin embargo, de acuerdo

con varios ejemplos que hemos observado,

el planeamiento ha sido hecho al margen de

Page 124: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014124

la ciudad, en paralelo con los objetivos del

capitalismo neoliberal. Su discurso es similar

al del alcalde Garrigós de Cuernavaca en el

sentido de magnificar las intervenciones en el

espacio público como forma de regenerar la

ciudad y tornarla competitiva. Aunque ya en la

academia, él mismo acaba por reconocer que

estos proyectos de renovación urbana como

proyectos políticos de ciudad pueden “derivar

en una cortina de humo llena de buenas

intenciones sin otra función que legitimar las

practicas del poder” (Borja 2005, p. 17).

Es importante referir en este contexto

que las formas de reproducción de las

políticas neoliberales no han sido siempre las

mismas, sino que hubo una reconstitución

del urbanismo neoliberal. Sin embargo, para

la ciudad de Cuernavaca ha sido un proceso

tardío que ha tenido su mayor auge en el

siglo XXI. El imperativo neoliberal básico

de movilizar el espacio económico como

arena para el crecimiento capitalista, para la

conversión de bienes y servicios en mercancías

y para implantar la disciplina de mercado

se ha mantenido como el proyecto político

dominante de los gobiernos locales ( Brenner

et al., 2009). Lo que se ha hecho es introducir

el pensamiento estratégico y empresarial

a la esfera de la administración urbana,

donde consultores “estrategas” difunden la

propuesta de que características del paisaje

urbano deben ser utilizadas como uno de los

principales triunfos en la competencia por

recursos e inversiones.

Este tipo de intervenciones alienadas

de su contexto, parece reducir los lazos de

sociabilidad, de integración social, de no

identificación, además del abandono y pérdida

de la ciudadanía por un encarcelamiento de

las personas en el ámbito doméstico. ¿Pero,

hasta qué punto es correcta esta afirmación?

¿Se ha abandonado el Zócalo de Cuernavaca,

o el Jardín San Juan, o el Jardín Juárez? Parece

que no, e incluso en un clima de tanta violencia

como el que vive la ciudad de Cuernavaca

habría muchas razones para este retraimiento

de los ciudadanos, pero los espacios siguen

vivos. Eso pasa porque estas obras están

pensadas para las clases altas de manera

que los espacios de las clases bajas siguen

teniendo “vida”. Frente a esto, consideramos

que este modelo de intervención lo que sí ha

hecho, a través de las nuevas formas urbanas

que generó, fue aumentar las desigualdades y

disparidades entre la sociedad y bifurcaciones

extremas entre la riqueza y la pobreza (Smith,

2005).

En este contexto de grandes cambios

urbanos, e l neol iberal ismo impl icó la

redefinición de los conceptos, de forma que

autores menos ortodoxos empiezan a plantear

la veracidad o redundancia de los mismos

(Ramírez, 2010), entre ellos el espacio público

ya no como un contenedor, sino como una

construcción de interrelaciones e interacciones

en respuesta al espacio absoluto y abstracto

(sin historia), pero que va más allá de su

producción idílica.

Frente a este proceso de reestructuración

y reconceptualización no podemos dejar de

cuestionarnos: ¿qué representa y cómo se

define actualmente el espacio público de

Cuernavaca?, ¿cómo se dan las relaciones

socioter r i tor ia les en los lugares y su

concordancia con los discursos políticos y

académicos?

Page 125: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 125

Construyendo nuevas geografías

Lo valioso de una investigación de índole

cualitativa es que son los mismos agentes

entrevistados quienes generaran la base

teórica para que uno pueda argumentar o

disuadir los diversos planteamientos generales

sobre el tema en cuestión. La aplicación de

la teoría fundamentada nos permitió hacer

un análisis comparativo y construir tipos u

orientaciones de lugares, pero también poner

en cuestión el concepto de espacio público

desde el punto de vista de cómo lo entienden

los agentes y cómo entienden su relación con

el poder político. Así, a partir de criterios tales

como localización, periodo sociourbanístico,

agentes, prácticas, grupos de apropiación,

orden público y orden urbano destacamos

elementos como la colonia, el entorno, el

contexto de construcción, la edad, la clase

social, el nivel de estudios, el lugar de origen

de los agentes, el uso, la percepción y la

apropiación, las relaciones socioculturales,

las relaciones entre grupos y su posición en

el espacio y, finalmente, la localización en los

diferentes tipos de ciudad. Así, con base en los

criterios prestablecidos y los elementos que

queríamos destacar en nuestra investigación

con el afán de comprender las prácticas

en el espacio público, elegimos la Plazuela

del Zacate, el Parque Cri-cri y las Galerías

Cuernavaca.10

Mapa 1 – Localización en la estructura urbana de los tres laboratoriosde análisis a partir de la delimitación por Ageb

Galerias Cuernavaca

Plazuela del Zacate

Parque cri-cri

Page 126: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014126

Para cada espacio público procedemos al

levantamiento de entrevistas semiestructuradas

a los distintos agentes que se encontraron. De

esta forma nos fue posible determinar qué

fenómenos estaban ocurriendo en los lugares

en un contexto urbano como Cuernavaca, así

como la relación que los agentes tienen con el

espacio público y el poder político.

El espacio público concreto

“Generalmente es un espacio en el cual solo

atrae a jóvenes a venir echar música fuerte y

tomar alcohol” (Mujer, 24 años, Colonia La

Pradera, Preparatoria). ¿Qué pasa en Plazuela

del Zacate? Plazuela es caracterizado por ser un

lugar de copas, de cervezas y de borrachos, su

público blanco es mayoritariamente joven con

un nivel de escolaridad media de licenciatura.

La presencia de los bares es asumida, por un

lado, como un espacio agradable de convivio

y encuentro entre los jóvenes pero, por otra

parte, refleja una imagen de violencia y vicio,

lo que para algunos agentes (sobretodo

personas de mediana edad o mayores) no

convida a su disfrute; simplemente es un lugar

de paso pues conecta dos paradas importantes

de rutas, aunque hay quien dé la vuelta para

no cruzar.

La presencia de los bares y las frecuentes

alusiones a su representación como un factor

denigrante del lugar es algo común entre los

diversos agentes, sin embargo su centralidad

también hace que muchos lo usen por

necesidad, es decir, por los usos prácticos del

lugar y sus cualidades físicas. Cabe destacar

que lo anterior es posible durante el día ya

que en la noche la configuración es otra, se

vuelve un lugar violento y lleno de borrachos

acorde al imaginario de algunos agentes.

Aun así pueden estar tranquilos y convivir,

además su centralidad permite la movilidad

a cualquier parte, tornándose muy accesible

(física y económicamente). Esa centralidad es

compartida por la mayoría de los agentes y,

más allá de ser el centro histórico, es centro

de servicios, de compras, de rutas (municipios

vecinos) y también turístico. Además, es un

punto de encuentro y de descanso entre los

diversos agentes, especialmente en la zona

donde no están los bares, ya sea por trabajo,

esperando a alguien o algo, comiendo el

almuerzo o aprovechando el receso del trabajo.

Aunque exista una diferencia en la percepción

del lugar, los que acuden saben a lo que van

y qué esperan encontrar, lo que hace que se

identifiquen entre ellos.

En la Plazuela del Zacate resaltan

algunos elementos que nos hicieron repensar

el papel de este espacio dentro del espacio

público en la ciudad de Cuernavaca, factores

que se puede también trasladar a otras

latitudes geográficas. La centralidad de la

Plazuela, su conexión con el Zócalo y el

valor de la historia que de esta emana, lo

convirtió en un atractivo para el poder político,

construido como un recurso turístico para

reproducción del capital. Como lugar central,

físicamente y simbólicamente fue arrastrando

una serie de reconversiones urbanísticas que

la identifican actualmente como un lugar de

copas y borrachos, pero que está “bonita”.

Su cambio fue fuerte, ya que la plazuela era el

lugar donde llegaban los vendedores a vender

zacate, pasó de ser conocido por la venta de

flores y de vivencia popular a ser tanto un

lugar para el público mayoritariamente joven,

Page 127: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 127

influido por la presencia de los bares y como

un lugar turístico, hecho que se puede apreciar

en la nota de Diario de Morelos “Tiene fama

la Plazuela del Zacate” (Diario de Morelos del

día 9 de noviembre de 2012 en línea: http://

www.diariodemorelos.com/article/tiene-fama-

la-plazuela-del-zacate)

El poder polít ico hace uso de esa

imagen exterior como un recurso para el

turismo y por esa razón apoya las sucesivas

recalificaciones urbanas “ya que está en el

circuito del turibus”, hay que poner “bonito”

y reproducir una imagen que se asemeja a

contextos de ciudades nacionales o incluso

internacionales focalizadas al turismo, aun

cuando para ellos es igualmente un lugar de

borrachos. Esa transformación hace que las

personas mayores, sobre todo las que nacieron

en el centro, ya sea que vivan ahí o no, tengan

una imagen de un lugar que ya no existe y

que se ha perdido, acorde a su experiencia

y percepción, mientras que para los jóvenes

es un espacio muy bueno, de identidad y de

relación con los suyos. Esa transformación que

diversos entrevistados refieren como algo con

la cual no se identifican y que está indicada

para un público blanco es el resultado de una

estrategia política que se pudo identificar a

partir del uso, transformación, percepción

y apropiación por par te de los agentes

entrevistados. La Plazuela se ha construido

a partir de determinantes económicas ya

que la frecuencia de visita se debe sobre

todo a los bares, lo que hace que algunos

entrevistados se sientan autoexcluidos en la

plazuela, por este reemplazamiento de los

agentes a través de la transformación que

busca un lugar “boutique” en los términos

de Carrión (2012).

No obstante esta forma directa de

intervención política, los gobiernos tienen

otros mecanismos de reproducción del capital

en sociedad con empresas privadas, lo que

ha fomentado las diferencias sociales en el

espacio urbano de la ciudad: el consumo

y la exclusividad se despuntaron en Plaza

Cuernavaca. En Plazuela del Zacate hace falta

mejorar la basura y los bares, en Galerías: “(…)

hacen falta tiendas que desafortunadamente

solo hay en México, (…) no existe por ejemplo

una tienda Armani, no existe una tienda Vuitton,

no existe una tienda de marcas prestigiadas que

yo creo que sea conveniente que existirán en

una plaza aquí en Cuernavaca” (Hombre, 33

años, Colonia Buena Vista, Licenciatura). Lo que

puede representar un lugar es necesariamente

diferente para los distintos agentes, pero

casi siempre hay una asociación con un valor

económico: mientras hacen falta marcas como

Armani y solamente se le ve un valor comercial

(o posiblemente dependiendo de la clase social

y de lo que ha alcanzado puede ser un elemento

más comercial, de prestigio o ascensión social),

para otros es un lugar muy caro, pero no deja de

ser un lugar de distracción y de paseo familiar.

Lo anterior en palabras de Fiske (1989)

es porque el consumo no es necesariamente

evidencia de deseo de poseer, sino más bien

un indicio de la necesidad de control que el

sistema económico niega a los subordinados,

se da así la práctica del vitrineo como una

forma de insertarse en el orden social, de

acercarse a una clase social a la que sabe

que no se pertenece, la presencia en el lugar

genera la idealización de algo que no existe.

Esto es lo que def ine metafóricamente

Brummett (1994) al decir que cada uno asume

una posición en lugares como Galerías y uno

Page 128: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014128

se asume como comprador o, como decía un

entrevistado: “parte de la borregada”, aunque

no compre nada.

¿Pero será que visitar Galerías es una

de las maneras de hacer y practicar ciudad

(Cornejo, 2007)?, ¿cómo este lugar puede

asimilar la vivencia de un contexto urbano

como el centro de la ciudad o incluso de las

periferias?, ¿cómo se representa este espacio

en comparación con la Plazuela?

Galer ías Cuernavaca es un lugar

caracterizado principalmente por la práctica

de consumo de las clases media y media-alta y

de trabajo para los pocos de clase baja. No es

un espacio donde se promueva la interacción

social, solamente se reúnen pequeños grupos

o familias que lo acuerdan de antemano. Al

contrario de lo que menciona Cornejo (2006)

en relación a los centros comerciales, Galerías

no ha pasado de ser un lugar anónimo a un

territorio construido, apropiado e íntimo. Es

un lugar hostil, porque es clara la demarcación

social (incluso fue donde los entrevistados

hablaron más de clase social) incluso para los

agentes que comparten la misma percepción,

ya que no se extendían a hablar del lugar,

simplemente respondían está “bien”.

Se habla del lugar pero no como

una experiencia propia, más bien como la

experiencia del otro, pues quienes tienen

dinero sí se identif ican, ellos sí pueden

acceder, pueden comprar porque tienen

dinero. Esa puede ser una función de Galerías,

no solo satisfacer necesidades individuales

a través del consumo, sino relacionar a los

agentes con un orden social que determina

su posición en el lugar. No es un lugar donde

existan actividades culturales, nada más

comer, comprar e ir al cine, entonces no

es totalmente acertado considerar que las

actividades culturales que antes se hacían

en la plaza pública se hayan recluido en los

centros comerciales cerrados, convirtiéndose

en una mercancía a la venta, donde la cultura

existe en forma de experiencia mercantilizada

como lo define Rifkin (2000).

Entre la representación del espacio

público en el imaginario de los agentes y

lo que debería ser existe un abismo, porque

Galerías es considerado un lugar para todos,

de libre acceso, donde todos pueden acceder

libremente sin tener que pagar, sin diferencia

de clase, es decir, el polo opuesto de lo que

pasa en realidad en el espacio. Pero cuando

se cuestiona cómo debería ser, justo debería

ser como Galerías, esto es, de alguna forma

existe una reivindicación de espacios públicos

como Galerías aunque sus características o

los elementos que lo componen no se cuajen

a esta tipología. Existe la necesidad de estos

espacios exclusivos posiblemente para que no

exista mezcla social.

Por otro lado, su construcción privada

ya demarcaba su constitución social, su difícil

accesibilidad está pensada para usuarios

con coche y en un área de expansión urbana

de oficinas y servicios. A esta relación de

accesibilidad se entrelaza la movilidad y

centralidad, ya que Galerías es un lugar

céntrico para los usuarios, así que una vez

más podemos inferir que existen tantas

centralidades cuantas necesidades y formas

de desplazamiento de los diversos agentes,

lo que hace diferencias de agentes entre la

semana y fin de semana, entre los locales y los

que vienen de fuera.

Page 129: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 129

Es un espacio multifuncional como lo

define López Levi (1997), ya que la mayoría

lo usa con diferentes intenciones. Pero esa

multifuncionalidad de prácticas de uso no es

compartida por todos los agentes debido a que

la condición social es una limitante en acceso a

las tiendas o hasta en el mismo espacio. Es un

lugar de la familia, del paseo familiar, elemento

difícil de entender con la sobrevigilancia

que existe en el espacio con reglas claras de

uso. ¿Será que el factor control se entiende

a partir de lo que debe ser la familia, como

algo controlado de jerarquización patriarcal,

con límites bien definidos? Su configuración

territorial hace que muchos la usen porque

saben lo que los espera: el ser un espacio

semipúblico les da el derecho a no ser

incomodados, a la exclusividad, donde uno

encuentra todo lo que busca, lo que uno

necesita. Pero, ¿será que todos necesitan lo

mismo? Esa imagen de exclusividad hace

idealizar un espacio patrón que responde a

determinada clase social y por eso tiene buena

imagen, pero no resulta cómodo porque hacen

falta bancas y más espacio.

Es claro que Galerías Cuernavaca está

construido en respuesta al capital y como un

proceso de diferenciación social, tanto para

los que a ella asisten como aquellos que no

acceden o no se sienten identificados con el

lugar. Es un espacio cerrado sobre sí mismo

y también sobre la ciudad, no existe una

conexión con la estructura urbana de la ciudad,

o mejor dicho, no existe con ciertos lugares

de la ciudad. Pero el capital no se reproduce

solamente en espacios como Galerías, también

necesita de otros espacios como el Parque Cri-

cri. “Sinceramente hay de parques a parques

y este es el que tiene más corrupción, pero el

parque es de todos y una vez dentro es una

ciudad sin ley, aquí he visto personas que se

drogan, toman y lo demás no se lo digo por

discusión, pero hay de todo”(Hombre, 43 años,

Colonia Buena Vista, Primaria).

Hablar del Parque Cri-cri después de

Plazuela del Zacate y Galerías Cuernavaca

es hablar de un lugar muy distinto, si puede

decirse así, de un verdadero “lugar” público

en el sentido de las funciones tradicionales

como esparcimiento, distracción, descanso,

juego, entre otros, pero también de un lugar

en el sentido de Massey (2005). Este es un

lugar fundamental para el bienestar físico y

psíquico de los agentes porque es un espacio

donde se puede olvidar el trabajo, la rutina

del día a día; donde se encuentra tranquilidad,

donde es posible relajarse, distraerse, jugar,

en una palabra, cumplen con la función

tradicional de un lugar público, de un parque

público. Por otro lado, este lugar también es

una forma de subsistencia ya que muchos

hombres buscan a diario ahí trabajo y hay

quien trabaja directamente en el parque. ¿Qué

nos dice el Parque Cri-cri? Este lugar en un

contexto urbano es mucho más que un espacio

de “cohesión social” o de estructuración de la

red urbana, es un lugar donde la gente busca

trabajo para poder sobrevivir y eso va más allá

de lo que se conoce del espacio público.

Para las personas que ahí buscan

trabajo, el concepto de espacio público

seguramente es muy diferente y para nada un

espacio de integración social o regeneradora

del tejido social. El parque Cri-cri es un lugar

que desde la perspectiva física se encuentra

descuidado, además, no es apropiado, hay

mucho mal viviente, hombres con mal aspecto,

drogadictos, hay peleas, los policías tratan

Page 130: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014130

mal a los jóvenes y fue tomado por las mujeres

prostitutas. Curiosamente, no deja de ser un

lugar al cual acuden familias y el monumento

Escultura de Gabilondo Soler representa la

familia: bonito, tranquilo, que está bien, un

lugar fresco por los árboles y el viento. Esto

nos lleva a considerar que el uso no tiene

una implicación directa con la percepción, no

se usa como se percibe y las características

físicas del lugar no condicionan el uso. Lo que

sí condiciona es la forma como se apropian

los distintos grupos del lugar: el modo como

se distribuyen en el espacio determina una

jerarquía o una forma de poder que legitima

un grupo y excluye al otro y así sucesivamente.

El comportamiento y las características del

grupo crea de manera conjunta determinado

estigma en relación a los mismos y eso se

percibe pero no hace que los demás dejen de

usar, porque el mismo lugar tiene demasiados

lugares. El parque funciona como uno solo,

porque aunque hay diferencias entre grupos, el

parque es de todos; sin embargo se cuestiona

el otro, no se aleja. El Parque Cri-cri es el

centro de la ciudad, forma “parte” del centro

de la ciudad, del Zócalo, al cual se acede

fácilmente, se encuentra entre dos paradas

de rutas importantes con servicio a cualquier

parte, sobre todo a los municipios vecinos.

Además, se encuentra cerca del Mercado

López Mateos, factor importante considerando

que la mayoría frecuenta el mercado o trabaja

en él. Así, la centralidad de un lugar no

depende de su centralidad histórica sino de

su accesibilidad y cercanía con los distintos

servicios, de las necesidades de cada uno y de

un grupo social con necesidades específicas,

es decir, nadie en Galerías va al Mercado

López Mateos a comprar.

Curiosamente, y en oposición a Galerías,

donde todo apuntaba para que los agentes

se sintieran cómodos, eso no pasó, pero en

Cri-cri casi todos se sienten bien, se sienten

cómodos, aun cuando tiene mala imagen

provocada por descomposición física y social

del lugar. La forma de relación con el parque es

muy personal pero también de grupo, porque

un aspecto relevante de esta cuestión es que

todos hablaban de su experiencia personal en

primer persona, hecho que no ocurrió en los

demás espacios. Por otro lado, hay algo que los

une e identifica, la clase social, y posiblemente

eso hace que en Cri-cri sea fácil platicar y

conocerse, que sea posible una relación entre

amistades y conocidos a partir de la frecuencia

e intención de uso, sea esta buscar trabajo,

servicios de las prostitutas o droga: “Sí, por

lo mismo de que somos de la clase baja

económicamente hablando y sin estudio. Aquí

no hay hijos de Adame o Garrigós” (Hombre,

45 años, Colonia Chipitlán, Primaria)

Es importante mencionar que los tres

lugares de análisis tienen públicos muy

distintos, fue interesante analizar cómo se

veían los unos a los otros y constatar que no

existe una relación de cercanía entre ellos. Cada

grupo se mueve de acuerdo a su condición

social, sus necesidades y su centralidad, no

significa que estos espacios sean nuevas

centralidades, sino que las insuficiencias de

cada grupo, su movilidad y accesibilidad a los

lugares es lo que hace céntrico a un lugar. Esa

movilidad también representa una alienación

frente a la ciudad porque muchos no tienen

conocimiento de lo que está ocurriendo en

los espacios de vida de todos, tienen un

conocimiento fragmentado de la ciudad, pero

saben que los gobiernos Municipal y Estatal

Page 131: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 131

trabajan en función de la clase alta, dejando en

el olvido las “colonias”.

Así, estamos frente a espacios públicos

definidos por las prácticas de los agentes que

los usan, factor muy distinto a lo establecido en

las diferentes posiciones académicas y políticas.

Si para los agentes entrevistados el espacio

público es un lugar de trabajo, diversión,

descanso, familia y un lugar que marca la

diferencia entre ricos y pobres, para el poder

político es el espacio ciudadano en el que se

reproduce una imagen urbana a partir de una

homogeneización idealizada que agudiza la

diferenciación social y cuyo embellecimiento

permite controlar socialmente la ciudadanía.11

En este contexto, ¿es correcto seguir hablando

de espacio público como un concepto universal

y transversal a todas las latitudes geográficas?

El espacio público de Cuernavaca es…

“¡Yo ya no sé qué es un espacio público ya

todo está controlado por los políticos!”. Las

prácticas de uso, apropiación y percepción en

los espacios públicos de la Ciudad nos han

llevado a creer que el espacio público no existe

como lo han replanteando diversos estudios,

pero sí lugares. Si el análisis de espacios

públicos concretos nos alertó para esta

cuestión, cuando se preguntó a los agentes

qué era un espacio público y cómo debería

ser, esta alerta se convirtió en una afirmación

que lleva a reconocer el espacio público como

un lugar, producto de una mezcla distinta de

todas las relaciones, prácticas, intercambios

(entre diferentes agentes) y que se entrelazan

en él. Además en su construcción, todas esas

relaciones y prácticas y todos los intercambios,

están llenos de poder social. Son relaciones

de poder las que se dan en esos lugares al

mismo tiempo que resulta en una arena de

legitimación social de los poderes políticos.

Este Lugar es un entretejido de relaciones

sociales, en algunas de ellas el lugar tendrá una

posición subordinada, mientras que en otras

tiene una posición más o menos dominante; es

una apuesta política de las clases emblemáticas

de la ciudad para lucirse. Además, son lugares

de la multiplicidad, construidos por la lucha

de poder y control social que marca la

diferenciación social, y finalmente está siempre

abierto, siempre en construcción, nunca está

acabado.

Para los agentes, el espacio público es

sobre todo un lugar, un lugar a veces abstracto

donde existe una confusión en relación a lo

que es pero no a cómo debería ser. Los agentes

no reconocen en el concepto las características

de un espacio público, pero si de un Lugar o

de Lugares, aun cuando esa relación puede

ser conflictiva. Ese lugar en el Parque Cri-cri es

el mismo parque y debe permitir la inserción

en el mercado laboral, cubrir las necesidades

básicas de los agentes (agua y baños), permitir

el descanso, el usufructo del fresco de la

vegetación, que uno se sienta libre y que sea

de todos.

En la Plazuela del Zacate, un espacio

público también es un Lugar, un lugar

accesible y disponible a todos, para toda clase

de gente, que no haya presiones, en el cual

se puede uno despreocupar, estar a gusto,

donde se puede convivir con la familia. Debe

ser para todos sin distinción, para niños,

limpio, muy bonito, con flores, muy amplio

Page 132: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014132

donde predomine el verde. Curiosamente,

en Galerías Cuernavaca el espacio público

también es un Lugar para todo tipo de

gente, es libre, no cobran, es de todos sin

restricciones y sin diferencia de clase, pero

debe de ser sobre todo como Galerías. Así,

Galerías no es un espacio público pero lo

debe ser porque hay que tener lugares de

exclusión, donde la pertenencia de clase sea

un marcador social.

Son las especificidades de estos espacios

lo que los hacen lugares, construidos a partir de

“una constelación determinada de relaciones

sociales, encontrándose y entretejiéndose en

un sitio particular” (Massey, 2012, p. 112),

donde los agentes ocupan distintas posiciones.

Pero también porque es “el lugar en el que el

Estado logra desmentir momentáneamente la

naturaleza asimétrica de las relaciones sociales

que administra y a las que sirve y escenifica

el sueño imposible de un consenso equitativo

en el que puede llevar a cabo su función

integradora y de mediación” (Delgado, 2011,

p. 28), es decir, es una extensión material de lo

que en realidad es ideología.

Espacio público y geometrías del poder

La forma de las relaciones socioterritoriales

de los espacios públicos de Cuernavaca

está determinada por múltiples factores,

especialmente por la clase social y la capacidad

con que el poder político territorializa en los

lugares esa diferencia de clase a partir de

diversos mecanismos de intervención urbana y

de control social. Uno de esos mecanismos es el

control por la movilidad que refuerza el poder,

debilitando otros grupos. El debilitamiento

hace que cada grupo se mueva de acuerdo a

su condición social y sus necesidades, lo que

genera distintas centralidades.

[…] la movilidad y el control por la movilidad reflejan y refuerzan el poder. No se t rata de una mera cuest ión de d is t r ibución desigual y de que algunas personas se muevan más que otras. Se trata de que la movilidad y el control de algunos grupos pueden debilitar activamente la de otra gente. La compresión espacio-temporal de unos grupos socava el poder de otros. (Massey, 2012, p. 119).

El modo en que los agentes determinan

sus prácticas en los lugares no es neutro,

refleja su condición a partir de cómo fue

pensado el lugar y a quién se espera que

responda. Existen objetivos claros del poder

político en la consolidación de lugares

con per f iles diferenciados, porque hay

que mantener una jerarquización social y

diferentes formas de anclar al capital, a través

de estructuras internas de dominación y

subordinación, pero también de legitimación

social. En este proceso, el concepto de espacio

público es un blanco ideal por su ambigüedad

y carácter “democrático”, encabeza las

agendas políticas como un elemento ideal e

idealizado que provoca la ilusión de que lo

que se hace es para la integración social de

todos cuando, en realidad, lo que se hace

según Marx es camuflar toda la relación de

explotación, todo dispositivo de exclusión y

el papel de los gobiernos como encubridores

y garantes de todo tipo de asimetrías sociales

(Delgado, 2011).

Page 133: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 133

Una observación muy interesante que

se pudo obtener del análisis comparativo es

que para que un “verdadero” lugar público

desarrolle las funciones de esparcimiento,

diversión, relajación y juego, no siempre es

condición necesaria que los poderes políticos

realicen proyectos de recalificación urbana

u otro tipo de intervenciones en el “espacio

público”. Parece ser que estas estrategias o

programas de recalificación urbana impulsados

desde los gobiernos locales, estales y agencias

internacionales son una falacia. ¿Cómo pueden

estar promoviendo este tipo de programas que

no hacen más que aumentar las desigualdades

sociales? Lo que parece aún ser más grave

es que no es solamente en los discursos

políticos sino también los académicos en

donde comúnmente escuchamos hablar de

la promoción de proyectos cuya finalidad es

recalificar, reconvertir y recuperar determinados

espacios urbanos o concretamente espacios

públicos para regenerar los espacios urbanos y

promover la cohesión e integración social. Las

agendas políticas suman y siguen las diferentes

formas de tratar este tipo de proyectos,

alentando una promoción desmentida de la

política “social” o responsabilidad “social” de

gobiernos neoliberales.

Aunque el urbanismo tenga como

objetivo promover la articulación urbana y

la equidad social, la forma como se lo ha

tratado no deja margen de duda de que ha

sido un anclaje espacial del capitalismo. ¿Quién

se está beneficiando con estas estrategias

de recalificación urbana o intervención

privada? Seguramente no son las clases más

desfavorecidas las que alegan su condición

de pobreza y su identidad con el lugar por ser

de la misma clase o los que no se identifican

en Galerías, pero saben que los que tienen

dinero sí. Implícitamente, en los discursos que

justifican los proyectos de intervención en el

“espacio público” se alega el hecho de que

la pérdida de sociabilización es consecuencia

de la proliferación de espacios privados, pero

si pensamos en el Parque Cri-cri y la Plazuela,

no podemos decir que eso esté ocurriendo,

son espacios de sociabilidad, de interacción

social y con dinámicas fuertes al largo de los

días. Además, esa pérdida de la vida pública

asociada a la privatización de la vida colectiva

como los centros comerciales no se adecua

a la realidad de Cuernavaca, porque no se

ha perdido la vida pública en los espacios

públicos tradicionales, esa pérdida se siente

justo en Galerías Cuernavaca donde no existe

esa sociabilidad, donde cada quien está en lo

suyo, donde la clase social es lo que identifica

y no el encuentro, como sucede en la Plazuela

o el Parque Cri-cri. Este punto puede ser

una diferencia en relación a las sociedades

occidentales sobre las que Sennett (1978)

apuntaba un repliegue de la sociabilidad al

espacio doméstico, al privado, pero no hay que

perder de vista que ese “encarcelamiento”

era de las clases altas, las clases bajas siguen

viviendo los lugares públicos y, además,

los espacios siempre fueron socialmente

homogéneos.

La utilización de tres unidades de

análisis tan distintas nos llevó a considerar

que el espacio público no existe como tal,

porque los agentes entrevistados no reconocen

ese concepto para el lugar donde están

desarrollando sus prácticas sociales. Además,

es un concepto demasiado ambiguo que

puede referirse a cosas tan distintas, con usos,

significados y representaciones dentro de un

Page 134: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014134

contexto urbano tan múltiples que no se puede

validar como algo que tenga una aplicación

común. Aun cuando se repitan acciones como

sentarse, pasear, ver, comer, la forma como se

hace marca esa diferencia, porque no es lo

mismo sentarse en Galerías que en la Plazuela

o en el Parque Cri-cri.

A partir de esta reflexión y en el marco

de análisis de la presente investigación

resignificaremos el concepto de espacio

público y asumimos el de lugar, ya que

el espacio no existe en la ciudad pero sí

existen lugares, lugares usados por agentes

distintos que juegan papeles distintos en la

ciudad, construidos a partir de determinantes

específicas, conformados y estructurados

por tipologías distintas y que están llenos de

poder, así, es un caso para decir “La geografía

importa” (Massey, 1984), porque cada lugar es

un lugar.

Carla Alexandra Filipe NarcisoBecaria del Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología – Conacyt. Ciudad de México, Mé[email protected]

Notas

(1) Esta idea del derecho al espacio público hizo que desde varias organizaciones e ins tuciones nacionales e internacionales hayan elaborado “guías” para la implementación de lo que deben ser espacios públicos de calidad que promuevan la integración social.

(2) Veamos los trabajos de Setha Low (2005) sobre Costa Rica y Michael Sorkin (2004) en que varios autores dan el ejemplo de diferentes ciudades estadounidenses.

(3) Fernández, Amin y Vigil (2008) hacen una refl exión acerca de cómo fueron cambiando las teorías del desarrollo regional y de cómo se va formando la Nueva Ortodoxia Regional como un discurso, ideas que retomamos para hacer referencia al concepto de espacio público.

(4) Considerando un proceso que se da mucho antes en otras la tudes geográfi cas que en la Ciudad de Cuernavaca.

(5) Toda esta estrategia del programa de embellecimiento de la imagen urbana de Cuernavaca respondió también al propósito del alcalde de especular en benefi cio propio. Este creó una empresa fantasma, DCA infraestructura, que estuvo encargada de las obras, y cuando estas estuvieran concluidas, la empresa daría la manutención a los espacios de forma gratuita durante un año. Sin embargo, resulta que esa manutención va costar al ayuntamiento 7.5 mdp anuales, a par r de la conclusión de las obras.

(6) h p://morelosdiario.com/index.php/destacamos/298-cuernavaca- ene-imagen-digna-gracias-al-gobierno-municipal-.html

Page 135: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 135

(7) http://www.stereomundo.com.mx/index.php?option=com_content&view=article&id=20869:inauguran-la-fuente-de-la-eterna-primavera-y-sus-cinco-musas-en-la-avenida-teopanzolco-&ca d=81:cuernavaca&Itemid=458

(8) La escultura es de Ricardo Ponzanelli.

(9) Ídem.

(10) Al iniciar nuestra investigación no habíamos contemplado los espacios comerciales, ya que no lo consideramos como espacio público, sino privado de acceso público (semipúblico), sin embargo en el transcurso de la inves gación nos dimos cuenta de cómo estos espacios tenían una expresión muy significativa en la ciudad al mismo tiempo que se reflejaba en ellos la jerarquización de clases. Como queríamos también analizar la variedad de respuestas por clase social, tuvimos que reconsiderar los espacios comerciales y tomamos como referente Galerías Cuernavaca.

(11) Incluso se puede notar una diferencia en la forma como el poder polí co u liza los conceptos, como el caso de ciudadanía. Por un lado, el espacio de la ciudadanía como el espacio de todos, de la democracia y por el otro, el espacio de la ciudadanía que debe ser controlado

Referencias

AMIN, Ash (s.d.). The poli cs of urban public space. Disponible en: h p://es.scribd.com/maria_zarate_1/d/40469568-Ash-Amin-Poli cs-of-Ubran-Space.

ARENDT, H. (1972). La crise de la culture. Paris, Ideés/Gallimard.

BORJA, J. (2003). La ciudad conquistada. Madri, Alianza.

______ (2005). “Revolución y contrarevolución en la ciudad global”. In: HARVEY, D. e SMITH, N. (2005). Capital fi nanciero, propiedad inmobiliaria y cultura. Barcelona, Universitat Autónoma de Barcelona/MACBA.

BORJA, J. e FORN, M. (1996). Polí cas da Europa e dos Estados para as Cidades. Revista Espaço e Debates. São Paulo, n. 39, pp. 32-47.

BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los mercados. SUR Corporación de Estudios Sociales y Educación. Temas sociales, n. 66.

BRUMMETT, B. (1994). Rhetoric in popular culture. Boston, Bedford/St. Mar n's.

CALDEIRA, T. (2007). Ciudad de muros. Barcelona, Gedisa.

CARRIÓN, F. (2007). “Espacio público: punto de par da para la alteridad”. In: SEGOVIA, O. Espacios públicos y construcción social. Hacía un ejercicio de ciudadanía. San ago de Chile, SUR.

______ (2012). “Dime quién fi nancia el centro histórico y te diré qué centro histórico es”. In: ZICCARDI, A. (coord.). Ciudades del 2010: entre la sociedad del conocimiento y la desigualdad social. México, Puec-Unam.

Page 136: Cadernos Metrópole 31. -

Carla Alexandra Filipe Narciso

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014136

CORNEJO, I. (2006). El Centro Comercial: ¿una nueva forma de “estar juntos”? Revista Cultura y representaciones sociales, año 1, n. 1.

______ (2007). El lugar de los encuentros, comunicación y cultura en un centro comercial. México, Universidad Iberoamericana.

DAVIS, M. (1992). Planeta de ciudades miseria. Madri, Foca.

DELGADO, M. (2011). El espacio público como ideología. Madri, Catarata.

DGOTDU – Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (2008). A iden dade dos lugares e a sua representação colec va. Bases de orientação para a concepção, qualifi cação e gestão do espaco público. Série Polí ca de Cidades, 3.

DIARIO DE MORELOS (9/11/2012). Disponível em: http://www.diariodemorelos.com/article/ enefama-la-plazuela-del-zacate. Acesso em: 23 nov 2013.

DUHAU, E. (2003). “Las megaciudades en el siglo XXI. De la modernidad inconclusa a la crisis del espacio público”. In: RAMÍREZ KURI, P. (2003). Espacio público y reconstrucción de la ciudadanía. México, Flacso/Miguel Ángel Porrúa.

DUHAU, E. e GIGLIA, A. (2008). Las reglas del desorden: habitar la metrópoli. México, UAMAzcapotzalco/Siglo XXI.

FAINSTEIN, S. (1994). The city builders. Cambridge, Blackwell.

FISKE, J. (1989). Reading the Popular. Londres/Nova York, Routledge/Unwin Hyman.

GIGLIA, A. (2003). “Espacio público y espacios cerrados en la ciudad de México”. In: RAMÍREZ KURI, P. Espacio público y reconstrucción de la ciudadanía. México, Flacso/Miguel Ángel Porrúa.

HABERMAS, J. (1984). Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.

HARVEY, D. (2007). Breve história del capitalismo. Madri, Akal.

JACOBS, J. (1992). The death and life of the great american ci es. Nova York, Vintage.

LEFEBVRE, H. (1974). The produc on of space. Oxford, Blackwell.

LEITNER, H.; PECK, J. e SHEPPARD, E. (eds.). (2007). Contes ng neoliberalism: urban fron ers. Nova York, Guilford.

LÓPEZ LEVI, L. (1997). Los centros comerciales como espacios mul funcionales. Argumentos, n. 27, pp. 81-96.

LOW, S. (2005). Transformaciones del Espacio Público en la Ciudad Latinoamericana: cambios espaciales y prác cas sociales. Bifurcaciones, n. 5. Disponível em: www.bifurcaciones.cl/005/Low.htm. Acesso em: 16 abr 2007.

MASSEY, D. e ALLEN, J. (1984). Geography ma ers, a reader. Cambridge University.

MASSEY, D. (2005). “La fi loso a y la polí ca de la espacialidad: algunas consideraciones”. In: ARFUCH, L. (comp.). Pensar este empo: espacios, afectos, pertenencias. Buenos Aires, Paidós.

______ (2008). Pelo espaço. Brasil, Bertrand.

______ (2012). “Un sen do global del lugar”. In: ALBET, A. e BENACH, N. Doreen Massey. Un sen do Global del lugar. Barcelona, Icaria.

Page 137: Cadernos Metrópole 31. -

Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 137

PORTAS, N. (2003). “Espaço público e cidade emergente”. In: BRANDÃO, P. e REMESAR, A. Design e espaço público, deslocação e proximidade. Lisboa, Centro Português de Design.

PRADILLA, E. (2009). Los territorios del neoliberalismo en América La na. México, UAM-X/Miguel Ángel Porrúa.

RAMÍREZ, B. (2010). “De la ciudad global a la ciudad neoliberal. Una propuesta teórica y polí ca”. In: ALFIE, M.; AZUARA, I.; BUENO, C.; PÉREZ NEGRETE, M. e TAMAYO, S. (eds). Sistema mundial y nuevas geogra as. México, UAM-Azcapotzalco, UAM- Cuajimalpa y UIA.

RAMÍREZ KURI, P. (2009). Espacio público y ciudadanía en la ciudad de México. Percepciones, apropiaciones y prác cas sociales en Coyoacán y su centro histórico. México, UNAM-IIS. PUEC/ Miguel Ángel Porrúa.

RIFKIN, J. (2000). La era del acceso: la revolución de la nueva economía. Barcelona, Paidós.

SANTOS, M. (1986). Espacio y Método. Geocri ca. Cadernos Crí cos de Geografi a Humana. Barcelona, Publicacions i Edicions UB, n. 65.

SENNETT, R. (1978). El declive del hombre público. Barcelona, Anagrama.

SMITH, N. (2005). “Capital fi nanciero, propiedad inmobiliaria y cultura”. In: HARVEY, D. e SMITH, N. Capital fi nanciero, propiedad inmobiliaria y cultura. Barcelona, Universitat Autónoma de Barcelona/MACBA.

SORKIN, M. (ed.) (2004). Variaciones sobre un parque temá co, la nueva ciudad americana y el fi n del espacio público. Barcelona, Gustavo Gili.

ZUKIN, S. (2010). Naked city. The death and life of authen c urban places. Nova York, Oxford.

Texto recebido em 11/set/2013Texto aprovado em 23/dez/2013

Page 138: Cadernos Metrópole 31. -
Page 139: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014

Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano de cidade ou metrópole?

Ponto de vista de uma europeia

Is it possible to talk, in the 21st century, of a Latin Americanmodel of city or metropolis? A European’s point of view

Hélène Rivière d’Arc

AbstractThe paper initially asks what can be understood by neoliberal city in Latin America in the 1990s and presents some reflections on events that have marked the history of cities. It identifies the categories of the past that clarify the ones that are currently in use in investigations, mainly those referring to systems that organize a specifi c domain: the metropolis in Latin America. As in anywhere else, the neoliberal city is the financialized city, where construction, in all its forms, in the entire urban territory which is now part of bank assets, leads to the privatization of old services and to the diffusion of new services, which are almost exclusively private. This definition encompasses practically all the cities of Latin America, large and medium-sized, and even diverse cities like São Paulo and Tegucigalpa. The text highlights six analysis paradigms that have guided important research studies on the Latin American urbanization process, allowing to analyze the simultaneity and the similarity of this process in different countries and in different periods of time.

Keywords: neoliberalism; Latin American city; urbanization.

ResumoA partir da indagação sobre o que se pode enten-

der por cidade neoliberal na América Latina nos

anos 1990, o artigo apresenta algumas reflexões

sobre eventos que pontuaram a história das cidades,

identificando quais são as categorias do passado

que esclarecem as atualmente em uso nas investi-

gações e, principalmente, as referentes aos sistemas

que organizam um domínio particular: a metrópole

na América Latina. Como em qualquer parte, a ci-

dade neoliberal é a cidade financeirizada, onde a

construção sob todas as suas formas, em todo o

território urbano que faz agora parte dos ativos ban-

cários, conduz à privatização dos antigos serviços e

à difusão de novos serviços quase exclusivamente

privados. Esta defi nição abarca praticamente todas

as cidades da América Latina, grandes e médias, e

até mesmo cidades tão diversas quanto São Paulo

e Tegucigalpa. O texto destaca seis paradigmas de

análise, orientadores de importantes trabalhos de

pesquisa sobre o processo de urbanização latino-

-americano, permitindo analisar a simultaneidade e

a similaridade desse processo em diferentes países e

em diferentes períodos de tempo.

Palavras-chave: neoliberalismo; cidade latino-

-americana; urbanização.

Page 140: Cadernos Metrópole 31. -

Hélène Rivière d’Arc

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014140

Inicialmente, levanto a hipótese de um

modelo de cidade que circula na América La-

tina, atribuindo à noção de modelo o sentido

dado pelos economistas quando procuram

saber qual é o elemento estruturador de um

sistema e as causas da reprodução ou não

desse último. Porém, tomo a escala espacial

da cidade como substrato do modelo e não a

escala nacional.

Do ponto de vista metodológico, contu-

do, a corroboração dessa hipótese pressupõe

algumas questões prévias. Devemos pensar

qual é o interesse de recorrer à noção de mo-

delo. De fato, essa última permite fugir ao con-

texto hegemônico de mundialização para ex-

plicar um processo, pois o reconhecimento de

um “modelo” permite por sua vez antecipar o

futuro e as possibilidades.

Saskia Sassen acredita poder reconhecer

um modelo universal da cidade global, que se

diferenciaria apenas por ser – em muitos ca-

sos – truncado. Assim, esse modelo nada mais

seria do que um retorno à hegemonia exercida

por algumas cidades e pelas redes de todos os

tipos, que exercem seus poderes virtuais a par-

tir dessas cidades. Para um especialista, esse

procedimento pode ser satisfatório. Para um

pesquisador em ciências sociais e econômicas,

ele me parece restritivo, na medida em que o

pesquisador considera que o tempo (político,

histórico...) é uma contingência das hipóteses

que ele levanta. Com efeito, propor a existên-

cia de um modelo de cidade latino-americana

(ou mesmo europeia) talvez se deva ao fato

de a primeira década de 2000 ter vivido, aqui

e lá, momentos políticos e econômicos muito

diferentes. A década de 1990, que presenciou

a liberalização e política desenfreadas, priva-

tizações, abertura ao intercâmbio comercial,

cultural e intelectual, foram anos dourados

para as redes de especialistas. Essas redes

fizeram circular suas definições dos riscos e

suas receitas em todos os continentes. Alguns

pesquisadores denunciaram, então, uma “des-

politização” das questões sociais e econômi-

cas, criticando indiretamente os especialistas

por dissipar as contradições não resolvidas,

unicamente com base em sua credibilidade

técnica. Em conclusão, isso remeteria o concei-

to de território urbano apenas à sua materiali-

dade física.

Outros ressaltaram a complexidade e a

dificuldade que representa para as populações

urbanas, principais vítimas desses riscos de to-

dos os tipos, enfrentar a inflação das medidas

burocráticas e/ou jurídicas, inspiradas nas reco-

mendações e receitas neoliberais. Mas pode-se

dizer também que, no outro extremo, o traba-

lho dos pesquisadores, baseado nessas contin-

gências do tempo e da história, pode por vezes

aparecer com uma negação de todo impacto

de um pensamento ou de uma ação reforma-

dora, seja ela qual for. Existe aí um dilema, mas

acredito que a evolução política dos anos 2000,

cujos traços marcantes são a aspiração às re-

fundações nacionais na América Latina e à pro-

fundidade da crise na Europa (e também nos

Estados Unidos), pode contribuir para mudar

as modalidades dessas circulações temáticas

sobre a cidade.

Nesse contexto dos anos 1990, o que

foi então entendido como cidade neoliberal

na América Latina? Como em qualquer parte,

mas talvez mais ainda que em outros luga-

res, trata-se da cidade financeirizada, onde a

construção sob todas as suas formas, em to-

do o território urbano que faz agora parte dos

ativos bancários, levam, por sua vez, a uma

Page 141: Cadernos Metrópole 31. -

Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 141

privatização dos antigos serviços e à difusão de

novos serviços quase exclusivamente privados.

Essa definição abarca praticamente todas as ci-

dades da América Latina, grandes e médias, e

até mesmo cidades tão diferentes quanto São

Paulo e Tegucigalpa.

Investigar sobre os eventos que pontua-

ram a história das cidades permite identificar

quais são as categorias do passado que es-

clarecem as que estão atualmente em uso e

sobre os sistemas que organizam um domínio

particular: nesse caso, a metrópole na Améri-

ca Latina.

Alguns paradigmas observados

Neste texto, elenco seis paradigmas que

foram objeto de inúmeros trabalhos. Seria

preferível atribuir-lhes uma ordem que subli-

nhasse sua importância? Não, pois correspon-

dem a elementos de análise e períodos bas-

tante diferentes.

Em primeiro lugar, pode-se notar a simul-

taneidade em todos os países da América Lati-

na da mais forte explosão urbana do mundo,

frequentemente qualificada como espontânea,

informal e ilícita (acompanhada, aliás, por fenô-

menos de implosão urbana). Que interpretação

socioeconômica se dava desse processo? Acre-

dito ser a seguinte: na verdade, a população

“marginal” nas periferias esperava poder con-

quistar o status de proletário (ou assalariado),

construindo ao mesmo tempo seus territórios

específicos que se tornariam rapidamente a

expressão da maior expansão urbana do mun-

do (o atual sprawl, ou espalhamento). Muitos

sociólogos, dentre os quais Emilio Duhau, retra-

çaram essa história.

Com um pouco de recuo, penso em duas

explicações possíveis para a construção desse

modelo espacial: a primeira remete à ausência

de valor venal dos terrenos nos arredores das

cidades até uma época recente (anos 1980), e

a outra seria o corolário do primeiro, a indefini-

ção prolongada no tempo do status da proprie-

dade urbana. E os diferentes atores que ditam

as regras dessa urbanização selvagem acabam

por ter comportamentos muito parecidos nas

diferentes cidades para contornar esses obs-

táculos. O rápido aumento do valor fundiário

e a passagem ao mercado constituirão subse-

quentemente um dos paradigmas essenciais de

nossa análise.

O segundo ponto que gostaria de evocar

é o que vem a seguir, pois condiciona profun-

damente as novas formas de gestão das socie-

dades urbanas. Deve-se vincular a rapidez da

transição demográfica na América Latina e da

aplicação do respectivo modelo teórico com a

urbanização? A leitura dos trabalhos dos anos

1990 nos incita a isso. Essa transição durou vin-

te e cinco anos (dos anos 1960 aos anos 1990),

e a diferença de comportamento entre as zonas

metropolitanas e as zonas rurais era mais pro-

nunciada do que a diferença entre os países.

Segundo Maria-Eugenia Cosio, a partir de 1980

a média do número de filhos por mulher era in-

ferior a 2,5. Isso nos faz supor que os imigran-

tes das zonas rurais mudavam de modo de vida

assim que se instalavam em zonas urbanas. Os

demógrafos, incluindo M. E. Cosio, atribuem

essa transição extremamente rápida que marca

fundamentalmente as sociedades latino-ameri-

canas a duas causas essenciais. Primeiro, eles

se referem à importância das políticas médicas

Page 142: Cadernos Metrópole 31. -

Hélène Rivière d’Arc

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014142

na América Latina desde os anos 1930, e de-

pois, à mudança de atitude das famílias pobres

urbanas no que diz respeito à fecundidade. De

fato, a multiplicação de filhos por família não

seria mais, desde os anos 1980, uma segurança

para a sobrevivência da família, mas ao contrá-

rio, para enfrentar a crise, as mulheres teriam

sido levadas a um uso generalizado de anticon-

cepcionais, à sua disposição em condições de

acesso fáceis, sobretudo nas cidades.

Essa mudança coincidiu, em todas as par-

tes, com uma política de apoio à família urbana

imaginada no México, mas rapidamente difun-

dida em todo o subcontinente, através de mo-

delos bastante próximos e em cuja aplicação a

responsabilidade das mulheres é valorizada. Si-

multaneamente, a esperança de vida aumentou

a um ritmo igualmente rápido, fazendo então

surgir uma sociedade urbana composta por di-

versas gerações.

Em outras palavras, as condições de-

mográficas atuais não contradizem os pressu-

postos teóricos considerados universais, mas

os posicionam em uma perspectiva conjun -

tural com os desvios e divergências em seus

efeitos prováveis.

Há um terceiro paradigma, recorrente

quando se fala de cidades da América Latina:

o do impacto das desigualdades sociais extre-

mas existente há décadas, que divide a socie-

dade em cinco grandes “classes”: A, B, C, D e

E. Elas fundamentam hoje em dia as políticas

urbanas, designadamente a de habitação.

Criadas por gabinetes de estudos que atuam

na esfera nacional ou internacional, substi-

tuíram as antigas categorias de assalariados,

de “marginais”, e mesmo as que apareceram

posteriormente, de pobres e ricos. Em relação

a essas antigas categorias, elas dão uma visão

asseptizada da sociedade, sintetizando a di-

versidade dos status profissionais, dos ofícios,

das atividades e das condições sociais. Por isso,

elas parecem ser aceitas como “dados fixos”,

impossíveis de se questionar. “Sou da classe

‘D’”, especifica um comerciário. Isso deve ser

suficiente para explicar seu modo de vida e,

ainda mais, seu comportamento. Mas essas ca-

tegorias são, ao mesmo tempo, um instrumento

técnico de urbanismo comum aos arquitetos,

promotores e gestores, já que o recurso à sua

existência remete à intervenção no espaço ur-

bano em construção ou transformação, tanto

do ponto de visa das infraestruturas, como dos

serviços e da moradia. Principalmente, elas re-

velam o futuro possível de um bairro, pois tra-

duzem a capacidade de seus habitantes de pa-

gar impostos, mas ainda mais de obter crédito.1

O que remete a uma definição de um modelo

de cidade "latino-americano” hoje “financeiri-

zado", suportado por um valor fundiário urba-

no em aumento muito rápido. Esses aumentos

de preços obrigam as diferentes categorias da

população a modificar suas estratégias tra-

dicionais de acesso à moradia como a ocupa-

ção e a entrar na batalha do mercado, e aos

empreen dedores, bem como às organizações

populares, a entrar no que alguns chamam de

“caça aos espaços”.2

Há dois tipos de respostas a esse dilema

por parte das populações mais modestas, que

condicionam a reprodução do modelo espa-

cial centro/periferia que aplicávamos tradicio-

nalmente nos espaços metropolitanos latino-

-americanos ou, hoje, para seguir alguns atores

que preferem falar de fragmentação em vez de

segregação, o novo modelo “multicentralida-

des/periferias”. Acredito que esses dois tipos

de respostas, mesmo que expressas de modos

Page 143: Cadernos Metrópole 31. -

Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 143

diferentes, estão presentes em inúmeras cida-

des da América Latina. A primeira é a aceitação

do afastamento dos centros das cidades, que

são, no entanto, os espaços mais provedores de

atividades de todos os níveis de qualificação,

de atividades precárias, de atividades noturnas,

com o risco de acumular as horas em todos os

meios de transportes públicos ou privados e de

precisar inventar novos modos de vida. A se-

gunda é a invenção de formas de pressão so-

bre os poderes locais para que seja facilitado o

acesso à moradia por meio de um empréstimo

adequado ou para que reconheçam o direi-

to das pessoas de permanecerem onde estão.

Essa formas de pressão podem ser exercidas

na rua, ao mesmo tempo que no interior das

instituições de participação implementadas em

quase toda a América Latina, de acordo com

um modelo inspirado em experiências de go-

verno municipal do PT, cujas modalidades ro-

daram o mundo.

A extrema dificuldade dos poderes pú-

blicos a dar coerência às políticas de trans-

porte ou a regular as atualmente em vigor

me parece, aliás, um dos traços marcantes do

modelo latino-americano há anos e um dos

mais explosivos das últimas décadas. De fato,

pode-se notar que o problema dos transportes

está ausente do discurso dos prefeitos que, no

entanto, são frequentemente de esquerda ou

pelo menos abertos à participação, enquanto

ocupa um lugar constante na sociedade urba-

na, considerando todas as classes. Por outro

lado, as institui ções municipais parecem estar

comprimidas entre a inextricável confusão que

reina no antigo setor privado e nos serviços

mais recentemente privatizados e um setor

público, às vezes presente, mas suplantado

pela emergência.

Cidade caótica ou cidade neoliberal?

Se até os anos 1960 os arquitetos detinham um

quase monopólio da reflexão sobre o urbanis-

mo e as cidades, o crescimento desenfreado

dessas últimas, tanto em extensão como em

população, contribuiu para retomar essa tra-

dição. Aparecendo primeiramente como vitrine

da modernização – uma visão que a época de

autoritarismo se esforçou para tornar oficial

durante duas décadas –, esse crescimento se

transformou pouco a pouco em crise, em pe-

sadelo até que atingiu seu ponto culminante

nos anos 1980. Contudo, uma crise tão difícil

de assimilar que as cidades da América Latina

ainda façam parte, nos anos 2000, desse Planet

of Slums (Planeta das Favelas), um título im-

pactante que transformou o livro do Mike Davis

em best-seller. Aliás, as estatísticas internacio-

nais, que associam sempre implicitamente a

pobreza e a violência, apresentam constante-

mente algumas das cidades da América Latina

como as mais violentas do mundo.

Porém, trata-se de um atalho enganador.

A questão merece ser colocada de maneira

diferente. Os paradigmas que tentei levantar

na primeira parte deste texto, que constituem

a essência do neoliberalismo, misturados com

histórias diversas, não deixam de interrogar

sobre a continuidade de experiências comuns

em todo o continente e no tempo, às vezes com

uma década de atraso.

Em esfera local, a coincidência principal

reside em uma certa similitude do discurso po-

lítico dos poderes locais, cuja fibra social an-

tecede frequentemente a dos governos nacio-

nais, mas que já vivem alternâncias políticas.

Page 144: Cadernos Metrópole 31. -

Hélène Rivière d’Arc

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014144

São o reflexo de atitudes de classes médias

que não são mais impregnadas pela análise

radical dos intelectuais orgânicos dos anos

1990. São os poderes locais que buscam, na

panóplia das medidas sociais/técnicas propos-

tas pelos fóruns internacionais, inspirações ur-

banísticas e sociais. Reconhecem a similitude

dos problemas encontrados em toda a Amé-

rica Latina. São, aliás, frequentemente perce-

bidos apenas como únicos portadores de um

discurso hoje de esquerda no mundo, que pre-

tende criticar um sistema neoliberal aplicado

à gestão do território, mas incapaz de propor

medidas alternativas.

C o n t u d o , a p ó s o c o n s e n s o d e

Washington, o custo social das doutrinas neo-

liberais que sucederam as ditaduras parece ter

deixado a desconfiança em relação aos repre-

sentantes de Estado se propagar por toda par-

te, mesmo se personagens carismáticos como

Chávez ou Lula conseguem ampla e tempo-

rariamente dar a impressão de que o quadro

está mais favorável.

No que diz respeito à sociedade urba-

na, a informalidade no trabalho e as ativi-

dades mudam de sentido. Ela se estende da

precariedade à transgressão e não é somente

a eventual “desindustrialização precoce” dos

países, retomando a expressão já adotada pe-

las economias e, por conseguinte, das cidades

onde as formas de emprego assalariado tradi-

cional estagnam, a responsável por isso. Po-

deríamos até mesmo praticamente dizer que

ao se aproximar das características dos em-

pregos informais e ao transgredir de maneira

complexa o direito do trabalho, os empregos

formais se “informalizam”.

Isso quer dizer que esse modelo urbano

latino-americano se explicaria ainda por meio

de duas teses que foram muito propagadas

nos anos 1960-1980 e que colocavam ambas

o Estado como ator principal do debate. Uma

delas, de Manuel Castelles, muito difundidas

na época na América Latina, via o Estado an-

tes de tudo como a expressão dos interesses de

classe, uma tese já suplantada, por ele mesmo,

aliás. O’Donnell explicava as experiências auto-

ritárias da época pela incapacidade dos gover-

nantes de aprofundar aquilo que podia dina-

mizar o processo de industrialização (pós-ISI).

Ela também foi suplantada. Acredito que é na

análise das experiências urbanas que se deve

continuar a buscar o modelo que se transfor-

ma incessantemente, como seria, por exemplo,

uma análise comparativa em meio urbano das

normas que regem a distribuição dos bens pú-

blicos e privados.

Conclusão

Como conclusão, apresento a síntese de uma

experiência de pesquisa realizada em São

Paulo e no México. A experiência consistia em

uma comparação entre as diferentes formas

de acesso à moradia em um contexto de forte

alta do valor fundiário urbano. Ela se apoiava

em uma constatação comum entre as duas ci-

dades: uma expansão urbana extremamente

ampla (sprawl ou espalhamento), apesar da

desaceleração do crescimento da população.

Essa constatação revelou uma das necessida-

des mais imperativas da sociedade: a mora-

dia. A questão para as municipalidades que

Page 145: Cadernos Metrópole 31. -

Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 145

compõem as áreas metropolitanas é, portanto,

a seguinte: como gerenciar e interromper essa

expansão, sem negligenciar as necessidades re-

sidenciais mais urgentes e mais consumidoras

de espaço?

No México, nos anos 2000, sob os go-

vernos de Andrés Manuel López Obrador e

de seus sucessores, a fim de tentar restringir

a expansão espacial na circunscrição admi-

nistrativa do DF, foi elaborado um programa,

o Bando 2, que não durou muito tempo, mas

que teve consequências imediatas e atraiu

uma grande quantidade de atores. Esse pro-

grama visava impedir a promoção de novos

conjuntos residenciais fora do centro, isto é,

no Bando 2, para impulsionar a requalificação

do centro histórico do México. Mas quais são

hoje os meios de pressão do governo munici-

pal sobre as construtoras que, por sua vez, se

beneficiam de um processo de transferência

da promoção da moradia para o setor privado,

para que invistam no centro da cidade, onde o

valor fundiário originou um crescimento con-

siderável? As consequências desse programa

foram a emigração das operações de moradia

para fora do Bando 2, em municípios do esta-

do do México, muito satisfeitos em conceder

terrenos muito baratos a empresas que po-

diam se tornar contribuintes.

Esse resultado bastante próximo, me

parece, da situação madrilena, contribuiu

muito para a expansão urbana e para a cons-

trução de loteamentos muito afastados das zo-

nas de atividades do DF. Em suma, uma situa-

ção que, do ponto de vista social e do relato da

vida cotidiana dos habitantes, se parece com a

de São Paulo.

Inversamente, em São Paulo, o inves-

timento da municipalidade em moradias é

relativamente recente e é baixo. A bolha imo-

biliária para os imóveis de alto padrão atingiu

o pico no início dos anos 2000. Em 2007, essa

atividade experimentou uma queda bastante

brusca. As empresas que trabalhavam para a

categoria de alto padrão voltaram-se, então,

para outro mercado, o das classes médias C e

D, usando um modelo residencial padronizado.

Os diferentes programas propostos pelo gover-

no central, por meio da Caixa Econômica Fede-

ral, permitem essa reconversão. As construto-

ras, por outro lado, ocupam espaços liberados

pela demolição de zonas industriais. E, para

praticar essa reconversão, elas recorrem a dois

raciocínios: um, na escala da zona metropoli-

tana, e o outro, na escala do município de São

Paulo, deixando à cidade a incumbência de re-

solver a questão da moradia dos trabalhadores

com “menos de cinco salários mínimos”, isto é,

investimentos a fundo perdido.

Nos dois casos observados, ou seja, o DF

e o município de São Paulo, encontramos hoje

um valor fundiário que aumenta rapidamente,

mesmo se de maneira desigual, conforme os

espaços. No DF, é porque não há muita oferta;

em São Paulo, porque os espaços eventualmen-

te disponíveis e minuciosamente disputados,

são requalificados para a moradia de uma po-

pulação capaz de pagar.

Diante da financeirização dos espaços

urbanos, estratégias e ações foram modifica-

das, tanto no México, como em São Paulo. A

ocupação ou a invasão de know-how tradi-

cional que caracterizou mais de um século de

urbanização, tanto aqui, como lá, não é mais

a forma de ação dominante. No México, a rei-

vindicação dominante e o tema da mobilização

mais importante é o do acesso a crédito apro-

priado à situação do devedor. Outra maneira,

Page 146: Cadernos Metrópole 31. -

Hélène Rivière d’Arc

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014146

compatível com a primeira, é a adesão a uma

associação, cujo líder se incumbe de levar a

solicitação ao INVI (Instituto Nacional de la

Vivienda), ou diretamente junto à prefeitura. A

participação, mesmo se é afirmada pelo prefei-

to da Cidade do México, que alega inspirar-se

no modelo das cidades do Brasil, não tem mui-

ta influência nas tomada de decisão referentes

às questões de moradia.

Em São Paulo, O Movimento escolhe três

modalidades de ação. Ele participa do Conse-

lho Municipal de Habitação com seus aliados

das ONG, mas o orçamento examinado pelo

CMH é extremamente baixo em relação às ne-

cessidades. Ele procura terrenos que possam

ser construídos ou reabilitados por razões di-

versas3 que ele ocupa simbolicamente, fazendo

pressão simultaneamente sobre a prefeitura

para que faça valer o direito de preferência ou

os adquire a preço baixo.

Portanto, são estratégias distintas, po-

rém, com pontos em comum: a financeiriza-

ção da cidade deslocou as estratégias tradicio-

nais, cujo corolário era o status impreciso da

propriedade para ações integradas de maneira

absolutamente consciente no mercado. Assim,

há ainda nesse aspecto a simultaneidade de

mudanças marcantes nas duas cidades. Por

outro lado, aqui e lá se observa a importân-

cia do papel atribuído às corporações e aos

meios profissionais no debate, conduzindo à

seguinte observação: a consideração das de-

sigualdades sociais extremas como elemento

estruturador dos projetos de urbanismo como

“dados sociais fixos” leva os profissionais aqui

e lá à realização prática de modelos arquitetu-

rais muito similares. A aplicação desses mode-

los traduz uma mesma combinação de dados,

o custo de construção mais baixo possível,

enquanto o custo fundiário aumenta. O con-

senso em torno a um modelo único de casas

e apartamentos pequenos (cerca de 40 m2).4

Mas esse é outro debate.

A transformação das cidades latino-ame-

ricanas durante a última década marca, acre-

dito, a retomada da crença e dos termos das

instituições em detrimento dos das redes e da

comunicação imposta.

Hélène Rivière d’ArcInstitut des Hautes Etudes de l’Amérique Latine. Centre de Recherche et de Documentation sur les Amériques. Paris, Franç[email protected]

Page 147: Cadernos Metrópole 31. -

Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 147

Notas

(1) Pode-se perguntar, então, por que as metrópoles da América La na não vivenciaram a crise como Cleveland ou Madri; pode ser que, devido à prudência dos promotores e banqueiros, ainda não persuadidos de que a maioria da população urbana já se tornou de “classe média”, ou antes D+ ou C.

(2) É assim que um dos líderes da União dos Movimentos, em São Paulo, resume a tá ca de entrada das organizações populares no mercado fundiário.

(3) Em geral, an gos terrenos industriais e/ou terrenos abandonados.

(4) Curiosidade: a viagem dos empreendedores de São Paulo ao México em 2009, para entender como era possível construir loteamentos tão grandes de casas tão baratas (Ecatepec, Cuau tlan).

Texto recebido em 10/nov/2013Texto aprovado em 15/dez/2013

Page 148: Cadernos Metrópole 31. -
Page 149: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014

Reestruturação urbana neoliberale as empresas de ônibus

na cidade do Rio de Janeiro

Neoliberal urban reorganization and the buscompanies in the city of Rio de Janeiro

Igor Pouchain Matela

ResumoEm 2010, a prefeitura do Rio de Janeiro realizou

a concessão privada de todo o sistema de trans-

porte por ônibus na cidade. Historicamente, os

empresários do setor se constituíram numa das

principais forças na coalizão de interesses na po-

lítica urbana. Neste artigo, trabalhamos com a

hipótese de que a reorganização do transporte es-

tá inserida num contexto de aprofundamento do

processo de neoliberalização na escala urbana no

Brasil que estaria desestruturando/reestruturan-

do a coerência espacial anterior, implicando em

mudanças nas coalizões políticas e em suas rela-

ções com o Estado. A modernização das formas

de acumu lação urbana tende a estabelecer uma

regulação nos serviços públicos mais próxima da

lógica de um mercado autorregulado.

Palavras-chave: reestruturação urbana; neolibe-

ralização; transporte público; empresas de ônibus;

Rio de Janeiro.

AbstractIn 2010, the municipal government of Rio de Janeiro granted the private concession of the entire system of bus transportation in the city. Historically, entrepreneurs of the sector have constituted a major force in the coalition of interests in urban policy. In this paper, we work with the hypothesis that the reorganization of the transportation system is embedded in a context of intensification of neoliberalization in the urban scale in Brazil that would be disorganizing / reorganizing the previous spatial coherence, producing changes in political coalitions and in their relations with the State. The modernization of modes of urban accumulation tends to establish a regulation of public services that is close to the logic of a self-regulated market.

Keywords: urban reorganization; neoliberalization; public transportation; bus companies; Rio de Janeiro.

Page 150: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014150

Introdução

O transporte na Região Metropolitana do Rio

de Janeiro se divide basicamente em cinco mo-

dais: ônibus, metrô, trens, barcas e vans (entre

legalizadas e clandestinas). Entretanto, desta-

ca-se a primazia do transporte rodoviário por

ônibus que pode ser verificada a partir de sua

atual participação de cerca de 70% no total

de deslocamentos realizados na cidade do Rio

de Janeiro – município núcleo e que apresenta

alta concentração dos postos de trabalho e da

renda na região metropolitana (Gráfico 1). Os

ônibus municipais são os únicos sob adminis-

tração da prefeitura da cidade, enquanto os ou-

tros meios se vinculam ao governo estadual e

passaram pelo processo de privatização no fim

dos anos 1990.

A hegemonia do modelo rodoviário do-

minado por empresas de ônibus no sistema de

transportes coletivos na cidade do Rio de Ja

neiro se consolida a partir da década de 1960.

Desde então, essas empresas reforçaram seu

poder econômico e político, tendo grande in-

fluência sobre as políticas e os investimentos

públicos no setor. Baseadas em permissões da

Prefeitura para operar o serviço, as empresas

atuavam sob um estatuto jurídico precário, sem

contratos definidos. Essa forma de regulação

vigorou até 2010, quando a prefeitura da cida-

de do Rio de Janeiro realizou, pela primeira vez,

uma licitação pública para a concessão por 20

anos de todo o sistema de transporte público

por ônibus.

Esta mudança se realiza num contexto

de grandes transformações urbanas no Rio

de Janeiro. A cidade se prepara para receber

Fonte: Armazém de dados do Rio de Janeiro.

Gráfi co 1 – Movimento de passageiros segundo os modos de transporteno município do Rio de Janeiro (1995-2012)1

Page 151: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 151

os dois principais eventos esportivos interna-

cionais (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos) e

tal situação é vista pela coalizão política do-

minante como uma oportunidade de inserção

competitiva da cidade no mercado mundial. In-

clusive, é um momento em que a própria coa-

lizão política parece se rearticular em torno de

novos interesses.

As tradicionais coalizões em torno da

acumulação urbana no Brasil se organizaram,

ao longo da segunda metade do século XX sob

a lógica mercantil, a partir de relações patrimo-

nialistas com o Estado. Tal fato conformou um

padrão de regulação que bloqueou a moder-

nização capitalista no espaço urbano. As rela-

ções de poder garantiram privilégios às frações

do capital nacional predominantes nos circuitos

de acumulação que envolviam obras públicas,

mercado imobiliário e serviços urbanos (es-

pecialmente os de transporte). Recorrendo às

contribuições de David Harvey, podemos afir-

mar que essas coalizões foram constitutivas da

coerência espacial estruturada característica

das cidades brasileiras no período.

Sugerimos que a recente reorganização

do transporte por ônibus no Rio de Janeiro

aponta para a hipótese de que presenciamos

um processo de neoliberalização nos espaços

urbanos no Brasil que estaria desestruturando/

reestruturando a coerência espacial anterior,

implicando mudanças nas coalizões políticas e

suas relações com o Estado.

A partir dessa abordagem, começamos

este artigo com uma breve discussão sobre a

formação de coerências estruturadas, alianças

de classe e coalizões governantes para, em

seguida, fazermos uma caracterização da coe-

rência urbana estruturada que se formou no

Brasil ao longo do século XX, seu padrão de

regulação e a coalizão urbana correspondente.

Mais especificamente, abordaremos a ascensão

das empresas de ônibus e sua consolidação he-

gemônica no sistema de transporte urbano do

Rio de Janeiro.

Na segunda parte, examinaremos a con-

cessão privada do transporte por ônibus reali-

zado a partir de 2010 pela Prefeitura, a racio-

nalidade emergente, o sentido da mudança da

regulação e como o processo se desenvolve

empiricamente, os conflitos e as adaptações

verificados até o momento.

Finalmente, tentaremos oferecer uma in-

terpretação sobre como a reacomodação dos

interesses na coalizão urbana implica mudan-

ças/permanências da política de transportes.

Em que medida há uma transição da acumu-

lação mercantil, baseada no patrimonialismo

para uma lógica de mercado, aprofundando a

mercantilização dos serviços urbanos.

Coerência urbana estruturada no período nacional-desenvolvimentista e ascensão das empresas de ônibus no Rio de Janeiro

Coerências espaciais estruturadas e alianças de classe

Os processos de circulação do capital, impul

sionados pela necessidade sistêmica de in-

cessante acumulação, são o fundamento da

geografia histórica do capitalismo. Esta ideia-

-chave desenvolvida com detalhamento pelo

geógrafo David Harvey nos ajuda a interpretar

Page 152: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014152

as formas mais gerais de produção espacial no

capitalismo. Harvey recupera a ideia concebida

por Marx de que o movimento de acumula-

ção do capital precisa, a cada rodada, superar

as barreiras espaciais a fim de se realizar. Es-

sa tendência de “aniquilação do espaço pelo

tempo” se dá pela aceleração do tempo de giro

do capital por meio de formas de transporte e

comunicações cada vez mais modernas e vol-

tadas para a rapidez dos movimentos. O resul-

tado desse processo é a compressão do hori-

zonte espaço-temporal do mundo e tempos de

circulação do capital cada vez mais curtos.

Mas desse movimento emerge uma con-

tradição: se por um lado o capital deve supe-

rar as barreiras espaciais, por outro ele precisa

produzir espaços mais adaptados às suas cam-

biantes necessidades. Os limites geográficos

para acumulação do capital têm de ser ultra-

passados pela produção de um novo espaço.

Com isso, o capitalismo tende a produzir uma

paisagem geográfica apropriada a sua dinâmi-

ca de acumulação num determinado momento

histórico, para que num momento posterior es-

sa paisagem seja destruída para a criação de

uma nova, apropriada à acumulação numa no-

va condição histórica.

As infraestruturas físicas e sociais são um

recurso espacial complexo de ativos criados pa-

ra apoiar a produção e o consumo. Elas absor-

vem grandes quantidades de investimento de

capital de longo prazo e requerem mais capital

para sua manutenção ao longo de sua vida útil.

O estoque dos ativos de capital incorporado

nestas infraestruturas fornece uma forma con-

creta de riqueza que pode ser usada para pro-

duzir e consumir mais riqueza (Harvey, 1985).

Dessa forma, as estruturas espaciais conso-

lidadas a partir do processo acima descrito

adquirem o caráter de uma configuração espa-

cial particular de um ambiente construído para

produção, consumo e intercâmbio. E o acesso

privilegiado a qualquer conjunto desses ati-

vos no ambiente construído se constitui numa

fonte potencial de lucros extraordinários. Essas

configurações espaciais particulares ou, nos

termos de Harvey, “coerências estruturadas”

dão suporte e, ao mesmo tempo, restringem o

movimento do capital.

Dentro desses espaços, a produção, a dis-tribuição, a troca e o consumo, a oferta e a demanda (particularmente de força de trabalho), a luta de classes, a cultura e os estilos de vida se juntam num sis-tema aberto que, não obstante, exibem algum tipo de “coerência estruturada”. (...) Consciências e identidades regionais, até mesmo lealdades afetivas, podem ser construídas nesta região e, quando sobre-posta por algum aparato de governança e poder estatal, o espaço regional pode evoluir para uma unidade territorial que opera como um tipo de espaço definido de consumo e produção coletivos assim como de ação política. A coletividade pode se consolidar assumindo responsa-bilidade pelo enraizamento de todo tipo de infraestruturas na terra (sistemas de rodovias, facilidades portuárias, sistemas de água e esgoto) e configurando múlti-plos suportes institucionais (educação e saúde) que definem uma forma particular de relacionamento com a acumulação de capital assim como com o resto do mun- do. (Harvey, 2004, p. 78)

Entendemos, portanto, que a formação

de coerências estruturadas é um processo que

se dá em diferentes escalas simultaneamente

e não dependem necessariamente da insti-

tucionalização estatal para serem represen-

tadas. Assim, se o Estado nacional delimita

Page 153: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 153

uma coerência estruturada mais geral, outras

coerências estruturadas (regionais, metropoli-

tanas, urbanas) podem emergir, estando con-

tidas numa estrutura escalar e estabelecendo

diversas formas de relações entre si (competi-

tivas, cooperativas, controle, subordinação hie-

rárquica, etc.).

Se as coerências estruturadas têm essa

dimensão sistêmica-estrutural dada pelas con-

dições históricas de acumulação, seu desenvol-

vimento geográfico desigual também depende

da dimensão política específica dada pelas

alianças de classe que se formam articuladas a

elas. As coerências estruturadas são base mate-

rial para a formação de alianças de classe e, ao

mesmo tempo, destas dependem para sua rela-

tiva estabilidade. Há uma lógica política terri-

torial que se apóia em processos vinculados ao

espaço. As coerências estruturadas são a mate-

rialidade que resulta dessa tensão determinada

por forças econômicas e políticas.

O objetivo mais geral das alianças de

classe de base territorial é preservar ou aprimo-

rar a coerência estruturada. Assim, elas podem

assumir uma postura defensiva ou agressiva

diante de outras regiões, o que interfere so-

bremaneira no tipo de política territorial a ser

adotada. Portanto, a aliança de classe é “uma

força poderosa na formação da paisagem do

capitalismo, produto da acumulação do capital

e luta de classes que se desdobra no espaço

geográfico” (Harvey, 1985, p. 148).

As alianças de classe, os processos po-

líticos e as configurações espaciais acabam,

em dado momento, por se tornarem barreiras

inconciliáveis para o desenvolvimento subse-

quente do capitalismo. Nesta hora, o capitalis-

mo tem que destruir as formas sócio-políticas-

-geográficas que ele criou para recriá-las numa

versão mais moderna. A reestruturação da coe-

rência espacial cria novas possibilidades para a

reconstrução de uma aliança de classes, tanto

a partir de ligações externas, quanto por meio

de novas combinações das forças internas.

A ideia de configurações geográficas de

longa duração, presente no conceito de coe-

rência estruturada, nos permite uma base de

análise para as transformações espaciais em

curso nas grandes cidades latino-americanas a

partir da emergência do processo de neolibera-

lização. Nos limites deste artigo, pretendemos

enfocar em linhas gerais o caso brasileiro para,

em seguida, oferecer uma interpretação sobre

as mudanças recentes na política de transpor-

tes por ônibus na cidade do Rio de Janeiro.

O período nacional-desenvolvimentista

A partir de meados do século XX até os anos

1980, se estabelece no Brasil um padrão de re-

gulação da acumulação capitalista que alguns

autores classificam como fordismo periférico.

Este período, que chamamos aqui de nacional-

-desenvolvimentista, se caracterizou por uma

política industrial com forte incentivo à subs-

tituição de importações associada a uma mar-

cante presença de filiais de indústrias de capi-

tal estrangeiro no espaço econômico nacional.

Como vimos anteriormente, tais características

macroestruturais que regularam a acumulação

de capital nessa época, ajudaram a conformar,

em diferentes escalas, as coerências espaciais e

as alianças de classe no Brasil.

Numa abordagem das especificidades

do capitalismo associado na América Latina

(presença de capitais nacionais e estrangeiros

na economia nacional), Lessa e Dain (1982)

Page 154: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014154

afirmam que uma das condições do desenvol-

vimento do capitalismo no Brasil nesse período

foi o estabelecimento de uma aliança entre os

capitais estrangeiros e nacionais que definia

duas cláusulas básicas: a primeira consistia em

destinar determinadas esferas de acumulação

(industrial, bancária, agrária, etc.) para cada

tipo de capital. Administrado pelo Estado, o

pacto da “Sagrada Aliança” reservou ao capital

nacional a acumulação urbana, notadamente

os setores imobiliário, de obras e de serviços

públicos (ex.: transportes coletivos). A segunda

cláusula do pacto garantia ao capital nacional,

marcadamente de caráter mercantil, níveis de

rentabilidade compatíveis com os auferidos pe-

lo capital industrial estrangeiro. Para isso, eram

necessárias formas de acumulação que Lessa

e Dain chamaram de “pervertidas”, baseadas

no privilégio, e que podemos relacionar com

as práticas de acumulação por espoliação, de

acordo com conceito cunhado por Harvey. Aqui

ressaltamos as relações patrimonialistas entre

esses capitais mercantis e o Estado, que orien-

taram de forma decisiva as políticas e os inves-

timentos públicos.

Portanto, é importante notar que a alian-

ça de classes em escala nacional está associa-

da às condições das alianças e coalizões polí-

ticas no espaço urbano, assim como as formas

de relação entre o Estado e os capitais que aí

realizavam sua acumulação. Essas coalizões ti-

veram notadamente um viés defensivo, de pro-

teção de suas posições alcançadas e de reser-

va de mercados. Com isso, também foram um

fator de bloqueio da modernização capitalista

nos espaços urbanos.

Em relação às características distintivas

das coerências urbanas estruturadas desse

período, podemos destacar a acelerada tendên

cia à metropolização e à industrialização com

baixos salários. O baixo custo de reprodução da

força de trabalho teve seus reflexos na econo-

mia urbana e na própria produção do espaço:

os circuitos inferior e superior da economia

(Milton Santos), a informalidade como parte da

nossa modernização e não como atraso (Fran-

cisco de Oliveira) nos ajudam a compreender

as formas de produção, distribuição e consu-

mo nas cidades. Maricato (2000), por exemplo,

destaca como nossas cidades se dividem em

espaços incorporados ao mercado formal, alta-

mente regulados pelo poder público, enquan-

to a maior parte se encontra à margem deste

mercado e sujeitas à aplicação arbitrária da lei.

Além disso, ressalta o caráter altamente regres-

sivo do investimento público, com forte viés de

classe e em favor da especulação imobiliária, e

o alto grau de segregação socioespacial. Milton

Santos ilustra bem a organização interna das

cidades resultante destes processos:

Nessas cidades espraiadas (...) há inter- dependência do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes desta época: tamanho urbano, modelo rodoviá- rio, carência de infraestruturas, especula- ção fundiária e imobiliária, problemas de transporte, extroversão e periferização da população, gerando, graças às dimensões da pobreza e seu componente geográfico, um modelo de centro-periferia. (Santos, 1994, p. 95)

A partir desse contexto analítico, pode-

mos esboçar uma leitura da trajetória de con-

solidação da hegemonia das empresas de ôni-

bus no setor de transportes urbanos coletivos

do Rio de Janeiro.

Page 155: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 155

Trajetória das empresas de ônibus e a construção de sua hegemonia nos transportes públicos do Rio de Janeiro

As empresas de ônibus dominam atualmente

o setor de transportes coletivos na cidade do

Rio de Janeiro. Sua hegemonia no setor e sua

importância política na coalizão urbana é re-

sultado de uma trajetória construída ao longo

do século XX. As disputas que emergem em

torno desse serviço são fundamentais para

entender sua ascensão e o controle dos trans-

portes coletivos.

Nos registros históricos, a primeira em-

presa de ônibus na cidade do Rio de Janeiro

surgiu no ano de 1911, dando continuidade a

uma linha que, por ocasião das comemorações

do centenário da abertura dos portos em 1908,

havia sido estabelecida entre a Praça Mauá e

o Passeio Público, passando ao longo da Ave-

nida Central (atual Avenida Rio Branco) com

eventuais prolongamentos até a Praia Verme-

lha. Nos anos seguintes, outras empresas sur-

giram de forma ainda muito incipiente, até que

em 1932 é fundada a União das Empresas de

Ônibus, primeira organização que vai associar

os empresários privados independentes do se-

tor. Até esse momento, os ônibus eram um ser-

viço pouco significativo no conjunto da cidade

e, apesar do forte crescimento nesse tipo de

transporte na década de 1930, não concorriam

diretamente com o transporte ferroviário (bon-

des e trens), tendo uma função complementar.2

A Revolução de 1930 marcou um perío-

do de maior atuação do Estado nas políticas

públicas no Brasil. Assim, até 1945, foram re-

correntes as propostas para monopolização

estatal dos transportes coletivos no Rio de

Janeiro. Tais propostas não se concretizaram,

porém, o maior controle do Estado, restrin-

gindo a proliferação de empresas, favoreceu a

consolidação daquelas já existentes, marcando

o primeiro processo de concentração de capital

no setor – o número de empresas se reduz de

24 em 1934 para 16 em 1939. Segundo Frei-

re (2001), na época, o empresariado não tinha

força política para estabelecer as diretrizes da

política de transportes, por isso a categoria

adotava um posicionamento defensivo no sen-

tido de garantir as posições já conquistadas.

Os empresários independentes de ônibus eram

vistos pelo poder público como desarticulado-

res do sistema de transportes.

Durante a Segunda Guerra Mundial, as

empresas de ônibus são fortemente afetadas

pela dificuldade de importação de peças e pelo

aumento do custo dos combustíveis. Tais res-

trições levaram a uma queda generalizada nos

padrões de qualidade do serviço (veículos su-

perlotados, mal conservados, etc.). Entretanto,

apesar da crise, cresce a participação dos ôni-

bus no transporte urbano,3 e o fim do conflito

marca uma fase de crescimento e consolidação

desse modal na cidade. Veremos como se deu

esse processo.

Ao fim da guerra, com a recuperação

econômica, o estreitamento das relações po-

líticas e comerciais com os Estados Unidos, o

reestabelecimento da capacidade de impor-

tação e a normalização do abastecimento de

combustíveis, houve a criação de condições

para que o transporte rodoviário, com motor

a explosão, se apresentasse como alternativa

de resolução da crise dos transportes urbanos.

Novos ônibus estadunidenses de maior capaci-

dade e velocidade passaram a ser importados,

favorecidos por financiamentos públicos e pela

política cambial.

Page 156: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014156

Com o fim do Estado Novo, o novo go-

verno assume uma perspectiva mais liberal.

As propostas de unificação e coordenação dos

transportes coletivos são descartadas e há o

incentivo à criação de novas empresas rodoviá-

rias para expandir rapidamente a oferta. Novas

linhas são criadas, e o serviço cresce de forma

pulverizada e exponencial, principalmente atra-

vés dos lotações, que passam a competir com

os ônibus e bondes.4

Os lotações eram veículos menores entre

10 e 21 lugares que haviam surgido durante

a guerra e foram tolerados devido à crise nos

transportes públicos. Popularizaram-se em fun-

ção de sua flexibilidade e rapidez e eram ope-

rados por motoristas autônomos e sem itine-

rário fixo até início dos anos 50. Fizeram forte

concorrência tanto com bondes, percorrendo

rotas coincidentes, quanto com os ônibus, que

tinham menor flexibilidade, pois seus itinerá-

rios e frequências eram mais regulados pelo

poder público.

Ônibus e lotações atendiam as crescen-

tes periferias urbanas e viabilizavam a expan-

são da cidade para vastas áreas não servidas

por outros meios de transporte. O modelo ro-

doviário, de certa forma, deu condições para

uma rápida dinâmica de especulação imobi-

liária e de periferização da metrópole do Rio

de Janeiro. Além disso, favorecia a autoridade

municipal ao enfraquecer o poder da Light na

política de transportes (Orrico e Santos, 1999).

Portanto, a partir de 1945, há uma nova

conformação das forças políticas: enfraqueci-

mento da Light, fortalecimento da posição das

empresas de ônibus com legitimação diante

do poder público e ascensão dos lotações co-

mo concorrentes diretos das empresas esta-

belecidas. A partir desse momento, o sindicato

das empresas de ônibus começa a se colocar

também como interlocutor do Estado para a

formulação das políticas de transporte, suge-

rindo medidas e diretrizes. A Light deixa de ser

o principal agente dos transportes na cidade e,

longe de sua ambição de monopolização dos

serviços, começa seu gradual afastamento do

setor (Freire, 2001).

O fim da década de 40 marca o início de

uma transição que vai se consolidar nos anos

1960. O padrão dominante dos transportes ur-

banos no Rio de Janeiro deixa de ser ferroviário

(bondes e trens) para se apoiar fundamental-

mente no modelo rodoviário (ônibus, lotações

e automóveis particulares). É um período de

muitas intervenções destinadas à circulação

rodoviária na cidade (construções de túneis,

viadutos, vias expressas). Os ônibus se tornam

o principal meio organizador dos transportes,

não mais um serviço complementar, enquanto

bondes e trens gradualmente se deterioram e

perdem sua importância.

A transição rodoviária, até o início dos

anos 1960, vai se desenvolver baseada num

modelo bastante pulverizado a partir da atua-

ção dos lotações. A multiplicação desse tipo

de veículos no transporte urbano criou um

ambiente extremamente competitivo e um ex-

cesso de veículos disputando passageiros nas

ruas. Uma mesma linha era disputada por vá-

rios motoristas autônomos. Estima-se que, no

fim dos anos 1950, mais de 5.000 lotações cir-

culassem nas ruas da cidade, principalmente

entre o centro e a Zona Sul. Havia pouca fis-

calização e poucas obrigações por parte dos

operadores desse tipo de transporte. Por conta

disso, Pereira (1987) afirma que os lotações

foram os desestruturadores do antigo mode-

lo. Eles foram responsáveis pelo declínio das

Page 157: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 157

antigas empresas de ônibus e dos bondes nas

principais áreas da cidade e estão na origem

da ordem emergente dos transportes urbanos

na cidade na década de 60. A competição im-

posta por eles, à margem dos regulamentos,

fez com que várias das antigas empresas for-

mais de ônibus não resistissem à competição

e quebrassem.5

Os lotações criaram as condições para o

surgimento e foram os embriões da segunda

geração de empresas de ônibus que veio do-

minar o transporte público na cidade (Pereira,

1987). De 1958 a 1967, o poder público vol-

tou a atuar de forma mais ativa, e uma série

regulações no transporte coletivo por parte da

prefeitura deu a base para uma nova confor-

mação do setor e para a definitiva hegemonia

das empresas de ônibus no Rio de Janeiro.

Em linhas gerais, a regulação estatal foi

no sentido de estimular e, muitas vezes, deter-

minar a concentração do capital no setor, esta-

belecendo números mínimos para a frota das

empresas. Em 1958, é estabelecido o regime

de permissões para a exploração do serviço

de transporte coletivo. Nesse regime não há

prazos definidos de validade nem de reavalia-

ção, não estão claramente estabelecidos quais

os direitos e obrigações do permissionário. Na

prática, a permissão veio favorecer as decisões

sobre o transporte por parte das empresas de

ônibus. Nesse mesmo ano, novas licenças para

lotações foram abolidas. Em 1963, os lotações

foram definitivamente proibidos, e o ônibus

passou a ser o único veículo rodoviário no

transporte coletivo. Em 1964, ocorre a extinção

dos bondes elétricos e em 67 é estabelecido

que as empresas de ônibus deviam ter uma

frota mínima de 60 carros para operar, redu-

zindo de 121 para 54 o número de empresas

na cidade. Como resultado, houve uma grande

onda de fusões e aquisições, principalmente

entre os donos de pequenas frotas de lotações,

que se associavam em novas empresas de ôni-

bus para se adequarem à legislação. Portanto,

as novas empresas surgiram exatamente dos

antigos proprietários dos lotações ou a partir

de cooperativas de motoristas.6 Além dos em-

presários que já atuavam no ramo, as novas

empresas de ônibus também contaram na ori-

gem com o investimento de capitais oriundos

de atividades comerciais (mercantis), o que

de certa forma ajudou a influenciar o estilo de

condução dos negócios, tanto na administração

interna quanto nas estratégias de expansão.

A partir dessas medidas emerge a nova

lógica dos transportes na cidade: prioridade

para os ônibus; regulação estatal no sentido

de limitar o número de empresas e restringir

a concorrência entre elas; delimitação de área

para cada empresa, criando monopólios espa-

ciais; e sistema de permissões (Pereira, 1987).

Autores como Orrico e Santos (1999)

e Pereira (1987) apontam a influência dos in-

teresses da indústria rodoviária nessa nova

orientação da política de transportes. Fábricas

de carrocerias, revendedores de chassis, com-

panhias de petróleo, etc. tinham interesse no

desenvolvimento do setor, enquanto a indústria

automobilística nascente tinha no mercado das

empresas formais de ônibus uma importante

demanda, reforçada por regulações que estipu-

lavam prazos de renovação de frota.

Portanto, a década de 60 foi fundamental

para a história dos transportes públicos no Rio

de Janeiro, pois finalizou o período de transição

rodoviária iniciado no pós-guerra e lançou as

bases para o domínio e a consolidação do sis-

tema de ônibus no Rio de Janeiro nas décadas

Page 158: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014158

seguintes. Além disso, Duarte (2003) ressalta

que o poder público municipal trouxe para sua

esfera administrativa a regulação dos trans-

portes na cidade, uma vez que era mais fácil

estabelecer articulações com os novos grupos

formados por capitais mercantis locais do que

com a Light (empresa canadense que controla-

va os bondes) ou com o governo federal (res-

ponsável pelos trens).

Desde então, a regulação pública induziu

cada vez mais a concentração das empresas,

incentivando fusões, aquisições, incorpora-

ções. Com exigências de frotas mínimas ca-

da vez maiores (1967=60 carros; 1981=120;

1982=240) e critérios bastante restritivos para

permissão de linhas, tais políticas funcionaram

como impedimento a entradas de novas empre-

sas no sistema. Em 1994, é abolida a exigência

de frotas mínimas, mas o controle do setor por

parte do sindicato patronal tornou quase im-

possível novas entradas não consentidas.

Entretanto, o processo de concentração

não deve ser analisado apenas pela quanti-

dade de empresas atuantes no setor. A con-

centração do capital se desenvolveu através

de grupos empresariais que controlam mais

de uma empresa. A partir de meados dos 90,

algumas empresas se dividem, mascarando a

concentração empresarial existente. Caiafa

( 2002) argumenta que a cisão de empresas

é uma das formas de expansão de capital e

incorporação de novos sócios. Ocorre de em-

presas grandes se fragmentarem em outras

menores, com novas diretorias e composição

societária diferente. Novos sócios são incorpo-

rados, mas mantendo os principais acionistas

da empresa anterior. As novas empresas co-

meçam a operar sem participar de qualquer

licitação, sem a retomada por parte do Estado

das linhas que a primeira empresa repassou

às outras. A explicação para isso seria que os

processos de cisão funcionam como uma for-

ma de revigorar o modelo estabelecido e ga-

rantir a continuidade do sistema, promovendo

uma repartição do patrimônio e das linhas em

muitos casos para acomodar interesses dentro

da própria família.7

De acordo com estimativas de Orrico e

Santos (1999), no ano de 1995, 20 grupos con-

trolavam as 34 empresas existentes na cidade.

Destes, dois controlavam 31,1% e um controla-

va 24% da frota total. Em toda RMRJ, 4,1% dos

grupos controlavam 25% da frota. A distribui-

ção geográfica das concentrações das empre-

sas revelaria situações próximas a monopólios

por áreas e trechos. Assim, após um período de

incentivo à concentração empresarial por parte

do Estado, a partir dos anos 90 a concentração

do mercado foi impulsionada a partir dos prin-

cipais grupos privados do setor.

O argumento do poder público e dos

defensores dos incentivos à concentração de

capital era que o grande número de empre-

sas competindo entre si seria um obstáculo ao

planejamento e à reorganização do transporte.

Porém, o processo de concentração favoreceu a

consolidação de poucas e grandes empresas de

ônibus privadas que se tornaram cada vez mais

poderosas política e economicamente.

Esse poder está vinculado à posição es-

tratégica que as empresas conquistaram na

prestação de um serviço essencial para a vida

nas cidades, como é o caso dos transportes

coletivos. Elas se impuseram e se legitimaram

como representantes do setor, influenciando no

legislativo e executivo as políticas e os investi-

mentos públicos nas diversas esferas do apare-

lho de estado.

Page 159: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 159

Assim, entre a década de 1970 e o ano

de 2010, o poder das empresas estabeleceu um

modelo que apresentava entre seus principais

pontos: controle de um mercado praticamente

fechado, com garantia de rentabilidade e blo-

queio à entrada de qualquer novo concorrente;

monopólios espaciais em determinadas áreas,

já que as variações ou mudanças de linhas pas-

saram a ser feitas pelas próprias empresas que

nela já operavam, burlando a exigência legal

de licitações; faturamento à vista sobre milhões

de viagens por dia, grandes ativos imobilizados

(garagens, terminais rodoviários, oficinas, etc.);

garantia do repasse dos custos para as tarifas

por meio de planilhas informadas pelas pró-

prias empresas; consolidação do caráter jurídi-

co de permissionárias.

Na prática, o planejamento do sistema

também era feito pelas empresas, mesmo que

fragmentariamente, através de solicitações de

linhas, acréscimos, desmembramentos. A prefei-

tura apenas autorizava o que era decidido pri-

vadamente. O período também foi caracterizado

pela resistência a qualquer alteração que não

partisse das formulações das próprias empresas.

A organização política da categoria se deu

através dos sindicatos patronais. A Fetranspor

(Federação das Empresas de Transportes de Pas-

sageiros do Estado do Rio de Janeiro) reúne dez

sindicatos de empresas de ônibus no estado do

Rio de Janeiro e tem um papel de formulação de

estratégias e políticas perante as esferas públi-

cas. O principal sindicato que compõe a Fetrans-

por é o Rio Ônibus, que representa as empresas

do município do Rio de Janeiro.

Resumindo, Pereira (1987) identifi-

ca dois momentos fundamentais na história

recente das relações entre o poder público e

as empresas de ônibus no Rio de Janeiro. O

primeiro, ao longo dos anos 1960, de forte in-

tervenção estatal para promover a criação das

novas empresas de ônibus (maiores, mais ca-

pitalizadas e organizadas) em detrimento dos

bondes e lotações. O sistema foi organizado

através da concessão de privilégios: restrição

de permissionárias, reserva de mercado por

zonas de operação, estabelecimento de li-

nhas e seções rentáveis em concorrência com

outros meios de transporte. O poder público

organizou o sistema de transportes e conce-

deu um mercado cativo, de alta liquidez às

empresas de ônibus, que passaram a atuar no

sentido de manter essa situação. No segundo

momento, o sistema se consolida em grupos

crescentemente mais concentrados e pode-

rosos, com um sindicato forte e hegemonia

no transporte municipal e metropolitano. As

políticas do setor passam cada vez mais pelo

aval das empresas (na verdade, muitas vezes

as políticas são formuladas a partir das em-

presas). Mais uma vez a preocupação central

do setor foi preservar a posição estratégica

conquistada, com duas linhas de atuação: 1)

ampliar as articulações/relações dentro do

Estado (legislativo, executivo e judiciário);

2) aumentar a eficiência e produtividade em

nível microeconômico (com a contratação de

consultores, profissionalização).

Entendemos que, a partir de 2010, com a

concessão abrangente do sistema de transpor-

te por ônibus no município do Rio de Janeiro,

se estabelece um terceiro momento nessa rela-

ção entre as empresas e o poder público. É essa

questão que procuraremos analisar a seguir.

Page 160: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014160

Reestruturação urbana neoliberal e rearticulações das coalizões políticas

Transição neoliberal

A partir dos anos 1990, inicia-se um processo

de transformações no capitalismo brasileiro

fundado na liberalização da economia. Desde

então, esse processo se aprofunda, interpene-

tra as escalas territoriais e alcança com força a

produção do espaço urbano a partir da segun-

da metade da década de 2000. Evidenciam-se

com mais clareza os processos de financeiriza-

ção e globalização da urbanização, com desta-

que para o circuito imobiliário (Harvey, 2012).

Nesse mesmo contexto, a chegada de novos

agentes e novos circuitos na acumulação ur-

bana estaria pressionando a transformação da

cidade (coerências urbanas estruturadas) e a

redefinição da coalizão de interesses em torno

da acumulação urbana em bases distintas do

patrimonialismo historicamente estabelecido.

Cabe pontuar que entendemos neolibe-

ralização como um processo de aprofundamen-

to da mercantilização e da adoção da lógica de

mercado aplicada à regulação estatal dos ser-

viços públicos, nos termos apresentados em di-

versos trabalhos por Jamie Peck, Neil Brenner e

Nik Theodore. A partir dessa abordagem, a neo-

liberalização não é uma coisa ou uma situação

ideal, mas um processo dependente da trajetó-

ria e que se dá de forma variada (variegated)

de acordo com as paisagens regulatórias her-

dadas, gerando formas contextualmente espe-

cíficas. Da incidência da neoliberalização nos

espaços concretos singulares resulta uma re-

definição das arenas e dos interesses políticos

em que se articularão as disputas em torno da

acumulação. Nessa perspectiva,

[...] a neoliberalização deveria ser con- cebida como um ethos hegemônico de reestruturação, um padrão dominante de transformação regulatória (incompleta e contraditória), e não como um sistema plenamente coerente ou uma forma de Estado tipológica. Como tal opera entre seus ‘outros’ em ambientes de governan- ça múltipla, heterogênea e contraditória. (Peck, Theodore e Brenner, 2012, p. 69)

Dessa forma, mesmo que apresen-

te características gerais semelhantes (como

sistemas de governança e de regulação pró-

-mercado), a neoliberalização é sempre con-

textualizada e convive de forma “parasitária”

em combinações híbridas com as formações

sociais locais – diferentes tipos de Estados de

Bem Estar Social, o socialismo chinês, governos

com viés de esquerda na América do Sul e, no

caso brasileiro, com o ‘lulismo’. É no antagonis-

mo às formações sociais locais e na resistência

social que são forjados os desenvolvimentos

geográficos desiguais da neoliberalização de

acordo com os contextos. Isso implica um grau

de variação bastante complexo, que não pode

ser simplesmente resumido entre neoliberalis-

mo e não neoliberalismo.

Portanto, o processo de neoliberalização

e reestruturação urbana em curso no Rio de Ja-

neiro possibilita fraturas nas antigas coalizões

urbanas fundadas na acumulação mercantil e

abre oportunidades para novos agentes en-

trarem no jogo e redefinirem as relações de

poder. Nesse contexto, emergem formas de

gestão urbana ‘empresarialistas’, ligadas aos

circuitos internacionais de acumulação e aos

agentes econômicos e políticos organizados

Page 161: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 161

em torno da transformação das cidades em

projetos especulativos:

Pode-se observar nas cidades brasileiras, com efeito, a emergência de uma gover- nança empreendedorista empresarial que mantém as antigas práticas patrimonia- listas de acumulação urbana e de repre- sentação baseadas no clientelismo, e às vezes incorpora parte do discurso univer- salista em torno da cidadania, ao mesmo tempo em que promove novas práticas orientadas pela transformação das ci- dades em commodities.(...) Em síntese, estar-se-ia diante da emergência de uma nova coalização de forças sociais nas me- trópoles, expressando um bloco de inte- resses em torno de uma governança em- preendedorista empresarial, em aliança com antigas coalizões dominantes (carac- terizadas pelo localismo, paroquialismo e clientelismo), envolvendo também, de forma minoritária, setores dos segmen- tos populares e progressistas. Essa nova coalizão de forças seria sustentada por frações do capital imobiliário em aliança com frações do capital financeiro, líderes partidários e parte da tecno-burocracia do estado, e estaria fortemente vinculada a algumas formas de intervenção urbana, em especial, vinculadas à reestruturação das áreas centrais, à promoção dos mega--eventos, às grandes obras infraestruturais (como as obras viárias e de saneamento básico), à urbanização e ordenação das favelas, e à infraestrutura vinculada ao tu-rismo imobiliário. (Ribeiro e Santos Junior, 2013, p. 36)

É um processo não linear de moderniza-

ção capitalista das cidades brasileiras que leva

a mudanças nos modos de acumulação urbana

com todo um conjunto de efeitos nas formas de

produção do espaço. Obviamente, o resultado

final desse processo não está dado, depende de

disputas políticas, econômicas, sociais e espa-

ciais. Os agentes tradicionais procuram manter

suas posições de privilégio e precisam adaptar

seus modos de exercer o poder. Portanto, de-

vemos observar empiricamente em que medida

esse processo se desenvolve e como os diversos

agentes produtores do espaço se posicionam.

A reorganização do sistema de ônibus no Rio de Janeiro

Em abril de 2010, a prefeitura do Rio de Janeiro

anunciou a intenção de realizar uma licitação

geral das linhas de ônibus da cidade. De acordo

com a explicação oficial, a medida se justifica-

va porque:

No Rio de Janeiro, o modelo vigente há décadas, de permissões para as empresas operarem linhas de ônibus, tem prejudi- cado a organização e a racionalização do sistema e estimulado a concorrência predatória entre os diversos modos de transporte que operam na cidade, em de- trimento da integração. (Rio de Janeiro, 2010, p. 62)

Assim, em junho, a Secretaria Municipal

de Transportes (SMTR) lançava o edital do pro-

cesso que pretendia reorganizar o transporte

por ônibus na cidade, normatizar o serviço

e racionalizar as linhas. O anúncio prometia

uma transformação radical na circulação das

pessoas na cidade, pois, pela primeira vez, a

Prefeitura do Rio de Janeiro realizava uma lici-

tação pública, aberta à concorrência interna-

cional, para a concessão privada de todo o sis-

tema de transporte por ônibus. Uma mudança

fundamental era a que alterava a relação do

poder concedente (prefeitura) com as empresas

Page 162: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014162

de ônibus, que deixaram de ser permissionárias

para se tornarem concessionárias. Até então,

com o modelo de permissões, cada empresa

projetava as linhas de acordo com seus inte-

resses particulares e apresentava a proposta à

SMTR, que decidia pela autorização de opera-

ção. No modelo de concessão, o poder público

disporia de mais instrumentos de regulação,

havendo um contrato formal e um planejamen-

to abrangente do sistema de transporte.

O discurso da Prefeitura centrava-se na

argumentação de que o sistema precisava ser

racionalizado para que todos na cidade ga-

nhassem com a melhora de eficiência. Ou seja,

a adequação da oferta de ônibus à demanda

de passageiros, abolindo a concorrência nas

ruas, diminuiria o custo das empresas e con-

sequentemente o valor da tarifa. Em linhas

gerais, pode-se dizer que a racionalização sig-

nificava reduzir o número de ônibus nas zonas

Sul, Norte, Barra da Tijuca e Jacarepaguá, on-

de havia excesso de veículos e grande disputa

de mercado com linhas sobrepostas, e aumen-

tar na Zona Oeste, área de escassez na oferta

de transporte.

A concessão dividiu a cidade em cinco

regiões, chamadas de Redes de Transportes Re-

gionais (RTRs): RTR 1 (Centro e zona portuária),

que por ser destino de várias linhas e de uso

comum, não entrou na licitação; RTR 2 (Zona

Sul e Grande Tijuca); RTR 3 (83 bairros da Zona

Norte); RTR 4 (Baixada de Jacarepaguá, Barra

da Tijuca e Recreio); e RTR 5 (Zona Oeste). As

linhas que integrassem mais de uma região

estariam vinculadas à RTR com maior número

de embarques de passageiros. É importante

destacar que cada consórcio deveria controlar

uma RTR. Reforçando a concepção de pôr fim

à competição territorial entre as empresas de

ônibus, garantindo uma área delimitada – e

exclusiva – para a atuação de cada consórcio

vencedor da licitação.

Ao fim do processo de licitação, os qua-

tro consórcios que representavam 40 das 47

empresas de ônibus que já operavam no Rio

de Janeiro foram anunciados como habilitados

para a concessão do serviço por 20 anos. De

acordo com estimativas do edital, durante es-

se período de concessão, as passagens pagas

pelos usuários somariam R$15,9 bilhões, en-

quanto os concessionários deveriam investir

R$1,8 bilhão no serviço. Além disso, a prefei-

tura conseguiu aprovar na Câmara de Verea-

dores projeto de lei no qual do ISS (Imposto

Sobre Serviços de Qualquer Natureza) do setor

de transportes foi reduzido de 2% para 0,01%

da arrecadação, o que significava, em valores

da época, uma renúncia fiscal de R$33 mi-

lhões por ano.

Ficou estabelecido também que os con-

sórcios vencedores da licitação viriam ope-

rar os futuros corredores expressos de ônibus

(Bus Rapid Transit – BRT) entre Barra da Tijuca

e o Aeroporto Internacional do Galeão (Trans-

carioca); entre Barra da Tijuca e Santa Cruz

(TransOeste); entre Recreio dos Bandeirantes e

Deodoro (TransOlímpica) e entre Deodoro e o

Aeroporto Santos Dumont (TransBrasil).

A concessão abrangente do sistema de

transporte por ônibus, com a relação entre a

Prefeitura e as empresas de ônibus regidas por

um contrato público e com prazo determinado,

poderia, a princípio, ser apontada como uma

ruptura com o modelo de regulação anterior.

Entretanto, o desenvolvimento do processo na

prática envolve uma série de contradições e

complexidades que devem ser observadas para

uma interpretação mais precisa da questão.

Page 163: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 163

Após três anos de concessão, a estrutura

montada através dos consórcios operadores

e em torno deles indica a manutenção refor-

mulada das tradicionais práticas utilizadas

pelas empresas e de suas relações com o Es-

tado. Além disso, percebe-se uma tendência

de reforço da concentração de capital, poder

e informação. O desenrolar do processo após a

concessão indica a tendência de modernização

do negócio por parte dos grupos empresariais

dominantes como uma estratégia de reposicio-

namento na coalizão política que se atualiza.

Tentaremos a seguir embasar essa afirmação.

Como ressaltado anteriormente, a or-

ganização empresarial no setor apresenta

peculia ridades que complexificam a análise:

se no início da concessão 40 empresas for-

mavam os consórcios, hoje são 42. Dessas,

15 participam de dois consórcios diferentes e

duas delas participam de três consórcios.8 A

maior parte dos empresários tem participação

acionária distribuída em duas ou mais empre-

sas e apenas sete delas apresentam sócios

exclusivos. A concentração por grupos indica

que os três principais detêm metade da parti-

cipação acionária do conjunto dos consórcios,

reafirmando o poder que esses grupos tinham

desde antes da concessão. Os indícios de ir-

regularidades na licitação e suspeita de acor-

do prévio entre as empresas de ônibus que já

atua vam na cidade para definir os vencedo-

res da licitação fizeram com que o Tribunal de

Contas do Município (TCM) iniciasse uma am-

pla apuração do processo.

A família Barata, por exemplo, líder do

principal grupo controlador de empresas de

ônibus no Rio de Janeiro, também atua no fi-

nanciamento da compra de veículos para a

maior parte das empresas e para o sistema

BRT através de seu braço financeiro, o Banco

Guanabara. Os ônibus são comprados na con-

cessionária Guanabara Diesel, também do gru-

po que, dessa forma, tornou-se credor de várias

empresas menores. O controle das frotas de

ônibus dos consórcios por GPS também é rea-

lizado por uma empresa da família.

Entretanto, a compreensão dos meca-

nismos de controle e concentração de poder

privado no setor passa pela Fetranspor. A par-

tir de 2010, a federação dos sindicatos criou

uma série de empresas para atuar em negócios

relacionados ao transporte. Entre elas encon-

tram-se agências de publicidade para ônibus

(MOVTV); uma administradora para os termi-

nais rodoviários urbanos (RioTer); participação

acionária no transporte por barca (SPTA) e

no futuro veículo leve sobre trilhos a ser ins-

talado na área central da cidade (RioPar Par-

ticipações). Mas a empresa-chave criada pela

Fetranspor é a RioCard Cartões. Ela foi criada

para instalar e operar o sistema de cobrança

de passagem por meio de cartão eletrônico

(Bilhete Único). O controle da Fetranspor foi

garantido pelo Estado, ao estabelecer que a

administração desse sistema deveria ser rea-

lizada pelas empresas de ônibus ou entidade

por elas escolhida.

Através da implementação da bilheta-

gem eletrônica (2005), a receita das empresas

de ônibus passou a ser centralizada na RioCard

(não somente a receita das tarifas, mas tam-

bém receitas obtidas de subsídios da prefeitura

para transporte escolar, vale-transporte, etc.).

Assim, o grupo de empresários que comanda

a Fetranspor gerencia as receitas e tem acesso

exclusivo a toda contabilidade do sistema. As

vans legalizadas também pagam uma taxa de

administração para a RioCard.

Page 164: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014164

Ocorre que, com o controle centralizado

da informação, a divisão das receitas arreca-

dadas no sistema de ônibus e a prestação de

contas são feitas a partir da Fetranspor. Por-

tanto, grupos minoritários de empresários de

ônibus acabam não tendo acesso completo

aos critérios de rateio das verbas oriundas de

tarifas e outras fontes. Tais grupos perdem

poder sobre seus próprios capitais e as in-

formações do sistema. Também para o poder

público, o controle se torna precário. Relató-

rio do TCM avaliou que a prestação de contas

dos consórcios não é confiável, e a Prefeitura

não tem informações exatas sobre a rentabi-

lidade do setor. O próprio estudo de cálculo

para reajuste tarifário não é feito pela Pre-

feitura, mas por consultoria contratada pela

Fetranspor e a partir de dados por ela forneci-

dos. Com imensas dificuldades de controle, o

poder público – TCM, vereadores e a própria

Prefeitura – dificilmente tem acesso às infor-

mações completas do setor.

Na prática, a Fetranspor realiza a gestão

privada de todo o negócio que envolve o trans-

porte público por ônibus no Rio de Janeiro,

um setor fundamental para a vida na cidade e

com uma capacidade enorme de acumulação

de capital (faturamento anual bruto estimado

em 2,6 bilhões de reais). A famosa “caixa-

-preta” das empresas de ônibus consiste na

restrição ao acesso das informações do setor.

A Fetranspor, por sua vez, é controlada por

um pequeno grupo de empresários dominan-

tes que comandam um complexo esquema de

privatização das atividades de controle e ope-

ração do sistema de ônibus.

Outra situação obscura ocorreu em 2012,

quando, sem concorrência pública e a partir

de um acordo entre as empresas, foi criado

um “consórcio operacional” com a finalida-

de de operar os BRTs. Esse seria uma espécie

de “consórcio terceirizado”, contratado pelos

consórcios oficiais exclusivamente para gerir o

transporte nos BRTs. A “terceirização” do ser-

viço funcionou como forma de permitir que a

escolha das empresas que participam do novo

consórcio se desse internamente, sem interfe-

rência do poder público. Não por acaso, as em-

presas operadoras do BRT não pertencem aos

grupos dominantes. De acordo com estimati-

vas da Prefeitura, quando estiverem em pleno

funcionamento, 50% das viagens por ônibus

serão realizadas nos corredores BRT, o que dá

a dimensão de um negócio extremamente pro-

missor para as poucas empresas escolhidas que

irão administrá-lo.

Considerações fi nais

Interpretamos que o processo de neolibera-

lização, ao atingir as cidades brasileiras (e o

exemplo mais explícito é o da cidade do Rio

de Janeiro), desestrutura e reestr tura as

coerências espaciais herdadas do momento

histórico anterior, além de reconstruir em no-

vas bases as alianças de classe e coalizões

de poder.

As antigas alianças de classe fundadas

na acumulação mercantil precisam se moder-

nizar e/ou elaborar novas estratégias políticas

para se articular às formas financeirizadas de

acumulação. Essas novas coalizões tendem a

substituir antigas estratégias defensivas de

reprodução de poder por estratégias compe-

titivas de empreendedorismo urbano, e utili-

zar a cidade como “máquina de crescimento”

Page 165: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 165

(Molotch, 1976). Esse movimento de inserção

competitiva das cidades está em sintonia com

o processo de globalização e financeirização

da urbanização (Harvey, 2012), impulsionado

pela atual crise no capitalismo central que for-

çou os excedentes de capital a buscarem novos

espaços de reprodução. Fica claro que o enten-

dimento do processo em questão atravessa vá-

rias escalas geográficas.

Em relação ao objeto do presente artigo,

procuramos pensar as mudanças do modelo

historicamente privado de ônibus no contex-

to da neoliberalização. Várias formas de capi-

tal coexistem no mesmo espaço e se apoiam

mutuamente. O velho capital mercantil das

empresas de ônibus se articula com as novas

formas de acumulação urbana dos capitais na-

cionais e transnacionais.

A circulação de pessoas é um aspecto

fundamental na cidade e por isso não pode ser

negligenciada pelos esquemas de dominação

econômica e política. A legitimação da coalizão

urbana e suas condições de acumulação pas-

sam por uma organização dos transportes mais

eficiente. Portanto, interpretamos as mudanças

observadas no setor como necessárias para

sustentar a modernização urbana por meio de

uma reestruturação neoliberal.

Mas se falamos em mudanças, enten-

demos que em linhas gerais elas se configuram

mais como tendências que rupturas. As antigas

coalizões não se desfazem, mas se repactuam.

A concessão de 2010 marca um momen-

to de aprofundamento da lógica de mercado

na regulação e operação dos transportes por

ônibus e todas as atividades que dão suporte

a seu funcionamento modernizado. A concen-

tração empresarial e controle do setor passam

por grupos que, ao controlarem crescentemen-

te o fluxo de capital e informações, tendem a

acumular mais poder. O Estado parece perder

influência e capacidade nas decisões, emer-

gindo uma forma de regulação que deixa gra-

dativamente de se basear no patrimonialismo

historicamente constituído para aproximar-se

de um modelo mais voltado para uma autor-

regulação de mercado. Interpretamos que esse

processo está inserido especificamente no con-

texto da neoliberalização da coerência urbana

estruturada no Rio de Janeiro, mas também

articulado com transformações gerais das rela-

ções capital/Estado em escala nacional. Por ou-

tro lado, e não sendo contraditório, as antigas

práticas de acumulação por espoliação, os pri-

vilégios de uma regulação baseada no patrimo-

nialismo, não desaparecem, mas se adaptam.

Igor Pouchain MatelaGeógrafo. Rio de Janeiro/RJ, [email protected]

Page 166: Cadernos Metrópole 31. -

Igor Pouchain Matela

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014166

Notas

(1) Não computados neste gráfi co os dados rela vos à par cipação das vans legais e clandes nas. Porém, infere-se que a curva descendente a par r do fi nal dos anos 1990 esteja relacionada à concorrência desse po de transporte, o que levou as empresas de ônibus a pressionarem a Prefeitura por ações de repressão e controle.

(2) De acordo com Barat (1975), em 1940 o transporte ferroviário (trens e bondes elétricos) nha uma par cipação de 83,47% dos passageiros na cidade.

(3) Freire (2001) aponta que entre 1934 e 1944 o aumento do volume de passageiros transportados ultrapassa os 100% (de 48 para 100 milhões).

(4) Como exemplo, Freire (2001) aponta que entre 1946-1948 surgem seis novas empresas de ônibus e a frota total passa de 812 para 1.024 carros.

(5) Somente quatro empresas de ônibus sobreviveram ao período de concorrência aberta com os lotações.

(6) É importante perceber que a origem da formação dessas empresas tem refl exos na composição que elas assumem até os dias atuais: como observa Caiafa (2002), a história das empresas se desenvolveu muitas vezes de acordo com as histórias pessoais de seus donos. As empresas surgem com alguns sócios, que depois se separam, outras vezes se fundem, cedem ou recebem determinadas linhas a outrem, negociam veículos, repassam cotas a herdeiros, etc.

(7) O monopólio dos ônibus na cidade do Rio de Janeiro é controlado por um pequeno número de empresários familiares. São grupos familiares que têm grande poder de barganha na polí ca local.

(8) h p://www.rioonibus.com/rio-onibus/consorcios-e-empresas/

Referências

BARAT, J. (1975). Estrutura metropolitana e sistema de transportes: estudo do caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ins tuto de Planejamento Econômico e Social/INPES.

BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2012). Após a neoliberalização. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 15-39.

CAIAFA, J. (2002). Jornadas urbanas: exclusão, trabalho e subje vidade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, FGV.

DUARTE, R. (2003). Centralidade, acessibilidade e o processo de reconfi guração do sistema de transporte na metrópole carioca dos anos de 1960. Revista Território. Rio de Janeiro, ano VII, n. 11-12-13.

Page 167: Cadernos Metrópole 31. -

Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 167

FREIRE, A. (2001). Guerra de posições na metrópole: a prefeitura e as empresas de ônibus no Rio de Janeiro (1906-1948). Rio de Janeiro, ALERJ/FGV.

HARVEY, D. (1985). “The place of urban poli cs in the geography of uneven capitalist development”. In: HARVEY, D. The Urbaniza on of Capital. Bal more, The Johns Hopkins University Press.

______ (2004). “Notes towards a theory of uneven geographical development”. In: Spaces of neoliberaliza on. Stu gart, He ner-Lectures v. 8, Steiner Verlag.

______ (2005). “A geografi a da acumulação capitalista: uma reconstrução da teoria marxista”. In: HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo, Annablume.

______ (2012). Rebel Ci es. Londres, Verso.

LESSA, C. e DAIN, S. (1982). “Capitalismo associado: algumas referências para o tema estado e desenvolvimento”. In: COUTINHO, R. e BELLUZZO, L. G. M. (orgs.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. São Paulo, Brasiliense.

MARICATO, E. (2000). “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. et al. A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes.

MOLOTCH, H. (1976). The city as a growth machine: toward a poli cal economy of place. American Journal of Sociology, v. 82, n. 2, pp. 309-332.

ORRICO, R. e SANTOS, E. (1999). “Hegemonia privada: da capital do bonde ao ônibus no Rio de Janeiro”. In: BRASILEIRO A. e HENRY, E. (orgs.). Viação ilimitada: ônibus das cidades brasileiras. São Paulo, Cultura Ed. Associados.

PECK, J.; THEODORE, N. e BRENNER, N. (2012). Mal-estar no pós-neoliberalismo. Novos Estudos – Cebrap. São Paulo, n. 92, pp. 59-78.

PEREIRA, V. (1987). Avaliação da política de transportes públicos no Rio de Janeiro: causas e consequências do modelo privado no transporte por ônibus. Brasília, EBTU.

RIBEIRO L. C. Q. e SANTOS JUNIOR, O. A. (2013). Governança empreendedorista e megaeventos espor vos: refl exões em torno da experiência brasileira. O Social em Questão. Rio de Janeiro, ano 16, n. 29, pp. 23-42.

RIO DE JANEIRO (2010). Ato de jus fi cação da outorga de concessão da prestação de serviço público de transporte cole vo de passageiros por ônibus. Diário Ofi cial do Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano XXIV, n. 29, p. 62, 29 abr.

SANTOS, M. (1994). A Urbanização Brasileira. São Paulo, Hucitec.

THEODORE, N.; PECK, J. e BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los mercados. Temas Sociales. San ago de Chile, v. 66, pp. 1-12.

Texto recebido em 1/set/2013Texto aprovado em 26/out/2013

Page 168: Cadernos Metrópole 31. -
Page 169: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo nos imaginários urbanos

da metrópole de Lima, Peru*

Internal migrations and their contemporary protagonismin the urban imaginaries of the metropolis of Lima, Peru

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

AbstractThis paper revisits the narratives about internal migrations in Peru and Lima’s urban explosion during the second half of the 20th century, in order to investigate their permanence and protagonism – mainly in comparison to other Latin American cities and to the diagnoses that are characteristic of regional urban thought at the beginning of this century – as a central element of the discourses and imaginaries about the contemporary metropolis. On the one hand, it explores the specif icities of the Peruvian case in the broader context of Latin American urbanization and of the canonical discourses that have marked its understanding. On the other hand, in dialog with more recent studies, it highlights the persistent centrality of the migration process in the contemporary discourses about the city and its socio-spatial dynamics.

Keywords: urban imaginaries; internal migrations; Latin America; Metropolitan Area of Lima; Peru.

ResumoNeste artigo, revisitamos as narrativas construídas

sobre as migrações internas no Peru e a explosão

urbana de Lima na segunda metade do século XX,

de modo a investigar a sua permanência e desta-

cado protagonismo – sobretudo em comparação

com outras metrópoles latino-americanas e com os

diagnósticos característicos do pensamento urbano

regional neste início de século – como elemento

central nos discursos e imaginários sobre a me-

trópole contemporânea. Por um lado, trata-se de

compreender as especifi cidades daqueles processos

no caso peruano, no marco mais geral da urbani-

zação latino-americana e dos discursos canônicos

que marcaram o seu entendimento. Por outro lado,

em diálogo com estudos mais recentes, destaca-se

a persistente centralidade do fenômeno migratório

nos discursos contemporâneos sobre a cidade e

suas dinâmicas socioespaciais.

Palavras-chave: imaginários urbanos; migrações

internas; América Latina; Lima Metropolitana; Peru.

Page 170: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014170

Aproximação: migrações internas e urbanização na América Latina

O fenômeno migratório e a urbanização explo-

siva durante a segunda metade do século XX

foi uma realidade em quase, se não em todos

os países latino-americanos. Lefèbvre, em A

Revolução Urbana (escrito na década de 1970),

vai mais longe ao afirmar que o processo de

urbanização, nestas décadas, consistia num fe-

nômeno planetário. O crescimento econômico e

a industrialização – tornados naquele momen-

to as causas e razões supremas do desenvol-

vimento – estenderam suas consequências ao

conjunto dos territórios, regiões, nações e conti-

nentes, evidenciando assim a mundialização do

fenômeno urbano. Sendo as causas demográfi-

cas, as motivações sociológicas e as vantagens

econômicas e políticas da cidade as mesmas,

“na China e noutros lugares” (Lefèbvre, 1999,

p. 107), a urbanização se revelaria, então, um

fato mundial e uma tendência global.

Na América Latina, de um modo geral,

esse processo de urbanização caracterizou-se

pela natureza cumulativa na localização dos

investimentos modernizadores, conduzindo a

região, em poucas décadas, ao fenômeno da

macrocefalia; isto é, à elevada (e crescente)

concentração das atividades econômicas e

políticas mais dinâmicas em alguns poucos

pontos do território (Santos, 2005). México,

Argentina e Chile, para citar apenas alguns

exemplos mais emblemáticos, foram países nos

quais, assim como o Peru, a urbanização esteve

acompanhada por um violento processo de

centralização e o desenvolvimento de uma

única cidade, a capital, em detrimento do res-

tante do território nacional.

Em função dessa concentração, a explo-

são demográfica e territorial das grandes cida-

des latino-americanas deveu-se também a um

intenso fluxo migratório de populações vindas

do campo ou de outros municípios menores,

em busca de melhores condições de vida so-

nhadas mediante sua incorporação à esfera da

economia moderna: “o crescimento desmedido

da população urbana criou um círculo vicioso:

quanto mais a cidade crescia, mais expectati-

vas criava e, em consequência, atraía mais gen-

te, porque parecia poder absorvê-la” (Rome-

ro, 2004, p. 361). Desse modo, a urbanização

explosiva, calcada em uma pauta civilizatória

e um modelo de desenvolvimento transna-

cionais, haveria implicado uma ruptura com

a base cultural camponesa e a destruição dos

vínculos antigos com o espaço, ou seja, o de-

senraizamento e o rompimento dos mapas tra-

dicionais de territorialização (Latouche, 1996;

Ortega, 1986).

Assim, em curto espaço de tempo –

convencionalmente circunscrito entre as déca-

das de 1940 e 1980 –, as migrações internas

inverteriam o padrão de ocupação do terri-

tório na maioria dos países da região, agora

predominantemente urbano; no Brasil, por

exemplo, estima-se que cerca de 40 milhões

de pessoas trasladaram-se do campo para as

cidades neste período (Fontes, 2008 ). Diante

desse crescimento ao mesmo tempo pujante

e desmedido, sem precedentes na história da

civilização ocidental, emergia uma profunda

ambiguidade no entendimento e no trata-

mento da realidade urbana latino-americana.

Expressões como “transbordamento popular”

Page 171: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 171

(Matos Mar, 2004 ), “enxurrada zoológica”,

“cidade monstruosa”, “cidade de massas”

aparecem como traduções do sentimento de

caos e desordem e convivem com exaltações

ao desenvolvimento urbano da região, ex-

pressão ao mesmo tempo de progresso e mo-

dernidade (Prevôt Schapira, 2001).

No interior do marco teórico e cultural, definido pelas coordenadas nem sempre concordantes do desenvolvimentismo, do funcional-estruturalismo, da planifica- ção regional e da economia espacial, as cidades da região eram percebidas com uma ambiguidade que oscilava entre a es- perança e a desconfiança: como acessos preferenciais de uma corrente de ideias e estilos de vida que libertaria a América Latina das amarras do tradicionalismo e do subdesenvolvimento, incorporando grandes massas de população rural às novas pautas econômicas, sociais e po- líticas da vida moderna, mas, ao mesmo tempo, como parasitas monstruosos, que sugavam toda a seiva vital do interior de nossos países. (Gorelik, 2005, p. 121)

Entendidas a partir dessa configuração

de geografias dualistas – isto é, da divisão es-

trutural dos territórios nacionais entre o “atra-

so” rural e o “progresso” urbano –, as migra-

ções internas eram vistas como a passagem

de sociedades e culturas tradicionais para as

cidades modernas, transpondo assim, em pou-

cos dias, “várias épocas de evolução socioeco-

nômica” (Fontes, 2008, p. 26). No movimento

de expansão da modernização, moldado pelas

relações centro/periferia características da es-

trutura da sociedade e da economia dos paí-

ses latino-americanos, o dualismo tradicional/

moderno deveria resolver-se pela universaliza-

ção do setor modernizador (Gorelik, 2004). A

partir da década de 1920, o impulso industria-

lizador e os investimentos massivos em edu-

cação, em comunicações e na ampliação da

rede viária constituíram os principais esforços

fomentados pelo Estado para promover a mo-

dernização e a integração da economia e do

território nacionais.

A transição da sociedade tradicional para

a sociedade urbano-industrial supunha mudan-

ças significativas em todas as esferas da vida

social. No âmbito político, tal mudança ocorria

no sentido da integração das “massas” e seu

acesso a direitos políticos e sociais, permitin-

do a participação mais ampla das camadas

populares na cultura industrial-urbana. E a

incorporação de grandes setores das classes

populares – até então excluídos do projeto po-

lítico nacional – dependia, sob vários aspectos,

da ruptura do isolamento de grandes porções

do território e da superação dos limites da co-

munidade local (Germani, 1965).

Rompendo com aquelas geografias dua-

listas e seus mapas tradicionais de territoria-

lização (Ortega, 1986) – isto é, com a longa

experiência social da dicotomia entre o campo e

a cidade, entre o rural e o urbano, como matrizes

civilizacionais e modos de vida distintos e

opostos –, a “explosão” e a visibilidade das

massas urbanas provocariam a desestruturação

da sociedade urbana tradicional, aristocrática,

oligárquica e excludente. O fenômeno migrató-

rio e a urbanização explosiva transformariam

radicalmente a fisionomia e a morfologia da

cidade, sua estrutura e suas dinâmicas socio-

espaciais. A reorganização do espaço urbano

acentuaria o caráter dual da organização social e

material das grandes cidades latino-americanas:

de um lado, a concentração de infraestrutura,

serviços, oportunidades e investimentos

Page 172: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014172

modernizadores no centro; do outro, a contínua

ocupação da periferia urbana, em terrenos de

baixo ou nulo valor de mercado, cada vez mais

distantes e, via de regra, desprovidos de infra-

estrutura e bens de consumo coletivos.

Não obstante a marginalização e a inser-

ção precária e conflituosa dos migrantes na ci-

dade, a migração e a urbanização significavam,

concretamente, a incorporação de grandes

setores da população que até então se encon-

travam excluídos da maior parte dos aspectos

da vida urbano-industrial, do acesso aos direi-

tos sociais e do exercício efetivo dos direitos

políticos (Germani, 1965). No plano político,

como sujeitos de demandas, os novos habi-

tantes pressionariam pela universalização dos

direitos até então restritos às elites urbanas

tradicionais, demandando a massificação da

infraestrutura e dos serviços urbanos, o aces-

so à educação, à moradia digna, à saúde, água,

transporte, etc. (Martín-Barbero, 1991). No pla-

no da cultura, as migrações promoveriam um

processo de integração e fusão cultural, no

qual a expansão dos meios de comunicação

de massa e o desenvolvimento das indústrias

culturais jogariam um papel preponderante,

dando lugar à emergência de uma nova cultura

popular urbana e à reconstrução dos sentidos

do nacional (Martín-Barbero, 2001). Assim, o

efeito combinado dos processos de moderni-

zação, industrialização e urbanização haveria

sido duplo: o surgimento de uma nova cultura

popular urbana, “de massas”, e, paralelamen-

te, a articulação e redefinição dos princípios

políticos de soberania popular, nas quais as

noções de cidadania, progresso, modernidade e

nacionalidade jogaram um papel fundamental

(Nugent, 2007).

Porém, não se trata de afirmar que esse

processo de incorporação foi necessariamen-

te “democrático” ou isento de conflitos, am-

biguidades e limitações. O próprio Germani

(ibid.) destacaria, a partir de sua análise do

caso argentino, as contradições e assincronias

que permearam a integração das massas urba-

nas no contexto do populismo peronista, bem

como sua natureza autoritária e, sob vários

aspectos, conservadora. Contudo, afirma o au-

tor, se por um lado as camadas populares não

puderam avançar no sentido da transformação

estrutural da sociedade argentina, “os resulta-

dos mais importantes se devem buscar no re-

conhecimento dos direitos, e na circunstância

fundamental de que desde esse momento as

massas populares precisam ser levadas em con-

ta” (Domingues e Maneiro, 2004, pp. 652-653).

Assim, podemos afirmar que os setores popu-

lares, e os migrantes em particular, atuaram

diretamente sobre o processo de moderniza-

ção e urbanização, tornando-se atores sociais

e políticos fundamentais da vida na cidade. A

crescente visibilidade das novas massas urba-

nas se relacionava com a força da sua presença

na paisagem, com sua intensa mobilização e

organização social e política e a publicização

de suas insatisfações e demandas com relação

às carências urbanas, numa cidade em rápido

e desordenado crescimento (Fontes, 2008).

Apesar do “otimismo” diante da moder-

nização das sociedades latino-americanas, a

migração massiva rapidamente seria sentida

como um problema, sobretudo pelas elites

dirigentes e pelos setores urbanos tradicio-

nais. A explosiva e desordenada urbanização

se refletia na saturação dos centros urbanos

e no deterioro dos serviços, na emergência e

Page 173: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 173

na agudização de problemas relacionados à

moradia, à especulação imobiliária e à infraes-

trutura urbana, na visibilidade da pobreza e no

aumento da marginalidade e da criminalidade,

dos quais era responsabilizada a crescente

população migrante (Fontes, ibid.). A cidade

seria então retratada como um espaço hostil

e sufocante, sujo, degradado, caótico, desor-

denado e decadente, estigmatizando a popu-

lação recém-chegada e responsabilizando-a

diretamente pelo deterioro das condições ur-

banas e ambientais. Nesta direção, a migração

massiva provocaria, ademais, o descentramen-

to e a desestruturação da cidade, de tal ma-

neira que sua centralidade se bifurcaria entre

duas periferias: uma desde a qual os setores

populares empreendiam sua “invasão” da ur-

be ; e outra onde crescentemente se refugia-

riam as classes médias e altas, de modo a es-

tabelecer sua distância da cidade massificada

(Martín-Barbero, 1991).

Por fim, a exclusão e a marginalização

de amplos setores da população urbana (nes-

te contexto, predominantemente de origem

migrante) não apenas dos circuitos da econo-

mia formal, mas do próprio acesso à cidade e

seus equipamentos, confeririam à urbanização

empreendida pelos setores populares carac-

terísticas distintivas, realçadas e reafirmadas

constantemente na oposição entre a cidade

“formal” e a “informal” e na configuração

paradigmática de imagens e imaginários di-

cotômicos da sociedade e do espaço urbanos,

que ainda informa a produção de discursos e

diagnósticos em muitas das principais cidades

latino-americanas até os dias atuais.

Apenas na década de 1980 esse proces-

so acelerado de urbanização se modificaria. A

crise econômica e o esgotamento do padrão

de modernização desenvolvimentista, ainda

na década de 1970, levariam à reversão das

taxas de migração e de crescimento urbano

na maioria dos países da região, momento

em que também se assiste ao aumento ex-

ponencial do desemprego e da pobreza, da

informalidade e da violência e à precarização

das condições de vida nas principais cidades

latino-americanas. Em função dessas transfor-

mações, convencionalmente adota-se a “déca-

da perdida” de 1980 como o marco temporal

para o entendimento da contemporaneidade

do subcontinente, momento que marca uma

inflexão no fenômeno urbano na região, pro-

duzida pela acumulação de diferentes proces-

sos – como a democratização e a liberalização

econômica, as mudanças significativas nas re-

lações entre cidade e projeto nacional, Estado

e planejamento urbano, a crise inflacionária e

o esgotamento da temática do desenvolvimen-

to urbano (Prevôt Schapira, 2001) –, abrindo

caminho para que os diagnósticos da “crise

urbana” se generalizem e se imponham, desde

então e com sentidos diversos, como o conteú-

do fundamental dos discursos sobre as metró-

poles da região (Filgueiras, 2008).

Assim, a década de 1980 marcaria tam-

bém o começo de um novo ciclo do pensamen-

to social sobre o urbano na América Latina.

Além dos diagnósticos acerca da pobreza, da

informalidade, da insegurança e da violência –

fenômenos que, desde então, predominam nos

diagnósticos, debates e definições sobre o “ca-

ráter” e a dinâmica social das grandes cidades

do subcontinente –, a globalização econômica,

a reestruturação produtiva e a atualização par-

cial e estratégica da rede urbana, o aprofunda-

mento da segregação, a fragmentação e a po-

larização social, a mercadorização da cultura,

Page 174: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014174

da cidadania e dos mecanismos de proteção

social, o enclausuramento do espaço domés-

tico e a privatização dos espaços públicos (e/

ou sua renovação cenográfica) se tornaram

algumas das questões e palavras-chave para a

compreensão e a caracterização das metrópo-

les latino-americanas na contemporaneidade.

E, nesse novo contexto, inaugurado com o

marco da década de 1980 e intensificado nas

décadas seguintes, o fenômeno migratório

paulatinamente desapareceria da pauta dos

estudos urbanos regionais.

No Peru, e particularmente em Lima, em-

bora – como veremos – a reversão das taxas

migratórias tenha ocorrido tardiamente em

comparação com os demais países da região,

surpreendem a centralidade e a força expli-

cativa que as migrações internas ainda de-

sem penham nos discursos e nos imaginários

contemporâneos sobre a metrópole limenha,

persistindo como elemento central de compre-

en são da cidade e de suas dinâmicas espaciais

e socioculturais. Mesmo os estudos mais re-

centes, embora insiram a cidade no contexto

contemporâneo e dialoguem com ele, em sua

maioria seguem tendo como ponto de partida

inconteste as transformações decorrentes da

migração massiva na segunda metade do sé-

culo XX. No entanto, antes de discutirmos esse

protagonismo, buscando compreender as ra-

zões dessa permanência, apresentaremos bre-

vemente as características e especificidades do

fenômeno migratório e da explosão urbana no

caso peruano e limenho.

Migrações e urbanização em Lima, Peru: cenas de uma “batalha épica”

Historicamente, o processo de urbanização

peruano tende a ser dividido em duas etapas.

A primeira abrange o longo período desde a

conquista espanhola até a primeira metade do

século XX, de crescimento urbano moderado

aliado à expansão econômica em função dos

mercados externos, beneficiando os centros

administrativos concentrados no litoral, princi-

palmente o eixo Lima-Callao que, desde a colo-

nização, se consolidava como o espaço urbano

mais importante do país. A segunda etapa, por

sua vez, abarca a segunda metade do século

XX, caracterizada pelos esforços de desenvol-

vimento industrial e integração da economia

e do território nacionais, pela urbanização ex-

plosiva do país e pelo crescimento acelerado de

Lima Metropolitana (Inei, 1996).

Os investimentos feitos para romper

com o isolamento dos mercados regionais,

particularmente no setor de transportes e co-

mu nicação, favoreceram a consolidação do

centralismo limenho. Nesse sentido, os proces sos

de expansão econômica e integração territorial

promoveriam a consolidação da capital não

apenas como centro político e administrativo

do país, mas também como ponto nefrálgico da

economia nacional, impondo sua hegemonia

absoluta sobre o mercado e a economia na-

cionais, concentrando o poder e as instituições

Page 175: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 175

do Estado e subordinando sua lógica de de-

sen vol vimento a todas as demais regiões do

país. Desse modo, a modernização capitalista

da sociedade e da economia peruanas não só

reafirmou como expandiu o papel hegemôni-

co de Lima e do litoral peruano, cristalizando

a tendência histórica, desde a conquista espa-

nhola, da sua imposição como eixo de gravita-

ção político, socioeconômico e cultural do país,

em oposição aos Andes (Franco, 1989). O Peru

pode ser considerado como cenário de um

dos mais intensos processos de centralização

do continente, sendo o contrapeso de cidades

intermediárias quase nulo (Ávila Molero,

2001).1 Devido a este excessivo centralismo,

Lima se tornaria o centro distorsionador por

excelência da estrutura urbana no Peru,2

atingindo um índice de primazia urbana entre

os mais altos do mundo (Inei, ibid.).3 E, assim, o

Peru se converteria em um país primordialmente

urbano sem, contudo, resolver os problemas

seculares de sua estrutura dualista tradicional.

Quase sempre através de imagens de

força bélica – como invasão, choque, batalha

e conquista – o massivo fenômeno migratório

em direção à capital peruana é reiteradamente

entendido como um divisor de águas na histó-

ria da cidade e do país. Nesse período, a popu-

lação de Lima decuplicou em termos absolutos

e, em termos relativos, passou a albergar um

terço da população total do país, convertendo

o Peru em um país predominantemente urbano

(Joseph, 1999).

O processo de urbanização limenho,

resultante do fenômeno migratório ao longo do

século XX, pode ser dividido em dois momentos.

No primeiro, entre a década de 1920 e o final

da década de 1960, a migração campesina e a

expansão da cidade eram impulsionadas por

um “crescimento por desenvolvimento”, em

função do aumento da atividade mineradora

e industrial, fruto da política de substituição

de importações, e da atração que gerava a ci-

dade pela expectativa de melhores condições

de vida e a possibilidade de incorporação às

esferas da economia e do consumo modernos.

O período entre 1970 e 1990, por sua vez, foi

marcado por um “crescimento por crise” (Jo-

seph; Castellanos; Pereyra e Aliaga, 2005), pri-

meiro econômica e depois política, sobretudo

em função do conflito interno deflagrado em

1980 que, devido à intensidade da violência

no interior do país, contribuiu para a continui-

dade da migração massiva da população rural

e serrana até Lima (Matos Mar, 2004; Portes e

Roberts, 2005).4

Entre 1950 e 1970, que constituiu o au-

ge das migrações campesinas, a cidade experi-

mentou um vertiginoso processo de expansão

territorial; nesse período, de cada 100 migran-

tes 56 se dirigiam à capital (Joseph, 1999).

Nesse momento, as invasões de terrenos, o sur-

gimento e a expansão das barriadas – cada vez

mais distantes do centro urbano – se conver-

teriam, então, no fenômeno mais emblemático

do processo de urbanização peruano, transfor-

mando a paisagem e a morfologia urbana de

Lima. Porém, vale ressaltar que não foi somen-

te a população migrante a responsável pela

expansão das invasões e urbanizações popula-

res. Neste sentido, Riofrío (1978) cita um censo

realizado na barriada pioneira de San Cosme,

em 1953, que constatava que 44% de seus mo-

radores eram nascidos na capital. “Com efeito,

na barriada também havia limenhos: limenhos

pobres” (Riofrío, ibid., p. 17 nt. 16 – tradução

nossa). De todo modo, os principais protagonis-

tas dessa expansão foram, portanto, os setores

Page 176: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014176

populares que, diante da inoperância e incapa-

cidade do Estado de absorvê-los e integrá-los à

infraestrutura urbana e/ou ao mercado formal

de trabalho, buscavam resolver, de modo es-

pontâneo e contestatório, a satisfação de suas

necessidades (Matos Mar, ibid.).

Lima constituiria um dos casos mais ex-

pressivos, em toda a América Latina, da incon-

testável presença, crescimento e visibilidade

das novas modalidades de habitação popular,

fruto das invasões de terrenos e da autocons-

trução da moradia – em oposição, por exemplo,

aos casos de Buenos Aires, São Paulo ou Santia-

go, cidades nas quais suas favelas e villas mise-

ria não são vistas com tanta facilidade, muitas

vezes despercebidas pelo visitante e mesmo

pelo cidadão comum. O caso limenho seria

também emblemático na região no que tange à

expressividade, à capacidade de mobilização e

à força organizativa dos novos moradores para

a satisfação de suas próprias necessidades –

em especial de moradia e trabalho – no novo

contexto urbano (Romero, 2004).

Nesse processo “espontâneo” de urbani-

zação, que ocorria à margem da ordem oficial,

os setores migrantes – e “populares”, de um

modo geral – criavam novos canais de integra-

ção que não guardavam relação com a política

ou o projeto urbano-nacional das classes domi-

nantes. Enfrentados com a rigidez da estrutura

jurídica, social e política do projeto nacional e

com a incapacidade do Estado de atender à ex-

plosiva demanda por infraestrutura e serviços

urbanos, os migrantes campesinos – através

de estratégias coletivas de sobrevivência e de

inserção no contexto urbano – rompiam com

os limites da legalidade e da institucionalidade

vigentes, impondo sua presença e forjando seu

lugar na urbe.

O processo de expansão das barriadas

em Lima pode ser dividido em dois momentos.

No primeiro, entre 1940 e 1954, as barriadas

estavam concentradas no eixo Lima-Callao,

localizadas “estrategicamente” em zonas con-

tíguas à área consolidada da cidade. Relativa-

mente pequenas e fragmentadas, continuavam

dependentes da área central para o acesso a

produtos e serviços e, apesar do contraste que

impunham, não constituíam ainda um fenô-

meno significativo, mas marginal em relação à

dinâmica de crescimento da cidade, como um

“anexo pobre da cidade tradicional” (Barreda

e Ramírez Corzo, 2004, p. 206). Em meados da

década de 1950, com a intensificação do pro-

cesso migratório, as ocupações de terrenos e

o crescimento das barriadas ganhariam força

e ênfase particulares. Esse segundo momento,

entre 1954 e o final dos anos 1980, consistiria

no “período clássico” de expansão das barria-

das em Lima (ibid.), que começam a localizar-

-se às margens do tecido urbano consolidado,

em terrenos cada vez mais distantes, na maio-

ria das vezes em cerros e areais de baixo ou

nulo valor de mercado.

A explosão demográfica e a diversifi-

cação das pautas de territorialização urbana,

decorrentes do processo migratório, implicaram

então uma ruptura histórica na trajetória de

Lima, visível na mudança da paisagem, na re-

estruturação do espaço e da dinâmica urbanas

e no novo perfil residencial da cidade (Matos

Mar, 2004). Se, na década de 1950, as barria-

das representavam ainda 10% do total da área

urbana de Lima, em 1985, 80% de sua exten-

são estava ocupada por assentamentos, corti-

ços e bairros populares (Joseph, 1999). Ao final

do século XX, mais de 62% da população de

Lima Metropolitana habitava a vasta área que

Page 177: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 177

os setores populares urbanizaram a partir da

década de 1940.

En la práctica, estas invasiones fundaban nuevos polos o núcleos de expansión barrial desde los cuales se ocupan los terrenos adyacentes. Esto hacía que las barriadas continuaran creciendo y, con los años y según se fueron rellenando los espacios entre el casco urbano y las barriadas pioneras, formaron lo que ahora son los conos de la ciudad. Es también a partir de este periodo que podemos hablar de ciudad popular como un fenómeno trascendente y definitorio para la urbe. ( Barreda e Ramírez Corzo, 2004, p. 206 – grifo nosso)5

No entanto, de modo a evitar reduzir o

entendimento do crescimento urbano limenho

apenas ao fenômeno das barriadas, é neces-

sário compreender, como parte de um único

processo de expansão, o crescimento tanto da

cidade “formal” como da cidade “informal”.

“A urbanização de tipo convencional, assim

como a barriada e o cortiço são três modalida-

des de desenvolvimento das áreas residenciais

que se dão simultaneamente” (Riofrío, 1978,

p. 6 – tradução nossa). No que tange à atuação

do Estado, durante o período de maior cresci-

mento – logo, de maior pressão e demanda

habitacional –, se perfilaria claramente uma

política de “duas caras”, tanto na questão da

moradia quanto no provimento de infraestrutu-

ra e serviços urbanos: por um lado, a lógica da

acumulação e do desenvolvimento capitalista

do mercado, dos grandes empreendimentos

privados e da especulação do solo urbano; por

outro, uma política de “deixar fazer” com rela-

ção às barriadas, revestida com a “demagogia

da autoajuda” (Riofrío, ibid., p. 38).

A partir da década de 1960, o Estado

peruano atuaria em distintas frentes em sua

política habitacional. Por um lado, programas

de erradicação de barriadas e reassentamento

de populações, em particular aquelas que esti-

vessem em terrenos de interesse imobiliário e/

ou estatal, nos eixos já consolidados de expan-

são da cidade. Por outro lado, a fomentação

de programas habitacionais que, no entanto,

atendiam primordialmente aos setores mé-

dios, aos quais foram destinados 91% dos in-

vestimentos em moradia nesse período. Assim,

por omissão, repressão ou por políticas habi-

tacionais que não eram destinadas aos setores

mais carentes e vulneráveis, o Estado – em sua

ineficiência – terminou se transformando, ele

mesmo, em um agente fundador de novas bar-

riadas, cada vez mais distantes do tecido urba-

no, como foi o caso emblemático do distrito de

Villa El Salvador (ibid.).6

Perante a impossibilidade e/ou a falta

de vontade política do Estado de fazer frente

às vertiginosas transformações, a modalidade

predominante de acesso ao solo foi a invasão

e a ocupação dos areais e áreas agrícolas na

periferia da cidade. Devido à forte mobilização

e articulação política dos setores populares, o

Estado terminou por legitimar as invasões co-

mo modalidade de acesso ao solo e à moradia,

“sempre e quando [...] não afetassem os inte-

resses do capital imobiliário” (Barreda e Ramí-

rez Corzo, 2004, p. 208 – tradução nossa), atra-

vés da legalização dos terrenos uma vez já con-

solidada a ocupação e iniciada – pelos próprios

moradores – a (lenta) urbanização da área. Da

ocupação e loteamento dos terrenos à constru-

ção de cabanas de esteira, a moradia será, para

esses setores, um projeto familiar em busca de

Page 178: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014178

sua melhoria e sua progressiva construção em

tijolos e cimento. Por outro lado, os esforços de

legalização e habilitação urbana foram comu-

mente um projeto coletivo, pelo menos até a

década de 1970, assumindo o custo de constru-

ção da cidade através do trabalho comunitário

(Barreda e Ramírez Corzo, 2004).7

As três grandes áreas onde se estabele-

ceram estas “barriadas periféricas” absorveram

a maior parte da população recém-chegada à

cidade durante a segunda metade do século

XX. Num processo acelerado de crescimento e

urbanização, essas áreas se converteram nos

eixos principais de expansão da cidade, porém

em sentido inverso – de fora para dentro –,

ocupando os espaços intersticiais que as se-

paravam da zona consolidada da cidade e le-

vando à conformação dos Cones de Lima (Cone

Norte, Cone Leste e Cone Sul) que constituem,

hoje, as áreas de crescimento mais dinâmico da

metrópole limenha.

Por sua vez, o centro de Lima passava

também por intensas transformações, numa

espécie de gentrificação às avessas: com seus

“cavalos de tróia”, a massa migrante, que ha-

via tomado os cerros da capital peruana, final-

mente “conquistaria” seu centro físico e sim-

bólico (Golte e Adams, 1987). Com a ocupação

do centro pelos setores populares, denunciava-

-se seu acelerado processo de deterioro físico

e de “degradação social”, refletidos na fisio-

nomia e nos hábitos de seus novos usuários,

no congestionamento, no encortiçamento e na

explosão da economia informal e do comércio

ambulante. Finalmente, as classes média e al-

ta consumavam seu abandono (residencial)

da área central e buscavam novas estratégias

de isolamento, gerando maior segmentação e

fragmentação urbanas e produzindo certo des-

membramento da cidade (Sachaedel, 1982).

Em função dessa tendência centrífuga

e da contínua urbanização das zonas perifé-

ricas, Lima se convertia em uma metrópole

policêntrica. Não obstante, apesar do cresci-

mento e consolidação de novas “centralidades

periféricas” nos eixos de expansão da cidade,

o centro limenho conservaria sua força na di-

nâmica urbana, nos discursos e no imaginá-

rio da cidade, disputado ora como o centro

“perdido” pela elite criolla ora como o centro

“conquistado” pela população migrante.

Nesse processo, a própria noção de centro

se transfiguraria, acompanhando a expansão

urbana e as mudanças de escala implicadas

na conformação do território metropolitano,

tornando-se referente do “centro expandido”

da metrópole, também denominado “Lima

Centro” – e as variantes “Lima Moderna”, “Lima

Consolidada”, ou apenas “Lima” em oposição

à “Nova Lima” – que inclui em sua definição,

além do centro histórico, outros 15 distritos

de urbanização tradicional.8 Centro que se

reafirmaria, concreta e simbolicamente, como o

núcleo articulador da cidade em seu conjunto,

definidor e difusor das pautas urbanas, políticas,

econômicas, sociais e culturais hegemônicas –

o principal referente normativo da metrópole

limenha, a partir do qual se estabelecem

as distinções entre a cidade “formal” e a

“informal”, a “moderna” e a “popular”.

Enfrentavam-se simbolicamente, então,

duas “Limas”: a Lima invadida – as áreas de

urbanização “tradicional”, resultantes da mo-

dernização aristocrática e do projeto nacional

criollo na virada e início do século XX – e a

Lima invasora, isto é, a “Nova Lima” forjada

Page 179: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 179

pelos setores populares e pela população mi-

grante. E, nesta disputa, evidenciava-se a natu-

reza essencialmente conflitiva da acomodação

desses migrantes na cidade e sua crescente

marginalização, tornando visíveis e patentes as

profundas desigualdades econômicas, sociais,

culturais e raciais presentes na sociedade pe-

ruana, impressas no espaço urbano e sensíveis

na precariedade de condições de vida de seus

novos habitantes.

No entanto, se, do ponto de vista oligár-

quico, a migração massiva e a explosão urba-

na da capital peruana eram percebidas como

um processo de decomposição e deterioro, por

outro lado, a migração massiva e a urbaniza-

ção empreendida pelos setores populares não

deixaram de instituir, a seu modo, um proces-

so singular de modernização. Nesse sentido, o

fenômeno migratório tendeu a ser compreen-

dido como processo fundante de uma outra

modernidade peruana (Franco, 1991), como a

democratização social da metrópole limenha e

o surgimento de uma nova – e agora “autên-

tica” – identidade nacional-popular. Impondo

sua presença, a massa migrante nacionalizava

a capital peruana e a reconstruía democratica-

mente: ao “conquistar” a cidade hostil e his-

toricamente alheia ao “Peru real”, os migran-

tes forjaram uma “Nova Lima”, em cujo seio

emergiria “uma nova peruanidade” (Degregori;

Blondet e Lynch, 1986).

Se, até então, as dicotomias étnicas e so-

cioculturais da sociedade peruana e seus ma-

pas tradicionais de territorialização coincidiam

em grande medida com a divisão geográfica

do país entre a costa e os Andes, a migra-

ção massiva trasladaria o locus do andino do

campo para o espaço urbano limenho. Dessa

forma, o processo migratório haveria implicado,

então, a reinterpretação da “geografia da

identidade” peruana (Cánepa, 2007), dando

lugar a uma narrativa – concebida de maneira

épica – que incluía o deslocamento, entendido

como a apropriação concreta e simbólica do

território da nação, como figura retórica para a

construção identitária e a imaginação nacional:

a partir de seu encontro na capital, migrantes

de todas as regiões do país articulariam planos

de convergência, fortalecendo a conformação

de um tecido “verdadeiramente” nacional e

dessa nova e “autêntica” identidade nacional--

popular (Degregori; Blondet e Lynch, ibid.).

Paradoxalmente, essa narrativa do “na-

cional-popular” – enunciada, em Lima, para

referir-se tanto à presença na capital de mi-

grantes andinos e seus descendentes, como

aos processos políticos, econômicos e culturais

decorrentes dela – serviria não apenas à homo-

geneização e à regulação discursiva de um pro-

cesso muito mais complexo, heterogêneo e, por

vezes, contraditório, como também contribuiria

à reafirmação da hegemonia limenha sobre o

resto do país. Isto é, ao mesmo tempo em que

a migração era destacada como o mecanismo

central da transformação cultural e política do

país no sentido da sua democratização, sua

configuração discursiva contribuía para a re-

produção de uma geografia de identidade cen-

tralista (Cánepa, 2007).

Dessa forma, no marco das profundas

transformações ocorridas desde meados do sé-

culo XX, a centralidade e a hegemonia de Lima

no contexto nacional peruano se atualizariam,

então, com um sentido completamente distinto.

O centralismo limenho passaria a se justificar

não mais por ser o centro definidor e irradiador

do projeto criollo de uma nação moderna, mas

por conter em si – e, logo, ser representativa

Page 180: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014180

de toda a diversidade étnica e cultural do

país. Nesse momento, o centralismo de Lima

se reinventava encontrando, assim, sua legi-

timação “popular” e Lima, mais peruana que

nunca, se atualizaria como metáfora e síntese

simbólica e imagética desse novo Peru e de sua

identidade nacional.

Contudo, a profunda ambiguidade no

tratamento da população migrante – ora como

os sujeitos heróicos da “nacionalização” da

capital peruana, ora como expressão da po-

breza, da desordem e da marginalidade – ex-

punha a polarização da sociedade, revelando

a recriação e atualização, no espaço urbano,

das seculares representações dualistas do uni-

verso cultural peruano. “Da dualidade do país

passou-se a falar da dualidade na cidade [...].

Do étnico ao popular, da diferença à desigual-

dade, da oposição ao conflito, o esquema dual

permaneceu” (Montoya Uriarte, 2002, p. 42 –

tradução nossa). De todo modo, o que consti-

tuía uma realidade heterogênea e contraditória

tendeu a ser definida através de discursos e

narrativas que enfatizavam a homogeneidade

das experiências urbanas através da concep-

ção dicotômica das novas dinâmicas espaciais

e socioculturais da metrópole, sintetizadas no

“choque” e na “batalha” entre mundos incon-

ciliáveis e na oposição entre a “Lima” tradi-

cional, senhorial e criolla e a “Nova Lima”, de

origem migrante, andina e popular.

Nesse sentido, a migração massiva e a

nova realidade urbana decorrente dela não

apenas implicaram a transformação radical do

panorama físico e social da cidade, mas poriam

em cheque a própria definição do “limenho”

(Franco, 1989); referente identitário que, ao

ser fixado como um estereótipo que já não

guardava relação com o perfil e a dinâmica

sociocultural da cidade, pouco significado ou

relevância teria para seus novos habitantes.

Nessa direção, uma das consequências mais

marcantes, derivada da convulsão social e cul-

tural decorrentes da migração massiva, seria

um duplo processo de rejeição da cidade e de

sua identidade cultural. Por um lado, os seto-

res urbanos “tradicionais” mitificavam a iden-

tidade limenha criolla que se extinguia com a

“invasão” campesina, mobilizando nostalgica-

mente uma identidade que não apenas consti-

tuiria expressão da sua rejeição às novas con-

figurações espaciais e socioculturais da cidade,

mas que serviria também como marcador de

distinções e hierarquias sociais no novo contex-

to urbano (Montoya Uriarte, ibid.). Por sua vez,

aqueles recém-chegados à capital não se iden-

tificariam com essa identidade urbana limenha

nem com a cidade que tal identidade evocava

e que, por definição, os excluía. Em oposição a

esta “limenhidade” na qual não tinham aco-

lhida, os novos habitantes da cidade afirma-

riam sua presença e sua singularidade cultural

identificando-se não como limenhos, mas co-

mo provincianos, como habitantes de algum

distrito popular da cidade (nas amplas áreas

invadidas e urbanizadas por eles), cholos9 ou,

simplesmente, peruanos (Degregori; Blondet e

Lynch, 1986).

Certamente, a “cholificação” de Lima

(Quijano, 1980) não deve ser entendida ape-

nas como um processo de enfrentamento e

oposição, mas também como o encontro e a

articulação entre diversas matrizes e orienta-

ções culturais, de populações oriundas de todas

as regiões do país que converteriam a capi-

tal na “cidade de todos os sangues do Peru”.

Não obstante, como discurso identitário, o “li-

menho” como sinônimo do criollo, ainda que

Page 181: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 181

deslocado no tempo e no espaço pelo impac-

to da migração andina, persistiria como um

importante referente ideológico que recria e

reproduz, no espaço urbano, as fraturas e dua-

lidades constitutivas do imaginário e dos dis-

cursos acerca da identidade nacional.

Finalmente, com a deflagração do con-

flito interno, entre 1980 e início da década de

1990, o crescimento urbano de Lima cobraria

outro sentido. As barriadas, como unidade ur-

bana de expansão, foram seriamente afetadas

pela desarticulação, intimidação ou pelo assas-

sinato das organizações e lideranças comunitá-

rias que, até então, caracterizavam a constitui-

ção e a urbanização desses espaços, alterando

seus ritmos de reprodução e adaptação. Por

outro lado, surgiam novos espaços urbanos

na extrema periferia da cidade, nos quais se

instalaram populações inteiras de refugiados

pela violência interna e que, devido à crise

generalizada vivida pelo país nesse período,

se trasladavam ao contexto urbano em condi-

ções de pobreza, precariedade e vulnerabilida-

de extremas, muito mais agudas que aquelas

enfrentadas pelos migrantes do período “clás-

sico” (Matos Mar, 2004). Ademais, a crescente

estigmatização dos territórios populares, sobre-

tudo os distritos periféricos da cidade – fruto

da identificação desses espaços e de sua popu-

lação com a zona de conflito e com o confli-

to em si, marcados por um forte componente

étnico-cultural – aprofundariam as fraturas da

sociedade peruana e a tendência generalizada

ao isolamento, ao receio e à hostilidade (Rodrí-

guez Robles, 1997).

Nesse período, já se constatava a rever-

são das taxas de migração e de crescimento

urbano explosivo na maioria dos países da

América Latina e, nesse contexto, a paulatina

retração dos discursos sobre o fenômeno mi-

gratório como um processo definidor da cena

e da dinâmica urbanas nas grandes metrópoles

da região. Na contramão dessas tendências re-

gionais, a continuidade do processo migratório

em direção a Lima até o início da década de

1990 talvez tenha contribuído, num primeiro

momento, para que as migrações internas per-

manecessem como elemento explicativo cen-

tral das dinâmicas espaciais e sociais da metró-

pole. No entanto, passadas mais de duas déca-

das, as migrações internas ainda preservam um

destacado protagonismo nos diagnósticos, dis-

cursos e nos imaginários contemporâneos da

metrópole limenha e as razões e sentidos dessa

permanência devem ser, portanto, buscadas em

outra parte.

Lima contemporânea e os sentidos do pertencimento à metrópole: novos processos, mesmos discursos?

Após as décadas intensas e traumáticas da cri-

se generalizada que afligiu o país nas últimas

décadas do século XX, Lima se consolidava

como um território metropolitano que alcança-

ria, no início do ano 2000, os 7,5 milhões de

habitantes e uma vasta área conurbada abran-

gendo, além dos 43 distritos que a compõem

“formalmente”, a Província Constitucional de

Callao.10 A estabilização e a retomada do cres-

cimento econômico – em índices que, na últi-

ma década, seriam os mais elevados de toda

a América Latina (Ludeña Urquizo, 2009) –, a

reversão das taxas migratórias e de crescimen-

to urbano explosivo, a reabertura democrática

Page 182: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014182

após quase uma década de um regime autori-

tário,11 os desafios da reconciliação nacional e

a reinserção econômica e cultural do país nos

fluxos do capitalismo globalizado informariam

a entrada da capital peruana no novo século.

O processo de transformação contem-

porâneo do espaço urbano limenho teve início

em meados da década de 1990, com o fim do

conflito interno, o início da chamada “pacifi-

cação nacional” e a aplicação de um modelo

radical de reativação econômica (Chion, 2009).

No contexto do choque neoliberal promovido

pelo governo de Fujimori, Lima rompia seu iso-

lamento da economia global mediante incen-

tivos ao investimento estrangeiro, concessões

e privatizações de empresas públicas, libera-

lização do comércio exterior e a manipulação

do câmbio e das taxas de juros para garantir a

atração de capitais (Romero Reyes, 2004). Além

dos setores financeiro, de energia, transporte

e telecomunicações, foram favorecidos o setor

comercial e de serviços e as grandes empresas

nacionais e transnacionais, entre as quais se

destacam as indústrias extrativistas e o setor

da construção civil que, desde então, promove-

rá um boom especulativo e imobiliário de gran-

de impacto na paisagem e na estrutura urbana

limenha (Ludeña Urquizo, 2009).12

Na última década, as orientações im-

postas, fundamentalmente, pela globalização

econômica e pela adequação diferenciada da

atuação e estrutura do Estado, têm um forte

impacto no conjunto da área metropolitana de

Lima e Callao, produzindo novas diferenciações

pela localização desigual dos componentes

da nova economia. Assim, as novas diretrizes

que orientam a produção do espaço urbano

na contemporaneidade – em Lima como nas

principais cidades latino-americanas – estão

transformando de modo acelerado a paisagem

da metrópole limenha, que experimenta um

crescimento sem industrialização baseado na

expansão de grandes centros comerciais, nas

grandes obras de mobilidade, na revitalização

cenográfica do patrimônio histórico e cultural,13

no desenvolvimento de serviços e estrutura vin-

culados à economia de serviços e do turismo e

na expansão da intermediação especulativa e

financeira que alcança também, cada vez mais,

os Cones de Lima (Romero Reyes, ibid.).

Por um lado, vê-se a proliferação de no-

vos projetos de modernização urbana vincula-

dos à nova hegemonia dos fluxos globais que,

incidindo de maneira desigual sobre o territó-

rio metropolitano, redefinem as relações entre

o centro e a periferia limenhos, favorecendo a

emergência de uma nova hierarquia espacial

metropolitana (Chion, 2009). Em Lima, consti-

tui expressão dessa nova orientação no plane-

jamento urbano a consolidação de um “centro

triangular”, que define hoje os espaços e os

fluxos hegemônicos da economia metropolita-

na e nacional. Esse centro triangular está con-

formado por polos de funções especializadas,

conectados por vias de ampla circulação, cujos

vértices são: (1) o Cercado de Lima – o centro

histórico, político e econômico que concentra

as sedes do governo central, do legislativo e do

poder judicial, ministérios e banco central; (2)

o centro comercial e industrial de Callao, onde

estão o porto e o aeroporto mais importantes

do país; (3) o centro financeiro e comercial dos

distritos de San Isidro e Miraflores, que con-

centra os fluxos de turismo e de negócios, as

instituições financeiras e empresas privadas,

companhias de seguros e grandes centros co-

merciais (Romero Reyes, 2004). Completa esse

reordenamento seletivo a criação de um novo

Page 183: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 183

eixo exclusivo (leste-oeste), com a construção

de vias expressas e centros comerciais de luxo

que conectam esses distritos ao aeroporto de

Callao, ao centro da cidade e às zonas resi-

denciais de alta renda, da qual o distrito de La

Molina constitui o exemplo mais emblemático

(Ludeña Urquizo, 2009).

Por outro lado, em grande medida à mar-

gem dos fluxos hegemônicos desse renovado

dinamismo, Lima ingressa num momento de

consolidação de seu espaço urbano e de novos

processos de diferenciação social que trans-

formam o fenômeno e os rostos da pobreza

urbana nas vastas áreas urbanizadas pelos se-

tores populares ao longo da segunda metade

do século XX (Cabrera, 2009; Riofrío, 2009).

Passado o período de crescimento urbano ex-

plosivo, muitas barriadas, sobretudo as zonas

de ocupação mais antiga, cresceram e se urba-

nizaram, convertendo-se em bairros periféricos

consolidados, ainda que não necessariamente

tenham superado a pobreza que os caracteriza.

A consolidação desse espaço urbano “popu-

lar” se evidencia não apenas na infraestrutu-

ra que agora supre muitas dessas áreas, mas

também na verticalização, densificação e com-

plexificação dos usos do solo, em um dinâmico

mercado imobiliário informal (Riofrío, ibid.), no

surgimento de uma nova classe média emer-

gente, na construção e consolidação de novos

centros comerciais e de serviços que, pelo seu

dinamismo, despontam e se configuram como

as novas centralidades “periféricas” da metró-

pole de Lima.

A consolidação e o crescimento econô-

mico dessas novas centralidades nos Cones

de Lima – que é também desigual e produtora

de novas desigualdades – se apoiam principal-

mente na expansão e diversificação do setor

de comércio e serviços, sobretudo pequenas

e médias empresas de caráter familiar e, em

sua grande maioria, informais.14 Animados e

atraídos pela consolidação e efervescência dos

distritos populares limenhos, na última década

crescem os investimentos em grandes empre-

endimentos comerciais nos Cones de Lima, em

função desse dinamismo urbano e econômico,

mas também pela “constatação” de uma de-

manda de mercado insatisfeita, isto é, de uma

grande parte da população limenha que ainda

anseia por consumo e “modernidade”. Alber-

gando quase dois terços da população metro-

politana, “os ‘cones’ foram se constituindo nas

economias emergentes da metrópole e não é

gratuito que as grandes empresas comerciais

e cadeias de supermercados tenham visto aí

potenciais mercados de consumo” (Arroyo e

Romero, 2008, p. 111 – tradução nossa). Nos

Cones de Lima, cuja história de urbanização

está associada à mobilização e organização

popular para a habilitação comunitária do

espaço urbano e cujo crescimento se deve ao

dinamismo alcançado por uma economia ba-

sicamente informal e familiar, seu impacto não

deve ser menosprezado – sobretudo se con-

sideramos que sua construção se dá vertical-

mente em função de agentes externos e priva-

dos, em detrimento da melhoria em infraestru-

tura e serviços que ainda continua a depender,

em grande medida, dos recursos e da atuação

dos próprios moradores.15

Essas novas tendências na organização

do território metropolitano – sua atualização

parcial e seletiva, o surgimento de novas cen-

tralidades e a proliferação de tipologias/arqui-

teturas fragmentadoras do tecido urbano –

têm por consequência, ademais, o aumento da

polarização social e espacial, estimuladas não

Page 184: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014184

apenas pelos renovados processos de diferen-

ciação intra-urbana – entre bairros da cidade,

entre o(s) centro(s) e a(s) periferia(s) –, mas

também induzem e promovem novos processos

de diferenciação social no interior da periferia

urbana. Nesse sentido, observa-se o aprofunda-

mento da diferenciação entre a pobreza e a po-

breza extrema (Riofrío, 2004) que se evidencia

nas condições e possibilidades diferenciadas

de ocupação e apropriação do espaço urbano

e de inserção social. Ocupando os “espaços

opacos” da metrópole globalizada (Santos,

2005), emergem os rostos de uma “nova

pobreza urbana”, marcada pela experiência

de uma marginalização radical e pela hiper-

periferização da moradia que impedem a

reprodução de estratégias tradicionais de

sobrevivência e dificultam a organização social

e política, tornando ainda mais precárias das

condições urbanas de vida (Ribeiro, 2009).

Assim, embora o atual dinamismo urba-

no de Lima esteja nas áreas já ocupadas da

metrópole, continuam a surgir novos bairros e

assentamentos na extrema periferia, onde não

apenas a construção da moradia, mas também

a instalação de serviços e equipamentos urba-

nos resulta ainda mais problemática (Riofrío,

2004). Apenas nos distritos do Cone Sul de Li-

ma foi estimada, nas últimas duas décadas, a

demarcação de mais de 40 mil lotes nos novos

bairros da extrema pobreza, albergando cerca

de meio milhão de habitantes (Riofrío, 2010a).

Nessas áreas, onde transparecem o aprofunda-

mento da polarização e da segregação socioes-

pacial, “mecanismos de reprodução ampliada

do isolamento” contribuem de forma combina-

da para sua perpetuação (Kaztman e Ribeiro,

2008), definindo os (novos) ganhadores e per-

dedores da cena urbana contemporânea.

Por sua vez, apesar das transformações

ocorridas na última década no sentido de uma

maior dispersão dos espaços de referência da

metrópole, o centro de Lima não apenas con-

serva grande parte de suas antigas funções –

concentrando quase a totalidade das institui-

ções públicas e dos empregos formais, a infra-

estrutura e os serviços mais modernos –, como

também se redefine, adequando-se às novas

dinâmicas metropolitanas e às novas deman-

das introduzidas pela globalização econômica

e cultural. Nesse sentido, o centro histórico,

particularmente, é objeto de intensas refor-

mas no sentido de sua revitalização urbana e

cultural e do afiançamento de uma renovada

identidade local (Vega Centeno, 2009). Em

suas diferentes manifestações, a parcialidade

evidente na revitalização do centro histórico

introduz novas diferenciações socioespaciais

e aprofunda antigas, transfigurando a vida de

relações que o anima, impondo usos e códi-

gos de comportamento cada vez mais restri-

tivos – seja por mecanismos de vigilância e/

ou regulados pelo consumo individual –, que

implicam seu alisamento e sua banalização

como cenário para o entretenimento fácil, a

contemplação fugaz e o consumo sempre re-

novado (Ribeiro, 2004).

No entanto, o centro de Lima está longe

de constituir meramente expressão dos novos

impulsos e necessidades dominantes. Ape-

sar dos esforços recentes para a atualização

“estratégica” do centro – agora em busca da

atração de investimentos, turistas e visibilidade

global –, o centro mantém ainda fortes elemen-

tos simbólicos e identitários para os habitantes

da metrópole (Vega Centeno, ibid.). Moradia,

educação, trabalho e oportunidades de renda,

mobilizações políticas, intervenções artísticas,

Page 185: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 185

encontros, lazer, práticas e usos do espaço que,

à margem e a despeito dos projetos e intenções

hegemônicos, estabelecem outra cartografia

social e cultural do centro histórico limenho.

Em todo caso, o centro de Lima conti-

nua, portanto, condicionando os fluxos e as

dinâmicas metropolitanas e, neste processo, se

atualiza e se reafirma como o principal referen-

te normativo da metrópole, a partir do qual se

estabelece a oposição entre a cidade “formal”

e a “informal”, a “invadida” e a “invasora”, a

“moderna” e a “popular”. Porém, ao atualizar-

-se também como o centro “invadido” e “con-

quistado” por seus novos habitantes, constitui

um espaço em aberta disputa: a referência mais

emblemática a partir da qual, ou em oposição a

qual, se elaboram os discursos, os imaginários

e os sentidos da diferença e do pertencimento

na metrópole limenha.

Como vimos, desde meados do século

XX, com as migrações massivas e o crescimen-

to explosivo de Lima, a estruturação urbana

e as representações da cidade se articulariam

fundamentalmente pela coexistência, diferen-

ciação e antagonismo entre dois “mundos”

e modos distintos de produção da cidade: o

espaço “formal” e “moderno”, habitado pe-

los setores urbanos tradicionais e consagrado

pelas instituições oficiais; e o “informal”, de

origem migrante e popular e que carrega o

signo da precariedade e da “espontaneidade”

(Cabrera e Villaseca, 2007). Nas últimas dé-

cadas, o dinamismo econômico e cultural dos

Cones de Lima, a consolidação de novas cen-

tralidades periféricas, a complexificação dos

fluxos intraurbanos e a mudança no compor-

tamento das gerações mais jovens – além da

mobilidade oferecida por um sistema de trans-

porte que, apesar de extremamente precário,

é relativamente acessível (Joseph; Castellanos;

Pereyra e Aliaga, 2005) – favorecem e apon-

tam para novas formas de apropriação do es-

paço urbano metropolitano. Os circuitos não

apenas se tornam mais intensos e complexos,

mas também multidirecionais. No entanto,

persiste a percepção dicotômica entre os es-

paços representativos da metrópole limenha

sintetizados, sobretudo, naquela oposição

entre “Lima” e a “Nova Lima”; distinção que,

como vimos, se associa precisamente com as

migrações massivas em direção à capital e seu

crescimento explosivo.

Nesse sentido, embora o contexto con-

temporâneo da metrópole já não seja aquele

das migrações massivas e da explosão urbana,

permanece o imaginário – inscrito nesta opo-

sição – do “choque cultural” e da cisão entre

os “limenhos” e os “migrantes” que, mesmo

vivendo há décadas na capital, dificilmente se

identificam com ela. Desencontro e dualidade

que se reproduzem nas gerações nascidas em

Lima e que, até os dias de hoje, continuam a

ser nomeadas “filhos/descendentes de mi-

grantes”, “migrantes de segunda, terceira ou

quarta geração”, ou apenas “novos limenhos”.

Adjetivos que servem para a manutenção das

distinções e hierarquias sociais e para a repro-

dução indefinida de estigmas e estereótipos

que perpetuam a oposição entre os setores

criollos tradicionais e os habitantes desta “No-

va Lima”, recriando as rígidas fronteiras entre

o limenho “puro” e o “invasor”. Nesse embate,

não é raro encontrar quem afirme – com cer-

ta ironia – que, atualmente, os “limenhos” são

minoria, quase uma “espécie em extinção” na

capital peruana.

Para as gerações mais jovens, a percep-

ção de Lima como parte de sua origem e de sua

Page 186: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014186

identidade aparece, muitas vezes, como uma

contingência, uma casualidade quase formal. Por

outro lado, ressignificam e reconstroem seus laços

com outros lugares de origem – seus próprios,

de seus pais ou avós –, nos quais a memória

e a cultura jogam um papel fundamental

(Jacinto Pazos, 2007). Transitando entre âmbitos

geográficos e realidades sociais completamente

distintas – entre memória ancestral, a herança

cultural, a contingência do nascimento e a

vivência da metrópole –, a identidade dos “novos

limenhos” carrega a marca dessa dualidade

conflitiva, como evidencia o depoimento de um

jovem (sem identificação), citado por Ríos Burga

(2006, p. 311 – grifo nosso):

Me considero limeño, pues nací en Lima, pero mis padres nacieron en provincias y por ende sus padres también, lo cual también me hace en parte de la provincia de donde ellos vienen, pero también me hace limeño legalmente hablando porque la partida de nacimiento explica mi lugar de nacimiento, en conclusión soy limeño y a la vez soy provinciano.16

Nesse sentido, argumentamos que, nos

discursos e nos imaginários contemporâneos

sobre a cidade, “Lima” constitui um referente

anacrônico na medida em que seus sentidos

e conteúdos permanecem cristalizados em

sua imagem e tradição criollas, circunscritas a

uma região específica da cidade, ameaçadas e/

ou perdidas pela invasão migrante. Ademais,

“Lima” se revela também um referente ex-

cludente na medida em que serve justamente

para a atualização e/ou a denúncia de sua he-

gemonia e centralismo, reafirmando as fraturas

e polarizações que, historicamente, ela mesma

institui: aquela entre o mundo criollo e o mun-

do andino, entre a capital e o “resto do país”.

Dualidade que não apenas permanece vigente

no plano nacional, mas que se inscreve no es-

paço, no cotidiano e nos imaginários da metró-

pole e cuja expressão mais visível e contunden-

te é precisamente a reafirmação constante da

existência de duas cidades: “Lima” e “Nova Li-

ma”, ou qualquer de suas variantes, a “formal”

e a “informal”, a “moderna” e a “popular”.

Dualidade que se impõe, finalmente, co-

mo o principal eixo articulador das experiên-

cias e dos sentidos da diferença que traçam

e, ao mesmo tempo, tencionam as linhas do

pertencimento e da exclusão nos imaginários

contemporâneos da metrópole de Lima. Essa

polarização, no entanto, não reflete meramen-

te uma divisão convencional entre classes nem

pode ser reduzida à expressão de desigualda-

des socioeconômicas ou espaciais; tratam-se,

sobretudo, de experiências, sensibilidades e

estereotipias que, profundamente enraizadas

no sentido comum e inscritas no espaço urbano

da metrópole, não são de fácil desconstrução e

que tendem a reproduzir-se na medida em que

as condições objetivas e subjetivas que susten-

tam sua vigência permanecerem inalteradas.

Tanto em certo sentido comum como na

maior parte da literatura especializada sobre a

cidade – inclusive estudos mais recentes –, Li-

ma continua sendo definida como uma cidade

senhorial e criolla, invadida por migrantes de

origem rural que ocupam terrenos e impreg-

nam a urbe com presenças e manifestações

culturais de colorido andino. E, nesse quadro,

o fenômeno das migrações internas permane-

ce, em grande medida, como o elemento expli-

cativo inconteste de sua estrutura e dinâmica

urbanas, da sua vida social, da totalidade dos

problemas e desafios que enfrenta a metró-

pole. No entanto, essa descrição claramente

Page 187: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 187

já não corresponde ao contexto econômico e

político metropolitano, nem à sua realidade

urbana e social, cujas dinâmicas respondem

agora a novos determinantes, sendo 75% de

seus habitantes nascidos na capital, jovens

em sua maioria (Riofrío, 2009 ). Se quisermos

compreender o contexto contemporâneo da

sociedade e da metrópole limenhas, é preciso,

portanto, buscar outros discursos e interpre-

tações que partam do reconhecimento dessa

nova realidade urbana, em toda sua especifi-

cidade, complexidade e dinamismo. Ou, como

adverte Riofrío (2010b), é necessário “reinven-

tar a cidade”.

Beatriz Silveira Castro FilgueirasSocióloga. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano eRegional. Rio de Janeiro/RJ, [email protected]

Notas

(*) Este ar go se baseia e sinte za parte das discussões desenvolvidas na minha tese de doutorado em Sociologia, intitulada Imaginários do urbano, vínculos de urbanidade: a experiência contemporânea da heterogeneidade social na metrópole de Lima, Peru, e defendida em junho de 2013 no Ins tuto de Estudos Sociais e Polí cos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

(1) A segunda maior cidade do país na atualidade, Arequipa, concentra um con ngente populacional onze vezes menor que aquele reunido em Lima Metropolitana.

(2) Sem considerar Lima Metropolitana, o Peru tem uma estrutura de cidades bastante equilibrada, prevalecendo, em 88% dos casos, os municípios de pequeno porte (entre 2 e 19.999 mil habitantes). Nos estratos superiores, no entanto, nunca existiu e não existe um número suficiente de cidades de grande e médio porte que possam equilibrar o desenvolvimento concentrado e desigual do país (Inei, 1996).

(3) Por primazia urbana entende-se a relação entre a capital e as três cidades seguintes em tamanho e importância. No caso peruano, Arequipa, Trujillo e Chimbote, respec vamente (Inei, ibid.).

Page 188: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014188

(4) No início dos anos 1980, um contexto de extrema instabilidade polí ca e crise econômica deram lugar a um grave conflito interno no Peru. Os violentos embates entre o Partido Comunista del Peru – Sendero Luminoso (PCP-SL), o Movimiento Revolucionario Túpac Amaru (MRTA) e as Forças Armadas, sobretudo nas áreas rurais mais pobres do país, provocaram a fuga de milhares de pessoas e às vezes comunidades inteiras em direção às cidades da costa e à Lima em par cular. Entre 1980 e 1992, num período em que as principais cidades da América La na inver am suas taxas de crescimento, o processo migratório em direção à capital peruana se transfi gurava, com renovada intensidade e violência sem precedentes.

(5) Em português, tradução nossa: “Na prá ca, estas invasões fundavam novos polos ou núcleos de expansão urbana a par r dos quais são ocupados os terrenos adjacentes. Isto fazia com que as barriadas con nuassem crescendo e, com o decorrer dos anos e à medida que foram sendo preenchidos os espaços entre o tecido urbano e as barriadas pioneiras, formaram o que agora são os cones da cidade. É também a par r deste período que podemos falar da cidade popular como um fenômeno transcendente e defi nidor para a urbe”.

(6) Villa El Salvador foi o primeiro reassentamento urbano promovido pelo Estado peruano. Em abril de 1971, cerca de 200 famílias invadiram um terreno na localidade de Pamplona, ao sul de Lima; em poucos dias, quase 9 mil famílias já ocupavam o local. Dado o interesse do Estado na área – tornada estratégica em função do crescimento urbano, do esgotamento das áreas disponíveis e da especulação do solo – houve tenta vas de repressão violenta e expulsão dos invasores. Sem sucesso, iniciaram-se as negociações para o reassentamento das famílias em novo terreno designado pelo governo; um “grande bolsão” – um areal sem qualquer infraestrutura, plano de urbanização ou oferta de serviços – no qual o Estado pretendia alojar os invasores e todos aqueles que buscavam moradia nas barriadas que surgiam na capital (Riofrío, 1978). Duas semanas depois, em maio do mesmo ano, aproximadamente 7 das 9 mil famílias foram reassentadas. A criação de Villa El Salvador permi ria ao Estado, durante certo tempo, canalizar o crescimento no eixo sul de expansão da cidade.

(7) Não devemos generalizar esta afi rmação para todas as barriadas e assentamentos populares em Lima, mas existem casos emblemá cos, como o de Villa El Salvador, que se tornou exemplo de mobilização comunitária e organização autoges onária com a criação da Comunidad Urbana Autoges onaria de Villa El Salvador (Cuaves) e a concepção de um plano de desenvolvimento e gestão urbana comunitários. A experiência inovadora, embora não isenta de conflitos e contradições, seria inclusive reconhecida internacionalmente.

(8) Ver mapa em anexo, “Distribuição dos distritos de Lima Metropolitana por zonas”.

(9) A expressão cholo(a) faz referência à presença e adaptação, no contexto urbano, da população de origem andina e campesina. Embora o termo carregue forte carga pejora va, serviria também à reafi rmação cultural e iden tária da população migrante na cidade consagrado, por exemplo, em um verso clássico do cancioneiro popular-urbano na segunda metade do século XX, “cholo soy y no me compadezcas”.

Page 189: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 189

(10) De modo a evitar ambiguidades, é preciso esclarecer o recorte territorial que adotamos aqui ao referirmos à “metrópole de Lima”, sobre a qual nem no contexto local existe consenso. As defi nições de “Lima” são muitas, sobrepostas e contraditórias, evocando escalas e territórios distintos que abarcam de maneira ambígua seu território metropolitano. No que tange à organização polí co-administra va do território, Lima Metropolitana – ou a Província de Lima – abrange 43 distritos, sendo sua capital o Distrito de Lima (ou Cercado de Lima); distrito que, por sua vez, além de referir-se atualmente ao centro histórico da metrópole, é também a capital polí ca e administra va do país. Mas essa defi nição, embora “ofi cial”, não é consensual e o próprio Inei (Ins tuto Nacional de Estadís ca e Informá ca) adota uma formulação dis nta que inclui a Província Cons tucional de Callao. Callao, apesar de totalmente integrada à malha urbana conurbada da metrópole limenha – cons tuindo inclusive um dos seus vetores mais estratégicos, estando aí o porto e o aeroporto mais importantes do país – é uma entidade territorial, polí ca e administra va autônoma que elege seus próprios governantes (provinciais e regionais) e que não par cipa, portanto, das decisões que envolvem o conjunto da metrópole e/ou sua administração – inclusive, muitas vezes, dificultando-as. Embora seja necessário reconhecer que, considerando este território conurbado e suas conexões dinâmicas, Callao é parte fundamental das dinâmicas metropolitanas de Lima, convencionamos aqui o uso da definição político-administrativa de Lima Metropolitana, composta por 43 distritos cuja organização social e territorial dis ngue, na metrópole, quatro regiões – Lima Centro, Lima Norte, Lima Leste e Lima Sul –, e cuja população era es mada, em 2012, em quase 8,5 milhões de habitantes (Fonte: “Lima tendría 8 millones 432 mil habitantes en la actualidad, informa Inei”, La República, 18 de janeiro de 2012, versão eletrônica: h p://www.larepublica.pe/18-01-2012/lima-tendria-8-millones-432-mil-habitantes-en-la-actualidad, acesso em 13/11/2012). Ver mapa em anexo.

(11) No início da década de 1990, Alberto Fujimori seria eleito presidente, num contexto de aguda crise infl acionária, paralisia estatal e da crescente ameaça subversiva. Em 5 de abril de 1992, Fujimori declarava o autogolpe de Estado, ins tuindo uma ditadura que duraria quase uma década. Devida à forte pressão internacional (que incluía o bloqueio de emprés mos fi nanceiros ao país), em 1995 Fujimori reins tuiu o processo democrá co, reabriu o Congresso e convocou novas eleições. Legi mado pela rela va estabilidade econômica e, sobretudo, pela derrota da insurgência subversiva, foi reeleito. Contudo, analistas ressaltam o caráter de “fachada” desse processo e a con nuidade do projeto polí co autoritário, até a queda do regime com a fuga de Fujimori do país e sua renúncia, via fax, nos anos 2000 (Burt, 2009).

(12) Devido ao excessivo centralismo peruano, a maior parte destes novos inves mentos tenderá a se concentrar quase que exclusivamente em Lima. Com exceção dos grandes projetos de mineração, hidrelétricas e petróleo – que afetam de modo especial as comunidades rurais e indígenas tanto na região andina como amazônica e são, hoje, os principais responsáveis pela defl agração de confl itos sociais no Peru –, todos os setores mais dinâmicos e “modernos” da economia atuam apenas e/ou principalmente na capital. O que não equivale dizer, contudo, que aqueles setores não tenham forte impacto na cena metropolitana, uma vez que têm a capital como seu centro fi nanceiro, administra vo e operacional; principal lugar de residência e estadia das altas classes execu vas que demandam serviços e estrutura especializados, além de ser também aí onde são tomadas todas as decisões de governo acerca dos inves mentos e da polí ca de desenvolvimento nacional.

Page 190: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014190

(13) Projetos de valorização crescentemente incluem também o patrimônio arqueológico que, apesar dos séculos de destruição contínua, continua a imprimir suas marcas na paisagem limenha. Em Lima Metropolitana, existem hoje 217 sítios arqueológicos identificados pelo Ministério da Cultura; incluída a Província de Callao, são mais de 350. No entanto, a grande maioria permanece em estado de abandono e sofre com as pressões do crescimento urbano e da especulação imobiliária. Poucas delas estão habilitadas para visitação – com destaque para o Santuário de Pachacámac (distrito de Lurín), a Huaca Pucllana (distrito de Mirafl ores) e o complexo circunscrito pelo Parque de las Leyendas (distrito de San Miguel). (Fonte: Perú – Ministerio de la Cultura, disponível em http://www.mcultura.gob.pe/principales-sitios- arqueologicos-de-lima, acesso em 4/3/2013).

(14) Nesse cenário, o Cone Norte – em par cular, os distritos de Los Olivos, Comas e Independencia – tem cumprido um papel de destaque e, em função do crescimento pujante do qual foi objeto nas úl mas duas décadas, se transformou no exemplo mais paradigmá co do novo dinamismo econômico das áreas de urbanização popular em Lima.

(15) Para citar um exemplo, a instalação do shopping Mega Plaza Norte, no distrito de Independencia em 2002, implicou a quebra e/ou o desaparecimento de mais de 1.500 estabelecimentos comerciais locais (pequenas lojas e bodegas), gerando apenas 800 postos de trabalho ocupados, via de regra, por moradores de outras regiões da cidade.

(16) Em português, tradução nossa: “Me considero limenho, pois nasci em Lima, mas meus pais nasceram na província e, portanto, seus pais também, o que me torna também parte da província de onde vieram, mas também me torna limenho legalmente falando, porque a cer dão de nascimento explica o meu lugar de nascimento, em conclusão sou limenho e, ao mesmo tempo, sou provinciano”.

Referências

ARROYO, R. e ROMERO, A. (2008). “Lima Metropolitana y la globalización: plataforma de integración subordinada o espacio de autodeterminación en América La na”. In: CÓRCOVA MONTÚFAR, M. (coord.). Lo urbano en su complejidad: una lectura desde América La na. Quito, Flacso/Ministerio de Cultura de Ecuador.

ÁVILA MOLERO, J. (2001). Globalización, iden dad, ciudadanía, migración y rituales andinos des/ localizados: el culto al Señor de Qoyllur Ri en Cusco y Lima. Disponível em: h p://bibliotecavirtual. clacso.org.ar/ar/libros/becas/2000/avila.pdf. Acesso em: 3 set 2013.

BARREDA, J. e RAMÍREZ CORZO, D. (2004). “Lima: consolidación y expansión de una ciudad popular”. In: ARAMBURU, C. E. et al. Perú Hoy - Las ciudades en el Perú. Lima, Desco.

BURT, J-M. (2009). Violencia y autoritarismo en el Perú: bajo la sombra de Sendero y la dictadura de Fujimori. Lima, IEP/SER.

CABRERA, T. (2009). “El espacio público en la ciudad popular”. In: CALDERÓN COCKBURN, J. (org.). Los nuevos rostros de la ciudad de Lima: Foro Urbano. Lima, Colegio de Sociólogos del Perú.

Page 191: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 191

CABRERA, T. e VILLASECA, M. (2007). Presentes, pero invisibles: mujeres y espacio público en Lima Sur. Lima, Desco – Programa Urbano.

CÁNEPA, G. (2007). Geopoé ca de iden dad y lo cholo en el Perú: migración, geogra a y mes zaje. Revista Crónicas Urbanas. Lima, n. 12, pp. 29-42.

CHION, M. (2009). “Dimensión metropolitana de la globalización: Lima a fi nes del siglo XX”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi.

DEGREGORI, C. I.; BLONDET, C. e LYNCH, N. (1986). Conquistadores de un nuevo mundo: de invasores a ciudadanos en San Mar n de Porres. Lima, IEP.

DOMINGUES, J. M. e MANEIRO, M. (2004). Revisitando Germani: a interpretação da modernidade e a teoria da ação. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 47, n. 4, pp. 643-668.

FILGUEIRAS, B. S. C. (2008). Metrópoles em crise: vida urbana na América La na contemporânea e a problemá ca dos vínculos sociais. Cadernos Ippur/UFRJ. Rio de Janeiro, v. XXII, n. 1, pp. 173-192.

FONTES, P. (2008). Um Nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-66). Rio de Janeiro, FGV.

FRANCO, C. (1989). Informales: nuevos rostros en la vieja Lima. Lima, Cedep.

______ (1991). Imágenes de la sociedad peruana: la otra modernidad. Lima, Cedep.

GERMANI, G. (1965). Polí ca y Sociedad en una Época de Transición: de la sociedad tradicional a la sociedad masas. Buenos Aires, Editorial Paidós.

GOLTE, J. e ADAMS, N. (1987). Los caballos de Troya de los invasores: estrategias campesinas en la conquista de la gran Lima. Lima, IEP.

GORELIK, A. (2004). Miradas sobre Buenos Aires: historia cultural y crí ca urbana. Buenos Aires, Siglo XXI.

______ (2005). A produção da “cidade la no-americana”. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP. São Paulo, v. 17, n. 1, pp. 111-133.

INEI – Instituto Nacional de Estadística e Informática (1996). Dimensiones y características del crecimiento urbano en el Perú: 1961-1993. Lima, Inei/UNFPA.

JACINTO PAZOS, P. (2007). Modernidad, iden dad y representaciones limeñas. Los microempresarios frente a los megamercados. SCIENTIA – Revista del Centro de Inves gación de la Universidad Ricardo Palma. Lima, v. IX, n. 9, pp. 59-90.

JOSEPH, A. J. (1999). Lima megaciudad: democracia, desarrollo y descentralización en sectores populares. Lima, Alterna va/Unrisd.

JOSEPH, A. J.; CASTELLANOS, T.; PEREYRA, O. e ALIAGA, L. (2005). “Lima, ‘Jardín de los senderos que se bifurcan’: segregación e integración”. In: GRIMSON, A.; PORTES, A. e ROBERTS, B. (eds.). Ciudades la noamericanas: un análisis compara vo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros.

KAZTMAN, R. e RIBEIRO, L. C. de Q. (2008). Metrópoles e sociabilidade: os impactos das transformações socioterritoriais das grandes cidades na coesão social dos países da América La na. Cadernos Metrópole. São Paulo, n. 20, pp. 241-261.

LATOUCHE, S. (1996). A ocidentalização do mundo: ensaio sobre a signifi cação, o alcance e os limites da uniformização planetária. Petrópolis, Vozes.

Page 192: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014192

LEFÈBVRE, H. (1999). A revolução urbana. Belo Horizonte, Ed. UFMG.

LUDEÑA URQUIZO, W. (2009). “Lima de los noventa: neoliberalismo, arquitectura y urbanismo”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi.

MARTÍN-BARBERO, J. (1991). Dinámicas urbanas de la cultura. Disponível em: h p://www.naya.org. ar/ar culos/jmb.htm. Acesso em: 3 set 2013.

______ (2001). Al sur de la modernidad: comunicación, globalización y mul culturalidad. Pi sburgh, Ins tuto Internacional de Literatura Iberoamericana – Universidad de Pi sburgh.

MATOS MAR, J. (2004). Desborde popular y crisis del Estado. Veinte años después. Lima, Fondo Editorial del Congreso del Perú.

MONTOYA URIARTE, U. (2002). Entre fronteras: convivencia multicultural, Lima siglo XX. Lima, Concytec/Sur – Casa de Estudios del Socialismo.

NUGENT, D. (2007). “Estado y nación vistos desde los márgenes: la reconfi guración del campo moral en el Perú del siglo XX”. In: LAGOS, M. L. e CALLA, P. (orgs.). Antropología del Estado: dominación y prác cas contestatarias en América La na. La Paz, INDH; PNUD.

ORTEGA, J. (1986). Cultura y modernización en la Lima del 900. Lima, Cedep.

PORTES, A.; ROBERTS, B. R. (2005). “La ciudad bajo el libre mercado: la urbanización en América La na durante los años del experimento neoliberal”. In: GRIMSON, A.; PORTES, A. e ROBERTS, B. (eds.). Ciudades la noamericanas: un análisis compara vo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros.

PREVÔT SCHAPIRA, M.-F. (2001). Fragmentación espacial y social: conceptos y realidades. Perfi les La noamericanos – Revista de la Sede Académica de México de la Facultad La noamericana de Ciencias Sociales. Ciudad de México, año 9, n. 19, pp. 33-56.

QUIJANO, A. (1980). Dominación y cultura. Lo cholo y el confl icto cultural en el Perú. Lima, Mosca Azul.

RIBEIRO, A. C. T. (2004). Oriente negado: cultura, mercado e lugar. Cadernos PPG-AU. Salvador, ano 2, pp. 97-107.

______ (2009). “Presen fi cação, impulsos globais e espaço urbano. O novo economicismo”. In: POGLIESE, H. e EGLER,T. T. C. (comp.). Otro desarrollo urbano: ciudad incluyente, jus cia social y ges ón democrá ca. Buenos Aires, Clacso.

RIOFRÍO, G. (1978). Se busca terreno para próxima barriada: espacios disponibles en Lima 1940-1978-1990. Lima, Desco.

______ (2004). “Pobreza y desarrollo urbano en el Perú”. In: ARAMBURU, C. E. et al. Perú Hoy - Las ciudades en el Perú. Lima, Desco.

______ (2009). “Imágenes y perspec vas del crecimiento urbano de Lima”. In: CALDERÓN COCKBURN, J. (org.). Los nuevos rostros de la ciudad de Lima: Foro Urbano. Lima, Colegio de Sociólogos del Perú.

RIOFRÍO, G. (2010a). Alan García, alcalde de Lima. Perú Hoy – Desarrollo, democracia y otras fantasías.Lima, Desco.

______ (2010b). Reinventar la ciudad. Revista Quehacer. Lima, n. 179, pp. 22-27.

Page 193: Cadernos Metrópole 31. -

As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 193

RÍOS BURGA, J. R. (2006). Sociología de Lima – Las microculturas en el Centro Histórico: individuación, socialización, iden dad, vida co diana e in midades. Lima, Fondo Editorial de la Facultad de Ciencias Sociales.

RODRÍGUEZ ROBLES, M. E. (1997). “Migración y violencia: jóvenes ayacuchanos y huancavelicanos en la ciudad de Lima”. In: BALBI, C. R. (ed.). Lima: aspiraciones, reconocimiento y ciudadanía en los noventa. Lima, PUCP.

ROMERO, J. L. (2004). América La na: as cidades e as ideias. Rio de Janeiro, Editora UFRJ.

ROMERO REYES, A. (2004). La economía urbana de Lima Metropolitana: los procesos y retos de desarrollo. Cuadernos de Desarrollo Económico Local: lecturas de la economía del norte de la ciudad. Lima, Alterna va, pp. 25-52.

SACHAEDEL, R. (1982). De la homogenización a la heterogenización. Apuntes – Revista de Ciencias Sociales. Lima, n. 12, pp. 3-17.

SANTOS, M. (2005). Da totalidade ao lugar. São Paulo, Edusp.

VEGA CENTENO, P. (2009). “Introducción”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi.

Texto recebido em 11/set/2013Texto aprovado em 8/out/2013

Page 194: Cadernos Metrópole 31. -

Beatriz Silveira Castro Filgueiras

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014194

ANEXO – Mapa de referência:Distribuibuição dos distritos de Lima Metropolitana por zonas

Fonte/elaboração: Desco,Observatório Urbano – Programa Urbano,s/d. Disponível em: http://www.urbano.org.pe/downloads/observatorio_urbano/Zonas%20de%20Lima%20Metropolitana jpg. Acesso em: 12 abr 2013.

Page 195: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014

Polos regionais do Norte Fluminensee a Região Metropolitana: cultura

política em perspectiva comparada*

Regional centers in the North of Rio de Janeiroand the Metropolitan Region: political culture

in a comparative perspective

Sérgio de AzevedoJoseane de Souza Fernandes

ResumoO artigo tem como objetivo analisar em perspec-

tiva comparada as semelhanças e diferenças entre

a cultura política da população residente nos Polos

regionais do Norte Fluminense (Macaé e Cam pos)

e na RMRJ. Este artigo foi também motivado pela

necessidade de se identificar os principais deter-

minantes da cultura política dessas localidades,

a partir dos fatores cognitivos – representados

pelos indicadores de Socialização Secundária e

Exposição à Mídia Informativa – e dos fatores re-

lacionados à participação política – representados

pelos indicadores de Associativismo e Mobilização

Sociopolítica.

Palavras-chave: cultura política; polos regionais;

associativismo; mobilização; região metropolitana.

AbstractThe paper aims to analyze, in a comparative perspective, the similarities and differences between the political culture of the population residing in the regional centers located in the North of the State of Rio de Janeiro (Campos and Macaé) and the political culture of the population living in the Metropolitan Region. This paper was also motivated by the need to identify the main determinants of the political culture of these places based on cognitive factors – represented by the indicators Secondary Socialization and Exposure to Informational Media – and on factors related to political participation – represented by the indicators Associations and Sociopolitical Mobilization.

Keywords: political culture; regional centers; associations; mobilization; metropolitan region.

Page 196: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014196

Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar em

perspectiva comparada as semelhanças e dife-

ren ças entre a cultura política da população re-

sidente em Campos dos Goytacazes e Macaé –

os dois mais importantes municípios da região

Norte Fluminense – e a Região Metropolitana

do Rio de Janeiro (RMRJ). As informações que

subsidiarão as análises são primárias, coleta-

das através de duas pesquisas de campo, finan-

ciadas pela Faperj/CNPq, realizadas pelo Ob-

servatório das Metrópoles/Rio de Janeiro que,

nos polos regionais, contou com a parceria da

Universidade Estadual do Norte Fluminense –

Darcy Ribeiro (UENF) e da Universidade Cân-

dido Mendes (Ucam-Campos). A primeira em

2008, com amostras estatisticamente represen-

tativas para a RMRJ, em seu conjunto; para o

município do Rio de Janeiro e para a Baixada

Fluminense; a segunda, em 2009, em Campos e

Macaé, com amostras representativas para ca-

da um dos municípios isoladamente. Nas duas

pesquisas foi utilizado o mesmo questionário,

garantindo a comparabilidade dos resultados.

Campos dos Goytacazes e Macaé são as

duas cidades mais importantes do Norte Flumi-

nense. Sua economia, tradicionalmente basea-

da na produção de cana de açúcar, passou, a

partir de meados dos anos 70, por uma intensa

reestruturação induzida pela estagnação, se-

guida de forte crise, do setor sucroalcooleiro.

Os rumos dessa reestruturação foram determi-

nados pela descoberta de petróleo na Bacia de

Campos; pela instalação da Petrobrás em Ma-

caé, em 1974; e pelo início das atividades de

exploração mineral, em 1977.

A partir daquela data, as economias de

Campos e Macaé são cada vez mais direta e

indiretamente dinamizadas pela atividade pe-

trolífera. Dentre os impactos diretos, destaca-

-se o recebimento de expressivas receitas de

rendas petrolíferas (royalties e participações

especiais): em 2011, esses dois municípios re-

ceberam 42,87% do total da renda petrolífera

dividida entre os 87 municípios petrorentistas,

do Rio de Janeiro; e 27,84%, entre os 1.031

municípios petrorentistas brasileiros, “fato que

os coloca em situação privilegiada diante da

maioria dos municípios brasileiros” (Fernandes,

Terra e Campos, 2013, p. 2).

Como efeitos indiretos, podem-se men-

cionar a concentração, principalmente em

Macaé, de empresas de Petróleo e de seus de-

rivados, bem como de prestadoras de serviços

especializados nessa área; e os vultosos inves-

timentos na implantação de megaprojetos de

infraestrutura de grande impacto regional, co-

mo é o caso do complexo Industrial e do Porto

do Açu. Mas, apesar dos benefícios trazidos pe-

la atividade petrolífera, esses dois municípios

continuam apresentando graves problemas

sociais, especialmente nas áreas de saúde, edu-

cação básica, saneamento e habitação popular.

Segundo Fernandes, Terra e Campos

(2012, p. 5),

[...] com maior dinamismo econômico, alguns municípios da região, antes ex- pulsores de população, vêm se tornando mais atrativos para a população migrante, principalmente para aquela à procura de novas e melhores oportunidades no mer- cado de trabalho. Outro efeito, não menos importante do maior dinamismo econô- mico é a elevação do poder de retenção populacional por parte desses municípios.

Page 197: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 197

Indubitavelmente o desenvolvimento da

atividade petrolífera tem afetado significativa-

mente a dinâmica demográfica regional, cha-

mando a atenção o comportamento – com ten-

dência à elevação – das taxas de crescimento

populacional (Gráfico 1).

O município de Macaé, que em 1980 tinha

uma população inferior a 60 mil pessoas, conta-

va, em 2010, com 206.728 habitantes após ex-

perimentar, durante três décadas consecutivas,

taxas de crescimento populacional supe riores

a 4% ao ano. Campos dos Goytacazes – que

apresentou uma população praticamente es-

tagnada, entre 1970 e 1980 (crescimento ab-

soluto de 2.062 habitantes, a um ritmo médio

anual de 0,06%) – voltou a crescer nos anos

80, embora a taxas expressivamente inferiores

àquelas de Macaé. Sua população aumentou de

320.868 para 463.731 habitantes, entre 1980 e

2010. Com tais volumes populacionais, ambas

são consideradas de médio porte, ressaltando-

-se que se trata de populações eminentemente

urbanas. Segundo o Censo de 2010, 98,13% da

população de Macaé residia em áreas urbanas,

sendo de 90,29% o grau de urbanização da po-

pulação campista.

No que diz respeito às questões políti-

cas, pode-se dizer que uma das consequên-

cias dessa rápida reestruturação econômica é

um maior distanciamento entre as lideranças

políticas e as novas (e não organizadas) elites

econômicas de fato. Isso porque, as entidades

tradicionais dos empresários locais continuam

sendo o locus organizado de interação com os

representantes políticos que atuam na cidade

(vereadores, deputados estaduais e federais).

Embora ocorra um lento movimento de ingres-

so de parte dos empresários recém-chegados

nas associações patronais, a elite tradicional

ainda mantém ampla hegemonia política.

Gráfi co 1 – Campos e Macaé: Taxa Média anual de crescimento populacional(1980-1991; 1991-2000; 2000-2010)

Fonte: FIBGE – Censos Demográfi cos (1991, 2000 e 2010).

1980-1991 2000-20101991-2000

Page 198: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014198

De outro lado temos a Região Metropoli-

tana do Rio de Janeiro (RMRJ), constituída por

17 municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias,

Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Mesquita,

Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Rio

de Janeiro, São Gonçalo, Seropédica, São João

de Meriti, Tanguá e Queimados.

Em 2010, a RMRJ tinha uma população

de 11.835.708 habitantes, dentre os quais

6.320.446 (53,40%) residiam na grande me-

trópole e 3.732.108 (31,5%) nos demais mu-

nicípios. A RMRJ se destaca como segunda

maior região metropolitana brasileira, não

apenas em termos populacionais, mas também

pelo desempenho de sua economia. Mas, infe-

lizmente, assim como as demais RMs brasilei-

ras, a Grande Rio, como é conhecida, é marca-

da por expressivas desigualdades socioeconô-

micas e demográficas.

De um lado temos a região que com-

preende os municípios do Rio de Janeiro e

Niterói. Segundo Oliveira (2005), esses dois

municípios apresentam indicadores econômi-

cos, sociais e demográficos muito próximos

indicando cenários socioeconômicos bastante

similares e de alto padrão, comparativamen-

te aos demais municípios da RMRJ. É neles

que se concentram os maiores volumes de

investimentos produtivos, atraídos principal-

mente pelas atividades petrolíferas e para-

petrolíferas, assim como os equipamentos e

os serviços urbanos de melhor qualidade. De

outro lado temos os demais municípios da

RMRJ dentre os quais apenas três – Tanguá,

Itaboraí e São Gonçalo – não pertencem à

Baixada Fluminense.

A Baixada é uma região que, historica-

mente vem apresentando problemas sociais

e urbanos de grande envergadura. Segundo

o Observatório das Metrópoles (s/d, p. 1), os

municípios de Belford Roxo, Guapimirim, Quei-

mados, Japeri, Tanguá, Seropédica e Mesquita,

todos pertencentes à Baixada, “têm em comum

um baixíssimo desempenho econômico e um

alto grau de precariedade nas condições de re-

produção dos seus habitantes e na capacidade

de gestão pública local”; no mesmo documen-

to o Observatório das Metrópoles define os

municípios de Japeri, Seropédica, Belford Roxo

e Itaboraí como grandes “bolsões de pobreza”,

na RMRJ.

Ressalta-se que grande parte dos habi-

tantes da Baixada dependem das atividades

econômicas do município do Rio de Janeiro e

de Niterói, tendo em vista sua baixa capacida-

de de absorção da mão de obra. Apenas recen-

temente essa região vem experimentando cer-

to dinamismo derivado de algumas atividades

econômicas importantes, tais como o refino de

petróleo; o fortalecimento do comércio; o cres-

cimento de empresas de prestação de serviços,

entre outras.

Do ponto de vista político, o que se repe-

te na quase totalidade dos municípios da Bai-

xada Fluminense é a predominância ou grande

importância de um ou mais grupo familístico

no poder local.

Nesse campo empírico recortado, quais

seriam as diferenças, em termos de sofisticação

política, entre os polos regionais (Campos dos

Goytacazes e Macaé), que apesar dos vários

constrangimentos sociais, apresentam grandes

potencialidades de desenvolvimento socioeco-

nômico, e a Região Metropolitana do Rio de

Janeiro, um dos núcleos culturais mais sofisti-

cados do país?

Page 199: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 199

Cultura política e estrutura econômica

A relação entre cultura lato sensu e estrutura

econômica nas ciências sociais permite uma

miríade de abordagens teóricas. Analisada de

forma descontextualizada, os trade offs entre

essas duas dimensões nos levaria ao enigma

popular “do ovo e da galinha”. Mesmo as con-

tribuições dos clássicos ensejam diferentes

interpretações, não totalmente isentas de am-

biguidades. Se para Weber foi a ética protes-

tante que – mesmo de forma não intencional,

ao transferir para a vida mundana um com-

portamento racional – criou as condições pro-

pícias para o desenvolvimento capitalista no

Ocidente, isso não significa que o mesmo não

seja capaz de germinar em condições culturais

mais adversas.

Em relação a Marx, se a análise canônica

da conhecida relação entre “infraestrutura e

superestrutura” pareceria não deixar dúvidas

sobre a primazia do econômico sobre o cultu-

ral, as leituras das mais importantes correntes

de seus seguidores vão em caminho contrário.

Assim os papas da abordagem estruturalistas

(Louis Althusser e Nicos Pollantzas) utilizam o

conceito de “independência relativa” da supe-

res trutura, compreendida como formada por

diferentes esferas (política, religiosa, jurídi ca,

artística, ideológica, entre outras) com tra-

jetórias próprias, para mitigar os efeitos da

determinação econômica. Os marxistas cultu-

ra listas, capitaneados por Antonio Gramsci

– mesmo sem questionar explicitamente o

modelo ortodoxo – praticamente invertem

a determinação original com a criação do

conceito de “hegemonia política”, segundo

o qual somente quando na esfera política e

ideológica ocorressem previamente mudan-

ças capazes de tornar majoritário o apoio a

uma transformação econômica profunda (no

jargão marxista, a substituição de um “modo

de produção” por outro) seria possível realizar

uma verdadeira revolução.

Reconhecendo as complexas interfaces

entre cultura e economia, partimos do pres-

suposto que o surgimento da chamada “Nova

Cultura Política” – como muitos outros issues

contemporâneos – está fortemente interrela-

cionado a diversas mudanças estruturais, com

fortes trade offs entre si, que ocorrem, sobre-

tudo, nos países capitalistas desenvolvidos a

partir da segunda metade do século XX. Nesse

sentido, pode-se citar, entre outras, as seguin-

tes transformações no cenário internacional: o

crescimento, apogeu e crise do Welfare State;

o desenvolvimento e, posterior, perda relativa

de importância do processo fordista/taylorista

de produção com surgimento do processo de

produção flexível; a crise da sociedade assala-

riada e decrescente papel dos sindicatos com

o consequente sentimento de “desfiliação” da

população trabalhadora; o enfraquecimento re-

lativo dos estados nacionais, o fortalecimento

de blocos regionais, a ênfase na política local,

a maior visibilidade e preocupação com discri-

minações adscritivas (etnias, religião, imigran-

tes, etc.); a globalização excludente do merca-

do; a revolução da informática e das informa-

ções, entre outras.

Segundo Clark e Hoffmann-Martinot,

mentores da “Nova Cultura Política”, ela se

caracterizaria por sete elementos-chave: (1)

modificação da dimensão clássica entre direi to

e esquerda; (2) separação explícita das ques-

tões sociais e econômicas-fiscais; (3) maior

Page 200: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014200

crescimento da importância das questões sociais

decorrentes da exacerbação da diferenciação

sociocultural do que das demandas econômi-

cas; (4) crescimento simultâneo do indivi dua lis-

mo de mercado e social; (5) questionamento ao

Estado de Bem-Estar Social; (6) emergência de

políticas centradas em questões-chave e a am-

pliação da participação cidadã, por um lado, e o

declínio das organizações políticas hierárquicas,

por outro; (7) as concepções da NCP encontram

seus mais fervorosos defensores entre as so-

ciedades menos hierárquicas e os indivíduos

mais jovens, mais instruídos e os que vivem

mais confortavelmente (Clark e Hoffmann-

-Martinot, 1998).1

A partir dos autores que defendem esse

enfoque, entre os quais se enquadram, tam-

bém, Manuel Vilaverde Cabral e Felipe Car-

reira da Silva (Cabral e Silva, 2006), segundo

nossa leitura, a NCP associaria valores pós-

-modernos, com ênfase na defesa dos direitos

individuais, maior tolerância para diferentes

padrões de comportamento, abertura para ex-

perimentação no plano individual, menor grau

de subordinação às normas preconizadas pelo

Estado, muitas vezes, acompanhado de postura

canônica no referente às políticas econômicas.

Nesse sentido, poder-se-ia dizer que, enquan-

to nas áreas mais urbanizadas, especialmente

habitadas por setores homogêneos com maior

capacidade de inserção social e econômica,

tenderiam a prevalecer traços dessa cidadania

pós-moderna, nas demais áreas urbanas, em

contraposição, tenderiam a prevalecer os valo-

res da cidadania clássica hegemônica do século

passado, composta por suas dimensões jurídi-

ca, política e social e sua inerente fricção entre

a dimensão civil (direitos individuais) e cívica

(direitos coletivos).

Genericamente falando, a denominada

“Nova Cultura Política” abarcaria tanto ele-

mentos considerados tradicionalmente como

conservadores – responsabilidade fiscal e polí-

tica monetária dura em época de crises – quan-

to preocupações consideradas como progres-

sistas, sejam relativas aos chamados “direitos

difusos” (meio-ambiente, igualdade de gênero,

liberdade de orientação sexual, etc.), seja no

que diz respeito à maior participação social e

política não convencionais nos intervalos das

eleições (participação em redes, apoio a ONGs,

boicote a produtos nocivos ao meio ambiente,

denúncias de empresas que utilizam mão de

obra infantil, campanhas humanitárias, etc.).

Além disso, a NCP apresentaria uma agenda

nova com maior preocupação com a eficácia

e legitimidade governamental (governance),

sem crescimento do aparato burocrático do

Welfare State, como também com as presta-

ções de contas públicas com responsabilidades

(accontability).

Segundo a abordagem descrita, seria lí-

cito concluir, como afirma Manuel Vilaverde,

que, hoje em dia, o exercício dos direitos de ci-

dadania tende a manifestar-se de forma mais

expressiva através da “geometria variável” da

automobilização do que através do associati-

vismo clássico, vinculado fundamentalmente às

formas convencionais de “capital social”.2

Nesse estudo comparativo entre Campos

dos Goytacazes, Macaé e RMRJ, vamos avaliar

até que ponto haveria um “efeito-metrópole”

sobre o exercício da cidadania política. Em ou-

tras palavras, uma vez controladas variáveis

clássicas como nível de escolaridade, renda,

gênero, faixa etária, etc., poder-se-ia isolar

um fator residual (formado pelas múltiplas

interações de inúmeros issues) disponível em

Page 201: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 201

maior escala nas grandes metrópoles, capaz

de permitir a gestação e expansão progressi-

va do que se poderia denominar Nova Cultura

Política (NCP).

Denomina-se, do ponto de vista teórico,

como “efeito metrópole”, um complexo resí-

duo de interações entre inúmeras variáveis não

passíveis de serem desagregadas, após serem

expurgadas, no limite do possível, variáveis

clássicas como renda, educação, classe, gênero,

etnia, acesso a infraestrutura física, a serviços

de consumo coletivos, saúde, entre outras (Ri-

beiro, Azevedo e Santos Junior, 2010; Cabral e

Silva, 2006).

Associativismo e mobilização em perspectiva comparada

As análises do associativismo e da mobiliza-

ção política em Campos e Macaé e nas duas

subáreas da RMRJ basearam-se em índices

compostos. Para a estimativa desses índices

consideramos as informações referentes às

várias formas de associativismo – participa-

ção em algum partido político; em sindicato,

grêmio ou associação profissional; em igreja

ou organização religiosa; em algum grupo

despor tivo, cultural ou recreativo; e em ou-

tra associação religiosa – e de mobilização

política – assinar abaixo assinado; boicotar

produtos por questões políticas; participar

de manifestação social; participar de comí-

cio ou reunião política; contatar políticos ou

funcionários do alto escalão do estado; dar

dinheiro ou recolher fundos para financiar

causas públicas; contatar ou aparecer na

mídia; e parti ci par em fóruns pela internet –

ponderadas pela intensidade de participação

dos indivíduos nas mesmas.

Em ambos os fatores de ponderação

variaram de 0 (nunca participou) a 3 (partici-

pa ativamente), sendo esses os valores de re-

ferência que balisaram as análises. Em outras

palavras, esses índices variam de 0, situação

extrema em que nenhum indivíduo participa de

nenhuma forma de associativismo ou de mobi-

lização política, a 3, que define outra situação

extrema na qual todos os indivíduos participam

ativamente de todas as formas de associativis-

mo e mobilização política.

Nas localidades estudadas, a intensida-

de de associativismo, independentemente de

sua forma, é, em geral, muito baixa (Tabela 1).

Em todos os casos verifica-se o predomínio do

associativismo religioso, sendo esse expressi-

vamente maior em Campos e Macaé compa-

rativamente às duas subáreas – Rio-Niterói e

Baixada Fluminense – da RMRJ. Esse fato não

nos surpreende uma vez que o Rio de Janeiro

é a metrópole que possui um maior número de

pessoas não filiadas a nenhuma religião (ainda

que creiam em Deus), e de agnósticos e ateus

(Smiderle, 2011). Esses resultados são corrobo-

rados, ainda, por pesquisas realizadas anterior-

mente (Azevedo, Santos Junior, Ribeiro, 2009),

que mostraram que o associativismo religioso,

diferente dos demais, tende a ser menor nas

grandes metrópoles, quando comparados com

áreas urbanas não metropolitanas.

No extremo oposto, a rubrica de menor

participação é do ‘Partido Político’, e tam-

bém nesse caso a intensidade de associati-

vismo é menor nas duas subáreas da RMRJ,

comparativamente aos polos regionais. Esse

baixo envolvimento com os partidos políti-

cos do Brasil – ainda que decorra de diversos

Page 202: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014202

Formas de associativismo Campos Macaé Baixada Rio-Niterói RMRJ

Partidos políticos 0,29 0,43 0,12 0,20 0,17

Sindicato, grêmio ou associação profi ssional 0,42 0,57 0,26 0,42 0,36

Igreja ou organização religiosa 1,87 1,88 1,15 1,17 1,16

Grupo desportivo, cultural ou recreativo 0,63 0,74 0,23 0,45 0,37

Outra associação voluntária 0,53 0,83 0,16 0,27 0,23

Média 0,62 0,74 0,38 0,50 0,46

N 398 400 382 621 1003

Tabela 1 – Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organizaçãoCampos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói e RMRJ

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Gráfi co 2 – Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organizaçãoCampos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Partido político Outra associação voluntária

Grupo desportivo,cultural ou recreativo

Igreja ou organização religiosa

Sindicato, grêmio ou associação profi ssional

Campos Macaé Baixada Rio-Niterói

Page 203: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 203

fatores – seria afetado pelo nosso sistema de

voto proporcional com “lista aberta”, no qual

o eleitor é induzido a votar em pessoas e não

em Partidos.3

O Gráfico 1, confeccionado a partir dos

dados da Tabela 1, permite avaliarmos os ní-

veis (dados pelo posicionamento das curvas, no

par de eixos) e os padrões (dados pelo forma-

to das curvas) de associativismo. Note-se que

a intensidade de associativismo nos polos re-

gionais superam as duas subáreas da RMRJ em

todas as modalidades, com exceção da rubrica

‘sindicato, grêmio ou associação profissional’.

Apenas nessa modalidade, o índice de Rio-Ni-

terói iguala-se ao de Campos dos Goytacazes.

Observe, ainda, que com exceção do associati-

vismo religioso, praticamente idêntico em Cam-

pos (1,87) e Macaé (1,88), em todas as demais

formas a intensidade de associativismo é maior

em Macaé.

Em Campos, a rubrica ‘grupo desporti-

vo, cultural ou recreativo’ aparece em segun-

do lugar, seguida pela participação em ‘outra

associação voluntária’ e pela participação em

‘sindicato, grêmio ou outra associação profis-

sional’, nessa ordem. Para Macaé, a segunda

maior intensidade associativista se encontra

em “outra associação voluntária”, seguida,

respectivamente, pelas rubricas ‘grupo despor-

tivo, cultural ou recreativo’ e ‘sindicato, grêmio

ou associação profissional’.

Assim como acontece nos polos, os pa-

drões de associativismo das duas subáreas da

RMRJ são bastante semelhantes. Em ambas, a

participação em outras associações voluntá-

rias é bastante pequena, superando apenas a

participação em partidos políticos. Dentre as

localidades estudadas, apenas na Baixada a

participação em ‘sindicatos, grêmios e outras

associações profissionais’ surge como a segun-

da mais importante modalidade de associa-

tivismo, seguida pela participação em outras

associações voluntárias. A diferença de Rio-Ni-

terói em relação a esse padrão está justamente

na inversão entre a segunda e terceira formas

mais importantes de associativismo.

Ressalte-se que não se enquadrariam na

‘NCP’ tipos de associativismo como, por exem-

plo, ‘Partidos Políticos, Sindicatos e organiza-

ções religiosas’. Essas seriam formas clássicas

de participação política e de associativismo,

que tenderiam a predominar em áreas urbanas

não metropolitanas.

Considerando esses pressupostos, verifi-

camos que o associativismo religioso – mes-

mo que seja majoritário em todas as áreas

testadas – se encaixa per feitamente nesses

preceitos, uma vez que ele se apresenta for-

te nos dois núcleos regionais analisados e é

significativamente menor nas duas subáreas

da RMRJ indicando que os níveis de religiosi-

dade são inversamente proporcionais aos de

“metropolização”.

Deve-se chamar atenção, também, para o

fato de que quando cruzamos tipos de associa-

tivismo com diferentes formas de mobilização

sociopolítica, percebe-se outra idiossincrasia

do associativismo religioso, pois apesar de ele

ser o tipo de associativismo majoritário em

todas as áreas estudadas as pessoas que dele

participam são as que apresentam – em rela-

ção aos demais tipos de associativismos – os

menores percentuais de envolvimento com to-

das as formas de mobilização sociopolítica.

Considerando o item “Partidos polí-

ticos”, os dois núcleos regionais aparecem

com índices bastante diferenciados – Campos

(0,29) e Macaé (0,43) –, porém maiores que o

Page 204: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014204

da Baixada Fluminense (0,12) e de Rio-Niterói

(0,20). Como a intensidade de associativismo

religioso é relativamente mais baixa na RMRJ,

e o associativismo relacionado a “Partidos polí-

ticos” é maior na metrópole comparativamente

à Baixada Fluminense, pressupõe-se que, no

caso brasileiro, os associativismos clássicos –

dentre eles a participação em “Partidos políti-

cos” – ainda predominam entre as populações

de maior nível de escolaridade e de melhores

condições socioeconômicas.

Como ocorre em situações análogas, o

caso em pauta é influenciado por variáveis

independentes e intervenientes. Acreditamos

que a menor escala de grandeza permite a

Campos e Macaé vantagens comparativas –

maiores facilidades nos contatos pessoais e

menor tempo de deslocamento para se chegar

ao local de destino (casa, trabalho, lazer, dentre

outros) – para incrementar diferentes tipos de

associativismos clássicos, em decorrência dos

menores “custos de transações” (Coase, 1992).

Por outro lado, apenas uma parte da diferença

do associativismo político entre esses dois mu-

nicípios e a RMRJ poderia ser assim explicada.

Essas diferenças podem ser mais bem compre-

endidas a partir da trajetória política recente de

cada um desses municípios.

Campos se caracteriza pela importante

hegemonia da “máquina política” capitaneada

pelo casal Rosinha e Garotinho. Ele foi prefeito

de Campos por duas vezes, e também gover-

nador do Estado; ela foi reeleita prefeita nas

eleições municipais de 2012. Nesse caso – co-

mo em inúmeros outros pelo Brasil – a ques-

tão do partido político é vista por esses atores

apenas como um instrumento operacional. Di-

zemos isso porque, na última década, movido

por mudanças de conjuntura política, o casal

Garotinho chegou ao poder através do PSB,

posteriormente se transferiu para o PMDB

e mais recentemente – após ruptura com o

governador Sergio Cabral, que passou a con-

trolar o partido – se transferiu para um novo

partido, o PR.

Em cada uma dessas mudanças apenas

o alto escalão da “máquina” e as lideranças

intermediárias foram instadas a se reinscreve-

rem no novo partido. A força da máquina se

mostra nos resultados das eleições municipais,

nos quais comparados com a eleição anterior

percebe-se o forte crescimento local da nova

agremiação apoiada pelo casal (seja ela peque-

na ou forte em nível nacional) e a imensa perda

de votos do antigo partido (Souza, 2004).

Em Macaé, o índice de associativismo

político é maior e os votos um pouco mais frag-

mentados porque, na última década, o acele-

rado crescimento populacional – resultante da

elevação do poder de atração desse município

sobre os migrantes – e econômico não permi-

tiram ou dificultaram a montagem de estrutu-

ras e de “máquinas partidárias” com o grau de

coesão existente em Campos. Esse parece ser

um dos principais motivos dessa relativa dilui-

ção da competição política de Macaé, em ter-

mos comparativos a Campos dos Goytacazes.

Na atual conjuntura, não consideramos prová-

vel que se possa explicar esse fenômeno em

Macaé como, por exemplo, “decorrente de dis-

tintas correntes políticas consolidadas”, como

ocorre na zonal sul da cidade do Rio de Janeiro

(Carvalho, Corrêa e Ghiggino, 2010).

Entretanto, o que mais nos surpreende,

quando comparamos os dois polos regionais

com a RMRJ são as duas últimas formas de

associativismo da Tabela 2, a saber: “Grupo

Desportivo, Cultural ou Recreativo” (GDCR) e

Page 205: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 205

“Outra Associação Voluntária” (OAV). Nesses

dois casos, mais especificamente no segundo,

esperar-se-ia – por se tratar de tipos de asso-

ciativismo da “sociedade organizada”, mais

afastados do Estado e das Igrejas – uma maior

intensidade de associação na RMRJ, especial-

mente em Rio-Niterói, onde vive uma popula-

ção mais educada e sofisticada politicamente.

Essa expectativa é reforçada através dos da-

dos da Tabela 2. Note que os associativismos

dos tipos GDCR e OAV são mais intensos no

Brasil Metropolitano comparativamente ao

Não Metropolitano.

Para surpresa nossa, os dois polos re-

gionais surgem com índices bem superiores.

No caso dos associativismos em pauta, além

dos menores custos de transação seria inte-

ressante pensar em um ‘efeito polo regional’

no mesmo sentido do ‘efeito metrópole, não

esquecendo que os efeitos positivos dos “Po-

los Regionais”, são, em parte, decorrentes do

‘efeito metrópole às avessas’ (Azevedo e Sou-

za, 2012, p. 11).

Tal como ocorreu com as formas de as-

sociativismo, as pesquisas sobre mobilização

sociopolítica mostraram algumas semelhanças

que reforçam as nossas hipóteses para expli-

car alguns resultados não esperados, que se

repetem na análise comparativa da mobiliza-

ção sociopolítica.

Como se pode observar na Tabela 3, os

índices de Mobilização sociopolítica de Cam-

pos e Macaé são muito próximos (1,07 e 1,08,

respectivamente) e significativamente superio-

res aos estimados para a Baixada Fluminense

(0,64) e Rio-Niterói (0,70).

Formas de associativismo Brasil metropolitano Brasil não metropolitano

Partidos politicos 0,17 0,25

Sindicato, grêmio ou associação profi ssional 0,5 0,44

Igreja ou organização religiosa 0,99 1,24

Grupo desportivo, cultural ou recreativo 0,58 0,39

Outra associação voluntária 0,34 0,25

Tabela 2 – Intensidade de Associativismo, segundo o tipo de organização –Brasil metropolitano e não metropolitano – 2008/2009

Fonte: (1) Azevedo, Santos Junior e Ribeiro (2009).Fontes primárias: (b) Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008).Escalas: (0) Nunca participou; (1) Já participou; (2) Não participa ativamente; (3) Participa ativamente.

Page 206: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014206

Tabela 3 – Intensidade de Mobilização Sociopolíticasegundo a modalidade de ação política

Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Modalidade de ação sociopolítica Campos Macaé Baixada Rio-Niterói RMRJ

Assinar um abaixo-assinado 1,76 1,74 1,01 1,18 1,12

Boicotar produtos 0,84 0,90 0,60 0,66 0,63

Participar de manifestação social 0,93 1,15 0,69 0,82 0,77

Participar de comício ou reunião política 1,85 1,66 0,77 0,82 0,80

Contatar políticos/alto funcionário do Estado 0,94 0,89 0,59 0,56 0,57

Dar dinheiro/recolher fundos para causas políticas 0,89 0,96 0,53 0,51 0,52

Contatar ou aparecer na mídia 0,62 0,63 0,46 0,52 0,50

Participar em fóruns pela internet 0,70 0,70 0,47 0,53 0,51

Média 1,07 1,08 0,64 0,70 0,68

N 398 400 382 621 1003

Gráfi co 3 – Intensidade de Mobilização Sociopolíticasegundo a modalidade de ação política

Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Campos Macaé Baixada Rio-Niterói

Abaixo

-ass

inado

Boicot

ar pr

odut

os

Man

ifesta

ções

Comíci

os

Conta

tar p

olític

os

Finan

ciar c

ausas

políti

cas

Apare

cer n

a mídi

a

Fóru

ns pe

la int

erne

t

Page 207: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 207

O que chama atenção nos dados sobre

mobilização sociopolítica – tal como ocorreu

com as modalidades de Associativismo – é a

primazia dos polos regionais em todas as for-

mas de mobilização quando os comparamos

com as subáreas da RMRJ.

“Assinar um abaixo-assinado” aparece

como o principal componente da mobilização

sociopolítica em Macaé, na Baixada Fluminen-

se e em Rio-Niterói, destacando-se, em Campos

dos Goytacazes, como o segundo mais relevan-

te. Sua importância, muito provavelmente se

relaciona ao pouco gasto de energia e envol-

vimento pessoal. Em Campos, a participação

em comícios ou reuniões políticas foi apontada

como a principal forma de mobilização socio-

política. “Contatar ou aparecer na mídia” surge

sempre como o componente menos importan-

te, apresentando-se mais significativo em Cam-

pos (0,62) e em Macaé (0,63) comparativamen-

te à Baixada (0,46) e a Rio-Niterói (0,52).

As hipóteses para esses resultados, no

nosso entender, são as mesmas que utiliza-

mos para o caso similar do associativismo, ou

seja, os maiores “custos de transação” (Coase,

1992) das grandes metrópoles em virtude dos

constrangimentos e dificuldades decorrentes

do tamanho exacerbado das mesmas e, por

outro lado, as virtudes dos Polos Regionais em

função de alguns “ganhos de escalas” (não

existentes ou de menor porte nas médias e pe-

quenas cidades) sem ter que enfrentar os pro-

blemas da Região Metropolitana, responsáveis

por gerarem inúmeros “efeitos perversos”, de-

nominados provisoriamente de “efeito metró-

pole às avessas”.

A “sofi sticação política” nos polos regionais e na grande metrópole

Para efeitos desse trabalho, a “Sofisticação Po-

lítica” será analisada a partir de dois índices, a

saber:

1) Socialização Secundária, aqui enten-

dida como um índice que mede a intensidade

com que os indivíduos conversam sobre políti-

ca no local de trabalho, em encontro com ami-

gos, em casa com os familiares, em reuniões

associativas e em conversas com os vizinhos.

2) Exposição à Mídia, aqui definida como

um índice que mede a intensidade com que os

indivíduos recebem informações sobre política

através de jornais, televisão, rádio e internet.

Para possibilitar as comparações diretas,

assim como a análise dos principais determi-

nantes da cultura política, esses índices foram

estimados obedecendo aos mesmos critérios

de ponderação dos índices de associativismo e

mobilização sociopolítica.4

Campos e Macaé apresentam índices de

socialização secundária – 1,65 e 1,36, respec-

tivamente – significativamente mais elevados,

comparativamente às subáreas da RMRJ (0,97),

como se pode observar no Gráfico 4.

Observe, no Gráfico 5, que o índice médio

de socialização secundária é maior em Campos,

mais baixo em Macaé e ainda menor nas duas

subáreas da RMRJ. Em Campos e Macaé, as

conversas sobre política ‘no local de trabalho’,

‘em casa com os familiares’ e ‘em encontro

com os amigos são, nessa ordem, os principais

Page 208: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014208

Gráfi co 4 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice Médio de Socialização Secundária

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles,Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles,UENF, Ucam-Faperj (2009).

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Gráfi co 5 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-NiteróiÍndice de Socialização Secundária

No local de trabalho

Em conversascom vizinhos

Em reuniõesassociativas

Em casacom familiares

Em encontrocom os amigos

Campos Macaé Baixada Rio-Niterói

Page 209: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 209

componentes desse índice. Nas duas subáreas

da RMRJ, a socialização secundária dá-se,

principalmente, através de ‘encontros com os

amigos’; seguida pelas conversas sobre políti-

cas ‘em casa com os familiares’ e apenas em

terceiro lugar pelas conversas sobre política ‘no

local de trabalho’, ressaltando-se que, nesse

caso, comparativamente aos polos regionais, as

diferenças entre esses componentes são menos

acentuadas (curva mais suavizada entre esses

três pontos). Em todas as áreas estudadas, os

componentes menos importantes na conforma-

ção do índice são as conversas sobre política

‘com os vizinhos’, e as ‘reuniões associativas’,

respectivamente.

Assim como no caso anterior, a exposi-

ção à mídia informativa é maior em Campos

e Macaé, comparativamente às duas subáreas

RMRJ, mas, nesse caso, os diferenciais de níveis

são menores (Gráfico 6).

Gráfi co 6 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-NiteróiÍndice Médio de Exposição à Mídia

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Page 210: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014210

Outra observação que merece destaque

diz respeito à composição interna do índice

de exposição à mídia informativa. Nas quatro

áreas estudadas, a população obtém infor-

mações sobre política, principalmente através

dos telejornais e de veículos de radiodifusão,

respectivamente (Gráfico 7). No entanto, con-

sidera-se a leitura de assuntos de política nos

jornais o elemento mais importante desse ín-

dice, pressupondo-se que as informações dos

Diários são, em média, mais sofisticadas e de-

talhadas quando comparadas às da televisão

e do rádio, exigindo maior grau de interesse,

atenção e compreensão cognitiva por parte

dos indivíduos.

Apesar de Campos apresentar o maior

índice médio de exposição à mídia (Gráfico

6), é em Rio-Niterói e depois em Macaé que

se verificam as maiores intensidades de obten-

ção de informações sobre política, através de

leitura em jornais impressos (Gráfico 8). Em

Campos, esse é apenas o quarto – e último –

componente do índice de exposição à mídia;

em Macaé, em Rio-Niterói e também na Bai-

xada Fluminense (onde a intensidade média de

leitura de jornais é ainda menor comparativa-

mente a Campos), esse aparece como o tercei-

ro componente.

Os índices de socialização secundária e

de exposição à mídia também são maiores nos

Gráfi co 7 – Campos, Macaé e RMRJÍndice de exposição à mídia informativa

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Lê assuntos de políticanos jornais

Utiliza a internet para obternotícias e informações políticas

Ouve noticiáriosna rádio

Vê os noticiáriosna TV

–– –

Page 211: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 211

Gráfi co 8 – Campos, Macaé, Rio-Niterói e Baixada Fluminense Índice Médio de Intensidade de Leitura de assuntos sobre política em jornais

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

polos comparativamente às duas subáreas da

RMRJ. Na socialização secundária, os diferen-

ciais de níveis são maiores, mas as diferenças

nos padrões de comportamento são menores;

na exposição à mídia, apesar do menor dife-

rencial de nível, há significativas diferenças nos

padrões comportamentais. Dentre elas, chama

atenção o posicionamento do componente

‘leitura de assuntos sobre política em jornais’ –

considerado o elemento mais sofisticado de ex-

posição à mídia informativa – na conformação

desse indicador, para as localidades estudadas.

Em Campos, localidade onde a exposição

à mídia se apresenta mais intensa, esse seria

o componente de menor importância ao passo

que em Macaé, Rio-Niterói e na Baixada Flu-

minense esse seria o terceiro componente do

referido indicador.

Chama a atenção, ainda, o fato de que

a população de baixa escolaridade residente

na Baixada Fluminense busca mais informa-

ções sobre política em jornais do que aquela

residente em Campos, em Macaé e, inclusive,

na própria região Rio-Niterói. Esses resultados

sugerem que os resultados relativos à Baixada

Fluminense – área predominantemente popu-

lar – possivelmente estejam refletindo os im-

pactos positivos do ‘efeito metrópole’.

Page 212: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014212

À guisa de um balanço provisório

Este artigo foi também motivado pela necessi-

dade de se identificar quais são os principais

determinantes da cultura política de Macaé e

da Baixada Fluminense: se os fatores cogniti-

vos – aqui representados pelos indicadores de

‘Socialização Secundária’ e ‘Exposição à Mídia

Informativa’ – ou os fatores relacionados à par-

ticipação política – aqui representados pelos

indicadores de ‘Associativismo’ e ‘Mobilização

Sociopolítica’.

Como os índices de associativismo, mo-

bilização sociopolítica, exposição à mídia infor-

mativa e socialização secundária são sempre

maiores em Campos e Macaé (Gráfico 9), con-

clui-se que nesses municípios a cultura política

é maior do que nas duas subáreas da RMRJ,

ressaltando-se que na realidade ela é baixa em

todas as localidades estudadas.

Além disso, o Gráfico 9 nos mostra que os

fatores cognitivos associados à cultura política

são, em geral, mais elevados do que os fatores

relacionados à participação política. Nas duas

subáreas da RMRJ – Baixada Fluminense e Rio-

-Niterói – os determinantes da cultura política

são, em ordem decrescente de importância, o

acesso à mídia informativa, destacando-se a

obtenção de informações sobre política nos te-

lejornais, nos noticiários das rádios e na mídia

Gráfi co 9 – Campos, Macaé e RMRJDeterminantes da Cultura Política

Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).

Exposição à mídia

Associativismo

Mobilização sociopolítica

Socialização secundária

Campos Rio-NiteróiBaixadaMacaé

Page 213: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 213

impressa, respectivamente; a socialização se-

cundária, principalmente através de conversas

sobre política em encontros com os amigos e

em casa com a família; a mobilização sociopo-

lítica, principalmente através de participação

em abaixos-assinado; e, por último, o associa-

tivismo, com destaque para aquele de nature-

za religiosa. Essa mesma ordenação é obser-

vada em Macaé. Apenas em Campos há uma

inversão. Nesse município, os determinantes

da cultura política são, em ordem decrescente

de importância, a socialização secundária, des-

tacando-se a importância das conversas sobre

política no local de trabalho, em casa com os

familiares, e nos encontros com os amigos; a

exposição à mídia; mobilização sociopolítica; e

associativismo.

Como se trata de um trabalho explorató-

rio restrito a duas subáreas da RMRJ – Baixada

Fluminense e Rio-Niterói – e a duas cidades

médias – Campos dos Goytacazes e Macaé –

do norte fluminense, torna-se temerário reali-

zar qualquer tipo de generalização do que foi

aqui discutido, sem a replicação desse tipo de

estudo para outras regiões do país.

A primeira novidade que surgiu de for-

ma consistente foi a predominância do asso-

ciativismo – notadamente do religioso – e da

mobilização sociopolítica – nos “Polos Regio-

nais” em relação à RMRJ. Quando iniciamos

a pesquisa, não imaginávamos que os índices

dos Polos Regionais – Campos dos Goytaca-

zes e Macaé – poderiam superar os da RMRJ,

considerada um dos maiores centros culturais

do país.

A nosso ver, esses resultados refletem

duas vantagens relativas dos polos regionais,

a saber:

a) os menores “custos de transações” (Coa-

se, 1992), uma vez que nos Polos os constrangi-

mentos – transporte coletivo saturado, tempo

de deslocamento elevado, alto custo de mora-

dia, enorme contingente de população pobre

nas periferias, entre outros – são menores com-

parativamente à RMRJ, afetando positivamen-

te os índices de associativismo e mobilização

sociopolítica;

b) os ganhos de escala em relação às “áreas

urbanas não metropolitanas”, uma vez que

nesses municípios há indústrias e comércio

mais sofisticados, serviços especializados,

equipamentos de consumo coletivos, escolas,

cultura, entre outras. Em decorrência dessa ca-

racterística, sugerimos como hipótese explora-

tória pensar em um “efeito polo regional” (no

mesmo sentido positivo do denominado “efei-

to metrópole”), quando se compara os Polos

Regionais com os demais conjuntos urbanos

não metropolitanos.

Esses resultados refletem, ainda, os efei-

tos perversos da grande concentração popula-

cional – fruto de um crescimento não planeja-

do e em grande escala – na RMRJ.

Os índices de Socialização Secundária e

Exposição à Mídia apresentaram-se, em todas

as localidades estudadas, superiores aos índi-

ces de Associativismo e de Mobilização Socio-

política ressaltando-se que apenas em Campos

dos Goytacazes, a Socialização Secundária

apresentou-se mais intensa comparativamente

à Exposição à Mídia Informativa.

Considerando a ‘leitura de jornais’ – o

componente mais sofisticado do índice de ex-

posição à mídia, percebe-se a hegemonia de

Rio-Niterói (Zona Sul ampliada) sobre os dois

polos regionais e, obviamente, sobre a Baixada

Page 214: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014214

Fluminense. Isso nos permite levantar a hipóte-

se de que Niterói e Rio apresentam uma maior

sofisticação política, inclusive nos demais in-

dicadores analisados neste artigo, ainda que,

quantitativamente, esses se apresentem meno-

res do que nos dos polos regionais.

Essa hipótese é reforçada quando, nesse

item de maior sofisticação política, compara-

mos a intensidade de leitura de jornais, segun-

do os menores níveis de escolaridade entre as

localidades analisadas. Nesse caso, verifica-

mos que a Baixada Fluminense supera os dois

polos regionais, o que poderia ser explicado pe-

lo ‘efeito metrópole’.

Em outras palavras, a população de bai-

xa escolaridade residente na Baixada Flumi-

nense busca mais informações sobre política

em jornais do que a população com nível de

escolaridade semelhante, residente em Cam-

pos, em Macaé e, inclusive, em Rio-Niterói.

Além disso, na Baixada, a intensidade dessa

leitura entre os indivíduos de baixa escolarida-

de (0,95) é apenas ligeiramente inferior à in-

tensidade estimada para aqueles com escola-

ridade média (1,01); nas demais localidades as

diferenças são mais significativas entre esses

dois segmentos.

Esses resultados sugerem que, apesar de

a Baixada apresentar uma menor intensidade

de exposição à mídia, para os indivíduos de es-

colaridade mais baixa essa ocorre de maneira

mais sofisticada se comparada a de Campos

dos Goytacazes, localidade onde a exposição à

mídia como um todo se apresenta mais intensa.

Mediante tais considerações é necessário

ressaltar que, muito possivelmente os resulta-

dos relativos à Baixada Fluminense – área pre-

dominantemente popular – estejam refletindo

os impactos positivos do ‘efeito metrópole’. Em

outras palavras, a ligação umbilical com Rio-Ni-

terói – um dos locus culturais mais sofisticados

do país, e onde trabalha grande parte da popu-

lação economicamente ativa residente na Bai-

xada – possibilita uma série de trade-offs entre

essas duas localidades, dentre elas, uma maior

sofisticação de exposição à mídia, à população

residente na Baixada Fluminense.

Finalmente, acreditamos que os dados

apresentados antes de apresentarem resulta-

dos conclusivos suscitam uma série de novas

questões a serem pesquisadas, possibilitando a

elaboração de diferentes tipos de abordagens

e de novas hipóteses. Uma alternativa seria re-

plicar esse tipo de pesquisa em outras regiões

metropolitanas e em outros polos regionais;

outra possibilidade interessante seria utilizar

um maior número de indicadores que permi-

tissem avaliar não somente a quantidade, mas

especialmente a ‘qualidade’ da participação

política. Mesmo na ‘leitura de jornais’, conside-

rado, nesse artigo, o elemento mais sofisticado

de exposição à mídia, há diferenças imensas

entre jornais de alcance nacional em relação a

diários de circulação restrita aos polos.

Page 215: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 215

Sérgio de AzevedoUniversidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, Laboratório de Gestão e Políticas Públicas. Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil. [email protected]

Joseane de Souza FernandesUniversidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, Laboratório de Gestão e Políticas Públicas. Campos dos Goytacazes/RJ, [email protected]

Notas

(*) Versão preliminar deste ar go foi publicada nos Anais do XII Seminário da Rede Iberoamericana de Pesquisadores sobre Globalização e Território (RII) e V Encontro da Rede Iberoamericana de Editores de Revistas (RIER), realizado em Belo Horizonte/MG, em outubro de 2012.

(1) A nosso ver, valores e comportamentos relacionados à Nova Cultura Polí ca no Brasil, mesmo que venham se fortalecendo nas úl mas décadas, estão longe de se cons tuírem na principal gramá ca cultural existente. Ver a respeito Azevedo, Santos e Ribeiro (2009).

(2) Robert Putnam, em seu conhecido trabalho sobre a democracia na Itália, u liza o conceito de “capital social”, defi nido como “um bem público, representado por atributos da estrutura social tais como a confi ança e a disponibilidade de normas e sistemas, que servem como garan a entre os atores, facilitando ações coopera vas”, para explicar as diferenças de par cipação cívica entre as comunidades do norte, consideradas mais democrá cas, em relação às do sul, consideradas mais conservadoras (Putnam, 1996).

(3) Ressalte-se que este tema é bastante polêmico na medida em que autores como Wanderley Guilherme dos Santos consideram que os partidos políticos no Brasil pós regime militar apresentam uma curva de fragmentação muito próxima a existentes entre 1950-1959, rela vamente comparável com o tamanho e diversidade encontrada entre par dos de muitos países ocidentais desenvolvidos (Santos, 2004).

(4) No caso da socialização secundária, o procedimento para a padronização do índice consis u em subs tuir os pesos tradicionais (Nunca = 1, Raramente = 2, Algumas vezes = 3, Frequentemen- te = 4) pelos pesos 0, 1, 2 e 3, respectivamente. No caso da exposição à mídia, como havia no ques onário da pesquisa cinco possibilidades de resposta, houve a necessidade de agregar duas possibilidades sob um único peso. Tradicionalmente, esse indicador é calculado com as seguintes ponderações: Nunca = 1, Esporadicamente = 2; 1 a 2 dias por semana = 3; 3 a 4 dias por semana = 4 e Todos os dias da semana = 5. Seguindo o novo critério temos: Nunca = 0; Esporadicamente = 1; 1 a 2 dias por semana = 1; 3 a 4 dias por semana = 2; e Todos os dias da semana = 3.

Page 216: Cadernos Metrópole 31. -

Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014216

Referências

AZEVEDO, S.; SANTOS JÚNIOR, O. A. dos e RIBEIRO, L. C. de Q. (2009). Metrópoles, cultura polí ca e cidadania no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 11, n. 22, pp. 347-366.

______ (2009). Mudanças e permanências na cultura polí ca das metrópoles brasileiras. Dados. Rio de Janeiro, v. 52, pp. 691-733.

AZEVEDO, S. de (org.) (2004). Governança democrá ca e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Fase.

AZEVEDO, S. de e FERNANDES, J. de S. (2012). “Cidade média” versus “periferia metropolitana”: análise comparada entre a cultura polí ca de Macaé e da “Baixada Fluminense”. In: 4º CONGRESSO URUGUAYO DE CIÊNCIA POLÍTICA. “A Ciência Polí ca a par r do Sul”, Asociación Uruguaya de Ciência Polí ca, 14-16 de novembro.

AZEVEDO, S. de e GUIA, V. R. dos M. (2004). “Os dilemas ins tucionais da gestão metropolitana no Brasil”. In: RIBEIRO, L. C. de Q. (org.) Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o confl ito. São Paulo, Fundação Perseu Abramo/Fase/Observatório das Metrópoles.

CABRAL, M. V.; CARREIRA, F. e SARAIVA, T. (orgs.). (2008). Cidade & cidadania. Governança urbana e par cipação cidadã. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.

CABRAL, M. V. e SILVA, F. C. da (2006). Cidade e Cidadania: o “efeito-metrópole” sobre o exercício da cidadania polí ca. Lisboa, mimeo.

CARVALHO, N. R.; CORRÊA, F. S. e GHIGGINO, B. (2010). Entre o Localismo e Universalismo: a Geografi a Social dos Votos e a Questão Metropolitana. In: 34º ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais.

CLARK, T. N. e HOFFMANN-MARTINOT (1998). The New Poli cal Culture. Boulder, Westview Press.

COASE, R. (1992). The Problem of Social Cost (El Problema del Costo Social). Estudios Públicos, n. 45, Chile.

FERNANDES, J. S.; TERRA, D. C. T. e CAMPOS, M. M. (2012). O migrante na reestruturação do mercado de trabalho na zona da produção principal da bacia de Campos. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS (ABEP). Anais. Águas de Lindóia, São Paulo.

______ (2013). A mobilidade pendular entre os municípios da Ompetro-RJ (2000-2010). In: XV ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ENANPUR. Anais. Recife.

OLIVEIRA, D. S. de (2005). Região Metropolitana do Rio de Janeiro: confl uências e disparidades. A evolução da segregação socioespacial no contexto da RMRJ. In: IV ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÕES. Anais. Rio de Janeiro.

PUTNAM, R. D. (1996). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas.

______ (2000). Bowling alone: the collapse and revival of american community. Nova York, Simon & Schuster.

Page 217: Cadernos Metrópole 31. -

Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 217

RIBEIRO, L. C. de Q ; AZEVEDO, S. de e SANTOS JÚNIOR, O. A dos (2008). “A nova cultura polí ca na modernidade periférica: o Brasil em foco”. In: CABRAL, M. V.; SILVA, F. C. da S. e SILVEIRA, T. (orgs.). Cidade e cidadania: governança urbana e par cipação em perspec va comparada. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, pp. 271-298.

______ (2010). Cidadania na Metrópole Desigual: a cultura polí ca na metrópole fl uminense. In: 34º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais.

SANTOS JUNIOR, O. A. dos; RIBEIRO, L. C. de Q. e AZEVEDO, S. de (orgs.) (2004). Governança democrá ca e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Fase.

SMIDERLE, C. G. S. M. (2011). Entre babel e pentecostes: cosmologia evangélica no Brasil contempo- râneo. Revista Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, pp. 78-104.

SOUZA, J. (2000). A modernização sele va: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília, Editora da Universidade Nacional de Brasília.

______ (2004). A construção social da sub-cidadania. Belo Horizonte, Editora da UFMG.

Texto recebido em 4/nov/2013Texto aprovado em 15/dez/2013

Page 218: Cadernos Metrópole 31. -
Page 219: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014

Análise morfológica de espaçosurbanos em bacias hidrográfi cas:

um olhar sobre o entornodo Arroio Dilúvio em Porto Alegre

Morphological analysis of urban spaces in river basins:analyzing the surroundings of Dilúvio River in Porto Alegre

William MogHeleniza Ávila CamposLívia Salomão Piccinini

ResumoEste artigo busca apresentar refl exões acerca de es-

tratégias de qualifi cação da Bacia Hidrográfi ca do

Arroio Dilúvio, área densamente ocupada na Região

Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Adota-se

inicialmente o método de análise urbana baseado

nas contribuições de percepção da cidade desenvol-

vida por Kevin Lynch, buscando destacar, em três

trechos demarcados ao longo de suas margens, si-

tuações identifi cadas como críticas devido aos con-

fl itos que geram entre a população e o meio em que

se inserem. Aponta-se, ao fi nal, para a necessária

integração entre a recuperação do curso de água e

sua conexão com o entorno construído e vivido.

Palavras-chave: bacia hidrográfi ca do Arroio Dilú-

vio; análise urbana; confl itos; integração; entorno

construído e vivido.

AbstractThis paper presents some reflections on the qualifi cation strategies of the Dilúvio River Basin, a high density area in the Metropolitan Region of Porto Alegre. We used the urban analysis method based on the contributions of city perception developed by Kevin Lynch, seeking to highlight, in three demarcated stretches along the river’s margins, critical situations regarding conflicts between the population and the environment. At the end, we argue that there must be integration between the recovery of the watercourse and its connection with the city’s everyday life.

Keywords: Dilúvio River Basin; urban analysis; confl icts; integration; city’s life.

Page 220: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014220

Introdução

O rápido crescimento das cidades brasileiras a

partir da segunda metade do século XX foi fun-

dado em uma concepção de desenvolvimento

urbano que, em geral, desconsiderou as condi-

ções ambientais preexistentes. Os rios e afluen-

tes urbanos se tornaram fontes difusas de po-

luição, afetando, inclusive, pontos de captação

de água para consumo nas próprias cidades.

Desde então, cidades já estruturadas tentam

buscar soluções para a revitalização de seus

cursos d’água, visto que muitos foram parcial

ou totalmente canalizados.

A cidade de Porto Alegre, a exemplo

de outras cidades brasileiras, revela esse pro-

cesso desigual de ocupação de seu espaço

urbano, em que se destaca a Bacia do Arroio

Dilúvio como um setor que apresenta diferen-

tes características socioespaciais ao longo de

suas margens.

Através deste artigo, busca-se discutir

os conflitos existentes do direito à água em

relação às variadas possibilidades que implica

também a água como elemento compositivo

da paisagem urbana. Sua estrutura compõe-

-se dos seguintes itens: o primeiro contém uma

breve reflexão teórica sobre a relação da água

com o espaço urbano, destacando suas dimen-

sões globais e locais; o segundo item apresenta

uma descrição e caracterização da Bacia Hidro-

gráfica do Arroio Dilúvio nas cidades de Porto

Alegre e Viamão, apontando também para as-

pectos históricos relevantes para a compreen-

são de sua atual configuração espacial; no

terceiro, destacam-se os principais impactos

socioespaciais da ocupação urbana sobre o es-

paço do entorno do Arroio Dilúvio verificados

através de observação da área de estudo, às

margens da Av. Ipiranga, destacando pontos

focais situados em três trechos com diferentes

aspectos morfológicos.

Confl itos entre água e espaço urbano no contexto das bacias hidrográfi cas

A água é um dos recursos ambientais que mais

deixam visíveis as relações de conflito entre

sociedade, território e desenvolvimento (Alvim,

Bruna e Kato, 2008). Embora esse reconhe-

cimento esteja presente, não apenas no meio

acadêmico científico, mas também em algumas

políticas públicas e ações de planejamento,

nacional e internacionalmente, a condição da

água no espaço urbano ainda se encontra de

forma marginal nos investimentos voltados a

sua valorização ambiental e paisagística, como

decorrência de processos de crescimento ex-

tensivo das cidades e regiões metropolitanas.

No Brasil, a degradação ambiental de-

corrente da intensa e desordenada ocupação

urbana, a partir da metade do século XX em

diante, tem comprometido a qualidade e a am-

biência do entorno de rios, lagos e lagunas em

áreas urbanas, contrastando de forma profun-

da com espaços cujos tratamentos sofisticados

têm sido promovidos, sobretudo, pelo capital

imobiliário ou por ações pontuais do Estado.

Tucci (2008) destaca, entre outros problemas

vinculados às pressões urbanas sobre as águas:

a ocupação irregular de áreas ribeirinhas, qua-

se sempre sujeitas a inundações; a impermea-

bilização e canalização dos rios urbanos com

aumento da vazão de cheia e sua frequência; o

Page 221: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 221

despejo de resíduos, seja proveniente das cana-

lizações das construções, seja pelo descarte de

consumo. Em sua avaliação, Tucci (2008) lem-

bra que o Brasil encontra-se ainda na fase por

ele denominada higienista, ou seja, momento

em que há redução de doenças, mas com a per-

manência de poluição e contaminação de cur-

sos d´água, com grandes impactos nas fontes

de abastecimento e grandes inundações.

Importa considerar que as margens di-

retamente integradas à água são parte de um

complexo sistema identificado como bacia

hidrográfica que se constitui, segundo Tucci

(1997), em superfícies vertentes e de uma re-

de de drenagem formada por cursos de água

que confluem até resultar em um único leito.

Silva (2002) esclarece que, desde 1997, com a

instituição da Política Nacional de Recursos Hí-

dricos e do Sistema Nacional de Gerenciamen-

to de Recursos Hídricos, há um espectro consi-

derável de medidas de planejamento e gestão

passíveis de implementação no âmbito das ba-

cias, que podem mitigar as pressões sobre os

recursos disponíveis e melhorar o desempenho

dos vários sistemas setoriais relacionados a es-

ses recursos. A partir desse momento, diversos

municípios passaram a estudar as possibilida-

des de nortear a gestão urbana com base nas

bacias hidrográficas presentes em cada região.

Segundo Porto e Porto (2008), no en-

tanto, grandes são as dificuldades em se lidar

com esse tipo de recorte geográfico, sobretu-

do quando se trata de gestão de bacias que

ocupam territórios intensamente urbanizados.

Apesar de reconhecida sua importância para a

cidade, seja como fonte de abastecimento, seja

como espaço de integração e deslocamento, ou

ainda como composição paisagística, observa-

-se que a visão setorial do planejamento e

gestão dos espaços urbanos e metropolitanos

tende a fragmentar suas ações voltadas às

águas urbanas prejudicando o direto à água

nos âmbitos citados. Disso decorrem grandes

conflitos principalmente no que se refere ao

tratamento da morfologia urbana como estu-

do da integração entre os componentes das

formas que estruturam a cidade, sendo um dos

elementos fundamentais os percursos de rios e

as bordas de lagos e lagunas.

Sob a perspectiva dessa complexa rela-

ção entre a água e o espaço urbano, destaca-se

a tese de doutorado de Mello (2008), que traz

à discussão o desempenho de urbanidade dos

espaços das margens de corpos d’água, utili-

zando como categorias de análise as chamadas

dimensões global e local. A dimensão global diz

respeito às relações que consideram o sistema

urbano como um todo e as características da

articulação dos elementos entre si, destacando-

-se aspectos como: o porte do corpo d´água,

a localização da cidade em relação ao corpo

d´água e sua posição em relação ao centro ur-

bano. A dimensão local, mais apropriada para a

análise deste artigo, está relacionada aos atri-

butos dos espaços convexos de beira-d’água.

Os principais aspectos apontados pela autora

referentes a essa dimensão são:

a) Domínio: podem ser público ou privado,

segundo suas possibilidades de uso e ocupa-

ção. Nessa categoria, Mello (2008) destaca ain-

da dois tipos de espaço aberto, segundo a na-

tureza de sua função: os espaços de encontro

social e os espaços de função utilitária;

b) Constitutividade: são consideradas as

transições entre espaços aberto e fechados,

considerando-se constituído o espaço quando

lotes e edifícios lindeiros voltam-se para as

margens, definindo-o;

Page 222: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014222

c) Acessibilidade física: facilidade ou não de

acesso aos espaços de margens;

d) Acessibilidade visual: as margens podem

apresentar variadas configurações entre es-

paços que permitem a visibilidade do corpo

d’água e espaços que impedem a visibilidade

do corpo d’água;

e) Artificialidade: refere-se ao grau de trans-

formação das margens, podendo identificar

como espaços naturalizados ou artificializados.

Essas categorias propostas são importantes

indicações de análise das relações morfoló-

gicas existentes no recorte espacial sugerido

neste artigo. Aqui se observam, como será vis-

to mais adiante, as relações entrepostas dos

elementos humanos (artificializados) e naturais

na composição do cenário que envolve as mar-

gens estudadas.

Aspectos socioespaciais da Bacia Hidrográfi ca do Arroio Dilúvio

A ideia de uma estratégia de gestão por bacia

hidrográfica parte de um desafio metodológico

que confronta condições físico-naturais com as

tradicionais abordagens político-institucionais

do território. No caso da sub-bacia do Dilúvio,

verificam-se duas realidades distintas: os muni-

cípios de Porto Alegre e de Viamão.

Porto Alegre é a capital do Estado do

Rio Grande do Sul e está localizada, geogra-

ficamente, às margens do Rio Guaíba, fonte

de captação de água. Apesar de apresentar

uma população residente de 1.409.351 ha-

bitantes (Censo Demográfico, 2010), o mo-

vimento pendular da população visitante dos

31 municípios que integram a Região Metro-

politana de Porto Alegre (RMPA), inclusive

Viamão, promove grande concentração popu-

lacional e de fluxos na cidade. Já o município

de Viamão, apresenta cerca de um sexto da

população da capital (239.384 habitantes),

apesar de possuir uma extensão territorial de

1.497.023 km², aproximadamente três vezes

maior do que a de Porto Alegre.

A área de Porto Alegre que compreende

a sub-bacia em questão é uma das mais den-

samente constituídas na cidade, sendo o eixo

que margeia o Arroio Dilúvio em quase toda a

sua extensão, a Av. Ipiranga, uma das princi-

pais vias de fluxo da capital. Logo, ao longo

da história da ocupação urbana, a sub-bacia

foi intensamente modificada nesse município

(Menegat, 2006). As porções da bacia locali-

zadas em Viamão se caracterizam basicamente

pela ocupação de assentamentos de baixa ren-

da, mais rarefeitos e com baixa qualidade de

habitabilidade.

O Arroio Dilúvio, embora tenha seu

curso praticamente inteiro dentro dos limites

da cidade de Porto Alegre, tem suas princi-

pais nascentes em dois pontos da cidade de

Viamão (as represas Lomba do Sabão e Mãe

d’Água), localizadas a leste da capital, con-

forme a Figura 1. Esse compartilhamento dos

recursos hídricos resulta em uma das dificul-

dades da aplicação do conceito de bacia hi-

drográfica como unidade de gestão, tendo em

vista a difícil compatibilidade de planejamento

e gestão entre municípios.

Ao observar os aspectos que caracte-

rizam o que Mello (2008) identifica como di-

mensão global da análise do curso d´ água,

verifica-se que a sub-bacia do Arroio Dilúvio,

em razão da localização estratégica de Porto

Page 223: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 223

Alegre em relação a ela, é a mais importante

do município. Através dela escoam as águas

de uma área com 83,74 km2 densamente ha-

bitada: 446 mil habitantes, representando

cerca de um terço da população total. O curso

principal, o Arroio Dilúvio, tem uma extensão

de 17.605 m e importantes afluentes, como os

arroios Mato Grosso, Moinho, Cascata e Águas

Mortas em Porto Alegre. No caso de Viamão,

a localização do município em relação à sub-

-bacia do Arroio Dilúvio é periférica, pois as

nascentes que representam a parcela presente

em Viamão estão situadas no limite oeste do

município. Logo, a relação do Arroio Dilúvio

com a área central da cidade de Porto Alegre

é mais direta do que com o centro de Viamão,

sendo no primeiro caso a área central parte in-

tegrante da sub-bacia na sua porção norte. A

Avenida Ipiranga, que margeia o Dilúvio tem

sua foz no Lago Guaíba, importante manancial

vinculado ao centro e às faixas de ocupação

mais antigas da cidade de Porto Alegre.

Figura 1 – A Sub-Bacia do Arroio Dilúvio em Porto Alegre e Viamão (RS)

Fonte: Mapa elaborado por Amanda W. Fadel (2012) e adaptado por William Mog (2013) com base em arquivos shapefi les obtidos em Fepam (2005) e IBGE (2000).

Drenagem da Sub-Bacia do Arroio Dilúvio

Viamão

Page 224: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014224

A canalização e retificação do Arroio Di-

lúvio entre o final dos anos 1930 e a década

de 1980 acontecem entre grandes mudanças

na paisagem e na estruturação do espaço ur-

bano porto-alegrense. O que hoje é conhecido

como uma “cicatriz” na cidade, à época de

sua concepção, a canalização do Arroio Dilú-

vio proporcionou, além de reduções drásticas

nas constantes enchentes na região, a possibi-

lidade de crescimento urbano a regiões onde

antes o acesso não era possível. Sem dúvida,

pode-se afirmar que a Avenida Ipiranga é hoje

uma das principais vias de acesso, comércio

e moradia de Porto Alegre, sendo tudo isso

possível graças à canalização do antigo Ria-

cho, como era chamado. Apesar dos benefí-

cios trazidos por essa intervenção, o fato de

ter sido realizada a tão longo prazo, conforme

cita Burin (2008), deixou que diversos fatores

sociais, políticos e econômicos interferissem

diretamente nas obras de canalização. Tais

fatores influenciaram na atual estrutura do

Arroio Dilúvio.

De fato, o processo de urbanização da

bacia ao longo do século XX veio atrelado ao

crescente embate da sociedade com as águas

de seu território. Conforme Burin (2008 ), por

volta de 1900, medidas começaram a ser to-

madas para conter o problema das enchentes.

Desde então, diversas pesquisas foram reali-

zadas e, devido ao crescimento populacional

de Porto Alegre entre 1912 e 1914, um grande

estudo foi realizado, baseado no que já estava

sendo feito na época em São Paulo e Rio de

Janeiro. Dentre essas ações, surgiu o projeto

concreto para a retificação do Riacho, com-

preendido no Plano de Urbanização de Porto

Alegre em 1943. Assim, deu-se início às obras

de construção da Avenida Ipiranga e retifi-

cação do Arroio Dilúvio, que, por sua vez, só

foram finalizadas na década de 1980, esque-

matizadas na Figura 2.

Figura 2 – A canalização do arroio Dilúvio em Porto Alegre

Fonte: Burin (2008).

Page 225: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 225

Por meio de sucessivos Planos Diretores

(a primeira proposta é do Plano de 1914, co-

nhecido como Plano Moreira Maciel), diferentes

propostas de percursos e calhas foram criados

com objetivos saneadores e higienistas e de

mitigação das enchentes que afligiam a cidade.

Mais tarde, com objetivos de resolver o sistema

viário e a circulação na cidade, a obra finalizada

originou a Avenida Ipiranga, modernizando Por-

to Alegre e acabando com os alagamentos que

lhe valeu o apelido de Arroio Dilúvio.

Embora os Planos Diretores propuses-

sem áreas verdes e estudos paisagísticos e ur-

banísticos para o entorno, as obras realizadas

não conseguiram efetivar melhorias com esse

enfoque para as áreas urbanizadas ao longo

da Avenida Ipiranga, pois a preocupação dos

legisladores foi sempre atender às demandas

de fluxos viários e das enchentes, em detri-

men to dos dispositivos de regulamentação

urbanística para espaços públicos. A preocupa-

ção com a qualificação espacial e com a pai-

sagem não se manifestou concretamente nas

ações públicas.

O grande crescimento da Região Metro-

politana de Porto Alegre também trouxe como

consequência uma forte pressão populacional

em seus centros urbanos. Atualmente em Por-

to Alegre e Viamão, parcelas significativas da

população total (aproximadamente 20%) são

moradores de ocupações irregulares, ou seja,

habitam as áreas informais, os espaços urba-

nos chamados de vilas ou favelas. Identifica-

-se desde as nascentes do Arroio, assim como

ao longo de sua extensão, a presença desses

espaços informais nas duas cidades.

Os impactos do processo de ocupação na área de estudo

Neste item, busca-se desenvolver uma análise

morfológica de um recorte da Bacia do Arroio

Dilúvio (Figura 4) que abrange o próprio arroio

e seu entorno imediato, considerando a apro-

priação e acesso à água, seja físico, seja visual,

como um direito fundamental nas relações hu-

manas, como ressalta Gleick (1999). Para tal,

utilizou-se uma metodologia baseada na per-

cepção urbana conforme propõe Lynch (2008),

no desenvolvimento de variáveis de análise a

partir de pesquisa de campo e nos conceitos de

dimensão global e local apontados por Mello

(2008) para realizar uma leitura da área.

Segundo Gorski (2010), no Brasil até a

metade do século XX em geral ainda existia

uma relação harmônica de encontro entre as

margens dos cursos d’água e a população do

entorno, contudo a partir desse momento au-

mentaram os conflitos entre a sociedade, o

desenvolvimento e o meio físico prejudican-

do o direito da população de acesso à água

e à apropriação dos espaços marginais como

áreas de lazer e de prática esportiva. Essa si-

tuação ocorreu com o recorte estudado da Ba-

cia do Arroio Dilúvio.

Devido à inexistência de um tratamen-

to urbanístico para a antiga Avenida do Ca-

nal (Avenida Ipiranga), além de sua função

sanitária, esse trecho da cidade passou por

um processo de ocupação lento e irregular

nas ultimas três décadas, e assim as margens

do arroio, ao longo de quase um século de

Page 226: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014226

estudos e projetos, não desenvolveram uma

identidade relevante e significativa para o

porto-alegrense.

No início do século XX a morfologia da

Bacia do Arroio Dilúvio apresentava caracte-

rísticas desde a sua nascente, passando pela

planície com os meandros e banhados até o

Rio Guaíba que naturalmente influenciavam

o convívio da população do entorno gerando

uma imagem para os moradores. No livro Sin-

fonia Inacabada, Dreyer (2004) relata a vida

e obra do ecologista José Lutzenberger, des-

tacando uma passagem que descreve a paisa-

gem e o cenário urbano de 1935 onde o arroio

era um das partes integrantes:

Na direção oposta a Redenção, a partir de sua casa, encontravam-se as delícias do arroio Dilúvio. Depois do chalé do vizinho freteiro, a rua fazia uma curva, termina- va o calçamento e tinha início uma trilha em meio a campo aberto, verde, vacas pastando, um taquaral, depois de novo

algumas casas, casas modestas de operá- rio, ornadas com rendilhados de madeira, e então a ponte sobre o arroio. Perto da ponte não era o melhor lugar de se tomar banho, mas num dos meandros do arroio havia um panelão: uma piscina rodeada por rochas de diferentes alturas, própria para saltos e mergulhos. A gurizada che- gava ali nadando por dentro do riacho, chapinhando sobre os cascalhos soltos do leito do Dilúvio, as canelas mergulhadas numa lâmina de água cristalina, sobre a qual se debruçavam languidamente os salsos-chorões. (Dreyer, 2004, p. 51)

Naquele período, o Dilúvio estava pre-

sente no cotidiano das pessoas do entorno ga-

rantindo o direito de acesso à água através de

várias ações em que o arroio era o cenário con-

forme a Figura 3. A primeira imagem mostra o

casario como pano de fundo das atividades rea-

lizadas no curso de água como pesca e banho

e na segunda a importância da Ponte de Pedra

como ícone de conexão urbana da época.

Figura 3 – Imagens do Arroio Dilúvio,referente às primeiras décadas do século XX

Fonte: Pesavento (1992).

Page 227: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 227

Contudo, com a retificação e o conse-

quente desenvolvimento desordenado da área

em estudo, essa imagem foi perdida e não foi

substituída por outra imagem consistente ao

longo das décadas. Os bairros que estabele-

cem interface com o Arroio Dilúvio nesse pe-

ríodo ocuparam de forma lenta esse entorno,

principalmente na margem que corresponde à

área atingida pelo antigo traçado do riacho e

hoje constituída pelos bairros Cidade Baixa e

Santana. De fato, a intervenção realizada re-

solveu em grande parte o problema sanitário,

mas não foi suficiente para melhorar a cidade

em termos do convívio urbano, se comparado

às condições originais da área.

De fato, a retificação do curso d´água

representou uma barreira urbana, dificultando

acesso de uma margem à outra. A partir de

um levantamento morfológico da ocupação

da área da Bacia do Arroio Dilúvio notam-

-se a desarticulação morfológica e a descon-

tinuidade do tecido urbano, considerando

ambiências (aqui tratadas como variáveis)

que participam da composição da paisagem

consideravelmente ao longo do percurso, tais

como: áreas públicas verdes, vias cruzando o

arroio, pequena escala edificada, equipamen-

tos de grande porte, vazios urbanos e ocupa-

ções irregulares. Cada um desses fatores gera

características específicas em cada uma das

regiões que compõem o trajeto demonstrando

que a demanda urbana se altera e a imagem

resultante de cada localidade também (Lynch,

2008). Tal fator justifica um estudo particular

de cada zona para uma futura revitalização da

Bacia do Arroio Dilúvio e para recuperação do

direito de acesso à água, perdido em função

do crescimento urbano desordenado.

As variáveis citadas caracterizam três

trechos definidos desde a nascente até a foz

do Guaíba. Segundo os aspectos morfológicos

observados, o primeiro trecho inicia na foz e

vai até as imediações da Terceira Perimetral,

o segundo começa nas imediações da Terceira

Perimetral até a Av. Antônio de Carvalho e o

último trecho inicia nessa via e vai até a nas-

cente no município de Viamão como mostra a

Figura 4.

Os três pontos focais representam cada

uma das três realidades morfológicas anali-

sadas. Eles são o resultado da estrutura e da

dinâmica urbana em cada um dos momentos

das margens do Arroio Dilúvio. A seguir apre-

sentam-se as análises do percurso que abran-

ge os três trechos e o aprofundamento delas a

partir da imagem resultante das morfologias

em cada um dos três pontos focais, como es-

tudos de caso:

a) Trecho 1

Esse recorte do arroio localiza-se entre

a foz e as imediações da Terceira Perimetral

e está mais conectado com a cidade do que

os demais em função de uma diversidade de

usos, atividades e espaços existentes e per-

ceptíveis ao longo do percurso.

Esse trecho apresenta 14 cruzamen-

tos distribuídos de forma uniforme no trajeto

do arroio gerando boa acessibilidade e uma

continuidade do tecido, qualificando o espa-

ço urbano. Além disso, as pontes projetadas

pelo arquiteto Christiano De La Paix Gelbert,

responsáveis por essas conexões, apresentam

características estéticas relevantes em função

dos ornamentos presentes demonstrando uma

preocupação arquitetônica com o ambiente

construído (Weimer, 2004).

Page 228: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014228

Ao comparar as áreas verdes nesse tra-

jeto com as dos demais trechos nota-se que

existe uma maior quantidade de espaços pú-

blicos e uma variação maior das escalas des-

ses espaços abertos, desde o parque urbano

como o Marinha do Brasil até a pequena praça

de bairro como a São João no Bairro Santa-

na. Além disso, as margens do arroio são mais

arborizadas como mostra a Figura 5. No total

são 25 áreas públicas bem articuladas com o

entorno do Dilúvio nesse trecho.

Em relação ao parcelamento e aos

equipamentos existentes também é possível

perceber uma diferença bem clara entre os

trechos, porque o grão de ocupação urbana

é consideravelmente menor nesse primeiro

momento com equipamentos de grande por-

te bem distribuídos: o Anfiteatro Pôr-do-Sol,

o Shopping Praia de Belas, o Ginásio Tesou-

rinha, o Colégio Júlio de Castilhos, o Campus

da Saúde da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, o Palácio da Polícia e o Hospi-

tal Ernesto Dornelles. Todos os equipamentos

estão bem integrados no contexto urbano,

pois se encontram junto a cruzamentos im-

portantes para a conectividade da área e es-

tão relacionados com uma praça ou área ver-

de imediata no caso dos quatro primeiros. Os

vazios urbanos são praticamente inexistentes

com exceção da interface com a orla do Guaí-

ba que é um problema recorrente em várias

partes da cidade.

Figura 4 – Localização da área de estudo do Arroio Dilúvio

Fonte: William Mog (2013).

Page 229: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 229

O arroio nesse momento atravessa oito

bairros com características que os distinguem

entre si. Dentre esses, destacam-se principal-

mente os bairros Santana e Menino Deus que

se constituem em espaços muito utilizados pela

população moradora e por visitantes. Cada um

deles apresenta características morfológicas,

funcionais e de fluxos diferenciados, gerando

uma ocupação do espaço por públicos distintos

que transitam na região como pode ser visto na

imagem à direita na Figura 5 onde pessoas cir-

culam no espaço público junto com os veículos.

A presença de diversas pontes e traves-

sias sobre o Arroio Dilúvio, aliada ao fato de

sua posição cruzando os bairros desse trecho

faz deste curso d´água um elemento integra-

do à paisagem nesse espaço, embora não

haja uma clara apropriação pela população

usuá ria em função da poluição da água. A

ocupa ção qualificada dos oito bairros bem

delimitados e integrados ao arroio, assim,

contribui para a existência de poucas ocupa-

ções irregulares já que no total são apenas

cinco vilas de dimensões menores espalha-

das na área que apresenta um grão urbano

menor e volumetrias que acompanham um

padrão de alturas como pode ser visto no

skyline da vista panorâmica da Figura 5.

Figura 5 – Ponto focal do trecho 1Cruzamento com a Rua Santana

Fonte: William Mog (2013).

Page 230: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014230

Essas condições da estrutura urbana in-

fluenciam na dimensão local do espaço (Mello,

2008) que pode ser observada e caracterizada

no ponto focal destacado na Figura 5. Ao ana-

lisar-se o trecho e seu ponto focal, é possível

determinar o domínio das margens do dilúvio

como público, contudo não há elementos e

nem condições sanitárias que possibilitem uma

relação direta com o curso d’água, apesar de

existir junto da Avenida Ipiranga uma diversi-

dade de usos que possibilitam a ocupação do

espaço de diferentes formas como as praças e

os comércios nesse trecho. Logo, em relação à

constitutividade, existe uma transição gradual

entre ambientes abertos e fechados em função

de aspectos como o grão menor de ocupação

(Figura 5), gerando espaços constituídos e es-

truturados, mas desvinculados do arroio.

Do ponto de vista da acessibilidade físi-

ca, as margens do arroio não oferecem grandes

atrativos com exceção da ciclovia recentemen-

te instalada nesse trecho e de algumas esca-

darias junto dos cruzamentos que no passado

eram utilizadas para acessar o Dilúvio e hoje

abrigam moradores de rua. Já a acessibilidade

visual é plena, pois o arroio pode ser contem-

plado ao longo de toda a Avenida Ipiranga que

margeia o curso d’água e de algumas praças

(Figura 5) que estabelecem uma interface com

o arroio gerando uma variabilidade visual. Por

último, a artificialidade é relevante tendo em

vista que o arroio foi retificado nesse trecho,

contudo elementos naturais como as praças e a

arborização das margens contribuem para um

ambiente bem equilibrado entre as formas na-

turais e as formas artificiais.

b) Trecho 2

O segundo trecho do Arroio Dilúvio e da

área do entorno analisado, delimitado pelas

imediações da Terceira Perimetral e pela Ave-

nida Antônio de Carvalho, situa-se no centro

do eixo estudado. O ambiente é fragmentado

e o convívio no espaço público é praticamente

nulo, a partir da Terceira Perimetral. A noção

de quarteirão se perde em razão das propor-

ções dos grandes equipamentos institucio-

nais. Os comentários a respeito dos fatores

e variáveis analisadas no primeiro trecho dão

lugar agora para características contrárias às

qualidades de uma cidade convidativa e in-

tegrada ao seu entorno, pois tais elementos,

além de se tornarem mais raros no contexto,

não estão articulados entre si, apresentando

uma alteração abrupta do padrão de ocupa-

ção urbana do primeiro para o segundo tre-

cho como pode ser visto na Figura 6.

Os cruzamentos existentes são apenas

seis e não apresentam os atributos estéticos

presentes nas pontes do trecho anterior como

os ornamentos, os pavimentos ou as escadarias.

As áreas abertas, como as praças, não

apresentam relação alguma com o arroio já

que estão concentradas num ponto específico

no interior da área leste do Bairro Partenon,

como pode ser visto no mapa síntese (Figura

4). Nessa parte do bairro, diferentemente do

restante do trecho, é possível reconhecer uma

continuidade de padrões de ocupação. Já as

margens apresentam uma arborização rare-

feita e pontual (Figura 6).

O segundo trecho possui um caráter

fragmentado em função dos grandes equipa-

mentos existentes que, presentes de forma con-

centrada, mostram pouca conectividade com a

cidade. Entre eles podem ser citados, o Bourbon

da Ipiranga, o Campus da PUC/RS (Figura 6) e

a Garagem da Empresa de ônibus Carris. Tais

equipamentos estão muito próximos entre si

Page 231: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 231

prejudicando a continuidade do tecido urbano

de menor escala. Logo, diferentemente do pri-

meiro momento do arroio, esse possui vários

vazios urbanos junto da margem norte. Essa

interrupção da malha urbana de grão pequeno

inviabiliza a movimentação de pedestres nas

rotinas diárias como pode ser observado na

imagem à direita da Figura 6 onde o contexto

não contribui para a circulação de pedestres re-

tirando da área a vivacidade necessária à cone-

xão e ao movimento urbano saudável.

A quantidade de bairros com diferentes

características também é reduzida nessa parte

da cidade já que são quatro bairros, ou parcelas

de bairros, fortemente desarticulados entre si

e que apresentam uma tipologia habitacional

voltada para população de rendas médias e al-

tas, os conjuntos fechados de alta densidade,

que parece negar uma relação com o espaço

público. Essas configurações habitacionais ge-

ram uma ruptura na dinâmica urbana e na pai-

sagem local como pode ser visto no skyline da

vista panorâmica da Figura 6.

A falta de continuidade dos tecidos acar-

reta a existência de grandes ocupações irregu-

lares, as quais, não estando integradas à malha

urbana “formal”, geram interrupções no movi-

mento e na circulação geral da população na

Figura 6 – Ponto focal do trecho 2Cruzamento com a Avenida Cristiano Fischer

Fonte: William Mog (2013).

Page 232: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014232

cidade, reforçando a descontinuidade da paisa-

gem, que se torna rompida e ilegível, diferen-

temente do trecho anterior. No total, são três

manchas de grande porte e uma menor junto

da Garagem da Empresa de ônibus Carris. Além

disso, ao norte do Jardim Carvalho e ao sul do

Partenon estão localizadas várias vilas, cuja di-

mensão de cada uma corresponderia à área de

um bairro.

Assim como no trecho anterior, a estru-

tura urbana e as variáveis propostas acabam

repercutindo na dimensão local citada por

Mello (2008). Contudo, nesse caso a falta de

articulação entre as partes acaba gerando um

panorama fragmentado que pode ser sintetiza-

do a partir do ponto focal na Figura 6. O do-

mínio das margens em questão continua sendo

público, contudo esse trecho há uma ausência

de diversidade de elementos junto da Avenida

Ipiranga que impossibilita uma dinâmica de

fluxos variados.

O acúmulo de grandes equipamentos

privados resulta em um espaço desconstituído

(Figura 6), pois a transição entre espaços aber-

tos e fechados é abrupta e pouco convidativa

para o encontro, já que as praças e as áreas co-

merciais do trecho anterior não estão presentes

junto à avenida que margeia o Dilúvio e é do-

minada por veículos em alta velocidade nesse

momento. O resultado disso é um ambiente

com acessibilidade física comprometida já que

o arroio não estabelece qualquer relação com

seu entorno imediato, o que pouco contribui

para a sua acessibilidade visual. A variabilida-

de de opções visuais que o observador tinha no

primeiro momento agora apresenta-se restrita

em função da baixa quantidade de cruzamen-

tos e da ausência de espaços abertos, gerando

pouco controle visual, sensação de insegurança

e calçadas desertas. A artificialidade das mar-

gens nesse trecho é a maior, pois o espaço

urbano junto do Dilúvio apresenta pouca arbo-

rização e nenhuma praça ou parque como mos-

tra a vista panorâmica da Figura 6.

c) Trecho 3

O último trecho do arroio é o mais longo

e caracterizado por uma ocupação urbana ra-

refeita com algum comércio e serviços ao longo

da via de maior fluxo (Av. Bento Gonçalves). O

recorte inicia na Av. Antônio de Carvalho e aca-

ba junto às nascentes em Viamão. Nesse mo-

mento o arroio não apresenta mais a relação

imediata com uma via de tráfego de veículos

intenso, já que ele está integrado à mata na

base dos morros que delimitam na outra dire-

ção o trecho analisado. Existem nessa parcela

apenas dois cruzamentos do curso d’água do

Arroio Dilúvio, e um deles não é pavimentado

e está junto a uma ocupação irregular, como

mostra a seguir a Figura 7.

As áreas públicas de convívio são pra-

ticamente inexistentes ao longo desse per-

curso, em que a diversidade do primeiro tre-

cho é substituída por um repetição de áreas

desocupa das, intercaladas com comércio espo-

rádico referente ao perfil viário da Av. Bento

Gonçalves: aí, se poderia dizer que a cidade

“não existe mais”.

Neste último trecho, em que ocorre a co-

nexão entre Porto Alegre e Viamão podem-se

encontrar apenas dois equipamentos relevan-

tes para os fluxos do local: os Campi do Vale

e da Agronomia da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (UFRGS). A área é caracteri-

zada por grandes zonas de mata nativa junto

dos morros, como pode ser observado na vis-

ta panorâmica da Figura 7. Logo, não se pode

dizer que são vazios urbanos, mas espaços de

Page 233: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 233

interesse ambiental não preservados, tendo em

vista a existência recorrente de vilas (favelas)

na base desses morros (Figura 7) estabelecen-

do ora uma relação estreita com a topografia

do morro, ora com as bordas do arroio. Essa

área é ocupada apenas pelo Bairro Agronomia

(em Porto Alegre) e pelo Parque Saint Hilaire

(em Viamão). Nas duas localidades, o cenário

é sempre muito semelhante: ocupações irre-

gulares entre morros e curso d´água. Contudo,

essas vilas apresentam uma morfologia distin-

ta dos trechos anteriores já que elas não são

oprimidas por um contexto urbano consolidado

e apresentam a possibilidade de crescimento

com certa organização entre espaços de conví-

vio público e particular.

A dimensão local (Mello, 2008) nesse

trecho, representada pelo ponto focal junto do

cruzamento com o Beco dos Marianos (Figura

7) apresenta um caráter de grande fragilidade

urbana, pois a estrutura espacial local carece

de uma série de elementos urbanos necessá-

rios na criação das dinâmicas de encontro e

de relação. Nesse ponto do trecho podem ser

observados três tipos distintos de interface do

arroio com seu entorno: o domínio é público

junto da interface do arroio com o trecho final

da Avenida Ipiranga; o domínio semipúblico –

ou público restrito – quando o arroio integra o

Campus da Agronomia da UFRGS, e o domínio

privado, quando o Dilúvio estabelece interface

com os fundos dos pavilhões localizados na

Figura 7 – Ponto focal do trecho 3Cruzamento com o Beco dos Marianos

Fonte: William Mog, 2013.

Page 234: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014234

Avenida Bento Gonçalves como pode ser visto

na Figura 7.

A transição entre espaços abertos e fe-

chados é desordenada em função da presen-

ça das ocupações informais junto dos morros

onde a natureza ainda se mostra fortemente

presente. Em relação à acessibilidade física,

o acesso às margens do arroio é restrito em

função dos pavilhões e das vilas que também

bloqueiam a acessibilidade visual. O acesso

físico e visual sem obstáculos maiores ocor-

re apenas em uma das margens, entre os

cruzamentos da Antônio de Carvalho e do

Beco dos Marianos (Figura 7). Esse trecho

apresenta a menor artificialidade dos três,

pois a maior parte do curso do Dilúvio nes-

se momento não está retificada e ainda está

integrada na natureza apesar de já estar po-

luída em função das vilas presentes junto das

nascentes em Viamão.

A partir das análises realizadas anterior-

mente é possível concluir que existe uma re-

lação estreita entre a estrutura urbana e suas

variáveis e a repercussão dessas na dimensão

local do espaço urbano. A seguir é apresenta-

do um quadro com a intenção de sintetizar a

relação dos aspectos da dimensão local com os

pontos focais destacados.

Quadro 1 – Síntese de aspectos das dimensões locaispor pontos focais analisados

Dimensões locais Ponto focal 1 Ponto focal 2 Ponto focal 3

Domínio:Espaços abertos ou espaços fechados

Público (espaços abertos), mas com pouca apropriação das margens

Público (espaços abertos), mas sem apropriação das margens

Público, semipúblico (UFRGS) nas bordas e privado (espaços fechados)

Constitutividade: Espaços constituídos ou desconstituídos

Transição gradual entre espaços abertos e espaços fechados

Transição abrupta entre espaços abertos e espaços fechados

Transição possui desordem entre espaços abertos e espaços fechados

Acessibilidade Física:Espaços de acesso físico fácil ou difícil

Pouca acessibilidade: Ciclovia subutilizada e escadarias usadas no passado

Sem acessibilidade: O entorno não facilita o acesso físico (PUC e veículos velozes)

Acesso desordenado e restrito em alguns pontos: contextode ocupações informais

Acessibilidade Visual: Espaços com ou sem visibilidade

Plena acessibilidade: Visuais variadas para o arroio das praças e dos cruzamentos

Baixa Acessibilidade: Poucas visuais, pois o entorno contribui pouco (insegurança)

Acesso restrito e bloqueado em alguns pontos (pavilhões, vilas e UFRGS)

Artifi cialidade:Espaços naturais ou espaços artifi ciais

Equilíbrio: elementos artifi ciais (retifi cação) e naturais (margens arborizadas e praças)

Desequilíbrio: poucos elementos naturais (pontuais) e margens retifi cadas

Maioria de espaços naturais: morros com vegetação e curso original do arroio

Page 235: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 235

Esse quadro demonstra que os aspec-

tos da dimensão local revelam as fortes dife-

renças presentes nos três trechos analisados,

com destaque para a baixa acessibilidade física

e alta capacidade de domínio público do es-

paço urbano deste entorno, porém com difícil

condições de apropriação, principalmente nos

trechos 2 e 3.

A constitutividade também se apre-

senta muito distinta nos três trechos, sendo

inicialmente gradual, abrupta no segundo tre-

cho e desordenada no terceiro. Isso revela a

descontinuidade do tecido urbano muito em

razão da existência de equipamentos de gran-

de porte (trecho 2) e de ocupações irregula-

res (trecho 3).

As análises apresentadas permitem con-

siderar que, embora haja diferenças nas formas

de ocupação ao longo do arroio, os resultados

no espaço das margens são sempre preocupan-

tes gerando conflitos e impactos na qualidade

da paisagem.

Considerações fi nais

Ao analisar o mapa, as imagens e suas variá-

veis, é possível estabelecer uma relação entre

as diferentes épocas de ocupação territorial e

a crescente fragmentação espacial que se torna

evidente no entorno da Terceira Perimetral a

partir de sua dimensão local (Mello, 2008). As

características que privilegiam a conectivida-

de das áreas públicas urbanas perdem espaço

para as ocupações privadas de grande porte

que não se preocupam com sua inserção no

contexto urbano, como o Campus da PUC/RS.

Logo, as informações tomadas e apresentadas

aqui demonstram que a descontinuidade do

tecido urbano tem se agravado nas últimas

décadas. Em parte devido ao arroio e sua via

de alta capacidade, mas principalmente pelas

diretrizes urbanas e as opções utilizadas, que

determinaram a forma de ocupação e os usos

da terra do entorno ao arroio, que são os res-

ponsáveis pelas condições ambientais péssi-

mas desse importante curso de água.

Nos trechos verificados, é clara a di-

ferença entre as dinâmicas de cada um. Ao

comparar o primeiro com o segundo trecho,

nota-se que os tecidos do entorno no primei-

ro caso estão bem integrados e articulados

entre si em função das variáveis comentadas

anteriormente, já no segundo caso a situação

se altera consideravelmente como pode ser

percebido através da comparação dos pontos

focais. Contudo, em nenhum trecho o arroio

está integrado às atividades cotidianas dos

porto-alegrenses como no passado em função

da ausência de um projeto que considerasse

o arroio como parte do cenário urbano, além

de sua função sanitária. Por isso, o direito de

acesso ao arroio e à água nesse recorte de

Porto Alegre está longe de ser atendido em

função de um problema de conexão urbana:

embora inserido no tecido urbano, o arroio não

está integrado à cidade, a seus moradores e às

funções urbanas de maneira plena devido ao

crescimento desordenado e segregador que se

agrava a partir do segundo trecho.

Assim, o arroio e suas condições ambien-

tais por si só não são responsáveis pela confi-

guração atual da paisagem urbana nos trechos

estudados, pois há uma grande variabilidade

entre ambientes mais qualificados e ambientes

menos qualificados espacialmente, ao longo

de um curso de água que apresenta de forma

constante condições ambientais depreciadas.

Page 236: Cadernos Metrópole 31. -

William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014236

Por isso, o arroio deve ser considerado uma das

partes do problema que envolve variáveis de

igual e maior prioridade, tais como as ocupa-

ções irregulares e todos os demais grandes

equipamentos do entorno que geram e des-

pejam resíduos sólidos, líquidos, químicos e

hospitalares no mesmo, e não apontar o arroio

como foco determinante na requalificação do

espaço, pois as condições urbanas e legais exis-

tentes estão dentro de um quadro em que o

desenvolvimento não tem contemplado a com-

posição da paisagem como determinante para

o convívio humano na cidade.

Nesse sentido, é necessária uma gestão

pública que considere a bacia hidrográfica do

Dilúvio de forma global e não apenas o curso

do arroio como o foco de intervenção na revi-

talização urbana. Dessa maneira aumentaria a

possibilidade de análise e integração entre as

variáveis que interferem no entorno e no cur-

so de água principal valorizando um recorte

urbano mais abrangente através de múltiplos

projetos mais sustentáveis e conscientes que

considerariam as relações sociais nesse espaço

físico conectado com seu entorno e contempla-

riam a cidade de maneira ampla.

William MogPorto Alegre/RS, [email protected]

Heleniza Ávila CamposUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre/RS, [email protected]

Lívia Salomão PiccininiUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre/RS, [email protected]

Page 237: Cadernos Metrópole 31. -

Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 237

Referências

ALVIM, A. T. B.; BRUNA, G. C. e KATO, V. R. C. (2008). Polí cas ambientais e urbanas em áreas de mananciais: interfaces e confl itos. Cadernos Metrópole, n. 19, pp. 143-164.

BURIN, C. W. (2008). O caso da canalização do arroio Dilúvio em Porto Alegre: ambiente projetado x ambiente construído. Disponível em Lume: h p://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/17323. Acesso em: 18 set 2012.

DREYER, L. (2004). Sinfonia Inacabada, a vida de José Lutzenberger. Porto Alegre, Vidicom Audiovisuais.

FARIA, U. e PAIVA, E. P. (1937). Contribuição ao Estudo de Urbanização de Porto Alegre. Porto Alegre, Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

GLEICK, P. (1999). The Human Right to Water. Oakland USA, Pacifi c Ins tute for Studies in Development, Environment, and Security.

GORSKI, M. C. B. (2010). Rios e cidades: rupturas e reconciliação. São Paulo, Editora Senac.

LYNCH, K. (2008). A imagem da cidade. São Paulo, Edições 70.

MELLO, S. S. de (2008). Na beira do rio tem uma cidade: urbanidade e valorização dos corpos d’água.Tese de doutorado. Brasília, Universidade de Brasília.

MENEGAT, R. (2006). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre, Ed. UFRGS.

PESAVENTO, S. J. (1992). O Espetáculo da Rua. Porto Alegre, Ed. UFRGS/Prefeitura Municipal.

PORTO, M. F. e PORTO, R. L. (2008). Gestão de Bacias Hidrográfi cas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, pp. 43-60.

PORTO, M. L. e OLIVEIRA, P. L. (coords.) (2008). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre, Ed. UFRGS.

SILVA, R. T. (2002). “Gestão Integrada de Bacias Hidrográfi cas densamente urbanizadas”. In: FONSECA, R. B. (org.). Livro Verde: desafi os para a gestão da Região Metropolitana de Campinas. Campinas/ SP, Unicamp/IE.

SOUZA, C. F. (1995). “Trajetórias do Urbanismo em Porto Alegre 1900-1945”. In: LEME, M. C. da S. (coord.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo, Studio Nobel.

SOUZA, C. F. e MULLER, D. M. (1997). Porto Alegre e sua evolução urbana. Porto Alegre, Ed. UFRGS.

TUCCI, C. E. M. (1997). Hidrologia: ciência e aplicação. Porto Alegre, ABRH/Editora UFRGS.

______ (2008). Águas Urbanas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, pp. 97-112.

WEIMER, G. (2004). Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul 1892-1945. Santa Maria, UFSM.

Texto recebido em 10/abr/2013Texto aprovado em 31/out/2013

Page 238: Cadernos Metrópole 31. -
Page 239: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014

Avaliação das metodologias brasileirasde vulnerabilidade socioambiental

como decorrência da problemáticaurbana no Brasil

Analysis of the Brazilian assessment methodologies of socio- -environmental vulnerability as a result of urban problems in Brazil

Mônica Maria Souto MaiorGesinaldo Ataíde Cândido

ResumoO artigo intenta refletir e analisar as principais

metodologias de avaliação da vulnerabilidade

socioambiental propostas e aplicadas em con-

textos específicos no Brasil, através de um en-

saio teórico- comparativo utilizando um conjunto

de critérios de avaliação retiradas das variáveis

existentes nos diversos modelos pesquisados. Os

resultados apontam que os modelos foram contri-

butivos para o avanço dos estudos da vulnerabili-

dade socioambiental no Brasil, possibilitando um

diagnóstico preciso dos fatores que contribuem

para acentuar e mitigar o fenômeno. No entanto,

dadas a dinâmica e complexidade do processo de

urbanização e suas implicações, se fazem necessá-

rias constantes adaptações das metodologias cria-

das, assim como a criação de novas metodologias

que consigam traduzir fi dedignamente a dinâmica

e complexidade da urbanização, sobretudo para as

comunidades mais carentes.

Palavras-chave: processo de urbanização; vulne-

rabilidade socioambiental; metodologias; avaliação

e indicadores.

AbstractThe article intends to reflect on and analyze the main methodologies to assess socio-environmental vulnerabilit y that have been proposed and applied to specific contexts in Brazil, through a comparative theoretical essay using a set of assessment criteria extracted from the variables existing in the diverse surveyed models. The results show that the models have contributed to the advancement of socio-environmental vulnerability studies in Brazil; in addition, they have enabled an accurate diagnosis of the factors that contribute to intensify and mitigate the phenomenon. However, given the dynamics and complex nature of the urbanization process and its implications, it is necessary to constantly adapt the established methodologies, as well as to create new methodologies that are able to translate faithfully the dynamics and complexity of urbanization, particularly for poor communities.

Keywords: urbanizat ion process ; soc io- environmental vulnerability; methodologies; assessment and indicators.

Page 240: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014240

Introdução

No último século, houve uma diminuição dos

índices de pobreza na América Latina, mesmo

assim os modelos que estudam a população

em vulnerabilidade continuam sendo instru-

mentos eficazes de análise da situação dos ex-

cluídos latino-americanos, porque são capazes

de identificar as características de comporta-

mento individuais e as mudanças repentinas de

ascensão e declínio social, as quais vão além

das questões ligadas à renda.

A preocupação dos estudos que envol-

vem a vulnerabilidade socioambiental, em con-

texto urbano latino-americano, é oferecer um

painel sobre os fatores socioambientais que

influenciam e são influenciados pela fixação

da população pobre em áreas de risco, as quais

podem gerar danos. Dessa forma, a vulnerabi-

lidade socioambiental urbana está vinculada,

também, aos fenômenos de adensamento po-

pulacional, à segregação espacial urbana, aos

processos de exclusão social e às injustiças

ambientais, processos ligados diretamente ao

aumento demográfico e à falta de políticas pú-

blicas eficazes.

Especificamente no contexto geográfi-

co brasileiro, desde o século passado, se tem

presenciado um aumento demográfico urbano

substantivo, o que traz consequências diretas

na estruturação e ordem das principais cidades

brasileiras, desregulando o sistema socioam-

biental, expondo a população citadina a uma

situação crescente de vulnerabilidade, princi-

palmente nas áreas centrais de preservação ou

nas periféricas, onde os fatores de riscos am-

bientais se tornam desastrosos diante da insta-

bilidade socioeconômica da população pobre.

Assim, a vulnerabilidade pode ser entendida

como um processo gerado por diversos fatores

socioambientais, os quais, em conjunto, fragili-

zam pessoas, gerando consequências desastro-

sas como perdas materiais e/ou de vida.

Fundamentada em tais teorias, o termo

“vulnerabilidade socioambiental” começou a

ser construído entre as décadas de oitenta e

noventa, quando pesquisadores a exemplo de

D´Ercole (1994), Blaikie et al. (1994), Fournier

(1995), Cardona (1996), Hewitt (1997), Moser

(1998), Kaztman et al. (1999), Gonzáles et al.

(1999), dentre outros, avaliaram a importância

do significado das condições sociais na incidên-

cia, extensão e distribuição das ameaças natu-

rais. Eles mostraram que a perda e a sobrevi-

vência estão relacionadas muito de perto com

os padrões e as variações da qualidade de vida

material da sociedade, tanto no que se refere

à ocorrência de danos e tipos estabelecidos, e

onde, como e especialmente a quem afetam.

Segundo Cardona (1996), os danos ma-

teriais dependem especialmente do uso da ter-

ra, padrões de assentamento e da concepção

e localização de estruturas construídas, e esses

danos são desproporcionalmente concentrados

em determinados grupos etários, de acordo

com sexo ou ocupação, níveis de renda e da

falta de voz política do povo.

Na América Latina e nos países em de-

senvolvimento, devido a uma estrutura políti-

ca e econômica em constante crise, a ideia de

estabilidade não é observada. Essa conjuntura

dificulta a geração de novas frentes de traba-

lho, aumentando a instabilidade socioeconômi-

ca das famílias, associando a vulnerabilidade à

ideia da falta de oportunidades existente dian-

te do desemprego, da precariedade do traba-

lho, da pobreza, da falta de proteção social e

Page 241: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 241

da fragilidade das relações sociais, problemas

que afetam a todos de um modo geral.

Adicionados aos problemas citados an-

teriormente, as cidades brasileiras apresentam

uma concentração da população de baixa ren-

da de forma desigual, numa mesma extensão

geográfica, onde se observa a ocorrência de

eventos naturais como enchentes, desliza-

mentos, desmoronamentos e/ou vendavais,

que causam perdas e danos de toda ordem

(Deschamps, 2004).

Diante deste quadro, diversos pesquisa-

dores brasileiros vêm desenvolvendo modelos

para estudar a vulnerabilidade socioambiental:

Deschamps (2004; 2006), Hogan (2007), Alves

(2010a), Almeida (2010) e Alves et al. (2010b),

os quais trabalham as famílias expostas aos ris-

cos socioeconômicos e ambientais. Esses cinco

modelos brasileiros trazem diferentes ferramen-

tas de abordagem, e cada uma delas foi aplica-

da considerando fatores ambientais específicos

para cada espaço geográfico estudado.

Nessa perspectiva, busca-se, por meio

deste ensaio teórico, comparar essas cinco me-

todologias, utilizando-se os seguintes critérios

de análise: características do método, campo

geográfico de atuação, dimensões mensuradas,

variáveis trabalhadas, tratamento dos dados

e vínculos com grupos de pesquisa, os quais

foram escolhidos para introduzir uma análise

mais profícua das aplicações e abrangência dos

indicadores utilizados para a realidade socio-

ambiental brasileira.

Em termos metodológicos, o artigo pode

ser classificado como um ensaio teórico for-

mal, para cujo estudo, depois da identificação

dos principais estudos e pesquisas realizados

no Brasil, foi estabelecida a seguinte sequên-

cia metodológica: 1) levantamento de todas

as metodologias brasileiras que estudaram o

fenômeno da vulnerabilidade socioambiental

até o ano de 2010; 2) identificação dos fato-

res estudados em cada metodologia, conside-

rando as dimensões e indicadores; 3) compila-

ção dos indicadores, buscando identificar sua

reincidência nos modelos; 4) comparação das

principais características; e 5) reflexões sobre a

profundidade de abrangência dos modelos pa-

ra o contexto brasileiro. Com isso, foi possível

identificar uma série de variáveis similares e

diferentes utilizadas para situações e contextos

diferenciados e, a partir disso, constatando-se

também que tais variáveis poderiam ser utiliza-

das como marco ordenador para novos estudos

e pesquisas relacionados ao tema vulnerabili-

dade socioambientais de comunidades em es-

paços urbanos.

Além deste conteúdo introdutório, o ar-

tigo apresenta, nos seus demais itens, uma

fundamentação teórica sobre vulnerabilidade;

os resultados, considerando os aspectos rela-

cionados aos conceitos e teorias sobre as me-

todologias da vulnerabilidade socioambiental

estudadas; comparação das metodologias; e as

conclusões geradas por este estudo.

Fundamentação teórica

Vulnerabilidade

O conceito de vulnerabilidade está correlacio-

nado a uma construção teórica, anterior a ela,

definida como exclusão social, que serviu de

referência para a caracterização de situações

sociais-limite, de pobreza ou marginalidade,

e para a consequente formulação de políticas

Page 242: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014242

públicas voltadas para o enfrentamento destas

questões (Dieese, 2007; Busso, 2005; Lavinas,

2002; Castel, 1997).

Dessa forma, é importante ressaltar a se-

melhança espacial, histórica e conceitual que

envolve a interligação entre esses dois termos.

A exclusão social teve sua origem na França, no

século XX, e se estendeu a outros países euro-

peus para ressaltar situações que iam além do

mercado de trabalho e que representavam rup-

turas de vínculos sociais e perdas da base de

sustentação da reprodução da vida: a casa, a

vizinhança e a família (Castel, 1997).

Diante dessa conjuntura e como parte de

um mesmo campo conceitual, há os que rela-

cionam a perda do vínculo social como resul-

tante da perda de solidariedade e aqueles que

a vinculam à negação dos direitos sociais esta-

belecidos. Segundo Kowarick (2003), o interes-

se pelo campo da exclusão na Europa surge em

virtude de uma situação de mudanças tecnoló-

gicas, reestruturação econômica e desmantela-

mento do estado de bem-estar social, em que o

estado de exclusão caracterizaria um conjunto

de situações marcadas pela falta de acesso aos

meios de vida e que afetaria a plena integração

social até então existente.

Segundo Castel (1997), para se chegar

numa situação de exclusão social, é necessário

passar por três estágios distintos: uma etapa

inicial de integração social, em que se teria

uma situação de estabilidade econômica e

social; um momento crítico de vulnerabilidade

caracterizada pela precariedade do trabalho e

a fragilidade dos apoios proporcionados pelas

relações familiares e sociais; e, finalmente, a

chegada ao estágio final – o de exclusão so-

cial. Nessa visão, a vulnerabilidade identifica-

ria a fragilidade do vínculo social antes de sua

ruptura. Afirma ainda que não somente a falta

de recursos materiais define os grupos como

vulneráveis, mas também a instabilidade de

suas relações sociais, que os fragiliza.

Kaztman (1999; 2000) analisa a vulne-

rabilidade a partir da existência, ou não, por

parte dos indivíduos ou das famílias, de ativos

disponíveis e capazes de enfrentar determina-

das situações de risco. Ele trabalha o conceito

de capital para os grupos vulneráveis, que pode

capacitá-los a aproveitar as oportunidades

disponíveis em distintos âmbitos socioeconô-

micos, e que influencia o estado de respostas

diante das situações de risco.

Observa-se que os estudos de Kaztman

não consideram as estruturas de oportuni-

dades como um fator constante, ao contrá-

rio, essas estruturas variam de acordo com

a área geo gráfica e com os fatores tempo-

rais históricos. Ele incorpora na sua ideia de

ativos /vulnerabilidade /estrutura de opor-

tunidades o conceito de mobilidade social,

como fator determinante das situações de

ascensão e declínio da condição de vulne-

rabilidade. Segundo o Dieese (2007), essa

noção de vulnerabilidade social, que conside-

ra a relação ativos/vulnerabilidade/estrutura

de oportunidades, tem sido adotada para a

construção de indicadores sociais mais am-

plos, não se restringindo à delimitação de

uma determinada linha de pobreza.

Blaikie et al. (1994) afirma que a vulne-

rabilidade está diretamente associada à ca-

pacidade de um grupo ou família para resistir

a efeitos nocivos e perigo e de se recuperar

facilmente. Assim, a vulnerabilidade envolve

uma combinação de fatores que determina o

grau em que a vida de alguém ou de um grupo

é colocada em risco por um evento discreto e

Page 243: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 243

identificável (ou uma série de tais eventos), na

natureza e na sociedade.

Segundo Hewitt (1997) e Lavell (2000),

as ameaças naturais, a destruição e sua distri-

buição social e territorial podem tornar o even-

to físico como um ponto de referência, mas, no

final, a perda é determinada pelas diferenças

de níveis de exposição e vulnerabilidade da

população, infraestrutura e produção. Devido a

essa enorme variedade entre diferentes espa-

ços e unidades sociais, será consequentemente

diferenciada a capacidade dos indivíduos em se

recuperar, porque, mesmo dentro de um único

nível de unidade espacial ou social, serão en-

contrados diferentes níveis de danos que refle-

tem essa estruturação heterogênea da vulnera-

bilidade social.

D´Ercole (1994) e Blaikie et al. (1994)

estabelecem uma relação de causa e efeito

gerada entre a natureza e a sociedade, reco-

nhecendo que os fatores de risco estão asso-

ciados a um certo grau de exposição a uma

situação crítica, natural ou social, que gera

vulnerabilidade em determinados grupos; es-

sas contextualizações incorporam ao fenômeno

da vulnerabilidade uma perspectiva temporal

de futuro, quando estabelecem que os grupos

mais vulneráveis são também aqueles que pos-

suem mais dificuldades para reconstruir suas

vidas após algum desastre; consequentemente,

esses mesmos grupos se tornarão mais vulne-

ráveis aos efeitos de desastres futuros.

Kaztman (1999) concorda com esses

dois autores quando considera que uma má

resposta a um evento potencialmente danoso

está relacionada ao gradiente de vulnerabili-

dades sociais e econômicas dos indivíduos ou

grupos diante do evento, e que suas condições

precárias de habitação, inadequados ativos de

recursos humanos no seio das famílias, alimen-

tação insuficiente e de má qualidade, alta per-

meabilidade aos serviços sociais, controle de-

ficiente aos cuidados de saúde, falta de redes

de reciprocidades e contatos, são alguns dos

fatores que determinam o grau dessa vulnera-

bilidade. Segundo Cardona (1996), no contexto

urbano, as zonas de riscos coincidem com áreas

que apresentam condições de marginalidade

ou subnormalidade, e seus habitantes têm ní-

veis de renda que impossibilitam seu acesso a

instituições de crédito para habitação, quando

esse benefício de crédito existe.

Essas teorias abordadas mantêm uma

conexão entre o ambiental e o social, as quais

exercem intrínseca influência no meio urbano

sobre uma comunidade, grupo social ou fa-

mílias e, assim, essa conexão socioambiental

influencia o modo de resposta diante de situa-

ções que geram vulnerabilidade.

D’Ercole (1994) afirma que a análise da

vulnerabilidade na cidade não pode deixar de

contar com uma abordagem sistêmica que in-

clua: fatores socioeconômicos (êxodo rural e

especulação imobiliária), fatores psicossocio-

lógicos (memória de risco, percepção e cultura

de risco), fatores ligados à cultura e à história

das sociedades expostas (autoconstrução, lan-

çamento de dejetos), fatores técnicos (preven-

ção), fatores funcionais (gestão de crise) e fato-

res institucionais (gestão de risco).

Na cidade, alguns desses fatores são

elementos inerentes ao crescimento urbano,

e fortemente integrados à dinâmica urbana,

principalmente em países em desenvolvimento,

onde há ausência de controle, má qualidade da

infraestrutura, falta de planejamento e legisla-

ção urbana ineficiente, permitindo a expansão

urbana para áreas de preservação e/ou de risco.

Page 244: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014244

Vulnerabilidade socioambiental

Segundo Deschamps (2004), Alves et al. (2008)

e Almeida (2010), o quadro teórico, no qual se

insere a vulnerabilidade socioambiental urba-

na, contempla a sobreposição (coexistência es-

pacial) dos processos de expansão urbana en-

volvendo tanto a dispersão espacial de grupos

de risco social, degradação ambiental e falta de

serviços de infraestrutura urbana. Dessa forma,

não se pode tratar da vulnerabilidade socioam-

biental sem considerar a expansão urbana pa-

ra áreas periféricas, relacionada à procura por

habitação em áreas com baixo valor da terra e

sem infraestrutura. Essa dinâmica da expansão

urbana, para regiões periféricas e periurbanas,

estabelece uma condição de ocupação dos

pobres e miseráveis de residir em áreas com

más condições urbanísticas e de infraestrutu-

ra – sem abastecimento de água tratada, sem

saneamento, sem coleta de lixo, etc. –, tais co-

mo: terrenos com alta declividade ou próximos

a cursos d’água e de lixões, geralmente áreas

públicas e/ou de preservação. Os índices de

pobreza quantificam o grau da exclusão que

fatores socioeconômicos impõem em um deter-

minado lugar a alguns grupos.

O nível de vulnerabilidade em que as fa-

mílias estão expostas aos riscos está vincula-

do à capacidade de respostas e ajustes dian-

te das condições adversas ao meio, seja pela

capacidade de mobilizar ativos para enfrentar

as adversidades, por pouco capital humano ou

pouco acesso à informação, ou seja, pelas pou-

cas habilidades sociais básicas, com falta de re-

lações pessoais e com pouca capacidade para

manejar recursos (Deschamps, 2006).

A vulnerabilidade deve considerar algu-

mas dimensões que subsidie as análises dos

riscos e ameaças dentro do seu sistema. Segun-

do Fournier (1985), a diferença fundamental

entre o risco e a ameaça é que a ameaça está

relacionada com a probabilidade de que se ma-

nifeste um evento natural ou um evento pro-

vocado, enquanto o risco está relacionado com

a probabilidade de que se manifestem certas

consequências, que estão estreitamente rela-

cionadas, não só com a extensão da vulnera-

bilidade da exposição dos elementos sujeitos,

mas ainda com a certeza que esses sujeitos

têm de ser afetados pelo acontecimento. Nesse

contexto, a vulnerabilidade pode ser entendida

como a predisposição intrínseca de um sujeito

ou elemento a sofrer danos, devido à possibi-

lidade de ações externas e, portanto, sua ava-

liação contribui fundamentalmente para o co-

nhecimento do risco por meio de interações do

elemento suscetível com o ambiente perigoso

(Cardona, 1996).

Cutter (2003) afirma que está embu-

tido em toda a discussão sobre a ciência da

vulnerabilidade socioambiental o requisito

de antecipar surpresa, capturar a incerteza e

adaptar-se às mudanças, salientando que se

precisa investir ainda muito no conhecimento

sobre essa ciência, havendo a necessidade de

conectá-la a um campo teórico mais amplo e

a uma arena de ação política comprometida

com a justiça social e ambiental. Ela ainda

promove a necessidade de uma confluência

dos conhecimentos sobre as dinâmicas so-

ciais e naturais, condição imprescindível para

um diagnóstico e um prognóstico. Assim, a

ciência da vulnerabilidade evoca uma visão

multidimensional associada a seus fenôme-

nos geradores nos processos de distribuição,

gestão e experiências dos riscos, ameaças e

vulnerabilidades.

Page 245: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 245

Diante do que se expôs sobre as peculia-

ridades geográficas, temporais, socioeconô-

micas e dos fenômenos a serem estudados,

pesquisadores brasileiros como Alves (2008),

Deschamps (2004; 2006), Almeida (2010) e

Silveira (2010) trabalham com as seguintes

dimensões em relação à vulnerabilidade das

famílias expostas aos riscos num contexto de

expansão urbana: econômicos, sociais e am-

bientais. Os autores ainda descrevem caracte-

rísticas demográficas, que devem ser conside-

radas na unidade doméstica e que tendem a

acentuar a vulnerabilidade: estrutura familiar,

ciclo de vida e aspectos demográficos. Nesse

contexto social, as indagações partem da ne-

cessidade de resposta sobre quais os elemen-

tos que mais contribuem para a vulnerabilida-

de social e se esses elementos afetam de for-

ma homogênea os diferentes grupos sociais.

No contexto ambiental, os principais aspectos

considerados por esses autores são os relacio-

nados à infraestrutura urbana, considerando

os danos que sua falta pode trazer em termos

de saúde e de qualidade de vida.

Os estudos que abarcam a vulnerabilida-

de buscam contribuir para avaliação das dife-

renças socioambientais urbanas, porque abran-

gem todo o sistema atingido pelo adensamento

populacional. Dessa forma, conhecer os mode-

los utilizados, suas ferramentas e seu conjunto

de indicadores, pode apontar a estreita relação

entre a segregação social urbana, o sistema de

infraestrutura urbana e o processo de adensa-

mento. Esse conhecimento servirá para vislum-

brar soluções específicas em cada localidade,

porque as cidades apresentam problemas espe-

cíficos diante do fenômeno de transbordamento

urbano. Sendo assim, se faz necessário conhe-

cer os procedimentos adotados em cada um dos

modelos brasileiros, para conhecer o quadro da

sistemática de avaliação da vulnerabilidade so-

cioambiental para a realidade brasileira.

Apresentação e análise dos resultados

Apresentação das metodologias estudadas

Nos meios científicos brasileiros, o estudo da

vulnerabilidade socioambiental é tratado em

âmbito local, identificando grupos populacio-

nais submetidos a um alto grau de risco em

relação a desastres específicos de países em

desenvolvimento. Nos últimos dez anos, as

pesquisas avançaram, e foram criadas e aper-

feiçoadas metodologias com o duplo objetivo

de entender como o processo de adensamento

populacional e expansão urbana influenciava e

influencia a situação de risco de forma desigual

a grupos populacionais específicos. Dentre elas,

cinco se destacam por sua qualidade metodo-

lógica, pelo impacto gerado e pelo campo de

pesquisa aberto nos meios científicos.

Dentre os modelos analisados todos

partem do método dedutivo, que faz uso do

raciocínio, a partir de fatos e indícios, para ob-

ter uma conclusão a respeito de determinadas

premissas. No caso da vulnerabilidade socio-

ambiental, os níveis de risco e vulnerabilida-

de são estudados tomando por base a identi-

ficação de relações estatísticas significativas

dentre um conjunto de potenciais indicadores,

estabelecendo relações com uma proposição

geral para, a partir de raciocínio lógico, chegar

à verdade daquilo que se propõe.

Page 246: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014246

Todos os modelos usam um mesmo pro-

cedimento metodológico, baseado em dados

do IBGE e da sobreposição cartográfica dos ris-

cos ambientais com os riscos sociais distribuí-

dos no espaço urbano estudado, utilizando a

análise multivariada, correlação de indicadores

(matriz de correlação de Pearson) – Método de

agrupamento não hierárquico das k-médias ou

método do núcleo de Kernel.

Modelo de Alves

A pesquisa de Alves et al. (2010a) foi resulta-

do de um projeto desenvolvido em parceria

com o Centro de Estudos da Metrópole (CEM –

Cebrap) e a Coordenadoria de Observação da

Terra do Instituto Nacional de Pesquisa Espa-

ciais (OBT-Inpe). O objetivo do trabalho é fazer

uma análise, em escala intraurbana, das inter-

relações entre processos de expansão urbana

e situações de vulnerabilidade socioambiental

do distrito de Cidade Tiradentes e seu entorno,

no extremo leste do município de São Paulo.

Desenvolvida no período de 2000 a 2006,

considerando as dimensões sociais e ambien-

tais das dinâmicas de urbanização que estão

ocorrendo na região hiperperiférica metropoli-

tana de São Paulo, o foco da pesquisa recai nos

processos de expansão urbana e nas situações

de vulnerabilidade socioambiental, tendo como

pressuposto que a presença de populações de

baixa renda em áreas sem infraestrutura, ser-

viços urbanos e com risco de degradação am-

biental podem gerar novas situações de vulne-

rabilidade socioambiental.

A metodologia utilizada para o desenvol-

vimento da pesquisa partiu do levantamento

cartográfico das áreas de risco socioeconômico

da população, considerando estudos anterio-

res baseados no Censo Demográfico do IBGE

2000, que já haviam determinado as áreas de

alta vulnerabilidade social (para fins deste es-

tudo as áreas de baixa vulnerabilidade social

foram descartadas). Em seguida, foi feito um

cruzamento dessa população com as áreas

de alta e baixa vulnerabilidade ambiental,

considerando nesta dimensão o tipo de uso

do solo urbano como: assentamentos precá-

rios ou não, favelas, conjuntos habitacionais,

residencial consolidado, áreas urbanizadas e

loteamentos irregulares. Em seguida, fez-se

o cruzamento dos dados através de análise

quantitativa – em termos de área e percenta-

gem de área – da inserção da população de

alta vulnerabilidade social nas áreas de baixa

e alta vulnerabilidade ambiental.

Os resultados são apresentados num

quadro que mostra uma classificação tipoló-

gica de uso do solo urbano em três tipos: as-

sentamentos não precários – constituído de

conjunto habitacional e residencial consolida-

do; assentamentos precários – constituído de

favelas e loteamentos irregulares; e áreas ur-

banizadas – constituídas de indústrias, comér-

cios e instituições. Essas áreas são classificadas

percentualmente e em número de quilômetros

quadrados, em dois tipos de vulnerabilidade

socioambiental: baixa e alta.

O diagnóstico é feito pela comparação

evolutiva da mesma área em períodos diferen-

tes, baseado nas percentagens do crescimen-

to de assentamentos não precários, precários

e da área urbanizada, confrontados com as

áreas de baixa e alta vulnerabilidade ambien-

tal, sendo considerada a mais crítica aquela

que apresenta um crescimento de assentamen-

tos precários em áreas de alta vulnerabilidade

Page 247: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 247

ambiental. Os resultados são visualizados em

mapas cartográficos.

Metodologia de Alves

A pesquisa de Alves et al. (2010b) foi desen-

volvida, no contexto urbano do Litoral Paulis-

ta, formada de 16 municípios, para identificar

áreas com alta vulnerabilidade às mudanças

climáticas, permitindo assim a construção de

indicadores em escala desagregada, que repre-

sentem as dimensões da vulnerabilidade – sus-

ceptibilidade e exposição ao risco ambiental –

com a integração de dados socioeconômicos,

demográficos e ambientais. A pesquisa parte

da hipótese de que os problemas recorrentes ,

associados a eventos extremos causados pe-

la mudança climática, estão relacionados a

ocupa ções irregulares em encostas ou nas

margens dos corpos de água, falta de abasteci-

mento de água potável para toda a população

e falta de saneamento básico.

A pesquisa explora a relação entre popu-

lação e meio ambiente, buscando a identifica-

ção e caracterização das áreas de maior risco e

dos grupos populacionais mais vulneráveis às

mudanças climáticas nas áreas urbanas, utili-

zando conjuntos específicos de variáveis socio-

econômicas e ambientais.

O procedimento estatístico adotado co-

mo técnica de análise foi baseado na estima-

tiva da densidade de Kernel, que é um método

não paramétrico para estimação de curvas de

densidades, em que cada observação é ponde-

rada pela distância em relação a um valor cen-

tral, o núcleo. A ideia é centrar cada observação

“x” onde se queira estimar a densidade, uma

janela “b” que define a vizinhança de “x” e os

pontos que pertencem à estimação, ou seja, é

uma técnica de análise espacial que se baseia

na criação de superfícies de densidade.

Essa estimativa é apropriada para posi-

ções de dados individuais; entretanto, pode-se

adotar esta técnica se o interesse é mostrar re-

giões menos fragmentadas de um determinado

evento ou conjunto de eventos (Alves, 2010b).

O método pode ser descrito da seguinte

forma: se “s” representa uma localização qual-

quer numa região “R” e “s1”, ..., “sn" são as

localizações dos “n” eventos observados, en-

tão a intensidade λ(s), é estimada por:

em que “k” é uma função de densidade biva-

riada escolhida, conhecida como Kernel, e T o

raio de influência. Para isso, foi considerada ca-

da unidade de setor censitário como unidade

de análise, na qual foi estimada a densidade

de eventos segundo o centróide de cada setor

censitário. Assim, a distribuição de eventos foi

transformada em uma superfície contínua de

vulnerabilidade socioambiental no litoral pau-

lista, onde as áreas mais vulneráveis são indi-

cadas pelas zonas de cores mais escuras nos

mapas cartográficos.

Metodologia de Almeida

O estudo desenvolvido por Almeida (2010) tra-

ta de pesquisa que explora as vulnerabilidades

socioambientais de rios urbanos na Região Me-

tropolitana de Fortaleza/CE. Esse estudo parte

da hipótese de que há uma coincidência entre

Page 248: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014248

espaços susceptíveis a processos naturais pe-

rigosos, neste caso inundações, com espaços

da cidade que apresentam os piores indicado-

res sociais, econômicos e de acesso a serviços

e infraestrutura urbana. Teve como objetivo

analisar os riscos e as vulnerabilidades socio-

ambientais de rios urbanos no Brasil, tendo a

bacia hidrográfica do Rio Maranguapinho, lo-

calizada na Região Metropolitana de Fortale-

za – RMF, Ceará, como área de estudo de caso

para compreensão das interrelações das vulne-

rabilidades sociais e exposição aos riscos natu-

rais, principalmente as inundações.

Essa pesquisa foi desenvolvida em 2010

e chegou-se um índice de vulnerabilidade so-

cioambiental através da sobreposição de dois

índices: de vulnerabilidade social e de vulne-

rabilidade físico-espacial às inundações. Des-

sa forma, foram utilizados dados secundários

do IBGE do Censo Demográfico de 2000, de

acordo com variáveis que caracterizam am-

plas dimensões e desvantagens sociais e que

correspondem a fatores recorrentes utilizados

pelas ciências sociais.

A pesquisa trabalha com dois tratamen-

tos diferenciados de acordo com a dimensão

pesquisada: social e ambiental. No tratamento

fornecido à dimensão social, foi realizada uma

compilação através da junção de duas ou mais

variáveis do Censo 2000, resultando, de 59 in-

dicadores, apenas 21.

Para análise estatística dos dados, ini-

cialmente realizou-se análise fatorial das variá-

veis. O procedimento é uma técnica estatística

multivariada que, de acordo com a estrutura

de dependência existente entre as variáveis de

interesse (matriz de correlações ou covariân-

cias entre as variáveis), permite a redução

da quantidade de variáveis para fatores que

explicam um percentual representativo da va-

riabilidade total das variáveis em estudo. Nes-

ta pesquisa, os resultados da análise fatorial

basearam-se na matriz de correlação entre as

respostas dos itens.

Após a determinação das cargas fato-

riais de cada indicador, foi estimado para ca-

da setor censitário o valor correspondente de

cada fator, sendo possível verificar a situação

desses setores em relação à vulnerabilidade

associada aos quatro fatores descritos a se-

guir: a) fator 1 – está relacionado à vulnera-

bilidade decorrente da educação; b) fator 2 –

está relacionado à vulnerabilidade decorrente

das condições de infraestrutura e habitação;

c) fator 3 – relacionado à vulnerabilidade em

virtude do contingente populacionalde idosos

(maiores de 64 anos); e d) fator 4 – relaciona-

do à vulnerabilidade decorrente do contingen-

te populacional de jovens (faixa etária de 10 a

19 anos).

Foi possível, ao final, dividir esses seto-

res censitários de acordo com a média dos fa-

tores sendo esses assim classificados: 1) vulne-

rabilidade social muito alta; 2) vulnerabilidade

social alta; 3) vulnerabilidade social média a

alta; 4 ) vulnerabilidade social média a baixa;

5) vulnerabilidade social baixa; e 6) vulnerabi-

lidade social muito baixa. O intervalo para esse

estudo, das médias dos fatores, ficou compre-

endido entre – 1,01 a 4,94, sendo os valores

maiores os que representam os setores com

maior vulnerabilidade.

Os dados encontrados para a vulnera-

bilidade social foram sobrepostos com os en-

contrados para a vulnerabilidade ambiental,

resultando através do cruzamento dos grupos,

tendo como resultado final seis níveis de vul-

nerabilidade socioambiental: muito alta; alta;

Page 249: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 249

média a alta; média a baixa; baixa e muito

baixa; que podem ser representadas através de

uma matriz.

Os resultados são apresentados através

de mapas com a justaposição dos índices de

vulnerabilidade social e o de vulnerabilidade

ambiental, indicando com as cores para cada

nível o grau da vulnerabilidade socioambiental

ao longo do espaço urbano estudado, mostran-

do ser uma metodologia de fácil visualização

dos resultados, apesar dos longos cálculos para

se chegar aos índices.

Metodologia de Hogan

O estudo de Hogan (2007) foi desenvolvido no

contexto urbano de Campinas-SP, sob o título

A vulnerabilidade social no contexto metro-

politano: o caso de Campinas. A intenção era

aprofundar estudos e pesquisas para proble-

mas urbanos que envolvessem as relações da

população com o ambiente, e na busca do en-

tendimento dos condicionantes – além da po-

breza, da diferenciação das pessoas ou famí-

lias –, estudar a inabilidade de resposta diante

dos riscos.

Nesse trabalho, o autor parte da hipótese

de que há uma coincidência entre espaço sus-

cetível a processos naturais perigosos e os es-

paços da cidade que apresentam os piores in-

dicadores sociais, econômicos e de acesso aos

serviços e infraestrutura urbana, trabalhando

numa linha moderada para analisar as relações

da dinâmica demográfica, em toda sua comple-

xidade, com a mudança ambiental, consideran-

do importante romper os limites impostos pela

questão da população e restringir ou não o pro-

gresso, pois outros aspectos mais importantes

devem ser considerados nessa dinâmica, bus-

cando uma multidisciplinaridade que envolve

o tema da população e meio ambiente.

O trabalho parte de uma tentativa de

sistematizar algumas conclusões a respeito do

sentido e da importância do conceito de vulne-

rabilidade para os estudos urbanos, para, em

seguida, buscar sua aplicação empírica a partir

do uso de dados secundários, no caso, o censo

demográfico de 2000, apresentando como re-

sultado uma divisão da cidade em “zonas de

vulnerabilidade”, cuja importância reside na

possibilidade de identificar, no âmbito intraur-

bano, carências ou vantagens diferenciadas

que, mais além das disponibilidades materiais,

possam dar maior poder de resposta ao con-

junto de dificuldades que a cidade desigual im-

põe a seus habitantes.

Para desenvolvimento de seu estudo,

Hogan vai abordar os conceitos desenvolvidos

por Katzman (1999): capital físico – envolven-

do todos os meios essenciais para a busca de

bem-estar; capital social – inclui as redes de

reciprocidade, confiança, contatos e acesso à

informação; e capital humano – que inclui o

trabalho como ativo principal e o valor a ele

agregado pelos investimentos em saúde e

educação, os quais implicam maior ou menor

capacidade física para o trabalho. Dessa forma

ele classifica seus indicadores de acordo com

essa nomenclatura.

Para cada uma dessas três dimensões de

indicadores, foram realizadas análises fatoriais,

a partir das quais foram obtidos cinco fatores:

dois para o capital físico, um para o capital hu-

mano e dois para o capital social. Através da

interpretação dada aos fatores identificados,

resultante de análise fatorial, é que se pode-

rá analisar e interpretar os resultados obtidos,

Page 250: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014250

particularmente os que se referem aos escores

fatoriais assumidos por cada uma das áreas de

ponderação, chegando ao seguinte resultado:

quanto maior o valor de seu escore, ou seja,

quanto mais próximo de 1, piores serão as con-

dições relativas ao fator do indicador, na “área

de ponderação”.

Essa metodologia apresenta seus resulta-

dos através de mapas cartográficos sobreposi-

cionando as áreas de vulnerabilidade social às

de riscos ambientais, considerando os fatores

quantificados pela metodologia.

Metodologia de Deschamps

Deschamps (2004, 2006) trabalhou inicialmen-

te em sua tese com a vulnerabilidade socio-

ambiental na cidade de Curitiba em 2004. No

entanto, seu trabalho mais significativo nessa

área corresponde a um estudo desenvolvi-

do pelo Grupo de Pesquisa Observatório das

Metrópoles, que comparava a vulnerabilida-

de socioambiental nas metrópoles brasileiras:

São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Por-

to Alegre, Brasília, Curitiba, Recife, Fortaleza,

Campinas, Manaus, Vitória, Goiânia, Belém,

Florianópolis, Natal e Maringá. Desenvolvi-

do entre 2004 e 2009, esse estudo integrou o

Projeto Território, Coesão Social e Governança

Democrática, financiado pelo CNPq – Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-

nológico, sob a coordenação do professor Dr.

Luiz César de Queiroz Ribeiro.

Essa pesquisa está inserida no campo

teórico do meio ambiente e desenvolvimento,

e apresenta os procedimentos para a constru-

ção de tipologias de áreas intraurbanas nas

Regiões Metropolitanas brasileiras, avançando

na determinação de espaços marcados, por

abrigar grupos populacionais socialmente vul-

neráveis e expostos a situações de risco.

Nesse trabalho, a autora parte da hipó-

tese de que a intensa mobilidade intraurbana

faz com que os deslocamentos populacionais,

principalmente de grupos populacionais de

baixa renda, atinjam áreas sujeitas a riscos

ambientais. Assim, parte de uma abordagem

que enfatiza a dimensão social dos problemas

ambientais e considera as famílias ou pessoas

morando numa mesma área como unidade de

referência para o desenvolvimento do estudo.

Para o desenvolvimento desse trabalho

foram utilizados somente dados secundários

disponibilizados pelo IBGE no Censo Demo-

gráfico de 2000, com informações das unida-

des geográficas formadas por agrupamento

mutuamente exclusivo de setores censitários,

obedecendo aos seguintes critérios: 1) tama-

nho, em termos de domicílios e população; 2)

contiguidade, garantindo o sentido geográfico;

e 3) homogeneidade, em relação a um conjun-

to de características populacionais e de infraes-

trutura conhecida.

A metodologia trabalha com três di-

mensões: econômica, social e ambiental,

abordadas na perspectiva de que o risco é um

aspecto negativo e causador de danos a de-

terminados segmentos sociais. Ela mensura a

dimensão ambiental através da inadequação

dos indicadores urbanos, considerando a au-

sência combinada dos três serviços básicos –

esgotamento sanitário por rede geral ou fossa

séptica, água canalizada em pelo menos um

cômodo e coleta de lixo. Ela justifica a esco-

lha desses indicadores, salientando que eles

são fatores que afetam a qualidade de vida

numa perspectiva saudável, sabendo que a

Page 251: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 251

ausência de condições adequadas de sanea-

mento tem importante rebatimento na proli-

feração de doenças.

A tipologia e o agrupamento das áreas

das Regiões Metropolitanas foram obtidos

por dois métodos estatísticos multivariados:

análise fatorial por componentes principais e

análise de agrupamento. A análise fatorial por

agrupamentos avalia as intercorrelações entre

variáveis, com o objetivo de identificar um me-

nor número de fatores que apresentem aproxi-

madamente o mesmo total de informações ex-

presso pelas variáveis originais. Na análise por

componentes principais, calculam-se os auto-

valores e a matriz de correlação entre variáveis

originais e os fatores comuns.

Como resultado, a metodologia apre-

senta um quadro da vulnerabilidade socioam-

biental por meio da leitura cruzada da vulnera-

bilidade social e risco ambiental, mostrando o

resultado em quatro quadrantes, classificados

em: 1) combinação de baixa vulnerabilidade

social com baixo risco ambiental; 2) combina-

ção de baixa vulnerabilidade social com alto

risco ambiental; 3) combinação de alta vulnera-

bilidade social com baixo risco ambiental; e 4)

combinação de alta vulnerabilidade social com

alto risco ambiental.

Os modelos apresentados neste estudo

apontam pontos semelhantes e diferentes nas

abordagens que são significativos e determi-

nísticos para a construção de um quadro de

avaliação da vulnerabilidade socioambien-

tal nos espaços urbanos. Dessa forma, cabe

especificar, entender o campo teórico e os

fenômenos estudados, para comparar os fun-

damentos necessários para uma adaptação à

realidade das diversidades urbanas específicas

do caso brasileiro.

Comparativo das metodologias de vulnerabilidade socioambiental

Devido à conjuntura política e socioeconômica

praticante na maioria nos países latino-ame-

ricanos, os estudos que envolvem a vulnera-

bilidade socioambiental têm considerado os

aspectos socioeconômicos como mais impor-

tantes que os ambientais. Dessa forma, Blaikie

et al. (1996) afirmam que as questões de raça,

sexo, idade, educação, renda e situação de tra-

balho são determinísticas para a condição de

vulnerabilidade, porque incidem diretamente

no poder de resiliência da população.

Os aspectos ambientais, nesse contexto

geográfico latino-americano, são refletidos na

perspectiva do adensamento populacional e

da dinâmica urbana das grandes cidades, que,

devido à interferência dos processos de urba-

nização, direcionam essa camada pobre para

as áreas periféricas ou de proteção ambiental,

como rios e encostas. Não se pode, entretanto,

descartar alguns fenômenos naturais específi-

cos de alguns países latino-americanos como

terremotos, nevascas, vulcões, furacões, dentre

outros, que de modo esporádico e cíclico oca-

sionam danos.

Segundo Abramovay (2002), os estudos

ancorados na vulnerabilidade na América La-

tina foram motivados pela preocupação em

abordar de forma mais integral e completa

não só os fenômenos da pobreza, mas ainda,

as diversas modalidades de desvantagem so-

cial. Tais estudos buscaram observar os riscos

de mobilidade social que afetam a todos, in-

dependentemente de sua classe social, abar-

cando a vulnerabilidade na dinâmica do bem-

-estar social atrelada às dimensões associada

a esse processo.

Page 252: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014252

No Brasil a vulnerabilidade é tratada

utilizando uma sobreposição de riscos tanto

ambientais quanto sociais, considerando que

os riscos sociais se relacionam com aspectos

ligados, dentre outros, a dinâmica social, se-

gregação urbana, injustiças ambientais – os

vulneráveis como vítimas de uma proteção

desigual –, enquanto os ambientais são rela-

cionados às ameaças naturais ocorrentes em

áreas específicas.

Nessa perspectiva teórica, os modelos

brasileiros que estudaram a vulnerabilidade so-

cioambiental mostraram uma evolução em sua

sistematização e ferramentas ao longo do tem-

po. Observa-se que os pioneiros como Hogan e

Deschamps abriram caminhos para esse tipo de

estudo, trabalhando suas metodologias com

enfoque teórico próprio, se mostrando precur-

sores da abordagem.

Consciente da importância desses estu-

dos para o desenvolvimento e aprimoramento

das pesquisas que envolvem a vulnerabilidade

socioambiental, serão analisados cinco mode-

los, comparando os aspectos metodológicos

e seus campos teóricos, buscando uma apro-

ximação entre os mesmos. Considerando seis

aspectos para análise: 1) quanto à característi-

ca do método; 2) quanto ao campo geográfico

de atuação; 3) quanto ao foco das dimensões

mensuradas; 4) quanto às variáveis trabalha-

das; 5) quanto ao tratamento dos dados; 6)

quanto ao vínculo com grupos de pesquisas.

Características do método

Os cinco modelos analisados adotam abor-

dagem dedutiva, em que são testadas as

premissas construídas a partir de pressupostos

derivados de um marco teórico consistente,

testando-os, coletando dados apropriados e

explorando as relações entre medidas que ope-

racionalizam tais conceitos.

Dessa forma, os modelos partem em sua

totalidade, do pressuposto de que o processo

de expansão urbana impulsiona a fixação de

famílias ou grupos populacionais em áreas am-

bientalmente inapropriadas, expondo-as a si-

tuações constantes de vulnerabilidade, porque

esses grupos ficam sem condições socioeconô-

micas de resposta diante das vulnerabilidades

e dos desastres ambientais.

Campo geográfi co de atuação

O campo geográfico dos modelos analisados

por Almeida (2010), Hogan (2007) e Deschamps

(2004) diz respeito a áreas metropolitanas, se

caracterizando como um estudo local focaliza-

do em áreas intraurbanas, buscando a articula-

ção espacial com a economia, a política, a cul-

tura e a dominação socioespacial que o centro

urbano exerce sobre o restante da cidade.

No estudo de Alves (2010a), a análise se

foca no Distrito, reduzindo a área geográfica

estudada para uma região dentro do espaço

urbano – podendo ser chamada de microrre-

gião –, trabalhando sobre o aspecto das tipo-

logias de utilização do solo em áreas urbanas,

tais como: favelas; conjuntos habitacionais

(unifamiliares e multifamiliares) e áreas in-

dustriais/comerciais/institucionais. Analisa,

em escala intraurbana, as interrelações entre

processos de expansão urbana e situações de

vulnerabilidade socioambiental.

Page 253: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 253

Esse modelo pode ser analisado toman-

do-se como referência as teorias de Lefebvre

(1991), que trata da segregação espacial, pro-

curando, em um esforço analítico e empírico,

uma forma de entender esse fenômeno sob

três prismas, ora sucessivos, ora simultâneos:

espontâneos (provenientes das rendas e ideo-

logias) – voluntário (estabelecendo espaços

separados) – programado (sob pretexto de ar-

rumação e plano). No entanto, percebe-se que,

apesar de a pesquisa estudar os espaços urba-

nos produzidos a partir da égide capitalista, em

que existe uma intencionalidade de ocupação

do solo urbano por diferentes camadas sociais,

não enfatiza os processos sociais, nem econô-

micos que vulnerabilizam a população, como

também não relevam na mobilidade social ur-

bana os motivos que trouxeram essa popula-

ção para esse tipo de ocupação.

Dessa maneira, os aspectos relacionados

por Cardona (1997), Abramovay (2002), Lavi-

nas (2002), relativos à exclusão e vulnerabili-

dade social, não são tratados de forma direta,

e, sim, incorporados às tipologias urbanas exis-

tentes na cidade, servindo apenas como meio

de entender a ocupação urbana sob os aspec-

tos únicos da expansão urbana desassociados

dos processos socioeconômicos que vulnerabi-

lizam a população da cidade de Tiradentes.

Alves (2010b) trabalha com 16 cida-

des da faixa litorânea de São Paulo, buscando

analisar a relação entre a vulnerabilidade am-

biental, causada pelas mudanças climáticas, e

o processo de apropriação do espaço urbano,

pelos grupos populacionais mais vulneráveis

socialmente. As variáveis ambientais conside-

radas nesse estudo partem de uma análise ba-

seada nos efeitos ocasionados à natureza pela

ação antrópica. Comparando esse estudo com

o de Micklin (1999), que inclui a degradação

ambiental urbana, entre os grandes desafios

ambientais para a América Latina, observa-se

uma semelhança nas preocupações, mas uma

distinção de enfoque por considerar como res-

ponsabilidade única da degradação a ação do

homem, que invade áreas de preservação, não

considerando, assim, as responsabilidades po-

líticas e institucionais que levam o homem a

essa invasão.

Considerando as teorias de Liverman

(1990), o estudo de Alves (2010b) concentra

esforços na caracterização da população sujei-

ta a risco de desmoronamentos, e considera a

vulnerabilidade como risco do lugar – concei-

to de Cutter (2003) – e como geograficamente

centrada, mas com efeitos diferentes de acordo

com a capacidade de resposta da população.

Observa-se que todos os modelos, ape-

sar do afunilamento do campo geográfico uti-

lizado por Alves (2010a; 2010b), analisam as

áreas urbanas baseados na apropriação do es-

paço por grupos sociais, no processo de trans-

bordamento urbano, considerando as áreas pe-

riféricas e periurbanas.

Dimensões mensuradas

Os estudos latino-americanos que envolvem

a vulnerabilidade socioambiental, tais como

Barrenechea (2000), Moser (1998), Gonzáles

(1998), Blaikie et al. (1996), D´Ercole (1994)

estabelecem que a vulnerabilidade é uma com-

binação de características de um grupo social

derivada de suas condições sociais e econô-

micas relacionadas a uma periculosidade es-

pecífica. Dessa forma, a vulnerabilidade socio-

ambiental precisa interrelacionar a dimensão

Page 254: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014254

socioeconômica da população à dimensão

ambiental dos fenômenos naturais, os quais

podem ameaçar determinados grupos sociais.

Dos cinco modelos estudados, três tra-

balham com duas dimensões: socioeconômica

e ambiental. Em Alves (2010b), Almeida (2010)

e Deschamps (2004), as dimensões valorizadas

recaem no risco socioeconômico, que afligem

grupos ou famílias, sendo as variáveis sociais

tratadas, através de indicadores como: de-

mografia, anos de escolaridade, reprodução,

questão etária, de gênero e quantidade de de-

pendentes; sendo as variáveis econômicas tra-

tadas através de indicadores relativos à renda

e situação de emprego, os quais estão muitas

vezes correlacionados com a questão educa-

cional, e, por fim, os indicadores referentes a

vulnerabilidade ambiental, que recaem sobre a

inadequação construtiva, aspectos de proprie-

dade do imóvel e aspectos da infraestrutura

urbana referentes ao abastecimento de água,

esgoto e coleta de lixo.

O modelo de Hogan (2007) não trabalha

com dimensões, e, sim, com o conceito de ca-

pital social, humano e físico desenvolvido por

Kaztman (1999 ). Alves (2010a) trabalha com

a vulnerabilidade partindo das tipologias ur-

banas, considerando os assentamentos precá-

rios – favelas e loteamentos irregulares como

aqueles com maior vulnerabilidade socioam-

biental devido às características da população

que se alojam nesses espaços – assim prioriza

os aspectos urbanísticos tratados nos estudos

de D´Ercole (1994).

Os modelos de Alves (2010b) e Almeida

(2010) se diferenciam dos outros, porque, no

aspecto das dimensões ambientais, vão enfati-

zar as questões que são consequentes dos ris-

cos relativos às mudanças climáticas. Assim, Al-

ves (2010b) trabalha com os riscos de desmo-

ronamento e Almeida (2010), com enchentes,

se aproximando dos estudos de Barrenechea

(2000) e Gonzáles (1999), as quais trataram

desses mesmos aspectos na Argentina.

Apesar das especificidades na aborda-

gem dos cinco modelos estudados observa-se

que a importância dos indicadores da dimen-

são socioeconômica recai no pressuposto de

que, na sociedade moderna, determinadas

características das famílias limitam a acumu-

lação de recursos. Nesse viés, os indicadores

sociais muitas vezes determinam o nível de

qualidade econômica da família, porque criam

condições de concorrência para o mercado

de trabalho. Assim, as famílias chefiadas por

analfabetos, mulheres, idosos ou adolescen-

tes, estariam em maior vulnerabilidade do

que famílias chefiadas por pessoas com nível

educacional mais alto, do gênero masculino

ou numa faixa etária adulta, porque pressu-

põem condições de rendimento e trabalho

melho res, ratificando os estudos produzidos

por Lavell (2005), Abramovay (2002) e Blaikie

et al. (1996).

Outro aspecto a considerar são os fato-

res que indicam a vulnerabilidade sociodemo-

gráfica relacionada à quantidade de filhos,

agregados, presença de idosos, de jovens e

adolescentes. Esse fator mostra que existe

uma forte correlação com as desvantagens

socioeconômicas as quais pressupõem po-

breza, baixos rendimentos, informalização do

Page 255: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 255

trabalho, não sequência escolar e condições

inadequadas de moradia.

Os processos de exclusão social fragi-

lizam a população de pobres e miseráveis e

influem na capacidade de respostas dos in-

divíduos diante de situação de risco. Nessa

perspectiva, os aspectos sociais da vulnera-

bilidade são de grande importância em um

país onde as injustiças sociais prevalecem

(Abramovay, 2002; Lavinas, 2002; Busso,

2001), onde os direitos de muitos são colo-

cados em segundo plano para favorecer uma

minoria, confirmando a necessidade de con-

siderar a dimensão social da vulnerabilidade

em nosso país. Dessa forma, pode-se quanti-

ficar o nível de utilização da dimensão social

da vulnerabilidade socioambiental no Brasil,

dada pelos modelos estudados, através do

Gráfico 1.

A quantidade em maior número de indi-

cadores sociais e sociodemográficos – 77% – re-

fletem diretamente nos indicadores econômi-

cos, estabelecendo uma relação biunívoca de

causa e efeito, pois as famílias economicamen-

te vulneráveis precisam que jovens contribuam

financeiramente e relevem a educação para um

segundo plano, criando assim um círculo vicio-

so de causa-efeito na propagação da vulnerabi-

lidade das famílias.

Dessa forma, os indicadores econômicos

– 13% – utilizados nas metodologias estão, as-

sim, relacionados com outros aspectos da vul-

nerabilidade relativos ao mercado de trabalho,

ou seja, refletindo a conjuntura econômica do

país, como pessoas sem carteira de trabalho

assinada, condição da desigualdade de gêne-

ro, informalidade do trabalho, renda não pro-

veniente do trabalho e baixos salários.

Gráfi co 1 – Percentual de indicadores por dimensõestrabalhadas nos cinco modelos

Fonte: Elaboração própria (2013).

Indicadores sociais

Indicadores sociodemográfi cos

Indicadores econômicos

Indicadores ambientais

Indicadores da vulnerabilidade socioambiental

Page 256: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014256

Na dimensão ambiental, a importância

dos indicadores recai nos fenômenos ambien-

tais que foram intensificados com as mudanças

climáticas. No caso do Brasil, alguns fenômenos

não fazem parte desse repertório, até o mo-

mento, como furacões, tornados, terremotos,

vulcões, dentre outros. No entanto, o Brasil é

um país rico em bacias hidrográficas e em topo-

grafia, o que gera grandes riscos de enchentes,

deslizamentos, desmoronamentos e vendavais.

Diante dessa realidade, duas metodo-

logias abarcaram esses aspectos, buscando

aprofundar o nível que as vizinhanças próxi-

mas a esses locais sofrem com esses riscos.

Alves (2010b) vai trabalhar com os riscos de

deslizamentos, buscando os indicadores de

altimetria e declividade, e Almeida (2010) vai

trabalhar com os riscos de enchentes, através

do tempo de retorno das cheias dos rios.

A metodologia de Alves (2010a) buscou,

nas tipologias urbanas, o viés da vulnerabili-

dade socioambiental, quando associou essas

tipologias – assentamentos precários, não

precários e áreas urbanizadas – aos aspectos

econômicos e de qualidade de vida das famí-

lias moradoras do lugar, fazendo a análise e

considerando apenas os mapas cartográficos.

Em nenhum dos modelos explorados

são utilizadas variáveis que contemplem, em

um único modelo, indicadores mais comple-

tos relativos à dimensão ambiental, mesmo

sabendo-se das condições geográficas brasilei-

ras ricas em relevo e rios. Esses modelos con-

trariam as teorias de Torres e Marques (2001)

que consideram que a vulnerabilidade só pode

ser vista em sua plenitude quando superpon-

do, em termos espaciais, os indicadores socio-

econômicos, com os riscos ambientais e servi-

ços assistenciais, os quais podem nos fornecer

parâmetros para apontar certa deficiência nas

abordagens feitas nos cinco modelos, por não

considerarem em seu conjunto de indicadores

esses aspectos citados, além de outros, que in-

fluenciam o processo de vulnerabilidade.

Considerando o conjunto de indicadores

que compõem a dimensão ambiental, pode-

-se comprovar que houve uma deficiência nas

abordagens, pois apenas 10% dos indicadores

se encontravam nessa dimensão (ver Tabela

1), destacando que esses indicadores só foram

encontrados em duas metodologias das cinco

estudadas, as quais buscavam objetivos dife-

rentes nas pesquisas. Os vendavais não foram

considerados em nenhuma pesquisa, apesar

da maioria das pesquisas serem desenvolvidas

nas regiões Sul e Sudeste, onde a incidência de

vendavais precisa ser considerada, pois fazem

parte do repertório de risco.

Autores como Vignoli (2000), Camara-

no e Gahouri (1999) e Moser (1998) discutem

a possibilidade de uma ciência multidisciplinar

da vulnerabilidade, que possa abarcar diferen-

tes formas de risco a que a sociedade está ex-

posta, cujas conexões entre elas formam uma

malha de causa e efeito, uma sobre a outra,

defendendo que não se pode mais analisar a

vulnerabilidade sobre uma dimensão somen-

te. Diante dessa afirmação, nota-se a fragili-

dade das cinco metodologias aqui expostas,

que não consideram os aspectos ambientais

como determinísticos no processo de vulnera-

bilidade. Esse estudo reconhece que, no país

com tantas desigualdades sociais, os aspectos

socioeconômicos são preponderantes, mas

que os aspectos ambientais também exercem

grande influência para tal processo, pois ser-

vem como um gatilho agravador da vulnerabi-

lidade socioambiental.

Page 257: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 257

As características dos indicadores feitas

pelos autores seguiram os seguintes pressu-

postos: a) utilizam variáveis mensuráveis; b)

são significativos para o enfoque do estudo;

c) são relevantes para as decisões que orien-

tam as políticas públicas; d) são de fácil co-

municação e interpretação; e) permitem um

enfoque integrado e sistêmico; f) são de fácil

obtenção. Além desses critérios, observa-se,

ainda, que a diversidade dos aspectos que en-

volvem a vulnerabilidade leva à necessidade

de abordagens das dimensões e indicadores de

forma abrangente e integrada.

Variáveis trabalhadas

Quatro modelos trabalham com dois tipos de

variáveis. Uma independente, que se refere ao

processo de expansão urbana que impulsiona

a população a se fixar em áreas impróprias a

moradia; e outras dependentes relativas às

questões socioeconômicas e ambientais rela-

cionadas com as famílias ou grupos sociais que

estão condicionadas à variável independente.

Observa-se uma correlação dessas variá-

veis trabalhadas nos cinco modelos brasileiros

com os estudos feitos por D´Ercole (1994), o

qual incorporou em seus estudos sobre a vul-

nerabilidade urbana fatores inerentes ao cres-

cimento populacional que interagem com a

dinâmica urbana.

Tratamento de dados

Os dados são tratados através de duas fer-

ramentas, uma de base estatística e a outra

através da construção e análise de mapas

georreferenciados que especificam as situa-

ções ambientais e socioeconômicas da popu-

lação estudada.

Na análise estatística dos indicadores

sociais e econômicos, em todos os modelos fo-

ram executados três procedimentos: o primei-

ro, de análise multivariada para escolher quais

as variáveis socioeconômicas e sociodemográ-

ficas seriam mais relevantes para estabelecer

uma tipologia das áreas estudadas; a segunda,

de análise fatorial, estudando as intercorrela-

ções internas de um conjunto de variáveis; e

a terceira, buscando uma sumarização dos da-

dos – foi aplicado o método do agrupamento

não hierárquico das k-médias para fazer uma

análise comparativa dos resultados.

As análises das variáveis ambientais são

feitas baseadas em mapas georreferenciados,

que estabelecem as áreas urbanas que apre-

sentam riscos ambientais, utilizando programas

computacionais específicos para cada caso. Em

seguida, os resultados dos dois procedimentos

são cruzados, estabelecendo as áreas que apre-

sentam a vulnerabilidade social cruzada com a

ambiental no mesmo contexto.

Vínculo com grupos de pesquisas

Todos os cinco modelos apresentados fazem

parte de grupos de pesquisas consolidados e

atuantes no Brasil. Alves (2010a; 2010b) está

vinculado ao Centro de Estudos da Metrópole

(CEM-Cebrap); Almeida (2010) está vinculado

ao grupo de pesquisa da UFRN, Dinâmicas Am-

bientais, Riscos e Ordenamento do Território;

Hogan (2007) ao Núcleo de Estudos Populacio-

nais (Nepo) e Deschamps (2004; 2006) ao Ob-

servatório das Metrópoles (ver Quadro 1).

Page 258: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014258

Dessa forma, observa-se que os modelos

apresentados foram contemplados com co-

nhecimentos acadêmicos de seus autores, que

trouxeram suas experiências profissionais pa-

ra o desenvolvimento das teorias e aplicações

feitas em suas pesquisas, contribuindo para a

elaboração do campo teórico e prático da vul-

nerabilidade socioambiental brasileira.

Conclusões

Os cinco modelos foram de grande importância

para servir de base aos estudos da vulnerabili-

dade socioambiental no Brasil, permitindo um

progresso através do uso de novas técnicas e

ferramentas, as quais possibilitaram um diag-

nóstico favorável dos fatores que contribuíam

para vulnerabilidade socioambiental no con-

texto brasileiro, em cada especificidade territo-

rial e temporal considerada.

A dimensão socioeconômica, nos cinco

estudos, foi bem abordada contemplando os

principais aspectos que podem aumentar o

processo de vulnerabilidade das famílias bra-

si leiras, sendo um caminho de diagnóstico e

podendo ser abordada em qualquer localida-

de geográfica brasileira, pois contempla a rea-

lidade socioeconômica comum em todos os

estados e cidades, pois esse tipo de problema

é consequência de uma situação genérica na-

cional, ou seja, de falta de políticas públicas

nacionais voltadas para um planejamento em

longo prazo que busque erradicar a pobreza de

forma nacional e integrada.

Esta pesquisa assinala para a necessi-

dade de uma evolução nos procedimentos e di-

mensões utilizados, se justificando pela neces-

sidade de uma padronização sistemática que

permita uma análise mais profícua sobre os as-

pectos específicos a serem considerados sobre

nossa realidade, não devendo ser descartada a

Quadro 1 – Comparativo dos Modelos

CaracterísticasModelos

Alves (a) Alves (b) Almeida Hogan Deschamps

Característicasdo método

Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo

Campo geográfi code atuação

Micro urbano (distrito)

Micro urbano(litoral)

Cidade Cidade Metrópoles

Dimensões mensuradas

Socioeconômicae ambiental

Socioeconômicae ambiental

Socioeconômicae ambiental

Capital físico, social e humano

Socioeconômica

Variáveis trabalhadasVariáveis embutidas

nas tipologias urbanas

Variável independentee dependente

Variável independentee dependente

Variável independentee dependente

Variável independentee dependente

Tratamento de dados GeorreferenciamentoGeorreferenciamento

e estatísticaGeorreferenciamento

e estatísticaGeorreferenciamento

e estatísticaGeorreferenciamento

e estatística

Vínculo com grupos de pesquisas

CEM/Cebrap CEM/Cebrap

Dinâmicas ambientais, riscos e ordenamento do

território/UFRN

Nepo/NesurObservatório das

Metrópoles

Fonte: Elaboração própria (2012).

Page 259: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 259

evolução dos estudos anteriores feitos por es-

ses pesquisadores.

Assim, observa-se a necessidade de

aprimoramento da dimensão ambiental, tra-

tada de forma superficial nos estudos ana-

lisados, e a incorporação de outras variáveis

para abarcar outras dimensões não con-

templadas nesses cinco modelos estudados.

Relacionada às variáveis ambientais, existe

a necessidade de considerar os indicadores

relacionados à exposição de risco naturais

existentes nos espaços urbanos do Brasil: en-

chentes, desmoronamentos, deslizamentos,

vendavais, chuva de granizo e ciclones, pois

o estudo direcionado a uma só dimensão do

risco ambiental – como os estudados por Al-

ves (2010b) e Almeida (2010) – desconsidera

a existência de outras ameaças que podem

ocorrer no mesmo contexto geográfico, e, pior

ainda, num período temporal próximo, o que

acarretaria uma maior vulnerabilidade.

Observou-se a necessidade de incor-

poração da dimensão psicológica referente à

percepção ambiental, a qual foi desconsidera-

da em todos os modelos brasileiros. Nas refe-

rências teóricas, a percepção ambiental é de

fundamental importância para os estudos de

vulnerabilidade, porque o nível dessa percep-

ção faz diferença em seu poder de mitigação e

resiliência diante dos riscos socioambientais a

que estão expostos.

A percepção ambiental ajuda na forma-

ção cidadã de um sujeito ecológico, a qual

exerce uma função importante no exercício da

cidadania e aguça a capacidade de enxergar o

mundo, quando o sujeito passa a pautar suas

atitudes e suas ações dentro de uma visão de

mundo baseada em princípios socioambien-

tais, o qual estabelece amplo conjunto de prá-

ticas proativas para a conservação da natureza

e melhoria da qualidade de vida.

A dimensão política institucional tam-

bém se apresenta como de grande importância

para o contexto da vulnerabilidade socioam-

biental no Brasil, porque identifica as ações

políticas e administrativas de contenção aos

fatores de riscos que ameaçam as populações,

servindo como termômetro para mensurar as

políticas públicas necessárias para o supri-

mento das necessidades sociais, econômicas,

ambientais e como resposta às revindicações

feitas pela sociedade civil.

Outro aspecto negligenciado, nos estu-

dos analisados, é a especificidade da situação

de vulnerabilidade, pois grupos populacionais

podem estar sujeitos ao mesmo perigo, mas

não apresentem o mesmo risco, por não esta-

rem igualmente em situação de vulnerabilida-

de, assim os indicadores devem ser levantados

através de dados primários que identificam, no

lugar e tempo, as fragilidades das famílias que

estão expostas aos riscos.

Observa-se que os modelos utilizados

abrem espaço para a elaboração de novas

abordagens, no entanto, deixam a desejar,

porque não conseguem abranger outras va-

riáveis que são importantes para o contexto

geográfico e cultural brasileiro, e, quando

aplicadas de forma limitada, não conseguem

contemplar os reais riscos existentes.

Page 260: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014260

Mônica Maria Souto MaiorInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Unidade Acadêmica de Infraestrutura. João Pessoa/PB, [email protected]

Gesinaldo Ataíde CândidoUniversidade Federal de Campina Grande, Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais. Campina Grande/PB, [email protected]

Referências

ABRAMOVAY, M. et al. (2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América La na: desafi os para polí cas públicas. Brasília, Unesco-BID.

ALMEIDA, L. Q. de (2010). Vulnerabilidade socioambiental de rios urbanos: bacia hidrográfi ca do Rio Maranguapinho região metropolitana de Fortaleza-Ceará. Tese de doutorado. Rio Claro, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

ALVES, C. D. et al. (2008). Análise dos processos de expansão urbana e das situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intra-urbana. In: IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS. Anais. Brasília.

ALVES, H. P. et al. (2010a). Dinâmicas de urbanização na hiperperiferia da metrópole de São Paulo: análise dos processos de expansão urbana e das situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana. Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, pp. 141-159.

______ (2010b). Vulnerabilidade socioambiental nos municípios do litoral paulista no contexto das mudanças climá cas. In: XVII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais. Caxambu.

BARRENECHEA, J. et al. (2000). Una propuesta metodológica para el studio de la vulnerabilidad social en el marco de la teoria social del riesgo. In: IV JORNADAS DE SOCIOLOGIA FACULDAD DE CIENCIAS SOCIALES-UBA. Anais. Buenos Aires.

BLAIKIE, P. M.; CANNON, T.; DAVIS, I. e WISNER, B. (1994). Atrisk: natural hazards, people´s vulnerability, and disasters. London, Routledge.

______ (1996). Vulnerabilidad el entorno: social, polí co y económico de los desastres. Puerto Limón, Costa Rica. LA RED – Read de Estudios Sociales en Prevencion de Desastres em América La na.

BUSSO, G. (2005). Pobreza, exclusión y vulnerabilidad social: usos, limitaciones y potencialidades para el diseno de polí cas de desarrollo y de población. San ago do Chile, Cepal/Celade.

CAMARANO, A. A. e GAHOURI, S. (1999). “Idosos brasileiros: que dependência é essa?” In: CAMARANO, A. A. (org.). Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro, Ipea.

Page 261: Cadernos Metrópole 31. -

Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 261

CARDONA, O. D. (1996). “Manejo ambiental y prevención de desastres”. FERNÁNDEZ, M. A. (org.). Ci es at Risk. Puerto Limón, Costa Rica, LA RED/USAID.

CASTEL, R. (1997). A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à “desfi liação”. Cadernos Centro de Recursos Humanos–CRH. Salvador, n. 26, pp. 19-40.

CUTTER, S. L. (2003). Vulnerability to environmental hazards. Progress in human geography. Los Angeles, v. 20, n. 4, pp. 529-539.

D´ERCOLE, R. (1994). Les vulnérabilités des sociétés et des espaces urbanisés: concepts, typologie, modes d´analyse. Revue de Géographie Alpine. Paris, v. 82, n. 4, pp. 87-96.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE (2007). Aspectos conceituais da vulnerabilidade social. Projeto de qualifi cação social para atuação de sujeitos ou grupos sociais na negociação cole va e na gestão de polí cas públicas. Convênio MTE/SPPE/CODEFAT – n. 075/2005 e Primeiro Termo Adi vo.

DESCHAMPS, M. V. (2004). Vulnerabilidade socioambiental na região metropolitana de Curi ba. Tese de doutorado. Paraná, Universidade Federal do Paraná.

______ (2006). Vulnerabilidade socioambiental nas regiões metropolitanas brasileiras. Brasília, Relatório de a vidades do Observatório das Metrópoles. Convênio Ministério das Cidades/ Observatório das Metrópoles/Fase/Ipardes.

FOURNIER, d'A. E. M. (1995). The quan fi ca on of seismic hazard for the purposes of risk assessment.In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON RECONSTRUCTION, RESTAURATION AND URBAN PLANNING OF TOWNS AND REGIONS IN SEISMIC PRONE AREAS. Anais. Skopje.

GONZÁLES, S. et al. (1999). Riesgos en Buenos Aires. Caracterización preliminar. In: SEMINARIO DE INVESTIGACIÓN EL NUEVO MILENIO Y LO URBANO. Anais. Buenos Aires.

HEWITT, K. (1997). Regions of risk. Harlow, Longman.

HOGAN, D. J. et al. (orgs). (1999). Migração e ambiente nas aglomerações urbanas. Campinas, Nepo/ Unicamp.

KAZTMAN, R. et al. (1999). Vulnerabilidad, ac vos y exclusión social en Argen na y Uruguay. San ago do Chile, OIT. (Documento de trabalho, pp. 107).

KAZTMAN, R. (2000). Notas sobre la medición de la vulnerabilidad social. México: BID-BIRF-Cepal. Borrador para discusión. 5 Taller regional, la medición de la pobreza, métodos e aplicaciones. Disponível em: h p://www.eclac.cl/deype/ no cias/proyectos. Acesso em: 2 jun 2012.

KOWARICK, L. (2003). Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil: Estados Unidos, França e Brasil.Revista Brasileira de Ciências Sociais – RBCS. São Paulo, v. 18, n. 51, pp. 61-86.

LAVELL, A. (2000). “Desastres y desarrollo: hacia un entendimiento de las formas de construcción social de un desastre: el caso del Huracán Mitch em Centroamérica”. In: GARITA, N. e NOWALSKI, J. (orgs.). Del desastre al desarrollo sostenible: Huracán Mitch en Centroamérica. BID-CIDHCS.

LAVINAS, L. (2002). Pobreza e exclusão: traduções regionais de duas categorias da prá ca. Econômica. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, pp. 25-59.

LEFEBVRE, H. (1991). The produc on of space. Oxford, Blackwell.

Page 262: Cadernos Metrópole 31. -

Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014262

LIVERMAN, D. (1990).”The regional impact of global warming in Mexico: incertainty, vulnerability and response”. In: SCHMANDT, J. e CLACKSON, J. (orgs.). The regions of global warming: impacts and response strategies. Nova York, Oxford University Press.

MICKLIN, M. (1999). “The ecological transi on in La n American and the Caribbean: theore cal issues and empirical pa erns”. In: BILSBORROW, R. E. e HOGAN, D. J. (orgs.). Popula on and deforesta on in the humid tropics. Liége, IUSSP.

MOSER, C. (1998). La vulnerability framework: reassessing urban poverty reducion stratregies. World development. Grã Bretanha, v. 26, n. 1, pp. 1-19.

SILVEIRA, H. (2010). Estudo da degradação e do impacto socioambiental na Bacia do Córrego Osório, Maringá – Paraná. Revista Geografar. Curi ba, v. 5, n. 1, pp. 176-205. Disponível em: h p:// www.ser.ufpr.br/geografar. Acesso em: 6 jun 2012.

TORRES, H. G. e MARQUES, E. (2001). Refl exões sobre a hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno metropolitano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, pp. 97-128.

VIGNOLI, J. R. (2000). Vulnerabilidad demográfi ca: una faceta de las desventajas sociales. San ago do Chile, Cepal.

Texto recebido em 19/maio/2013Texto aprovado em 8/ago/2013

Page 263: Cadernos Metrópole 31. -

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014

Variações intra e intermetropolitanasda desigualdade de renda racial

Intra- and inter-metropolitan variationsof racial income inequality

Leonardo Souza Silveira Jerônimo Oliveira Muniz

ResumoQual é o diferencial de renda entre brancos e ne-

gros dentro de uma mesma região metropolita-

na? Qual situação coloca o indivíduo em maior

desvantagem: a cor da pele ou o local de resi-

dência? Políticas de mitigação de desigualdades

devem ser universais ou locais? Para responder

esses questionamentos comparamos os salários

de brancos e negros no centro e na periferia de

seis regiões metropolitanas utilizando diferen-

tes recortes geográfi cos. Os resultados obtidos a

partir da PNAD (2008) demonstram que a cor da

pele tem maior impacto no salário predito dos in-

divíduos do que a localização dentro da cidade e

indicam substancial heterogeneidade espacial nos

diferenciais raciais de rendimento.

Palavras-chave: segregação; metrópoles; raça;

desigualdade; renda.

AbstractWhat is the income gap between blacks and whites within the same metropolitan region? What variable puts individuals in greatest disadvantage: skin color or place of residence? Should mitigating policies against inequality be global or local? To answer these questions we compare the wages of blacks and whites living in the center and in the periphery of six Brazilian metropolitan regions. Results from the PNAD (2008) show that the impact of skin color on wages is larger than that of the geographic location within the city. We also show that there is substantial spatial heterogeneity in income differentials by race.

Keywords: segregation; metropolis; race; inequality; income.

Page 264: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014264

Introdução

Desigualdade e segregação raciais são temas

que dialogam entre si. Os diferenciais raciais de

renda e de acesso a ocupações de maior prestí-

gio segmentam o mercado de trabalho a partir

de características adquiridas ao longo do ciclo

de vida – tais como escolaridade, experiência,

idade (Becker, 1962), valores morais e redes de

influência, vulgarmente denominadas capital

social (Bourdieu, 1986), e também característi-

cas atribuídas por terceiros – tais como a ra-

ça, gênero, beleza, saúde, inteligência, riqueza,

origem e etnia (Piore, 2008). Esses atributos

individuais, por serem socialmente percebidos,

dependem das reações de ambientes especí-

ficas a essas características para exercerem

seus efeitos diretos e indiretos e definir como

ocorrerá o acesso de determinados grupos às

posições no mercado de trabalho e à respecti-

va geração de renda. Características atribuídas

são, portanto, sensíveis à resposta do ambiente

no qual se encontram. A localização residencial

desses grupos e a forma como se agrupam e se

distribuem no espaço servem então como uma

variável indutora e reprodutora de desigualda-

des. A segmentação influencia não só o acesso

a serviços públicos, ao capital social e às opor-

tunidades de escolarização e emprego, mas

também afeta a atribuição de características

sociais (como raça ou cor da pele) vinculadas

ao tamanho e dinâmica das desigualdades.

Neste artigo, exploramos a associação

entre segregação residencial e desigualdade

racial, cientes de que a raça de cada indivíduo

não causa nenhum tipo de diferença, mas es-

tá atrelada a mecanismos causadores dos di-

ferenciais entre brancos e negros. Os negros,

por exemplo, concentram-se em zonas de po-

breza intrinsicamente favoráveis à reprodução

de desigualdades. A detecção da concentra-

ção e variabilidade espaciais da desigualdade

racial, entretanto, não a torna menos penosa

para aqueles que a sofrem, mas contribui pa-

ra a mensuração mais precisa dos mecanismos

envolvidos. Sistematizamos o uso da variável

núcleo/periferia de maneira gradual e fragmen-

tada, trabalhando com subamostras diferentes

para os modelos estatísticos utilizados, por re-

gião metropolitana e por grupos raciais (bran-

cos e negros). A intenção é ilustrar a variabili-

dade das desigualdades raciais entre o núcleo

e a periferia, já que é esta dicotomização que

fragmenta um espaço tão heterogêneo como

as regiões metropolitanas brasileiras.

Investigamos, portanto, a associação

entre a localização intrametropolitana e os

diferenciais de rendimentos entre brancos e

negros, atentando-nos à especificidade con-

textual de cada região metropolitana. As se-

guintes perguntas, em particular, norteiam esta

pesquisa: a segregação residencial aumenta ou

ameniza as desigualdades? Quão díspares são

os diferenciais raciais de rendimento entre as

regiões metropolitanas? Sabemos que, em mé-

dia, brancos ganham mais que negros mesmo

depois de controlarmos por heterogeneidades

observáveis e atributos produtivos, mas quais

o tamanho e a variabilidade desse diferencial

quando comparamos áreas metropolitanas

do Brasil? Os diferenciais raciais são, em ge-

ral, mais homogêneos nas periferias que nos

núcleos metropolitanos?

Os resultados mostram a variabilidade

da desigualdade racial tanto do ponto de vista

intra – núcleo e periferia – quanto intermetro-

politano, além de mostrarem onde e quanto as

Page 265: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 265

segmentações raciais e espaciais estão atrela-

das à variabilidade do diferencial de rendimen-

tos entre brancos e não brancos.

O artigo está dividido em quatro par-

tes, além dessa introdução e uma conclusão.

Na primeira, são abordados os estudos acerca

das desigualdades raciais no Brasil e estudos

que evidenciam os impactos de se viver em di-

ferentes locais das grandes metrópoles: há di-

ferenças nas oportunidades de vida, emprego,

participação, escolaridade, entre outros, para

quem vive em regiões mais ou menos centrais

das metrópoles brasileiras? Com isso busca-

mos afinidades entre esses dois escopos teó-

ricos, compreendendo-os como diferentes di-

mensões de desigualdades sociais. Na segun-

da parte, apresentamos os três modelos esta-

tísticos utilizados. Por meio desses, fazemos

uma análise didático-comparativa sobre como

a escolha de modelos de regressão podem vir

a afetar a mensuração das desigualdades en-

tre grupos raciais intra e intermetropolitanos.

A terceira parte discute os resultados obtidos

e tece considerações sobre as incertezas geo-

gráficas e metodológicas envolvidas na men-

suração de desigualdades raciais. A quarta

parte, por fim, aponta as contribuições do ar-

tigo para a área de estudo sobre desigualdade

racial, considerando a segmentação e a segre-

gação residenciais.

Desigualdade racial e segregação residencial no Brasil

Autores anteriores à década de 1950 viam no

Brasil uma sociedade racialmente harmônica

e com desigualdades temporais decorrentes

do período escravocrata (Freyre, 1987 [1933];

Pierson, 1945). A clamada democracia racial,

entretanto, não persiste além do direto ao su-

frágio. Estudos posteriores à década de 1950

demonstram a existência de relações raciais

marcadas pela hierarquia entre brancos e ne-

gros na sociedade brasileira (Fernandes, 2008

[1969]; Hasenbalg, 2005 [1979]; Hasenbalg

et al., 1999) e a sua persistência ao longo do

tempo (Soares, 2008a, 2008b; Osório, 2009).

De fato, as disparidades raciais são reconhe-

cidas como componentes da dinâmica social

brasileira, tendo em vista o atual debate acer-

ca de políticas afirmativas raciais que se justi-

ficam pela redução dessas desigualdades. Es-

tudos sobre diferenciais de rendimento, mobili-

dade intergeracional e inserção no mercado de

trabalho abordam constantemente a desvan-

tagem dos negros em comparação aos brancos

(Soares, 2000; Costa Ribeiro, 2006; Henriques,

2001; Hansenbalg, 2005), sobretudo entre

as classes socioeconomicamente superiores

(Bailey et al., 2013; Costa Ribeiro, 2006). Es-

ses estudos apontam como pretos e pardos se

encontram em condições desfavoráveis em re-

lação aos brancos, seja pela desigualdade de

acesso, de recompensas ou de oportunidades,

mensuradas, por exemplo, por níveis de esco-

laridade, salários ou inserção em posições de

classe (Soa res, 2000; Santos, 2009).

Uma das tradições dos estudos de estrati-

ficação social consiste em se “medir a discrimi-

nação” segundo marcadores sociais como raça,

sexo e etnia. Para isso, a praxe dominante tem

sido observar pessoas com as mesmas carac-

terísticas produtivas (escolaridade, posição no

mercado de trabalho, idade, experiência), que

supostamente justificariam seus salários, e em

Page 266: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014266

seguida assumir que as diferenças remanescen-

tes, não associadas a esses atributos, seriam

oriundas de práticas discriminatórias. Esses es-

tudos compreendem que essas “características

atribuídas” (Piore, 2008) seriam determinantes

na definição salarial dos indivíduos, já que as

mulheres não teriam suas qualificações reco-

nhecidas da mesma forma que o homem, nem

o negro em comparação ao brancos, ou o imi-

grante com relação ao nativo.

Soares (2000), por exemplo, mostra que

homens negros ganhavam, em 1998, R$389,76

a menos que os brancos. Desse diferencial,

8,6% deve-se ao fato de os negros estarem

ocupados em setores ou terem vínculos infe-

riores aos dos brancos, e o restante deve-se a

outras características e processos não obser-

váveis, entre os quais se inclui a habilidade de

mobilização de capital social, a discriminação

e desvantagens acumuladas ao longo do ciclo

de vida (Hasenbalg e Silva, 2003). Coinciden-

temente, ou não, esses pretos e pardos em des-

vantagem estariam concentrados em Estados

mais pobres e fora de regiões metropolitanas.

É preciso estar atento às diferenças re-

gionais quando se deseja mensurar experiên-

cias discriminatórias já que diferenças na com-

posição racial dessas populações

[...] seguramente influenciam as formas de sociabilidade manifestadas em cada uma delas, não apenas do ponto de vista racial, mas também na perspectiva de ou-tras dimensões de desigualdade e trata-mento interpessoal, como classe, gênero e idade, entre outras. (Bastos e Faerstein, 2012, p. 89)

Campante et al. (2004), por exemplo, cons-

tataram que o componente discriminatório

do diferencial de salários no Sudeste é quase

duas vezes e meia maior que no Nordeste, e

tem um caráter “elitista” da discriminação, já

que essa aumenta de acordo com os centis

de renda. Cavalieri e Fernandes (1998) tam-

bém encontraram variações nos diferenciais

de rendimento por raça e gênero em diversas

regiões metropolitanas do Brasil, demonstran-

do a relevância de estudos comparativos que

considerem as especificidades de cada região.

Eles encontraram variações entre os diferen-

ciais de rendimentos entre brancos e não bran-

cos de nove regiões metropolitanas do Brasil,

onde o diferencial na região metropolitana de

São Paulo foi o menor, com brancos receben-

do 9,85% a mais que não brancos, ao passo

que na região metropolitana de Salvador esse

valor é de 53,34%. As desigualdades, por-

tanto, variam de forma regional e situacional,

incorporando características socioeconômi-

cas, culturais e estruturais em cada uma delas

(Wilson, 2009).

A análise intermetropolitana se justifica

pela especificidade das metrópoles, nas quais

encontramos cenários sócio-ocupacionais mar-

cados por dinâmicas distintas. Nos anos 1980,

por exemplo, houve aumento substancial da

pobreza nas regiões metropolitanas do Nordes-

te, aumento médio em Belo Horizonte e no Rio

de Janeiro, e menor em São Paulo e nas me-

trópoles do Sul (Lima, 1999). Ou seja, as estru-

turas econômicas e sociais diferem no espaço,

assim com as desigualdades.

A literatura acerca da segregação nas

metrópoles brasileiras é marcada fundamen-

talmente por trabalhos publicados a partir da

década de 1970 (Maricato, 1977; Bonduki e

Rolnik, 1982), que desencadearam reflexões

sobre a configuração dos espaços metropoli-

tanos no país. Esses seguiam uma abordagem

Page 267: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 267

marxista que apresentava as cidades como

espaços segregados com forte influência do

mercado imobiliário, separadas pelas catego-

rias analíticas de “centro” e “periferia”, sendo

a primeira marcada pela presença de grupos

sociais mais abastados, melhores serviços pú-

blicos e oportunidades de emprego, ao passo

que as periferias teriam características opostas,

marcadas pela violência, pobreza, precariedade

das oportunidades econômicas e urbanísticas,

e como forma de acesso à moradia pelos mais

pobres, apesar de estudos recentes mostrarem

as periferias como locais de maior geração de

empregos (Lago, 2007), com oferta de mora-

dias luxuosas para grupos com maior renda

(Caldeira, 2003) ou mais presentes nas mani-

festações culturais (Andrade e Jayme, 2011).

Contudo, ainda que as periferias tenham

ganhado mais centralidade (social, econômica,

simbólica ou cultural), as metrópoles brasi-

leiras permanecem como centros referenciais

compostos por grupos socioeconômicos mais

altos e as periferias mais pobres (Marques et

al., 2008). Apesar da crescente prevalência e

migração de grupos abastados para a periferia,

isso não “desconfigura” o padrão centro-peri-

feria predominante nas metrópoles nacionais,

nas quais os espaços intrametropolitanos con-

tinuam sendo ocupados de maneira desigual,

com os municípios centrais ocupados por gru-

pos em posições sociais mais elevadas do que

os que vivem nas periferias1 (Caldeira, 2003;

Ribeiro et al., 2011).

As diferenças intrametropolitanas são

consagradas nos estudos sociológicos, princi-

palmente invocando os estudos sobre as inner

cities nos Estados Unidos (Wilson, 1987; 2009).

Segundo Wilson (2009) existem fatores estrutu-

rais e culturais que recaem sob as situações de

pobreza dos negros residentes em áreas degra-

dadas da cidade, contribuindo para a sua per-

petuação. Os fatores estruturais seriam aqueles

relacionados à macroeconomia e às decisões

políticas, que impactam diferentemente os gru-

pos sociais, como em situações de aumento de

desemprego em que os negros são mais afeta-

dos que os brancos. Essas situações se inten-

sificam quando as vagas de emprego se con-

centram em locais distantes das residências de

famílias negras, ou há dificuldade em acessar

essas vagas devido à sua baixa escolaridade.

Os fatores culturais, como crenças e compor-

tamentos, contrapõem negros e brancos, que

se tornam mais rígidos se eles se encontram

separados nos espaços metropolitanos. Contu-

do, esse contexto se distingue do Brasil dada a

localização espacial das inner cities nos centros

das metrópoles norte-americanas, esvaziados

de atividades comerciais e com moradias de-

gradadas, ao passo que no Brasil as periferias

são caracterizadas pela sua localização sim-

bólica (relacionada à pobreza e marginalida-

de), mas também geográfica, nas bordas das

regiões metropolitanas.

Nos Estados Unidos, aliás, os estudos de

segregação residencial estão em grande maio-

ria relacionados à questão racial. Para Wilson

(1987; 2009), a ascensão social de alguns ne-

gros e a consequente mudança para bairros de

classe média negra, ocasionaram uma situação

degradante para aqueles que continuaram

nos guetos (ou inner cities). Ainda nos Esta-

dos Unidos, é possível encontrar estudos que

apontam a dificuldade de negros acessarem o

mercado de trabalho e as barreiras adicionais

quando estes estão em bairros segregados

(Kain, 1992; Alba e Logan, 1993; Alba et al.,

2000; Patillo, 2005).

Page 268: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014268

O mercado imobiliário, em ambos os

contextos – brasileiro e norte-americano – tem

extrema importância. Porém, há diferenças

significativas entre eles. Nos Estados Unidos,

ele é retratado como uma barreira entre os

grupos raciais, seja culturalmente, através de

indisposição entre os grupos, seja por barreiras

institucionalizadas, devido à restrição de crédi-

to, por exemplo.

Nas cidades brasileiras, o mercado imo-

biliário, sob a conivência do poder público, se

desenvolveu de maneira que os pobres foram

expulsos dos centros em direção às periferias,

resultando assim no que chamamos hoje de

estrutura centro-periferia (Guimarães, 1991;

Caldeira, 2003). Essa “dinâmica metropolita-

na” não ocorre de maneira igualitária, mas à

custa de periferias com pouca infraestrutura

urbana, e o baixo custo de seus terrenos se

deve às dificuldades encontradas pelos mora-

dores – como a necessidade de utilizar mais

de uma viagem de ônibus para se chegar ao

trabalho ou a falta de serviços na região.

Segundo a hipótese levantada por Kain

(1968), conhecida como spatial mismatch, a

distribuição geográfica dos empregos e a se-

gregação residencial (principalmente para o

caso norte-americano), funcionam como bar-

reiras para o acesso dos negros ao mercado

de trabalho. A localização geográfica seria,

portanto, acumulada a outras dificuldades

já existentes de ascensão, tais como aquelas

em níveis mais altos de escolaridade, posições

ocupacionais superiores e melhores salários.

Desse modo, a segregação residencial repre-

sentaria mais do que diferenças de condições

de habitação, mas também um empecilho ao

acesso e à permanência no mercado de traba-

lho (Ihlanfeldt, 1994).

Como afirma Lago (2007), a dicotomia

centro-periferia representaria a imagem mais

acabada de uma metrópole desigual. Portanto,

observamos evidências de que, assim como nos

Estados Unidos, também existem nas metrópo-

les brasileiras mecanismos de reprodução da

pobreza dada a concentração de famílias em

situações desfavoráveis no mercado de traba-

lho. Essa configuração da distribuição espacial

da população nas regiões metropolitanas bra-

sileiras é válida devido ao capital social poten-

cialmente homogêneo formado nas periferias

e os impactos disso no acesso a informações

sobre vagas de empregos (Marques, 2010; Gui-

marães et al., 2010).

A noção de capital social que utilizamos

aqui carrega uma noção territorial. Quer dizer,

além da noção teoricamente consolidada por

Bourdieu (1986) e Lin (1999), segundo a qual

o capital social é um ativo que já se encontra

na rede dos indivíduos e varia por classe ou

grupo social, outros autores o incorporaram

aos diferentes espaços nas metrópoles, dando

a ele maleabilidade para variar de acordo com

a rede social do local em que o indivíduo está

inserido. A partir do estudo de Wilson (1987) e

outros que o seguiram abordando o “efeito-

-vizinhança” (Small e Newman, 2001; Andrade

e Silveira, 2011), mostrou-se que a localização

geográfica tem relação com a perpetuação das

condições socioeconômicas. Estar em locais

onde há heterogeneidade social tende a trazer

resultados socioeconômicos favoráveis a seus

moradores, uma vez que a rede social desses

também é heterogênea (Kaztman e Filgueira,

2006; Marques, 2010).2

Pressupomos, então, que haja uma situa-

ção desfavorável para os moradores de perife-

rias em comparação aos moradores de bairros

Page 269: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 269

ou municípios mais centrais. Isso, por sua vez,

atinge brancos e negros diferentemente, de

maneira não aleatória, nem idêntica em todas

as regiões metropolitanas. Em São Paulo, por

exemplo, há uma concentração sistemática de

brancos no centro e negros na periferia (Fran-

ça, 2010). De forma mais ampla, Telles (1992)

conclui que as metrópoles brasileiras, em com-

paração ao padrão norte-americano, têm uma

segregação residencial por raça moderada,

dado que não houve uma segregação extrema

mediada por lei como aconteceu em outros

locais do mundo, principalmente nos Estados

Unidos ou África do Sul. A segregação racial

residencial brasileira não pode ser explicada

somente por fatores socioeconômicos, como

apontam alguns autores, pois ela ocorre entre

grupos raciais do mesmo grupo socioeconômi-

co e aumenta de acordo com as faixas de ren-

da – ou seja, à medida que a renda dos indiví-

duos aumenta eles tendem a se concentrar em

espaços racialmente mais homogêneos (Telles,

1992, 2004).

As desigualdades raciais, portanto, além

de variarem segundo o tempo (cf. Soares, 2008)

e as formas de classificação racial (Bailey et

al., 2013; Muniz, 2010, 2012; Loveman et al.,

2011), também variam conforme o espaço em

que os grupos sociais ocupam, havendo assim

uma permeabilidade entre a estratificação so-

cial, racial e espacial.

A nossa proposta consiste em inserir no

estudo dos diferenciais raciais de rendimento

uma dimensão intrametropolitana e explorar

dados que nos aponte o que ocorre nesse ní-

vel de análise. Seguindo o apontamento suge-

rido por Muniz (2010), o objetivo é explorar a

variação dos diferenciais de rendimento entre

brancos e negros, nas regiões metropolitanas ,

para mostrar que políticas raciais de inclusão

de cunho nacional podem errar o alvo ao des-

considerarem as especificidades das desigual-

dades raciais locais.

O presente trabalho se orienta pela bi-

bliografia abordada ao comparar a desigualda-

de racial em diferentes regiões metropolitanas

(Cavalieri e Fernandes, 1998; Silva, 1999) e traz

novas evidências para esse tipo de estudo ten-

do em vista as seguintes perguntas: o diferen-

cial de rendimentos entre brancos e negros é

semelhante entre as regiões metropolitanas?

Qual fator tem maior influência nos diferen-

ciais de rendimentos, cor da pele ou local de

moradia? O diferencial é o mesmo no núcleo e

na periferia das metrópoles brasileiras? E quão

sensíveis são as nossas conclusões sobre o ta-

manho da desigualdade racial em função do

nível de agregação utilizado na construção dos

nossos modelos estatísticos?

Dados e métodos

Este trabalho utiliza a PNAD – Pesquisa Na-

cional por Amostra de Domicílios de 2008

trabalhada pelo Observatório das Metrópoles,

que tem o acréscimo das variáveis “núcleo” e

“periferia”. São compreendidos como “núcleo”

os chamados municípios-polo de cada região

metropolitana e, como periferia, os demais mu-

nicípios que as compõem.3 A amostra da PNAD

tem representatividade em nível metropolitano

e abrange todo o país.

O recorte por regiões metropolitanas se

deve ao fato de essas serem aglomerados com

grande concentração econômica, social, políti-

ca e cultural que, ao mesmo tempo, resultam

Page 270: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014270

em profundas desigualdades internas (cf.

Ribeiro et al., 2011). A variável núcleo/peri-

feria permite testar se a condição de inserção

e remuneração dos indivíduos no mercado de

trabalho varia em nível intrametropolitano. Fo-

ram selecionadas seis regiões metropolitanas

representativas no cenário nacional quanto

à composição racial da população: São Pau-

lo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, com maioria

branca; Belo Horizonte, com 61% de não bran-

cos;4 Salvador e Recife, por sua importância

no nordeste brasileiro e pela sua composição

predominantemente não branca. Desse modo,

tem-se uma amostra de regiões diversificadas

conforme a localização no cenário nacional e a

composição racial.

A Tabela 1 mostra a composição das

regiões metropolitanas segundo o número de

municípios que se encontram no núcleo e na

periferia, e a composição racial predominante

nesses dois locais. A composição racial per se

não é um indicativo de dinâmicas intrametro-

politanas, mas está relacionada à organização

política ou de conflitos entre os grupos. Po-

de indicar, por exemplo, onde houve maior

fluxo de escravos ou da imigração europeia

(Hasenbalg, 2005).5 Como nos interessa co-

nhecer o diferencial de rendimentos dos

indivíduos no mercado de trabalho, utilizamos

o “logaritmo natural do salário por hora traba-

lhada” como variável dependente. A variável

que representa o salário mensal foi dividida

pelo número de horas trabalhadas pelos indi-

víduos, orientando-nos pelo salário mínimo de

R$415,00 em 2008.

As variáveis independentes são repre-

sentativas da dinâmica do mercado de traba-

lho, ou seja, variáveis associadas à definição

salarial dos indivíduos como a posse ou não

de carteira de trabalho assinada, sexo, esco-

laridade (entre 0 e 15 anos de estudo), idade

e idade ao quadrado, para captar o declínio

salarial na renda de indivíduos com idades

avançadas. A variável raça, originalmente

composta por cinco categorias, foi categoriza-

da da seguinte maneira: os brancos continua-

ram com seu formato, ao passo que pardos

e pretos foram agrupados por terem rendas

médias estatisticamente iguais, e indígenas

e amarelos foram excluídos devido ao baixo

número de casos. O estudo utiliza simulações

contrafactuais baseadas na comparação de

Tabela 1 – Dados descritivos da subamostra das regiões metropolitanas,suas composições raciais e intrametropolitanas

Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.

Regiões Metropolitanas

Número de municípios

% Centro % Brancos% Brancos no

Centro% Brancos na

periferiaNúmero de

observações

Recife

Salvador

Belo Horizonte

Rio de Janeiro

São Paulo

Porto Alegre

13

13

34

18

39

31

41,4

81,2

46,7

51,9

57,2

32,3

38,6

15,2

38,8

51,4

58,2

80,1

41,9

15,7

42,6

56,2

60,9

79,1

36,3

13,0

35,5

46,2

54,5

80,5

4.051

4.626

4.106

4.877

6.617

5.803

Page 271: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 271

valores preditos provenientes de três modelos

de regressão de Mínimos Quadrados Ordiná-

rios (MQO) com a mesma especificação, mas

baseados em amostras diferentes. O objetivo

do uso dos três modelos é observar como o

diferencial de rendimentos entre os grupos

analisados se altera quando olhamos para o

diferencial entre e intrarregiões metropolita-

nas brasileiras.

O Modelo 1, que chamaremos de modelo

Global, é composto pelas variáveis independen-

tes descritas acima e por variáveis binárias indi-

cadoras da cor da pele e para cada região me-

tropolitana. Levamos em conta toda a amostra

e permite comparar a renda média de brancos e

negros, entre o núcleo e a periferia, e em cada

metrópole. Essa é a forma de especificação ge-

ralmente utilizada na literatura sociológica para

“levar em conta” os diferenciais regionais de

renda (ex. Silva, 1999). Os resultados eviden-

ciarão que esse modelo mascara desigualdades

regionais por referir-se à média global das dife-

renças de rendimento entre grupos. O modelo

é apresentado, entretanto, para fins didático-

-comparativos.

Para explorar mais a fundo o diferencial

de rendimentos entre brancos e negros no nú-

cleo e na periferia das regiões metropolitanas

utilizamos modelos para amostras mais restri-

tas. No Modelo 2, Metropolitano, são estima-

dos coeficientes para cada região metropolita-

na. Assim, existe uma amostra para os indiví-

duos de cada região, visando captar a associa-

ção entre a renda e as covariáveis de interesse

em cada uma delas. Nesse modelo são levadas

em conta as especificidades e variações entre

as regiões metropolitanas.

Por fim, utilizou-se no Modelo 3, Racial-

-Metropolitano, amostras específicas para ca-

da grupo racial das regiões metropolitanas, re-

sultando então, em doze subamostras. A pro-

posta desse modelo é considerar ao máximo a

especificidade dos grupos raciais, visando tam-

bém comparar o diferencial intermetropolitano

de rendimentos de negros e brancos no núcleo

e na periferia.

Modelo 1

Modelo 3

Modelo 2

Page 272: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014272

A comparação entre os três Modelos

fornece uma dimensão metodológica atrelada

à incerteza envolvida na escolha e na mensu-

ração do diferencial de rendimentos racial e

metropolitano. Ao compararmos os resultados

dos três modelos evidenciamos a variabilidade

do diferencial de rendimentos entre brancos e

não brancos existente em diferentes níveis de

agregação geográfica.

Para fins analíticos e comparativos,

utilizamos os valores preditos dos salários

de brancos e negros no núcleo e na periferia

das regiões metropolitanas. Apresentamos

os resultados comparando os salários predi-

tos ao invés dos coeficientes, para facilitar a

compreensão do que está sendo estudado. Os

coeficientes de cada modelo se encontram no

apêndice. Os salários preditos são calculados a

partir de “tipos ideais” com as características

mais prevalentes na amostra. Esse indivíduo

típico é do sexo masculino, tem carteira assi-

nada e idade e escolaridade médias, de forma

que possamos isolar nossas variáveis-chave:

núcleo e periferia.

Resultados

As perguntas que buscamos responder nes-

te estudo se baseiam no diferencial de rendi-

mentos entre brancos e negros, mas também

em quanto esse varia entre e internamente

às regiões metropolitanas. Consideramos

importante a comparação entre as regiões

metropolitanas, mas também dentro delas, to-

mando como preceito que as metrópoles são

ocupadas desigualmente pelos grupos sociais.

Tabela 2 – Rendimento mensal médio observadonas regiões metropolitanas, em reais

Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.

Regiões Metropolitanas

Média salarial (R$)(Desvio-padrão)

Brancos (1) Negros (2)Razão dos rendimentos

(1)/(2)

Recife729,12

(1057,42)924,93

(1298,53)605,85

(849,56)1,52

Salvador807,26

(1079,31)1468,24

(1917,37)688,62

(788,93)2,13

Belo Horizonte911,41

(1141,01)1171,92

(1476,15)746,27

(698,81)1,57

Rio de Janeiro1060,97

(1366,80)1316,60

(1706,16)790,79

(790,30)1,66

São Paulo1162,67

(1812,41)1384,30

(1634,06)854,30

(1994,47)1,62

Porto Alegre1012,54

(1278,46)1086,55

(1392,23)715,39

(551,91)1,51

Núcleo1101,00

(1671,27)1462,54

(1871,99)778,92

(1392,74)1,88

Periferia829,78

(919,93)970,20

(1127,73)678,43

(586,16)1,43

Page 273: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 273

Figura 1 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros, e entre os moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas

(Modelo Global)

Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.

Observando dados descritivos sobre a

renda dos indivíduos presentes na amostra

em estudo, verificamos diferenças nos salários

médios entre brancos e negros em cada região

metropolitana, e entre os municípios centrais

e periféricos. Observamos essas diferenças na

Tabela 2.

A maior desigualdade salarial encontra-

-se em Salvador, onde o salário mensal médio

dos brancos é 113% maior que o dos negros.

Em Porto Alegre, esse diferencial é de 51%.

Como forma de fazer as comparações conside-

rando as devidas heterogeneidades, os mode-

los de mínimos quadrados ordinários auxiliam

na estimação dos salários dos grupos analisa-

dos. Esses são adequados para comparações

mais fidedignas, controlando as rendas predi-

tas pelas características que podem influenciar

nos diferenciais.

Utilizando os valores preditos do Modelo

1, observa-se que a cor da pele e a inserção re-

gional associam-se ao diferencial de rendimen-

to. Na Tabela 2, o valor do rendimento mensal

predito mantém pouca variação de uma região

metropolitana para outra. Apesar da pouca

variabilidade intermetropolitana do diferencial

de rendimentos entre brancos e negros e entre

núcleo e periferia, o modelo atesta a hierar-

quia centro/periferia e branco/negro.

A Figura 1 mostra que a disparidade dos

rendimentos entre brancos e negros é equiva-

lente nos núcleos e periferias metropolitanas,

Page 274: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014274

ficando em torno de 19% em todas as regiões

metropolitanas. Se comparados à razão do di-

ferencial devido ao “local de moradia”, tanto

brancos quanto negros em quaisquer núcleos

metropolitanos ganham cerca de 10% a mais

do que aqueles que residem nas periferias.

Apesar do diferencial entre brancos e negros

ser superior ao diferencial de rendimentos dos

moradores do centro e da periferia, não há

distinção no diferencial salarial racial entre as

regiões. A inserção metropolitana pouco acres-

centa na diferenciação entre elas. Os modelos

seguintes, entretanto, alteram esses resultados.

O teste de igualdade de coeficientes

demonstrou que esses não eram iguais para

as regiões metropolitanas, exceto para Belo

Horizonte e Rio de Janeiro. O que ocorre, de

fato, é que cada região tem um coeficiente,

estatisticamente distinto, mas as razões são

muito parecidas, diferenciando-se a partir da

terceira casa decimal. Ou seja, o salário pre-

dito de um branco no centro recifense é de

R$820,94 e de um negro, R$688,05. Em São

Paulo, esses mesmos “tipos ideais” têm um sa-

lário predito de R$1.210,07 e R$1.013,37. As-

sim, apesar dos diferentes valores, a razão para

ambas metrópoles é de 19% (1,19).

No modelo Metropolitano, as regiões

metropolitanas já apresentam maiores varia-

ções nas razões dos rendimentos de brancos

e negros, assim como nos locais de moradia.

Apesar de mantido o “formato” da desigual-

dade, ou seja, quem ganha mais e quem

ganha menos, a intensidade do diferencial

se modifica abruptamente em comparação

ao modelo anterior. A Figura 2 apresenta os

Figura 2 – Renda predita por raça e localizaçãodas seis regiões metropolitanas – 2008

Page 275: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 275

diferenciais de rendimento constatados entre

os negros ou brancos que se encontram no

núcleo ou na periferia quando o segundo mo-

delo é utilizado.

O modelo Racial-Metropolitano, quan-

do comparado ao segundo modelo, também

apresenta diferenciais maiores entre brancos

e negros, quando esses estão em uma mesma

região metropolitana. Essa variação de um

modelo para outro é grande, se considerarmos

que o diferencial dobrou ou mais que dobrou

em muitos casos. Por exemplo, em São Paulo,

o diferencial entre brancos e negros, no nú-

cleo, que era de 21% no modelo Metropolita-

no, passa para 47% no Racial-Metro politano.

Em Porto Alegre, o hiato racial na periferia

pas sou de 15% para 39% dependendo do mo-

delo utilizado.

Os três modelos apresentaram seme-

lhanças, quando observamos que a “ordem”

do diferencial foi mantida, por exemplo, Sal-

vador teve a maior razão branco/negro em

todos eles, ou Belo Horizonte e Rio de Janeiro

tiveram o maior diferencial núcleo/periferia.

No Modelo Global, apesar das regiões metro-

politanas não apresentarem diferenças signifi-

cativas, em todas foram atestados um diferen-

cial entre brancos e negros, e entre núcleo e

periferia, com valores muito próximos à média

dos demais modelos. Contudo, nesse primeiro

Figura 3 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros,e entre moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas

(Modelo Metropolitano)

Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.

Page 276: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014276

modelo não foi possível observar diferenças

substantivas quando feita a análise interme-

tropolitana. O Modelo Metropolitano demons-

trou variação intermetropolitana nas razões

dos salários. A partir desse, ficaram explícitas

tendências e diferenciações entre as cidades

estudadas, por exemplo, quais tinham estru-

turas urbanas mais rígidas,6 em comparação a

outras que tinham hierarquias por cor de pele

mais fortes. Porém, nesse modelo as razões de

diferencial entre brancos e negros encontradas

no núcleo se repetiam na periferia, assim co-

mo o que acontecia nas razões de brancos no

núcleo e brancos na periferia, ou para os ne-

gros. De fato, há diferenças na intensidade das

razões encontradas entre eles, mas não nos

caminhos e apontamentos de cada um deles.

Eles não são contraditórios entre si, apenas

expõem dados que são geograficamente mais

enfáticos que outros.

Figura 4 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros,e moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas

(Modelo Racial-Metropolitano)

Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.

Page 277: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 277

Os salários preditos apresentados para

Salvador também tiveram mudanças conside-

ráveis, apesar da variação segundo o local de

residência permanecer muito baixo. Para os

brancos localizados no centro, seus salários

preditos são 8% maiores, enquanto para os ne-

gros não há diferença significativa. A variação

conforme a cor da pele, por sua vez, foi incre-

mentada de maneira substancial. Assim como

no modelo anterior, Salvador permanece com a

maior razão entre salários preditos de brancos

e negros. Porém, o diferencial de 35% favorá-

vel aos brancos no modelo anterior passa para

71% no centro e 56% nas periferias ao consi-

derarmos o Modelo Racial-Metropolitano.

As regiões que apresentaram no Mode-

lo Metropolitano uma estrutura socioespacial

com maiores impactos nos rendimentos predi-

tos, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, mantêm

essa posição no Modelo Racial-Metropolitano.

No modelo anterior, porém, a renda predita cal-

culada para os negros residentes do núcleo me-

tropolitano era equivalente à de um branco na

periferia, o que não ocorre no Modelo Racial-

-Metropolitano. Nesse, a associação estatística

entre renda e cor da pele é superior àquela da

variável núcleo-periferia, e os núcleos se mos-

tram territórios mais diferenciadores do que as

periferias, algo que não havia sido tão explici-

tado no segundo modelo.

Discussão

Atentando-nos às hipóteses elencadas, inferi-

mos que o diferencial de rendimentos é favo-

rável aos brancos e varia consideravelmente

entre as regiões metropolitanas, o que não é

novidade e já foi mostrado em trabalhos an-

teriores (Cavalieri e Fernandes, 1998; Lima,

1999). Os resultados do terceiro modelo, po-

rém, demonstram outra faceta das dimensões

metropolitanas e raciais: há variações intrame-

tropolitanas na “intensidade” do diferencial

entre brancos e negros.

Seguindo as perguntas que nortearam

este estudo exploratório, verificamos que a re-

lação entre os grupos raciais é mais desigual

nos centros metropolitanos. Esses resultados

foram invariáveis nas nossas subamostras. As

periferias são predominantemente mais pobres

e homogêneas que os núcleos, pelo menos ra-

cialmente. Brancos e negros nas periferias são

socioeconomicamente mais parecidos que nos

centros, se assemelhando em condições desfa-

voráveis, mas não na ascensão social.

Em consonância com a hipótese do

spatial mismatch observamos que, de fato, os

que residem em municípios periféricos apre-

sentam considerável desvantagem de renda em

relação aos que vivem no centro, ainda que na

periferia as desigualdades raciais sejam meno-

res. Os centros têm salários e composição ra-

cial branca acima da média. Estar na periferia,

portanto, implica não só rendimentos inferiores

aos dos brancos, mas também rendimentos ab-

solutamente menores, configurando assim uma

situação de dupla desvantagem para os que ali

se encontram.

Comparando regiões metropolitanas, te-

mos Recife e Salvador com situações opostas

e extremas no que concerne à razão dos rendi-

mentos raciais. Essas nos dão espaço para des-

bancar generalizações regionais, que compa-

ram as macrorregiões, e também para refutar a

hipótese de Fernandes (2008), segundo a qual

as desigualdades raciais seriam superadas na

Page 278: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014278

medida em que o país se modernizasse a partir

da industrialização e da racionalização crescen-

te do mundo. Se a hipótese de Florestan e seus

ex-alunos fosse irrefutável, não observaríamos

o maior e o menor diferencial racial de renda

em áreas do Nordeste, conhecidamente menos

desenvolvidas economicamente.

Comparando entre metrópoles, reafir-

ma-se a ideia de que uma composição racial

majoritariamente negra não ameniza o dife-

rencial, pois Salvador teve diferenciais favo-

ráveis aos brancos maiores que Porto Alegre,

por exemplo, onde a maioria é autodeclarada

branca. No caso específico de Salvador, os re-

sultados são coerentes com o clássico estudo

de Pierson (1945), que mostra como os bran-

cos soteropolitanos ocupam posições mais

prestigiadas que os negros, independente de a

maioria da população ser negra. Mesmo diante

do histórico de militância do movimento negro

em Salvador, não houve melhoria ou redução

das desigualdades raciais. Entre o centro e a

periferia de Salvador, não houve diferenças es-

tatisticamente significativas nas desigualdades

raciais observadas.

Qual seria a importância da cor da pe-

le vis-à-vis à localização intrametropolitana?

Os resultados obtidos demonstram que a cor

da pele tem maior impacto no salário predito

dos indivíduos do que a localização dentro da

cidade. De fato, a razão do diferencial de ren-

da é maior para brancos e negros do que para

residentes no núcleo ou na periferia. Contudo,

a variável núcleo/periferia é estatisticamente

significante na maioria das regiões, de modo a

não ser desprezada. Como chamam a atenção

Campante et al. (2004), as análises nacionais

ocultam uma série de variações regionais, que

podem ter implicações para políticas públicas

locais. Demonstramos que, de fato, há signifi-

cância entre a diferenciação centro/periferia. A

conclusão que se segue é que a intensidade da

desigualdade que se deve a um ou outro fator

(localização geográfica ou cor da pele) varia

consideravelmente por região metropolitana.

Em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro,

o diferencial de rendimentos para brancos e

negros no centro e na periferia são muito pare-

cidos, pois os brancos ganham 15% a mais que

os negros no núcleo e na periferia da capital

mineira, e 17% na capital fluminense. Porém, a

peculiaridade dessas duas regiões se encontra

quando comparamos as razões à de aspecto

territorial. Nesse aspecto, essas duas cidades

apresentam diferenciais médios de rendimen-

tos entre centro e periferia maiores do que nas

demais metrópoles. A literatura, inclusive, cha-

ma a atenção para a segregação nessas duas

metrópoles, com centros elitizados e perife-

rias pobres, o que é condizente com o que foi

encontrado.7 Portanto, o diferencial de renda

entre moradores do centro e da periferia, e pa-

ra negros e brancos é muito parecido, ao con-

trário de outras regiões em que o diferencial

por raça era visivelmente maior. Esse ponto é

importante para mostrar que a desigualdade é

distinta entre as regiões metropolitanas. Isso

pode corroborar as ideias de alguns autores

que mostram Belo Horizonte e Rio de Janeiro

como metrópoles segregadas, com municípios

do entorno mais pobres (Marques et al., 2008;

Andrade e Mendonça, 2010). Em São Paulo,

por exemplo, já se vê um espraiamento dos

grupos, através dos condomínios fechados nas

periferias, mesmo que não haja grande intera-

ção entre esses (Caldeira, 2003).

Page 279: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 279

Os resultados sugerem que fatores espe-

cíficos (quiçá culturais) a cada região metropo-

litana contribuem para explicar a variabilidade

existente entre elas, tanto no que concerne ao

diferencial geral, quanto internamente entre

centro e periferia. Entretanto, se as especifici-

dades têm papel importante na explicação dos

resultados de cada uma, ambas as divisões têm

hierarquias demarcadas: brancos com melhores

resultados que negros, assim como centro me-

lhor que periferia. Portanto, a separação entre

centro e periferia é uma possibilidade explicati-

va da intensidade dos diferenciais.

Considerações fi nais

Os estudos sobre desigualdade racial, e mais

especificamente sobre os diferenciais de ren-

dimento, buscam trazer variáveis que expli-

cam os ganhos médios dos grupos raciais. Em

geral, o que essas variáveis não conseguem

explicar é atribuído à discriminação na defi-

nição salarial. Contudo, admite-se também

a existência de fatores não observados que

podem influenciar os diferenciais. Nossos re-

sultados elucidam que existem segmentações

que aumentam ou diminuem o diferencial.

Mostramos que a segmentação territorial é

uma forma de interação com a variável racial.

Isso tem implicações relevantes para as políti-

cas públicas mitigadoras de desigualdades já

que a segregação residencial está associada à

qualificação (principalmente escolaridade) e

à angariação de capital social (Flores, 2006;

Andrade e Silveira, 2011).

Este trabalho utilizou-se de três modelos

que possibilitaram fazer inferências teóricas

e metodológicas. No aspecto metodológico,

explicitamos como a escolha de modelos esta-

tísticos pautados por distintos níveis de agre-

gação geográfica amostral é capaz de ressaltar

maiores intensidades das dinâmicas que se

busca mensurar, mesmo quando a direção das

associações constatadas em cada um deles é

a mesma. Eles não apresentaram resultados

contraditórios entre si, mas corroboraram a in-

tensidade das diferenças médias entre os ren-

dimentos dos grupos raciais investigados.

Nos aspectos teóricos, o trabalho apon-

tou como os diferenciais raciais de rendimentos

variam entre as regiões metropolitanas. A com-

posição racial não se mostrou tão influente na

variação dos diferenciais, tendo em vista que a

ordem das regiões que têm mais brancos não é

necessariamente aquela com maiores diferen-

ciais. Outro resultado reafirmado pelos mode-

los é a “influên cia” da loca lização intrametro-

politana na definição dos rendimentos preditos,

tanto no que concerne a comparação entre

indivíduos de mesma cor – brancos no núcleo

ganham mais que brancos na periferia –, como

entre indivíduo de cores diferentes – o núcleo

se mostrou mais desigual em termos salariais

do que a periferia.

Nossa conclusão, por um lado, corrobo-

ra um resultado prévio já bem estabelecido:

características atribuídas, como a cor da pele,

são fatores-chave na diferenciação salarial.

Por outro lado, a estrutura socioespacial das

cidades brasileiras compreende dinâmicas que

lhe são peculiares, nas quais há hierarquias

definidas do centro para periferia, indepen-

dente da composição racial local. Ou seja, em

todas elas existem estruturas sociais e geo-

gráficas definidas, mas que também têm uma

relação com fatores culturais. Como proposta

Page 280: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014280

exploratória, aprofundamos as possibilidades

de uso da variável centro-periferia. Assim, es-

tudos sobre relações raciais e políticas públi-

cas que visem a mitigação das desigualdades

devem voltar-se às especificidades inter e in-

trametropolitanas para atuarem de forma fo-

cada e eficiente, dando a devida atenção às

desigualdades mais desiguais.

Leonardo Souza SilveiraUniversidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais. Belo Horizonte/MG, [email protected]

Jerônimo Oliveira MunizUniversidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Sociologia, Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais. Belo Horizonte/MG, [email protected]

Notas

(1) Marques et al. (2008) utilizam do Índice de Status Socioeconômico Ocupacional (ISEI) para demonstrar como os grupos sócio-ocupacionais estão concentrados nos municípios das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo de maneira “rela vamente radial, concêntrica e segregada, embora com heterogeneidades localizadas signifi ca vas” (2008, p. 228).

(2) A heterogeneidade das redes sociais é reconhecida como um a vo dos indivíduos, já que eles podem ter maior variedade de informações a par r dessas, ao contrário de redes homogêneas, nas quais o fl uxo de informações e infl uências tende a ser muito parecidos. Veja, por exemplo, a discussão sobre laços fracos apresentada por Granove er (1973) .

(3) Os municípios-polo neste caso são: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

(4) Nas pesquisas censitárias e amostrais, o IBGE se u liza das categorias “preta” e “parda” para coletar a informação sobre raça. Porém, estudos revelam que ao analisar os rendimentos de pretos e pardos provenientes do mercado de trabalho, estes eram esta s camente semelhantes, unindo as duas categorias em uma: negros ou não-brancos. Neste trabalho, com dados da PNAD (2008), os testes de médias indicaram que estas categorias possuem rendimentos estatisticamente iguais, e por isso, elas foram agrupadas. Para uma discussão mais profunda sobre o assunto, ver Silva (1999) e Muniz (2010).

Page 281: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 281

Referências

ALBA, R. e LOGAN, J. (1993). Minority proximity to whites in suburbs: an individual-level analysis of segrega on. American Journal of Sociology, v. 98, n. 6, pp. 1388-1427.

ALBA, R.; LOGAN, J. e STULTS, B. (2000). How segregated are middle-class African Americans? Social Problems, v. 47, n. 4, pp. 543-585.

ANDRADE, L. T. (org.) (2009). Como anda Belo Horizonte. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles.

ANDRADE, L. T. e MENDONÇA, J. G. (2010). Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais. Cadernos Metrópole, v. 12, n. 23, pp. 169-188.

ANDRADE, L. T. e SILVEIRA, L. S. (2011). Explorando o efeito-território. In: XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais. Rio de Janeiro.

ANDRADE, L. T. e JAYME, J. G. (2011). Centro e periferia: refl e ndo sobre seus signifi cados no contexto das grandes cidades. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL. Anais. Curi ba.

BAILEY, S. e TELLES, E. (2006). Multiracial versus collective Black categories: examining census classifi ca on debates in Brazil. Ethnici es, v. 6, n. 1, pp. 74-101.

BAILEY, S.; LOVEMAN, M. e MUNIZ, J. (2013). Measures of “race” and the analysis of racial inequality in Brazil. Social Sciences Review, v. 42, pp. 106-119.

BASTOS, J. e FAERSTEIN, E. (2012). Discriminação e saúde: perspec va e métodos. Rio de Janeiro, Fiocruz.

BECKER, G. (1962). Inves ment in human capital: a theore cal analysis. The Journal of Poli cal Economy, v. 70, n. 5, Part 2, pp. 9-49.

BONDUKI, N. e ROLNIK, R. (1982). “Periferia da Grande São Paulo: reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho”. In: MARICATO, E. (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) do Brasil industrial. São Paulo, Alfa-Ômega.

(5) Bailey e Telles (2006) também apontam que pode haver associação entre a composição racial e a propensão dos indivíduos se declararem em termos ambíguos – como moreno –, na sua autoclassificação. Já no estudo da segregação residencial, Telles (1992) não encontrou associação signifi ca va da imigração europeia.

(6) “Estruturas urbanas mais rígidas” implicam maior diferenciação entre núcleo e periferia. Nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, viver no núcleo metropolitano pode representar um rendimento mensal bem superior do que na periferia, ao passo que em outras essa diferenciação não é tão grande.

(7) Para Belo Horizonte, ver Guimarães (1991), Villaça (2001), Andrade (2009). Para o Rio de Janeiro, ver Marques et al. (2008).

Page 282: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014282

BOURDIEU, P. (1986). “The forms of Capital”. In: RICHARDSON, J. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of educa on. Nova York, Greenwood.

CALDEIRA, T. (2003). Cidade de muros. São Paulo, Edusp/Editora 34.

CAMPANTE, F.; CRESPO, A. e LEITE, P. (2004). Desigualdade salarial entre raças no mercado de trabalho urbano brasileiro: aspectos regionais. RBE, v. 58, n. 2, pp. 185-210. Disponível em: h p://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/rbe/ar cle/viewFile/874/562.

CAVALIERI, C. e FERNANDES, R. (1998). Diferenciais de salários por gênero e cor: uma comparação entre as regiões metropolitanas brasileiras. Revista de Economia Polí ca, v. 18, n. 1 (69).

COSTA RIBEIRO, C. A. da (2006). Classe, raça e mobilidade social no Brasil. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 49, n . 4, pp. 833-873.

FERNANDES, F. (2008). A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo, Globo.

FLORES, C. (2006). “Consequências da segregação residencial: teoria e métodos”. In: CUNHA, J. M. P. da (org.). Novas metrópoles paulistas: população, vulnerabilidade e segregação. Campinas, Unicamp/Nepo.

FRANÇA, D. S. N. (2010). Raça, classe e segregação residencial no município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.

FREYRE, G. (1987). Casa grande & Senzala. Rio de Janeiro, J. Olympio.

GRANOVETTER, M. (1973). The strength of weak es. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 78, n. 6, pp. 1360-1380.

GUIMARÃES, B. M. (1991). Cafuás, barracos e barracões: Belo Horizonte, cidade planejada. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Ins tuto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

GUIMARÃES, N.; BRITO, M. e SILVA, P. (2010). O acesso a oportunidades de trabalho no Brasil: uma comparação intermetropolitana sobre os mecanismos de circulação da informação ocupacional e a reprodução da desigualdade. Texto para discussão 009/2010, São Paulo, Cebrap.

HASENBALG, C. (2005). Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte, Ed. UFMG.

HASENBALG, C. e SILVA, N. (2003). Origens e des nos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro, Iuperj/Ucam/Topbooks/Faperj.

HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. (1999). Cor e estra fi cação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria.

HENRIQUES, R. (2001). Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Texto para discussão – Ipea. Rio de Janeiro, Ipea.

IHLANFELDT, K. (1994). The spa al mismatch between jobs and residen al loca ons within urban areas. Cityscape, Georgia State University.

KAIN, J. (1968). Housing segrega on, negro employment and metropolitan decentraliza on. The Quartely Journal of Economics, n. 82, pp. 175-197.

______ (1992). The spatial mismatch hypothesis: three decades later. Housing Policy Debate. Universidade de Harvard, v. 3, n. 2, pp. 371-460.

Page 283: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 283

KAZTMAN, R. e FILGUEIRA, F. (2006). Las normas como bien público y como bien privado: refl exiones en las fronteras del enfoque AVEO. Montevideo, Universidad Católica del Uruguay, Serie Documentos de Trabajo del Ipes – Colección Aportes Conceptuales, n. 4.

LAGO, L. C. (2007). A “periferia” metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitório à cidade plena. Cadernos IPPUR. Rio de Janeiro, UFRJ, ago/dez.

LIMA, M. (1999). “Aspectos regionais do mercado de trabalho no Brasil”. In: HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. Cor e estra fi cação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria.

LIN, N. (1999). Social networks and status a ainment. Annual Review Sociology. Palo Alto, v. 25, pp. 467-487.

LOVEMAN, M.; MUNIZ, J. O. e BAILEY, S. (2011). Brazil in Black and White? Race categories, the census, and the study of inequality. Ethnic and racial studies, pp. 1-18.

MARICATO, E. (1977). A proletarização do espaço sob a grande indústria. O caso de São Bernardo do Campo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.

MARQUES, E. (2005). “Espaços e grupos sociais na virada do século XXI”. In: MARQUES, E. e TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social. São Paulo, Senac.

______ (2010). Redes sociais, segregação e pobreza. São Paulo, Editora Unesp/Centro de Estudos da Metrópole.

MARQUES, E.; SCALON, C. e OLIVEIRA, M. (2008). Comparando estruturas sociais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Dados. Rio de Janeiro, v. 51, pp. 215-238.

MUNIZ, J. O. (2010). Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quan ta vos. Revista Sociologia e Polí ca. Curi ba, v. 18, n. 36, pp. 277-291.

______ (2012). Preto no branco? Mensuração, relevância e concordância classifi catória no país da incerteza racial. Dados. Rio de Janeiro, v. 55, pp. 251-282.

OSÓRIO, R. G. (2009). A desigualdade racial de renda no Brasil: 1976-2006. Tese de doutorado. Brasília, Universidade de Brasília.

PATILLO, M. (2005). Black-middle class neighborhoods. Annual Review of Sociology, n. 31, pp. 305-329.

PIERSON, D. (1945). Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo, Companhia Editora Nacional.

PIORE, M. (2008). “The dual labor market: theory and implications”. In: GRUSKY, D. B. Social stra fi ca on: class, race and gender in sociological perspec ve. Colorado, Westview Press.

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2008). Microdados da PNAD 2008. Disponível em: www.ibge.gov.br.

RIBEIRO, L. C. Q., SILVA, E. T. e RODRIGUES, J. M. (2011). Metrópoles brasileiras: diversifi cação, concentração e dispersão. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curi ba, n. 120, pp. 171-201.

SANTOS, J. A. F. (2009). A interação estrutural entre a desigualdade de raça e de gênero no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 24, n. 70.

Page 284: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014284

Texto recebido em 11/dez/2013Texto aprovado em 4/fev/2014

SILVA, N. V. (1999). “Diferenciais raciais de rendimento”. In: HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. Cor e estra fi cação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria.

SMALL, M. e NEWMAN, K. (2001). Urban poverty a er ‘The truly disadvantaged’: the rediscovery of the family, the neighborhood, and culture. Annual Review Sociology, Palo Alto, v. 27, pp. 23-45.

SOARES, S. (2000). O perfi l da discriminação no mercado de trabalho – Homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Texto para discussão n. 769. Brasília, IPEA.

______ (2008a). “A demografi a da cor: a composição da população brasileira de 1890 a 2007”. In: THEODORO, M. (org.). As polí cas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição. Brasília, Ipea.

______ (2008b). “A trajetória da desigualdade: a evolução da renda rela va dos negros no Brasil”. In: THEODORO, M. (org.). As polí cas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição. Brasília, Ipea.

TELLES, E. (1992). Residen al segrega on by skin color in Brazil. American Sociological Review, v. 57, n. 2, pp. 186-197.

______ (2004). Race in another America. Princeton, Princeton University Press.

VILELA, E.; COLLARES, A. e NORONHA, C. (2012). A situação socioeconômica de minorias étnico/raciais no mercado de trabalho brasileiro. In: XXXVI ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. Anais. Águas de Lindóia/SP.

VILLAÇA, F. (2001). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp.

WILSON, W. J. (1987). The truly disadvantaged: the inner city, the underclass, and public policy. Chicago: University of Chicago Press, 1990.

______ (2009). More than just race: being Black and poor in the inner city. Nova York, Norton & Company.

Page 285: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 285

Coefi cientes do Modelo 1, de Mínimos Quadrados Ordinários(Global)

Obs.: Erros-padrão apresentados dentro dos parênteses. Signifi cância representada por: * p<0,01, ** p<0,05, *** p<0,1.

(ª) Coefi cientes padronizados são utilizados para que se possa fazer uma comparação entre quanto as covariá-veis estão associadas com a variável dependente. Por exemplo, entre os coefi cientes acima, a educação tem maior associação com a renda dos indivíduos. Seu coefi ciente é dado por sua subtração da média da variável por seu desvio-padrão. Sua interpretação pode ser feita da seguinte maneira: o aumento de um desvio-padrão da variável X1 aumenta a variável dependente em um desvio-padrão.

Log do salário por hora Modelo restrito Modelo Irrestrito Coefi cientes padronizados ª

(Constante)1,729*

(0,0153)1,802*

(0,0166)

Idade0,0211*

(0,000392)0,0212*

(0,000392)0,3289549

Idade2-0,000417*(3,03e-05)

-0,000452*(3,01e-05)

-0,091937

Carteira assinada0,148*

(0,00950)0,135*

(0,00941)0,0829118

Homem0,237*

(0,00801)0,241*

(0,00791)0,1618063

Anos de estudo0,0958*

(0,00135)0,0943*

(0,00132)0,4801315

Branco0,216*

(0,00778)0,177*

(0,00826)0,1197016

RM Salvador-0,244*(0,0119)

-0,088551

RM Recife-0,389*(0,0120)

-0,1272354

RM Belo Horizonte-0,0919*(0,0111)

-0,0395204

RM Rio de Janeiro-0,0923*(0,0113)

-0,050905

RM Porto Alegre-0,0639*(0,0104)

-0,0247199

Intrametropolitano0,0959*

(0,00801)0,0646598

N 30.080 30.080

R² ajustado 0,368 0,391

BIC -256637,496 -257701,812

ANEXO

Page 286: Cadernos Metrópole 31. -

Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014286

Coefi cientes do Modelo 2, de Mínimos Quadrados Ordinários (Metropolitano)

Obs.: Erros-padrão apresentados dentro dos parênteses. Signifi cância representada por: * p<0,01, ** p<0,05, *** p<0,1.

Log do salário por hora

RMRecife

RMSalvador

RMBelo Horizonte

RMRio de Janeiro

RMSão Paulo

RMPorto Alegre

(Constante)1.355*

(0,0356)1.526*

(0.0348)1.746*

(0.0335)1.820*

(0.0325)1.763*

(0.0289)1.774*

(0.0304)

Idade0.0198*

(0.00101)0.0214*

(0.000905)0.0221*

(0.000883)0.0187*

(0.000877)0.0223*

(0.000701)0.0205*

(0.000703)

Idade2 -0.000158***(8.51e-05)

-0.000219*(7.17e-05)

-0.000501*(6.63e-05)

-0.000406*(6.49e-05)

-0.000508*(5.40e-05)

-0.000469*(5.45e-05)

Carteira assinada0.272*

(0.0228)0.176*

(0.0205)0.0497**(0.0213)

0.0970*(0.0208)

0.164*(0.0174)

0.0640*(0.0177)

Sexo (Homem=1)0.157*

(0.0202)0.256*

(0.0180)0.289*

(0.0174)0.175*

(0.0179)0.260*

(0.0140)0.266*

(0.0146)

Anos de estudo0.0936*

(0.00296)0.0973*

(0.00301)0.0941*

(0.00293)0.0879*

(0.00276)0.0961*

(0.00247)0.0975*

(0.00256)

Raça (Branco=1)0.165*

(0.0203)0.303*

(0.0283)0.138*

(0.0182)0.160*

(0.0178)0.190*

(0.0137)0.145*

(0.0166)

Centro-Periferia (Centro=1)

0.0818*(0.0198)

0.00327(0.0214)

0.146*(0.0174)

0.134*(0.0175)

0.0789*(0.0137)

0.0968*(0.0165)

N 4.051 4,626 4,106 4,877 6,617 5,803

R² ajustado 0,373 0.382 0.388 0.323 0.390 0.365

BIC -26066,763 -30639,960 -27393,085 -32271,252 -47043,367 -40634,487

Page 287: Cadernos Metrópole 31. -

Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial

Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 287

Co

efi c

ien

tes

do

Mo

del

o 3

, de

Mín

imo

s Q

uad

rad

os

Ord

inár

ios

(Rac

ial-

Met

rop

olit

ano

)

Obs

.: Er

ros-

padr

ão a

pres

enta

dos

dent

ro d

os p

arên

tese

s. S

igni

fi cân

cia

repr

esen

tada

por

:

* p<

0,01

, **

p<0,

05, *

** p

<0,

1.

RM R

ecif

eRM

Sal

vado

rRM

Bel

o H

oriz

onte

RM R

io d

e Ja

neir

oRM

São

Pau

loRM

Por

to A

legr

e

Bran

cos

Neg

ros

Bran

cos

Neg

ros

Bran

cos

Neg

ros

Bran

cos

Neg

ros

Bran

cos

Neg

ros

Bran

cos

Neg

ros

(Con

stan

te)

1.26

7*(0

.060

4)1.

523*

(0.0

434)

1.19

8*(0

.114

)1.

641*

(0.0

363)

1.64

8*(0

.063

4)1.

898*

(0.0

374)

1.73

1*(0

.052

5)2.

057*

(0.0

400)

1.70

6*(0

.042

4)2.

093*

(0.0

367)

1.83

5*(0

.034

0)2.

055*

(0.0

531)

Idad

e0.

0240

*(0

.001

69)

0.01

68*

(0.0

0125

)0.

0335

*(0

.002

55)

0.01

88*

(0.0

0097

0)0.

0239

*(0

.001

46)

0.01

99*

(0.0

0108

)0.

0204

*(0

.001

29)

0.01

64*

(0.0

0117

)0.

0253

*(0

.000

925)

0.01

58*

(0.0

0100

)0.

0219

*(0

.000

792)

0.01

42*

(0.0

0146

)

Idad

e2-0

.000

172

(0.0

0013

5)-0

.000

1***

(0.0

0010

8)-0

.000

595*

(0.0

0020

0)-0

.000

219*

(7.5

3e-0

5)-0

.000

476*

(0.0

0011

5)-0

.000

520*

(7.7

2e-0

5)-0

.000

469*

(9.8

4e-0

5)-0

.000

377*

(8.0

1e-0

5)-0

.000

554*

(7.5

3e-0

5)-0

.000

474*

(7.0

0e-0

5)-0

.000

503*

(6.4

1e-0

5)-0

.000

301*

(9.4

9e-0

5)

Cart

eira

as

sina

da0.

216*

(0.0

404)

0.30

8*(0

.027

0)0.

0948

(0.0

651)

0.19

8*(0

.021

2)0.

0429

(0.0

379)

0.07

02*

(0.0

205)

0.11

7*(0

.031

2)0.

0857

*(0

.027

5)0.

156*

(0.0

247)

0.18

8*(0

.023

3)0.

0583

*(0

.020

5)0.

106*

(0.0

337)

Hom

em0.

158*

(0.0

330)

0.14

3*(0

.025

0)0.

308*

(0.0

515)

0.24

4*(0

.018

8)0.

318*

(0.0

304)

0.26

0*(0

.020

5)0.

192*

(0.0

262)

0.16

2*(0

.023

6)0.

261*

(0.0

192)

0.26

2*(0

.018

9)0.

280*

(0.0

168)

0.20

1*(0

.027

8)

Ano

s de

est

udo

0.12

1*(0

.004

92)

0.07

50*

(0.0

0373

)0.

155*

(0.0

0832

)0.

0844

*(0

.003

26)

0.11

4*(0

.005

02)

0.07

82*

(0.0

0357

)0.

107*

(0.0

0400

)0.

0648

*(0

.003

79)

0.12

0*(0

.003

43)

0.05

66*

(0.0

0327

)0.

106*

(0.0

0296

)0.

0620

*(0

.004

84)

Intr

amet

ropo

litan

o0.

145*

(0.0

326)

0.02

42(0

.024

5)0.

0835

(0.0

609)

-0.0

0976

(0.0

224)

0.18

7*(0

.031

3)0.

107*

(0.0

207)

0.19

0*(0

.025

8)0.

0735

*(0

.023

2)0.

0937

*(0

.019

1)0.

0455

**(0

.018

5)0.

0987

*(0

.019

3)0.

0592

**(0

.028

6)

N1,

565

2,48

670

43,

922

1,59

32,

513

2,50

62,

371

3,85

02,

767

4,64

61,

157

R² a

just

ado

0.42

70.

301

0.50

60.

307

0.42

20.

313

0.35

00.

213

0.41

80.

256

0.37

20.

256

BIC

-841

0,54

6-1

5026

,863

-315

4,94

5-2

5644

,539

-878

9,65

8-1

5954

,880

-146

12,4

97-1

4398

,389

-248

80,5

11-1

7982

,232

-312

40,7

78-6

612,

033

Page 288: Cadernos Metrópole 31. -
Page 289: Cadernos Metrópole 31. -

Instruções aos autores

ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL

A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral, especialmente às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografi a, Demografi a e Ciências Sociais.

A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafi os colocados à adoção de modelos de gestão, baseados na governança urbana.

CHAMADA DE TRABALHOS

A revista Cadernos Metrópole é composta de um núcleo temático, com chamada de trabalho específica, e um de temas livres relacionados às áreas citadas. Os textos temáticos deverão ser encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos requisitos exigidos na chamada; os textos livres terão fl uxo contínuo de recebimento.

Os artigos podem ser redigidos em língua portuguesa ou espanhola. Os artigos apresentados em outros idiomas serão traduzidos para o português.

AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS

Os artigos recebidos para publicação deverão ser inéditos e serão submetidos à apreciação dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc para emissão de pareceres. Os artigos receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto dos autores quanto dos pareceristas.

Caberá aos Editores Científi cos e à Comissão Editorial a seleção fi nal dos textos recomendados para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-científi ca, clareza de ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema.

COMUNICAÇÃO COM OS AUTORES

Os autores serão comunicados por e-mail da decisão fi nal, e a revista não se compromete a devolver os originais não publicados.

OS DIREITOS DO AUTOR

A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas. Cada autor receberá dois exemplares do número em que for publicado seu trabalho.

O conteúdo do texto é de responsabilidade do(s) autor(es).

Page 290: Cadernos Metrópole 31. -

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS

Os trabalhos devem conter:

• título, em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês;

• texto, digitado em Word, espaço 1,5, fonte arial tamanho 11, margem 2,5, tendo no máximo 25 (vinte e cinco) páginas, incluindo tabelas, gráfi cos, fi guras, referências bibliográfi cas; as imagens devem ser em formato TIF, com resolução mínima de 300 dpi e largura máxima de 13 cm;

• resumo/abstract de, no máximo, 120 (cento e vinte) palavras em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e outro em inglês, com indicação de 5 (cinco) palavras-chave em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês;

• referências bibliográfi cas, conforme instruções solicitadas pelo periódico.

Os trabalhos submetidos à Cadernos Metrópole devem ser enviados pelo sistema, da seguinte maneira: (1) se o/s autor/es não possuir/em cadastro ainda, favor clicar aqui; (2) no cadastro, preencher principalmente os seguintes campos: nome, e-mail, instituição (vínculo), e no campo “Resumo da Bio-grafi a” defi nir sua titulação mais alta, lugar de trabalho e função de cada um; (3) depois de cadastra-do, o autor deve acessar o sistema clicando aqui.

Importante:

• A autoria NÃO DEVE constar no documento. As informações a seguir devem ser preenchidas no passo 3 da submissão (Inclusão de Metadados): nome do autor, formação básica, instituição de formação, titulação acadêmica, atividade que exerce, instituição em que trabalha, unidade e departa-mento, cidade, estado, país, e-mail, telefone e endereço para correspondência.

• É imprescindível o envio do Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Au-torais, datado e assinado pelo(s) autor(es). O documento deve ser transferido no passo 4 da submissão (Transferência de Documentos Suplementares). Em caso de dúvida, consulte o Manual de Submissão pelo Autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

As referências bibliográficas, que seguem as normas da ABNT adaptadas pela Educ, deverão ser colocadas no fi nal do artigo, seguindo rigorosamente as seguintes instruções:

LivrosAUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo:CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

Capítulos de livros

AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora.

Exemplo:BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em

Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar.

Page 291: Cadernos Metrópole 31. -

Artigos de periódicos

AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do periódico, número do periódico, páginas inicial e fi nal do artigo.

Exemplo:TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos

Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.

Trabalhos apresentados em eventos científicos

AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e fi nal.

Exemplo:SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle

social, monitoramento e execução, parceiras e fi nanciamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/ SAS, pp. 193-207.

Teses, dissertações e monografias

AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição. Exemplo:FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de

gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.

Textos retirados de Internet

AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso. Exemplo:FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Dis-

ponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em: 8 set 2005.

Page 292: Cadernos Metrópole 31. -

Rede Observatório das Metrópoles

EstadoInstituição Coordenador

Belém Universidade Federal do ParáSimaia Mercês

[email protected]

Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisLuciana Andrade

[email protected]

Brasília Universidade de BrasíliaRômulo Ribeiro

[email protected]

Curitiba IpardesRosa Moura

[email protected]

Fortaleza Universidade Federal do CearáClélia Lustosa

[email protected]

Goiânia Universidade Católica de GoiásAristides Moysés

[email protected]

Maringá Universidade Estadual de MaringáAna Lucia [email protected]

Natal Universidade Federal do Rio Grande do NorteMaria do Livramento M. Clementino

[email protected]

Porto Alegre Fundação de Economia e EstatísticaRosetta [email protected]

Recife Universidade Federal de PernambucoAngela Maria Gordilho Souza

[email protected]

Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de JaneiroLuiz César de Queiroz Ribeiro

[email protected]

Salvador Universidade Federal da BahiaInaiá Maria Moreira Carvalho

[email protected]

Santos Universidade Católica de SantosMarinez Brandão

[email protected]

São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São PauloLucia Maria Machado Bógus

[email protected]

Vitória Instituto Jones dos Santos NevesCaroline Jabour

[email protected]

Page 293: Cadernos Metrópole 31. -

Cadernos Metrópole

vendas e assinaturas

Exemplar avulso: R$20,00Assinatura anual (dois números): R$36,00

Enviar a fi cha abaixo, juntamente com o comprovante de depósito bancá-rio realizado no Banco do Brasil, agência 3326-x, conta corrente 10547-3, para o email: [email protected]

Exemplares nºs _________

Assinatura referente aos números _____ e _____

Nome ___________________________________________

Endereço ________________________________________

Cidade ____________________ UF _____ CEP _________

Telefone ( ) _______________ Fax ( ) _____________

E-mail __________________________________________

Data ________ Assinatura __________________________

Page 294: Cadernos Metrópole 31. -