CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a...

149

Transcript of CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a...

Page 1: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa
Page 2: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

Mateus24, 25, 26 jan. 2014Instituto Internacional Casa de Mateus

CADERNOS MATEUS DOC

CódigoCode

06

Page 3: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

Índice Table of Contents

04 O IICM The IICM

06 O Programa Mateus DOC The Mateus DOC Program

08 O Seminário na Casa de Mateus The meeting at the Casa de Mateus

11 Introdução Bruno Pinto e Roberto Merrill

15 I · Signos e Paisagens

Entre códigos, Cátia Miriam Costa

Códigos legais, cidadania e participação pública. A implementação da convenção europeia da

paisagem e o direito à paisagem, Andreia Saavedra Cardoso

41 II · Genes e Justiça

Epigenetics and justice, Michele Loi

Some historical and epistemological remarks on genetics and epigenetics, Flavio D´Abramo

Quatro teorias da justiça aplicadas à saúde, Roberto Merrill

Page 4: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

69 III · Democracias e Propriedades

The Online Copyright Infringement “Speech Code”, Tito Rendas

Nuevas democracias, nuevos códigos políticos en estos tiempos de indignaciones,

Antoni Jesús Aguiló Bonet

93 IV · Ciências e Comunicação

Lost in translation: Precisamos descodificar o “código científico” ao público?,

Nuno Henriques Franco

Descodificando a ciência — promovendo um caminho contra a iliteracia comunicacional, Joana Lobo Antunes

123 V · Grafias e (Des)Acordos

Código da escrita: o Acordo Ortográfica da Língua Portuguesa (1990) na sociedade portuguesa atual, Rolf Kemmler

137 Notas Biográficas Biographical Notes

144 A Agenda do Mateus DOC VI The Mateus DOC VI Agenda

Page 5: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

4 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Internacional Institute Casa de Mateus

The IICM is an international cultural association, which gathers universities, research centres, private members and the “Casa de Mateus” Foundation. Its mission is to contribute to the scientific and cultural debate through the organization of meetings, seminars and working groups. Each year, the Institute hosts national and international seminars in which scientists, artists, writers, politicians, economists, public thinkers, intellectuals and experts of all sorts and backgrounds, concerned with the actual contribution of science and knowledge to the public awareness of the community, are encouraged to exchange their views and actively engage in brainstorming discussions, challenging taken-for-granted views on the most pressing issues today.

In 2010, the Institute defined three lines of action: thematic cycles, starting with “Challenges of Adaptation” which ended in 2013 with the conference “Criativity, Games with Frontiers”; the Mateus DOC Program; and the organization of international meetings on themes related to European integration.

The Mateus DOC Program is now in its sixth edition and has come out with a volume on each one of them, making sure that the results and the conclusions, which are reached in the meetings, are made available to its participants and to a wider audience.

Page 6: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

5Cadernos Mateus DOC VI · Código

Instituto Internacional Casa de Mateus

O IICM é uma associação que reúne universidades, centros de investigação e sócios individuais. Foi criada em 1986 pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e a Fundação da Casa de Mateus. O seu objectivo é ser um instrumento ao serviço da comunidade através do qual são disponibilizados os recursos logísticos e operacionais da Casa de Mateus para a realização de reuniões internacionais sobre temas da atualidade e de impacto social.

Todos os anos, o Instituto organiza e acolhe seminários nacionais e internacionais, onde cientistas, artistas, escritores, políticos, economistas e outras individualidades com fortes interesses culturais procuram dar o seu contributo para o debate.

Em 2010 o IICM definiu três linhas de acção: ciclos temáticos, sendo que o primeiro, “Desafios da Adaptação” se concluiu em 2013 com a conferência “Criatividade, Jogos com Fronteira”; o programa Mateus DOC dirigido a doutorandos e pós-docs; e a organização de encontros internacionais de reflexão sobre temas relacionados com a construção europeia.

O programa Mateus DOC teve seis edições, sobre os temas “Adaptação”, “Risco”, “Sustentabilidade”, “Representação”, “Fronteira” e “Código”. Este último é objeto da atual publicação.

Page 7: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

6 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

MATEUS DOC The Program

Mateus DOC is a program aimed at researchers from all scientific fields. The program’s main objective is to stimulate interdisciplinary dialogue among young researchers from different fields and to encourage them to discuss the most pressing issues of our time in an academic but informal way. Our goal is therefore to train the participants to reflect and develop further innovative research from a broader perspective, integrating contributions from other fields and methodologies. This approach will not only enrich their scientific work through the combination of diverse methods and the fusion of distinct contents, but it will also pave the way for the establishment of new cultural horizons, helping young scientists to position themselves culturally and socially.

The program Mateus DOC starts off with a call for proposals. Candidates submit a summary to the Institute explaining how they will approach a given theme – chosen annually by the Steering Committee of the IICM. Each year a Selection Committee will evaluate the proposals and structure the debate on the basis of the received contributions. The selected proposals are then redistributed to all participants who elaborate further on their papers in order to incorporate the other participant’s ideas into a brief 5-page preliminary report, to be submitted to the IICM. These are

redistributed again to everyone before the seminar. Within 30 days after the seminar the participants are asked to hand in their final articles, which must take into account the debate held at the Casa de Mateus. Both the articles and a brief description of the overall discussions are made available at the Institute’s website.

Page 8: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

7Cadernos Mateus DOC VI · Código

MATEUS DOC O Programa

O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa consiste em estimular o diálogo interdisciplinar entre jovens investigadores de diferentes áreas, confrontando-os com temas de atualidade e interesse geral. Pretende-se, desta forma, habituar os participantes a encarar os seus temas de reflexão e investigação numa perspectiva alargada que inclua sistematicamente pontos de vista exteriores à área científica respectiva. Esta abordagem não só enriquece o trabalho científico através do estabelecimento de novas associações de método ou de conteúdo, como também abre novos horizontes culturais, ajudando a melhor posicionar, cultural e socialmente, o percurso pessoal de cada um.

O programa MATEUS DOC começa com um apelo à apresentação de propostas. Os candidatos submetem ao IICM a sua proposta de interpretação e formas de abordagens de um tema anualmente escolhido pela Comissão Diretiva do IICM. Um Comité de Seleção estrutura o seminário baseando-se nas contribuições recebidas. As propostas selecionadas são redistribuídas por todos os participantes que se comprometem a desenvolver o tema de acordo com sua proposta, tendo em conta as contribuições dos restantes participantes, sob a forma de um breve artigo preliminar de 5 páginas a submeter

ao IICM. Os artigos são novamente redistribuídos a todos antes do seminário. No prazo de 30 dias após a realização do seminário os doutorandos entregam ao Instituto os artigos definitivos tendo em conta o debate realizado na Casa de Mateus. Os artigos, acompanhados de um resumo do seminário, são publicados na página na internet do Instituto.

Page 9: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

8 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

The meeting at the Casa de Mateus CODE

Between the 24th and the 26th of January 2014 the sixth edition of Mateus DOC program took place at the Foundation Casa de Mateus, and focused on the theme “Code”. After carefully reviewing all the submitted proposals to the call, the best working papers were selected, and Mateus DOC convened a multi-faceted group of scholars, scientists and researchers currently at the doctoral and postdoctoral stage of their careers, coming from the most varied academic background:

Antoni Aguiló (Philosophy), Andreia Cardoso (Landscape Architecture), Cátia Costa (International Relations), Flávio D´Abramo (Philosophy), Joana Lobo Antunes (Pharmacy), Michele Loi (Philosophy), Nuno Franco (Biology), Roberto Merrill (Philosophy), Rolf Kemmler (Philology) and Tito Rendas (Law).

This group of scholars participated in all the debates revolving around the theme “Code”, delving into its various dimensions and adopting various approaches to this concept from an interdisciplinary viewpoint.

The meeting was also attended by special guests, namely Paulo Costa, Sérgio Figueiredo, Jorge Gonçalves, Mathieu Richard, Bruno Pinto, Ragnar Siil, José Tavares, Ramón Villares and Gonçalo de

Almeida Ribeiro, as well as by members of the Board of Directors of the Institute.

The discussions revolved around the themes that were at the core of the selected proposals such as:

› Signs and Landscapes › Genes and Justice › Democracy and Property › Sciences and Communication › Spellings and (dis)agreements

During these three days, the discussions took place in an informal atmosphere, and were accompanied by walking tours around the countryside and chats by the fireplace. The debating program was conducted mainly by the scholars, with a discrete participation of the special guests and directors of the Institute.

The articles gathered in this volume reflect the diversity of viewpoints and approaches that were at the basis of the debate at Mateus. The different languages in which the debate was undertaken also reflect this and we have hence decided to remain faithful to that spirit of intercultural, interdisciplinary and intergenerational communion by publishing the articles in either Spanish, Portuguese or English. The contents of this publication can also be accessed through IICM’s webpage at www.iicm.pt.

Page 10: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

9Cadernos Mateus DOC VI · Código

O seminário na Casa de Mateus CÓDIGO

O seminário da sexta edição do programa Mateus DOC decorreu entre os dias 24 e 26 de janeiro de 2014, em Mateus. Após um processo de seleção em duas etapas que se iniciou com um apelo à submissão de propostas de artigos a apresentar, o Mateus DOC reuniu em Mateus um grupo de investigadores, doutorandos e pós-docs, de diversas disciplinas e áreas do saber:

Antoni Aguiló (Filosofia), Andreia Cardoso (Arquitectura Paisagista), Cátia Costa (Relações Internacionais), Flávio D´Abramo (Filosofia), Joana Lobo Antunes (Farmácia), Michele Loi (Filosofia), Nuno Franco (Biologia), Roberto Merrill (Filosofia), Rolf Kemmler (Filologia) e Tito Rendas (Direito).

Este grupo participou em todos os debates em torno do tema “Código”, discutindo em conjunto e com outros convidados especiais várias dimensões e abordagens do conceito.

Participaram neste seminário Paulo Costa, Sérgio Figueiredo, Jorge Gonçalves, Mathieu Richard, Bruno Pinto, Ragnar Siil, José Tavares, Ramón Villares e Gonçalo de Almeida Ribeiro, assim como membros da Direção do Instituto.

As discussões foram estruturadas em tornos dos seguintes temas elaborados a partir das propostas selecionadas:

› Signos e paisagens › Genes e Justiça › Democracias e Propriedades › Ciências e Comunicação › Grafias e (des)acordos

Durante os três dias do evento, as discussões tiveram lugar numa atmosfera informal permitindo aos investigadores presentes re-equacionar, defender e amadurecer as suas teses como forma de preparação para a redação do artigo final.

Os artigos finais aqui coligidos refletem a diversidade de pontos de vista e das abordagens que estiveram na base do riquíssimo debate em Mateus. Embora em três línguas, inglês, português e espanhol, os artigos são publicados num só idioma escolhido pelo autor. Apenas os textos de enquadramento são publicados em duas línguas, inglês e português. Os conteúdos desta publicação podem igualmente ser consultados no site do IICM: www.iicm.pt.

Page 11: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa
Page 12: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

11Cadernos Mateus DOC VI · Código

IntroduçãoBruno Pinto e Roberto Merrill

Uma das histórias que se conta sobre a Segunda Guerra Mundial é que os alemães usaram uma máquina conhecida como “Enigma” para codificar algumas das suas mensagens de guerra. A “Enig-ma” era semelhante a uma máquina de escrever, mas tinha um engenhoso mecanismo de codificação que os alemães acharam que nunca seria descoberto pelos Aliados. Só que os ingleses con-seguiram perceber o seu funcionamento logo a partir de 1940 e, desta forma, passaram a conseguir ler boa parte das mensagens do inimigo e a antecipar algumas das suas acções militares.

Não é só em tempo de guerra que o uso e a interpretação de códi-gos são muito importantes. Basta estarmos atentos para notarmos a sua presença quando conduzimos na estrada, quando falamos com colegas de profissão ou quando participamos num evento so-cial. No seminário que está na origem deste volume, cada partici-pante olhou para o tema “código” da sua perspetiva, ilustrando as-sim a importância deste conceito de uma forma multidisciplinar.

Na primeira sessão intitulada “Signos e paisagens”, Cátia Costa ex-plicou a sua ideia de um número crescente de códigos nas socie-dades modernas, que está patente no seu artigo intitulado “Entre códigos”. Por outro lado, Andreia Cardoso apresentou o seu artigo intitulado “Códigos legais, cidadania e participação pública. A im-plementação da convenção europeia da paisagem e o direito à pai-sagem”, focando mais concretamente a participação pública dos portugueses nas políticas ambientais patentes nos códigos legais do nosso país. Estas duas abordagens levantaram posteriormente a discussão de temas tais como o exercício da cidadania em Por-tugal ou os direitos e deveres dos cidadãos na construção de uma sociedade melhor.

Na segunda temática, sobre “Genes e Justiça”, Michele Loi apre-sentou o seu artigo “Epigenetics and justice” e Flávio D´Abramo deu continuidade a este trabalho com o seu artigo “Some historical and epistemological remarks on genetics and epigenetics”. Estes investigadores exploraram conjuntamente a criação e os conceitos

Page 13: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

12 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

de genética e epigenética, abordando também problemáticas relacionadas com a importância do código genético e o papel da epigenética na herança de desigualdades socio-económicas. Para fechar esta sessão, Roberto Merrill apresentou as principais teorias da justiça aplicadas à saúde, o que permitiu enquadrar a discussão normativa das duas apresentações prévias.

A terceira sessão intitulada “Democracias e Propriedades” incluiu a apresentação de Tito Rendas “The Online Copyright Infringe-ment “Speech Code””, em que analisa criticamente o discurso legal que condena a partilha não autorizada de conteúdos pro-tegidos por direitos de autor na internet. Depois, Antoni Aguiló apresentou o seu trabalho “Nuevas democracias, nuevos códigos políticos en estos tiempos de indignaciones”, que assenta na sua visão sobre a democracia atual e possíveis alternativas a esta. Na discussão que se seguiu, foram abordados diversos temas da atua-lidade tais como velhos e novos códigos políticos e discursivos ou o papel da internet no acesso à informação.

Durante a quarta sessão “Ciências e Comunicação”, foram apre-sentadas duas visões diferentes sobre o que deve ser a comuni-cação de ciência. Por um lado, Nuno Franco apresentou no seu trabalho “Lost in translation: Precisamos descodificar o “código científico” ao público?” a ideia central de que é necessário intro-duzir termos científicos no léxico comum, de modo que seja possí-vel discutir assuntos sobre ciência relevantes para a sociedade em praça pública. Por outro lado, Joana Lobo Antunes expôs a tese do seu artigo “Descodificando a ciência- promovendo um caminho contra a iliteracia comunicacional” de que é preciso descodificar os termos e a forma como se comunica sobre ciência, para que haja uma maior aproximação aos cidadãos. Apesar das diferenças, ambos os autores deixaram bem patente o seu objetivo comum de contribuir para uma maior cultura científica dos cidadãos e da importância que esta pode ter na nossa sociedade.

O seminário finalizou com a sessão “Grafias e (des) acordos”, em que o investigador Rolf Kemmler discutiu o polémico acordo orto-gráfico da Língua Portuguesa, dando ênfase ao seu contexto his-tórico e também à sua aplicação atual pelos diferentes setores da sociedade portuguesa.

Page 14: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa
Page 15: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

14 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Page 16: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

15Cadernos Mateus DOC VI · Código

I. Signos e paisagens Cátia Miriam Costa e Andreia Saavedra Cardoso

Nesta sessão discutiram-se os princípios de participação dos cida-dãos na fixação e transformação dos códigos, fosse numa forma mais genérica, as relações de tensão entre estabilidade e dinâmica que afetam todos os códigos em geral, fosse em particular, o exer-cício do direito de cidadania nas decisões relacionadas com a paisa-gem e ordenamento do território. Discutiu-se como o exercício deste direito pode constituir uma condição necessária para a realização do direito à paisagem ou a um ambiente sadio e ecologicamente equi-librado. Após uma introdução sobre a participação direta na formu-lação de diversos códigos e na sua sanção social, foi levada a cabo uma discussão que passou pela problemática da codificação e sua transformação, de modo a melhor se adaptar às necessidades atuais e ao exercício de direitos humanos, ainda em desenvolvimento nos códigos legais. Um dos temas mais debatidos centrou-se no exercí-cio da cidadania e nas possibilidades que certas convenções permi-tem, mas que são muitas vezes cerceadas por iniciativas de controlo dos códigos e da sua aplicação ao quotidiano. Outras questões em debate foram a determinação da essência dos códigos e a reflexão em torno da codificação ideal que resultasse do equilíbrio entre es-tabilidade e dinâmica e que, em simultâneo, garantisse a discussão pública e a partilha de decisão, quando se trata da aplicação de de-terminados códigos. Neste âmbito, reflectiu-se sobre a relação entre códigos legais e códigos éticos e em particular a imposição de res-ponsabilidade em participar na defesa de direitos humanos colecti-vos. Abordou-se de seguida o problema da idealidade dos códigos, quando interferem na autonomia individual, no que se refere as es-colhas que determinam a vida privada. Outro aspeto que suscitou al-guma controvérsia foi a tensão entre a universalidade dos códigos e o diálogo intercultural sobre os mesmos. Como primeira sessão não plenária do Mateus Doc, ficou em aberto muito do que se discutiu, sendo claro para todos que teriam de ser procurados, em cada caso específico, equilíbrios entre estabilidade e dinâmica e entre emana-ção de códigos e sua legitimação, em que o trabalho do investigador deverá ser também o de esclarecimento destas problemáticas.

Page 17: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

16 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Entre Códigos Cátia Miriam Costa

Resumo:

A palavra “código” é aplicada em diversas áreas científicas. Com a evolução tecnológica, demográfica e social conheceu mesmo uma expansão e nunca se falou tanto em códigos como agora. Vivemos segundo códigos ou a desafia-los, sendo que estes se associam à própria dinâmica social. Numa sociedade de infor-mação e conhecimento, os códigos entrecruzam-se, provocando alterações na relação tradicionalmente estável entre produtores e recetores. O desafio é perceber-se como cada código se transmi-te, transforma e se pode mesmo “contaminar”.

Abstract:

The word “code” is used in various scientific areas. Through-out technological, demographic and social evolution, the use of codes expanded and we never talked so much about it as today. We live according to codes or challenging them, as codes are directly associated to social dynamics. In an information and knowledge society, codes intertwine, resulting in the changing of traditionally stable relations between producers and receivers. The challenge is to understand how each code is transmitted, transforms and may even be “contaminated”.

Palavras-chave: código, ciências, semiosfera, complexidade, tensão.

Key-words: code, sciences, semiosphere, complexity, tension.

A história da cultura mostra uma tendência incessante para a individualização dos sistemas semióticos (…). A zona de não intercepção dos códigos não cessa de complexizar-se e de en-riquecer-se em cada jogo «pessoal», o que produz o efeito si-multâneo de tornar socialmente mais apreciáveis e mais difí-ceis de compreender as mensagens emitidas por cada sujeito. Iuri Lotman, “Um modelo dinâmico do sistema semiótico”, (1974)

Page 18: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

17Cadernos Mateus DOC VI · Código

Uma aproximação

Faz todo o sentido colocar esta questão do que é afinal o “código”, em tempos em que a evolução tecnológica, demográfica e social conheceu uma expansão e nunca se falou tanto em códigos como atualmente. A palavra “código” é aplicada em diversas áreas científicas, das ciências jurídicas à linguística, das ciências da co-municação à informática. Para além de representar o elemento regulador no caso do direito, apresenta também o conjunto de relações estruturadas entre signos, no caso da linguística, alas-tra-se à informática que introduz o código binário para uma nova linguagem, já depois de ter sido usado em linguagem tecnológica com o código morse, expande-se na genética que cria o “código genético”. Entra no quotidiano de todos, seja através do código da estrada ou dos vários códigos deontológicos que as várias pro-fissões respeitam. Pode-se dizer que todos vivemos rodeados de códigos, muitas das vezes sem nos apercebermos disso.

Com o incremento da complexidade das sociedades, foi sendo necessário codificar mais e melhor, de modo mais claro para que todos pudessem aceder à informação ali contida. Os elementos externos simbólicos, comuns na Idade Média e em sociedades cujo nível de abstração não foi aprofundado, tenderam a subor-dinar-se a outros menos visíveis e ligados a operações cerebrais, às quais foram atribuídos sentidos lógicos, transmitidos no pro-cesso educacional. Hoje vivemos codificando e descodificando diariamente de modo cada vez mais veloz, o que também é per-mitido pelo uso da tecnologia. O nosso conhecimento foi sendo codificado de acordo com as regras aceites entre os pares que o produzem e é comunicado inter-geracionalmente através do en-sino e, numa fase intermédia, comunicado à sociedade. Quer isto dizer que, partilhando nuns casos códigos mais genéricos (como o da linguagem associado a um idioma) e noutros códigos que exigem capacitação específica (como no caso da tecnologia ou da ciência), os indivíduos estão hoje constantemente a viver segun-do códigos ou a desafiá-los, sendo certo que constantemente e porque estes se associam à própria dinâmica social, o resultado em cada uma das situações não é totalmente previsível. Deste modo, não podemos pensar em “códigos” de uma forma estática.

Page 19: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

18 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

A questão aqui proposta por Lotman é da maior importância, pois reporta-se aos contributos coletivos e individuais que os sistemas semióticos recebem através do recurso a códigos, em geral, partilhados por um grupo específico da sociedade e apenas transpostos para os restantes membros da comunidade no senti-do de garantir a sua comunicabilidade mínima. Códigos, usados nas disciplinas científicas, sejam estas no âmbito das chamadas ciências exatas, seja no âmbito das ciências ditas humanas, ser-vem para manter o status quo da própria ciência, assegurando o seu âmbito reservado, mesmo quando se quer comunicar ao público em geral. Na verdade, tanto a ciência como a sociedade e as profissões recorrem a códigos de comportamento ou deonto-lógicos para a transmissão da mensagem, com a finalidade de re-gular a postura coletiva dos indivíduos e de assegurar uma maior disseminação ou o resguardo destes conteúdos. Com os recursos tecnológicos, crescentemente, se recorreu a uma maior diversi-dade de códigos, vertendo a lógica a estes associada para novas linguagens, por exemplo, as informáticas. Dada a complexidade paulatina das sociedades e o cada vez maior número de pessoas em interação teve de codificar-se mais e melhor, generalizar a co-dificação a todas as áreas da vida (como no exemplo do código da estrada, em que se tende para a universalização simbólica) e em que os signos específicos de pertença social ou política anco-ram-se agora em mensagens mais intrincadas que não são repre-sentadas apenas por um objeto específico, como acontecia nas sociedades medievais.

É a época moderna, com o universalismo da razão e com uma nova conceção de tempo e de espaço (deixam de existir espaços desconhecidos no planeta e o tempo passa a ser visto em termos lineares) que os códigos conhecem a sua grande expansão. É preciso codificar de modo a que todos produzam e acedam a uma informação que na sua génese obedece aos mesmos princípios de criação. A intenção é regulamentar os fluxos comunicacionais em várias áreas: no direito, na ciência, na vida social, tentando mesmo, numa aproximação positivista, codificar a natureza, através de categorizações, algumas vezes estanques, pouco abertas à interação de conhecimentos (por exemplo, entre sabedoria ou saber empírico e conhecimento científico). Esta foi das maiores alterações de sempre ocorridas no modo como o ser

Page 20: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

19Cadernos Mateus DOC VI · Código

humano encarou a sua vida individual e coletiva, operando uma transformação epistemológica sem precedentes. A lógica entrava em todos os domínios da vida, com a preponderância das ideias sobre todas as outras possíveis justificações de comportamentos ou fenómenos, fossem estas mitológicas ou religiosas. A moral é tendencialmente substituída pela ética, a política faz-se com a razão e não bastam apenas os privilégios de nascimento, a ciência tem de juntar teoria e experiência e produzir resultados partilhados entre os pares, comunicados às gerações vindouras e disseminados na sociedade, divulgando as grandes conquistas do conhecimento.

A par de tudo isto, a tecnologia, fornecendo novas experimenta-ções e formas de relacionamento, encurtando as distâncias, per-mitindo a libertação de mão-de-obra humana e exigindo cada vez mais qualificações apreendidas em centros de saber – as escolas – e já não junto da família. A hereditariedade de ofícios e conheci-mentos está, então, em causa. Os primeiros códigos aprendem-se com a família, mas aqueles que se associam ao desenvolvimento profissional e às relações sociais vão cada vez mais se exteriori-zando face a esse espaço doméstico. Se o Iluminismo tinha aber-to as portas à racionalização progressiva de todos os aspetos do saber, a Revolução Industrial e as ideias positivistas acentuaram esta tendência, tornando-a dominante.

Atualmente, todos esses códigos que permitiram o incremento da complexidade em sociedades que se tornaram da informação e do conhecimento e em que o risco espreita onde menos se espe-ra, dada a globalização crescente dos fenómenos e a partilha dos mesmos (por exemplo, ao nível dos ecossistemas e da sua susten-tabilidade), tendem a tomar conta das nossas vidas, mesmo que não nos dêmos conta que tal acontece. Cientes disso, cada um na sua área tende a formar códigos mais fechados com o objetivo de demonstrar a importância do domínio daquela ferramenta, sendo contudo confrontado com a necessidade de a sociedade entender algo sobre a mensagem veiculada por aquele determinado códi-go, pois tem de rececioná-lo e autorizá-lo. Assim, o código vive nesta permanente tensão entre a estabilidade e fechamento que a comunidade que o cria e domina pretende e a necessidade de o abrir e fazer dinâmico para que a sociedade possa sancioná-lo. Daí advêm parte dos nossos desafios, por exemplo, como o legis-

Page 21: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

20 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

lador pode fazer o cidadão comum entender a lei, sem que este perca a noção que aquele articulado é tão específico e envolve tanto conhecimento que para manuseá-lo é preciso chamar um advogado? Ou como pede um cientista a caução da sociedade que paga a sua atividade se não verter o conhecimento codifi-cado em algo acessível, através do ensino ou da divulgação, ao comum dos cidadãos?

O mesmo acontece quando pensamos em culturas diferentes relacionando-se, aí a tensão passa para outros elementos, como a língua, os comportamentos cívicos ou não, e, claro, também a expressão artística ou científica. Isto sucede, essencialmente, em relações entre semiosferas que não partilham os mesmos siste-mas de lógica, nem operaram nenhuma tendência de convergên-cia. Assim, a língua dos outros é assimilada a uma não língua, os comportamentos dos outros são menos civilizados que os nos-sos, a lógica deles, se diferente da nossa, não parece ter qualquer fundamento ou poder ser designada como lógica. Desconhecer os nossos códigos e não saber interagir dentro da nossa semiosfe-ra é sempre assumido como sinal negativo, por comparação en-tre mesmidade e alteridade. Exterioriza-se, agora, a tensão entre códigos diferentes, oriundos de semiosferas diversas, mas o mais forte acaba por dominar por convergência ou imposição o que se apresenta como mais fraco na sua capacidade de resistência. As-sim, assistiu-se historicamente à confluência entre semiosferas contíguas, relacionais ou reconhecendo valor intrínseco a uma outra semiosfera. Assim se operaram convergências de códigos por exemplo na justiça, na ciência, na tecnologia e ultimamente outros foram tornados universais (código de programação infor-mático, código morse, código trânsito, etc.). À universalização da razão corresponde a tendência para a universalização dos có-digos que, ultrapassando fronteiras, por exemplo, não superam barreiras de conhecimento ou barreiras sociais. Este fenómeno de tensão constante existe em permanência, mesmo que pare-cendo obedecer a uma estabilidade irrevogável.

Uma Reflexão

Se os códigos nascem do acordo relativamente às normas para veicular mensagens, por que existe esta tensão de mantê-los ora

Page 22: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

21Cadernos Mateus DOC VI · Código

restritos apenas a algumas comunidades (profissionais, linguísti-cas, intelectuais ou outras), ora querendo que estes se universa-lizem? Como se alteram os códigos se estes têm de ter alguma es-tabilidade para que possa existir entendimento compartilhado? Comecemos, talvez, pela última questão que nos levará também à resposta da primeira. Na sociedade e porque esta é constituída por uma diversidade enorme de indivíduos, há sempre alguma tensão entre conservadorismo e dinamismo, entre manter a esta-bilidade e seguir outro caminho. É este movimento perpétuo que leva a alterações diárias, por exemplo, na língua ou noutros códi-gos que usamos, mas que não modificam a base do todo. Voltan-do aos exemplos enumerados, acrescenta-se uma palavra mas mantém-se a gramática, modifica-se a ortografia, conservando-se a fonia, altera-se uma lei mas não a totalidade do código. As transformações têm de assumir carácter moderado e apenas em contextos de revolução são aceites mudanças radicais, mas aí o corte com o conhecimento ou comportamento precedente tem de ser total e essa não tem sido a tendência das sociedades hu-manas. É neste equilíbrio e mesmo complementaridade entre dinamismo e estabilidade, entre universalização dos códigos e seu resguardo que as sociedades vão recriando as suas formas de comunicar-se. Assim, existe uma profunda relação entre o poder da criação do código e seu reconhecimento, entre a reprodução do código e a sua receção e trata-se de algo constante num movi-mento permanente, tão comum que se torna invisível aos nossos olhos. A necessidade de codificar tem a ver não só com a proble-mática da organização, mas com a pretensão de tornar todos os comportamentos humanos lógicos, tornar a natureza explicável através desses mesmos códigos, ou seja, de manter sempre em vista a universalidade da razão que é humana e se quer preser-var com valor elementar e adjacente a todos os comportamentos desta espécie.

Deste modo, os códigos podem ser contaminados, modificados, mas a tendência é para que não desapareçam e quando tal acon-tece, imediatamente se dá a sua substituição por outro articulado com igual força social. O código exerce um certo poder sobre o indivíduo, porque representa a coletividade, portanto surgindo a todos os níveis. Mantém um jogo permanente de equilíbrios e de tensões: estabilidade/dinâmica; coletividade/individualidade;

Page 23: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

22 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

universalidade/restritividade; poder/contrapoder. Significa isto que a mudança social é intrínseca à mudança de códigos e vi-ce-versa. Em diferentes estádios de ação coletiva existe uma adaptação de códigos que aparecem como imutáveis. Assim se comunica a ciência aos níveis de ensino mais baixo ou se divulga um novo conhecimento; deste modo, se apresenta uma lei. Em ambos casos recorrendo a uma referencialidade de causa/efeito que, novamente, remete para uma sociedade com base na lógica.

O Estabelecimento

Relacionando o anteriormente exposto sobre a universalidade da razão e a constante tensão entre mudança e permanência dos códi-gos, a par da generalização dos mesmos, com as propostas apresen-tadas pelos outros autores participantes neste encontro, deparo-me com esta reflexão: em todos os casos (de acordo com os resumos a que acedi) existe uma ponderação sobre as várias tensões que os diferentes códigos tratados podem suscitar. Estas tensões são apre-sentadas seja na estabilidade ou dinâmica do código, por exemplo, com a questão do acordo ortográfico para a língua portuguesa, com os estabelecimento de códigos alternativos para o comportamento político; seja na restrição ou universalidade do código que deve ser recriado ou mais “aberto” para que se generalize em termos de co-municação; seja no alargamento do código para incluir fatores até agora fora do código em uso. Quer isto dizer que, em termos gerais, discutimos as tensões em torno dos códigos que foram criados, aos quais obedecemos, manuseamos e recebemos ou rejeitamos, num mundo progressivamente mais intercomunicante. Desejamos a sua maior abrangência e universalidade, por um lado, tentando introduzir mudanças, por outro lado. Como resultado final, discu-timos aqui as possibilidades em torno de dinâmica e estabilidade, apresentando-nos como especialistas de uma área, logo demons-trando a nossa autoridade e, em simultâneo, reclamando para nós o repensar do formato destes códigos em que nos especializamos. Ao fazê-lo, estamos a usar a restritividade do manuseio do código em apreço (neste caso oriundo da codificação científica), no en-tanto desejando propor alterações que venham a ser sancionadas coletivamente. Em primeiro lugar, pela nossa comunidade de pa-res e seguidamente pela sociedade em geral.

Page 24: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

23Cadernos Mateus DOC VI · Código

Neste sentido, percebe-se que aqui discutimos, para além do de-safio desta tensão permanente inerente à manutenção do próprio código (pois se essa tensão desaparece quer dizer que este deixou de ter uso social), o modo como transformá-lo e transmitir essa mudança, como contaminá-lo, como alargá-lo, como manten-do-o restrito na atualização se universaliza a sua receção. Colo-camos a nossa reflexão, então, nos privilégios de manuseio dos códigos e na nossa necessidade de universalização dos mesmos, porque adjacentes à nossa lógica, os entendemos como aplicáveis por qualquer outro ser humano. Este tipo de discussão é imanen-te a vários tempos, modos e espaços, apresentando agora uma maior riqueza pela quantidade de códigos que fomos criando, al-guns dos quais até esquecemos dado o automatismo do seu uso.

Após a grande alteração que constituiu como fonte de todo o co-nhecimento e organização humana a razão universal, este tipo de debate vai-se multiplicando, sem contudo, colocar em causa o uso de códigos fruto da razão, portanto, mais complexos que os signos usados em sociedades que tinham de ser simplificadas colocando nos símbolos físicos as mensagens essenciais. A co-dificação a que hoje recorremos, pelo contrário, tem por base a razão, logo a imaterialidade do objeto em avaliação. Assim, dis-cutimos os códigos em termos abstratos, como algo não visível, mas que circunstancia tudo aquilo que fazemos. Percebemos atualmente que o código e a codificação continuam a ser uma das bases de entendimento inter-humano e daí que se levantem preocupações tão específicas e prementes. Vivendo entre códi-gos, vivemos também constantemente entre a sua atualização e a sua manutenção. Desejamos conservá-los, transformando-os. Pretendemos discuti-los, colocá-los em causa sem destruí-los. No fundo, mantemos uma tradição inaugurada com o advento do racionalismo como base de todo o pensamento humano.

Concluo, pois, que os códigos funcionam como sistemas de re-presentação sistémica, criando cada semiosfera o seu próprio sistema que tem de ser intercomunicante com os sistemas que a rodeiam. A aproximação inter e transdisciplinar permitem-nos perceber que em todos os códigos existe sempre uma parcela que é destinada à partilha e outra que fica consignada aos que detêm a autoridade da mudança ou manutenção de cada tipo

Page 25: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

24 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

de código. Essa tensão entre estabilidade e dinamismo assume graus mais evidentes em torno de uma determinada área de co-nhecimento que se quer fechada, por um lado, e aberta, por ou-tro lado, como acontece com algumas disciplinas científicas ou com domínios ligados à política, segurança, etc.. É relevante o facto de esta discussão se desenrolar neste momento, dado que se denota uma mutação social acelerada e uma demanda dos ci-dadãos em geral por mais participação nas várias áreas da vida, muito evidente no modo como vão sendo usadas algumas redes sociais que já conquistaram um espaço no exercício da cidada-nia, causando alterações substanciais na relação governança e sociedade civil.

Na verdade, vivemos rodeados de códigos, usando-os e, por ve-zes, contribuindo para a sua alteração. A interiorização do ato de codificar e descodificar foi de tal modo automatizada nas nossas sociedades que deixámos de notar como estes funcionam ou se-quer se estão a funcionar. É claro que para que a sociedade con-tinue a funcionar, estes códigos resultam de um equilíbrio entre estabilidade e dinâmica, sem contudo descartar a permanente tensão entre manutenção e mudança que é sugerida pela própria dinâmica social. Sem a destruição do código, é possível alterá-lo sem que se note, gerando maior ou menor resistência, até que se reencontre um novo equilíbrio, em realidades paulatinamente mais transculturais e complexas, com a multiplicação de atores e recetores.

Bibliografia

Bourdieu, Pierre (1992), O que falar quer dizer, Algés, Difel – Difusão Editorial, S.A..

Caraça, João (2008), Do saber ao fazer: porquê organizar a ciência, Lisboa, Gra-diva, 2.ª Edição.

Eco, Umberto (1993), Leitura do Texto Literário: Lector in Fabula, Lisboa, Edito-rial Presença, 2.ª Edição.

Eco, Umberto (2004), O signo, Lisboa, Editorial Presença, 6.ª Edição.

Lotman, Iuri, Uspenskii, Boris, Ivanóv, V. (1981), Ensaios de Semiótica Soviética, Lisboa, Livros Horizonte.

Page 26: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

25Cadernos Mateus DOC VI · Código

Pombo, Olga (2001), Unidade da Ciência: Programas, figuras e metáforas, Lis-boa, Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa/ Gradiva Pu-blicações, S.A..

Ricoeur, Paul (1990), Soi-même comme un autre, Paris, Éditions du Seuil.

Soares, Francisco (2007), Teoria da Literatura, Criatividade e Estrutura, Luan-da, Editorial Kilombelombe.

Page 27: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

26 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Códigos legais, cidadania e participação pública. A implementação da convenção europeia da paisagem e o direito à paisagem Andreia Saavedra Cardoso

Resumo

A participação directa dos cidadãos na tomada de decisão consti-tui um dos tópicos da estrutura e funcionamento da democracia, regulamentada pelos códigos legais, entre os quais, o principal – a Constituição da República Portuguesa, entre outros, como o có-digo do procedimento administrativo, que estabelece os princí-pios de participação e decisão. Se na Europa a integração de pro-cessos participativos e colaborativos no processo de decisão em matéria de Ordenamento do território data dos anos 70 e 80, em Portugal a experiência democrática tardia traduz-se ainda num défice democrático também expressivo neste âmbito.

Nesta comunicação pretendemos discutir a participação do pú-blico, enquanto direito e dever no âmbito de vários códigos le-gais, em especial aqueles que regulam em Portugal a política de ambiente, paisagem e Ordenamento do território e Urbanismo. A participação do público enquanto uma das medidas gerais da Convenção Europeia da Paisagem – CEP, o primeiro código legal internacional em matéria de direito de paisagem, deverá inte-grar-se nas várias fases dos estudos de paisagem, a nível local, e em particular na definição de objectivos de qualidade paisagísti-ca e de políticas públicas da paisagem.

Esta atribuição e partilha de competências e responsabilidades necessárias à implementação de políticas de paisagem permitirão no contexto europeu, a evolução do direito de paisagem para um direito à paisagem? Os códigos legais são sem dúvida condições necessárias do exercício de cidadania e processos participativos, mas serão suficientes se não forem motivados por um código éti-co dos indivíduos? Devemos considerar a imposição de responsa-bilidade em participar na defesa do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado ou a uma paisagem qualificada?

Page 28: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

27Cadernos Mateus DOC VI · Código

Palavras-chave: Convenção Europeia da Paisagem, Direito à pai-sagem, Cidadania, Participação pública, Ecologia política

Ambiente, paisagem e participação pública. O estatuto legal da cidadania ambiental em Portugal

A propósito de códigos de democracia, códigos de conduta éti-cos e o dever de participação pública lembramo-nos da questão: “Quanta ética ambiental devemos inscrever na lei?”; pergunta inicial para o filósofo Holmes Rolston III (2001: 349), num artigo sobre a aplicação ou imposição dos códigos da ética ambiental nos códigos legais. Existem limites para a aplicação nos códigos legais de códigos de conduta ética? Devemos considerar a impo-sição de responsabilidade em participar na defesa do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado ou a uma pai-sagem qualificada?

O enfoque nos direitos e deveres dos cidadãos no que concerne o ambiente e a paisagem pode considerar-se uma reflexão sobre os modelos de cidadania ambiental ou ecológica, ou se quiser-mos paisagista, integrando as dimensões natural e cultural da paisagem. Estes modelos de cidadania são tão diferenciados, no que concerne ao conjunto de direitos e obrigações, consoante os projectos políticos. A cidadania ambiental constituindo uma concepção emergente nas teorias da cidadania, em parte deriva-da da falência de política públicas que dependiam da cooperação voluntária dos cidadãos no domínio do ambiente (Kymlicka and Norman, 1994), depende ainda da filiação em éticas antropocen-tradas ou em éticas bio- ou ecocentradas. As primeiras procuram apenas resolver os conflitos entre os interesses das gerações hu-manas actuais e futuras, conferindo um valor instrumental às entidades naturais não humanas. As segundas, conferem valor intrínseco às entidades naturais, independente da subjectivida-de humana, construindo axiologias das quais derivam o estatuto moral das entidades naturais, diferentes princípios de acção e mesmo diferentes acções e políticas de conservação da nature-za e gestão da paisagem. No âmbito deste artigo consideraremos apenas o conjunto de direitos e obrigações que permite diferen-ciar do ponto de vista político os modelos de cidadania, visto que actualmente os códigos legais em matéria de ambiente e

Page 29: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

28 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

paisagem permanecem ainda antropocentrados1. Em particular pretende-se abordar o conjunto de responsabilidades associadas aos direitos ao ambiente e à paisagem, em vários códigos legais, entre os quais – a Constituição da República Portuguesa, a Lei de Bases do Ambiente e a Convenção Europeia da Paisagem.

Deste modo, Kymlicka e Norman (1994: 353) distinguem duas concepções gerais de cidadania: “(...) cidadania como estatuto jurídico, i.e., pertença plena a uma comunidade política particu-lar; e cidadania como “actividade desejável”, na qual a extensão e qualidade do estatuto da cidadania de cada pessoa são função da sua participação nessa comunidade”. O primeiro tipo de cida-dania identifica-se com o modelo romano, com origem em Gaius, que segundo Vimo (2010) enfatizou os direitos comuns dos ci-dadãos sujeitos a um mesmo código legal, enquanto que o se-gundo tipo de cidadania se aproxima do modelo grego teorizado por Aristóteles, no qual a prática da cidadania coincide com uma concepção da vida boa. Na contemporaneidade os tipos descritos coincidem, respectivamente, com os projectos do liberalismo po-lítico e do comunitarismo e republicanismo (Idem). A concepção de cidadania liberal, por se pretender como garantia e protecção das liberdades individuais e da autonomia, na aderência a valo-res e escolha de modos de vida, é frequentemente considerada de alcance mais limitado, de tipo individualista e instrumental (Idem). A segunda abordagem, emergente no final do séc. XX, prioriza os parâmetros da boa cidadania definida de acordo com virtudes cívicas e uma adequada responsabilização do cidadão, adoptando uma visão colectiva de cidadania que procura renovar a sua dimensão participativa (Idem).

O princípio da participação dos cidadãos, central nos códigos da democracia, encontra-se inscrito em vários códigos legais relati-vos ao ambiente, território e paisagem.

Na constituição portuguesa, o Artigo 66.º relativo ao Ambiente e qualidade de vida, refere que “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.” (Portugal, 2005)

No Código do Procedimento Administrativo este princípio de participação assegura antes que os “(...) órgãos da Administração

1. O Equador constitui até ao momento o

primeiro país no mundo a reconhecer direitos à natureza na revisão da

sua constituição (2007-2008) através de uma

concepção ecocentrada que promove o estatuto

moral de todos os elementos que compõem

um ecossistema colocando-os para

além do conceito de recurso com valor

apenas instrumental para o homem. Estes

direitos advêm de uma concepção de valor intrínseco da

natureza e consequente alargamento da

comunidade ética, através da atribuição

de estatuto moral aos animais não humanos

e seres vivos em geral, componentes

abióticos e processos naturais, estatuto

expresso nos seguintes termos: “A Natureza

ou Pachamama, onde a vida é reproduzida e

existe, tem o direito de existir, persistir, manter e

regenerar os seus ciclos vitais, estrutura, funções

e processos evolutivos (Global alliance for rights

of nature, 2008, Artigo 71.º).

Page 30: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

29Cadernos Mateus DOC VI · Código

Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito (...)” (Decreto-Lei n.º 6/96, Artigo 8.º).

A paisagem como conceito jurídico foi reconhecida pela primeira vez em Portugal na Lei de Bases do Ambiente, que consagrou, como princípio geral que “todos os cidadãos têm o direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (...)” e o princípio específico da participação que esta-belece que “(...) os diferentes grupos sociais devem intervir na formulação e execução da política de ambiente e ordenamento do território (...)” (Lei n.º 11/87, artigos 2.º e 3.º c)).

Entre os princípios gerais da Política de Ordenamento do Terri-tório e Urbanismo, inscritos na Lei de Bases da Política de Orde-namento do Território e de Urbanismo – LBPOTU, encontra-se igualmente o princípio da participação, referindo-se a importân-cia de criar oportunidades de reforçar “ (...) a consciência cívi-ca dos cidadãos através do acesso à informação e à intervenção nos procedimentos de elaboração, execução, avaliação e revisão dos instrumentos de gestão territorial“ (Lei n.º 48/98, Artigo 5.º, f)). Ainda relativamente à participação e concertação esta Lei de Bases estabelece que os instrumentos de gestão territorial “(...) são submetidos a prévia apreciação pública” e que a sua elabo-ração e aprovação é “(...) objecto de mecanismos reforçados de participação dos cidadãos, nomeadamente através de formas de concertação de interesses” (Artigo 21.º, 1 e 2).

De facto, o sistema de gestão territorial em vigor a partir de 98/99, alicerçado em políticas institucionais que apelavam ao exercício voluntário da cidadania, veio do ponto de vista do código legal neste âmbito, inscrito na LBPOTU e no Regime Jurídico dos Ins-trumentos de Gestão Territorial – RJIGT, afirmar a importância da participação pública, ao alargar o número dos procedimentos abertos à participação pública e o período de tempo atribuído (Lourenço, Craveiro and Antunes, 1998).

Os baixos níveis de participação em Portugal, no final da déca-da de 90, deviam-se segundo estes autores: ao excessivo carác-ter técnico da informação disponibilizada para discussão; ao

Page 31: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

30 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

favorecimento da participação associada a interesses particula-res, em detrimento dos interesses difusos; à fraca capacidade de afectar a decisão final; à persistência da centralização do sistema de gestão territorial, associada às carências técnicas ao nível lo-cal; e ao desajuste entre a literacia científica do cidadão geral e o conteúdo científico dos procedimentos e fundamentação das decisões (Idem).

Mas se nos códigos legais o sistema de gestão territorial pós-RJI-GT (1999) introduziu segundo Crespo (2003) a participação en-quanto processo contínuo, antes apenas possível através do pro-cedimento de inquérito público, de carácter pontual, as práticas de participação formais obtêm resultados pouco significativos e eficientes, derivados segundo Abreu et al. (2011: 13) de factores como “(...) a fraca cultura de participação formal e informal em Portugal e a fraca colaboração e interacção entre a comunidade científica, técnica e política (...)”.

A Convenção de Florença ou Convenção Europeia da Paisagem – CEP (CE, 2000) veio reforçar a necessidade da participação dos cidadãos no processo de decisão em matéria de protecção, orde-namento e gestão da paisagem. Segundo as disposições deste tra-tado internacional, a integração de uma dimensão participativa deverá materializar-se na caracterização da paisagem, bem como na definição de objectivos de qualidade paisagística e de políticas de paisagem.

A CEP inclui nas medidas gerais a obrigatoriedade dos estados signatários em “estabelecer procedimentos de participação for-mal do público, autoridades locais e autoridades regionais, e de outros intervenientes interessados na definição e implementa-ção de políticas de paisagem (...)” (Idem, Artigo 5.º, c)). Entre as medidas específicas (Idem, Artigo 6.º, A) encontra-se ainda a referência ao compromisso de ”(...) incrementar a sensibilização da sociedade civil (...) para o valor da paisagem, o seu papel e as suas transformações.” A este parágrafo o relatório explicativo da CEP acrescenta uma justificação da ordem dos direitos e deveres: “cada cidadão tem uma participação na paisagem e no dever de cuidar dela e o equilíbrio das paisagens está em estreita relação com o nível de sensibilização da sociedade civil.” (CE, 2000b)

Page 32: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

31Cadernos Mateus DOC VI · Código

Ainda de acordo com este relatório, a CEP evidencia a importân-cia da paisagem no bem-estar das populações pelo que “encoraja o público a tomar parte activa no planeamento e gestão da paisa-gem e a considerar que tem responsabilidade pelo que acontece à paisagem.” (Idem)

Somos levados a estabelecer que, no parecer do Conselho da Eu-ropa, os cidadãos ao usufruírem colectivamente dos bens (mate-riais e imateriais) que a paisagem integra e representa, incorrem no dever de a cuidar e têm “(...) responsabilidade pelo que acon-tece à paisagem.” (Idem).

Esta responsabilidade pelo que acontece, integrada nos códigos legais no que concerne às acções danosas ao ambiente e à pai-sagem pode ser alargada dos códigos éticos aos legais quanto a acções que causam benefícios públicos, em vez de danos? Pa-rece-nos implícito nesta “responsabilidade pelo que acontece” a participação pública e o envolvimento que esta implica no processo de decisão, enquanto benefício público. Será legítimo considerar nos códigos legais a integração da obrigação de parti-cipação pública, favorecendo um modelo de cidadania ambiental e paisagista de tipo comunitarista ou republicano? Como consi-derar que o exercício de direitos consagrados legalmente possa estar dependente desta participação pública?

A propósito destas questões relacionadas com a aplicação de có-digos éticos nos códigos legais, e especificamente sobre disposi-ções legais para a realização de actos que beneficiam os outros, Greenawalt (1999:477) dá um exemplo sobre a obrigação legal de salvar outrem. Passo ao exemplo:

Uma pessoa que se passeie num parque, ao passar por um tan-que, dá-se conta de uma criança que se afoga. A pessoa está cons-ciente de que pode salvar a criança sem outros danos para si que molhar os pés. A pessoa em causa pode de acordo com os códigos legais afastar-se sem salvar a criança. Esta conduta legal foi de-fendida com base no princípio de que os códigos legais não de-vem impor a moralidade. Esta omissão moral do transeunte pare-ce-nos ser um exemplo da “responsabilidade pelo que acontece”, que apesar de não estar inscrita nos códigos legais não escaparia a um julgamento moral, em caso da perda de uma vida humana ou

Page 33: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

32 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

até da omissão em evitar o sofrimento de outrem. Neste caso, de acordo com Greenawalt, apenas os responsáveis legais da crian-ça, i.e. os pais ou tutores podem ser sujeitos a sanção jurídica, ainda que o autor considere a aplicação do dever moral nos códi-gos legais defensável (Ibidem).

Do mesmo modo, a responsabilidade do público, ou da sociedade civil, em participar no âmbito da defesa do direito a um ambiente sadio e a uma paisagem qualificada, inscrita como dever ético em vários códigos legais não é, se não realizada considerada negli-gência civil ou sancionada juridicamente.

Mas será que a participação do público pode potencialmente ter este efeito “salvador” e logo implicar este nível de responsabili-dade moral? Em caso afirmativo será legítimo impor esta parti-cipação como virtude cívica, requisito para uma cidadania am-biental e paisagista desejável e mesmo enquanto obrigação nos códigos legais, fazendo depender desta o exercício dos direitos correspondentes?

Discussão e considerações finais. A participação pública como exercício do direito à paisagem

O grau de participação atribuído ao público pode ser muito di-ferenciado, e na prática pode incluir tipologias desde a informa-ção da sociedade civil quanto às decisões administrativas, até ao estabelecimento de processos cooperativos com o objectivo da formulação partilhada da decisão, entre a sociedade civil e as autoridades oficialmente designadas para tal. Segundo Crei-ghton (2005:7) a participação pública excede o procedimento de informação ao público da decisão para significar o “(...) processo pelo qual as preocupações, necessidades e valores do público são integrados na tomada de decisão governamental e corporativa”, o que implica a comunicação e interacção de sentido plurívoco entre actores, a colaboração na resolução dos problemas e con-flitos, assim como a influência do público na tomada de decisão.

Contudo, a capacidade de influenciar a decisão está previamente determinada pela tipologia de participação seleccionada, moti-vo pelo qual a International Association For Public Participation

Page 34: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

33Cadernos Mateus DOC VI · Código

considera como valor central deste processo o envolvimento de todos os participantes na definição dos moldes da sua participa-ção (Idem). Pretty (in Jones, 2007) considera duas escolas de pen-samento e prática da participação pública – Participação como modo de legitimação das decisões da administração e a partici-pação como direito fundamental.

De acordo com Pretty (Idem: 628), apenas as tipologias de partici-pação pública – interacção e auto-mobilização permitem a reali-zação deste direito, definindo-se respectivamente como:

1. Interacção – Análise e desenvolvimento de planos de acção, com formação ou fortalecimento das instituições locais. A par-ticipação é vista como um direito, um fim em si mesmo, e não apenas como meio para atingir determinados objectivos e metas. Há um grau de controlo das decisões, do uso dos recursos e da possibilidade de manter estruturas e práticas;

2. Auto-Mobilização – As pessoas participam e tomam iniciativa independentemente das instituições. Há um controle dos recur-sos usados mesmo se estes são resultado da troca de informações e consulta com instituições.

É a participação como direito fundamental que nos interessa abordar, no sentido de responder às questões iniciais colocadas: 1) a atribuição e partilha de competências e responsabilidades necessárias à implementação da CEP permitirão no contexto eu-ropeu, a evolução do direito de paisagem para um direito à paisa-gem? Os códigos legais sendo condições necessárias do exercício de cidadania nos processos participativos, são insuficientes se não forem motivados por um código ético dos indivíduos. Mas se falha o sentido de responsabilidade, e não é nem legal nem legí-timo forçar a participação da sociedade civil em matéria de am-biente, ordenamento do território e paisagem como se assegura a realização do direito a um ambiente são ou o direito à paisagem?

Uma concepção política do direito à paisagem é aquela que subli-nharia a igualdade no acesso à determinação do quadro de vida, a todos os cidadãos, e que aplique conceitos de justiça ambiental e paisagista e que “(...) exija o direito a usos do solo e dos recur-sos naturais, éticos, equilibrados e responsáveis, com o objectivo

Page 35: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

34 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

de um planeta sustentável, no interesse e para os humanos e os outros seres vivos.” (Hofrichter in Dobson, 1990: 23) Neste caso, a justificação dos direitos assentaria em concepções igualitárias de participação na definição e na distribuição dos bens comuns paisagísticos, bem como na distribuição dos malefícios do desen-volvimento insustentável e da destruição ecológica e paisagística derivada. O âmbito alargado de aplicação da CEP, referindo-se a paisagens de qualidade excepcional, assim como quotidianas e até degradadas, permite potencialmente a edificação de um di-reito à paisagem fundado numa concepção política. Dois princí-pios relevantes na sua contribuição para a realização deste direito são: a escala local e regional dos procedimentos de participação pública previstos na definição e implementação de políticas de paisagem na CEP (CE, 2000, artigo 5.º) e o reconhecimento de que independentemente do seu valor, todas as formas de pai-sagem são cruciais para a defesa da justiça social em matéria de ambiente e paisagem e merecem ser consideradas.

Contudo, apesar de constituir o primeiro tratado internacional que considera a necessidade de proteger a qualidade de vida e o bem-estar das populações europeias, considerando os valores paisagísticos naturais e culturais, a CEP não faz qualquer refe-rência a um direito à paisagem, nem sequer estabelece a ligação, presente na Convenção de Aarhus (1998), entre a realização de direitos fundamentais e a protecção adequada de um ambien-te sadio. O preâmbulo do tratado assegura a posição central da paisagem como “(...) elemento chave do bem-estar individual e social e que a sua protecção, gestão e ordenamento implicam di-reitos e responsabilidades para cada cidadão” (CE, 2000a), mas apenas são definidos direitos procedurais, mais especificamente, direitos referentes ao acesso à informação e à participação do pú-blico na tomada de decisão.

De facto, segundo Déjeant-Pons (2002), mesmo em relação ao di-reito a um ambiente são, o reconhecimento legal, efectuado pela Convenção de Aarhus, foi reduzido à dimensão procedural. Con-cluindo, Déjeant-Pons corrobora que os direitos relativos à pro-tecção ambiental são direitos humanos reconhecidos, contudo o direito à paisagem não foi definido na CEP e é ainda um “(...) di-reito em desenvolvimento, que combina articulações de direitos

Page 36: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

35Cadernos Mateus DOC VI · Código

existentes, designadamente ambientais e culturais (...)”(in Egoz et al., 2011: 7).

Ao carácter difuso dos direitos colectivos, como o direito a um ambiente sadio ou um potencial direito à paisagem, correspon-de igualmente um carácter difuso dos deveres associados? De-vem ser os cidadãos responsabilizados, individual ou colectiva-mente, pelo cumprimento de deveres de participação no âmbito de um direito ao ambiente ou à paisagem, ou antes é esse um dever apenas do Estado, a que corresponde um direito colectivo dos cidadãos?

A resposta às questões colocadas enquadra-se no âmbito teórico da ecologia política e em particular na problematização do con-ceito de cidadania ambiental e paisagista.

Enquanto direito em desenvolvimento, o direito à paisagem ca-rece ainda de uma regulamentação jurídica formal, i.e., não se encontra inscrito nos códigos legais, ao contrário do direito a um ambiente sadio. A CEP estabelece direitos procedurais de asso-ciação aos processos de decisão em matéria de protecção, orde-namento e gestão da paisagem e à semelhança da Convenção de Aarhus sublinha, que a existência de direitos em matéria de pai-sagem ou ambiente implica responsabilidades e deveres. Ainda que não haja a obrigatoriedade de exercício destes direitos pro-cedurais, a participação pública neste caso, parece claro que os códigos legais, em matéria de ambiente e paisagem, inscrevem códigos de conduta de natureza ética. Neste caso consagram como princípio geral que os direitos difusos ou colectivos, como os direitos de 3ª geração, a um ambiente humano e ecologica-mente equilibrado, são acompanhados do dever de o defender, não apenas nas escolhas do quotidiano como na realização pré-via dos direitos procedurais associados.

Permanecem em aberto os resultados da implementação da CEP, mas parece consensual entre vários autores que no que concerne a provisão de bens públicos e comuns paisagísticos quer o Estado como o mercado são geralmente considerados ineficazes (Cooper / Hart / Baldock, 2009). Neste contexto a participação pública e em particular a acção colectiva surgem como alternativas para a revindicação do direito ao ambiente e à paisagem, direitos ainda

Page 37: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

36 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

em desenvolvimento nos códigos legais. A realização dos direi-tos procedurais associados, i.e. a participação pública, não sen-do suficiente é portanto necessária para a realização do direito material à paisagem. Este direito em desenvolvimento, mas não inscrito nos códigos legais, parece depender para a sua realização dos códigos éticos, quer dos intervenientes da administração pú-blica, representantes eleitos e técnicos incluídos, como da socie-dade civil. No quadro do liberalismo político e da valorização da autonomia individual nas escolhas que determinam a vida priva-da, parece-nos dificilmente defensável o dever de participação do público, como inscrito nos códigos legais através de uma re-gulamentação formal. Recusamos a legitimidade de um modelo de cidadania comunitarista e republicana, assente na recupera-ção da democracia participativa, com base em virtudes cívicas. A capacidade para o exercício da cidadania ambiental e paisagista, em que se inscreve a participação pública é ainda limitada por desigualdades económicas e sociais, entre outras, pelo que se-ria injusto responsabilizar os cidadãos e sancionar juridicamente pela falta de voluntarismo político.

Contudo, enquanto investigadores no âmbito de estudos de paisagem consideramos que o desenho de programas de parti-cipação pública e de metodologias de concepção em projecto, planeamento e gestão da paisagem deve seleccionar opções que viabilizem e determinem possibilidades de participação de tipo interactivo ou de auto-mobilização, no quadro de metodologias de investigação colaborativas.

A realização de direitos difusos, não reconhecidos nos códigos legais, como o direito à paisagem parece-nos exigir essa distri-buição igualitária de poder de decisão, sempre no quadro de uma partilha voluntária dos códigos éticos e das responsabilidades, de acordo com uma concepção liberal de cidadania, para a qual a sensibilização do público será contudo determinante.

Bibliografia

Abreu, Alexandre. C. / Botelho, Maria J. / Oliveira, Maria R. / Afonso, Marta (2011), A Paisagem na revisão dos PDM. Orientações para a implementação da Convenção Europeia da Paisagem no âmbito municipal, Lisboa, Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano.

Page 38: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

37Cadernos Mateus DOC VI · Código

Arnstein, Sherry R. (1969), “A Ladder of Citizen Participation”, Journal of the American Institute of Planning, Vol. 35, 4, pp. 216-224.

Cooper, Tamsin / Hart, Kaley / Baldock, David (2009), The Provision of Public Goods Through Agriculture in the European Union, Report Prepared for DG Ag-riculture and Rural Development, Contract No 30-CE-0233091/00-28, London, Institute for European Environmental Policy.

Creighton, James L. (2005), The public participation handbook. Making better decisions through citizen involvement, San Francisco, John Wiley & Sons, Inc.

Crespo, José L. (2003), Participação Pública no Planeamento Municipal. Área Metropolitana de Lisboa – 1990-2000. Dissertação de mestrado em Geografia Humana e Planeamento Regional e Local. Lisboa, Universidade de Lisboa, Fa-culdade de Letras.

Déjeant-Pons, Maguelonne (2002), “Le droit de l’homme à l’environnement en tant que droit procédural” in Dejeant-Pons, Marc /  Pallemaerts, Marc /  Fio-ravanti, Sara, Human rights and the environnement, Strasbourg, Éditions du Conseil de l’Europe.

Dobson, Andrew (1990), Justice and the Environment. Conceptions of Environ-mental Sustainability and Theories of Distributive Justice, Oxford, Oxford Uni-versity Press.

Egoz, Shelley / Makhzoumi, Jala / Pungetti, Gloria (2011), “The Right to Land-scape: An Introduction”, in The Right to Landscape: Contesting Landscape and Human Rights. Surrey: Ashgate Publishing.

Goodhart, Michael (2010), “Human Rights”, in Bevir, M. (ed.) Encyclopedia of political theory. California, SAGE Publications.

Greenawalt, Kent (1999), “Legal enforcement of morality”, in Patterson, Den-nis (ed.) A companion to Philosophy of Law and Legal Theory. Oxford, Blackwell Publishers. pp. 475-487.

Jones, Michael (2007), “The European landscape convention and the question of public participation”, Landscape Research 32, 5, pp. 613-633.

Jones, Michael / Stenseke, Marie (ed.) (2011), The European Landscape Conven-tion. Challenges of participation. Dordrecht: Springer.

Kymlicka, Will / Norman, Wayne (1994), “Return of the citizen.A survey of re-cente work in citizenship theory”, Ethics, 104, pp. 352-381.

Lourenço, Nelson / Craveiro, João L. / Antunes, Ana L. (1998), O Ordenamento do território e a influência da participação pública nos processos de decisão. Lis-boa, Universidade Atlântica, Junta Nacional de Investigação Científica, Direc-ção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano.

Page 39: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

38 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Nickel, J. (2013), “Human Rights”, in The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Zalta, E. N. (ed.), URL = <http://plato.stanford.edu/archives/spr2014/ entries/rights-human/>.

Prieur, Michel (2006), “Paysage et approches sociale, économique, culturelle et écologique”, in Paysage et développement durable – Les enjeux de La Conven-tion européenne du paysage. Strasbourg, Éditions du Conseil de l’Europe.

Rolston III, Holmes (2001), “Enforcing environmental ethics civic law and na-tural value” in Sterba, James P. (ed.), Social and Political Philosophy: Contempo-rary Perspectives. London, Routledge, pp 349-369.

van Paassen, Annemarie; van den Berg, Jolanda; Steingröver, Eveliene; Werkman, Renate; Pedroli, Bas (ed.) (2011), Knowledge in action. The search for collaborative research for sustainable landscape development. Wageningen, Wa-geningen Academic Publishers.

Vimo, Jackie (2010), “Citizenship”, in Bevir, M. (ed.) Encyclopedia of political theory. California, SAGE Publications.

Textos legais:

Council of Europe (2000a), European Landscape Convention, Florence, 20.X.2000. ETS No. 176. Disponível em: < http://www.coe.int/t/dg4/culturehe-ritage/heritage/ Landscape/ default_en.asp. Acesso em: Dezembro de 2013

Council of Europe (2000b), European Landscape Convention. Explanatory Re-port Disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/EN/Reports/Html/176.htm. Acesso em: Dezembro de 2013.

Portugal (2005), Constituição da República Portuguesa.  VII revisão constitu-cional [2005]. Disponível em: <http://www.parlamento.pt/Legislacao/Docu-ments/constpt 2005 .pdf. Acesso em: Dezembro de 2013.

Portugal (1998), Lei n.º 48/98, 11 de Agosto. Diário da República n. º184 – I Sé-rie-A. Assembleia da República. (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo).

Portugal (1996), Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro. Diário da República n. º 26 – I Série-A. Assembleia da República. (Código do Procedimento Administrativo).

Portugal (1987), Lei n.º 11/87, de 7 de Abril. Diário da República n. º 81 – I Série. Assembleia da República. (Lei de Bases do Ambiente).

Global Alliance For Rights of Nature (2008), Rights of Nature Articles in Ecua-dor’s Constitution. Disponível em: <http://therightsofnature.org/wp-content/uploads/pdfs /Rights-for-Nature-Articles-in-Ecuadors-Constitution.pdf. Aces-so em: Dezembro de 2013.

Page 40: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

39Cadernos Mateus DOC VI · Código

United Nations Economic Commission for Europe – UNECE (1998), Convention on Access to Information, Public Participation in Decision-Making and Access to Justice in Environmental Matters, adopted in the United Nations Economic Commission for Europe framework, Aarhus, Denmark. Disponível em: < http://www.unece.org/fileadmin/DAM/env/pp/documents/cep43e.pdf. Acesso em: Dezembro de 2013.

Page 41: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

40 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Page 42: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

41Cadernos Mateus DOC VI · Código

II. Genes e Justiça

Michele Loi, Flavio d´Abramo e Roberto Merrill

Nesta sessão composta de três apresentações foram apresentadas várias teses originais e complementares, sendo a principal dessas teses aquela defendida por Michele Loi, segundo a qual a epigené-tica subverte a conceção rígida que podemos ter do código genético. A partir dessa tese Loi infere uma tese normativa segundo a qual a epigenética obriga-nos a dar uma maior atenção às desigualdades herdadas na saúde, pois estas podem ser o efeito de desigualdades socioeconómicas, e não simplesmente um efeito docódigo genético. Por seu lado, Flavio d’Abramo no seu artigo desenvolve a história e epistemologia das descobertas fundamentais da epigenética. Por fim, Roberto Merrill no seu artigo apresenta as quatro principais teorias das justiça aplicadas à saúde. A discussão que se seguiu a estas três apresentações foi sobretudo animada por uma tentativa de esclarecimento em relação à questão de saber qual seria a teo-ria mais justa para avaliar as desigualdades na saúde derivadas de fatores epigenéticos.

Page 43: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

42 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Epigenetics and justice1 Michele Loi

Abstract

Epigenetics is the study of developmental processes, which ex-plain how different tissues and parts of a living body originate from identical genetic instructions contained in every cell. In other words, epigenetic processes are the ways our cells read the genetic code inside them. In many organisms, these pro-cesses are influenced by environmental stimuli and these en-vironmental marks can be transmitted up to three generations of offspring, through the germline. The possibility of analogous phenomena in humans raises new and exciting questions con-cerning, for instance, the inheritance of socio-economic inequa-lities in health.

Keywords: epigenetics, intergenerational justice, social justi-ce, equality.

1. What is epigenetics?

In this essay dedicated to the interdisciplinary meaning of “Code” and codes, it is natural to begin with the commonplace that the DNA molecule includes the genetic code. The sequenc-es of nucleotides (or bases, i.e. in the well-known tridimensional model of the DNA, the steps in the iconic twisted ladder – double helix), are the coded instructions to build all living system.2 And yet, this “code of life” is not all there is to DNA, a molecule which speaks other “languages” as well.

Suppose that you adopt a secret code with your friends, which consists in reading only capital letters, ignoring the others. Such code would allow you to express different messages with the same piece of writing, for instance:

everY Original work mUst be typed in A4 foRmat, 1.5 linEs Space, 12 Times Roman; pAges must be Numbered; the accepted langua-ges are Galician and English.

1. The author wishes to thank Lorenzo del

Savio and Elia Stupka for the ideas worked

out in two previous joint publications, many

of which are repeated – in a less technical

form - in this paper. He also wishes to thank

the group gathered at Instituto International

Casa de Mateus on the weekend between

24th and 26th January, 2014, for a very useful

discussion around these points.

2. As every high school student of biology

knows, such sequences (es. GATTACA) contains instructions, in the form

of small three-letter words corresponding

to amino acids (e.g. the sequence “TTA” stands

for Leucine), the building blocks of proteins.

Page 44: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

43Cadernos Mateus DOC VI · Código

Epigenetic processes manipulate the “formatting” of the DNA-signal, thereby influencing the part of the code that gets read. In this way, the same base signal is able to express different instruc-tions. It is as if, by altering the three-dimensional “formatting” of a sequence of symbol, new meanings are created. Why do these processes occur? What influences them?

The answer to this question is very complicated, but remarkably, part of the answer is: the environment. Epigenetic process in-volving the DNA are sensitive to environmental clues.

Moreover, there are proofs of the transmission of some of these signals to the offspring, presumably through the germ-line.3 In an animal model that researchers use to study the association between hypertension and undernutrition in fetal life (Harrison and Langley-Evans 2009), the hypertension phenotype was fund to more common between the offspring of malnourished rats compared to controls (1st generation), as well as the offspring of their offspring (2nd generation), although 1st and 2nd generation rats were raised with a normal diet.

In other words, epigenetic variations of the biological informa-tion coded by DNA occupies a middle ground between our lear-ned responses, which are not biologically inherited by our chil-dren, and the genetic traits we inherit from our ancestors. Like learned responses and unlike genetics, they are influenced by the environment; like instructions in the genetic code and unlike learned responses, they can be inherited by future generations through the germ-line.

2. Social implications of epigenetics

Should social scientists be interested in epigenetics? There are statistical associations between methylation (a molecular me-chanism involved by epigenetics) and social status (McGuinness et al 2012). If epigenetic states can be influenced by social disad-vantage and inherited through the germ-line (a mere hypothesis in humans), then it there is a biological mechanism for inheriting effects of the social disadvantage of earlier generation.

3. In some cases, there is substantial indirect evidence for this claim although no hasn’t detected the relevant epigenetic changes in sperm cells yet. In addition to indirect evidence of direct inheritance (through the germline), there are cases of “indirect” inheritance too, in which like behavior and environmental conditions shared by parents and offspring recreate like epigenetic states across subsequent generations. In order to sort out the magnitude of these different effects, it is often necessary to build complex and expensive experimental models, which will never be feasible in humans for ethical reasons.

Page 45: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

44 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

This might have important implications for the way we conceive the functions of the welfare state. Traditionally, citizens support the intervention of governments to provide health care for in-fants and young children, whose family cannot afford it, as well as access to (basic) education for all, irrespective of parental abil-ity to pay. Even the health of pregnant mothers is the focus of considerable attention in healthcare and public health. In other words, welfare state societies attempt to equalize starting condi-tions early in life, thereby reducing the influence of social back-ground (initial resources) on later outcomes (life-time amounts of resources).4 These epigenetic possibilities suggest that birth might be too late a point to equalize social circumstances. If in-dividuals are influenced by the epigenetic states associated with the environments in which their parents have lived, mitigating the influence of social background requires not only equalizing conditions early in life, but also equalizing conditions before the individual was conceived, i.e. equalizing the circumstances in which parents live. Equality of opportunity, if so, is either im-possible, or can only be achieved by serious efforts to equalize outcomes in the previous generation (Loi et al 2013, Kollar and Loi 2014).

3. Implications for social justice

3.a Reversible modifications

We are considering the hypothesis of initial social disadvantage transmitted through the germline. What are the moral implica-tions? Epigenetic imprinting might be corrected or prevented. Research on animal models shows that some epigenetic condi-tions could be reversible by altering environmental conditions (e.g. diet, dietary supplements, parental behavior, special drugs). This would be a task for the health care system. Epigenetic “mo-nitoring” could be developed as a tool in the design of preventive personalized medicine (Loi et al 2013).

3.b. Non-reversible modifications

Suppose that epigenetic programming is not reversible. Society

4. See Appendix, theory 13.

Page 46: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

45Cadernos Mateus DOC VI · Código

might have a duty to address inequality in one generation (G1) in order to achieve equality of opportunity in the next (G2). But that means that equality of opportunity can only be achieved inter-generationally. No generation can achieve it all and by it-self, no matter how radical the policies it is willing to implement. Individual chances in one generation are already affected by in-equalities experienced by past generations (Loi et al 2013).

4. Justice between generations

Let us assume that justice obtains between individuals in differ-ent generations. If luck-equality of welfare 5 between individuals in all generations is the goal of justice, one ought to be concerned with the cumulative effects of epigenetic inheritance. Suppose that inadequate nutrition by G1 (the present generation) causes hypertension in G2. If so, we might have a non paternalist reason to influence (e.g. through taxation) the lifestyle choices of G1. The state should not interfere with the choices of individuals in G1 for the sake of their own health, but for the sake of the health of their children. Notice that, if harmful epigenetic predispositions are transmitted through the germline, changes in the lifestyle of the parents have to occur already before their children are born.

This is interesting in the light of the current debate whether the state ought to interfere with the lifestyle choices of citizens. The attempt by government to promote healthy lifestyle (like quit smocking and healthier food) is often framed as an instance of state paternalism. Anti-paternalists argue that individuals ought to be free to choose, as long as other people are not hurt as a re-sult of their imprudent choices. Food and smoking restrictions, as well as taxes aimed at discouraging the consumption of un-healthy food fall prey to an accusation of paternalism on those grounds.6 But if by making these choices we thereby affect the health of our children, the same policies can be justified by ap-pealing to a different rationale (Del Savio et al, 2013).

Conclusion: epigenetics and environmental justice

The conclusion thus reached allows us to draw an interesting parallel between individual health justice and environmental

5. See Appendix, theory 5.

6. For an influential account of the anti-paternalist position see Mill 1859/1985

Page 47: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

46 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

justice. Many citizens accept limitations to their freedom (such as taxes) to pursue unsustainable lifestyles. Most of us are awa-re of the moral argument that present day consumption patterns should be limited for the sake of protecting future generations. Future discoveries in the field of human epigenetics might make it necessary to adopt a similar attitude towards individual health.

Appendix: theories of justice

In the main text of this essay, the concept of distributive justice, both between individuals and institutions, has been mentioned in various points. Philosophers disagree concerning what distri-butive justice is. Different theories differ both with respect to the good whose distribution we ought to consider when evaluating justice (the “currency”), and with respect to whether justice re-quires a perfectly equal division of the goods that are in question (10-10-10) or whether some departure from equality might be jus-tified (and if so, in what circumstances).

Concerning the question of the goods whose distribution counts for justice, the main currencies are:

1. Rights (Nozick 1974): e.g. libertarians distribute rights of sel-f-ownership, access to resources not previously owned, and ex-change of both work (and other aspects of the self) and resources.

2. Welfare (Arneson 1989): justice requires equality (or some other pattern) in levels of welfare; people who have “expensive tastes” (need a lot of resources to be made happy) might require higher resources to end up equally well off as everyone else.

3. Capability equality (Sen 1982): citizens ought to be made equal in their levels of capabilities.

4. Resource equality (Dworkin 1981): citizens ought to be made equal in their possession of resources, e.g. rights, or money as-sets, or a combination or money assets and prospects of gaining from employment of one’s natural endowments.

Concerning the question whether departures from perfect equa-lity are permissible four theories are worth mentioning:

Page 48: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

47Cadernos Mateus DOC VI · Código

A. Luck-egalitarianism (Dworkin 1981, Arneson 1989, Cohen 1989): luck egalitarians claim that people with similar responsi-bility characteristics ought to end up with similar amounts of the currency, in other words inequalities in the distribution of the currency should not be influenced by circumstances for which people are not responsible (=luck = factors that are arbitrary from a moral point of view).

B. Leximin egalitarians (Rawls 1971): they believe that departu-res from equality in the distribution of outcome are justified only if they make the worst off better off (or no significantly worse off) than equality itself. For example, taking wealth as the relevant currency, when economic inequality creates more wealth, the inequality is justified if after the distribution, those who are less wealthy in relative terms are wealthier than everybody in a more egalitarian economic arrangement.

C. Prioritarians (Parfit 2003, Arneson 2000): benefits to the worst off matter more than benefits to the better off, but not infinitely so: a distribution involving a huge benefit for the better off and a small harm for the worst off individuals might be preferable to one involving a small benefit to the worst off and a huge harm to the better off individuals.

D. Sufficientarians (Frankfurt 1987): they hold that justice is achie-ved as long as everyone is provided a sufficient level of the currency. Inequalities above the sufficiency level are not a concern of justice.

Combining four different currencies of justice with four different patterns of distribution one obtains the following 16 variants:

Patterns of distribution

Currencies: Luck- egalitarian

Leximin egalitarian

Prioritarian Suff ic ienta-rian

Negative rights of propriety and exchange

1 2 3 4

Welfare 5 6 7 8

Capability 9 10 11 12

Resources 13 14 15 16

Page 49: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

48 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

References

Arneson, R. J. (1989), “Equality and Equality of Opportunity for Welfare”, Phi-losophical Studies, 56, pp. 77–93.

-------- (2000), “Luck Egalitarianism and Prioritarianism”, Ethics, 110, 339–349.

Cohen, G. A. (1989), “On the Currency of Egalitarian Justice”, Ethics, 99, pp. 906–944.

Del Savio, Lorenzo, Michele Loi and Elia Stupka (2013), “Epigenetics and Futu-re Generations”, submitted to Bioethics.

Dworkin, R. (1981), “What is Equality? Part 2: Equality of Resources”, Philoso-phy and Public Affairs, 10, pp. 283–345.

Frankfurt, H. (1987), “Equality as a Moral Ideal”, Ethics, 98, pp. 21–43.

Harrison, Matthew, and Simon C Langley-Evans (2009), “Intergenerational Programming of Impaired Nephrogenesis and Hypertension in Rats Following Maternal Protein Restriction during Pregnancy”, The British Journal of Nutri-tion 101, pp. 1020–30.

Kollar, Eszter and Michele Loi (2014), “Prenatal Equality of Opportunity”, for-thcoming in the Journal of Applied Philosophy.

Loi, Michele, Lorenzo Del Savio, and Elia Stupka (2013), “Social Epigenetics and Equality of Opportunity”, Public Health Ethics 6, pp. 142–53.

McGuinness, D., L.M. McGlynn, P.C.D. Johnson, A. MacIntyre, D.G. Batty, H. Burns, J. Cavanagh, et al. (2012), “Socio-Economic Status Is Associated with Epigenetic Differences in the pSoBid Cohort”, International Journal of Epide-miology 41, pp. 1–10.

Mill, John Stuart (1985), On Liberty, London, Penguin Classics [1859].

Nozick, R. (1974), Anarchy, State, and Utopia, New York, Basic Books.

Rawls, J. (1971), A Theory of Justice (1st ed.), Cambridge, MA, Harvard Univer-sity Press.

Sen, A. (1982), “Equality of What?”, in Sen, A. (ed.) (1992) Choice, Wefare and Measurement, Cambridge  MA: Cambridge University Press, pp. 353–369.

Page 50: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

49Cadernos Mateus DOC VI · Código

Some historical and epistemological remarks on genetics and epigenetics

Flavio D’Abramo

Abstract

In the article some remarks are made on the birth and develo-pment of genetics and epigenetics, and in respect of their rela-tionship with environmental factors. If Johannsen’s genotype concept is a reprise of Woltereck’s Norm of Reaction, is also true that the former excluded the important role of environmental factors considered by the latter. Then, I describe some operatio-nal concepts taken from Woltereck’s Norm of Reaction and that through the work of Krafka and Hersch were transferred to Con-rad Waddington in the contemporary biological debate. In the li-ght of the role that epigenetics confers to the interaction between environmental factors and organisms’ development, the impor-tance of the genetic code is questioned.

Key words: Genetics, Epigenetics, Environment, Waddington, Norm of Reaction

1. Reaktionsnorm

Richard Woltereck was called in June 1909 to commemorate Darwin’s birth in the meeting of the German Zoological Society. In that occasion he interpreted years of work on Daphnia (a wa-ter flea that reproduces asexually) to support the Darwinian view that evolution occurred through natural selection acting on small continuous variations (Sarkar, 1999).Woltereck studied morpho-logically different strains of Daphnia and Hyalodaphnia species from different German lakes. He focused on continuous traits – i.e. head height at varying nutrient (Figure 1). In the case of head-hei-ght, the phenotype varied between different pure lines, was af-fected by some environmental factors such as nutrient levels, and was almost independent of others such as the ambient tempera-ture, and showed cyclical variation with factors such as seasonali-ty. He also noted that the response of the phenotype to the same environmental change was not identical in different pure lines.

Page 51: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

50 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Figure 1 Measure of the Daphnia’s head height (Woltereck, 1909, p. 114).

Woltereck represented the “phenotypic curves” in a graph to re-port this phenomenon (Figure 2). These phenotypic curves chan-ged for every new variable considered. Phenotypic curves were potentially and almost infinite.

Figure 2 Phenotype curves for females of three pure lines of Hyalodaphnia cucullata.

Page 52: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

51Cadernos Mateus DOC VI · Código

Abscissa: nutrient level; Ordinate: relative head height. A: strain from Moritzburg; B: from Brosdorf; C: from Kospuden. The cur-ves show non-uniform variation between pure lines grown at a constant intermediate temperature. (Woltereck, 1909, p. 139).

Woltereck coined the term “Reaktionsnorm” to indicate all the relationships included in these phenotypic curves. With such an interpretation he also addressed the issue of acquired traits: what is inherited was the “Reaktionsnorm”. The hereditary chan-ge consisted of a modification of that norm. What was inherited was the potential to generate an almost infinite number of small variations in phenotype. He also identified the “Reaktionsnorm” (from now “Norm of Reaction”) with the genotype.

A couple of years later Johannsen said that Woltereck’s Reak-tionsnorm was “nearly synonymous” with his own conception of genotype (Johannsen, 1911, p. 133). Johannsen who is one of Western genetics founders stressed the role of genetics unders-tood as ahistorical discipline in face of natural history

The genotype conception is thus an “ahistoric” view of the reac-tions of living beings – of course only as far as true heredity is concerned. This view is an analog to the chemical view, […] che-mical compounds have no compromising ante-act, H20 is always H20, and acts always in the same manner, whatsoever may be the “history” of its formation or the earlier states of its elemen-ts. I suggest that it is useful to emphasize this “radical” ahistoric genotype-conception of heredity in its strict antagonism to the transmission – or phenotype – view (Idem, p. 139).

Who embraced heredity as the study of visible characteristics of organisms as morphologists, zoologist, botanists and biometri-cians, could offer, “no profound insight into the biological pro-blem of heredity” (Idem, p. 130).

What happened later in Soviet Union and the West world regar-ding the reception of Woltereck’s Norm of Reaction is pivotal. In both the traditions Norm of Reaction came to indicate each individual phenotype curve rather the totality of relationships depicted by such curves – i.e. in Woltereck’s representation three generations of Daphnia were reported. Then, transgenerational

Page 53: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

52 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

phenotypic changes coupled with environmental factors were narrowed to one generation.

Except few cases the Norm of Reaction was ignored in the ge-netic literature of the West until 1950. During that period great importance was conferred to genotype in face of complexity of phenogeneis. Heredity was based on the primacy of immutable genes that largely determined phenogenesis, and it was thought to be entirely explained from a genotypic basis.

2. Norm of Reaction reprise

Krafka in 1920, then Hersch in 1930 and Hogben in 1933, all refer-red, without explicit references, to Woltereck Norm of Reaction (Sarkar, 1999). The three biologists studied the interdependence between phenotype variance and environmental factors. Krafka analyzed the dependence of the eye facet number in Drosophi-la melanogaster on temperature for different genotypes. Hersch produced several graphical representation of Norm of Reaction for 9 genotypes and the same phenotype. And Hogben, basing his analysis on Krafka data, focused on eye facet number depen-dence on environmental temperature of Drosophila develop-ment. The fact that curves representing Norm of Reaction were not parallel was the base on which Hogben argued for the “inter-dependence” of nature and nurture. This argument shows that the phenotypic variation cannot be additively decomposed into genotypic and environmental parts because there is a variable interaction between the genotype and environment. Therefore, Hogben analytically argued against a facile genetic reductionism. On the base of this analysis he also argued against the proposal to improve desirable human phenotypes by genetic intervention through selective breeding. Namely, it argued against eugenic.

Norm of Reaction became a central issue for biologists that grou-ped in Moscow around Chetverikov in the 1920s. The three Rus-sian biologists, N. W. Timoféef, D. D. Romashoff and O. Vogt, worked on Drosophila Funebris and mutations environmentally induced that produce variations on its wing veins’ formation. Romashoff discovered the “Abdomen abnormalis” mutation in Drosophila funebris which resulted in the degeneration of

Page 54: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

53Cadernos Mateus DOC VI · Código

abdominal stripes. Such a mutation depended on environmental factors, in particular on the dryness and liquid content of food. Timofeeff studied “radius incompletes” in the same organism – in mutant flies; the second longitudinal vein did not reach the end of the wing. In 1925 Timoféeff created different pure lines, each homozygous for this mutation. He decided to fix the proportion of normal in each pure lines but he varied this number between lines. Then descendants included phenotypically normal flies not expressing the mutation. It turned out that external factors had little influence – the differences between the lines were thought to be under control of genotypic factors. In some lines there was a large proportion of mutants but manifested the mutation weakly. In others the converse was also realized. In 1926 these results were described by Vogt through the introduction of the concepts of expressivity (that is the extent of mutation manifestation) and penetrance (that is the proportion of individuals carrying the mu-tation manifesting any effect at all). Vogt ignored the fact that di-fferent lines were different. Expressivity and penetrance became property of the mutation or the alleles rather than a property of the mutation relative to a constant genetic background. Timofeeff embraced the two concepts and in 1938 Conrad H. Waddington through his translation in English introduced them in the Western world. By 1950 the two terms expressivity and penetrance were of common currency in the Western world. The term penetrance was coined ignoring the fact that differences between pure lines produced in Timofeeff’s experiment were systematic – i.e. delibe-ratively decided by the experimenter. Moreover, Vogt introduced the two concepts as property of genes on par with dominance. Thanks to these steps, penetrance is now defined as the conditio-nal probability that a phenotype will be manifested given a parti-cular gene.

With the introduction of expressivity and penetrance the logic of Mendelian genetics was safe and the concept of gene was exten-ded with an ad hoc program. Variability in the phenotypic ma-nifestation of a trait became a result of a gene’s expressivity and its penetrance. What is inherited is the genotype that confers a certain degree of expressivity and penetrance for a trait.

Page 55: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

54 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

3. Conrad H. Waddington

Epigenetics is a term coined by Conrad H. Waddington in 1940 putting together “epigenesis” and “genetics” (Waddington, 1940). Specifically, he introduced genetics into embryology in an attempt to interpret biology not only as the slow evolutio-nary processes of natural selection and random mutation (both viewed by neo-darwinists as main characteristics of the biologi-cal processes), but also as rapid physiological process. Wadding-ton recovered the old debate ‘preformation’ versus ‘epigenesis’, to melt together the two opposing fields. Whereas preforma-tion stressed the static aspects of development —claiming that all characters of the adult organism are present in the fertilized egg and only needed to unfold or grow—, epigenesis presen-ted the old term for embryological growth and differentiation, thereby focusing on the interaction of the constituents of the zygote (Speybroeck, 2002). In Waddington’s interpretation, epi-genesis and preformation become complementary. Waddington understood preformation as every feature being represented by something in the egg, though this may be quite different from the adult form of the feature. This “something” holds the po-tential to develop robustly into the actual features of the adult organism. Epigenesis is seen to hold that the fertilized egg con-tains a small number of elements and that during development these react together to produce the much larger number of adult features that were not represented before. A fertilized egg does more than merely reproduce itself; it produces something new. Waddington links preformation to genetics and epigenesis to classical development. Waddington idea was to interpret deve-lopment as an epigenetic process. Then, a particular phenotype was not only produce by the interaction of the genotype with the environment – that is a schismatic view based on the segregation of the phenotype from the genotype. In this process Waddington also introduced the epigenotype, that is, genetic and nongenetic developmental interactions that organize the organic substances and tissues. This expansion of the biological theory was conside-red necessary as genetics only deals with the behavior of genes during inheritance and needs to be supplemented with a theory which deals with the behavior of genes in development pro-cesses. Then, epigenetics represents the turning point between

Page 56: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

55Cadernos Mateus DOC VI · Código

heredity, evolution and development and is also a theory that connects the organisms with their environments:

The same genotype can therefore produce a number of pheno-types according to what the environment of the developing sys-tem has been. This means that if you start with a phenotype, as natural selection does, there is an essential indeterminacy in the relation between that phenotype and the genotype; the relation only becomes determinate if you take into account the environ-ment also (Waddington, in Koestler and Smythies, 1969, p. 364).

Waddington experimentally discovered that if selection was practiced for a strain of organisms able in responding to an en-vironmental stimulus in a particular manner, genotypes might eventually be produced which would develop into the favored phenotype even in the absence of the environmental stimulus, a dynamics called “genetic assimilation” (Waddington, 1953; Wad-dington, 1956).

4. Epigenetics and its implications

Nowadays, if experiences of parents causally act on the biologi-cal makeup of their children is still at stake as different manner to intend epigenetics are present. It is indeed possible to consider epigenetic dynamics and, at the same time, conferring to the ge-netic level the most relevant causal role – i.e. gene-centric view point. Some biologists and physicians propose that cellular me-mories and epigenetic signaling just act among cells within an organism and that genes are still central – i.e the definition of epi-genetics is still gene-centric: “the study of changes in gene func-tion that are mitotically and/or meiotically heritable and that do not entail a change in DNA sequence” (Wu and Morris, 2001, p. 1104). In this case the basic idea is that genes code for the essen-tial characteristics of life and the genome is the ultimate causal layer in the development and change of living systems (Van De Vijver et al., 2002).

For the proponents of the gene-centric viewpoint is not possible to pass, across generations, biological memories others than ge-nic ones. At the contrary, others argue that epigenetic dynamics

Page 57: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

56 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

are omnipresent in living organisms and that environmental fac-tors – social ones included – being embodied by individuals, are then passed to descendants. Here is important to underline that we know processes in which the environment acts on biological structures other than DNA and that these dynamics are inheri-ted across generations (Jablonka and Raz, 2009; Gilbert and Epel, 2009). The scientific questions are: what are the biological me-chanisms through which environmental factors are embodied and then inherited by future generations? Are these mechanisms reversible?

As pointed out by Gertrudis Van De Vijver, Linda Van Speybroeck, and Dani De Waele philosophical questions enquiry if is still pos-sible to consider a DNA sequence (a gene) as a unit of inheritance (De Vijver et al., 2002). Or, is molecular biology still able in acting and controlling the highly complex dynamics of living systems?

Answering yes to all these questions means to justify the action at the biological level. Whereas, answering in a negative manner would justify the action on the social and environmental deter-minants that produce disadvantages to the individuals. Should these actions be discussed at the collective level or is just a ma-tter to propose to individuals, letting scientists in conferring all the meanings on molecular manipulations? Taking epigenetics seriously could mean to point at the genome as one of the many causal factors, important but not sufficient in explaining the hi-ghly complex and intricate functioning of living systems. The contribution of philosophy to such questions could be represen-ted by the task of analyzing what kinds of ideologies, if any, are included in these theories. For instance one could analyze expe-riments performed with selected strains of organisms to ques-tion practical and ethical implications of such generalizations that extend these hypotheses to humans. Indeed in such expe-riments the analyzed factors are very few and selected beyond the ethical questions attached to our existence. Compared to the factors present in everyday human life, some of which are dif-ficult, if not impossible to formalize and to measure, the expe-rimental contexts and factors are rather focused on a strict pre-cision supported by an underlying logics that goes towards the productive principles of the scientific enterprise. What are the

Page 58: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

57Cadernos Mateus DOC VI · Código

implications in translating these experimental aims and meanin-gs in the everyday life where human individuals and communi-ties take the place of flies and animal models?

References

Gilbert S. F. and Epel D. (2009), Ecological Developmental Biology. Integrating Epigenetics, Medicine, And Evolution, China, Sinauer Associates.

Koestler A. and Smythies J. R. (eds) (1969), Beyond reductionism. New perspec-tives in the life sciences, UK, Hutchinson.

Jablonka E. and Raz G. (2009), “Transgenerational Epigenetic Inheritance: Pre-valence, Mechanisms, and Implications for the Study of Heredity and Evolu-tion”, The Quarterly Review of Biology, vol. 84, n° 2, pp. 131-176.

Johannsen W. (1911), “The Genotype Conception of Heredity”, American Natu-ralist, vol. 45, pp. 129-159.

Sarkar S. (1999), “From the Reaktionsnorm to the Adaptive Norm: The Norm of Reaction, 1909-1960”, Biology and Philosophy, vol. 14, pp. 235-252.

Van De Vijver G., Van Speybroeck L. and De Vaele D. (2002), “Epigenetics: a Challenge for Genetics, Evolution, and Development?”, Annals of the New York Academy of Sciences, vol. 981, pp. 1–6.

Van Speybroeck L. (1992), “From Epigenesis to Epigenetics. The Case of C. H. Waddington”, Annals of the New York Academy of Sciences, vol. 981, pp. 61–81.

Waddington C. H. (1940), Organisers and Genes, Cambridge, Cambridge Uni-versity Press.

Waddington C. H. (1953), “Genetic Assimilation of an Acquired Character”, Evolution, vol. 7, nº 2, pp. 118-126.

Waddington C. H. (1956), “Genetic Assimilation of the Bithorax Phenotype”, Evolution, vol. 10, n° 1, pp. 1-13.

Woltereck R. (1909), “Weitere experimentelle Untersuchungen über Artverän-derung, speziel über das Wesen quantitativer Artunterschiede bei Daphnien”, Verhandlungen der deutschen zoologischen Gesellschaft, vol. 19, pp. 110–173.

Wu C. T. and Morris J. R. (2001), “Genes, Genetics, and Epigenetics: a Corres-pondence”, Science, vol. 293, pp. 1103–1105.

Page 59: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

58 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Quatro teorias da justiça aplicadas à saúde Roberto Merrill

Resumo:

Neste artigo exponho brevemente as quatro principais teorias da justiça aplicadas à saúde. Estas teorias permitem formular os princípios de justiça que podem ser usados para justificar as dife-rentes formas de cuidados de saúde e de acesso à saúde. Vou ex-por brevemente a duas primeiras e dar mais importância às duas últimas: a de Norman Daniels, que defende a “igualdade equitati-va de oportunidades” na saúde e a de Shlomi Segall, que defende o “igualitarismo da sorte” na saúde. Vamos procurar examinar qual destas teorias permite justificar de maneira mais plausível o direito aos cuidados de saúde e à saúde em geral.

Palavras-chave: Daniels, Norman; cuidados de saúde; justiça; saúde; Segall, Shlomi

Abstract:

This article exposes the four major theories of justice applied to health. These theories allow us to formulate the principles of jus-tice that can be used to justify different forms of health care and access to health care. I explain briefly the first two and give more importance to the latter two: the one by Norman Daniels, who advocates “fair equality of opportunity” in health, and Shlomi Segall, who defends “luck egalitarianism” in health. I will exam-ine which of these theories can justify more plausibly the right to health care and to health in general.

Keywords: Daniels, Norman; health; health care; justice; Se-gall, Shlomi

Introdução

A justiça na sociedade tem sido um tema importante para os fi-lósofos desde Platão e Aristóteles. Embora as conceções da jus-tiça possam variar, no entanto as teorias da justiça pretendem

Page 60: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

59Cadernos Mateus DOC VI · Código

responder à questão de saber o que nós, como membros duma sociedade, devemos uns aos outros, permitindo-nos justificar que direitos são essenciais. Será o direito à saúde um desses di-reitos? Vamos explorar de que maneira as teorias da justiça dis-tributiva permitem justificar um direito incondicional à saúde.

É de salientar que a investigação em teorias da justiça aplicadas à saúde é recente. Antes desta, a reflexão neste campo era domi-nada pela bioética, centrada sobretudo nos dilemas éticos da re-lação entre médicos e pacientes, ou sobre os benefícios e riscos potenciais para os indivíduos que surgem das novas biotecnolo-gias. Uma teoria da justiça aplicada à saúde deve dizer-nos o que devemos uns aos outros na proteção e promoção da saúde. Para isso, deve explicar a importância moral que damos à saúde, deve também dizer-nos quando as diferenças na saúde são injustas, e deve ajudar-nos a decidir que prioridades devemos ter nos cui-dados de saúde quando os recursos são escassos. Hoje, os cus-tos associados ao direito à saúde, sobretudo nos casos em que o tratamento é caro e marginalmente benéfico, tornaram mais difícil defender um direito incondicional à saúde. Assim sendo, como fornecer serviços equitativos, eficientes e de qualidade com orçamentos muito apertados para uma grande quantidade de pessoas com problemas de saúde, sobretudo em relação às doenças crónicas?

As respostas a estas questões dependem em grande parte da teo-ria da justiça aplicada à saúde que for adoptada. Por esta razão é necessário conhecer as principais teorias da justiça aplicadas à saúde, pois este conhecimento permite-nos tomar decisões em conhecimento de causa. Neste curto artigo, que pretende ser apenas uma introdução ao tema, vou expor brevemente as qua-tro principais teorias da justiça aplicadas à saúde.

Estas teorias permitem formular os princípios de justiça que podem ser usados para justificar as diferentes formas de cuida-dos de saúde e de acesso à saúde. Vou expor brevemente a duas primeiras e dar mais importância às duas últimas: a de Norman Daniels, que defende a “igualdade equitativa de oportunidades” na saúde e a de Shlomi Segall, que defende o “igualitarismo da sorte” na saúde. Vamos procurar examinar qual destas teorias

Page 61: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

60 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

permite justificar de maneira mais plausível o direito aos cuida-dos de saúde e à saúde em geral.

1. Maximin

A teoria do maximin aplicada à saúde tem como origem a teoria da justiça de John Rawls (1993). Segundo esta teoria, a saúde é um bem primário, um bem essencial ao qual todos os indivíduos devem ter acesso. Mas como tornar este acesso justo? Segundo a teoria da justiça de John Rawls, poderíamos assim seguir o “prin-cípio de diferença” ou maximin, para corrigir as desigualdades injustas na saúde: segundo este princípio, as desigualdades na saúde são justas desde que contribuam a melhorar a situação dos menos favorecidos da sociedade.

Embora Rawls considere a saúde como um bem primário, isto é, como um bem necessário para levar a cabo qualquer plano de vida, devemos notar que Rawls não elaborou na sua teoria um princípio de justiça que se aplique à saúde. No entanto, podemos seguir Rawls ao distribuir a saúde segundo o princípio de dife-rença, o qual se aplica à distribuição dos outros bens primários em Rawls.

A objeção mais comum a esta teoria consiste em considerar que esta não é aceitável na medida em que permite que hajam pro-fundas desigualdades na saúde. De facto, desde que essas desi-gualdades, por maiores que sejam, contribuam a melhorar a si-tuação dos menos favorecidos da sociedade, esta teoria não tem nada a objetar a essas desigualdades.

2. Suficientismo

Segundo a teoria conhecida por “suficientismo”, devemos apenas exigir um nível “suficiente” na saúde e nos cuidados de saúde, que seja o mesmo para todos, mas segundo as ne-cessidades de cada um. Acima deste nível de suficiência, as desigualdades na saúde são aceitáveis. Esta teoria é defendida por Allen Buchanan (2009), o qual defende um “mínimo de-cente” que seja acessível a todos na área da saúde. Este mo-delo parece corresponder bastante bem à realidade de muitos

Page 62: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

61Cadernos Mateus DOC VI · Código

sistemas de saúde, os quais cobrem apenas os “cuidados bási-cos” da saúde.

Buchanan argumenta a favor da sua teoria a partir de uma plu-ralidade de considerações, sendo as seguintes as principais: em primeiro lugar devemos reconhecer um conjunto de direitos es-peciais a um mínimo decente de cuidados de saúde que podem ser legitimamente exigidos por certas minorias, vítimas de injus-tiças passadas, assim como devemos reconhecer este direito aos indivíduos prejudicados na sua saúde por exposição a ambientes poluídos. Ou seja segundo este argumento, certas pessoas têm um acesso a um “mínimo decente” de cuidados básicos na saúde por serem vítimas de injustiças passadas. Por outro lado, Bucha-nan considera que o acesso a um “mínimo decente” deriva do princípio do dano (harm principle) segundo o qual não disponibi-lizar um acesso a cuidados de saúde implica não respeitar o prin-cípio do dano. Outra razão que Buchanan avança é de caracter prudencial: o acesso a um mínimo decente de cuidados de saúde permite que exista uma força de trabalho produtiva e cidadãos que possam defender o país em caso de haver uma guerra.

A objeção principal que se pode formular a esta teoria é dupla: por um lado parece injusto não dar acesso à saúde acima dum ní-vel mínimo decente: muitas pessoas podem ter necessidades de saúde especiais que não ficam cobertas pelo acesso a um mínimo decente de cuidados de saúde. Ou então ficamos confrontados a um “fetichismo” do mínimo decente, ou seja confrontados à difi-culdade de determinar a partir de quando a acesso aos cuidados de saúde corresponde a um “mínimo decente”.

Por outro lado, serão todas as disparidades acima do nível de su-ficiência moralmente aceitáveis?

3. Igualdade equitativa de oportunidades

A terceira teoria que defende um acesso universal a algumas for-mas de cuidados de saúde baseia-se na importância da saúde e dos cuidados de saúde para as oportunidades de vida que as pessoas podem exercer. Ou seja, a ideia é que a saúde afeta de maneira cen-tral as oportunidades de cada um. Por essa razão, devemos seguir

Page 63: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

62 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

o princípio da igualdade equitativa de oportunidades quando pro-curamos justificar o acesso aos cuidados de saúde. Esta teoria é de-fendida por Norman Daniels (2008) e o argumento que a sustenta é nas suas grandes linhas, o seguinte:

1. A saúde consiste no funcionamento normal dos indivíduos; é a ausência de patologia significativa.

2. A manutenção normal da saúde protege o leque de oportuni-dades de planos de vida que os indivíduos podem razoavelmen-te exercer.

3. Vários fatores socialmente controláveis contribuem para man-ter o funcionamento normal da saúde numa população, como a distribuição da saúde pública tradicional e as intervenções médi-cas, bem como a distribuição dos determinantes sociais da saú-de, como por exemplo o rendimento, a educação e o controle das pessoas sobre as suas vidas e os seus empregos.

4. Se temos obrigações sociais para proteger o leque de oportu-nidades disponíveis nas vidas dos indivíduos, como estipulam quase todas as teorias da justiça distributiva, então temos a obri-gação de promover e proteger o funcionamento normal da saúde em todos os indivíduos.

5. Proporcionar o acesso universal a um nível razoável de saúde pública responde parcialmente à nossa obrigação social de pro-teger o leque de oportunidades de todos os indivíduos, embora as pessoas razoáveis possam discordar sobre o que deve ser in-cluído no acesso universal à saúde, dadas as nossas limitações de recursos.

A questão fundamental de Daniels é a seguinte: o que devemos uns aos outros para promover e proteger a saúde de uma po-pulação e para ajudar as pessoas quando estão doentes ou com deficiências? Talvez a forma mais comum de interpretar a ques-tão fundamental consiste em considerá-la em termos de inter-venções e serviços médicos: que tipos de tratamentos médicos devemos incluir nos planos de seguros públicos e privados? Mas a questão de Daniels é mais larga e implica um questionamen-to sobre os determinantes sociais da saúde: na sociedade, são

Page 64: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

63Cadernos Mateus DOC VI · Código

distribuídos bens essenciais para as nossas vidas - como a edu-cação, a habitação, o emprego, o rendimento, a riqueza, a opor-tunidade, a participação política, e um sentimento de pertença a uma comunidade. Mas esta distribuição é feita de forma muito desigual na sociedade. Ora estas desigualdades sociais e econô-micas produzem desigualdades na saúde através de mecanis-mos complexos, que apenas desde há pouco anos começámos a perceber. Daniels formula assim três questões principais para responder à sua questão fundamental (Daniels, 2008: 11):

1. A saúde, e os cuidados de saúde, assim como os outros fatores que afetam a saúde, terão uma importância moral especial?

Segundo Daniels, para responder a esta pergunta, precisamos de ver de que maneira as necessidades de saúde estão em relação com outros objetivos de justiça. Para Daniels, a saúde tem uma importância moral especial porque ela contribui para o leque de oportunidades abertas aos indivíduos. Por essa razão, os fatores socialmente controláveis que promovem a saúde, como os ser-viços médicos, a saúde pública tradicional, e a justa distribuição dos determinantes sociais da saúde – têm especial importância moral por causa da contribuição que fazem à proteção das opor-tunidades de vida das pessoas (Daniels, 2008: 21)

2. Quando são as desigualdades na saúde injustas?

Mesmo quando sabemos que a saúde tem uma importância mo-ral especial por causa de seu impacto sobre as oportunidades de vida das pessoas, e mesmo que tenhamos a obrigação de proteger a igualdade de oportunidades de todas, não conseguimos neces-sariamente saber quando é que as desigualdades na saúde entre grupos sociais são injustas. Se pensarmos que o acesso aos cuida-dos de saúde representa a única maneira que temos como mem-bros da sociedade de proteger a saúde de todos, então podemos erradamente inferir que as desigualdades na saúde são injustas quando o acesso aos cuidados de saúde é desigual. Mas isso é falso, pois existem muitos outros fatores socialmente controlá-veis que afetam as desigualdades na saúde (Daniels, 2008: 21). De facto, mesmo as sociedades que possuem um acesso universal e

Page 65: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

64 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

gratuito aos cuidados de saúde podem apresentar grandes dispa-ridades na saúde, sendo estas provocadas pelos determinantes sociais da saúde. Alguns filósofos têm sugerido que se realmente quisermos realizar a justiça na saúde poderíamos reduzir os in-vestimentos nos cuidados de saúde e aumentar os investimentos nos determinantes sociais da saúde. O ponto importante a reter é que as desigualdades na saúde devem ser um motivo de preo-cupação moral independentemente das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde, ou seja, as desigualdades na saúde deve-riam ser retificadas através da redistribuição do determinantes sociais da saúde.

3. Como podemos razoavelmente atender às necessidades de saúde dadas as limitações de recursos?

Dado que a saúde não é o único bem importante, os recursos são sempre limitados. Para decidir como atender às necessidades na saúde, devemos determinar a origem dos nossos acordos e de-sacordos sobre a definição das prioridades na saúde, o que nos permite fazer escolhas no mundo real. Assim suponhamos que estamos de acordo sobre a importância moral que devemos atri-buir à satisfação das necessidades na saúde, porque percebemos a relação entre saúde e oportunidade. Suponhamos também que concordamos sobre quais são as desigualdades injustas na saúde, e suponhamos por fim que concordamos com o que considera-mos os limites razoáveis de recursos que podemos utilizar para atender às necessidades na saúde. Infelizmente, apesar destes acordos importantes, estes não nos permitem saber como aten-der de forma justa às necessidades em conflito nos cuidados de saúde. Por essa razão, Daniels propõe no seu livro de 2008 uma teoria deliberativa que permita reduzir as divergências sobre a alocação de recursos, fazendo desta maneira apelo à justiça pro-cessual para resolver os conflitos.

Em conclusão, a teoria de Daniels, apesar de ser a mais plausível das teorias da justiça aplicadas à saúde, apresenta no entanto as seguintes dificuldades: por um lado, será que devemos exigir a igualdade de todos os determinantes sociais da saúde para atin-gir a igualdade de oportunidades na saúde, ou esta exigência não será excessivamente irrealista? Por outro lado, a importância que

Page 66: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

65Cadernos Mateus DOC VI · Código

Daniels dá ao conceito de oportunidades para a prossecução de projetos de vida acaba por não permitir a justificação de acesso aos cuidados de saúde a aqueles que já têm concluídos os seus projetos de vida, ou seja, os idosos. Ora as pessoas idosas são pre-cisamente as que mais precisam de cuidados de saúde.

4. Igualitarismo da sorte

Segundo o igualitarismo da sorte, a justiça na saúde implica o igual acesso a vantagens relacionadas à saúde. Portanto, se os que têm desvantagens tinham esse acesso, mas não o usaram, nesse caso não há injustiça na saúde. Esta teoria é defendida por Shlomi Segall (2010). Assim, à questão de saber qual é a distribui-ção justa da saúde e de cuidados de saúde, a resposta à primeira vista é bastante simples: as diferenças na saúde e nos cuidados de saúde são injustas se refletirem diferenças na sorte bruta das pessoas, ou seja nas diferenças que não podem ser atribuídas à responsabilidade individual das pessoas (Segall, 2010: 1).

Mas então, segundo o igualitarismo da sorte, como convém tra-tar os pacientes que não tomaram bem conta da sua saúde? De acordo com o igualitarismo da sorte, a justiça distributiva exige apenas mitigar as desigualdades pelas quais os indivíduos não são responsáveis. Segue-se, então, que o igualitarismo da sorte requer que os pacientes que são responsáveis pela sua própria doença não têm direito a um tratamento médico.

No entanto, se os cuidados de saúde devem ser universais e incon-dicionais, como os igualitaristas tipicamente acreditam que deve-riam ser, então como podemos justificar o tratamento médico para os cidadãos que são responsáveis pelas suas necessidades médicas?

Uma resposta possível é a seguinte: os pacientes imprudentes não têm de ser abandonados já que a justiça exige a tributação de atividades imprudentes (tabagismo, por exemplo). Ora graças aos impostos recoltados desta maneira, os cuidados de saúde dos indivíduos imprudentes que tiveram má sorte podem ser fi-nanciados. A ideia consiste em delimitar a exigência de justiça na saúde aos indivíduos imprudentes, entre aqueles que tiveram sorte ou que tiveram azar.

Page 67: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

66 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Outra resposta possível ao problema do “abandono dos impru-dentes” que parece implicar o igualitarismo da sorte é a seguinte: as exigências da justiça distributiva não são a única coisa impor-tante, e por vezes outros valores devem ter prioridade quando em conflito com a justiça distributiva. Por exemplo, uma exigên-cia moral particularmente relevante consiste em que cada pessoa tenha direito à satisfação das suas necessidades básicas, incluin-do as suas necessidades médicas básicas.

Em conclusão, esta teoria apresenta as seguintes dificuldades: por um lado, é uma teoria que parece cruel, se realmente implica abandonar os imprudentes que tiveram má sorte. Por outro lado, se não abandona os impudentes em nome do respeito pelas suas necessidades básicas, a teoria perde a sua consistência.

Conclusão

Qual é a importância moral da saúde e dos cuidados de saúde? A saúde tem importância moral porque ela contribui para o leque de oportunidades exercíveis para todos nós. A saúde significa o funcionamento normal do organismo, i.e. a ausência significa-tiva de patologias mentais ou físicas. Manter o funcionamento normal do organismo através da saúde pública e das interven-ções médicas é uma condição necessária para o exercício das oportunidades de vida das pessoas.

Quais são as nossas obrigações sociais para promover a saúde da população e distribuí-la de forma justa? Se temos obrigações de justiça social para proporcionar a igualdade de oportunidades na sociedade, então temos obrigações sociais para promover o funcio-namento saudável das pessoas e para o distribuir equitativamente na sociedade através das nossas instituições. As respostas às ques-tões que se colocam no contexto das teorias da justiça aplicadas à saúde não são apenas teóricas, pois estas são determinantes para a nossa capacidade de decidir o que fazer de maneira justa. Estas teo-rias são validadas ou não pela capacidade que têm em responder a desafios do mundo real, na nossa prática da promoção da saúde.

O simples apelo a um direito incondicional à saúde ou aos cui-dados de saúde não é um ponto de partida apropriado para uma

Page 68: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

67Cadernos Mateus DOC VI · Código

investigação séria sobre a justiça na saúde. A verdade é que os direitos não surgem a partir do nada. Apenas podemos reivindi-car um direito à saúde a partir de uma teoria geral aceitável de justiça distributiva (sobre este ultimo ponto, cf. Cardoso Rosas, 2012; Wolff, 2012).

Bibliografia

Buchanan, Allen (2009), Justice and Health Care, Oxford University Press.

Cardoso Rosas, João (2012), “O custo da saúde: entre utilitarismo e justiça”, Le Monde Diplomatique, ed. port. 07/12.

Daniels, Norman (2008), Just Health: Meeting Health Needs Fairly, New York: Cambridge University Press.

Rawls, John (1993), Uma teoria da justiça. Presença.

Segall, Shlomi (2010), Health, Luck, and Justice. Princeton: Princeton Univer-sity Press.

Wolff, Jonathan (2012), The Human Right to Health, New York: W. W. Norton & Company.

Page 69: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

68 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Page 70: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

69Cadernos Mateus DOC VI · Código

III. Democracias e Propriedades

Tito Rendas e Antoni Aguiló

Num contexto de profunda crise económica global regido por concep-ções e práticas naturalizadas a respeito da democracia, do Estado, do direito, da economia e da sociedade, a colocação em causa e a descons-trução dos códigos políticos e discursivos dominantes tem-se converti-do num problema central dos nossos tempos. Para abordar a questão da vigência e crise dos códigos tradicionais, esta secção procura levan-tar algumas interrogações para reflexão: que velhos e novos códigos políticos e discursivos são estes? Quais as tensões e os problemas que os atravessam? Serão capazes de abrir novas oportunidades de relação e participação? Que papel desempenha a Internet neste contexto?

Antoni Aguiló parte da ideia de que estamos a vivenciar uma crise dos códigos democráticos hegemónicos e considera o surgimento de novos projectos de transformação social que, apesar das suas diferenças, passam pela produção de imaginações políticas dissidentes que rejei-tam os códigos sociais e políticos (neo)liberais globalizados e configu-ram códigos políticos de resistência e acção úteis para a construção de novas teorias da democracia. O que têm em comum estes códigos políticos alternativos? Quais são as suas principais contribuições em matéria de democracia? A finalidade deste trabalho é justamente di-lucidar essas e outras perguntas.

Por seu turno, Tito Rendas critica o código discursivo –baseado na metáfora do furto– amplamente utilizado em textos jurisprudenciais e legislativos para condenar a partilha não autorizada de conteúdos protegidos por direitos de autor na Internet. Num artigo que pretende servir como estímulo à reflexão de académicos e decisores sobre a re-tórica que reveste os seus argumentos sobre este tema, oferece como explicação para a falta de eco produzido por esta retórica a difícil adaptação da norma contra o furto –tipicamente associada à proprie-dade física, tangível– à imaterialidade da propriedade intelectual. Para esclarecer este ponto, Tito Rendas fala-nos de uma moralidade deslocada no tempo.

Page 71: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

70 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

THE ONLINE COPYRIGHT INFRINGEMENT “SPEECH CODE” Tito Rendas1 Universidade Católica Portuguesa – Católica Global School of Law

Abstract

The article critically examines the discourse against the wides-pread practice of unauthorized sharing of copyrighted content on the Internet. Legal discourse condemning this behavior and trying to persuade Internet users of its moral unacceptability re-lies on a rhetoric that lacks resonance and credibility: the “down-load as theft” rhetoric.

It is argued that this reliance is explained by an indifference to the fact that the deeply embedded norm against theft that we hold is maladaptive in the contemporary technological environment.

Sumário

O artigo analisa de forma crítica o discurso tipicamente utilizado contra a prática generalizada da partilha não autorizada de con-teúdos jusautoralmente protegidos em rede. O discurso jurídico condenando este comportamento e tentando persuadir os utili-zadores da sua inaceitabilidade moral baseia-se numa retórica que carece de ressonância e credibilidade: a retórica do “down-load como furto”.

O artigo defende que o recurso a esta retórica é explicado pela indiferença em relação à difícil adaptação da nossa norma contra o furto – profundamente enraizada nas nossas mentes – ao para-digma tecnológico contemporâneo.

Keywords:

Intellectual Property, Copyright Law, Internet, Morality, Discourse

Propriedade Intelectual, Direito de Autor, Internet, Moral, Discurso

1. The following pages are part of an article wri-

tten in the course of my Ph.D. studies. The article

benefited from com-ments and suggestions by Gonçalo de Almeida Ribeiro, an anonymous

reviewer and the partici-pants at the 9th Cornell

Law School Inter-Univer-sity Graduate Student

Conference, at the “Law in a Changing Transna-

tional World” workshop at the Tel Aviv University,

Faculty of Law, at the 2013 Doctoral Scho-

larship Conference at Yale Law School, and

at the Mateus DOC VI organized by Instituto Internacional Casa de

Mateus. All errors are my own. I am very grateful

to Títulos Lusitanos, Serviços Financeiros,

S.A., and Fundação Luso-Americana para

o Desenvolvimento for financial support..

Page 72: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

71Cadernos Mateus DOC VI · Código

I. The Dominant Rhetoric in Intellectual Property Discourse

Intellectual property law is the branch of law that regulates the use of creations of the mind, such as literary and artistic works – which are protected, more specifically, by copyright law.

Mark Lemley suggests that “[t]he modern use of the term in-tellectual property as a common descriptor of th[is] field [of law] probably traces to the foundation of the World Intellectual Property Organization (WIPO) by the United Nations” in 1967 (Lemley, 2005: 4). The choice of the term mattered a great deal, not so much because of the term itself, but because of the rea-soning that it led – and continues to lead – to. In fact, the use of the term property “carries a bias that is not hard to see: it sugges-ts thinking about copyright, patents and trademarks by analogy with property rights for physical objects” (Stallman, 2004).

For decades, this analogy has been advancing an implicit asso-ciation between this area of the law and our intuitive understan-ding of physical property. It is not implausible that, throughout a long evolutionary process, humans have developed what Jeffrey Stake calls “a property instinct”: a set of fundamental intuitive rules about property that became part of the human phenotype as a result of evolutionary social factors (Stake, 2004). This ins-tinct includes, among other things, a capacity to recognize ow-nership in a fairly intuitive way: usually by detection of posses-sion, people safely assume who the owner of a given good is. This ability to rapidly identify ownership has been particularly important in human evolutionary history. The general tendency to refrain from taking tangible and exhaustible goods the owner of which is intuitively recognized allows people to avoid possibly violent disputes, thus enhancing their chances of survival and reproduction. Natural selection favoured genes expressing this trait, for they promoted the fitness of individuals who owned them. As Stake puts it:

There are obvious reasons to believe that a system for alloca-ting rights in things could, at least in part, be hardwired into animal brains. A scarcity of resources creates competition for them, and some forms of competition result in harm to the competitors. Rivals can reduce the costs of competition by

Page 73: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

72 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

adopting strategies for determining the outcome of fights wi-thout physical damage (Stake, 2004: 1763).

Along with other scholars,2 Stake disagrees with Bentham’s idea that property is a pure creature of law (Bentham, 1802).

However, there are obvious differences between physical objects and intellectual works. It is commonly pointed out that while the former are rivalrous, the latter are nonrivalrous, that is, the con-sumption of an intellectual work by one person does not preclu-de the consumption of the same work by other people. The fact that the reader has read this essay does not prevent other people from reading it too.

Tying intellectual property law to our property instinct is ill-ad-vised, since it overlooks the most basic differences between phy-sical objects and intellectual works. The use of the term “proper-ty” to coin the monopolies granted to creators and the area of the law that regulates these monopolies is based on and reinforces an assumed likeness between intellectual works3 and physical property (Lemley, 2005), implicitly predisposing the legal deci-sion-making process toward making intellectual property laws more like real property laws (Stallman, 2004). This article shares Lemley’s concerns when he says that he is

worr[ied] (…) that the rhetoric of property has a clear mea-ning in the minds of courts, lawyers and commentators as “things that are owned by persons,” and that fixed meaning will make all too tempting to fall into the trap of treating inte-llectual property just like “other” forms of property (Lemley, 2005: 51).

A palpable example of this predisposition is the “pervasive rhe-torical use of the language of ‘theft’ in intellectual property dis-course” (Loughlan, 2007: 401). The use of the theft metaphor4

is especially common in relation to online file sharing – a com-monness to which the copyright industries have vigorously con-tributed. The most blatant example is probably the Movie Pictu-re Association of America’s (MPAA) clip appearing on DVDs and theatre screens: “You wouldn’t steal a car. You wouldn’t steal a handbag. You wouldn’t steal a television. You wouldn’t steal a

2. See, e.g., Thomas W. Merrill & Henry E.

Smith, “The Morality of Property”, 48 William & Mary Law Review 1849,

1866 (2007) (“property is critically dependent on

simple moral intuitions about the importance of protecting posses-

sion against unwanted invasions…”).

3. A different, but related question is whether intellectual property

is property. Several scholars have dealt with

that question before. See, e.g., Stephen L. Carter,

“Does It Matter Whether Intellectual Property Is

Property?”, 68 Chi-Kent L. Rev. 715 (1992-93); Frank H. Easterbrook,

“Intellectual Property Is Still Property”, 13 Harv.

J. L. & Pub. Pol’y 108 (1990); Adam Mossoff,

“Is Copyright Property?”, 42 San Diego L. Rev. 29

(2005); Henry E. Smith, “Intellectual Property

As Property: Delineating Entitlements in Informa-

tion”, 116 Yale L. J. 1742 (2007).

4. A number of scholars have been discussing

the power of metaphors in copyright discourse,

suggesting that they are often employed to try

and frame the copyright debate in a way that

shapes public attitudes toward copyright

infringement and, ulti-mately, toward the scope

of copyright protection. See, e.g., William Patry, “Moral Panics and the

Page 74: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

73Cadernos Mateus DOC VI · Código

movie. Downloading pirated films is stealing. Stealing is against the law. Piracy. It’s a crime.”5 In 2004, the Business Software Alliance launched a campaign – “Define the Line” – that delivered a similar message to college students, in an attempt to educate them about the harms of unauthorized downloading of software.

But the use of the “downloading as theft” rhetoric is not limited to the industries’ campaigns.6 (Un)Surprisingly, examples of this use in legal discourse abound.

Judicial use of the theft metaphor in relation to online copyright infringement is common. In his concurring opinion in Grokster, U.S. Supreme Court Justice Breyer asserts, “deliberate unlawful copying is no less an unlawful taking of property than garden-va-riety theft” (MGM Studios, Inc. v. Grokster, Ltd., 2005).

Ruling in Napster – another landmark case on online copyright infringement – Judge Patel began her opinion saying that “[t]he matter before the court concerns the boundary between sharing and theft, personal use and the unauthorized world-wide distri-bution of copyrighted music and sound recordings” (A&M Re-cords, Inc. v. Napster, Inc., 2001).

In Reimerdes, Judge Kaplan suggested that it was the Internet and its potentialities that made users forget that online copyright infringement is theft: “the excitement of ready access to untold quantities of information has blurred in some minds the fact that taking what is not yours and not freely offered to you is stealing” (Universal City Studios, Inc. v. Reimerdes, 2000).

But probably the most eloquent use of the theft rhetoric in con-nection with digital copyright infringement was made by the U.S. District Court for the Southern District of New York:

‘Thou shalt not steal’ has been an admonition followed since the dawn of civilization. Unfortunately, in the modern world of business this admonition is not always followed. Indeed, the defendants in this action for copyright infringement wou-ld have this court believe that stealing is rampant in the mu-sic business and, for that reason, their conduct here should be excused. The conduct of the defendants herein, however,

Copyright Wars” (2009); Patricia Lough-lan, “Pirates, Parasites, Reapers, Sowers, Fruits, Foxes... The Metaphors of Intellectual Property”, 28 Sydney L. Rev. 214 (2006); Lawrence Les-sig, “Remix: Making Art and Commerce Thrive in the Hybrid Economy” (2008); Ronan Deazley, “Rethinking Copyright: History, Theory, Lan-guage” (2006); Stefan Larsson, “Metaphors and Norms – Understanding Copyright Law in a Digi-tal Society” (2011).

5. “Piracy: It’s a Crime”, http://www.youtube.com/watch?v=HmZm-8vNHBSU. The MPAA also resorted to this kind of rhetorical approach in campaigns conducted in schools, by telling young students “If you don’t pay for it, you’ve stolen it” – see Kathleen Sharp, “Laying Down Copyright Law – To Children”, Boston Globe, available at http://www.boston.com/business/technology/articles/2004/04/25/laying_down_the_copy-right_law____to_chil-dren?pg=full.

6. The copyright indus-tries’ use of the theft rhetoric is analysed in detail in Jessica Reyman, “The Rhetoric of Intellec-tual Property: Copyright Law and the Regulation of Digital Culture” (2010).

Page 75: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

74 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

violates not only the Seventh Commandment, but also the copyright laws of this country (Grand Upright Music Ltd. V. Warner Bros. Records, Inc., 1991).

Courts are not the only authorities to make an association be-tween copyright infringement and theft. For instance, U.S. Sena-tor Patrick Leahy, in arguing for the passing of the No Electronic Theft Act of 1997, said that (as if the title of the statute wasn’t suggestive enough):

By passing this legislation, we send a strong message that we value intellectual property, as abstract and arcane as it may be, in the same way that we value the real and personal property of our citizens. Just as we will not tolerate the theft of software, CD’s, books, or movie cassettes from a store, so will we not permit the stealing of intellectual property over the Internet.7

The theft metaphor was also adopted in a recently proposed piece of legislation to curb online copyright infringement – put on hold after vehement protests against it: the Preventing Real Online Threats to Economic Creativity and Theft of Intellectual Property Act, commonly known as PIPA.

The analogy with physical property and the related theft meta-phor are a fundamental part of the “speech code” – the “histo-rically enacted socially constructed system of terms, meanings, premises, and rules” (Griffin, 2011: 414) – used by legal decision-makers to condemn online copyright infringement.

It is beyond doubt that judges and legislators know that infrin-gement and theft are different, for it is evident that if A steals B’s car, B will no longer have the car, while if A downloads a copy of B’s copyrighted book, A won’t deprive B of anything. One mi-ght say that A has “stolen” the money B was owed had A bought the book. But that is a hard-to-prove counterfactual: one cannot know whether A would actually buy the book if he or she lacked the means to download it. Nonetheless, courts and legislatures persistently try to make an association between illegal file sha-ring and theft. They can be doing it on purpose, because they be-lieve, with John Locke, that “Men are apt to condemn, whatever

7. 143 Cong. Rec. S12 689-91 (1997), available at http://www.gpo.gov/fdsys/pkg/CREC-1997-

11-13/pdf/CREC-1997-11-13-pt2-PgS12689.pdf.

Page 76: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

75Cadernos Mateus DOC VI · Código

they hear called Stealing, as an ill Action, disagreeing with the Rule of Right” (Locke, 1689: 118),8 or out of an inclination caused by decades of thinking about the regulation of monopolies on intellectual works through the lens of physical property. Regar-dless of the reason behind it, the insistence on employing this speech code “closes off a path to understanding both what’s ha-ppening and how one might best deal with it” (Masnick, 2010).9

II. Moral Norms in Online Copyright Infringement

AThe reverse side of our property instinct is a moral norm against theft. Because taking someone else’s property would probably entail costly, fitness-harming competition with the owner, it is plausible to argue that the human phenotype includes a pre-disposition not only toward avoiding stealing objects owned by others but also toward judging such behaviour as wrong. In other words, a moral norm against theft became adaptive.

However, this evolved norm does not seem to extend to intangi-ble, non-rival goods like those that are protected by intellectual property law. Because these goods are inexhaustible and incapa-ble of being possessed, the property instinct – an instinct that is hypothesized to have developed to deal with problems arising from tangible goods – does not trigger any negative moral res-ponses in relation to the taking of these goods. The property ins-tinct did not adapt itself so as to include intangible goods.

It would nonetheless be absurd to say that the norm against theft is entirely maladaptive in the contemporary environment. As long as humans own tangible goods, such a norm will be extre-mely valuable and fitness-promoting. Still, our property instinct and its correlate moral norm against theft are maladaptive in the digital world. The argument is not that the Internet and file sha-ring software – by giving users the possibility to easily reproduce and distribute protected intangible goods – render our property instinct maladaptive. It is rather that this instinct failed to adapt to the contemporary technological predicament. This inadequa-te adaptation reflects itself in a failure to trigger moral responses that produce the (legally) desirable results in the Internet con-text. While our property instinct warns us against stealing other

8. The plaintiffs in the recent Tenenbaum case – Sony BMG Music Entm’t et al. v. Tenenbaum, 660 F.3d 487, 490 (1st Cir. 2011) – seem to have deliberately grounded their trial strategy on the theft rhetoric. See Peter J. Karol, “Hey, He Stole My Copyright! Putting Theft on Trial in the Tenenbaum Copyright Case”, 47 New England L. Rev. (2013).

9. To be sure, “[n]o side in the Copyright Wars can claim semantic purity or sole virtue” – Patry, cf. supra note 4, at 14. Both sides try to manipulate language in order to shape public understandings of the law and morality of copyright infringement. The copyright industries’ “download as theft” rhetoric is matched, on the opposite side of the battlefield, by download aficionados’ attempt to equate infringement to sharing – a rhetoric that seems to have gained traction with many participants in this debate (myself included). The argument can be made that downloading isn’t sharing precisely because the concept of sharing requires the loss of the thing being shared, which is obviously not the case in online file sharing.

Page 77: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

76 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

people’s tangible property, such reaction is not elicited in rela-tion to “stealing” other people’s intellectual “property”. Our mo-ral norm against theft did not evolve in a way that makes us auto-matically judge the download of copyrighted content as morally wrong. In relation to copyright infringement, hence, this norm is time-shifted.

Studies show that the majority of Internet users don’t think downloading music is stealing (Pew, 2000: 2),10 which means that whereas in the contemporary technological world real property law can rely on an evolutionarily inherited norm against theft to reinforce compliance, copyright law cannot. Most people don’t go around stealing tangible goods, despite the wealth of oppor-tunities to do it with little effort and low chances of being caught. Yet, most Internet users with knowledge of at least one of the myriad ways available to download protected content do it with little or no hesitation.

III. The Ineffectiveness of the Dominant Rhetoric

This theory gives us the tools to understand why the reasoning in cases like Reimerdes is misguided. An understanding of the time-shiftedness of the moral norm against theft undermines Ju-dge Kaplan’s statement that “the excitement of ready access to untold quantities of information has blurred in some minds the fact that taking what is not yours and not freely offered to you is stealing” (Universal City Studios, Inc. v. Reimerdes, 2000). Users have never forgotten what types of behaviour count as stealing; online file sharing just doesn’t strike them as one such type.

Thus, the speech code used to condemn online copyright in-fringement is ill-advised in appealing to our moral norm against theft. As Loughlan rightly points out, usage of this rhetoric “is meant (…) to draw upon and mobilize the ordinary, almost ins-tinctive response of ordinary people to dislike and distain and despise the unauthorized user of copyright works as they would dislike, distain and despise the ordinary thief” (Loughlan, 2007: 403). Legal decision-makers aspiring to increase compliance with online copyright law should give up on this rhetorical stra-tegy. The rhetoric of theft is wholly ineffective because it appeals

10. These studies were conducted in 2000, but

judging by the current levels of illegal music

downloads, users haven’t been persuaded to the

contrary. See, also, Stacey M. Lantagne, Note, “The

Morality of MP3s: The Failure of the Recording Industry’s Plan of Atta-ck”, 18 Harv. J.L. & Tech.

269, 278 (2004).

Page 78: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

77Cadernos Mateus DOC VI · Código

to an evolved moral norm that is maladaptive when associated with the context where illegal file sharing occurs.11

References

Books:

Bentham, Jeremy (1802), Principles of the civil code (1802), in J. Bowring (ed.) (1962), The Works of Jeremy Bentham.

Deazley, Ronan (2006), Rethinking Copyright: History, Theory, Language.

Griffin, Em (2011), A First Look at Communication Theory.

Larsson, Stefan (2011), Metaphors and Norms – Understanding Copyright Law in a Digital Society.

Lessig, Lawrence (2008), Remix: Making Art and Commerce Thrive in the Hybrid Economy.

Locke, John (1689), An Essay Concerning Human Understanding in Focus, in G. Fuller et al. (eds.) (2000).

Patry, William (2009), Moral Panics and the Copyright Wars.

Reyman, Jessica (2010), The Rhetoric of Intellectual Property: Copyright Law and the Regulation of Digital Culture.

Articles:

Carter, Stephen L. (1992-93), “Does It Matter Whether Intellectual Property Is Property?”, 68 Chicago-Kent Law Review 715.

Easterbrook, Frank H. (1990), “Intellectual Property Is Still Property”, 13 Harvard Journal of Law & Public Policy 108.

Karol, Peter J. (2013), “Hey, He Stole My Copyright! Putting Theft on Trial in the Tenenbaum Copyright Case”, 47 New England Law Review.

Lantagne, Stacey M. (2004), Note, “The Morality of MP3s: The Failure of the Recording Industry’s Plan of Attack”, 18 Harvard Journal of Law and Technology 269.

Lemley, Mark A. (2005), “Property, Intellectual Property, and Free Riding”, 83 Texas Law Review 1031 [available at http://philo.at/wiki/images/Lemly_property_free_riding.pdf].

11. Tom O’Flynn seems to suggest the evolutionary basis of this ineffectiveness – “[t]his highlights the ‘morality gap’ that appears deeply ingrained in the general public’s mindset” – but does not fully grasp the complexity of the issue, as the subsequent use of the counterintuitive parallel disappointingly shows – “online theft of software, music or film is simply not perceived as being as serious as the ‘equivalent’ physical offence.” – Tom O’Flynn, “File Sharing: An Holistic Approach To The Problem”, 17 Ent. L. Rev. 218, 221 (2006).

Page 79: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

78 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Loughlan, Patricia (2007), “‘You Wouldn’t Steal a Car...’: Intellectual Property and the Language of Theft”, 29 European Intellectual Property Review 401.

-- (2009), “Pirates, Parasites, Reapers, Sowers, Fruits, Foxes... The Metaphors of Intellectual Property”, 28 Sydney Law Review 214.

Masnick, Michael (2010), “Why It’s Important Not to Call Copyright Infringement Theft”, http://www.techdirt.com/articles/20100913/22513210998.shtml.

Merrill, Thomas W. / Smith, Henry E. (2007), “The Morality of Property”, 48 William & Mary Law Review 1849.

Mossoff, Adam (2005), “Is Copyright Property?”, 42 San Diego Law Review 29.

O’Flynn, Tom (2006), “File Sharing: An Holistic Approach To The Problem”, 17 Entertainment Law Review 218.

Pew Internet & American Life Project (2000), “Downloading Free Music: Internet Music Lovers Don’t Think It’s Stealing”, http://www.pewinternet.org/pdfs/PIP_Online_Music_Report2.pdf.

Sharp, Kathleen (2004), “Laying Down Copyright Law – To Children”, Boston Globe, http://www.boston.com/business/technology/articles/2004/04/25/laying_down_the_copyright_law____to_children?pg=full.

Smith, Henry E. (2007), “Intellectual Property As Property: Delineating Entitlements in Information”, 116 Yale Law Journal 1742.

Stake, Jeffrey E. (2004), “The Property Instinct”, 359 Philosophical Transactions of the Royal Society of London 1763.

Stallman, Richard M. (2004), “Did You Say ‘Intellectual Property’? It’s a Seductive Mirage”, http://www.gnu.org/philosophy/not-ipr.en.html.

Case Law:

A&M Records, Inc. v. Napster, Inc., 114 F. Supp. 2d 896 (N.D. Cal. 2001).

Grand Upright Music Ltd. V. Warner Bros. Records, Inc., 780 F. Supp. 182 (S.D.N.Y. 1991).

MGM Studios, Inc. v. Grokster, Ltd., 545 U.S. 913 (2005)

Universal City Studios, Inc. v. Reimerdes, 111 F. Supp. 2d 294, 335 (S.D.N.Y. 2000).

Page 80: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

79Cadernos Mateus DOC VI · Código

Nuevas democracias, nuevos códigos políticos en estos tiempos de indignaciones Antoni Jesús Aguiló Bonet

Resumen: el objetivo principal de este trabajo es examinar en términos generales las características comunes de los “nuevos” códigos políticos surgidos de las indignaciones sociales y políti-cas que desde 2011 han ido produciéndose alrededor del mundo, movilizaciones populares heterogéneas en las que las luchas por la democracia real desempeñan un papel crucial en la reinven-ción de la democracia.

Palabras clave: nuevas formas de hacer política, democracia, neoliberalismo, movimientos sociales, emancipación.

Abstract: The main aim of this paper is to examine in general terms the common features of the “new” political codes which emerged from the social and political outrages that have been oc-curring since 2011 worldwide, heterogeneous and popular mobi-lizations in which struggle for real democracy and have a crucial role in the reinvention of democracy.

Keywords: new ways of doing politics, democracy, neoliberal-ism, social movements, emancipation.

Resumo: o principal objetivo deste trabalho é examinar em ter-mos gerais as características comuns dos “novos” códigos polí-ticos surgidos das indignações políticas e sociais que vêm ocor-rendo desde 2011 em todo o mundo, mobilizações populares heterogéneas onde as lutas pela democracia real têm um papel fundamental na reinvenção da democracia.

Palavras-chave: novas formas de fazer política, democracia, neo-liberalismo, movimentos sociais, emancipação.

Neoliberalismo y democracia

El neoliberalismo ha logrado imponer su visión del mundo como verdad universal, arrastrándonos cada vez con más virulencia a sociedades de mercado que naturalizan la lógica del capitalismo

Este trabajo ha sido desarrollado en el ámbito del proyecto “ALICE- Es-pejos extraños, lecciones imprevistas: definiendo para Europa una nueva manera de compartir las experiencias del mundo” (alice.ces.uc.pt), coor-dinado por Boaventura de Sousa Santos en el Centro de Estudios So-ciales de la Universidad de Coímbra (Portugal). El proyecto recibe fondos del Consejo Europeo de Investigación a través del séptimo Programa Marco de la Unión Europea (FP/2007-2013) / ERC Grant Agreement nº 269807.

Page 81: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

80 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

y sus valores: competencia, individualismo posesivo, consumis-mo, desigualdad, entre otros. Y ello con un profundo impacto en la vida individual y colectiva: empleos esclavizantes; deudas ilegítimas pagadas con los cuerpos de las clases trabajadoras; sui-cidios inducidos por condiciones inhumanas; falsas democracias que secuestran la soberanía popular; educación alienante que rechaza la idea de que “somos seres de transformación y no de adaptación” (Freire: 1997, 26), entre otros efectos.

El impacto del neoliberalismo también es notorio en la imagina-ción política. Las élites neoliberales en ascenso en la década de los ochenta entonaron el “no hay alternativa” al capitalismo y a la democracia liberal, presentados ideológicamente como “fin de la historia” (Fukuyama, 1990). Desde entonces, el neoliberalis-mo ha tratado de reprimir la imaginación creadora de disidencia, ruptura y radicalidad. El resultado ha sido el empobrecimiento alarmante de las percepciones, significados y prácticas en torno a la democracia. Padecemos una regresión democrática sostenida que se refleja por lo menos en cinco aspectos: 1) el vaciamiento y descrédito de las instituciones políticas liberales1, 2) la despo-litización de la sociedad, 3) la privatización de lo público, 4) la subordinación de la izquierda institucional a las reglas de juego de la política (neo)liberal y 5) la reducción de la democracia a un simulacro electoral donde la representación política se compra y vende al mejor postor. Vivimos en una época en la que, parafra-seando a Walter Benjamin (1982), la cotización de la experiencia democrática se ha devaluado de manera salvaje.

Este empobrecimiento de la experiencia democrática se debe en buena parte al arraigo en el sentido común de una razón “perezosa, que se considera única, exclusiva, y que no se ejercita lo suficiente como para poder mirar la riqueza inagotable del mundo” (Santos, 2006: 20). Es una racionalidad que opera a partir de la fragmenta-ción, reducción e instrumentalización de la realidad, produciendo una pluralidad de formas de no existencia2 que invisibilizan for-mas de conocer, de ser, de aprender, de relacionarse, etc.

Las distintas formas de producir invisibilidad y negación gene-radas por la razón indolente se manifiestan a través de “mono-culturas” epistemológicas y sociales (Santos, 2005a), una serie

1. El Barómetro de Opinión de septiembre

de 2012 del Centro de In-vestigaciones Sociológi-cas (CIS, 2012) constata la crisis de confianza de la ciudadanía española hacia la clase política y

los partidos políticos en general. Según el CIS, después del paro y la situación económica,

los políticos se han convertido en la tercera

preocupación la sociedad española. Un 26,9% de la población encuesta-

da considera que son uno de los principales

problemas del país. Una cifra significativa si se compara con el 18,1% de 2010 y se tiene en cuenta que es el dato

más elevado desde que se tienen registros de este indicador. Otros indicadores, como el

Eurobarómetro, también reflejan la creciente

desafección y pérdida de confianza ciudadana

hacia las instituciones gubernamentales y

los sistemas políticos nacionales, al destacar que: “La insatisfacción domina en 14 Estados

miembros, con máximas en Grecia (89%), en

Rumania (85%), Lituania (76%), Bulgaria (74%), Portugal (74%), Eslove-

nia (73%), Italia (72%), República Checa (70%), Hungría (70%) y Eslova-

quia (70%)” (Comisión Europea, 2012: 56).

Respecto a la percepción del funcionamiento de la democracia a escala

europea en el

Page 82: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

81Cadernos Mateus DOC VI · Código

de lógicas de pensamiento y acción que ocultan determinadas formas de interpretar el mundo, recortan realidad, desperdician experiencia y generan actitudes de desprecio por lo que ha sido producido como ausente.

El pensamiento político liberal hegemónico ha contribuido mu-cho al desarrollo de estas monoculturas a lo largo de la historia moderna y contemporánea mediante la exportación y globali-zación de la monocultura de la democracia liberal (Aguiló, 2013: 48), la lógica política que determina los códigos tradicionales de caracterización y legitimación de la democracia. Esta monocul-tura, dominante en la teoría y la práctica política contemporánea, crea formas de ignorancia e invisibilidad en torno a la democra-cia que desperdician de manera sistemática experiencias signifi-cativas para los procesos de la democratización. Lo hace:

1) Con el establecimiento de líneas abismales coloniales (Santos, 2007) que separan radicalmente la “democracia” de lo que no es, caracterizado en términos de ingobernabilidad, autoritarismo, exotismo, etc.

2) Mediante la institución de un determinado orden social y polí-tico que hace pasar por generales los intereses particulares de las clases dominantes, legitimando por medios políticos un modelo de sociedad que reproduce la hegemonía intelectual, moral y so-cial de los grupos dominantes.

3) Con la adopción de una perspectiva occidentalocéntrica que considera que Europa (u Occidente) representa la forma más ele-vada de vida alcanzada por la humanidad y proporciona los crite-rios con los que juzgar al resto de civilizaciones. Esta perspectiva convierte en canónica la experiencia política de cuatro países del Norte global: Inglaterra (el parlamentarismo, el liberalismo de Locke, la revolución Gloriosa de 1688, entre otros fenómenos); Francia (la Ilustración y la revolución de 1789); Holanda (la Re-pública de Batavia y los trabajos de Grocio sobre el derecho de gentes); y Estados Unidos (la Declaración de derechos de Virginia de 1776 y la Constitución Federal de 1787).

4) Presentando la democracia liberal como “la forma final de gobierno humano” (Fukuyama, 1990: 7) y, por tanto, como un

marco de las políticas de austeridad actualmente adoptadas en el conti-nente, la insatisfacción domina en nueve países: Grecia (77%), Portugal (66%), España (54%), Italia (53), Reino Unido (52%), Austria (52 %), Eslovaquia (50%), Chi-pre (4 %) y la República Checa (47 %) (Comisión Europea, 2012: 58).

2. Según Santos (2009: 109): “Hay producción de no existencia siempre que una entidad dada es descalificada y tornada invisible, ininteligible o descartable de un modo irreversible”. En su crítica global a la racionalidad occidental dominan-te, Santos (2005a) identifica cinco modos de producción no exis-tencia. En primer lugar, la monocultura del saber, que establece el conoci-miento científico como el único criterio de verdad. En segundo, la monocul-tura del tiempo lineal, la idea de que la historia posee una solo sentido y una sola dirección. En tercero, la monocultura de la clasificación social, que produce jerarquías dicotómicas donde la diferencia es naturaliza-da como una expre-sión de inferioridad y subordinación. En cuarto, la monocultura de la escala dominante, que sólo considera relevante la escala de lo universal y lo global. Y por último, la monocultura de la productividad capitalista, basada en

Page 83: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

82 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

producto universal culturalmente superior y definitivamente acabado.

Nuevos códigos democráticos: principales elementos comunes

Combatir la monocultura de la democracia liberal exige cultivar la imaginación democrática. Como instrumento al servicio del cambio social, este tipo de imaginación va más allá de lo inme-diatamente visible porque “permite el reconocimiento de dife-rentes prácticas y actores sociales” (Santos, 2005b: 37) invisibi-lizados, oprimidos e incluso eliminados. “Creación, imaginación radical, imaginario histórico-social –escribe Castoriadis (1988: 15)– son ideas madres indefinidamente fecundas, reprimidas o marginadas por las teorías políticas dominantes.

El ejercicio de la imaginación democrática es radical cuando for-mula preguntas que desafían las ideas y prácticas convenciona-les; reconoce la existencia de formas democráticas que amplían el significado ortodoxo y el alcance habitual de la democracia, recuperando las tradiciones de pensamiento, instituciones y prácticas democráticas situadas fuera o en los bordes de la polí-tica hegemónica; y cuando es portadora de un horizonte eman-cipador que apunta a la transformación política, social, econó-mica y cultural.

En la actualidad, las luchas por la democracia real que se libran han reavivado la chispa de la imaginación democrática. Aunque su aparición está estrechamente vinculada a la crisis y sus efec-tos, no se trata de un fenómeno coyuntural o de corta duración, sino del despertar gradual de un letargo político para ajustar cuentas pendientes con el capitalismo y su caja de resonancia po-lítica, la democracia liberal; un sistema que permite el aumento de la brecha entre las instituciones y la ciudadanía, la continui-dad de la concentración del poder y la riqueza en pocas manos, la exclusión social y dinámicas sociales de signo similar. La crisis provoca pobreza y desigualdad, pero también genera luchas y ra-dicalidad. Lo ola de indignaciones surgidas en 2011 en las calles y plazas del mundo expresa la heterogeneidad de formas de lucha apartidarias en búsqueda de un nuevo contrato democrático y social en sintonía con las necesidades de la mayoría. Son luchas

los criterios capitalistas de producción. A cada una de estas lógicas le

corresponde una forma de inexistencia social,

respectivamente: lo ignorante, lo inferior, lo

atrasado, lo local y lo improductivo.

Page 84: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

83Cadernos Mateus DOC VI · Código

sociales que denuncian la crisis de legitimación global de las ins-tituciones representativas y apuntan la necesidad de reinventar la democracia.

Ahora bien, antes de seguir avanzando cabe preguntarse: ¿aca-so no permite la democracia liberal, normativamente, introducir nuevos códigos democráticos en ninguno de los casos? ¿Está ne-cesariamente vinculada a los aspectos negativos mencionados? ¿No admite correcciones que puedan volverla más democrática y eficaz? Si bien es cierto que hay autores de la tradición liberal, como, entre otros, John Stuart Mill (2002), que revisan los postu-lados liberales desde una perspectiva más social, en un intento de trascender las versiones más individualistas y economicistas del liberalismo, no podemos olvidar que la democracia real implica la transformación profunda de las lógicas políticas dominantes mediante la creación espacios de participación y protagonismo popular. La creación de estos espacios no está en el horizonte de la democracia liberal ni en el espíritu del liberalismo, cuyo an-damiaje axiológico e ideológico no está basado en la defensa de la soberanía popular y de la solidaridad, sino de la libertad indi-vidual negativa y la propiedad privada, complementadas por el principio de neutralidad del poder estatal respecto a las diferen-tes concepciones del bien común.

La democracia liberal, en este sentido, siempre ha sido ideológi-camente hostil a la participación activa y al autogobierno popu-lar, por el que históricamente, desde Locke hasta la Comisión Tri-lateral, ha demostrado una profunda desconfianza, defenfiendo un sistema representativo con mayor o menor grado de apertura pero siempre con restricciones al sufragio y recelos respecto a la participación social. A pesar de los procesos de democratización a los que se ha visto sometida (extensión del sufragio, sistema competitivo de partidos, ampliación de los órganos represen-tativos tanto del poder central como local, etc.), la democracia representativa liberal no ha servido para eliminar el poder elitis-ta, disminuir la distancia entre representados y representantes, promover la participación efectiva de la sociedad y acabar con las dinámicas representativas que permiten a los electos suplantar la voluntad popular.

Page 85: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

84 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Frente al predominio de la lógica liberal y neoliberal, luchas por la participación política, asambleas populares, deman-das de procesos constituyentes y cambios de régimen revelan una explosión de imaginaciones democráticas disidentes. El levantamiento zapatista, la revolución bolivariana, el Foro So-cial Mundial y, más recientemente, las “Primaveras árabes”, los movimientos antiausteridad europeos, Occupy Wall Street, el 15M (España), Tamarod (Egipto), el Movimiento Passe Livre (Brasil) o Yo soy 132 (México) son, todas ellas, expresiones del ciclo de resistencias y movilizaciones que en diferentes grados critica el agotamiento de los códigos políticos de la modernidad capitalista, burguesa y liberal; evidencia la crisis de legitimi-dad global de las instituciones representativas bajo el dominio mundial del neoliberalismo; repolitiza la sociedad; desafía el determinismo histórico-social del “no hay alternativa”; y abre paso a nuevas formas de entender la política desde abajo. Estos proyectos constituyen un repertorio heterogéneo de iniciativas que suponen la reemergencia del antagonismo político y social en el contexto de la radicalización del orden neoliberal y mues-tran las tensiones de sociedades en lucha por imaginaciones democráticas alternativas; imaginaciones que desbordan los límites impuestos por el canon democrático moderno a través de “nuevos ejercicios de democracia” y la búsqueda de “nue-vos criterios democráticos para evaluar las diferentes formas de participación política” (Santos, 1998: 339). Las luchas por la de-mocracia real son, por tanto, productoras de códigos políticos que incluyen nuevos (o por lo menos renovados) vocabularios, repertorios de significados, sujetos y prácticas encaminadas a crear formas de relación social capaces de modificar o subvertir los códigos políticos dominantes que obstaculizan el ejercicio de la soberanía popular y permiten dinámicas de exclusión, de-sigualdad y discriminación.

No obstante, más allá de sus particularidades, existen elementos compartidos por los nuevos códigos políticos surgidos de las lu-chas por la democracia real. De manera general, y sin ánimo de exhaustividad, estos códigos han introducido dinámicas especí-ficas en los actuales procesos y luchas que se desmarcan de los actuales códigos liberales y neoliberales:

Page 86: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

85Cadernos Mateus DOC VI · Código

1. Defienden la pluralidad y la diversidad democrática o, en pa-labras de Santos y Avritzer (2003: 61), son luchas por la reivindi-cación de la “demodiversidad”, concebida como “la coexistencia pacífica o conflictiva de diferentes modelos y prácticas democrá-ticas”. Las batallas por la demodiversidad implican una doble tarea: denunciar, por un lado, las limitaciones de la democracia liberal, que como sistema de partidos competitivos se ha reve-lado inútil para proteger y mejorar las condiciones de vida por estar subordinado a intereses económicos privados y sostenido en buena medida por la corrupción, el conformismo y la apatía, hecho que en Europa se ha traducido en la adopción de políticas regresivas en lo político, social y ambiental, como los programas de austeridad (Aguiló, 2012), así como en la deslegitimación cre-ciente del sistema de partidos. Por otro, rescatar las tradiciones de pensamiento democrático marginadas y reconocer experien-cias de democracia desacreditadas por la monocultura de la de-mocracia liberal. Reconocer no quiere decir valorarlas de manera acrítica, sino buscar su inclusión en los debates sobre profundi-zación democrática y explorar su potencial para la creación de formas más exigentes de articulación y decisión política. Asam-blearismo, autogestión, dignidad o territorio, entre otras pala-bras, dan cuenta de una amplia gama de lenguajes desde los que construir alternativas a la monocultura de la democracia liberal.

Dentro y fuera del mundo y de la cultura occidental puede encon-trarse un rico acervo de experiencias de demodiversidad situadas en los márgenes de la historia política moderna. La “democracia primitiva” sumeria estudiada por Jacobsen (1943); la deliberación directa del demos en la ekklesia en la Atenas de Pericles; la demo-cracia directa en determinados cantones suizos que inspiró las ideas políticas de Rousseau; la democracia jacobina en la Francia revolucionaria; los procesos de decisión política en la lógica del poder comunal del que habla Tocqueville (2005) cuando se refie-re a la comuna de Nueva Inglaterra; la democracia oral en torno al árbol de las palabras3 en aldeas africanas (Wabgou, 2007); la Comuna de París (Aguiló, 2014), exponente histórico de la demo-cracia obrera participativa; la democracia de los soviets (consejos de trabajadores, soldados o campesinos) en los inicios de la Re-volución rusa; la democracia comunitaria directa de los ayllus4

andinos; el “mandar obedeciendo” y la “palabra verdadera” de

3. Se trata de asambleas, habitualmente celebradas bajo un baobab, alrededor del cual se reúne el Consejo de Sabios para consultar con los vecinos y deliberar o sencillamente para conversar sobre aspectos económicos, políticos, culturales, etc. que afectan a la comunidad.

4. Institución indígena comunitaria existente antes de la colonización española. El ayllu es una estructura de relaciones familiares y comunales de reciprocidad que abarca aspectos de organización político-ideológica, económicos, territoriales y culturales. Véase Ticona (2011).

Page 87: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

86 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

la democracia zapatista (Harvey, 2000); los consejos comunales en Venezuela (López Valladares, 2006); los presupuestos partici-pativos; la democracia electrónica; las iniciativas ciudadanas; los Consejos sectoriales en Brasil (Azevedo, 2004); la planificación participativa en Kerala (Rodríguez-Villasante, 2011); el asamblea-rismo barrial del 15M; la participación ciudadana en la evaluación de impactos científicos y tecnológico; la revitalización de barrios de Minneapolis (Fagotto y Fung, 2006) son algunos ejemplos de experiencias al margen de la democracia representativa mono-polizada por los partidos políticos.

2. Redefinen el significado cultural y social de la democracia. Los límites del lenguaje demarcan el ámbito de lo pensable, de lo decible y, junto a ello, establecen el marco de lo posible. Como afirma Wittgenstein (1994: 245), “los límites de mi lenguaje sig-nifican los límites de mi mundo”. No obstante, los límites men-tales y experienciales impuestos por los significados dominantes pueden ser transgredidos con lenguajes alternativos capaces de ampliar el campo de lo posible. Esta ampliación suele ser el re-sultado de profundas rupturas y transformaciones semánticas.

Jas luchas por la democracia real pretenden ampliar el marco de lo posible mediante una ruptura semántica con los significados heredados y las “verdades” poco cuestionadas por el sentido co-mún, pues son luchas por la resignificación política y social de la democracia; luchas por dar nombre a fragmentos de experien-cia social que no son verbalizables en la lengua hablada por el poder oficial y la política ortodoxa; luchas por desnaturalizar la semántica de la democracia liberal y forjar lenguajes democráti-cos alternativos, ya que la democracia no es algo monolítico, sino una práctica social históricamente localizada  y culturalmente enraizada que asume formas y significados diversos en el tiempo y el espacio.

Así, los códigos políticos de los movimientos por la democracia real trabajan por desnaturalizar la semántica liberal que nos ha acostumbrado a definir la democracia en términos schumpete-rianos, como un “sistema institucional para la toma de decisio-nes políticas, donde algunos [individuos] adquieren el poder de decisión mediante una lucha competitiva por los votos del

Page 88: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

87Cadernos Mateus DOC VI · Código

elector” (Schumpeter, 1961: 321). Frente al predominio de la llamada “concepción hegemónica de la democracia”5 (Santos, 2003), las luchas por la democracia real han introducido en bue-na parte del sentido común la idea de que la democracia es algo más que representación política y liderazgo partidario, como lo pone de manifiesto la centralidad otorgada a los mecanismos asamblearios, deliberativos y horizontales para la toma colecti-va de decisiones. Desde esta perspectiva, la imaginación política de estos movimientos se acerca a la interpretación de la demo-cracia como el arte de colectivizar las decisiones, compartir la autoridad y socializar el poder para transformar las relaciones de dominación que niegan, limitan, imposibilitan, bloquean o reprimen el ejercicio de la soberanía popular y la construcción de poder desde abajo.

3. Incorporan sujetos despolitizados por el liberalismo (y, en ge-neral, por buena parte de la filosofía política occidental). El ci-clo de indignaciones populares que atravesamos ha supuesto la entrada en escena de una diversidad de sujetos despolitizados por la democracia liberal, que otorga el privilegio de la represen-tación a actores organizados en las estructuras clásicas de ca-nalización política (partidos, sindicatos y ONG). Desempleados excluidos del mundo del trabajo y del consumo, trabajadores precarizados, desahuciados, estudiantes, migrantes, pensionis-tas, jóvenes sin militancia partidaria previa, entre otros colecti-vos que denuncian su subrepresentación política por las fuerzas políticas tradicionales y su falta de participación en los procesos de toma de decisiones, presentan diferentes formas de moviliza-ción y participación, entre las que cabe destacar las mareas ciu-dadanas, una articulación híbrida entre los trabajadores públicos de diferentes sectores (sanidad, educación, funcionariado, etc.), el 15M, los sindicatos y los usuarios y ciudadanos que luchan en defensa de los servicios públicos.

4. Apuestan por abrir otros espacios de construcción democráti-ca. La cultura política de la democracia liberal recela de los espa-cios de acción política fuera de los canales formales a través de los que se ejerce la democracia representativa (Estado, Parlamen-tos, elecciones y partidos políticos). Considera que la democracia se resuelve “en las urnas” y no “desde una tienda de campaña”6

5. Un cuerpo heterogéneo de teorías sobre el significado de la democracia y la participación política desarrolladas en la modernidad occidental y que se consolida durante la primera mitad del siglo XX, con las reflexiones de autores como Max Weber, Han Kelsen y Joseph Schumpeter y Norberto Bobbio, entre otros. Aunque adoptan diferentes formas, estas teorías comparten un mismo enfoque normativo sobre la democracia y la preferencia por un conjunto de mecanismos institucionales inscritos en el marco de la teoría política liberal.

6. Declaraciones realizadas en agosto de 2011 por José Bono, expresidente del Congreso de los Diputados. Véase: <http://www.publico.es/espana/390233/bono-los-problemas-no-se-arreglan-desde-una-tienda-de-campana> [Consulta: 10 de marzo de 2014].

Page 89: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

88 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

o que se ejerce “con votos y no con pancartas”7. Por el contrario, las luchas por la democracia real redefinen y amplían los espacios de la política, abriendo un campo político popular y democráti-co de acción extrainstitucional que reclama nuevos ámbitos y esquemas participativos fundados en ejercicios de democracia radical (experiencias de autoorganización y participación hori-zontales, inclusivas y plurales) articulados entre las redes y las calles/plazas: autoconvocatorias, debates en las redes sociales, participación multitudinaria en las manifestaciones y capacidad de ocupación, resimbolización y autogestión de espacios públi-cos, como las acampadas en España, la plaza Tahrir en Egipto o la plaza Taksim en Estambul. No es casual que en la actualidad las luchas más promisorias por la democracia se den al margen (y a menudo en contra) de los espacios institucionales de la democra-cia: en calles, plazas, fábricas, redes sociales, etc.

5. Son códigos sedimentados en otras prácticas democráticas y de participación popular. Estas prácticas presentan las siguien-tes características: 1) involucran altos niveles de politización, 2) se producen con una intensidad y duración variables, 3) sirven para visibilizar un conflicto, demanda o necesidad específica de la sociedad y 4) permiten ejercer la democracia como una prácti-ca social y una forma de vida cotidiana. Acampadas, asambleas populares, marchas, ocupaciones de lugares públicos, gritos mu-dos, desobediencias pacíficas, cercos al Congreso, performances artísticas, encierros, escraches, plebiscitos populares, entre otras iniciativas, revelan la vitalidad de una imaginación democrática capaz de generar un vasto repertorio de formas de ejercicio del poder popular y ciudadano que desbordan los límites de una de-mocracia insuficiente que no sólo no lo permite, sino que lo blo-quea e incluso criminaliza.

6. Instituyen formas de sociabilidad alternativas fundadas en ba-ses más solidarias y participativas que critican el desgaste genera-lizado de las formas de socialización dominantes (relaciones y va-lores que incluyen formas de decisión colectiva, de producción, consumo de bienes y servicios, jerarquías simbólicas y mate-riales, etc.) propias del mundo liberal y capitalista institucionali-zado y apuestan por experiencias y valores con un sentido con-trahegemónico, como la autonomía, el respeto, la colaboración,

7. Declaraciones de José Antonio Bermúdez de

Castro, diputado del Partido Popular en el

Congreso, con motivo de las manifestaciones

del segundo aniversario del 15M. Véase <http://

www.elmundo.es/elmundo/2013/05/14/

espana/1368530925.html> [Consulta: 10 de

marzo de 2014].

Page 90: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

89Cadernos Mateus DOC VI · Código

la reciprocidad, la complementariedad, el cuidado del territorio, la autogestión comunitaria, etc.

7. Son códigos de ruptura con el fatalismo. Frente al campo de restricciones del “no hay alternativa”, las luchas por la democra-cia real conciben la realidad como un campo abierto de posibi-lidades. Los estudios de Prigogine sobre sistemas químicos no lineales revelan que la innovación no se produce ex nihilo, sino a partir de rupturas de equilibrio donde una pequeña perturbación del orden establecido puede producir efectos globales imprevis-tos. La Revolución rusa comenzó con reivindicaciones populares de pan y acabó con la caída del régimen zarista y la proclama-ción del poder soviético. Las protestas en Túnez, detonante de las Primaveras árabes, se desencadenaron con la autoinmolación de Mohamed Bouazizi ante al acoso policial a los vendedores am-bulantes. En Brasil, la chispa fue el aumento del 20% del precio del transporte público.

En síntesis, los códigos políticos establecidos por las luchas por la democracia real visibilizan democracias insurgentes que ar-remeten contra la monocultura de la democracia (neo)liberal y su gramática globalizada de exclusión. Son experiencias de re-sistencia, laboratorios de socialización política que cuestionan los aprendizajes convencionales y buscan la ampliación y rede-finición del campo político democrático. Son, al mismo tiempo, energías emancipadoras que desinvisibilizan saberes y prácticas democráticas, las acreditan y otorgan capacidad de diálogo, lo que permite ampliar el campo de las experiencias sociales dispo-nibles y dar un paso adelante en la sociología de las emergencias8 de la que habla Boaventura Santos como horizonte de nuevas realidades y posibilidades democráticas.

Bibliografía

Aguiló Bonet, Antoni Jesús (2012), “La austeridad se impone a la democracia”, Diario de Mallorca, 7/11/2012. Disponible en: http://www.diariodemallorca.es/opinion/2012/11/07/austeridad-impone-democracia/806297.html [Consulta: 2 de marzo de 2014].

8. Procedimiento sociológico cuya finalidad es “identificar y ampliar los indicios de las posibles experiencias futuras, bajo la apariencia de tendencias y latencias que son muy activamente ignoradas por la racionalidad y el conocimiento hegemónicos” (Santos, 2005b: 38).

Page 91: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

90 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

– – (2013), “Democracia y crisis económica en un mundo global”, Anuario CEI-PAZ 2013-14: El reto de la democracia en un mundo en cambio: respuestas políti-cas y sociales, pp. 39-60.

– – (2014), “Otras democracias son posibles: la Comuna de París”, Público, 18/03/2014. Disponible en: http://blogs.publico.es/dominiopublico/9492/otras-democracias-son-posibles-la-comuna-de-paris/ [Consulta: 18 de marzo de 2014].

Azevedo, Sérgio; Santos Júnior, Orlando Alves dos y Queiroz Ribeiro, Luiz Ce-sar de (2004), “Democracia e gestão local: a experiência dos conselhos munici-pais no Brasil”, en Azevedo, Sérgio; Santos Júnior, Orlando Alves y Queiroz Ri-beiro, Luiz Cesar (orgs.), Governança democrática e poder local. A experiência dos conselhos municipais no Brasil, Revan, Rio de Janeiro, pp. 57-94.

Benjamin, Walter (1982), Discursos interrumpidos I, Taurus, Madrid.

Castoriadis, Cornelius (1998), Los dominios del hombre, Gedisa, Barcelona.

CIS (2012), “Estudio nº 2.954. Barómetro de septiembre”. Disponible en: http://datos.cis.es/pdf/Es2954mar_A.pdf [Consulta: 10 de abril de 2014].

Comisión Europea (2012), “L’opinion publique dans l’Union européenne. Euro-baromètre Standard 78”, TNS Opinion & Social. Disponible en: http://ec.euro-pa.eu/public_opinion/archives/eb/eb78/eb78_publ_fr.pdf [Consulta: 12 de abril de 2104].

Fagotto, Elena y Fung, Archon (2006), “Empowered Participation in Urban Governance: The Minneapolis Neighborhood Revitalization Program”, Inter-national Journal of Urban and Regional Research, vol. 30, 3, pp. 638-655. Dispo-nible en: http://www.archonfung.net/docs/articles/2006/Fung.MinneapolisN-RP2006.pdf [Consulta: 13 de abril de 2014].

Freire, Paulo (1997), A la sombra de este árbol, El Roure Ciencia, Barcelona.

Fukuyama, Francis (1990), “¿El fin de la Historia?”, Estudios Públicos, nº 37, pp. 5-37.

Harvey, Neil (2000), La rebelión de Chiapas: la lucha por la tierra y la democra-cia, Ediciones Era, México D. F.

Jacobsen, Thorkild (1943), “Primitive Democracy in Ancient Mesopotamia”, Journal of Near Eastern Studies, vol. 2, nº. 3, pp. 159-172.

López Valladares, Mirtha (2006), “Una estrategia de innovación política en Venezuela: los Consejos Comunales”, Ra Ximhai, vol. 4, núm. 3, pp. 559-579.

Rodríguez-Villasante, Tomás y Pinto Berbel, Rosa (2011), La democracia en marcha. Kerala: los retos de la planificación y las democracias participativas, El

Page 92: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

91Cadernos Mateus DOC VI · Código

Viejo Topo, Barcelona.

Santos, Boaventura de Sousa (1998), De la mano de Alicia: lo social y lo político en la postmodernidad, Bogotá, Siglo del Hombre Editores/Facultad de Derecho Universidad de los Andes.

– – y Avritzer, Leonardo (2003), “Introdução: para ampliar o cânone democrá-tico”, en Santos, B. S. (org.), Democratizar a democracia: os caminhos da demo-cracia participativa, Afrontamento, Porto, pp. 35-66.

– – (2005a), El milenio huérfano. Ensayos para una nueva cultura política, Tro-tta/ ILSA, Madrid.

– – (2005b), Foro Social Mundial: manual de uso, Icaria, Barcelona.

– – (2006), Renovar la teoría crítica y reinventar la emancipación social (encuen-tros en Buenos Aires), CLACSO, Buenos Aires.

– – (2007), “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes”, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 78, pp. 3-46

– – (2009), Una epistemología del Sur: la reinvención del conocimiento y la eman-cipación social, Siglo XXI/CLACSO, México.

Schumpeter, Joseph Alois (1961), Capitalismo, socialismo e democracia, Fondo de Cultura/OrdemLivre.org, Rio de Janeiro.

Stuart Mill, John (2002), El utilitarismo, Alianza Editorial, Madrid.

Ticona, Esteban (2011), “El Thakhi entre los aymara y los quechuas o la demo-cracia en los gobiernos comunales”, en Ticona, Esteban (comp.), Bolivia en el inicio del Pachakuti: la larga lucha anticolonial de los pueblos aymara y quechua, Akal, Madrid, pp. 37-60.

Tocqueville, Alexis de (2005), La democracia en América, Fondo de Cultura Económica, México.

Wabgou, Maguemati (2007), “Poder y sociedad en África subsahariana. Los pueblos entre las tradiciones y el Estado”, en Wabgou, Maguemati (ed.), Sis-temas políticos africanos. Debates contemporáneos en Colombia dese la Ciencia Política, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, pp. 79-94.

Wittgenstein, Ludwig (1994), Tractatus logico-philosophicus, Edusp, São Paulo.

Page 93: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

92 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Page 94: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

93Cadernos Mateus DOC VI · Código

IV. Ciências e Comunicação

Nuno Franco e Joana Lobo Antunes

Esta sessão focou-se em duas diferentes abordagens para a comuni-cação da ciência, que surge aos olhos dos não-cientistas como uma linguagem codificada.

Nuno Henrique Franco propõe que a comunicação de ciência deve procurar introduzir termos científicos – e os conceitos que descre-vem – de modo acessível, para que possam vir a incorporar o léxico comum e tornar os cidadãos mais informados e habilitados para discutir assuntos de relevância científica na praça pública. Tal re-quer, contudo, uma reflexão sobre que termos e conceitos são es-senciais para este efeito, sendo contraproducente recorrer a jargão especializado cujo interesse e utilidade se restringem a uma estrei-ta faixa de profissionais. Usou como exemplo a incorporação de ter-mos da área vocabular das ciências económicas pela comunicação social para explicar a crise financeira actual, defendendo que isto levou a que o conhecimento destes passasse a fazer parte da cultura geral de muitos cidadãos.

Outra perspectiva defendeu Joana Lobo Antunes, cuja abordagem tem sido a de promover entre a comunidade científica uma cultura e necessidade de descodificação dos termos e da forma como se tem vindo a comunicar a investigação que se vem fazendo. Defende en-tão que apesar do avanço do conhecimento ser feito em níveis cada vez mais complexos e detalhados, existe a necessidade de envolver os cidadãos e ajudá-los a perceber o real significado dos feitos e do crescimento exponencial que tem vindo a acontecer na ciência portuguesa. Acredita esta investigadora que isso passa por dotar os cientistas de ferramentas que lhes permitam fazer comunicações mais envolventes e atraentes na forma, e da capacidade de estru-turar a história que os resultados contam para lá da mera listagem dos factos.

Durante esta sessão foram amplamente discutidas as duas posi-ções, ainda que fosse consensual a necessidade dos protagonis-tas do conhecimento científico se ligarem à restante comunidade

Page 95: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

94 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

envolvente, bem como o reconhecimento do trabalho essencial dos comunicadores de ciência como facilitadores de acesso ao conhecimento. Qualquer que seja a abordagem, foi sublinhada a importância da finalidade comum: a promoção de uma maior cultura científica dos cidadãos; através da aproximação da lin-guagem da ciência ao público, por um lado, e da aproximação do público à linguagem da ciência, por outro.

Page 96: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

95Cadernos Mateus DOC VI · Código

Lost in translation: Precisamos descodificar o “código científico” ao público? Nuno Henrique Franco

Resumo

O actual nível de desenvolvimento científico e tecnológico con-trasta com a reduzida literacia científica da maioria dos cidadãos. Um dos argumentos apontados para justificar este fenómeno tem sido o de que os cientistas comunicam num “código” imperscru-tável que se torna necessário descodificar na comunicação de ciência ao público. Neste artigo é abordada a questão da impor-tância da literacia científica na actual sociedade da informação, analisam-se algumas causas possíveis para o afastamento do pú-blico à ciência e discute-se a pertinência de despojar a comunica-ção de ciência de terminologia científica essencial, questionando se o que é ganho ao “descodificar o código científico” compensa o que é perdido na tradução.

Palavras-chave: Ciência, Comunicação, Código, Linguagem, Li-teracia Científica.

Abstract

The current level of scientific and technological development contrasts with the low level of scientific literacy found in most citizens. One of the arguments brought forward to justify this phenomenon has been that scientists communicate in an inscru-table “code”, and therefore necessary to decode when communi-cating science to the public. In the present paper, the relevance of scientific literacy in today’s information society is briefly re-viewed and some possible causes for the public’s detachment from science are explored; and the need for leaving out essential scientific terminology from science communication is discussed, questioning whether what is “lost in translation” can be offset by what is gained from “decoding the scientific code”.

Key-words: Science, Communication, Code, Language, Scien-tific Literacy.

Page 97: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

96 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Somewhere, something incredible is waiting to be known. Carl Sagan

Da literacia científica e da sua importância

O conceito de literacia científica tem sido alvo de múltiplas defi-nições e interpretações (sumariamente descritas em Norris and Phillips 2003), que no geral representam diferentes competên-cias que se complementam – ou sobrepõem – e que podem va-riar ao nível da exigência cognitiva ou de conhecimento neces-sários à sua consecução. Para o âmbito deste artigo tomar-se-á uma definição geral de literacia científica como a capacidade de compreender questões, notícias, fenómenos e acontecimentos que requeiram o conhecimento de factos e conceitos científi-cos elementares, bem como um entendimento da ciência como produto da actividade humana com valores, metodologia e lin-guagem próprias (ver, por exemplo, Burns, O’Connor, and Stockl-mayer 2003, Ryder 2001, Hazen and Trefil 2009, Laugksch 2000). Thomas e Durant listaram nove vantagens de uma maior literacia científica do público, contando-se entre estas benefícios intelec-tuais, estéticos e morais; mas também para a ciência, a economia, a democracia e a sociedade como um todo (Thomas and Durant 1987). A literacia científica tem assim um impacto diário na vida dos cidadãos, ao permitir levar a cabo competentemente tarefas tão diversas como interpretar a bula de um medicamento, acom-panhar um debate sobre alimentos geneticamente modificados, decidir entre consultar um médico ou um homeopata, identificar publicidade, propaganda e informação enganosa ou tomar deci-sões alimentares saudáveis, entre muitas outras.

Não obstante a sua importância para o dia-a-dia, os níveis de li-teracia científica e interesse pela ciência são geralmente baixos na generalidade dos países desenvolvidos. Isto é particularmen-te notório em Portugal, a julgar pela performance dos cidadãos portugueses em inquéritos conduzidos nos anos 90 e década de 2000, que colocam o país na cauda da Europa a este respeito (Miller 1998, Bettencourt-Dias, Coutinho, and Araújo 2012, Miller et al. 2002). A fraca prestação nestes indicadores no país é trans-versal a factores como a idade, sexo e perfil socioeconómico. Aliás, num estudo envolvendo vários países europeus, “ser português”

Page 98: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

97Cadernos Mateus DOC VI · Código

surge, estatisticamente, como um factor correlacionado com uma reduzida literacia científica, algo sem paralelo nos restantes países analisados, (Pardo and Calvo 2006). Isto merece a maior atenção, considerando que uma literacia científica deficitária torna a for-mação de opiniões, atitudes e decisões sobre temas que requeiram uma compreensão objectiva e científica da realidade mais vulne-rável à ignorância, preconceito, ideologia política, militantismos partidários, afiliação religiosa ou manipulação por vários grupos de interesse, influências que, por sua vez, podem por si gerar atitu-des anticientíficas (Stocking and Holstein 2009, Jelen and Lockett 2014), perpetuando um ciclo vicioso. A iliteracia científica surge assim como um obstáculo à análise objectiva dos factos e a uma intervenção cívica e participação democrática informadas (Tho-mas and Durant 1987, Hazen and Trefil 2009, Pearson, Moje, and Greenleaf 2010, Pardo and Calvo 2002, Bucchi 2008). Não é assim de estranhar que Portugal surja como exemplo paradigmático de um país ocidental com índices de cidadania científica – o interesse, envolvimento, promoção e defesa da ciência por parte de cidadãos não-cientistas – muito diminutos, fruto de um reduzido interesse e falta de competências básicas em matéria de ciência e tecnologia (Mejlgaard and Stares 2012).

Uma compreensão deficitária do processo científico e do impac-to da ciência no dia-a-dia – a qual não requer conhecimento ou compreensão de muitos factos científicos – pode também, a par com outros factores, afectar o nível de o apoio ao investimento público em ciência ou áreas específicas pelos cidadãos (Tho-mas and Durant 1987, Burns, O’Connor, and Stocklmayer 2003, Laugksch 2000, Hodson 2008) podendo colocar algumas áreas científicas em risco, sobretudo as mais dependentes de finan-ciamento público.1 Uma outra consequência da falta de litera-cia científica na qualidade de vida dos cidadãos é que os torna vulneráveis a logros como a astrologia (que em Portugal é tida como científica por 45% das pessoas, Eurobarometer 2005), a pseudociências como a homeopatia (tida como “científica” por 40% da população, Eurobarometer 2005) e outras ditas “medic-inas alternativas”, à crença em mitos religiosos (70% acreditam numa qualquer divindade e 15% num “espírito” ou “força vi-tal”, Gaskell et al 2010) como o criacionismo ou mesmo a ati-tudes extremistas, como é disso exemplo a oposição por actos

1. Um maior conheci-mento científico poderá em certas situações tam-bém resultar num maior cepticismo relativamente às motivações dos cien-tistas e às consequências éticas ou ambientais de alguns avanços científi-cos, principalmente se o público se sentir excluído do debate sobre estes temas (Cribb and Harto-mo 2002a, Bauer 2008, Vincent 2013, Hodson 2008).

Page 99: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

98 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

de violência e vandalismo aos institutos e investigadores que levam a cabo investigação biomédica em animais2.

2. A Ciência como um mundo à parte

Em 1956 C.P. Snow dividiu o mundo intelectual em duas cultu-ras: uma representada pelos intelectuais nas humanidades – que na primeira metade do século XX se consideravam os únicos le-gítimos “intelectuais” e uma outra representada pelos cientistas. Segundo o cientista, escritor e político, aqueles identificados com uma das facções culturais ignoravam as contribuições da outra, desconsiderando os intervenientes do lado oposto, a sua actividade e a sua linguagem. Contudo, havia da parte dos cien-tistas, médicos e engenheiros um maior empenho em conhecer e cultivar o gosto pelas humanidades – como a literatura, a filo-sofia, história ou o direito – e as artes – como a pintura, a arqui-tectura ou a música – chegando alguns a ser referências nesses domínios; ao passo que o inverso era mais incomum, pelo que a generalidade dos mais ilustres intelectuais do mundo literá-rio, artístico e político ignoravam factos científicos básicos, bem como elementares métodos e fundamentos das ciências naturais (Snow 1956, Kelly 1998).

Mais de 50 anos volvidos após o famoso ensaio de Snow, e ape-sar do desenvolvimento científico e tecnológico alcançado desde então em áreas como a medicina, a astronomia, a biologia ou a informática, persistem não obstante elevados níveis de iliteracia científica na sociedade, inclusive no seio das elites intelectuais literárias, artísticas e políticas, frustrando as melhores previsões de Snow do que viria a ser o perfil do homem educado do final do século XX (Kelly 1998). O distanciamento entre a ciência e a sociedade como um todo, aliás, é de maior relevância nos dias de hoje que a questão das diferenças entre as várias elites cultu-rais, dada a importância da literacia científica para a participação informada e democrática dos cidadãos na actual sociedade do conhecimento.

A ciência é, por muitos, tida como um corpo de conhecimentos de cariz técnico, reservada a uma minoria com especial aptidão para estas disciplinas. Esta concepção vê-se reflectida no programa

2. É de salientar, contudo, que em Portugal, até

à data, não há registo de quaisquer acções violentas da parte de

activistas dos animais, nem se espera que

tal venha a ocorrer. A retórica e o recurso ao

negacionismo científico são, contudo, similares

às dos grupos activistas estrangeiros mais

extremistas.

Page 100: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

99Cadernos Mateus DOC VI · Código

curricular do ensino secundário em Portugal, no qual os cursos de Ciências Sociais e Humanas, de Línguas e Literatura e de Artes Visuais estão isentos de quaisquer disciplinas científicas, com a excepção de “Matemática Aplicada às Ciências Sociais” como op-cional. Em contrapartida, os cursos de Ciências e Tecnologias têm como disciplinas obrigatórias “Português”, “Língua Estrangeira” e “Filosofia”, podendo ainda ter como opcionais “Clássicos da Li-teratura”, “Direito”, “Filosofia A” (12º ano), “Grego”, “Educação Moral e Religiosa Católica” e até mais duas línguas estrangeiras (Ministério da Educação, 2007). Esta secundarização das disci-plinas científicas no ensino secundário simultaneamente reflecte e perpetua o actual panorama de uma sociedade onde o desco-nhecimento de factos e princípios fundamentais da ciência são amplamente aceites como algo natural e por vezes até motivo de despudorado orgulho.

Um dos argumentos esgrimidos para justificar o actual status quo é a barreira levantada pela opacidade do discurso científico (Fang 2005, Wellington and Osborne 2001) um “código científico” opa-co aos “não-iniciados” sem a respectiva descodificação. Uma das abordagens de gabinetes de comunicação das instituições cien-tíficas e media tem sido assim a de procurar “descodificar o có-digo científico”, o que poderá no entanto ter por vezes um efeito perverso na forma da simplificação excessiva, do sensacionalis-mo, da distorção da informação ou da redução da ciência a um conjunto de sound bites redutores (Hayes and Grossman 2006, Brechman, Lee, and Cappella 2009, Verhoeven 2010). Quando a comunicação da ciência se caracteriza pela enfatização, emoti-vidade e criação de mitos entra em conflito com o próprio ethos de objectividade, racionalismo e desconstrução de mitos da ciência, pondo em risco a sua credibilidade aos olhos do públi-co (Bauer 2012). A tendência actual para melhorar a comunica-ção de ciência tem-se focado mais em treinar os cientistas para comunicarem com o público e os media (nomeadamente sob a forma de livros, palestras e workshops) do que em assegurar que os cidadãos e jornalistas sejam capazes de interpretar infor-mação científica – incluindo notícias sobre a ciência nos media – de modo crítico, objectivo e competente, o que requer não só o conhecimento e compreensão de factos e conceitos científicos, mas também dos valores, métodos, virtudes e imperfeições da

Page 101: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

100 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

ciência e dos seus intervenientes. É assim da maior premência desenvolver mais esforços neste sentido, de modo a dotar os cidadãos das competências que lhes permitam navegar numa sociedade inundada por informação científica – a par de contra-informação para servir interesses comerciais, económicos, polí-ticos ou mesmo religiosos (Stocking and Holstein 2009, Jelen and Lockett 2014) – dando lugar a uma participação cívica mais infor-mada e uma vida mais plena. Isso passa também pela capacidade de ler e interpretar informação escrita na linguagem da ciência, como desenvolvido de seguida.

3. “Código Científico”: o jargão e a linguagem da ciência

A ciência fala – mas sobretudo escreve – numa língua própria, fruto da necessidade dos cientistas apresentarem, discutirem e descreverem objectos e conceitos complexos e frequentemen-te abstractos de uma forma inteligível, inequívoca e fidedigna à realidade com os seus pares (Osborne 2002, Fang 2005). É in-desmentível que isto é em grande parte conseguido através do uso de terminologia técnica, ou “jargão”, de aplicabilidade e sig-nificado específico para áreas específicas, mas obscuro a todos aqueles fora do grupo social ou profissional onde se origina e di-funde (Sharon and Baram-Tsabari 2013).

A expansão, ramificação e aprofundamento do conhecimento científico em várias disciplinas científicas trouxe consigo um sem-número de novas terminologias, siglas e acrónimos (Mon-tgomery 2004). Isto aconteceu com particular incidência nas ciências biológicas, no seio das quais diariamente surge a neces-sidade de designar novos genes, proteínas, estruturas, microor-ganismos, processos celulares e metabólicos, o que trouxe conse-quências para o nível de conhecimento especializado necessário para compreender um artigo científico. Ao passo que no início do século XX o léxico usado em revistas científicas generalistas como a Nature e a Science era equiparável ao de jornais genera-listas como o New York Times – a julgar por indicadores da difi-culdade lexical, como o “índice LEX” (Knight 2003) – hoje predo-mina o jargão, cuja compreensão é restrita a especialistas duma dada área (Montgomery 2004).

Page 102: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

101Cadernos Mateus DOC VI · Código

O uso de jargão científico é contudo útil na comunicação da ciência entre pares, pois permite representar esquemas mentais, conceptualizar novos factos e descobertas e designar e comuni-car com rigor e eficiência conceitos (Sharon and Baram-Tsabari 2013, Knight 2003). É ainda um reflexo da constante inovação, descoberta, complexidade e evolução científica e tecnológica. Contudo, torna-se um código de difícil leitura para todos aqueles fora do círculo de especialistas, inclusive outros cientistas (Mon-tgomery 2004, Burns, O’Connor, and Stocklmayer 2003, Locke 1999), que até certa medida podemos considerar leigos no que diz respeito a outras áreas científicas. Por essa razão, o conselho tipicamente dado aos investigadores para removerem o uso de jargão na comunicação do seu trabalho a jornalistas ou aos media (e.g. Sharon and Baram-Tsabari 2013, Burns, O’Connor, and Sto-cklmayer 2003, Cribb and Hartomo 2002b) deveria ser também extensível a toda a comunicação cujo alcance se possa estender além da estrita comunidade afecta à sua subdisciplina, incluindo os resumos e parágrafos introdutórios dos artigos científicos onde publicam (Knight 2003). Promover desta forma a compreensão do conteúdo e implicações de um artigo científico a especialistas de outras áreas pode inclusive aumentar o número de oportuni-dades para colaborações interdisciplinares. A interdisciplinarida-de pode, por outro lado, permitir alargar o uso de jargão de uma dada área científica a outros domínios do saber – nas ciências ou humanidades – enriquecendo-as vocabularmente, mas também abrindo a reflexão e investigação sobre novos conceitos a outras áreas (Montgomery 2004).

Não obstante a importância de tornar a informação científica destinada ao público menos carregada em jargão técnico, há no entanto que ponderar a pertinência de “traduzir” toda a termino-logia científica na comunicação de ciência, pois poderemos estar a privar os cidadãos de integrar no seu reportório vocabular ter-mos – e eventualmente a compreensão dos conceitos a eles asso-ciados – que possam surgir em novas situações e contextos, com implicações directas para a sua literacia científica e cidadania participativa. A porosidade da interface entre o vocabulário cien-tífico e o vocabulário geral deve assim permitir o fluxo de novos termos e conceitos científicos relevantes e torná-los mais próxi-mos do vocabulário comum. Evidentemente, isto pressupõe uma

Page 103: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

102 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

escolha de quais os termos científicos a incorporar quando co-municamos com o público, tomando em consideração factores como a sua relevância para a compreensão da mensagem, a uti-lidade da sua aquisição e compreensão para a literacia científica do público, a relevância da sua incorporação no vocabulário geral e a exequibilidade de explicar o seu significado através do meio, método e mensagem em particular escolhidos, entre outros. Este é um exercício necessário considerando que a) o extenso jargão das múltiplas subdisciplinas e sub-subdisciplinas científicas não é igualmente relevante para o público não-científico, ou mesmo para cientistas de outras áreas e b) há um limite para o número de termos e conceitos novos que podemos introduzir numa conver-sa ou apresentação sem alienar o interlocutor ou o leitor (tendo sido proposto um limite de um termo novo para cada 50 termos familiares, Sharon and Baram-Tsabari 2013). É necessário assim identificar os termos e conceitos mais importantes, bem como avaliar quais cujo uso é mais prático que procurar descrevê-los de uma forma mais elaborada usando muitas palavras em ver-náculo (Liberg, Geijerstam, and Folkeryd 2007, Wellington and Osborne 2001)3

A linguagem da ciência é caracterizada, no entanto, por mais do que a especificidade do seu léxico. Os cientistas divulgam tipica-mente as suas descobertas aos seus pares através de uma lingua-gem escrita que é idiossincrática na sua densidade de conteúdo informativo, nível de abstracção e tecnicismo e que, ainda que adequada ao propósito a que se destina (Osborne 2002, Fang 2005) tem contudo sido também alvo de crítica devido a por ve-zes ser injustificadamente complexa (Hartley 2008). A comuni-cação com não-cientistas deverá ser assim pautada por uma lin-guagem mais próxima da linguagem normal do dia-a-dia, ainda que munida de termos científicos-chave.

Tornar a informação mais acessível ao público geral (ou mesmo a cientistas de outras áreas) não invalida, contudo, que se procure desenvolver nos cidadãos as competências que lhes permitam aceder directamente à informação científica por “descodificar” permitindo-lhes a sua interpretação e contextualização de modo objectivo e tão livre quanto possível de enviesamentos, distor-ções, exageros e outras subjectividades que possam afectar a

3. Imagine-se por exemplo um relato de um jogo de futebol no

qual os ouvintes não partilhassem o domínio

de conceitos como o offside. Isto obrigaria à descrição do conceito no início ou durante o

jogo – sem garantias contudo da compreensão

ad hoc da explicação – ou em alternativa que

os ouvintes ficassem na ignorância relativamente

à razão pela qual o jogo fora interrompido ou um

golo da sua equipa fora anulado. Como acontece

com a terminologia científica que acaba por permear para o

vocabulário comum, é pelo uso regular e contextualizado do

termo que o conceito acaba por ser integrado,

em maior ou menor detalhe, como parte

do património lexical comum.

Page 104: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

103Cadernos Mateus DOC VI · Código

“tradução” do código científico, sejam estas da iniciativa – de-liberada ou involuntária – de jornalistas, cientistas ou gabinetes de comunicação de instituições. 4 Alargar o entendimento da própria linguagem da ciência 5 tem, assim, que ser um dos ob-jectivos a traçar para a promoção da literacia científica dos cida-dãos (Fang 2005, Norris and Phillips 2003, Osborne 2002, Wallace 2004, Hodson 2008, Wellington and Osborne 2001), 6 em particu-lar no actual contexto da crescente democratização e universa-lização do acesso à informação médica e científica pelo público, catalisada, entre outros factores, pelo movimento Open Access (Davis 2011, Gross 2012) e “Medicina 2.0” (Swan 2009).

4. Traduzir ou universalizar?

O físico e polímato Richard Feynman costumava contar um epi-sódio da sua infância ocorrido na companhia do seu pai numa floresta. Enquanto observavam um pássaro, o seu pai enumerava – ou, melhor dizendo, inventava – o nome dado ao mesmo em várias línguas, rematando que saber o nome de alguma coisa não significava necessariamente saber o que fosse sobre ela (Feynman 2011). Isto é aplicável ao uso de terminologia científica, cujo mero conhecimento da sua existência sem a respectiva compreensão do seu significado – independentemente do grau de profundida-de – pode dar azo a que seja apreendida pelo público na sua for-ma desvirtuada, resultado de um artifício recorrente do uso de jargão técnico e científico – como “energia”, “vibrações”, “par-tículas”, “quântico” – por místicos e outros charlatães (muitos dos quais autores de best-sellers) como forma de credibilizarem as suas teorias interpretativas da realidade, habitualmente des-providas de qualquer fundamento científico. Da mesma forma, defensores de teorias pseudocientíficas como a homeopatia ou o “desenho inteligente” procuram não só usar termos e conceitos provenientes da ciência – que habilmente misturam com o seu próprio jargão – como também comunicar usando uma retórica aparentemente próxima à dos cientistas (Dawkins 2000). Este aproveitamento despudorado da iliteracia científica torna da maior relevância devolver o uso de termos científicos relevantes ao seu significado original, (re)introduzindo-os no seu devido contexto no vocabulário do cidadão comum.7

4. Uma responsabilidade em grande medida do sistema educativo, que poderá requerer incorporar esta dimensão da literacia no ensino da ciência, bem como a sua contemplação no currículo de cursos nas humanidades, artes, economia, cursos técnico-profissionais e outros.

5. Que, independentemente das críticas que lhes possam ser apontadas (Hartley 2008, Knight 2003), não se espera que venha a mudar num futuro próximo (Osborne 2002).

6. É também de salientar que a literacia no seu sentido mais fundamental – isto é, a capacidade de extrair significado a partir de informação sob a forma de texto, diagramas, gráficos, meios audiovisuais, etc. – é por sua vez condição sine qua non à literacia científica, que se constitui assim como literacia em sentido derivado (Norris and Phillips 2003, Pearson, Moje, and Greenleaf 2010).

7. A este respeito convém salientar que muitas palavras hoje comuns foram já usadas do uso exclusivo de um número restrito de especialistas, incluindo “electricidade” ou “ecossistema” e mais

Page 105: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

104 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Embora reconhecer termos e conceitos científicos não signifique que se detenha um entendimento pleno dos mesmos (Oliveira and Carvalho 2013), pode-se contudo contra-argumentar que a) os cientistas serão frequentemente os primeiros a afirmar que não têm um entendimento satisfatório dos fenómenos que es-tudam e b) que qualquer conceito complexo pode ser entendi-do em diferentes níveis de detalhe, amplitude e profundidade. 8 Conhecer, por exemplo, a constante de gravitação universal ou as equações que regem a mecânica de fluidos não é essencial à compreensão, respectivamente, da atracção gravítica e da aero-dinâmica, ou as implicações destas na em áreas como a aeronáu-tica, por exemplo.

Embora a permeabilização do vocabulário geral à terminologia científica possa ser um processo gradual, em situações excepcio-nais pode acontecer rapidamente. Foi este o caso da introdução recente de termos como rating, spread, swaps, default, “haircut” ou eurobonds em Portugal, que passaram para a ordem do dia dada a necessidade de apreender este jargão para compreender a situação económica e financeira do país. Isto foi possível graças à acessibilidade dos cidadãos a fontes credíveis de informação – em particular na Internet – e ao facto dos meios de comunicação não se terem coibido de usar e explicar esta terminologia no seu devi-do contexto de modo simples, mas não simplista... Situações de crise não providenciam, contudo, o entorno mais desejável para promover cultura científica, ainda que não sejam de todo alheias à ciência (Bauer 2008, 2012), nomeadamente crises de confiança do público nos cientistas. É problemático procurar debelar estas crises através da divulgação de factos e fenómenos relevantes para um maior entendimento da actividade científica, princi-palmente quando se age reactivamente, ao invés de proactiva e preventivamente. Ao passo que no anterior exemplo o deficit de conhecimento dos cidadãos levou a que muitos, por sua iniciati-va, se quisessem informar melhor – procurando informação ou estando mais receptivos à informação veiculada pelos meios de comunicação – neste caso tem-se frequentemente que disputar pela atenção e adesão do público com fontes de desinformação já instaladas. Esta falta de proactividade leva por vezes a situações como as da invasão e vandalização de institutos científicos que ocorreram no final de 2013 no Brasil e em Itália, como forma de

recentemente “gene”, “clone”, “ADN”,

“semicondutor”, “processador” ou

“software”.

8. Os professores de ciências estão particularmente

cientes deste facto, dado que um mesmo

conceito – por exemplo, o de “ecossistema”

– pode ser ensinado no 1º, 2º, 3º Ciclos e

Ensino Secundário com diferentes níveis

de profundidade, sem prejuízo do rigor,

precisão e factualidade da informação.

Page 106: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

105Cadernos Mateus DOC VI · Código

protesto contra a experimentação animal, situações entretanto aproveitadas por alguns políticos em ambos os países para dema-gogicamente colherem apoios eleitorais dos milhões de eleitores que não relacionam o impacto da investigação biomédica com animais na sua própria saúde e qualidade de vida. 9

Face à importância de promover uma maior literacia científica nos cidadãos, é pertinente questionar neste sentido se podemos comunicar ciência eficazmente através de explicações superfi-ciais e simplistas de acontecimentos e fenómenos que requerem domínio, ainda que a um nível elementar, de conceitos científi-cos específicos (Liberg 2007). Ou se é sensato desprover esta co-municação de terminologia que os cidadãos irão inevitavelmente encontrar nas redes sociais, na televisão ou na imprensa, 10 não poucas vezes descontextualizada ou deliberadamente manipula-da para suscitar a dúvida ou gerar receio das consequências do progresso científico. Esta questão é frequentemente colocada pelos próprios cientistas, quando se deparam com comunicação científica que simplifica excessivamente a informação que trans-mitem, tornando-a redutora e parca em conteúdo (Oliveira and Carvalho 2013). Não é assim de estranhar que vários cientistas tomem hoje a iniciativa de comunicar directamente com o pú-blico,11 sem recurso a intermediários como jornalistas de ciência ou gabinetes de divulgação científica institucionais.12 Este movi-mento hoje não está contudo apenas reservado aos grandes no-mes da ciência que publicam livros de divulgação científica, mas também a todos os investigadores com interesse em divulgação, através da proliferação de blogs de ciência, canais no YouTube e páginas de redes sociais dedicadas à ciência.13 Os blogs, em particular, oferecem uma plataforma que permite integrar texto, hipertexto, imagem, vídeo e comentários, e onde é possível “hi-bridizar” a linguagem comum com a linguagem e terminologia científica,14 fazendo uso do hipertexto para remeter os leitores a referências externas como a Wikipedia ou artigos científicos de acesso livre, que podem servir como glossário ou fontes de infor-mação complementar para os que desejam saber mais. Da mesma forma como o acesso à informação sobre inovações médicas por profissionais de saúde e pacientes está a ser revolucionada pela Web 2.0 (Swan 2009), também há o potencial para um salto quan-titativo e qualitativo na interacção entre cientistas e o público

9. Uma maior transparência e investimento no esclarecimento do público poderão contudo evitar estas ocorrências (Basel Declaration Society 2010). Uma evidência nesse sentido é a de que referir previamente a importância da experimentação animal em investigação biomédica em inquéritos para aferir as atitudes do público sobre esta tem impacto no sentido das respostas (Lund et al. 2012), ainda que a oposição à experimentação em animais possa não ser necessariamente fruto de ignorância do seu propósito.

10. É de ressalvar que há, no entanto, profissionais especializados em jornalismo de ciência que fazem um bom trabalho de comunicação e divulgação científica, inclusive em Portugal.

11. Um paradigma hoje denominado como a “Terceira Cultura”, um termo introduzido por Snow e recuperado por Brockman (Hartley 2008, Kelly 1998) e que designa o conjunto de cientistas dedicados a comunicar ciência directamente com o público ou mesmo apresentar novas ideias cientificas de interesse para a ciência como um todo numa

Page 107: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

106 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

geral, com evidentes vantagens para a literacia científica, por um lado e, por outro, para o modo como os cientistas divulgam o seu trabalho e como percebem as dúvidas, inquietações e aspirações dos demais cidadãos relativamente à ciência. Esta nova aborda-gem permite ainda cultivar uma imagem da ciência mais próxima da realidade: um processo de descoberta e progresso com recurso à evidência pela experimentação, mas que não é imune à dúvida, a retrocessos ou mesmo à própria falibilidade humana.

5. Considerações finais

Comunicar com o público é uma responsabilidade social dos investigadores, independentemente de serem financiados por fundo públicos ou privados. Comunicar pressupõe no entanto que todos os interlocutores possam falar a mesma linguagem, pelo que se justifica uma adequação da forma e conteúdo da mensagem ao público. A natureza informativa, formativa e até pedagógica da comunicação de ciência implica contudo que esta contemple também o emprego de termos científicos que sejam relevantes à compreensão da informação científica e do seu contexto de um modo claro e acessível. Fazendo uso das pos-sibilidades de recursos como a Web 2.0, resumos não-técnicos para leigos e uma escrita de artigos científicos mais clara e aces-sível, é possível uma abordagem que permita equilíbrio entre a aproximação da linguagem da ciência à linguagem do dia-a-dia e o seu inverso, fazendo que cientistas e restantes cidadãos se encontrem a meio-caminho. Isto traz vantagens para ambas as partes, pois se por um lado aproximar o público da ciência traz um maior reconhecimento da actividade dos cientistas, por ou-tro elevar a literacia científica do público confere-lhes conheci-mento e competências que abrem o caminho a uma cidadania mais participativa.

No mundo do hipertexto e da informação na palma na mão, tor-na-se pertinente reavaliar a necessidade de despir a comunicação de ciência de terminologia científica e a descodificar ao ponto da sua descaracterização, pois os eventuais benefícios imediatos que daí possa advir poderão não pelos o que se perde na tradução na literacia de uma sociedade que se diz de conhecimento.

linguagem precisa, mas cativante e acessível, tomando o lugar dos intelectuais literários como influenciadores

da percepção do público da realidade e do seu

lugar nesta. Como será de esperar, contudo,

muitos cientistas (provalvelmente

a maioria) não terão à-vontade,

vocação, formação ou disponibilidade para o

fazer.

12. O papel destes últimosdos

comunicadores de ciência não pode

nem deve, contudo, ser menosprezado,

principalmente quando agem como facilitadores

do contacto directo entre cientistas e demais

cidadãos.

13. Redes sociais, como o Facebook, são primeiramente usadas

como plataforma de divulgação de factos científicos de forma abreviada (imagens,

diagramas, vídeos) mas também dos conteúdos

mais extensos dos blogs associados. É

de notar que a página mais subscrita desta

rede social é dedicada à ciência, com mais de dez milhões de fãs (à data de

Fevereiro de 2014).

14. Esta “hibridação” permite vários

gradientes de integração dos dois universos – o

da linguagem web e o da científica – oferecendo

Page 108: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

107Cadernos Mateus DOC VI · Código

Os grandes nomes da ciência que connosco partilharam o seu co-nhecimento e entusiasmo pela ciência – como Sagan, Hawking, Dawkins, Feynman e muitos mais – mostraram que é possível apresentar novos termos, ideias e conceitos ao público de um modo acessível mas não simplista, preciso sem ser exaustivo, pe-dagógico e cativante. Acima de tudo, ajudaram a mostrar que a linguagem da ciência, no seu essencial, é a da lógica e pensamen-to crítico, da curiosidade e do fascínio pelo desconhecido. E essa pode ser compreendida e partilhada por todos.

Bibliografia

Basel Declaration Society. 2010. Primates - Research at a crossroads: Position paper from the Basel Declaration Basel.

Bauer, Martin W. 2008. “Survey research on public understanding of science.” In Handbook of Public Communication of Science and Technology, edited by M. Bucchi and B. Trench, 111-129. Taylor & Francis.

Bauer, Martin W. 2012. “Public Attention to Science 1820–2010 – A ‘Longue Durée’ Picture.” In The Sciences’ Media Connection – Public Communication and its Repercussions, edited by Simone Rödder, Martina Franzen and Peter Weing-art, 35-58. Springer.

Bettencourt-Dias, Mónica, Ana Godinho Coutinho, and Sofia Jorge Araújo. 2012. “Strategies to promote science communication: organisation and eval-uation of a workshop to improve the communication between Portuguese re-searchers, the media and the public.” Comunicação e Sociedade no. 6:89.

Brechman, Jean, Chul-joo Lee, and Joseph N. Cappella. 2009. “Lost in Transla-tion?: A Comparison of Cancer-Genetics Reporting in the Press Release and Its Subsequent Coverage in the Press.” Science Communication no. 30 (4):453-474. doi: 10.1177/1075547009332649.

Bucchi, Massimiano. 2008. “Of deficits, deviations and dialogues - Theories of public communication of science “ In Handbook of public communication of sci-ence and technology, 57-76. Routledge.

Burns, T. W., D. J. O’Connor, and S. M. Stocklmayer. 2003. “Science Commu-nication: A Contemporary Definition.” Public Understanding of Science no. 12 (2):183-202. doi: 10.1177/09636625030122004.

Cribb, Julian, and Tjempaka Sari Hartomo. 2002a. “Communicating new tech-nologies (Chapter 8).” In Sharing Knowledge: A Guide to Effective Science Com-munication, 129-143. CSIRO Publishing.

um leque de artigos que variam entre textos muito próximos de artigos científicos na sua forma (com título, resumo e lista de referências) a formas como o diário, nota de rodapé, comunicado de imprensa ou comentário, entre várias outras.

Page 109: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

108 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Cribb, Julian, and Tjempaka Sari Hartomo. 2002b. Sharing knowledge: a guide to effective science communication: CSIRO Publishing.

Davis, Philip M. 2011. “Open access, readership, citations: a randomized con-trolled trial of scientific journal publishing.” The FASEB Journal no. 25 (7):2129-2134. doi: 10.1096/fj.11-183988.

Dawkins, R. 2000. “Huge Clowdy Symbols of a High Romance.” In Unweaving the Rainbow: Science, Delusion and the Appetite for Wonder, 180-209. Hough-ton Mifflin Harcourt.

Special Eurobarometer. 2005. “Europeans, Science and Technology.” European Commission, June.

Fang, Zhihui. 2005. “Scientific literacy: A systemic functional linguistics per-spective.” Science Education no. 89 (2):335-347.

Feynman, R.P. 2011. “What Do You Care What Other People Think?”: Further Adventures of a Curious Character: W. W. Norton.

Gaskell, George , Sally Stares, Agnes Allansdottir, Nick Allum, Paula Castro, Yil-maz Esmer, Claude Fischler, Joanthan Jackson, Nicole Kronberger, and Jürgen Nicole. 2010. “Europeans and Biotechnology in 2010 Winds of change?” Euro-pean Commission - Directorate-General for Research. Brussels.

Gross, Liza. 2012. “The Sciences’ Media Connection – Public Communication and its Repercussions.” In Practitioner’s Perspective: Science as a Public Re-source: Rules of Engagement, edited by Simone Rödder, Martina Franzen and Peter Weingart, 353-360. Springer.

Hartley, J. 2008. “The Nature of Academic Writing.” In Academic Writing and Publishing: A Practical Handbook, 3-20. Taylor & Francis.

Hayes, R., and D. Grossman. 2006. “Hope for the Best Prepare for the Worst.” In A Scientist’s Guide to Talking with the Media: Practical Advice from the Union of Concerned Scientists, 15-30. Rutgers University Press.

Hazen, R.M., and J. Trefil. 2009. “Scientific Literacy: what is it, why it’s import-ant, and why we don’t have it.” In Science Matters: Achieving Scientific Literacy, xi-xvii. Knopf Doubleday Publishing Group.

Hodson, D. 2008. “In Pursuit of Scientific Literacy: The Case for History, Phi-losophy and Sociology of Science.” In Towards Scientific Literacy, 1-22. Sense Publishers.

Jelen, Ted G, and Linda A Lockett. 2014. “Religion, Partisanship, and Attitudes Toward Science Policy.” SAGE Open no. 4 (1):2158244013518932.

Page 110: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

109Cadernos Mateus DOC VI · Código

Kelly, Kevin. 1998. “The Third Culture.” Science no. 279 (5353):992-993. doi: 10.1126/science.279.5353.992.

Knight, Jonathan. 2003. “Scientific literacy: Clear as mud.” Nature no. 423 (6938):376-378.

Laugksch, Rüdiger C. 2000. “Scientific literacy: A conceptual overview.” Science Education no. 84 (1):71-94. doi: 10.1002/(sici)1098-237x(200001)84:1<71::aid-sce6>3.0.co;2-c.

Liberg, Caroline, Åsa af Geijerstam, and Jenny W. Folkeryd. 2007. A Linguistic Perspective on Scientific Literacy. Paper read at Linnaeus Tercentenary Sympo-sium, May 28-29, 2007, at Uppsala University, Uppsala.

Locke, Simon. 1999. “Golem science and the public understanding of science: from deficit to dilemma.” Public Understanding of Science no. 8 (2):75-92. doi: 10.1088/0963-6625/8/2/301.

Lund, Thomas Bøker, Morten Raun Mørkbak, Jesper Lassen, and Peter Sandøe. 2012. “Painful dilemmas: A study of the way the public’s assessment of animal research balances costs to animals against human benefits.” Public Understand-ing of Science.

Mejlgaard, Niels, and Sally Stares. 2012. “Validating Survey Measures of Sci-entific Citizenship.” In The culture of science: How the public relates to science across the globe, edited by M.W. Bauer, R. Shukla and N. Allum, 418-435. New york: Taylor & Francis.

Miller, Jon D. 1998. “The measurement of civic scientific literacy.” Public Un-derstanding of Science no. 7 (3):203-223.

Miller, Steve, Paul Caro, Vassilis Koulaidis, Vladimir De Semir, Walter Staveloz, and Rosalia Vargas. 2002. “Report from the Expert group Benchmarking the Promotion of RTD culture and Public Understanding of Science.” Benchmark-ing the promotion of RTD culture and public understanding of science.

Ministério da Educação. 2007. Decreto-Lei n.º 272/2007 de 26 de Julho ANEXO N.º 1: Matriz dos cursos científico –humanísticos. Diário da República, 1.ª série, n. 143

Montgomery, Scott. 2004. “Of towers, walls, and fields: perspectives on lan-guage in science.” Science no. 303 (5662):1333-1335.

Norris, Stephen P, and Linda M Phillips. 2003. “How literacy in its fundamental sense is central to scientific literacy.” Science education no. 87 (2):224-240.

Oliveira, Liliana, and Anabela Carvalho. 2013. “Envolvimento e Participação dos Cidadãos na Ciência em Portugal e em Espanha: Evolução e Estado Atual.” CECS-Publicações/eBooks.

Page 111: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

110 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Osborne, Jonathan. 2002. “Science Without Literacy: A ship with-out a sail?” Cambridge Journal of Education no. 32 (2):203-218. doi: 10.1080/03057640220147559.

Pardo, Rafael, and Félix Calvo. 2002. “Attitudes toward science among the Eu-ropean public: a methodological analysis.” Public understanding of science no. 11 (2):155-195.

Pardo, Rafael, and Félix Calvo. 2006. “Mapping Perceptions of Science in End-of-Century Europe.” Science Communication no. 28 (1):3-46. doi: 10.1177/1075547006291895.

Pearson, P. David, Elizabeth Moje, and Cynthia Greenleaf. 2010. “Literacy and Science: Each in the Service of the Other.” Science no. 328 (5977):459-463. doi: 10.1126/science.1182595.

Ryder, Jim. 2001. “Identifying Science Understanding for Function-al Scientific Literacy.” Studies in Science Education no. 36 (1):1-44. doi: 10.1080/03057260108560166.

Sharon, Aviv J, and Ayelet Baram-Tsabari. 2013. “Measuring mumbo jumbo: A preliminary quantification of the use of jargon in science communication.” Public Understanding of Science.

Snow, Charles Percy. 1956. “The two cultures.” New Statesman no. 6:413-414.

Stocking, S. Holly, and Lisa W. Holstein. 2009. “Manufacturing doubt: journal-ists’ roles and the construction of ignorance in a scientific controversy.” Public Understanding of Science no. 18 (1):23-42. doi: 10.1177/0963662507079373.

Swan, Melanie. 2009. “Emerging patient-driven health care models: an exam-ination of health social networks, consumer personalized medicine and quan-tified self-tracking.” International journal of environmental research and public health no. 6 (2):492-525.

Thomas, Geoffrey, and John Durant. 1987. “Why should we promote the public understanding of science.” Scientific literacy papers no. 1:1-14.

Verhoeven, Piet. 2010. “Sound-Bite Science: On the Brevity of Science and Sci-entific Experts in Western European Television News.” Science Communication no. 32 (3):330-355. doi: 10.1177/1075547010362709.

Vincent, Bernadette Bensaude. 2013. “Reconfiguring the public of science.” Science Communication Today. International Perspective. Issues & Strate-gies:105-118.

Wallace, Carolyn S. 2004. “Framing new research in science literacy and lan-guage use: Authenticity, multiple discourses, and the “Third Space”.” Science Education no. 88 (6):901-914. doi: 10.1002/sce.20024.

Page 112: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

111Cadernos Mateus DOC VI · Código

Wellington, J.J., and J. Osborne. 2001. “Introduction: the importance of lan-guage in science education.” In Language and literacy in science education, 1-8. Open University Press.

Page 113: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

112 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Descodificando a ciência – promovendo um caminho contra a iliteracia comunicacional Joana Lobo Antunes

Vou contar-vos a história da minha vida. Não toda, claro, apenas as partes chatas. Sempre soube que queria fazer ciência. Depois de uma infância a brincar com o microscópio e a caixa de quími-ca, de ter conduzido dezenas de autópsias a peixes antes da sua ida para o forno (não sem alguns protestos maternos), na adoles-cência mantive a firme convicção de seguir um curso superior em ciências e na saúde. Na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa fiz parte dos alunos que iam passar o seu tempo livre a colaborar em projectos de investigação, o que foi um descan-so para a cozinha da minha mãe e um aumento do desafio para mim- reagentes sofisticados e maior ampliação no microscópio, que mais podia uma rapariga querer?

Depois da licenciatura rumei para norte, até ao laboratório de Química Orgânica na Faculdade de Farmácia da Universidade de Santiago de Compostela. Foi um prazer descobrir um grupo de pessoas que partilhava a mesma paixão e a mesma entrega que eu, senti que finalmente tinha encontrado os meus pares. A pai-xão que todos tínhamos pela descoberta, pela interpretação de resultados inesperados, pelas experiências que pareciam impro-váveis e afinal et voilà, era entusiasmante.

Passado um tempo, a Química começou a esmorecer na minha bolsa de valores de paixões, a Biologia molecular Molecular co-meçou a ocupar o espaço que ia ficando cada vez mais vazio. Mudei-me para um laboratório na Universidade de Pádua, com o pretexto de estudar o efeito biológico das moléculas que tinha sonhado viessem a ter actividade anticancerígena. Recomecei a aprendizagem, testando o que fariam as moléculas que tinha produzido em semanas, meses!, no alvo para a qual as tinha de-senhado – células inteiras, ADN nu ou proteínas com ele relacio-nado. Mudar de técnicas e de modo de pôr problemas, e de os resolver, num novo espaço, num novo país, com colegas mui-to diferentes, voltou a levar-me à insegurança de principiante,

Page 114: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

113Cadernos Mateus DOC VI · Código

com a certeza absoluta de que era a mais ignorante e ingénua do grupo. Periodicamente, éramos chamados a fazer apresentações sobre o nosso trabalho,em reuniões semanais. Serviam para nos actualizarmos sobre uns e outros e podermos ajudar com ideias e sugestões. Quando chegou a minha vez, com a insegurança ainda muito presente, mostrei uma série de imagens, gráficos, repre-sentações e derivadas da realidade que tinha encontrado e que queria partilhar. Na esperança de algumas palmadas nas costas pelo bom trabalho, tentei mostrar o tanto que tinha feito e alguns resultados interessantes. A meio da minha intervenção a minha orientadora parou-me, impaciente, “Sabes, nós não vivemos dentro da tua cabeça”. Fiquei estupefacta, tinha genuinamente pensado que todos perceberiam tudo antes e melhor que eu, mas esta frase nunca mais me deixou. Por um lado, fez-me sentir po-derosa por ser portadora de conhecimento único, original, meu, que tinha para partilhar com o mundo. Por outro, deu-me uma responsabilidade aguda pela defesa do conhecimento que tinha criado. Os dados não falam por si, precisam de quem os defenda e de quem saiba contar a sua história. Os meus dados precisavam de mim para que fossem percebidos pelo mundo.

Quando acabei o doutoramento voltei para Portugal e comecei a dar aulas na Universidade Lusófona. Nos tempos livres dediquei-me ao teatro, onde aprendi a conhecer e a dominar, ainda que de forma rudimentar, os limites e as potencialidades do meu corpo e voz. Com as duas actividades tornei-me consciente da forma como falava com os alunos e a aprender a modelá-la. Percebi quão eficaz podia tornar-se o modo como ensinava a matéria, ou a influência da cadência e do tom de voz no interesse que podia gerar na minha audiência. Tornou-se dolorosamente claro que o professor está num palco, cuja plateia pode ser feroz mas nun-ca indomável. Com a certeza de que estas ferramentas podiam ser também úteis a outros, promovi formações com actores para professores e investigadores – primeiro de forma mais espaçada, mas encontrando (mais) pessoas certas pelo caminho de modo mais interessante e cada vez mais eficiente.

Acabei por voltar a fazer investigação, mas desta vez com pes-soas - passei a fazer promoção e divulgação de ciência, e ajudo investigadores da Universidade Nova de Lisboa a perceberem

Page 115: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

114 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

como podem explicar de forma mais eficaz o que é o seu trabalho e a relevância dos seus resultados. A maioria dos cientistas tem a paixão que eu pensava que era só minha, o entusiasmo e a en-trega ao que faz, o amor pela descoberta, o prazer de trabalhar pelo gozo que dá e não pelo salário que paga (apesar de todos os cientistas continuarem a ter conta de água, luz e telefone, ainda que as agências de financiamento às vezes pareçam esquecer-se deste detalhe). Uma das críticas que é feita a grande parte dos cientistas é que são aborrecidos ou complicados no modo como se exprimem, fazendo com que os leigos na matéria se desin-teressem do seu discurso. Isto acontece porque na tentativa de ser preciso e exacto com a realidade, como é pedido profissio-nalmente aos investigadores, em vez de traduzir a linguagem complexa da ciência os investigadores padecem quase sempre do mesmo mal que me afligia. Não defendem os seus dados com as melhores ferramentas ao seu alcance. E não é apenas possível, como também desejável, que os cientistas e a ciência que fazem se imiscuam no discurso corrente. Mas para que isso aconteça, é necessário descodificar a linguagem e os conceitos de forma a simplificar o discurso sem estupidificar a mensagem. É necessá-rio saber contar “a história” para passar a mensagem de forma eficaz. Uma lista de dados, factos, relevâncias, não emociona, não toca, não perdura na memória. É preciso advogar pela tese que se pretende defender.

A comunidade científica tem-se vindo a interessar pela comu-nicação e divulgação da ciência, mas ainda apenas pensando na necessidade da descodificação de temas de ciência para o público leigo. No entanto, a necessidade de uma literacia comunicacional para cientistas atravessa quase todas as áreas e pode ser determi-nante no sucesso da sua actividade.

Ao longo do seu percurso profissional, os investigadores têm de comunicar o seu trabalho para diferentes tipos de audiência. An-tes de mais, para os seus pares, com quem partilham o terreno e a linguagem técnica, com quem podem falar sobre as suas con-clusões e experiências a um nível detalhado. Ao terem resultados pertinentes para figurar em congressos ou em publicações cientí-ficas, devem ser capazes de escrever de forma inteligível para os seus pares de outros países e laboratórios. A comunicação oral,

Page 116: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

115Cadernos Mateus DOC VI · Código

ainda que com outros cientistas, tem especificidades diferentes das requeridas para uma boa comunicação por escrito – o tom de voz, a postura perante a audiência, os slides que se mostram e a maneira como se monta a narrativa seguem regras diferentes. Mas ainda assim, as regras da boa comunicação são as mesmas – incluindo a capacidade de contar “a história”.

Quando se escrevem projectos para obtenção de financiamento, o uso de linguagem técnica não apenas é admissível como dese-jável, já que o leitor alvo é alguém da área e com competências técnicas idênticas à do investigador que submete o projecto. No entanto, é necessário sensibilizar e convencer os avaliadores da pertinência, inovação e importância da proposta que se apresen-ta face aos seus prováveis concorrentes.

O desenvolvimento de competências de comunicação com co-legas investigadores de outras áreas científicas é cada vez mais importante, já que a eficácia e a clareza da nossa mensagem são a chave para conseguir (ou não) iniciar um processo colaborativo verdadeiramente frutuoso. Actualmente, são bem vistos e ava-liados os projectos interdisciplinares e que permitam uma abor-dagem a problemas que cruzem diferentes competências. Se não se conseguir fazer pontes de descodificação com colegas que não partilham a linguagem e conceitos mais específicos de uma área, essas oportunidades acabam por ser desperdiçadas.

Para além disso, existem os momentos pelos quais alguns cien-tistas anseiam e a grande maioria teme – o contacto de um jor-nalista interessado na sua investigação ou nos seus resultados mais recentes. O reconhecimento que a sociedade em geral faz do trabalho do cientista é um momento de grande satisfação profis-sional, provocando sentimento de pertença e de real contributo para o bem comum. No entanto, uma interacção com os media que não tenha sido bem preparada (ou simplesmente preparada) gera normalmente mal-entendidos entre as partes, o que dificul-ta a clarificação dos temas.

Em qualquer das situações, de pares a leigos, o cientista tem a difícil tarefa de conseguir demonstrar de forma eficaz para cada um desses públicos a importância dos estudos que pretende realizar, a lógica dos seus argumentos, a relevância das suas

Page 117: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

116 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

descobertas, ou a pertinência das suas conclusões. São muitos os que se sentem perdidos quando é necessário usar um código de linguagem que não o do seu jargão quotidiano, que apenas é fa-miliar aos seus pares mais próximos. Adquirir competências que permitam dominar a comunicação de uma forma transversal é, neste momento, central e indispensável a todos que pretendem ter uma prática científica bem-sucedida e com capacidade de auto-análise.

Embora nem todos os cientistas sejam naturalmente dotados para comunicar, há competências que se podem adquirir. Mes-mo tratando-se de ferramentas específicas, os resultados a cur-to e longo prazo fazem-se sentir a vários níveis. Por exemplo, ao escrever um artigo científico, apercebemo-nos que explicar uma ideia de forma clara e concisa nos obriga a focar no essencial, dis-tinguindo-o do que é acessório, o que por sua vez torna mais fácil simplificá-lo para um público leigo. Por outro lado, ao treinar fa-lar para não especialistas, criamos um certo distanciamento das nossas ideias, o que nos traz novas perspectivas do trabalho que desenvolvemos e nos permite antecipar críticas dos nossos pares.

É fundamental que os cientistas se envolvam na comunicação da sua investigação, não apenas porque isso é eficaz do ponto de vis-ta das expectativas do público, que considera que a informação científica deve ser veiculada por jornalistas e cientistas em estrei-ta colaboração (Directorate-General for Communication, 2007), como porque as agências financiadoras requerem um maior en-volvimento dos investigadores na sociedade em que se inserem.

Sabemos, também, que a maioria dos cientistas envolvidos nal-guma actividade de divulgação de ciência fá-lo por motivação in-trínseca e está interessada em repetir a experiência e explorar no-vos formatos (Poliakoff, 2007, Bauer, 2011, Kyvik, 2005, Bentley, 2011). Dos estudos disponíveis sobre a comunidade científica em Portugal, os investigadores que têm colaborado neste tipo de ac-ções têm referido sentir apoio e incentivo dos seus colegas de tra-balho, e não estão apenas interessados em continuar a contribuir no futuro como em estimular mais colaboradores para que tam-bém o façam. Têm reportado sentir-se recompensados a vários níveis: pessoalmente, profissionalmente e pela interacção com

Page 118: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

117Cadernos Mateus DOC VI · Código

os seus co-cidadãos. No entanto, têm também referido vontade e necessidade de formação específica nesta área (Godinho, 2012, Guedes Vaz,, 2012, Pinto, 2013).

A subvalorização da comunicação em ciência tem-se reflectido numa fraca disponibilidade de oportunidades para desenvolver competências nesta área nos meios científicos. O único estudo sobre os efeitos de formação em comunicação de ciência para cientistas em Portugal, revela que os investigadores que adqui-rem competências comunicacionais, se sentem mais confiantes para enfrentar novas audiências, mais motivados para empreen-derem actividades de disseminação da sua ciência e com vontade de aprofundar estes conhecimentos (Bettencourt-Dias, 2004).

Para preencher a lacuna de formação nesta área, foi criado um curso de comunicação de ciência enquadrado na Escola Doutoral da Universidade Nova de Lisboa, para oferecer de forma gratuita a todos os doutorandos da Nova oportunidade de aquisição de competências em soft skills identificadas como chave na progres-são da carreira dos investigadores. O curso decorre em três dias e conta com formadores especialistas em comunicação de ciên-cia, jornalismo e teatro. Neste projecto, aborda-se a comunicação de um modo abrangente, promovendo não apenas o aumento de oportunidades de formação em comunicação para cientistas como também o desenvolvimento de competências tanto ao ní-vel de escrita como da oralidade. O pressuposto é que é necessá-rio saber comunicar para comunicar em ciência, seja para pares seja para leigos. A abordagem inclui formação em escrita de arti-gos científicos, em improvisação teatral e storytelling para apre-sentações orais, e media training com entrevistas para televisão e escrita de artigo para jornal de grande tiragem baseado no seu trabalho de investigação. A base do trabalho assenta na capaci-dade de dialogar e ir ao encontro do público-alvo, em vez de se centrar apenas na listagem das suas experiências, resultados e conclusões.

Ao longo dos três dias, são abordadas vertentes diferentes e com-plementares que a comunicação da ciência deve ter. No primeiro dia, discutem-se as técnicas e estratégias para a escrita de um ar-tigo científico, que será avaliado e lido por pares da mesma área.

Page 119: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

118 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

No segundo dia, desenvolvem-se competências para a comuni-cação oral de resultados científicos, usando técnicas teatrais e de storytelling, tendo como público-alvo investigadores de ou-tras áreas científicas. No terceiro dia, depura-se a transmissão da mesma mensagem mas para público generalista, através dos media: escrevendo um artigo para um jornal diário de grande ti-ragem e sendo entrevistado para televisão. Em cada um desses dias, os alunos de doutoramento da Universidade Nova de Lisboa vão sendo guiados por especialistas em cada um desses temas; na primeira sessão por investigadores e comunicadores com currículo extenso em artigos científicos publicados, na segunda sessão por um actor e uma comunicadora de ciência, no terceiro por jornalistas e professores de jornalismo. A base do trabalho as-senta na capacidade de dialogar e ir ao encontro do público-alvo, em vez de se centrar apenas na listagem das suas experiências, resultados e conclusões.

Após seis edições, os resultados apontam para uma elevada satis-fação por parte dos alunos, levando-nos a pensar que este é um modelo que deve continuar a ser explorado no futuro. Deixo-vos alguns dados, que é daí que a ciência se faz: dos números que mais nos surpreenderam e satisfizeram foi descobrir que a qua-se totalidade dos alunos que frequentaram o curso, acharam os recursos adequados (95.7%), que a informação recebida foi clara (98.6% ) e todos declararam que recomendariam a formação aos seus colegas (100%). O modelo que criámos para esta formação parece ser adequada para os alunos de doutoramento da Nova.

Em relação aos aspectos que, segundo os alunos, mais contribuí-ram para a sua aprendizagem, a grande maioria (95.7%) apontou as discussões em sala de aula como o mais marcante, logo se-guido das apresentações dos estudantes (92,9%). Misturando-se nestas formações investigadores de todas as unidades orgânicas da universidade, desde as ciências sociais, humanidades, ciên-cias médicas, engenharias, passando pelas ciências exactas, foi interessante verificar que os participantes identificaram a des-codificação da mensagem entre pares de profissão como uma vantagem. Esta observação está em consonância com o que nós, como organizadores do curso, também sentimos. Assim, a inter-disciplinaridade dos alunos tem sido um factor determinante no

Page 120: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

119Cadernos Mateus DOC VI · Código

salto qualitativo na capacidade de exposição dos temas de inves-tigação ao longo da formação. A criação de um espaço de con-fiança entre formadores e formandos, o respeito pelo trabalho de todos e o interesse genuíno por compreender o alcance e relevân-cia da investigação dos outros tem permitido melhorar a forma e conteúdo que cada um escolhe para apresentar o seu trabalho.

Na avaliação geral, os estudantes parecem ser unânimes em con-siderar que o conhecimento adquirido nesta formação será útil para o seu desenvolvimento profissional (88% concordo total-mente e 12% concordo) mais do que para o desenvolvimento pes-soal (68% concordo totalmente e 28% concordo).

Dos resultados preliminares da avaliação dos formandos em rela-ção aos cursos e às suas aplicações futuras, concluímos que con-seguimos dotá-los não apenas de ferramentas básicas que podem usar na sua prática científica regular, como também sensibilizar os investigadores para a importância e a necessidade de se traba-lhar a descodificação para diferentes públicos.

As várias edições do curso de comunicação de ciência da Escola Doutoral da Nova (6 edições em 2013, 3 já agendadas para 2014) têm sido livres de custos para os formandos, tendo até agora sido assegurados inteiramente pela Reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Este é, sem dúvida, um dos factores de sucesso e adesão das várias edições esgotadas do curso, tal como verificou tam-bém a equipa da ESConet (European Science Communication Network) no relatório final das suas actividades. ESConet foi uma rede europeia que entre 2005 e 2010 organizou cursos de comunicação de ciência para investigadores de 17 países. Depois de mais de 400 investigadores formados, e muitos mais em lista de espera para frequentar os seus cursos, finalizou o projecto e o financiamento que permitia garantir as formações sem custos para os utilizadores. Ao passar investimento para os cientistas, estes declaravam não terem fontes de financiamento próprias para poderem suportar as acções apesar de manterem o interesse no tema (ESConet trainers 2011, Miller 2009).

Em conclusão, com o crescimento da comunidade científica, em número e em produtividade, é fundamental continuar a do-tar os investigadores de ferramentas que permitam uma melhor

Page 121: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

120 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

comunicação do seu trabalho. Parece-nos, também, importante sensibilizar as instituições, universidades e institutos, para a im-portância de financiarem estas formações. Pelos nossos resulta-dos preliminares, o retorno do investimento feito nestas compe-tências será dado pela capacidade dos cientistas representarem as respectivas instituições com brio e clareza junto dos cidadãos.

Acreditamos que estes investigadores se tornam melhores comu-nicadores, mais atentos à forma de apresentar e descodificar o seu trabalho para diferentes audiências e com mais ferramentas para o fazer de forma eficaz. Confiamos que continuem disponí-veis não apenas para aprofundar a aquisição de competências de comunicação e, como efeito secundário, a colaborar activamente com as unidades de comunicação dos seus institutos de investi-gação na difusão do conhecimento científico para o público em geral. Mais que nada, esperamos que tenhamos conseguido de-positar neles a vontade de ir para lá da lista de factos e resultados, para que sejam eles um dia a contar-vos a história da sua vida.

Bibliografia

Bauer M. W., Jensen P., (2011)“The mobilization of scientists for public engage-ment”, Public Understanding of Science, 20 (1), 3-11.

Bentley P., Kyvik S. (2011) “Academic staff and public communication: a sur-vey of popular science publishing across 13 countries”, Public Understanding of Science, 20 (1), 48-63.

Bettencourt-Dias, Mónica, Godinho Coutinho, Ana, Araújo, Sofia Jorge (2004) “Strategies to promote science communication:organization and evaluation of a workshop to improve the communication between Portuguese researchers, the media and the public”, Comunicação e Sociedade, Vol. 6, 89-112, 2004

Camba R., (2000) “Start making sense”, Nature, Vol 406, 461,

Directorate-General for Communication, UE, “Scientific research in the media – Special Eurobarometer 282”, 2007

ESConet Trainers (2011). ‘Workshops in science communication Final Report’ http://esconet.files.wordpress.com/2012/09/esconet_trainers_final_report.pdf

Godinho, Ana, Agostinho, Marta, Mota, Paulo, Pereira, Sónia, Pires, Fili-pe, Sanchez, Ana, Santos, Júlio (2012). ‘Going beyond the ‘science fair’ ap-proach: engaging scientists in reflective, long-term science communication’,

Page 122: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

121Cadernos Mateus DOC VI · Código

12th International Public Communication of Science and Technology Conference Book of papers, 50.

Guedes Vaz, Sofia, Pinto, Bruno, Marçal, David (2012). ‘Communicating Science through Laughter. A project on stand-up comedy on science’, 12th International Public Communication of Science and Technology Conference Book of papers, 163.

Kyvik S. (2005) “Popular science publishing and contributions to public dis-course among university faculty”, Science communication, 26 (3), 288-311.

Miller, Steve, Fahy, Declan, The ESConet Team (2009). ‘Can Science Commu-nication Workshops Train Scientists for Reflexive Public Engagement?: The ESConet Experience’, Science Communication, 31, 116-126

Pinto, Bruno, Marçal, David, Vaz, Sofia G., (2013). “Communicating through humor: A project of stand-up comedy about science”, Public Understanding of Science, 0 (0), 1-18.

Poliakoff, E., Webb, T. L., (2007) “What factors predict scientists intentions to participate in public engagement of science activities?”, Science Communica-tion 29: 242-63.

Page 123: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

122 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Page 124: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

123Cadernos Mateus DOC VI · Código

V. Grafias e (des)acordos

Código da escrita: o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) na sociedade portuguesa atual Rolf Kemmler (Vila Real)1*

Resumo

Depois de algumas vicissitudes, o Acordo Ortográfico da Língua Por-tuguesa, assinado em Lisboa em 16 de dezembro de 1990, passou a entrar em vigor em Portugal desde o início do ano letivo 2011/2012, respetivamente o dia 1 de janeiro de 2012. Ao considerar a entrada definitiva em vigor após o fim do período de transição (13 de maio de 2015), o presente artigo procura saber em que medida este mais recente ‘código da escrita’ se encontra adotado na no sistema do en-sino, na função pública, mas também na comunicação social e na sociedade portuguesa geral.

Palavras-chave: Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, língua portuguesa, ortografia

Abstract

After some vicissitudes, the Portuguese Language Orthographic Agreement, signed in Lisbon on December 16, 1990, came into force in Portugal since the beginning of the school year 2011/2012, respec-tively on January 1, 2012. While considering its definitive entry into force after the end of the transition period (May 13, 2015), the present paper seeks to ascertain to what extent this latest ‘code of writing’ is being adopted in the education system, the civil service, but also in the media and the general Portuguese society.

Keywords: Orthographic Agreement of the Portuguese language, Portuguese language, spelling

1. Investigador do Centro de Estudos em Letras (CEL) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecno-logia (FCT).

Page 125: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

124 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

1 Introdução

Assinado em Lisboa em 16 de dezembro de 1990, foi após algu-mas vicissitudes que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP 1990) passou a entrar em vigor em Portugal no dia 1 de janeiro de 2012, isto apesar de a ‘nova’ convenção ortográfica já ter sido ratificada no dia 4 de junho 1991. No entanto, perante a própria natureza do documento legal, devemos ter consciência do facto de a referida data da entrada em vigor ser vinculativa somente para os agentes do ensino público e a função pública na sua generalidade.

Apesar disso, sabemos que boa parte dos meios de comunicação social já aderiu mesmo antes da medida pelo governo português (cf. Kemmler, 2011a: 294-295) – e isso, sem a existência de qual-quer vínculo legal obrigatório ao sistema ortográfico oficializado pelo Estado Português.

Ao considerarmos as medidas tanto públicas como particula-res para uma adoção do AOLP (1990) não somente em Portugal, como também no Brasil (onde o AOLP 1990 consta encontrar-se largamente implementado desde 1 de janeiro de 2009, apesar da recente mudança da data definitiva de obrigatoriedade para 1 de janeiro de 2016) e nos outros países signatários, julgamos con-veniente procedermos agora, isto é, pouco antes da data-limite legal da obrigatoriedade definitiva do atual “código da escrita” (a partir de 13 de maio de 2015) a um ponto da situação desta última medida em Portugal.

Tivemos ocasião de demonstrar ao longo de várias publicações, dedicadas ao passado remoto e à atualidade desta reforma orto-gráfica mais recente (entre as quais se destacam Kemmler, 2001, 2009, 2011a, 2011b), que, pelo menos, do ponto de vista histórico, a questão ortográfica sempre esteve sujeita a vicissitudes políti-cas que fizeram com que, na realidade, os acordos ortográficos de 1931 e 1945 levassem tanto ao fracasso como a tentativa para um acordo em 1986. Somente o “pequeno acordo ortográfico” de 1971/1973 não sofreu qualquer contratempo, alterando os respeti-vos sistemas ortográficos de 1943 (no Brasil) e 1945 (em Portugal).

Page 126: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

125Cadernos Mateus DOC VI · Código

2 O que é ortografia, de onde vem e a quem é que pertence?

Como derivado do composto do adjetivo grego ὀρθός (reto, corre-to) e do verbo γράφειν (escrever), o termo greco-latino orthogra-phia costuma ser usado na gramaticografia latina e latino-portu-guesa desde a antiguidade clássica para designar uma das quatro partes da gramática, nomeadamente para aquela parte que se dedica à escrita. Em 1540, a Grammatica da lingua Portuguesa de João de Barros (ca. 1496-1570/71) oferece-nos um primeiro esfor-ço definitório em língua portuguesa:

Esta paláura, Orthografia, é grega: quér dizer ciençia de escreuer dereitamente (Barros, 1971: fol. 40 r.).

Na sua definição, o gramático quinhentista relaciona a origem greco-latina do termo metalinguístico português com a carate-rística de ser uma ciência, nomeadamente a de escrever correta-mente. Sem qualquer tentativa de justificar a origem das ideias ortográficas que vem manifestando em seguida, Barros introduz o elemento normativo através do advérbio ‘dereitamente’ no sentido de ‘escrever certo’, paradigmática para a maioria das de-finições dos séculos vindouros.

Deixando de lado a existência de um número considerável de manuais metaortográficos que foram sendo publicados desde o século XVI até finais do século XIX, pode-se constatar que não existia qualquer sistema ‘ortográfico’ no sentido mais exato da palavra, pois verificava-se a coexistência de vários sistemas grá-ficos, orientados, ou não, pelos tratados que se encontravam no mercado livreiro. No que respeita à língua portuguesa naquele período, podemos, portanto, falar de uma coexistência e coocor-rência de vários ‘códigos da escrita’.

Como ficou evidenciado em Kemmler (2001: 251-253), o estado português somente começou a preocupar-se com uma escolha do sistema ortográfico em 1897 e 1901, ao estabelecer como norma vinculativa o da ‘ortografia usual’, aliás sem preocupar-se com a necessidade de uma fixação de regras metaortográficas pro-priamente ditas. No rescaldo, porém, da criação da primeira Re-pública Portuguesa, surgiu entre as forças republicanas o desejo de uma simplificação e unificação da ortografia, para a qual se

Page 127: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

126 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

propuseram vários trabalhos relevantes do foneticista e acadé-mico Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (1840-1914). A comissão de reforma criada para o efeito, que incluía alguns dos mais emi-nentes filólogos da época, foi nomeada por portaria do Ministro do Interior António José de Almeida em 15 de fevereiro de 1911. Acabados os trabalhos da comissão, os resultados foram publi-cados por portaria do mesmo ministro de 1 de setembro de 1911.

Visto que a portaria tornou obrigatória a adoção do novo regime ortográfico “(...) em todas as escolas, e bem assim nos documen-tos e publicações oficiais (...)’ (Bases, 1911: 6) pode-se falar de uma criação de um novo ‘código da escrita’ que substituía a coe-xistência algo caótica de inúmeros ‘códigos da escrita’ de cariz individual. Evidentemente, este código mais recente servia para ser utilizado por todos os portugueses. Não pode, porém, haver dúvida, que desde sempre foi concebido para ter natureza obri-gatória a) nas escolas (leia-se, em todo o sistema de ensino, quer para agentes de ensino, quer para alunos), b) nos documentos oficiais (leia-se na produção escrita da função pública portugue-sa), como ainda c) nas publicações oficiais (leia-se, no Diário do Governo como órgão do Estado ou outras publicações com cará-ter oficial).

Neste sentido, o ‘código da escrita’ da reforma de 1911, baseado nos critérios de simplificação e unificação da ortografia em Portu-gal ‘pertence’ ao estado português pela simples razão de ter sido uma reforma literalmente comissionada pelo estado português, sendo, a priori, destinada unicamente para servir às finalidades e necessidades do mesmo estado e dos seus agentes no exercício das suas funções. Se, ao longo dos anos, as editoras, os periódicos e mesmo o público em geral (com notáveis exceções como o poe-ta Fernando Pessoa, claro) se foram adaptando ao novo regime ortográfico, não se pode pensar numa privatização do ‘código da escrita’ do estado português, mas sim numa aceitação tácita de um regime ortográfico que a médio e longo prazo viria a impor-se através das pessoas que dele fazem uso no âmbito da sua carreira escolar ou profissional.

Ao longo dos anos, o ‘código da escrita’ do estado português foi sujeito a reformas oficiais (1920) e acordos ortográficos (1931,

Page 128: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

127Cadernos Mateus DOC VI · Código

1945, 1971/1973, 1990). Não consta que o estado português algu-ma vez tivesse encarado esses códigos como sendo privativos do estado, permitindo sempre que pudessem ser utilizados por todos que se quisessem servir deles – ou de normas anteriores quando esse uso não chocava com os pressupostos já menciona-dos a) até c).

Desde 1931, mas formalmente só desde a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1943, Portugal e o Brasil incumbiram as duas Academias (Academia das Ciências de Lisboa; Academia Brasi-leira de Letras) da resolução de quaisquer questões em matéria ortográfica. Assim, os dois países passaram a servir-se da capaci-dade consultiva das academias para estas elaborarem os formu-lários técnicos de futuros acordos, o que não somente aconteceu na fracassada tentativa para um acordo em 1986, mas também em 1990, quando chegou a ser assinado o AOLP (1990), que já vi-nha a ser preparado desde o anteprojeto de 1988.

Com a oficialização do AOLP (1990), tanto Portugal como os ou-tros países membros da CPLP, dispõem de um mais recente ‘có-digo da escrita’ que lhes faculta uma maior simplificação e uni-formização, tomando, porém, em consideração as pronúncias divergentes das diferentes normas cultas que podem assentar em duplas grafias oficiais.

O AOLP (1990) não pretende nem pode fornecer respostas e so-luções para as todas as dúvidas e necessidades de todos os oito países signatários. Pode, porém, fornecer um ‘código da escrita’ que pode servir (apesar de todas as imperfeições e incoerências que possíveis críticos possam identificar) como norma ortográfi-ca oficial dos países lusófonos, dirimindo, para além disso, a se-cular discórdia luso-brasileira em matéria ortográfica.

3 O AOLP (1990) na função pública em Portugal

Tendo em princípio entrado em vigor no dia 13 de maio de 2009, quando os documentos necessários foram depositados junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal,2 na realidade o AOLP (1990) somente passou a entrar em vigor no sistema portu-guês de ensino com o início do ano letivo de 2011/2012. Assim, o

2. Segundo UMinho Despacho RT-34/2011 (2011) e Silva (2011) a adesão ficou efetiva no dia 1 de setembro de 2011.

Page 129: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

128 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

dia 13 de maio de 2015 automaticamente fica estabelecido como data-limite para a aplicação definitiva deste regime ortográfico (Kemmler, 2011a: 294).

Para este efeito, a Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvi-mento Curricular que pertence ao Ministério da Educação e Ciên-cia, estabeleceu o seguinte no documento de 8 de setembro de 2011 (MEC / DGIDC, 2011):

Aplicação do Acordo Ortográfico na avaliação externa dos alunos

Tendo em conta a entrada em vigor do Acordo Ortográfico (AO) no sistema de ensino no ano letivo de 2011-2012, e uma vez que os manuais escolares serão adaptados de modo progressivo às novas regras de ortografia, o Ministério da Educação e Ciência esclarece que:

Os critérios de classificação das provas de aferição do 1.º Ciclo e das provas finais dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário considerarão como válidas exclusivamente as regras definidas pelo AO a partir dos anos letivos indicados na grelha abaixo (inclusive).

Aplicação do AO na avaliação externa dos alunos

Ano letivo Ano de escolaridade

2013-2014 6.º

2014-2015 4.º, 9.º, 11.º e 12.º

Até aos anos letivos indicados, serão consideradas como válidas ambas as grafias (i.e., a anterior ao AO e a definida pelo AO).

Isto significa, que para os alunos que estiverem no sexto ano da escolaridade no ano letivo de 2013-2014, a grafia do AOLP (1990) passa a ser inteiramente vinculativa nas provas de aferição. Para os outros anos escolares, o mesmo passar-se-á a partir do ano le-tivo atual.

Entre as universidades portuguesas, há algumas que já adotaram o novo regime ortográfico há algum tempo em observância da

Page 130: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

129Cadernos Mateus DOC VI · Código

Resolução do Conselho de Ministros 8/2011. Consta, assim, que a Universidade de Coimbra, a Universidade do Porto, a Universi-dade de Trás-os-Montes e Alto Douro, como ainda a Universidade do Minho,3 passaram a aplicar as normas do AOLP (1990) desde setembro de 2011 (Carvalho / Coutinho, 2012). No que respeita às universidades públicas de Algarve, Aveiro, Beira Interior, Évora, Nova de Lisboa, como ainda das universidades da Madeira e dos Açores, não se regista qualquer tomada de posição explícita so-bre a implementação (ou não) do AOLP (1990), pelo que se julga que estas universidades devem respeitar a legislação em vigor. No que diz, porém, respeito à Faculdade de Letras da Universi-dade de Lisboa, conforme Carvalho / Coutinho (2012), o antigo diretor entendeu não querer pronunciar-se sobre o acordo, pelo que as duas normas são aceites naquela faculdade – isto quando a reitoria da mesma universidade manifestamente utiliza a grafia do AOLP (1990) em toda a documentação.

Deixando de lado o sistema de ensino, onde a adoção do AOLP (1990) continua inevitável enquanto o Ministério da Educação e Ciência como ministério responsável continue a exigir o cum-primento do calendário de adoção nas escolas. Com efeito, não se conhecem muitos casos em que uma entidade pública por-tuguesa se tenha manifestado abertamente no sentido de não adotar a nova norma ortográfica do Estado Português. Este foi o caso da Câmara Municipal de Caldas da Rainha, que em mar-ço de 2013 deliberou que “(...) toda a correspondência oficial passa a não obedecer ao acordo ortográfico, reponderando-se a sua aplicação em 2015, como manda a lei’ (Gomes, 2013). Seme-lhantemente, o juiz Rui Teixeira do Tribunal de Torres Vedras, exigiu para os pareceres da Direção Geral de Reinserção Social, dirigidos àquele tribunal: “fica advertida que deverá apresen-tar as peças em Língua Portuguesa e sem erros ortográficos de-correntes da aplicação da Resolução do Conselho de Ministros 8/2011 (…) a qual apenas vincula o Governo e não os Tribunais’ (Trigueirão 2013).

4 O AOLP (1990) na comunicação social portuguesa

Em Kemmler (2011a: 294) afirmamos que a adesão da imprensa por-tuguesa era ‘algo fragmentária’. Naquela altura, tinham aderido

3. Segundo UMinho Despacho RT-34/2011 (2011) e Silva (2011) a adesão ficou efetiva no dia 1 de setembro de 2011.

Page 131: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

130 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

ao AOLP (1990) o jornal desportivo Record (grupo Cofina Media; desde 2009), a agência de notícias LUSA (desde 2010) e o grupo Impresa (com as publicações Autosport, BLITZ, Caras, Exame, Expresso, Visão e a estação televisiva SIC, desde 8 de junho de 2010). Também os dois canais televisivos da RTP já aplicam a nor-ma do AOLP (1990) há bastante tempo.

No entanto, sem pronunciar-se grandemente sobre a medida, os jornais do grupo Controlinveste (Diário de Notícias4 e Jornal de Notícias5), bem como o desportivo A Bola (Serpa, 2011) adotaram o AOLP (1990) desde janeiro de 2012, ao passo que o Correio da Manhã (grupo Cofina Media) somente se orienta pelas novas re-gras ortográficas desde 2 de janeiro de 2013 (Ribeiro, 2013), mes-mo que o faça no que pareça uma adoção sui generis.6

Entre os grandes jornais de especialidade, o Diário Económico e o Jornal de Negócios continuam a manter-se fiéis à norma antiga, mas aceitam publicar artigos escritos na norma do AOLP (1990). No grupo dos grandes diários nacionais, fica, porém, ‘orgulho-samente só‘ o jornal Público (pertencente ao grupo Sonae). Sen-do patente que vem lutando com o poder da pena e da polémica contra o AOLP (1990) e as pessoas e instituições que o defendem, conclui-se que é o único dos diários nacionais a manter-se fiel às normas do regime ortográfico anterior de 1945/1973, promulga-do pelos respetivos governos de António de Oliveira Salazar e de Marcello Caetano Para além disso, o posicionamento ideológico do Público tem vindo a facultar a possibilidade a alguns dos opo-sitores mais notáveis do AOLP (1990), para estes se manifestarem em desfavor do atual ‘código da escrita’ na lusofonia. Entre estes autores de artigos de opinião tem havido quem não hesitasse de recorrer à demagogia e à divulgação de meias-verdades ou mes-mo a injúrias pessoais contra pessoas relacionadas publicamente com o AOLP (1990).

5 O AOLP (1990) na sociedade portuguesa

No que respeita, enfim, às pessoas ligadas a várias áreas da cultu-ra, de entre as quais a maioria parece ter assumido, no mínimo, uma posição neutra, observa-se que sobretudo desde inícios do novo milénio foram surgindo algumas vozes que se manifestaram

4. Conforme consta de DN (2012a), o Diário de

Notícias passou a adotar o AOLP (1990) a partir

do dia 2 de janeiro de 2012. Na leitura do breve artigo “A terceira vez que

o DN muda ortografia” (DN 2012b) fica-se com

a impressão de que o jornal somente teria

acompanhado a reforma de 1911 e o acordo de

1945. Isto parece pouco provável, já que os

acordos ortográficos de 1931 e 1971/1973

também se deram no Estado Novo...

5. Neste diário nortenho, a adesão ao novo

regime ortográfico foi mais tácita. Foi

aproximadamente na segunda quinzena de

janeiro de 2012 que a maioria dos artigos passou a ser redigida

segundo as normas do AOLP (1990).

6. É precisamente esta inconsistência em

matéria ortográfica que critica o autor anónimo da página do ILC contra

o Acordo Ortográfico ao reproduzir e comentar uma imagem do artigo

CM (2012).

Page 132: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

131Cadernos Mateus DOC VI · Código

em desfavor daquilo que (eufemisticamente ou disfemistica-mente?) passou a receber o epíteto de ‘Novo Acordo’.

Ainda antes da entrada em vigor do AOLP (1990), formaram-se individuais e alguns grupos contra a sua implementação, sendo de destacar o Movimento Contra o Acordo Ortográfico, com a sua Iniciativa Legislativa de Cidadão contra o Acordo Ortográfico (il-cao.cedilha.net). Já houve várias petições apresentadas à Assem-bleia da República, as quais, até agora, não chegaram a produzir o efeito desejado dos assinantes, no sentido de fazer com que Portugal se viesse a desvincular do AOLP (1990).

No dia 30 de julho de 2013, o Grupo de Trabalho para Acompa-nhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico da Assembleia da República terminou os seus trabalhos com o “Relatório de Ati-vidades” (Enes 2013). Dado que este grupo parlamentar tem por fim acompanhar a entrada em vigor do AOLP (1990) em Portugal e informar o Parlamento do respetivo ponto de situação, o docu-mento não apresenta conclusões quer positivas quer negativas, mas limita-se a referir a situação, as opiniões das pessoas consul-tadas e envolvidas, etc.

6 Conclusões

Mais de vinte e três anos após a assinatura do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em Lisboa, podemos constatar que este, de momento, está a vigorar em Portugal, como o ‘código da es-crita’ oficial. Com efeito, o último governo de José Sócrates pro-videnciou que o AOLP (1990) entrasse em vigor tanto no sistema educativo em todos os níveis, a partir do ano letivo de 2011/2012 como na função pública portuguesa, em qualquer comunicação oficial e oficiosa. A forma como o novo regime ortográfico entrou em vigor prevê que este seja aplicado, havendo, no entanto, to-lerância no ensino. Em publicações oficiais, por exemplo, não se observa qualquer tolerância, devendo todos os textos ser redigi-dos segundo o AOLP (1990).

A maioria da comunicação social portuguesa já adotou o AOLP (1990) ou desde há anos ou mais recentemente. Restam o diá-rio Público e a estação televisiva TVI, como ainda alguns outros

Page 133: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

132 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

meios de comunicação de importância reduzida. Nada obriga qualquer elemento da comunicação social a adotar qualquer re-gime ortográfico que seja.

Não deixa, porém, de ser parecer algo estranho o apego que certos indivíduos mostram às normas do regime ortográfico an-terior de 1945/1973, promulgado pelos governos de António de Oliveira Salazar e de Marcello Caetano, ao passo que rejeitam o ‘código da escrita’ oficial e próprio da República Portuguesa. Nenhum escritor, nenhuma pessoa que escreve para fins parti-culares é de alguma forma vinculada ao ‘código da escrita’ do estado português, quer na sua forma atual, quer numa das for-mas anteriores.

Quem quiser, até pode voltar à ortografia usual, o sistema caco-gráfico segundo o qual Fernando Pessoa escreveu durante toda a sua vida. Quem quiser, enfim, ignorar o ‘código da escrita’ oficial, que o faça! Dado que o estado português vem insistindo em con-tinuar com os passos de implementação que levam ao calendá-rio da entrada em vigor definitiva, o AOLP (1990) efetivamente já alcançou, em Portugal, uma vitória tão decisiva que nenhuma polémica pode desfazer!

Bibliografia

Barros, João de (31971), Gramática da Língua Portuguesa: Cartinha, Gramática, Diálogo em Louvor da nossa Linguagem e Diálogo da Viciosa Vergonha, reprodu-ção facsimilada, leitura, introdução e notas por Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. [primeira edição 1540]7

Bases (1911) = Ministério do Interior, Direcção Geral de Instrução Secundária, Superior e Especial: 1.ª Repartição (1911): Bases para a Unificação da Ortografia que deve ser adoptada nas escolas e publicações oficiais: Relatório da Comissão nomeada por portaria de 15 de Fevereiro de 1911, Lisboa : Imprensa Nacional.

Carvalho, Cláudia / Coutinho, Isabel (2012), “Faculdade de Letras de Lisboa sem posição sobre o acordo”, em Público (8 de fevereiro de 2012), pág. 5.

CM (2012) = “CM adota novo Acordo Ortográfico: faltam 4 dias, Aplicação prá-tica”, em: Correio da Manhã (2 de janeiro de 2013), em: http://ilcao.cedilha.ne-t/?p=8932 (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

DN (2012a), “DN adota acordo ortográfico”, em Diário de Notícias: TV&Media (1 de janeiro de 2012), em: http://www.dn.pt/inicio/tv/interior.aspx?content_

7. Dado que a parte fac-similada e os textos

elaborados por Maria Leonor Carvalhão Buescu se encontram num único

volume, nas referências ao fac-símile será

indicada a paginação original [por exemplo Barros (1971: fol. 1 r)] enquanto indicações

relativas ao texto não fac-similado são citadas

da seguinte forma: Buescu in Barros (1971:

1), etc.

Page 134: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

133Cadernos Mateus DOC VI · Código

id=2215625&seccao=Media&goback=.gde_2246437_member_87359216#! (últi-ma consulta: 14 de dezembro de 2013).

DN (2012b), “A terceira vez que o DN muda ortografia”, em Diário de Notícias: TV&Media (1 de janeiro de 2012), em: http://www.dn.pt/inicio/tv/interior.as-px?content_id=2215628&seccao=Media (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

Enes, Carlos (coord.) (2013), “Relatório de Atividades: Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico”, em: http://www.par-lamento.pt/sites/com/XIILeg/8CECC/GTAAAO/Paginas/default.aspx (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

Gomes, Francisco (2013), “Câmara das Caldas não adota acordo ortográfico”, em: Jornal das Caldas (17 de março de 2013), em: http://www.jornaldascaldas.com/Camara_das_Caldas_nao_adota_acordo_ortografico (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

Kemmler, Rolf (2001), “Para uma História da Ortografia Portuguesa: o texto metaortográfico e a sua periodização do século XVI até à reforma ortográfica de 1911”, em: Lusorama 47-48 (Oktober) ISSN 0931-9484, págs. 128-319.

Kemmler, Rolf (2009), “Para a história da ortografia simplificada”, em: Silva, Maurício (Org.) (2009): Ortografia da língua portuguesa: história, discurso e re-presentações, São Paulo: Editora Contexto, págs. 53-94.

Kemmler, Rolf (2011a), “Uma querela lusófona com final feliz: a entrada em vigor do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990”, em: Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia (2011): 15.º Colóquio da Lusofonia, Macau: quatro séculos de Lusofonia - Passado, Presente e Futuro (11-15 abril 2011), CD-ROM (ISBN 978-989-95891-7-9), ficheiro CD AtasEncontros 2011 Ma-cau/ATAS2011.pdf, págs. 287-298.

Kemmler, Rolf (2011b), “O destino de um projeto linguístico da Republica Por-tuguesa no mundo lusófono: a questão da ortografia simplificada desde 1910 até 2010”, em: Cadernos Eborenses: Revista Internacional de Tradução, linguís-tica e Literatura 2 (2010) ISSN 1646-7132, págs. 9-45.

MEC/DGIDC (2011) = Ministério da Educação e Ciência / Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (s.d.), “Aplicação do Acordo Or-tográfico na avaliação externa dos alunos”, em http://www.dgidc.min-edu.pt/index.php?s=noticias&noticia=137 (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

Ribeiro, Octavio (2013), “Mais CM, cor, coragem e rigor: Nota Editorial”, em: Diário da Manhã (2 de janeiro de 2013), em: http://www.cmjornal.xl.pt/deta-lhe/noticias/opiniao/mais-cm-cor-coragem-e-rigor (última consulta: 14 de de-zembro de 2013).

Page 135: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

134 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Serpa, Vitor (2011), “O (des)acordo ortográfico”, em: A Bola (31 de Dezem-bro de 2011), em: http://ilcao.cedilha.net/wp-content/uploads/2012/01/abo-la_311220111.jpg (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

Silva, José Paulo (2011), “UMinho adopta acordo ortográfico em Setembro”, em: Correio do Minho (18 de junho de 2011), em: http://www.correiodominho.com/noticias.php?id=49663 (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

Trigueirão, Sónia (2013), “Rui Teixeira proíbe acordo ortográfico”, em: Correio da Manhã (26 de maio de 2013), em: http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noti-cias/exclusivo-cm/rui-teixeira-proibe-acordo-ortografico (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

UMinho Despacho RT-34/2011 (2011), “Aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, em: http://www.ics.uminho.pt/uploads/DespachoRT_34_2011-AO.pdf (última consulta: 14 de dezembro de 2013).

Page 136: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa
Page 137: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

136 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Page 138: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

137Cadernos Mateus DOC VI · Código

Notas Biográficas Biographical Notes

Andreia Saavedra Cardoso Arquitecta Paisagista (ISA/ULisboa, 2005), é dou-toranda e bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) na área de Ordenamento da Paisagem, com o tema – Planeamento Agro-alimentar e Agro-urbanismo nas Regiões Metropolitanas. Investigadora do Centro de Estudos de Arquitectura Paisagista “Prof. Caldeira Cabral” do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa (desde 2006), participou em projectos científicos nesta unidade de I&D e como colaboradora no Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (desde 2009). É actualmente investigadora convidada do Centre de Recherches et d’Études pour l’Action territoriale (CREAT), da Faculté LOCI (Fa-culté d’Architecture, d’Ingénierie Architecturale et d’Urbanisme) da ‘Université Catholique de Louvain.

Landscape Architect (ISA / ULisboa, 2005), is a PhD scholar of the Portuguese Foundation for Science and Technology (FCT) in the area of Landscape Planning, with the theme – Agro-food Planning and agro-urbanism in metropolitan areas. Researcher at the Research Centre for Landscape Architecture “Prof. Caldeira Cabral” (since 2006) of the Agronomy Institute of Lisbon, has participated in sci-entific projects in this unit of R & D and as a collaborator at the Center for Philos-ophy, University of Lisbon (since 2009). She is currently a visiting researcher at the Centre of Research and Studies for territorial Action (CREAT), of the Faculty LOCI (Faculty of Architecture, Architectural Engineering and Urban Planning) of the Catholic University of Louvain.

Antoni Aguiló é licenciado em Filosofia pela Universidade das Ilhas Baleares (UIB), Diploma de Estudos Avançados (DEA) em Filosofia do Direito, Moral e Política e Doutor pela UIB em Ciências Sociais e Humanas. Tem sido investiga-dor do programa estatal de Formação de Pessoal Universitário (FPU) do Minis-tério Espanhol da Educação no Departamento de Filosofia da Universidade das Ilhas Baleares. Actualmente é professor no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidad de Coimbra e investigador do Núcleo de Estudos sobre Democra-cia, Cidadania e Direito (DECIDe) do (CES) da Universidade de Coimbra (Portu-gal). As suas principais linhas de pesquisa são os processos de globalização e os seus aspectos políticos e filosóficos; a história das ideias políticas e a teoria crítica do poder, da participação democrática e da cidadania.

Antoni Aguiló is graduated in Philosophy at the University of the Balearic Islands (UIB), Diploma of Advanced Studies (DEA) in Philosophy of Law, of Morality and Politics and PhD in Social Sciences and Humanities. Has been a researcher at the Philosophy Department of the University of Balearic Islands (Spain). Currently, he is Professor and Member of the Research Group on Democracy, Citizenship and Law (DECIDe) of the Center for Social Studies (CES), University of Coimbra (Portugal).

Page 139: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

138 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

The main aim of his research work is to explore and promote a critical approach to political, social and legal processes, challenging dominant ideas and practices about processes of globalization, democracy, participation and citizenship.

Cátia Miriam Costa é co-coordenadora do projeto DaST (Design a Sustainable Tomorrow) e investigadora no Centro de Filosofia das Ciências (Universidade de Lisboa). De há dez anos para cá tem trabalhado em vários objectos de pes-quisa. Neste momento está a terminar o seu doutoramento: o seu tema é a uto-pia numa óptica de análise semiótica de discurso. Especializada em relações interculturais, tem estudado profundamente a não-Europa: os casos Africano, Americano e Indiano, em contexto colonial e pós-colonial. Tem colaborado intensamente com núcleos e redes de investigação em ciências sociais e polí-ticas. Ao nível internacional: CEIBA (centro de pesquisa sobre cultura e desen-volvimento, Catalunha), “Ars, Cultura y Desarrollo” (associação para registo da oralidade, Valência), Kairos-Chairo (programa ibero-americano de comunida-des, línguas e desenvolvimento sustentável), The Human Geography Research Group (Universidade de Aberdeen), a rede “Appearance Matters” (rede apoiada pela European Science Foundation). Ao nível nacional: IICT (Instituto de Inves-tigação Científica Tropical), Centro de Estudos Ibéricos (rede de ensino supe-rior), Centro de Estudos dos Povos e Culturas (Universidade Católica).

Cátia Miriam Costa is co-coordinator of DaST Project (Design a Sustainable To-morrow) and researcher in the Centre of Philosophy of Science (University of Lis-bon). She has been working in several projects for ten years. Currently, she focuses her research in the new media as well as digital humanities domain. She is also completing her PhD: her subject is utopia in a perspective of a semiotic analy-sis of discourse. Specialized in intercultural relations, she has studied deeply the non-European territories: the African, American, Asian cases both in colonial and post-colonial context. She has collaborated with several research centers and networks in the areas of social and political sciences. At the international level: CEIBA (center for research on culture and development, Catalonia, Spain); “Ars, cultura Y Desarrollo” (organization for the register of orality, Valence, Spain), Kairos-Chairo (program Ibero-american of communities, languages and sustain-able development), The Human Geography Research Group (Aberdeen Universi-ty), network “Appearance Matters” (network supported by the European Science Foundation). At the Portuguese level: IICT (Tropical Research Institute), Center of Iberian Studies (network for Higher Education), Center of Peoples and Cultures Research (Catholic University of Lisbon).

Flavio D’Abramo, PhD foi investigador visitante no departamento de Epide-miologia e Saúde Pública do Imperial College de Londres, onde utilizou uma abordagem sociológica para analisar os modelos e crenças que os investigadores usam, bem como as práticas laboratoriais com as quais produzem os dados. No contexto de um projeto financiado pelo Ministério da Saúde italiano e desen-volvido pelos Institutos Nacionais de Saúde dos italianos (Istituto Superiore di Sanita ‘), abordou as questões éticas e epistemológicas do uso de anticorpos mo-noclonais cetuximab. A sua investigação concentra-se na história e filosofia da Biologia e da Medicina, particularmente na genética e epigenética, e sobre ética

Page 140: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

139Cadernos Mateus DOC VI · Código

em investigação e ética médicas. Atualmente, está envolvido no projeto sobre medicina personalizada em oncologia no Departamento de Ética Médica e His-tória da Medicina da Universidade Ruhr-Universität Bochum (RUB, Alemanha).

Flavio D’Abramo, PhD was visiting researcher at Imperial College London depart-ment of Epidemiology and Public Health where he utilised a sociological approa-ch to analyse the models and beliefs researchers use and the laboratories practices with which they produce the data. Within a project funded by the Italian Ministry of Health and developed by the Italian National Institutes of Health (Istituto Su-periore di Sanita’), he dealt with the ethical and epistemological issues raising from the use of monoclonal antibody cetuximab. His research focuses on history and philosophy of Biology and Medicine, particularly on genetics and epigenetics, and on research and medical ethics. Right now, he is involved in the project perso-nalized medicine in oncology at the Department for Medical Ethics and History of Medicine at Ruhr-Universität Bochum (RUB, Germany).

Joana Lobo Antunes desenvolve trabalho em divulgação e comunicação da ciência desde 2004. Atuamente, desenvolve um projeto de pós doutoramen-to para descodificação de artigos científicos de investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, da Universidade Nova de Lisboa para o público em geral. Tem também desenvolvido formações para apresentações orais de ciência usando técnicas teatrais e storytelling. Tem ainda coordenado e participado em inúmeras actividades de promoção da ciência. Na sua for-mação inicial licenciou-se em Ciências Farmacêuticas, pela Universidade de Lisboa, fez um mestrado em Química Orgânica, na Universidade de Santiago de Compostela, onde veio também a defender o doutoramento, que incluiu uma passagem pelo Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Pádua.

Joana Lobo Antunes has been working on science promotion and communica-tion since 2004. She is currently developing a post doctoral project for decoding Science papers from researchers of Instituto de Tecnologia Química e Biológi-ca, ITQB for lay audiences. She has also been developing workshops for science presentations using theatre improvisation techniques and storytelling. She has coordinated and participated on several events for the promotion of Science in Society. Her previous academic degrees include Pharmacy, from Universidade de Lisboa, a master in Organic Chemistry at Universidade de Santiago de Composte-la, where she also presented her PhD, which included some years at Dipartimento di Scienze Farmaceutiche, Università di Padova, Italy.

Michele Loi concluiu a sua licenciatura em Filosofia (MA) e o seu doutoramen-to em Teoria Política na Universidade Estadual de Cagliari e Roma-LUISS, res-pectivamente. Atualmente é investigador da CEHUM - Universidade do Minho com uma bolsa de pós-doutoramento da Fundação Português de Ciência e Tec-nologia (FCT). As suas publicações mais recentes incluem Giustizia e genetica (2011). O foco principal da sua investigação em filosofia política e bioética é a justiça em inovação tecnológica aplicada ao corpo humano.

Page 141: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

140 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Michele Loi completed degrees in Philosophy (MA) and Political Theory (PhD) at State University of Cagliari and Rome-LUISS respectively. He is currently a re-searcher at CEHUM – University of Minho with a post-doctoral grant from the Portuguese Foundation for Science and Technology (FCT). His recent publications include Giustizia e genetica (2011). The main focus of his research in political phi-losophy and bioethics is justice in innovation and human enhancement.

Nuno Henrique Franco licenciou-se em Ensino de Biologia e Geologia (2003) e em Biologia (2007), “pré-bolonhamente”, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Foi professor do ensino básico e secundário entre 2002 e 2010. Em 2006/2007 desenvolveu trabalho como colaborador no Instituto de Biologia Molecular e Celular num projecto de educação para a ciência e de 2008 a 2012 desenvolveu o seu doutoramento na área de bem-estar animal em investigação biomédica nessa instituição. Tem publicado artigos científicos em áreas tão diversas como o bem-estar animal, ética animal, educação em ciência e história da ciência. Em 2013 recebeu o Young Animal Welfare Scientist of the Year Award, da Universities Federation for Animal Welfare (UFAW).

Nuno Henrique Franco graduated in Teaching of Biology and Geology (2003) and Biology (2007), University of Trás-os-Montes and Alto Douro (UTAD, Portugal). He was a professor of elementary and secondary education between 2002 and 2010. In 2006/2007, he worked as a collaborator at the Institute for Molecular and Cell Biology educational project for science from 2008 to 2012, and developed his PhD in the area of animal welfare in biomedical research in that institution. He has published scientific papers in areas as diverse as animal welfare, animal ethics education in science and history of science. In 2013 he received the Young Animal Welfare Scientist of the Year Award from the Universities Federation for Animal Welfare (UFAW).

Roberto Merrill é investigador em teoria política e moral no Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM) e investigador associado ao CEVIPOF (Sciences Po-Paris). Foi investigador convidado no Center for Re-search in Ethics at the University of Montreal (CRÉUM) em 2007, e investigador convidado na Harvard Medical School (Harvard University Program in Ethics and Health) em 2011. Completou o seu doutoramento em filosofia política no Centre Raymond Aron (EHESS, Paris) e o seu mestrado na Universidade Sor-bonne-Paris 1. Os seus interesses de investigação incluem a relação entre arte e moral, ética aplicada, a neutralidade liberal e o pluralismo de valores, o liberta-rismo de esquerda, as teorias igualitárias da justiça e as suas aplicações, assim como o neo-republicanismo e o multiculturalismo. Atualmente prepara uma publicação sobre igualdade e amor.

Roberto Merrill is a researcher in political theory at the Centre for Humanistic Studies, University of Minho (CEHUM) and Associate Researcher at CEVIPOF (Sciences Po-Paris). He was a visiting scholar at the Center for Research in Ethi-cs at the University of Montreal (CRÉUM) in 2006-2007, and Visiting Scholar at Harvard Medical School (Harvard University Program in Ethics and Health) in 2011. He received his Ph.D. in political philosophy at the Centre Raymond Aron

Page 142: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

141Cadernos Mateus DOC VI · Código

(EHESS, Paris). His Masters’ degree in philosophy was completed at Sorbonne-Pa-ris 1 University. His research interests include the relationship between art and morality, applied ethics, liberal neutrality and value pluralism, left-libertaria-nism, egalitarian theories of justice and its applications, as well as neo-republica-nism and multiculturalism. He is currently writing a book on love and equality.

Rolf Kemmler Tendo nascido em Reutlingen (Alemanha) em 1967, Rolf Kemmler é investigador auxiliar na área da historiografia linguística portu-guesa, atualmente empregado pelo Centro de Estudos em Letras (CEL) da Uni-versidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD, Vila Real). Doutorou-se em Filologia Românica na Universidade de Bremen (Alamanha) com a sua tese de doutoramento “A Academia Orthográfica Portugueza na Lisboa do Século das Luzes: Vida, obras e atividades de João Pinheiro Freire da Cunha (1738-1811)”, publicada em 2007. Com grande número de publicações dedicadas à sua disci-plina desde 1996, é especialista nas áreas da história dos sistemas da escrita da língua portuguesa desde o século XVI e da história da gramaticografia portu-guesa e latino-portuguesa desde o século XVI.

Born in Reutlingen (Germany), in 1967, Rolf Kemmler is an assistant research-er in the area of Portuguese linguistic historiography, currently employed by the Centro de Estudos em Letras (CEL), University of Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD, Vila Real, Portugal). He received his doctorate in Romance Philology from the Bremen University (Germany) in 2005, his Ph.D. thesis “A Academia Orthográfica Portugueza na Lisboa do Século das Luzes: Vida, obras e atividades de João Pinheiro Freire da Cunha (1738-1811)”, being published in 2007. With a considerable number of publications dedicated to his area since 1996, he is a spe-cialist in the fields of history of the Portuguese language writing systems since the 16th century and history of the Portuguese as well as Latin-Portuguese gramma-ticography since the 16th century.

Tito Rendas Encontra-se a frequentar o Global Ph.D. Programme da Católica Global School of Law. É Master of Laws (LL.M.) pela Universidade de Harvard (2012) – onde contribuiu para o Harvard International Law Journal e integrou a direcção da Harvard European Law Association –, Master of Laws (LL.M.) pela Católica Global School of Law, Lisboa (2011), e Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa (2010), onde atualmente lecciona. Tem desenvolvido investigação na área do Direito da Propriedade In-telectual e participado em conferências em Portugal e no estrangeiro.

Tito Rendas is a Ph.D. candidate at Católica Global School of Law, in Lisbon, Por-tugal. He recently received an LL.M. from Harvard Law School (2012), where he contributed to the Harvard International Law Journal and was a member of the board of the Harvard European Law Association. Prior to that, he received his law degree from the School of Law of Universidade Católica Portuguesa (2010), where he currently teaches, and an LL.M. from Católica Global School of Law (2011). His main field of interest is intellectual property law.

Page 143: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

142 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Page 144: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

143Cadernos Mateus DOC VI · Código

Page 145: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

144 IICM · Instituto Internacional Casa de Mateus

Mateus DOC VI CodeAgenda

Friday, 24th January

Arrival of the participants during the afternoon.

18:00 Welcome in the Water-Mill Introduction to the Programme António M. Cunha, Teresa Albuquerque, Jorge Vasconcelos 10 min Introduction of the participants 30 min

19:30 Keynote: Pier Luigi Sacco

20:00 Diner-debate Gonçalo de Almeida Ribeiro, Paulo Costa, Sérgio Figueiredo, Jorge Gonçalves, Mathieu Richard, Ragnar Siil, José Tavares, Ramón Villares.

Page 146: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

145Cadernos Mateus DOC VI · Código

Saturday, 25th January

8:30 Breakfast in the Water-Mill

Session 1: Signos e paisagens Signs and Landscapes Cátia Costa e Andreia Cardoso

11:30 End of session 1 departure to “Quinta da Costa”

13:00 Lunch in the “Quinta da Costa”

Session 2: Genes e Justiça Genes and Justice Michele Loi – Flavio d’Abramo – Roberto Merrill

16:30 End of session 2

19:30 Diner in the Water-Mill

Session 3: Democracias e Propriedades Democracy and Property Tito Rendas – Antoni Aguiló

Sunday, 26th January

8:30 Breakfast in the Water-Mill

Session 4: Ciências e Comunicação Sciences and Communication Nuno Franco e Joana Lobo Antunes

End of session 4 and visit of the Casa de Mateus

13:00 Lunch in the pantry

Session 5: Grafias e (des)acordos Spellings and (dis)agreements Rolf Kemmler

16:00 End of the Programme and farewells

Page 147: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa
Page 148: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa
Page 149: CADERNOS MATEUS DOC - | IICM · 2016. 6. 30. · O Programa O Mateus DOC é um programa dirigido a investigadores de todas as áreas científicas. O objectivo principal do programa

Programa Mateus DOC

Apoios Sponsors

©Instituto Internacional Casa de Mateus e autores individuais

and individual authors

Todos os direitos reservados All rights reserved

Editado por Published by

IICM – Instituto Internacional Casa de Mateus

Casa de Mateus

5000-291 Vila Real

Portugal

T +351 259 323 121

F +351 259 326 553

[email protected]

http://www.iicm.pt

Design

www.ic.com.pt

Depósito Legal n.º 327 162/11

ISBN 978-989-97281-1-0

ISSN 2182-1569 (impresso)

ISSN 2182-1577 (em linha)