Cadernos Gestão Pública e Cidadania - 2016, Número 2

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ARTIGO: INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO E EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: O CASO DO TRE-SC

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 21, n. 69, Maio/Ago. 2016

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INOVAÇÃO NO SETOR PÚBLICO E EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

O CASO DO TRE-SC

INNOVATION IN THE PUBLIC SECTOR AND THE EVOLUTION OF THE PUBLIC MANAGEMENT MODELS: THE CASE OF TRE-SC

INNOVACIÓN EN EL SECTOR PÚBLICO Y EVOLUCIÓN DE MODELO DE ADMINISTRACIÓN PÚBLICA: EL CASO DEL TRE-SC

Resumo: Este estudo enfoca o campo de inovação no setor público e suas conexões com a evolução dos modelos de administração pública. O objetivo é identificar, caracterizar e classificar as inovações ocorridas no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina entre 2008 e 2012. Caracteriza-se como um estudo de caso descritivo-avaliativo, de abordagem qualitativa. Utilizou-se a pesquisa documental como instrumento de coleta de dados. Como resultado, verificou-se que foram implementadas 38 inovações no período, predominando inovações de processo tecnológico, com destaque para inovações com abrangência interna, focadas na organização e no aprimoramento dos processos internos do TRE-SC. Inovações em serviços e auxiliares vieram em segundo e terceiro planos. Uma análise dos resultados sob a ótica da evolução dos modelos de Administração Pública corrobora achados de estudos internacionais ao indicar que os princípios do Novo Serviço Público e da Nova Governança Pública estão presentes de forma ainda incipiente nas inovações realizadas no TRE-SC no período.

Palavras-chave: Inovação, setor público, modelos de administração pública, Tribunal Regional Eleitoral, TRE-SC.

Rosangela Klumb - [email protected] em Administração pela Universidade do Estado de Santa Catarina – Florianópolis – SC, Brasil

Micheline Gaia Hoffmann - [email protected] em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis – SC, Brasil

Artigo submetido no dia 02.08.2015 e aprovado em 07.05.2016.

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v21n69.53902

Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons

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Rosangela Klumb - Micheline Gaia Hoffmann

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Abstract

This study focuses on the field of public sector innovation and its ties to the evolution of public management models. It aims to identify, characterize and classify the innovations that took place within the Regional Electoral Court of Santa Catarina (TRE-SC) in the period 2008-2012. The study’s research was characterized as a descriptive and evaluative case study of a qualitative approach regarding the characteristics and mode of investigation, and it used documentary research as a tool for data collection. As a result of the research, it was found that 38 innovations have been implemented in the period, primarily involving technological process innovation. These were innovations with an internal impact and focused on improving the TRE-SC’s internal processes. Services and auxiliary innovations occurred less frequently. An analysis of the results from the angle of standard Public Administration models corroborated the findings of a number of international studies, and showed that the principles of the New Public Service and the New Public Governance are still incipient in the innovations being carried out at the TRE-SC.

Keywords: Innovation, public sector, public management models, Regional Electoral Court, TRE-SC.

Resumen

El estudio tuvo como objetivo identificar, caracterizar y clasificar las innovaciones que se producidas en el TRE-SC entre 2008 y 2012. Se caracteriza por ser un estudio descriptivo y evaluativo con un enfoque cualitativo que utilizó la investigación documental como instrumento de recolección de datos. Como resultado, se encontró que fueron aplicadas 38 innovaciones. Predominante en el proceso de innovación tecnológica se centró en la organización y la mejora de los procesos internos TRE-SC. Las innovaciones en los servicios e innovaciones auxiliares ocuparon el segundo y tercer nivel, respectiva-mente. Un análisis de los resultados desde la perspectiva de los patrones cambiantes de la admin-istración pública indica que los principios del Nuevo Servicio Público y del Nuevo Gobierno Público, están presentes en forma incipiente en las innovaciones desarrolladas en el TRE-SC.

Palabras clave: Innovación, sector público, modelos de gestión pública, Tribunal de Distrito Electoral, TRE-SC.

INTRODUÇÃO

O modelo mental adotado para pensar sobre a inovação tem um legado forte do setor pri-vado, mais especificamente das atividades de manufatura da indústria (Schumpeter, 1997; Jartley, 2005; Koch & Hauknes, 2005; Bysted & Hansen, 2013). Todavia, a inova-ção não é mais percebida exclusivamente como uma questão para as empresas priva-das que buscam desenvolver e implementar novos produtos, processos de produção ou técnicas de vendas. Os decisores políticos estão cada vez mais exigentes, incentivan-do e apoiando não só a inovação no setor privado, mas também produzindo políticas públicas e serviços públicos inovadores.

Inovação no setor público pode incluir a pro-dução de bens materiais ou produtos, mas,

mais frequentemente, implica a aplicação de produtos já existentes ou a entrega de servi-ços, acompanhada de mudança organizacio-nal e desenvolvimento de políticas (Koch & Hauknes, 2005).

No entanto, segundo Pärna e Tunzelmann (2007), faltam boas evidências empíricas sobre inovação em organizações de serviço público e um quadro sólido de como as anali-sar. De acordo com Lima e Vargas (2012), tal fato possibilita um amplo campo de pesqui-sa com foco em inovação no serviço público, principalmente em seus resultados.

As organizações públicas atuais possuem características dos diversos modelos de ad-ministração pública. Em relação a esse as-pecto, Thompson (1965) – um dos primeiros autores a estudar o tema – apontou que as

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estruturas burocráticas que predominam nas organizações públicas podem constituir barreiras à sua capacidade de inovação. A impessoalidade, a formalidade, a hierarquia e outros princípios da burocracia limitam o espaço para a criatividade, o questionamen-to e a experimentação, fatores necessários para identificar e explorar novas possibilida-des. Recentes estudos indicam que as prin-cipais barreiras para a inovação no serviço público se relacionam com questões ligadas à resistência à mudança (Koch & Hauknes, 2005; Micheli, Schoeman, Baxter & Goffin, 2012; Mulgan & Albury, 2003; Stewart-Weeks & Kastelle, 2015), à aversão ao risco (Koch & Hauknes, 2005; Micheli et al., 2012; Mulgan & Albury, 2003; Townsend, 2013), às estrutu-ras organizacionais (Micheli et al., 2012) ou à ausência de capacidade de aprendizagem organizacional (Koch & Hauknes, 2005).

Esses são alguns elementos que tornam a gestão da inovação no setor público um de-safio. Por outro lado, a ascensão dos prin-cípios do Novo Serviço Público (Denhardt, 2004) e da Nova Governança Pública (Os-borne, 2006) como paradigmas de admi-nistração pública pode gerar uma série de oportunidades de inovação. As crescentes demandas por serviços públicos mais res-ponsivos, transparentes, sustentáveis e democráticos requerem das organizações novos modelos de gestão, novos processos e formas de comunicação que as tornem aptas a desenvolver e oferecer à socieda-de esse novo padrão de serviços. Trabalhos como os de Jartley (2005), Osborne e Bro-wn (2011), Amdam (2014) e Ansell e Torfing (2014) discutem a relação entre os para-digmas de administração pública, o enten-dimento sobre a inovação no setor público, os resultados dela esperados e a forma de

realizá-la. Entretanto, tais estudos mostram como a busca por novos padrões de gover-nança e entrega de serviços ao cidadão é dificultada por processos de inovação ainda baseados em princípios da administração pública tradicional e do New Public Mana-gement.

Ansell e Torfing (2014) explicam que o reco-nhecimento da necessidade da inovação no setor público tomou impulso na década de 1980, com o discurso do New Public Mana-gement, mas que o pressuposto era de que o setor público deveria não apenas apren-der com a experiência do setor privado, mas imitá-lo. Com essa abordagem, a ênfase passou a ser no incentivo por desempe-nho, sendo a eficiência o critério central e a melhoria de processo, o foco. Na opinião dos autores, é preciso ir além dessa pers-pectiva gerencialista. Isso implica migrar do foco em implementação e gerenciamento de vantagem competitiva para a construção de colaboração entre múltiplos stakeholders, conforme apregoa o referencial da Nova Governança Pública, que enfatiza o fato de a inovação pública operar em um ambiente político complexo. Assim, são necessários estudos dedicados a discutir o tema sob a ótica desses pressupostos.

Nas últimas décadas, as organizações pú-blicas brasileiras têm evoluído em termos de inovação tanto nos serviços prestados à sociedade quanto em seus processos inter-nos. Como exemplo, pode-se citar as ações desenvolvidas pela justiça eleitoral para aprimorar o processo eleitoral e desenvolver novas tecnologias.

Em Santa Catarina, o Tribunal Regional Elei-toral (TRE-SC), instalado em 1945, teve sua

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história marcada pelo pioneirismo e pela inovação. Em 1982, foram iniciadas as pri-meiras experiências de informatização de procedimentos eleitorais. Sete anos mais tarde, o TRE-SC e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) desen-volveram o primeiro processo eletrônico de totalização dos votos, ocorrendo a primei-ra votação eletrônica do Brasil, em caráter experimental, na cidade de Brusque. Em 1995, houve a primeira eleição totalmen-te informatizada, sendo essa experiência expandida para oito estados brasileiros. A partir de 2000, todos os municípios brasi-leiros realizaram eleições informatizadas (Tribunal Regional Eleitoral de Santa Cata-rina [TRESC], 2013). Em 2008, ocorreram as primeiras iniciativas de implantação do sistema biométrico de votação, por meio do Projeto Piloto na cidade catarinense de São João Batista (Abreu, 2010).

Atualmente, o TRE-SC atende 4.742.202 eleitores, distribuídos em 295 municípios, agrupados em 105 Zonas Eleitorais (ZEs). Possui um Catálogo de Serviços de TI com-posto de 172 serviços prestados aos 911 co-laboradores da sede e dos cartórios eleito-rais, bem como ao público externo. Grande parte das atividades realizadas pela justiça eleitoral depende de recursos de Tecnologia da Informação (TI), exigindo, para manter a qualidade dos serviços prestados, ações inovadoras (TRE-SC, 2012).

Acrescenta-se que o TRE-SC, assim como os demais órgãos do Poder Judiciário, está sujeito ao controle do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma vez que a Emenda Constitucional número 45, de 2004, estabe-leceu que cabe a ele o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciá-

rio, podendo expedir atos regulamentares ou recomendar providências. Entre as ações do CNJ relacionadas à gestão, estão as Metas Nacionais do Poder Judiciário com foco na agilidade e na eficiência.

O objetivo deste trabalho é identificar, carac-terizar e classificar as inovações ocorridas no TRE-SC no período de 2008 a 2012. Com base nessas informações, propõe-se discutir os resultados da pesquisa à luz da evolução dos modelos de administração pública. Es-pecificamente, discute-se se as característi-cas das inovações realizadas no TRE-SC no período analisado evidenciam a promoção de princípios do Novo Serviço Público (De-nhardt, 2004) ou da Nova Governança Públi-ca (Ansell & Torfing, 2014; Osborne & Brown, 2011).

Evolução dos modelos de administração pública: oportunidade de inovação?

Segundo Keinert (2007, p. 61), o termo públi-co pode ser entendido como relativo àquilo que “é de todos e para todos”, à “coisa públi-ca” (res publica) e ao “interesse público”. Con-cerne, ainda, às relações econômicas, políti-cas e sociais que interferem na produção do espaço público. Dessa forma, os diferentes conceitos de “público” envolvem questões de poder, de legitimidade e de valores.

Keinert (2007) mostra que a administração pública brasileira evoluiu de um paradigma patrimonialista, com a primeira reforma, para o modo de administração burocrático, baseado nos princípios do modelo ideal de Max Weber. Para a autora, o foco na eficiên-cia como valor central enfatiza as dimensões econômico-financeiras e institucional-admi-nistrativas do Estado, em detrimento da di-

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mensão político-cutural.Há, nesse modelo, portanto, uma despolitização das questões sociais.

Como resposta ao paradigma burocrático, desenvolveu-se, a partir da década de 1990, o modelo gerencial de administração públi-ca, também conhecido como Nova Gestão Pública. Seu fundamento _ com o intuito de construir um novo perfil de Estado cujo cer-ne está na eficácia e qualificação para am-pliar a qualidade do serviço público prestado à sociedade e a redução dos seus custos _ baseou-se na utilização de um novo referen-cial para as relações políticas e administrati-vas (Abreu, Helou & Fialho, 2013).

No entanto, esse modelo sofreu críticas no sentido de que, com a prevalência do ideal tecnocrático, havia um favorecimento da re-produção do autoritarismo e do neopatrimo-nialismo. A formulação de políticas públicas permanecia como monopólio de uma elite burocrática que centralizava o poder e, prin-cipalmente, limitava a participação da socie-dade na estrutura e na dinâmica governa-mental (Paula, 2007).

Embora se tenham iniciativas de implanta-ção de um modelo gerencial, o modo patri-monialista de gerir e governar o Estado ain-da faz parte do dia a dia da Administração Pública em todos os níveis governamentais (Vieira, 2008).

Surgem, então, propostas como a do Novo Serviço Público (Denhardt, 2004), cujos pressupostos promovem a dignidade e o va-lor do serviço público e reafirmam os valores da democracia, da cidadania e do interesse público como valores proeminentes da admi-nistração pública.

Assim, o Novo Serviço Público renova os in-teresses pelos valores democráticos, expri-midos na liderança e na gestão dos órgãos públicos. Nessa expressão, vários autores, segundo Denhardt (2004, p. 178) “tentaram ir ao coração do campo da administração pública e remodelar sua perspectiva básica, partindo de uma preocupação tradicional com eficiência e performance para um inte-resse equilibrado em favor da responsivida-de democrática”. Dessa forma, a concepção do Novo Serviço Público coopera para a re-formulação do Estado, para uma alteração de paradigma na busca de uma gestão mais participativa.

De forma congruente, Keinert (2007) des-taca que a verdadeira opção para tornar flexível a gestão pública virá com o efetivo aumento do controle social, sem deixar de considerar as questões relacionadas ao po-der e aos interesses divergentes inerentes a qualquer projeto público. Para a autora, so-mente a negociação, a renegociação, a defi-nição conjunta de prioridades, a construção de acordos e de coalisões garantirão a auto-adaptabilidade e a durabilidade de um proje-to, bem como o ajustamento mútuo (interno e externo) e o incentivo à inovação. Ansell e Torfing (2014) destacam que a ideia da inovação no setor público sob o prisma do paradigma da Nova Governança Pública en-fatiza o complexo ambiente político em que esse tipo de inovação ocorre, exigindo, por-tanto, a coordenação mediante a interação entre múltiplos stakeholders para ocorrer de forma efetiva e sustentável.

Assim, esses novos paradigmas vêm suprir limitações do modelo gerencialista. Porém, também resguardam dilemas e limitações, dentre os quais se destaca a falta de arran-

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jos institucionais para viabilizar sua propos-ta (Paula, 2007). Dessa forma, o Novo Ser-viço Público, assim como outros modelos de gestão pública aqui descritos, apresenta limitações e carece de mais preparação, es-pecialmente no que tange à sua implemen-tação (Salm, Schommer, Heidemann, Ven-dramini & Menegasso, 2011). Tal espaço em aberto para a formulação de alternativas de implementação desses novos princípios re-presenta um grande desafio e abre um rol de novas oportunidades para a inovação nas organizações públicas. Tais inovações podem estar relacionadas tanto ao desen-volvimento de serviços públicos mais inclu-sivos, transparentes e adequados aos no-vos princípios postos como de modelos de gestão aptos a suportar um processo deli-berado e sistemático de outras inovações.

Por outro lado, estudos demonstram que o entendimento sobre o papel da inovação no setor público e a forma como esta é rea-lizada são influenciados pelos paradigmas de administração pública. Jartley (2005) faz um resgate desses paradigmas, sob a se-guinte classificação: administração pública tradicional, nova gestão pública e gover-nança em redes. Para o autor, os princípios intrínsecos a cada um deles podem levar a diferentes formas de se gerar e adotar a inovação. Os dois primeiros remetem a mu-danças incrementais e focadas no proces-so e nos sistemas de gestão. Já o terceiro objetiva tanto a capacidade para mudanças incrementais contínuas quanto para inova-ções mais transformacionais. Além disso, uma diferença importante é que nesse pa-radigma passa a haver mais foco na linha de frente, ou seja, nos serviços.

De forma similar, Amdam (2014) discute

que o setor público não desenvolveu a ca-pacidade de se engajar em inovações con-tínuas. Portanto, é essencial criar sistemas de inovação nesse setor. Para o autor, as reformas inspiradas nos princípios do New Public Management ajudaram nessa tarefa, à medida que tornaram possível e necessá-ria a criação de sistemas integrados de pla-nejamento, aprendizagem e inovação. Para que esses sistemas promovam a capacidade de inovar terão que incorporar práticas mais comunicativas e baseadas em rede, ou seja, deverão ser sistemas colaborativos, de forma a atender às reais necessidades da socieda-de e aos valores do setor público. Contudo, o que o estudo de Amdam (2014) mostra é que os princípios do New Public Manage-ment dificultam tais práticas, conduzindo a modelos de inovação autocentrados e mais focados no processo que na oferta de novos serviços públicos.

Osborne e Brown (2011) apresentam um framework de apoio à inovação no setor pú-blico baseado em princípios que procuram ultrapassar o que consideram lacunas nas teorias, pautando-se no paradigma do New Public Management. Por terem como propó-sito principal a promoção de vantagens com-petitivas, essas teorias enfocam, segundo os autores, ganhos em eficiência como resulta-do esperado da capacidade de inovação das organizações públicas. Para eles, são teorias que falham por não considerar as peculiari-dades dos serviços em relação à manufatu-ra e, ainda, as especificidades dos serviços públicos. Os autores destacam, ainda, que diferentes tipos de inovação podem ser su-portados por diversos contextos e aborda-gens. Por isso, identificar o tipo de inovação desejada é necessário para definir políticas e estratégias de gestão mais efetivas.

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De forma congruente, Ansell e Torfing (2014) argumentam que diferentes institui-ções e partes interessadas, tanto públicas quanto privadas, possuem alguma respon-sabilidade ou influência sobre os resultados públicos importantes, o que favorece a ne-cessidade de se afastar perspectivas geren-cialistas limitadas. O ponto destacado não é que os gestores não são importantes, pelo contrário, a complexidade normalmente tor-na a liderança mais importante, vindo muitas vezes de gestores. Seu papel não é estrita-mente o de implementar e gerenciar con-tratos ou medir desempenho. Em vez dis-so, desempenham um papel importante ao promoverem a colaboração entre as várias partes interessadas. Uma implicação impor-tante é que a inovação será mais do que um processo emergente _ um impulsionador adicional para resolver certos problemas comuns e desejar responder aos incentivos

estreitamente concebidas. O emergente pro-cesso de unir múltiplas partes interessadas com o intuito de identificar oportunidades para criar valor público conduz a uma forte demanda pelo realinhamento sistemático de serviços, processos e procedimentos entre os múltiplos interessados. Essa perspectiva faz a inovação ser vista como um processo de design colaborativo _ que pode ser in-terpretado como uma situação de alto risco e alto ganho, uma vez que representa uma dificuldade e um risco organizacional que move pessoas e grupos a atuarem conjunta-mente nas instituições, profissões e setores, sendo o potencial para ganhos significativos proporcional à dificuldade.

As principais diferenças entre o New Public Management e a Nova Governança Pública estão destacados na tabela 1.

Tabela 1. Principais diferenças entre New Public Management e o Novo Serviço Público

New Public Management Nova Governança Pública

Condições macroinsti-tucionais

Reforma estrutural (corporação e mercantilização)

Conhecimento e poder distribuído atra-vés das instituições e setores

Condições críticas para inovação

Autonomia gerencial e incentivos de alta potência

Design colaborativo

Mecanismos geradores Gestores empreendedoresCompromisso, sinergia e aprendizagem de Design-Think

Foco da inovaçãoServiços focados no cliente e pes-quisa por melhores práticas

Cocriação e próximas práticas

Resultados esperados Produção eficienteResolução criativa de problemas atra-vés de fronteiras institucionais

Fonte: Adaptado de Ansell e Torfing (2014).

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Estudos como estes sugerem análises que relacionem, portanto, o campo da inovação no setor público com o da evolução dos mo-delos de administração pública. Nesse sen-tido, a próxima seção discute de forma mais direta os conceitos de inovação no contexto do setor público.

Inovação no setor público: origens, con-ceitos e características

A teoria da inovação não é uma teoria for-mal e estabelecida, mas um amálgama de várias disciplinas: economia, gestão, psico-logia organizacional, teoria cognitiva e teoria dos sistemas (Røste, 2004).

Brandão e Bruno-Faria (2013) argumentam que os primeiros estudos sobre inovação procuravam esclarecer a relação entre ino-vação tecnológica e desenvolvimento eco-nômico, focando no desenvolvimento de produtos e processos aplicados ao setor pri-vado, a exemplo de Schumpeter (1997), um dos pioneiros nessa área.

Inovação no setor público tem sido definida como a “criação e implementação de novos processos, produtos, serviços e métodos de entrega, que resultam em significativas me-lhorias na eficiência, eficácia ou qualidade dos resultados” (Mulgan & Albury, 2003, p. 3). Representa um meio para um fim, e não um fim em si mesmo, razão pela qual a valo-rização da importância e da diversidade da inovação, bem como da forma de alcançá--la, deve integrar os conhecimentos, as ha-bilidades e os comportamentos de cada ser-vidor público. A inovação ultrapassa, pois, os limites da criatividade e da geração de novas ideias, uma vez que constitui um pro-cesso que pode e deve ser replicado (Aus-

tralian National Audit Office [ANAO], 2009).

A maioria das inovações no setor público não é radical nem sistêmica, mas sim incremen-tal, isto é, trata-se de pequenas alterações ou adaptações dos serviços ou dos proces-sos, promovidas pelos servidores públicos para melhorar o desempenho dos serviços prestados à sociedade (Albury, 2005). Não estão associadas à noção de descontinuida-de nem à quebra de paradigmas.

Para responder à questão: “o que é inova-ção?” no contexto das atividades públicas, é necessário voltar a questões fundamentais. Primeiramente, inovação é o cerne da imple-mentação premeditada e proposital da mu-dança de comportamento de agentes sociais no contexto da atividade em questão. Segun-do, o conceito de inovação é funcional. Não deve ser entendido como um descritor de uma realidade objetiva ou de uma categoria genérica de dimensões comportamentais em uma realidade empírica. Terceiro, representa uma ferramenta para analisar atividades so-ciais e de interação (Koch & Hauknes, 2005). Røste (2004) defende que a essência da teo-ria da inovação está no fato de as inovações ocorrerem dentro do sistema nacional de inovação, conforme defendido por Freeman (1995), Lundvall (1992) e Nelson (1993), e explica que a inovação ocorre dentro de um modelo interativo, cujo resultado está atrela-do a vários fatores, mecanismos e relacio-namentos recíprocos que influenciam o pro-cesso de inovação. Portanto, todo o sistema de elementos institucionais, organizacionais e de processos deve ser estudado para se compreender o fenômeno da inovação (Røs-te, 2004).

Para Damanpour e Schneider (2009), líderes

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organizacionais, quer sejam gestores pú-blicos, quer sejam executivos de negócios, veem a inovação como fonte de mudança organizacional, crescimento e eficácia.

Para eles, além dos fatores externos (ca-racterísticas ambientais, como crescimento populacional e saúde econômica) e inter-nos (características organizacionais, como tamanho e sindicalização da força de traba-lho), a adoção de uma inovação nas organi-zações é influenciada pelas características da inovação em si, como seu custo, comple-xidade e impacto.

Nesse contexto e tendo em vista os objetivos deste trabalho, a próxima seção apresenta tipologias de inovação no setor público.

Tipos de inovação no setor público

Várias são as tipologias que podem ser adotadas como forma de compreender e classificar as inovações realizadas no setor público. Koch e Hauknes (2005) propõem a seguinte classificação:

a) inovações incrementais e radicais, que denotam o grau de novidade. As incrementais proporcionam aperfeiçoa-mento das características já existentes no serviço ou processo em questão, ao pas-so que as radicais propõem a oferta de um novo valor. Observa-se que no setor público, assim como na indústria, a maio-ria das inovações se associa a melhorias incrementais em produtos, processos e serviços já existentes;

b) inovações top-down (de cima para baixo) e inovações bottom-up (de bai-xo para cima), denotando quem iniciou

o processo de mudança: os gestores do topo da organização ou os funcionários da base da organização;

c) inovações lideradas por necessidade e por eficiência, denotando se o proces-so de inovação foi iniciado para resolver um problema específico ou se foi motiva-do pela oportunidade de tornar produtos, serviços ou procedimentos existentes mais eficientes.

Por sua vez, Walker, Avellaneda e Berry (2011) propõem outra classificação para os tipos de inovação no setor público, quais se-jam:

a) inovação de serviço, definida como novos serviços oferecidos por organiza-ções públicas para atender um usuário externo ou a uma necessidade do mer-cado. Ocorre no componente operacional e afeta o sistema técnico de uma organi-zação. Inclui a adoção de bens e serviços intangíveis, que, muitas vezes, são con-sumidos no ponto de produção (Walker, Avellaneda & Berry, 2011). Três tipos de inovação de serviços foram identificados e testados pelos autores: • inovação total: envolve a prestação de novos serviços para novos usuários; • inovação expansionista: trata de servi-ços existentes fornecidos a um novo gru-po de usuários; • inovação evolucionista: envolve forneci-mento de um novo serviço aos usuários existentes.b) inovação de processo, correspon-dente àquela que altera as relações entre os membros da organização e afeta re-gras, papéis, procedimentos e estruturas de comunicação e intercâmbio entre os

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membros da organização e entre estes e o ambiente (Walker et al., 2011). Subdivi-de-se em três tipos: • inovação de mercantilização, que en-volve a modificação dos processos e sis-temas operacionais da organização para aumentar a eficiência ou eficácia em pro-duzir e distribuir seus serviços aos usuá-rios; • inovação organizacional, que consis-te em mudanças nos processos, estrutu-ra e estratégia, portanto está preocupada com a atividade de uma organização no sistema social; • inovação tecnológica, que está asso-ciada a mudanças no equipamento físico, técnicas de sistemas organizacionais e de comunicação, incluindo tecnologia da informação, hardware (equipamento físi-co) e software (sistemas organizacionais);c) inovação auxiliar, caracterizada como aquela que reflete mudanças para a par-ceria e o trabalho em rede na prestação de serviços públicos modernos. Este tipo difere de outras inovações porque está preocupado com o trabalho através das fronteiras com outros prestadores de ser-viços, usuários ou outros órgãos públicos (Walker et al., 2011).

Por meio de estudo realizado por Brandão e Bruno-Faria (2013), é possível observar que os principais tipos de inovação estudados no setor público compreendem inovação em serviços e processos e, nesse último, de-pendendo do autor, podem estar incluídas inovações em estruturas e sistemas admi-nistrativos e inovações de cunho tecnológi-co.

A argumentação apresentada por Jartley (2005) e Amdam (2014) destaca a predomi-

nância da inovação em processo e enfatiza a importância de se expandir a capacidade de realizar inovação em serviços sob princípios de colaboração, rede, accountability e satis-fação das necessidades do cidadão.

Nesse sentido, remete indiretamente às ino-vações auxiliares descritas por Walker et al. (2011). Em um estudo anterior, Damanpour, Walker e Avellaneda (2009) destacaram a importância da coadoção de diferentes tipos de inovação, afirmando que a capacidade de uma organização de serviço introduzir e in-tegrar diferentes tipos de inovação ao longo do tempo é rara e proporciona competências distintivas, cria valor e incrementa a perfor-mance.

Procedimentos metodológicos

Este trabalho originou-se de uma pesqui-sa caracterizada como um estudo de caso descritivo-avaliativo, de abordagem predo-minantemente qualitativa no que diz respeito às características e ao modo de investigação do fenômeno pesquisado. Quanto aos objeti-vos, é caracterizada como exploratória, uma vez que se procurou identificar, caracterizar e classificar as inovações ocorridas no TRE--SC no interregno de 2008 a 2012.

Adotou-se como categoria analítica o con-ceito de inovação abordado por Mulgan e Al-bury (2003, p. 3).

Como variáveis, foram adotadas as tipolo-gias de inovação definidas por Walker et al. (2011), conforme segue:

a) inovação de serviço, classificada em inovação total, expansionista e evolucio-nista;

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b) inovação de processo, classificada em inovação de mercantilização, inovação or-ganizacional ou inovação tecnológica;c) inovação auxiliar.

Além da tipologia, foram adotadas como va-riáveis de estudo:

a) abrangência da inovação, que consiste em verificar se a inovação atinge o públi-co interno ou externo do TRE-SC;b) impacto da inovação, que buscou ve-rificar a gravidade que a perda de quali-dade ou indisponibilidade do serviço re-presenta para o negócio do TRE-SC. Tal impacto é acordado entre a Secretaria de Tecnologia da Informação (STI) e as ma-crounidades do TRE-SC. A determinação da faixa de impacto baseia-se na catego-

ria do serviço, que reflete, por sua vez, a prioridade do atendimento e o tempo de solução. A organização adota por padrão o menor valor na faixa. Ex.: serviços es-senciais possuem faixa de impacto de 7 a 10, o que estabelece uma prioridade alta (6 a 8) ou crítica (9 a 10) para seu resta-belecimento, que deverá ocorrer em oito e seis horas, respectivamente, nos casos de indisponibilidade.

Como instrumento de coleta de dados, utili-zou-se a pesquisa documental. Foram obje-to de estudo os relatórios de atividades de-senvolvidas pelo TRE-SC entre 2008 e 2012 e o catálogo de serviços do TRE-SC. Os da-dos foram coletados no segundo semestre de 2013. As etapas da pesquisa documental estão graficamente representas na figura 1.

Figura 1. Esquema gráfico da pesquisa documental.

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Por meio da leitura dos relatórios de ativi-dades, foi possível identificar as inovações desenvolvidas pelo TRE-SC em cada ano. Posteriormente, realizou-se a busca das inovações ocorridas nesse interregno no catálogo de serviços, com o intuito de iden-tificar as seguintes variáveis: abrangência e impacto da inovação. Ao contrastar a descri-ção da inovação com o referencial teórico, realizou-se a classificação das inovações segundo os tipos e subtipos definidos por Walker et al. (2011).

Por fim, procedeu-se à análise desses re-sultados à luz dos trabalhos de Denhardt (2004), Jartley (2005), Osborne e Brown (2011), Ansell e Torfing (2014) e Amdam (2014). Especificamente, verificaram-se os tipos de inovação predominantes (processo, serviço ou inovação auxiliar) na medida em que os autores anteriormente referenciados enfatizam a importância do avanço de ino-vações em serviço e auxiliares em relação ao tradicional foco na melhoria da perfor-mance por meio de ganhos em eficiência nos processos.

Discussão e análise dos resultados

Ao buscar responder ao objetivo desta pes-quisa, verificou-se, mediante a análise dos relatórios de atividades do TRE-SC de 2008 a 2012, que foram implementadas 38 inova-ções no período.

Das inovações identificadas, seis foram classificadas, segundo suas características, como inovação de serviço, 28, como inova-ção de processo, quatro, como inovação au-xiliar, segundo as definições estabelecidas por Walker et al. (2011). Dentre as inovações de processo, predominam as tecnológicas,

seguidas das de mercantilização. Com ex-pressão menos significativa, há as inovações organizacionais.

Constatou-se que as inovações tecnológicas ocorridas – todas com abrangência inter-na – relacionam-se, em sua maioria, com a automatização de atividades-meio da orga-nização, por intermédio de sistemas desen-volvidos pelo TRE-SC, e o aprimoramento da infraestrutura tecnológica. Um exemplo é o sistema orçamentário módulo-proposta que automatizou o processo de elaboração da proposta orçamentária desde as unidades solicitantes até o envio e consolidação pelo TSE. Apenas 31% das inovações tecnológi-cas identificadas no período foram aplicadas em atividades de negócio da organização, ou seja, naquelas relacionadas ao processo eleitoral. Esse foi o caso da rede de comuni-cação de dados direta, que possibilitou ge-renciar usuários e a comunicação de dados entre os cartórios eleitorais e o TRE-SC, bem como entre este e o TSE.

Já as inovações de mercantilização (cujo foco está na modificação dos processos e sistemas operacionais da organização para aumentar a eficiência ou eficácia em produ-zir e distribuir seus serviços aos usuários) centraram-se em melhorar a qualidade dos serviços prestados, mediante a adoção de melhores práticas consolidadas no mercado, seguindo as recomendações dos órgãos de controle, como o Conselho Nacional de Jus-tiça (CNJ) e o Tribunal de Contas da União (TCU), a todo o Poder Judiciário brasileiro. Dentre as inovações desse tipo, um exemplo foi a melhora no desenvolvimento de softwa-re por meio da adoção de práticas estabele-cidas pelo MPS.Br, solução brasileira com-patível com o modelo CMMI.

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Da mesma forma, as inovações de proces-so organizacional desenvolvidas no período ocorreram com o intuito de estruturar a or-ganização para atender às recomendações dos órgãos de controle, visando a aprimo-rar as práticas de governança corporativa e de Tecnologia da Informação (TI). Nesse sentido, são inovações que demonstram a preocupação de a organização inovar com o intuito de melhorar ou, ao menos, manter seu nível de desempenho, como explicam Damanpour e Schneider (2008). Contudo, de fato, não vislumbram atender os anseios do cidadão-usuário dos serviços da organi-zação, conforme destaca Denhardt (2004).As inovações de serviços desenvolvidas no período tratam de serviços oferecidos pela organização diretamente a seu público-alvo (o cidadão) e demonstram que o TRE-SC vem disponibilizando novos serviços à so-ciedade, como emissão de certidões de quitação eleitoral (inovação evolucionista), transmissão ao vivo das sessões plenárias (inovação expansionista), disponibilização do serviço de ouvidoria (inovação total), en-tre outros. Para isso, faz uso especialmente da Internet como recurso.

Já as inovações auxiliares refletem a ten-dência de as organizações públicas copro-duzir o bem público por meio do desenvolvi-mento de parcerias com outros prestadores de serviços (sejam públicos ou não) e o próprio cidadão. Tais inovações são refle-xo da estratégia do TRE-SC que, em 2010, estabeleceu como objetivo relacionado ao tema alinhamento e integração comparti-lhar soluções e serviços de tecnologia da informação e comunicação (TIC) com en-tidades públicas, visando à cooperação e ao intercâmbio de soluções entre as áreas de TIC. Uma das motivações para isso foi

proporcionar economia de recursos e agili-dade no atendimento das demandas. Como exemplos de inovações auxiliares promovi-das pelo TRE-SC pode-se citar a extração automática, diretamente da base de dados do Tribunal Regional Federal da 4a região (TRF4), sediado no estado do Rio Grande do Sul, das certidões criminais necessárias à instrução de processos de registro de can-didatura em todo o estado de Santa Catari-na. Outro exemplo é a parceria estabelecida entre o TRE-SC e a Corregedoria Geral de Justiça do estado de Santa Catarina para automatizar a transferência de informações relativas a condenações criminais e extin-ções de punibilidade entre os dois órgãos por meio do Sistema de Informações Eleito-rais (SIEL).

Paralelamente, o processo decisório do TRE-SC sofreu alterações com a instituição do Conselho de Gestão Estratégica e de In-tegração da Justiça Eleitoral (CGEI). Esse conselho é composto de 11 membros gesto-res e possui duas comissões permanentes a ele vinculadas: uma de gestão operacional e outra de comunicação e integração. Essa comissão conta com a participação efetiva dos servidores do TRE-SC, tanto da sede quanto das zonas eleitorais. A finalidade do CGEI é planejar, coordenar, promover, orientar e avaliar as estratégias e linhas de ações institucionais, com poderes para es-tabelecer diretrizes e ações destinadas ao gerenciamento estratégico da administra-ção, à aprovação e implementação de proje-tos para ampliar a modernização da Justiça Eleitoral catarinense e à efetiva integração das zonas eleitorais com a administração central.

Ao tratar da variável impacto, verificou-se

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que, com exceção das inovações de pro-cesso, cujo impacto não consta no catálogo de serviços do TRE-SC, pelo fato de não se tratar de um serviço ofertado aos usuários, 79,16% das inovações apresentavam im-pacto médio (3 a 5) e 20,84%, impacto alto (6 a 8). Tal fato significa que a perda de qua-lidade ou a indisponibilidade em aproxima-damente 20% dos serviços disponibilizados pela organização proporcionaria um grande impacto a seus usuários.

No que tange à abrangência, constatou-se que 79% das inovações possuem abran-gência apenas interna, 10,5% possuem abrangência externa e 10,5%, abrangência interna e externa, o que demonstra uma ten-dência de o TRE-SC, ainda que incipiente, organizar e aprimorar seus processos inter-nos para, de acordo com eles, atender a seu objetivo mais amplo, que é prestar serviços de excelência, conforme estabelece o pla-nejamento estratégico da organização.

Ao confrontar as inovações ocorridas no período com os modelos de administração pública, verifica-se que o TRE-SC possui preocupação em atingir as metas definidas pela organização e pelos órgãos superio-res à justiça eleitoral e uma gestão voltada à melhoria dos processos internos, visando a atingir os resultados propostos. Há, por-tanto, uma perspectiva bastante evidente do modelo gerencial de administração pública, corroborando os estudos de Jartley (2005) e Amdam (2014).

Por outro lado, identificou-se, também, a existência de iniciativas de desenvolvimento de inovações em serviço e inovações auxilia-res que possuem, respectivamente, tendên-cia a um foco mais voltado ao atendimento

das demandas da sociedade e ao estabele-cimento de parcerias com outras organiza-ções, quer sejam publicas, quer não. Tal fato reflete uma gestão preocupada não somente com a eficiência e eficácia dos processos in-ternos, mas também com as demandas so-ciais, com o processo decisório participativo e a responsividade, pressupostos do Novo Serviço Público (Denhardt, 2004) e da Nova Governança Pública (Osborne, 2006). Não se pode deixar de reconhecer, contudo, que tais inovações ainda representam minoria no contexto estudado.

Considerações finais

Por meio desta pesquisa, foi possível ampliar os conhecimentos sobre inovação no setor público brasileiro, cujos estudos ainda são incipientes se comparados com aqueles de-senvolvidos sobre o tema no setor privado, segundo Lima e Vargas (2012).

Entre 2008 e 2012, verificou-se que houve um predomínio de inovações de processo no TRE-SC, seguido por inovações de ser-viço e auxiliares. As inovações de processo tecnológico foram as mais comuns. Além dis-so, constatou-se que a abrangência dessas inovações foi interna na maioria dos casos e esteve relacionada à automatização de atividades-meio da organização, por meio de sistemas desenvolvidos pelo TRE-SC, e ao aprimoramento da infraestrutura tecnológica _ fato que indica a preocupação de o TRE--SC ser eficiente e eficaz em produzir e dis-tribuir seus serviços aos usuários.

Não obstante, observa-se a ocorrência de inovações em serviços no TRE-SC, reconhe-cida como uma organização pioneira e arro-jada, com histórico de inovações de abran-

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gências nacional e internacional. O estudo ampara essa assertiva ao evidenciar a pre-dominância de inovações totais e evolucio-nistas em relação às expansionistas.

Novos estudos poderiam explorar como se configuraram os ambientes em que ocorre-ram essas inovações. Seguindo a orienta-ção de Osborne e Brown (2011), uma vez identificadas e classificadas as inovações realizadas pelo TRE-SC no período em questão, seria importante compreender o contexto e a abordagem por meio das quais foram desenvolvidas. Como destacam os autores, são necessários contextos e abor-dagens específicos para os diferentes tipos de inovação e, conforme instruem Daman-pour et al. (2009), é importante a coadoção de diferentes tipos de inovação pelas orga-nizações.

Dessa forma, recomenda-se um próximo estudo no próprio TRE-SC relativo a esse tema. Adicionalmente, o baixo índice de inovações auxiliares evidenciado nesse estudo pode também representar oportunidades para pesquisas mais aprofundadas. Todo o cam-po de conhecimento recente sobre inovação reconhece-a como um fenômeno colabora-tivo, que resulta de interações internas e, também, da inserção da organização em redes externas, compostas de atores com vocações e competências complementares. Os novos paradigmas de administração pú-blica também enfatizam que o design e a im-plementação de novas políticas e serviços públicos dependem de complexas redes de governança, formadas por uma pluralidade de atores (Denhardt, 2004; Ansell & Torfing, 2014). Complementarmente, a literatura no

campo da inovação no setor público apre-senta estudos que remetem a modelos de administração pública com tais característi-cas (Jartley,2005; Amdam, 2014).

Assim, o desenvolvimento da capacidade para realizar inovações auxiliares, caracte-rizadas como mudanças para a parceria e o trabalho em rede na prestação de servi-ços públicos modernos, pode ser um fator estratégico para promover a capacidade de inovação não apenas do TRE-SC, mas tam-bém de outras organizações públicas.

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ARTIGO: MEIO AMBIENTE E ARENA PÚBLICA: GOVERNANÇA AMBIENTAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS

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MEIO AMBIENTE E ARENA PÚBLICA: GOVERNANÇA AMBIENTAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA AS POLÍTICAS

PÚBLICASENVIRONMENT AND THE PUBLIC ARENA: ENVIRONMENTAL GOVERNANCE AND ITS IMPLICATIONS FOR PUBLIC

POLICIES

MEDIO AMBIENTE Y ARENA PÚBLICA: GOBIERNO AMBIENTAL Y SUS IMPLICANCIAS PARA LAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Resumo: O quadro institucional da sociedade contemporânea se alterou, uma vez que a fronteira entre a esfera do público e do privado se torna cada vez mais fluida, isto é, o Estado não é mais o único ator a regular o comportamento dos agentes sociais, muito menos a desenvolver questões sobre o que é público. Isso não é diferente quando se trata de questões ambientais. Nesse contexto, este artigo tem o objetivo de apontar uma abordagem sobre as ações públicas para o meio ambiente com base no exame das experiências do banco de dados do programa Gestão Pública e Cidadania e das ações recentes da Rede Amigos da Amazônia. Concluiu-se que tal abordagem deve considerar pelo menos três elementos: transversalidade, uma vez que os impactos ambientais envolvem diferentes áreas do conhecimento e da ação governamental; não neutralidade, considerando que a compreensão dos impactos ambientais passa por uma negociação na arena pública; governança, haja vista que a temática ambiental requer a articulação e o relacionamento de diferentes atores.

Palavras-chave: Meio ambiente, sustentabilidade, governança, arena pública, políticas públicas.

Maria Lucia Villela Garcia - [email protected] em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo – São Paulo – SP, Brasil

Marcus Vinicius Peinado Gomes - [email protected] Professor da University of Exeter, Business School – Exeter – Reino Unido

Artigo submetido no dia 13.02.2016 e aprovado em 22.07.2016.

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v21n69.59390

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Maria Lucia Villela Garcia - Marcus Vinicius Peinado Gomes

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AbstractThe institutional framework of contemporary society has changed since the boundary between public and private spheres became increasingly fluid, with the State no longer the only actor to regulate the behaviour of social actors, nor indeed, the only actor to problematize what is public. Other actors have also begun to develop their own initiatives in relation to public matters, and this also applies to the environmental agenda. In this context, this article aims to develop an approach to public sector initiatives aimed at the environment by examining the experiences of the Public Management and Citizenship program database and the recent activities of the Friends of the Amazon Network. The conclusion is that such an approach should consider at least three elements: Transversality - environmental impacts involve different areas of knowledge and governmental action; No Neutrality - understanding environmental impacts involves negotiation in the public arena; Governance - environmental issues require coordination and relationships between different actors.

Keywords: Environment, sustainability, governance, public arena, public policies.

ResumenEl marco institucional de la sociedad contemporánea ha cambiado debido a que el límite entre la esfera pública y privada se ha vuelto fluido, es decir, el Estado ya no está solo para regular el com-portamiento de los actores sociales, y mucho menos es el actor que está para desarrollar acciones acerca de lo que es público y no es distinto en los temas ambientales. En este contexto, el presente trabajo pretende trazar una aproximación de la acción pública sobre el medio ambiente a partir del examen de las experiencias de la base de datos del programa Gestión Pública y Ciudadanía y las re-cientes acciones de la Red de Amigos de Amazon. Llegamos a la conclusión que este enfoque debe considerar al menos tres elementos: transversal, ya que los impactos ambientales involucran diferen-tes áreas del conocimiento y de la acción gubernamental; que no hay neutralidad, se sugiere que la comprensión de los impactos ambientales sea consecuencia de una negociación en la arena pública; y gobierno, los problemas ambientales requieren la coordinación y la relación de diferentes actores.

Palabras clave: Medio ambiente; sostenibilidad; gobierno; arena pública; políticas públicas.

Introdução

Sustentabilidade é um tema instigante e oni-presente na agenda da sociedade contem-porânea. Apesar da falta de clareza de seu significado, em razão de o conceito de de-senvolvimento sustentável também ser vago e impreciso (Lélé, 1991; Williams & Milling-ton, 2004; Hopwood, Mellor & O’Brien, 2005; Marshall & Toffel, 2005), o tema tem cada vez mais chamado a atenção de es-tados, movimentos sociais e empresas. Em meio às imprecisões de sua definição, tem sido apropriado muitas vezes de manei-ra equivocada. Segundo Gro Brundtland, responsável pelo relatório Nosso futuro co-mum, da Organização das Nações Unidas (World Commission on Environment and Development, 1987), em que foi cunhado o termo ‘desenvolvimento sustentável’ (Nobre, 2002), a palavra ‘sustentabilidade’ foi captu-

rada pelas empresas: “(...) Acho que há mais abuso quando se fala de sustentabilidade. Essa palavra foi introduzida depois, como se entregasse aquilo que o desenvolvimento sustentável significa” (Angelo, 2012).

Adicionalmente, na sociedade contemporâ-nea, é possível encontrar uma grande diver-sidade de atores negociando, influenciando e agindo sobre questões públicas. Isto é, o quadro institucional se alterou e a frontei-ra entre a esfera do público e do privado se tornou fluida – o Estado não é mais o único ator a regular o comportamento dos agentes sociais (Djelic & Sahlin-Andersson, 2006; Ri-chard & Rieu, 2009), muito menos o único a desenvolver questões sobre o que é público.

Essa configuração permite a emergência de novas formas de ação pública. São inúmeros os exemplos de organizações não governa-

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mentais criando certificações e normas que passam a regular o comportamento e as práticas empresariais. Mesmo sem o poder de criar leis, tais certificações cumprem um papel de regulação que antes era exclusivo do Estado.

Não é diferente no campo ambiental: a com-preensão sobre quais são os impactos am-bientais e como devem ser contornados não é resultado unicamente do exercício de um governo central, mas de uma negociação entre diferentes atores e interações com go-vernos locais, organizações da sociedade civil e também o setor privado (Richard & Rieu, 2009).

Dessa maneira, este texto tem o objetivo de oferecer uma abordagem para compreender as políticas públicas na área ambiental, por meio da análise de dois projetos reconhe-cidos como exitosos, identificando a emer-gência de novas práticas de ação pública. Foram analisadas diferentes ações públicas na área ambiental, por meio da trajetória do Centro de Estudos em Administração Públi-ca e Governo da Fundação Getulio Vargas (GVceapg) que congrega uma base sobre políticas públicas inovadoras e exitosas, o que se configura como uma ótima fonte de dados para capturar e compreender a emer-gência de novas práticas sobre a ação pú-blica, uma vez que oferece informações so-bre práticas reconhecidas por sua inovação, em diferentes áreas do país, influenciando o campo das políticas públicas por meio da sua disseminação.

Durante a trajetória de mais de 25 anos do GVceapg, a pauta do meio ambiente e políticas públicas se transformou. Diversos eventos contribuíram para o seu desenvol-

vimento; no cenário internacional, o já men-cionado Relatório Nosso futuro comum, pu-blicado em 1987, dois anos antes da criação do GVceapg, consagra o termo “desenvol-vimento sustentável” e definitivamente traz a temática ambiental às discussões sobre desenvolvimento. Em 1992, o Rio de Janeiro recebeu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimen-to, a Rio 92. Vinte anos depois, a mesma cidade recebeu novamente a conferência, a Rio +20. Cada uma à sua maneira, as duas conferências introduziram diferentes temáti-cas e propiciaram acordos que justificaram o desenvolvimento de diversas políticas pú-blicas e práticas organizacionais.

Ainda no âmbito da Organização das Na-ções Unidas (ONU), as Conferências das Partes da Organizações (COP) chamaram a atenção mundial para temas como des-matamento das florestas tropicais, perda da biodiversidade e mudanças climáticas. Do ponto de vista da sociedade civil, o movi-mento ambientalista também se fortaleceu e profissionalizou, gerando grandes organi-zações globais, como Greenpeace e WWF, dedicadas ao tema do meio ambiente e da sustentabilidade e que empregam as mais diversas táticas – de ataques diretos a em-presas e governos, a consultorias e parce-rias com esses mesmos atores – para im-pulsionar a agenda ambiental. Por sua vez, as empresas não ficaram de fora e cada vez mais introduzem o tema da sustentabilidade em suas estratégias e práticas.

O conhecimento sobre os impactos do ho-mem no meio ambiente também se transfor-mou – o próprio desenvolvimento das políti-cas públicas sobre o assunto e os temas que se consolidam nesses espaços transnacio-

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nais são evidências dessa transformação. Se, na década de 1990, o desmatamento da Floresta Amazônia era prioritariamente associado à perda da biodiversidade e à exploração comercial da madeira de origem ilegal; no Brasil do século XXI, o desmata-mento é a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) brasileira, tendo no agronegócio o seu principal driver, intrinsi-camente ligado à regularização fundiária (Gomes, 2014).

Assim, por meio da análise de dois proje-tos importantes do GVceapg, reconhecidos no campo de políticas públicas por congre-garem ações públicas exitosas – o Prêmio Gestão Pública e Cidadania e a Rede Ami-gos da Amazônia –, este texto se propõe a elaborar uma agenda para compreender as ações públicas na área ambiental. A abor-dagem proposta sugere que três elemen-tos devem ser considerados nessa análise: transversalidade, uma vez que os impactos ambientais envolvem diferentes áreas do conhecimento e sua resolução também de-verá envolver diferentes áreas do governo e organizações; a não neutralidade da sus-tentabilidade, assumir que a compreensão dos impactos ambientais e, consequente-mente, da sustentabilidade passa por uma negociação na arena pública, sendo, por-tanto, necessária uma compreensão políti-ca sobre a sustentabilidade; por fim; gover-nança, uma vez que a temática ambiental requer a articulação e o relacionamento de diferentes atores.

Além dessa introdução, este texto está di-vidido da seguinte forma: a próxima seção discute a relação entre ação pública e meio ambiente; em seguida, será apresentado o GVceapg e as duas iniciativas discutidas

neste trabalho, o Programa Gestão Pública e Cidadania e a Rede Amigos da Amazônia, que serão analisadas a fim de elaborar uma agenda de pesquisa para compreender as políticas públicas na área ambiental; por fim, a conclusão reflete sobre os elementos te-óricos identificados – transversalidade, não neutralidade da sustentabilidade e gover-nança – à luz dos casos analisados e sugere que tais elementos devem embasar o desen-volvimento da ação pública no âmbito da te-mática ambiental.

Ação pública e meio ambiente: emaranha-dos pela sustentabilidade

Desde 1988, com a Constituição brasileira, a gestão do meio ambiente passou a ser descentralizada, alinhando competências entre os diferentes entes federativos. No processo de descentralização no federalis-mo brasileiro, sabe-se que as competências e atribuições nem sempre foram claramen-te definidas, deixando por vezes estados e municípios a reboque das diretrizes federais (Scardua & Bursztyn, 2003). Nesse contexto, fica claro pela análise das ações públicas en-volvidas na trajetória do GVceapg que o tema ambiental é complexo e precisa também ser abordado pelo prisma da governança, outro conceito de difícil definição, mas que sugere a articulação e o engajamento fluido de or-ganizações, trazendo novas maneiras de se relacionar e cooperar (Evans, 2012; Spink, 2013).

Do ponto de vista da complexidade do tema ambiental, muitas pesquisas se dedicaram a explorá-la (Dryzek, 2005; Marshall & Toffel, 2005; Abranches, 2010; Franklin & Blyton, 2011; Evans, 2011; Valente, 2012; Gomes, 2014) e três elementos podem ser identifica-

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dos na trajetória do GVceapg: transversali-dade; não neutralidade da sustentabilidade; governança.

A temática ambiental é transversal, uma vez que pode ser analisada e desenvolvida de diferentes lugares (Spink, 2000). Pode-se discutir políticas de desenvolvimento, pro-cessos produtivos agrícolas e industriais, destinação de resíduos sólidos, acesso à água, clima, florestas, entre outros. Pode-se argumentar, também, que o tema do meio ambiente é parte importante na construção da cidadania e equidade (Jacobi, 1999). Se, de um lado, temas transversais produzem ótimos campos para pesquisa e desenvolvi-mento de ações públicas, de outro há sem-pre o risco de que, por estarem em diferen-tes lugares (Spink, 2001), não estejam em lugar nenhum. Em suas disputas e relações, os atores jogam a responsabilidade e a com-petência de seu desenvolvimento uns para os outros, o que pode, até mesmo, propiciar um contexto de falta de recursos – financei-ros e políticos–, para os atores envolvidos (Gomes, 2009).

O senso comum costuma contemplar a ideia de sustentabilidade como um conhecimento neutro e técnico (Lélé, 1991; Nobre, 2002; Milne, Kearins & Walton, 2006; Valente, 2012; Dryzek, 2005; Gomes, 2014), impelin-do o uso de indicadores que possam medi--la, como se resumissem e qualificassem os impactos ambientais e a boa gestão do meio ambiente. Porém, indicadores não apenas medem, mas também avaliam (Jannuzzi, 2001; Teles, 2003; Spink, Teixeira, Gomes & Kozonoi, 2010). Como afirma Teles (2003, p. 3, grifos no original): “Os indicadores não medem a realidade, algo que estaria lá, pronto para ser descrito; mas participam da

construção social da realidade”.

Nesse contexto, toda avaliação é participa-tiva, mas é importante saber quais temas e atores dela participam e quais não partici-pam (Spink, 2001; Spink et al., 2010). Assim, pode-se afirmar que há indicadores mais “sustentáveis” e outros menos, sendo pre-ciso compreender os atores, interesses e temas incluídos e excluídos nesses indica-dores. Portanto, em um campo no qual há atores com diferentes interesses, disputando recursos, o significado de sustentabilidade e da relação do homem com o meio ambiente passa a ser político, construído socialmen-te por meio das relações entre esses atores (Gomes, 2014). Como aponta Jacobi (1999), a compreensão dos problemas ambientais deve passar por uma mudança da ótica cen-trada nas ciências naturais para um escopo que inclua também o elemento social.

Assim, surge o terceiro elemento, a gover-nança, uma vez que a temática ambiental sugere a articulação e o relacionamento de diferentes atores. Jacobi (1999, p. 42) apre-senta a questão:

Assim, a ideia de sustentabilidade impli-ca na prevalência da premissa de que é preciso estabelecer uma limitação defini-da nas possibilidades de crescimento e um conjunto de iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e par-ticipantes sociais relevantes e ativos atra-vés de práticas educativas e de um pro-cesso de diálogo informado, o que reforça um sentimento de co-responsabilização e de constituição de valores éticos. Isto também implica em que uma política de desenvolvimento na direção de uma so-ciedade sustentável não pode ignorar nem

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as dimensões culturais, nem as relações de poder existentes e, muito menos, o re-conhecimento das limitações ecológicas, sob pena de apenas manter um padrão predatório de desenvolvimento.

O conceito de governança é vago e impre-ciso, podendo significar diferentes proces-sos sociais conforme o contexto em que é utilizado (Ezzamel & Reed, 2008). Neste trabalho e na área ambiental de maneira geral, a governança está associada ao pro-cesso pelo qual os atores sociais regulam o ambiente em que estão imersos, criando ordem e continuidade nos sistemas sociais (Ezzamel & Reed, 2008; Rasche & Gilbert, 2012). A regulação exercida por meio da go-vernança não é resultado da imposição de um único ator. Os mecanismos de gover-nança são resultado da negociação e con-senso entre os atores sobre as normas e regras que regularão o seu comportamento (Djelic & Sahlin-Andersson, 2006; Rasche & Gilbert, 2012).

No emaranhado discursivo dos impactos ambientais, é possível observar sua apro-priação também pelo mundo corporativo (Dauvergne & Lister, 2013; Gomes, 2014b), caracterizada por uma abordagem que bus-ca garantir vantagens competitivas. Marca-da por uma “neutralidade técnica”, em vez de reordenar os processos produtivos e mercados segundo uma lógica da susten-tabilidade (Abramovay, 2010; Abramovay, 2012; Gomes, 2014), é a lógica do mercado e da acumulação capitalista que determina os caminhos do discurso hegemônico da sustentabilidade (Banerjee, 2003; Gomes, 2014a). Ao mesmo tempo que o capitalismo contemporâneo tem como característica o desenvolvimento de comunidades transna-

cionais de autorregularão e governança (Du Gay & Morgan, 2013), esses espaços são também apropriados por uma lógica pró--mercado.

Consequentemente, a ação pública, espaço tradicionalmente preenchido pelos governos, vem encontrando diferentes atores agindo politicamente para influenciar instituições e recursos em prol de interesses privados (Scherer & Palazzo, 2011; Scherer, Palazzo & Seidl, 2013).

Nesse sentido, torna-se necessário construir um olhar político sobre a sustentabilidade, jogando luz sobre a atuação política das or-ganizações na arena pública, de forma a ir além da dicotomia público e privado, cujo risco é o aprisionamento do meio ambien-te pelo mercado, transformando-o em uma mercadoria a ser devidamente consumida (Banerjee, 2003; Abramovay, 2012).

Assim, as políticas públicas e os movimentos sociais que atuam na área da sustentabilida-de precisam se articular com o setor produ-tivo, não apenas para garantir um desen-volvimento sustentável, mas também para compreender o seu papel nesses espaços organizacionais.

É por meio desse contexto que podemos compreender o campo do meio ambiente a partir de um escopo mais amplo do agir pú-blico, complexo e permeado de contradições (Thoenig, 1997; Spink & Best, 2009; Spink, 2013). A noção de “ação pública” aponta que nem tudo o que é público está na esfera do governo. Logo, outros atores sociais promo-vem ações sobre o que é público. Assim, a sustentabilidade pode ser compreendida como ação pública, jogando luz sobre os di-

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ferentes atores que se engajam nesse cam-po de forças. Portanto, é necessário pensar além da gestão ou coordenação dos ato-res, mas em como os sentidos da susten-tabilidade são construídos, reconstruídos e transformados por meio das relações des-ses atores na arena pública, impactando as diferentes ações e políticas públicas susten-tadas por essa ideia.

O Centro de Estudos em Administração Pública (GVceapg) e o campo de estudo das políticas públicas

O GVceapg foi criado em 1989 pelo profes-sor Luiz Carlos Bresser Pereira com o objeti-vo de gerar sinergia entre os pesquisadores da área de administração pública da Escola de Administração de São Paulo da Funda-ção Getulio Vargas (FGV/Eaesp). Em 1995, o centro teve uma guinada em sua atuação, passando a documentar, examinar e disse-minar práticas inovadoras em administração pública.

A convite da Fundação Ford, o GVceapg passou a editar um prêmio anual para o re-conhecimento de políticas e ações públicas subnacionais (estaduais e municipais, con-gregando os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e organizações de povos indí-genas) que inovavam na prestação de ser-viços públicos que promovessem a constru-ção de uma democracia inclusiva.

Entre 1996 e 2005, o prêmio Gestão Pública e Cidadania (GPC) foi financiado pela Fun-dação Ford e o Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social (BNDES) e documentou mais de 8.200 experiências inovadoras, sendo mais de 200 premiadas. Tratava-se de um prêmio aberto, no qual os

responsáveis pela política ou ação pública realizavam a sua inscrição e também jus-tificavam o caráter inovador da sua expe-riência. Portanto, as experiências do GPC constituem uma valiosa fonte de dados para pesquisas, pois “dá voz aos gestores” (Pi-nho, 2004), permitindo que os autores e de-senvolvedores das práticas expressem sua opinião e possibilitem ao público, assim, conhecer as motivações, processos e cami-nhos pelos quais a política pública ambiental se constrói e os produtos e resultados que dela emergem. Portanto, as experiências do GPC, além de abordarem diversas áreas da ação governamental, se tornaram fonte im-portante de referência e evidência sobre o que ocorreu de mais inovador em práticas e políticas públicas no período de vigência do projeto (Spink, 2006).

É justamente por essa experiência que o centro passou a integrar importantes redes de debate e disseminação de inovação no Brasil e ao redor do mundo. Em 2005, de-cidiu suspender a premiação, uma vez que muitas das experiências premiadas haviam ganhado também reconhecimentos nacio-nal e internacional, sendo disseminadas em diversas áreas do país. Assim, o centro pas-sou a focar na produção de conhecimento em áreas de pesquisa que emergiram do trabalho e das redes abrangidas pela pre-miação.

Nesse contexto, em 2008 o centro assumiu a secretaria executiva da Rede Amigos da Amazônia (RAA) e passou a articular e a fomentar uma rede de governos subnacio-nais – estados e municípios – em prol da preservação da Floresta Amazônica, ado-tando como instrumento o desenvolvimento de compras públicas sustentáveis no âmbito

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da produção de formas de regulação sobre a produção e o consumo de madeira de ori-gem amazônica. Portanto, a experiência da RAA também se constitui em uma rica fonte de dados para compreender as ações públi-cas na área ambiental, pois também permite conhecer experiências inovadoras e trans-versais sobre o meio ambiente.

Dessa maneira, é possível traçar um pano-rama das ações públicas na área ambiental por meio desses programas do GVceapg, compreendendo como se alteraram ao lon-go dos anos, e perceber como novos assun-tos e temas entraram tanto na agenda públi-ca como também em sua prática. Algumas experiências desses dois programas serão analisadas a seguir.

Prêmio Gestão Pública e Cidadania e o meio ambiente

Em seus dez anos de existência, o Progra-ma Gestão Pública e Cidadania (GPC) ado-tou uma premiação como mecanismo para promover experiências inovadoras, possi-bilitando, assim, a documentação e disse-minação de 8.200 experiências espalhadas pelo Brasil. Em cada ciclo de premiação, os responsáveis pela experiência faziam a ins-crição para a premiação de forma voluntá-ria, por meio de uma ficha de inscrição que requisitava diversas informações, inclusive uma justificativa quanto ao caráter inovador

da experiência. As experiências passavam por fases de avaliação até chegar às vinte experiências finalistas, que recebiam uma visita prévia de pesquisadores do centro e possuíam não apenas a ficha de inscrição, mas também informações mais detalhadas e relatórios de visitas técnicas.

Este trabalho não tem o objetivo de construir uma perspectiva histórica sobre como o GPC percebia o tema do meio ambiente, muito me-nos resgatar todas as experiências finalistas sob esse grande guarda-chuva. Seu intuito é permitir ao leitor uma abordagem sobre como o meio ambiente foi retratado durante os dez anos dos ciclos de premiação.

Para os leitores que gostam de números, considerando a categoria 2 – Infraestrutura e meio ambiente, e suas dez subcategorias, e a categoria 5.4 – Desenvolvimento regio-nal e local em bases sustentáveis, o GPC documentou 647 experiências relacionas ao tema do meio ambiente (aproximadamente 7,9% do total de experiências catalogadas). Embora as categorias sejam amplas, o que permite que experiências de Telecomunica-ções (categoria 2.4) ou Trânsito e vias públi-cas (2.3) sejam contabilizadas, o número é expressivo, como mostra a tabela 1. De certa maneira, as categorias refletem a preocupa-ção com a construção da cidadania, como discutiremos mais adiante.

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Tabela 1. Categorias do Prêmio GPC relacionadas ao tema de meio ambiente

2 Infraestrutura e meio ambiente 362.1 Saneamento (água e esgoto) 742.2 Energias e recursos minerais 72.3 Trânsito e vias públicas 352.4 Telecomunicações 42.5 Urbanismo, uso e ocupação do solo 402.6 Prevenção de acidentes em áreas de risco 312.7 Recursos hídricos, irrigação e drenagem 192.8 Controle de poluição 22

2.9 Limpeza pública e sistemas de coleta, tratamento e destinação final do lixo 1232.10 Preservação de ecossistemas e reflorestamento 855.4 Desenvolvimento regional e local em bases sustentáveis 171

Total 647

Fonte: elaborada pelos autores com dados do Banco de Experiências Inovadoras do GPC. Disponível em: http://ceapg.fgv.br/programas.

Do ponto de vista dos finalistas, houve 31 experiências premiadas relacionadas diretamente ao tema do meio ambiente, o que representa aproximadamente 15,5% dos finalistas, um número expressivo. Todos os ciclos de premiação contaram com pelo menos três experiên-cias finalistas. A figura 1 sumariza esses números.

Fonte: elaborada pelos autores com dados do Banco de Experiências Inovadoras do GPC. Disponível em: http://

ceapg.fgv.br/programas.

3

1

3

4 4

3

4

3 3 3

0

0,5

1

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2

2,5

3

3,5

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1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Núm

ero

de fi

nalis

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Ciclo de premiação

Finalistas

Figura 1. Finalistas por ciclo de premiação.

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Entretanto, o mais relevante é que já no primeiro ciclo de premiação, em 1996, ha-via três finalistas relacionados à temática ambiental com as seguintes experiências: Reforma agrária municipalizada: polo de produção agroflorestal de Rio Branco; Mo-delo de gestão de resíduos sólidos de Belo Horizonte; Câmbio verde – Curitiba: um pro-grama social de coleta de lixo (Spink & Cle-mente, 1997).

Assim, percebe-se que desde o início do Programa GPC a preocupação com o meio ambiente estava presente e muito se avan-çou também em razão da fundamental pre-sença do professor Pedro Jacobi, da Facul-dade de Educação da Universidade de São Paulo.

Pela importância e destaque na mídia que a Floresta Amazônica recebe, muitos pensam que os impactos ambientais não ocorrem no contexto urbano, uma vez que as cidades já modificaram o seu ambiente “natural”. No entanto, o que os dados do GPC mostram, desde o primeiro ciclo, é o desenvolvimento de iniciativas no contexto urbano que tratam de questões de saneamento, coleta seletiva e destinação de resíduos sólidos, problemas presentes em praticamente todas as gran-des cidades brasileiras, com impactos de di-mensões sociais – principalmente na saúde da população – e ambientais.

Nesse contexto, destacam-se as experiên-cias de coleta seletiva finalistas de Curitiba (Carvalho, 1997), Belo Horizonte e a emble-mática Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável – Reci-clando a Vida (Asmare) (Teixeira, 1997; Sil-va & Ventura, 2001), Porto Alegre (Andrade & Guerrero, 2001) e Santo André (Filho &

Oliveira, 2001). Todas essas experiências relacionam o problema da destinação dos resíduos sólidos nos grandes centros urba-nos à inclusão social e à geração de renda. Nos quatro casos, o poder público se articu-lou com organizações da sociedade civil de modo a ressignificar a atividade de grupos de “catadores” que desenvolvem sua princi-pal atividade econômica em torno do lixo.

O elemento social na temática do meio am-biente é também muito forte (Jacobi, 1999) e, portanto, orientador de políticas públicas – ações públicas voltadas ao meio ambiente também abarcam a construção da cidada-nia, vislumbrando um desenvolvimento com equidade. Nesse contexto, a influência do relatório Brundtland (World Commission on Environment and Development, 1987) e da Rio 92 são cruciais, uma vez que buscam, por meio da preocupação com o desenvol-vimento sustentável, garantir mudanças so-ciais e políticas que possibilitem uma nova relação do homem com o meio ambiente e a sociedade (Jacobi, 1999; Nobre, 2002).

Rede Amigos da Amazônia

A Rede Amigos da Amazônia (RAA) se cons-tituiu após a junção de dois programas do Greenpeace Brasil, uma organização não governamental transnacional que chegou ao Brasil com a Rio 92 e é reconhecida por organizar campanhas de intensa exposição midiática que cobram atitudes de governos e empresas quanto aos seus impactos am-bientais negativos. A origem da RAA está associada aos graves índices de desmata-mento da Amazônia no início do século XXI, acompanhados pelos alto grau de ilegalida-de na cadeia produtiva da madeira tropical amazônica. Na época, segundo pesquisas

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internas do Greenpeace, dois terços da madeira amazônica produzida ficavam no Brasil (Smeraldi & Veríssimo, 1999; Pereira, Santos, Vedoveto, Guimarães & Veríssimo, 2010), sendo majoritariamente consumidos pelo poder público em suas diferentes esfe-ras (Villela, et al., 2011; Uehara et al., 2011).

Nesse contexto, surge em 2003 o programa Cidade Amiga da Amazônia, cujo objetivo era pressionar o poder público municipal, por meio de manifestações públicas, para que adotasse uma legislação que vedasse à administração pública municipal a compra de madeira amazônica de origem ilegal e de desmatamento criminoso. Uma vez que o Greenpeace havia identificado as regi-ões Sul e Sudeste como as principais con-sumidoras de madeira tropical de origem amazônica (Pereira et al., 2010), o progra-ma Cidade Amiga da Amazônia concentrou esforços nessas regiões. O objetivo geral do programa era criar condições para o es-tabelecimento de um mercado de madeira produzida de maneira responsável na Ama-zônia, por meio da regularização da sua ca-deia produtiva (Villela et al., 2011; Uehara et al., 2011).

Embora o programa tenha conseguido a adesão de vários municípios, o Greenpeace percebeu que, com a descentralização das atribuições sobre o meio ambiente, a com-petência de regulamentação (i.e., ações e legislação de comando e controle) na Fe-deração brasileira se tornou de responsabi-lidade estadual e estados e municípios pas-saram a ter papéis complementares. Diante desse diagnóstico, o Greenpeace criou, em 2006, o programa Estado Amigo da Amazô-nia, cujo foco era pressionar os governos estaduais a criar políticas de compras e de-

senvolver seu arcabouço de fiscalização do transporte e comércio de madeira (Villela et al., 2011; Uehara et al., 2011).

Nesse processo, é interessante notar que o Greenpeace Brasil passou a ocupar um pa-pel de regulador, ate mesmo pressionando os governos a mudarem seus processos de compra e o desenvolvimento de novas le-gislações para que a tarefa de comando e controle, de competência do poder público, fosse exercida de maneira mais eficiente e eficaz. Ao mesmo tempo, é evidente que o Greenpeace passou também a exercer a go-vernança sobre o mercado madeireiro, uma vez que ambos os programas tinham como premissa criar um mercado para madeira de origem legal por meio da qualificação da demanda, esperando que, assim, a cadeia produtiva se organizasse para ofertar esse produto de acordo com a demanda.

Em 2006, São Paulo foi o primeiro estado a se tornar um Amigo da Amazônia. Essa foi uma adesão simbólica para o progra-ma, pois São Paulo era (e ainda é) o maior consumidor de madeira tropical de origem amazônica do mundo e tinha capacidade financeira e técnica para aprimorar a fisca-lização e o monitoramento da madeira. Em 2008, três estados e 37 municípios haviam aderido aos respectivos programas (Villela et al., 2011; Uehara et al., 2011).

Na maioria das vezes, os governos muni-cipais e estaduais eram pressionados pelo Greenpeace a aderirem ao programa, uma vez que a ONG realizava manifestações e campanhas para persuadir a adesão do governo. Muitas vezes, esse processo era apoiado por uma ONG local e o resultado, que selava a adesão do governo ao progra-

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ma, era a assinatura do termo de compro-misso pelo futuro da floresta. Esse termo firmava o compromisso do poder público municipal ou estadual proibir a compra de produtos feitos de espécies ameaçadas de extinção, com exceção da madeira produ-zida por manejo florestal sustentável. Os governos também se comprometiam a criar um grupo de trabalho para realizar um diag-nóstico sobre seu consumo de madeira, a fim de estudar e propor a construção e apri-moramento de legislação específica deter-minando os procedimentos para a aquisição (compra direta) e contratação de serviços que envolvessem madeira no âmbito do município ou estado em questão. Por fim, o termo apresentava o plano de ação e os critérios de avaliação adotados pelos gover-nos na elaboração das políticas (Villela et al., 2011; Uehara et al., 2011).

Nesse contexto, o Greenpeace considerou unir os dois programas e gerar ganhos em sua interação. Entre as possibilidades co-gitadas nessa interação, havia a ideia de promover a troca entre governos e organiza-ções em um formato de rede. Para tanto, o Greenpeace Brasil considerou que à época não possuía condições de gerenciar nem fi-nanciar a iniciativa de uma rede e buscou a FGV-EAESP para essa empreitada. Assim, a partir de 2 de dezembro de 2008, o GVce-apg passou a comandar os dois programas – Cidade e Estado Amigos da Amazônia, que foram unificados sobre a Rede Amigos da Amazônia (RAA), passando a exercer a secretaria executiva da rede. Com a reestru-turação, a RAA continuou a expandir a parti-cipação de estados e municípios membros, focando não apenas regiões consumidoras de madeira e produtos florestais, mas tam-bém estados e municípios produtores des-

ses insumos na região amazônica.

A função de secretaria executiva da RAA fi-cou inicialmente a cargo da parceria entre o GVceapg e o Centro de Estudos em Susten-tabilidade (GVces), tendo esse último, pos-teriormente, deixado a secretaria executiva e focado sua atuação no conselho da RAA. Atualmente, a secretaria executiva da RAA é apoiada por seu conselho consultivo formado por diferentes atores, como representantes de governos, empresas e da sociedade civil, incluindo o próprio Greenpeace. Além disso, a adesão dos governos passou a ser volun-tária e a RAA assumiu o papel de produzir pesquisas sobre políticas públicas e práticas organizacionais relacionadas ao contexto da Amazônia e meio ambiente.

Ao assumir um formato de rede, a RAA al-tera sua missão e se organiza como um es-paço de cooperação entre governos, empre-sas e sociedade civil. Desse modo, tornar-se um membro da rede não se resume apenas a assinar um termo, mas a promover um aprendizado por meio de troca de experiên-cias referentes às políticas públicas e ações para incrementar a sustentabilidade tanto no consumo como na produção de produtos flo-restais.

Diferentemente do contexto ativista no âmbito da organização Greenpeace, em que nasce-ram os programas Cidade e Estado Amigos da Amazônia, os quais originaram a RAA, a vocação política da Secretaria Executiva da rede na FGV-EAESP, mais precisamente no GVceapg, foi estudar, embasar e fomentar mudanças por meio de seus eixos de atu-ação, ou seja, fornecendo conhecimento e ferramentas de gestão, monitorando resulta-dos e articulando atores a fim de fortalecer

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suas atuações individuais e contribuir para mudanças mais profundas e duradouras. De acordo com esses conhecimentos sistema-tizados, a RAA passa a disseminá-los por meio de workshops com gestores de esta-dos e municípios membros, possibilitando não apenas a disseminação do conheci-mento, mas também a articulação e a for-mação técnica desses gestores.

Desse modo, pode-se afirmar que o exercí-cio de governança está imerso na origem da RAA. Mudar e fomentar práticas e políticas públicas que criassem uma demanda de madeira tropical amazônica legal e, assim, organizar uma cadeia produtiva sustentável – e, portanto, influenciar atores produtivos e outras organizações da sociedade civil – é resultado de ações do Greenpeace que visavam influenciar governos e empresas a não fomentarem o desmatamento ilegal. Essa origem se mantém na constituição da RAA, que, além de continuar a fomentar uma rede de estados e municípios Amigos da Amazônia, passa também, como estraté-gia de governança, a produzir e disseminar conhecimento sobre a cadeia produtiva da madeira e as compras públicas sustentá-veis.

Nesse processo de produção e dissemina-ção de conhecimento, duas grandes pesqui-sas (Adeodato, Villela, Betiol & Monzoni, et al., 2011; Uehara et al., 2011) foram impor-tantes para compreender a necessidade de se expandir o olhar para além dos meca-nismos de regulação e regulamentação do mercado que se revelavam perversos e per-niciosos, até mesmo favorecendo a própria ilegalidade. O maior catalisador desse pro-cesso é o próprio Sistema DOF (Documento de Origem Florestal) ou Sisflora, dependen-

do do estado, que está sujeito a fraudes e ir-regularidades nas suas brechas de controle, possibilitando que a madeira proveniente de fontes ilegais seja “esquentada” ao longo da cadeia e chegue aos mercados consumido-res com documentação “legal” que mascara a sua origem. Na prática, o resultado disso é que os próprios sistemas de comando e controle da legalidade acabam se tornando instrumentos para a ilegalidade se “legalizar”. Por fim, pode-se adicionar a importância da capacitação técnica dos gestores públicos, empresas e produtores locais como elemen-to fundamental para o avanço de uma go-vernança sobre a temática ambiental (Villela et al., 2011).

Considerações finais

A trajetória do GVceapg destaca uma mu-dança na agenda ambiental das políticas públicas. Durante o prêmio Gestão Pública e Cidadania, a temática ambiental já tinha destaque e expressão, tanto no número de experiências inscritas como nas finalistas. Entretanto, a agenda ambiental estava muito associada à cidadania, isto é, as experiên-cias destacavam como os impactos no meio ambiente estavam relacionados à constru-ção da cidadania e ao acesso aos direitos.

Já com a Rede Amigos da Amazônia a te-mática ambiental ganha outros contornos. Embora a consolidação da cidadania ainda estivesse presente, as ações da RAA focam as relações entre o homem e a natureza, visando diminuir os impactos ambientais negativos, resultado da ação do homem, especialmente a extração ilegal de madei-ra nativa amazônica. A RAA nasce da ação de uma ONG com o objetivo de influenciar, inicialmente, o desenvolvimento de políti-

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cas públicas e, posteriormente, de exercer governança também sobre atores do mer-cado. Assim, destaca-se que não apenas a agenda ambiental se alterou, mas também a atuação do centro, uma vez que passou a exercer governança na área ambiental.

Do ponto de vista dos três elementos identifi-cados, a transversalidade já emergia duran-te o prêmio GPC, uma vez que destacava a relação entre impacto ambiental e cidadania. Essa transversalidade se expande com a RAA, passando a compreender as relações sociais que produzem impacto ambiental ne-gativo, como as publicações sobre a rota da madeira ilegal.

Destaca-se a não neutralidade da susten-tabilidade quando se passa a compreender as relações sociais que produzem o impac-to ambiental em questão e, ao mesmo tem-po, as possíveis soluções. No caso da RAA, essa postura já estava presente quando o Greenpeace começou a buscar explicações para as origens da madeira ilegal e a solu-ção proposta pela ONG. Ainda como Cida-de Amiga da Amazônia, acreditava-se que o poder público seria suficiente para criar uma demanda qualificada de madeira, como tam-bém exercer a regulação sobre essa ativida-de ilegal. Ao se constituir como RAA, fica clara a expansão da compreensão desse problema regulatório e ambiental, passando a incluir outros atores, tanto na compreensão do problema como no desenho da solução.É exatamente a partir desse ponto que emerge o terceiro elemento: a governança, que está na origem da RAA. Assumindo a governança como um processo de negocia-ção sobre as soluções possíveis, permite-se a construção de soluções com mais equida-de e inclusão de atores que talvez não tives-

sem voz.

Tal governança ganha ainda mais comple-xidade à medida que os arranjos produtivos passam a incluir diferentes formatos e mode-los de negócios, com atores dos mais varia-dos portes e de diferentes setores, criando conexões entre territórios, cadeias produti-vas – muitas vezes globais –, seus impactos ambientais e consumidores. Nesse contexto, a temática ambiental requer articulações de governança entre políticas públicas, socieda-de civil e empresas, uma vez que, por meio de tais relações, é possível controlar, admi-nistrar e mudar o rumo de setores e o desen-volvimento de práticas que lidem com o meio ambiente. Nesse emaranhado de conexões temáticas (exs.: impacto ambiental, objetivos econômicos) e transnacionais (exs.: envol-vendo territórios locais, relações comerciais entre países), o Estado e as políticas públi-cas devem assumir um papel central (Villela, 2013).

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ARTIGO: ORIGEM E TEOR DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE EM TESES E DISSERTAÇÕES NACIONAIS SOBRE CUSTOS NO SETOR PÚBLICO

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ORIGEM E TEOR DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE EM TESES E DISSERTAÇÕES NACIONAIS SOBRE

CUSTOS NO SETOR PÚBLICOTHE ORIGIN AND CONTENT OF KNOWLEDGE PRODUCTION ON COSTS IN THE PUBLIC SECTOR IN BRAZILIAN THESES

AND DISSERTATIONS

ORIGEN Y CONTENIDO DE LA PRODUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO A PARTIR DE TESIS Y DISERTACIONES NACIONALES SOBRE COSTOS EN EL SECTOR PÚBLICO

Resumo: A importância da gestão de custos no setor público tem se tornado cada vez mais evidente à medida que se observa sua contribuição para o processo decisório, o controle gerencial, a elaboração de planejamento e o aumento da eficiência na prestação do serviço público. O presente trabalho buscou identificar a origem e o teor da produção do conhecimento com base em teses e dis-sertações que se propuseram a investigar a temática de custos no setor público. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, onde foram localizados 41 trabalhos na área. Após a análise dos trabalhos, identificou-se, entre outros fatores, que: a partir de 2005, houve crescimento na quantidade de pesquisas sobre a temática; a origem dos estudos é, principalmente, da área de Administração e Contabilidade; a Saúde e a Educação destacam-se entre as áreas de aplica-ção das pesquisas; a maioria das pesquisas tem como escopos a realização de diagnóstico em organização, o levantamento de infor-mações de custos e a proposta de um sistema de custos. Por fim, foi possível identificar lacunas e oportunidades de desenvolvimento de futuras pesquisas.

Palavras-chave: Origem; teor; teses; dissertações; custos no setor público.

Amanda Finck Drehmer - [email protected] em Administração de Empresas pela Universidade do Estado de Santa Catarina – Florianópolis – SC, Brasil

Fabiano Maury Raupp - [email protected] da Universidade do Estado de Santa Catarina, Escola Superior de Administração e Gerência – Florianópolis – SC, Brasil

Artigo submetido no dia 17.03.2015 e aprovado em 22.07.2016.

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v21n69.60047

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AbstractThe importance of cost management has become increasingly evident as its contribution to the decision-making process and its role in controlling, planning and increasing efficiency in the provision of public services have become more apparent. This paper aims to identify the origin and content of knowledge production in those Brazilian theses and dissertations that deal specifically with costs in the public sector. A total of 41 such theses were found following a bibliographic search through the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations. After analyzing the data, we found the following: From 2005 onwards, the quantity of research on the aforementioned theme experienced a significant increase; the majority of these theses and dissertations originated in the field of Management and Accounting; Healthcare and Education were the most popular fields for research development; most of this research used a similar format whereby a corporate diagnostic was carried out, information on costs was gathered and a cost accounting system was proposed. Finally, it was possible to identify certain gaps and opportunities that offered the potential to develop future research on the subject.

Keywords: Origin; content; theses; dissertations; costs in the public sector.

ResumenLa importancia de la gestión de costos en el sector público resulta cada vez más evidente en la medida en que se observa su contribución para el proceso de decisión, el control gerencial, la elabo-ración del planeamiento y el aumento de la eficiencia en la prestación del servicio público. El presente trabajo buscó identificar el origen y el contenido de la producción del conocimiento a partir de tesis y disertaciones que investigaron la temática de costos en el sector público. De esta manera, fue re-alizada una investigación bibliográfica en la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones, en la que fueron localizados 41 trabajos en esta área. Después de analizar los trabajos, se identificaron, entre otros factores, que a partir del 2005 hubo un crecimiento en la cantidad de investigaciones sobre el asunto, el origen de los estudios y, principalmente, las áreas de Administración y Contabilidad, de Salud y Educación se destacan con relación a la aplicación de las investigaciones. La mayoría de las investigaciones tiene como objetivo la realización del diagnóstico en organización, la obtención de informaciones de costos y la propuesta de un sistema de costos. Finalmente, fue posible identificar espacios y oportunidades de desarrollo de futuras investigaciones.

Palabras clave: Origen; contenido; tesis; disertaciones; costos en el sector público.

1 INTRODUÇÃO

No decorrer dos últimos anos, a importân-cia da gestão de gastos do governo tem se tornado cada vez mais evidente, principal-mente em razão da escassez de recurso e do aumento da demanda na prestação de serviços públicos, que exigem do gestor pú-blico instrumentos que o auxiliem a alocar recursos públicos. Um estudo apresentado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES, 2000) de-monstrou, segundo dados empíricos, as di-ficuldades que os gestores públicos enfren-tam no momento de reduzir gastos públicos, sendo necessário um sistema que demons-tre os processos e seus custos, servindo de base para possíveis decisões, por exemplo, como redução de gastos. A realidade do es-

tudo do BNDES demonstra, ao mesmo tem-po, precariedades e potenciais de avanços na utilização de informações de custos no setor público. A gestão de custos é capaz de fornecer informações que auxiliam o proces-so decisório, o controle gerencial e que fun-damentam o planejamento e a mensuração do resultado das atividades públicas. Para Mauss e Souza (2008), o estabelecimento de padrões no planejamento e a mensuração dos resultados podem viabilizar a avaliação do desempenho dos gestores e da entidade governamental, com o objetivo de demons-trar sua eficiência econômica.

A gestão de custos no setor público tem ga-nhado destaque também no âmbito acadê-mico, com o aumento das produções sobre essa temática. No que diz respeito à avalia-

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ORIGEM E TEOR DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE EM TESES E DISSERTAÇÕES NACIONAIS SOBRE CUSTOS NO SETOR PÚBLICO

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ção da produção do conhecimento de cus-tos no setor público, observa-se a existên-cia de estudos que avaliam essa produção em artigos, como é o caso dos trabalhos de Scarpin, Söthe e Kreuzberg (2012), que analisam os artigos posteriores à publicação do estudo no 12 da International Federation of Accountants (IFAC), os de Carneiro et al. (2012), que fazem uma revisão focada na publicação de artigos científicos com base na promulgação da Lei de Responsabilida-de Fiscal, e os de Filho e Peixe (2015), que fazem um levantamento bibliométrico das edições do congresso brasileiro de custos. Portanto, com vistas a estender as avalia-ções também para o âmbito das teses e dissertações, o presente trabalho tem o ob-jetivo de identificar a origem e o teor da pro-dução do conhecimento com base em teses e dissertações que se propuseram a inves-tigar a temática de custos no setor público.

O artigo está estruturado em cinco seções, iniciando por esta introdução. A segunda seção contempla o referencial teórico, que abrange discussões sobre a produção do conhecimento em teses e dissertações, a importância da produção do conhecimento sobre custos no setor público e a evolução da legislação sobre o tema no contexto brasi-leiro. O percurso metodológico, apresentado na terceira seção, detalha os procedimentos utilizados na realização da pesquisa. A se-ção de resultados apresenta a origem e o teor da produção do conhecimento nas te-ses e dissertações levantadas. Na quinta e última seção são inferidas as considerações finais do trabalho.

2. Fundamentos teóricos

2.1 Produção do conhecimento: o que se

espera das teses e dissertações?

Segundo Leite Filho (2008), a produção do conhecimento tem como papel fundamental servir de referência para praticantes e estu-diosos. Muitas das contribuições para a pro-dução desse conhecimento vêm de profes-sores, pesquisadores, mestres e doutores formados por programas de pós-graduação. Dessa forma, as publicações no âmbito des-ses programas, como teses e dissertações, podem contribuir para a percepção do es-tágio de desenvolvimento de determinada temática.

Martins e Theóphilo (2009) apontam dois sentidos para o vocábulo “tese”. O primeiro refere-se à identificação de uma proposição com o intuito de ser defendida em público. O segundo refere-se à tese como o trabalho científico propriamente dito, necessário para a obtenção do grau de “doutor”. Algumas ca-racterísticas fundamentais das teses seriam a demonstração de que o autor do trabalho é um estudioso capaz de avançar na disci-plina à qual se dedica e a originalidade, no sentido de conhecer profundamente um as-sunto de forma a “descobrir” algo que não foi dito por outros estudiosos. Os autores expli-cam que essa originalidade não se refere às descobertas e invenções como as próprias das ciências naturais, e sim ao apontamen-to de um novo caminho, uma diferente pers-pectiva, que possa ser interessante a outros estudiosos da área.

A dissertação é o produto final de um cur-so de mestrado, em que o graduado busca enriquecer sua competência científico-pro-fissional. Sendo assim, deverá “versar sobre um assunto específico, seguindo uma me-todologia sustentada por outras pesquisas

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a respeito do tema, e acrescentar alguma contribuição à área em estudo” (Longaray & Beuren, 2009, p. 42). Segundo Longaray e Beuren (2009), da dissertação esperam-se um pensamento amadurecido do educando e também uma preparação para o estágio mais avançado, o doutorado.

Dadas as especificidades de cada traba-lho, as teses e dissertações são tomadas, muitas vezes, como referências entre os estudos de suas respectivas áreas, por conterem boa fonte de informações para estudiosos que buscam novas alternativas, novos desenvolvimentos e novos olhares sobre o campo. Dessa forma, espera-se que apresentem metodologias fundamenta-das e estruturadas. A busca pela utilização de teses e dissertações como referências em trabalhos acadêmicos delineia um pro-cesso de continuidade e aperfeiçoamento de determinados temas, indicando avanço no conhecimento (Rocha, 2012).

Tendo em vista a contribuição das teses e dissertações para o avanço das discussões sobre determinada temática, destaca-se a importância do desenvolvimento daquelas que abordem a gestão de custos no setor público e possam servir de base para imple-mentar sistemas de custos no setor público. Alves Filho e Martinez (2006, p. 2) desta-cam benefícios que um sistema de gestão de custos pode propiciar ao setor público, como: poderia ampliar a avaliação de seus desempenhos econômico, financeiro e pa-trimonial, além de otimizar a função controle na tentativa de tornar mais transparente a comunicação de seus relatórios, resultan-tes de suas gestões em contraste com os programas de governo. Dessa forma, além do potencial das informações de custo da

produção de bens e serviços públicos para o controle e a tomada de decisões, destaca-se também o potencial para tornar a administra-ção pública mais transparente. Para Alonso (1999), a apuração dos custos dos serviços públicos e sua publicidade são importantes instrumentos de controle social, permitindo a avaliação da eficiência e economicidade dos serviços prestados.

Exemplos clássicos nessa área, que ilustram o potencial de contribuição da academia na utilização de sistemas de custos em órgão públicos, são as teses de Nelson Macha-do e Victor Holanda, que serviram de base conceitual para a elaboração do Sistema de Informações de Custos (SIC) no governo fe-deral.

O processo de concepção, desenvolvimen-to e implantação do SIC estão sustentado em bases teóricas e conceituais, na abor-dagem sistêmica, na flexibilidade adaptati-va, no gradualismo e na concomitância. No que tange às diretrizes teóricas conceitu-ais, a principal referência é o trabalho de Nelson Machado (2002) intitulado: “Siste-ma de Informação de Custos: Diretrizes para Integração ao Orçamento Público e à Contabilidade Governamental”. Na parte da metodologia de desenvolvimento e implan-tação, valeu-se da abordagem oriunda da tese de Victor Holanda (2002): “Controlado-ria Governamental no Contexto do Gover-no Eletrônico _ Uma modelagem utilizando o enfoque sistêmico e a pesquisa-ação na Coordenadoria de Controle Interno da Se-cretaria da Fazenda do Estado de SP”. Os trabalhos foram defendidos na FEA/USP e, não obstante, oriundos de reflexão teórica acadêmica, ambos foram também “experi-mentados” no governo do Estado de São

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Paulo entre os anos de 1996 e 2002 e ora replicados, em sua essência, no governo federal (período de 2004 a 2010) (Montei-ro, 2010, p. 2).

O avanço da legislação e a obrigatorieda-de de determinadas medidas podem impul-sionar estudos sobre determinado fato. Da mesma forma, também os estudos e traba-lhos acadêmicos sobre o tema podem servir de base para elaborar a legislação. Sendo assim, a produção do conhecimento sobre custos no setor público pode estimular o avanço na regulamentação e obrigatorieda-de da utilização de um sistema de custos nos órgãos públicos.

2.2 A evolução na legislação sobre custos no setor público brasileiro

A contabilidade de custos surgiu da neces-sidade de contadores, auditores e fiscais resolver seus problemas de mensuração monetária dos estoques e do resultado. Atualmente, a contabilidade de custos tem duas funções relevantes: auxílio ao contro-le, fornecendo dados para estabelecer pa-drões, orçamentos e outras formas de pre-visão, comparando-os com o efetivamente acontecido; ajuda para tomada de decisões, fornecendo informações das consequências de curto e longo prazos sobre medidas de introdução ou corte de produtos, administra-ção de preços de venda, entre outros fatores (Martins, 2003). Apesar de terem surgido no setor privado, as informações de custos têm grande potencial para serem utilizadas também no setor públi-co. A evolução da sociedade e o surgimento da terceirização e da privatização das coisas públicas são eventos que exigem dos gesto-

res públicos o conhecimento dos custos em suas entidades, “a fim de poderem tomar as melhores decisões entre as alternativas de produzir ou de comprar bens e serviços, de produzir ou privatizar serviços” (Slomski, 2011, p. 69). Diniz (2004, p. 26) destaca os constantes aumentos da demanda por ser-viços públicos sem um crescimento propor-cional da receita.

Esse quadro exige do poder público a im-plementação de medidas de ampliação das fontes de recursos e redução nos gastos, de modo a não ser afetado o cum-primento das metas fiscais que, nestes úl-timos anos, tem sido uma das principais prioridades governamentais. Neste ponto, a gestão de custos no âmbito governa-mental é decisiva, pois é um instrumento essencial ao gestor público para a satis-fação dos interesses públicos, da forma como prevê a administração pública ge-rencial.

Em termos de legislação, o controle de cus-tos foi inicialmente previsto no setor público pela Lei no 4.320/64, art. 85, que expressa a determinação dos custos dos serviços industriais. A contabilidade pública brasilei-ra é regulamentada por essa lei, que esta-tui normas gerais de direito financeiro para elaborar e controlar orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal (Brasil, 1964). Com vistas a se adequar às normas de contabilidade in-ternacional e a tornar a administração pú-blica mais eficiente, dois marcos impulsio-naram alterações: a publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a publica-ção pela IFAC das International Public Sec-tor Accounting Standard (IPSAS).

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A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Com-plementar no 101, de 4 de maio de 2000) estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Para Borges, Mário e Carneiro (2011), as mudanças produzidas pela aplicação da LRF contribuíram para o saneamento das contas públicas e a reestruturação na ca-pacidade de prestação dos serviços públi-cos e na promoção do bem-estar social. Em seu art. 50, § 3o, expressa que “a Adminis-tração Pública manterá sistema de custos que permita a avaliação e o acompanha-mento da gestão orçamentária, financeira e patrimonial”. Já as IPSAS ou Normas In-ternacionais de Contabilidade para o Se-tor Público (NICSP) têm o objetivo de defi-nir procedimentos uniformes, permitindo a uma entidade a comparabilidade de suas demonstrações contábeis atuais com perío-dos anteriores e também de demonstrações contábeis entre entidades distintas. Sendo assim, são estabelecidas diretrizes para a estrutura e os requisitos mínimos de conte-údo a ser apresentado (IFAC, 2010).

No Brasil, o Conselho Federal de Contabi-lidade, por meio da Resolução no 1.103/07, criou o Comitê Gestor da Convergência no Brasil, formado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Comis-são de Valores Mobiliários (CVM), Banco Central do Brasil (Bacen), Superintendên-cia de Seguros Privados (Susep), Secre-taria do Tesouro Nacional (STN) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O Comitê buscou mais transparência das informações financeiras utilizadas pelo mercado, mediante reformas contábil e de auditoria, e foi responsável por elaborar um plano de ação para a conver-

gência do sistema contábil brasileiro às nor-mas internacionais de contabilidade.

Nessa busca pela convergência contábil, o Conselho Federal de Contabilidade, após audiência pública, aprovou por meio das Resoluções nos 1.128 a 1.137, de 2008, as Normas Brasileiras de Contabilidade Técni-cas Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) (Rosa, 2011). As NBCASP, conforme Darós e Pereira (2009), resgatam a essência da Ci-ência Contábil, qual seja a evidenciação das alterações no patrimônio da entidade.

O desprendimento do foco estritamente or-çamentário ocorre, pois os efeitos dos regis-tros contábeis devem ser evidenciados nas demonstrações contábeis do período com os quais se relacionam, independentemen-te do momento da execução orçamentária. Particularmente, a NBC T 16.2 estabelece a definição de patrimônio público e segrega o Sistema Contábil Público em cinco Subsis-temas de Informações Contábeis, trazendo como inovação a criação do subsistema de custos.

Ainda objetivando a convergência às normas internacionais de contabilidade pública, o Mi-nistério da Fazenda editou a Portaria no 184, de 25 de agosto de 2008, dando competên-cia à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para:

a) identificar as necessidades de conver-gência às normas internacionais de con-tabilidade publicadas pela IFAC e às nor-mas brasileiras editadas pelo CFC; b) editar normativos, manuais, instruções de procedimentos contábeis e Plano de Contas Nacional, objetivando a elabora-ção e publicação de demonstrações con-

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tábeis consolidadas, em consonância com os pronunciamentos da IFAC e com as normas do Conselho Federal de Con-tabilidade, aplicadas ao setor público; e c) adotar os procedimentos necessários para atingir os objetivos de convergência estabelecido no âmbito do Comitê Ges-tor da Convergência no Brasil (BRASIL, 2008).

Dessa forma, a Secretaria do Tesouro Na-cional, tendo como marco teórico as NB-CASP, em conjunto com a Secretaria de Orçamento Federal, publicou, por meio de Portaria Conjunta STN/SOF, o Manual téc-nico de contabilidade aplicada ao setor público. Segundo Rosa (2011), o manual visa promover a transparência das contas públicas e padronizar os procedimentos a serem utilizados pelas três esferas de go-verno, com vistas a garantir a consolidação das contas públicas.

Três anos após o surgimento das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, em 2011, o Conselho Federal de Contabilidade aprovou a NBC T 16.11, que estabelece a conceituação, o objeto, os objetivos e as regras básicas para mensu-rar e evidenciar os custos no setor público, apresentada como Sistema de Informação de Custos do Setor Público (SICSP). Segun-do a norma, o SICSP tem por objetivo:

a) mensurar, registrar e evidenciar os custos dos produtos, serviços, progra-mas, projetos, atividades, ações, órgãos e outros objetos de custos da entidade;b) apoiar a avaliação de resultados e de-sempenhos, permitindo a comparação entre os custos da entidade com os cus-tos de outras entidades públicas, estimu-

lando a melhoria do desempenho dessas entidades;c) apoiar a tomada de decisão em pro-cessos, tais como comprar ou alugar, pro-duzir internamente ou terceirizar determi-nado bem ou serviço;d) apoiar as funções de planejamento e orçamento, fornecendo informações que permitam projeções mais aderentes à re-alidade com base em custos incorridos e projetados; e) apoiar programas de controle de cus-tos e de melhoria da qualidade do gasto (CFC, 2012).

A implementação do SICSP deve levar em consideração os objetivos organizacionais e as características locais, sendo o pro-cesso sistemático e gradual. A Portaria no 406/2011, da Secretaria do Tesouro Nacio-nal, que aprovou a 4a edição do Manual de contabilidade aplicada ao setor Público, es-tabeleceu o início de 2013 como prazo para a adoção do sistema de custos por todos os entes federativos. Ainda no mesmo ano, a Portaria no 828/2011 da Secretaria do Te-souro Nacional alterou o prazo para o final do exercício de 2014. Durante o prazo de transição, foram também previstos a publi-cação, pelos entes da federação, dos proce-dimentos contábeis patrimoniais e específi-cos postos em prática e um cronograma dos procedimentos que ainda seriam realizados (Brasil, 2011).

3. Percurso metodológico

Por se tratar de pesquisa que utiliza como fonte de dados a literatura sobre o tema, identifica-se o presente trabalho como um estudo bibliométrico. Segundo Daim et al. (2008), a análise bibliométrica busca pa-

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drões para explicar comportamentos não estruturados. Portanto, auxilia processos de tomada de decisões ao organizar e analisar grandes massas de dados de forma estru-turada. A técnica foi empregada no presen-te trabalho buscando visualizar o estado da arte das pesquisas na temática. Uma das contribuições dessa análise é a identifica-ção de temas que necessitam de evidên-cias, contribuindo para a orientação de in-vestigações futuras.

Quanto aos objetivos, classifica-se como descritiva, pois visa descrever as caracte-rísticas de determinada população ou fenô-meno. Em relação aos procedimentos técni-cos, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, desenvolvida com base em material já ela-borado, constituído, nesse caso, de teses e dissertações (Gil, 2010).

O levantamento do material bibliográfico foi realizado na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que é manti-da pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e tem o objeti-vo de reunir, em um só portal de busca, as teses e dissertações defendidas em todo o País e por brasileiros no exterior.

A busca pelas teses e dissertações que abordam a problemática de custos no setor público deu-se mediante a utilização da se-guinte string: (custo OR sistema de custos OR método de custeio OR gestão de custos) AND (administração pública OR setor públi-co). A inserção da string na busca pelo mé-todo tradicional resultou em 476 trabalhos, dos quais, após análise de título, área de conhecimento, resumo e sumário, 37 foram selecionados por abordar prioritariamente a temática de custos no setor público. Em

seguida, com a intenção de reduzir a proba-bilidade de não inclusão de alguma tese ou dissertação pela não identificação segundo o método de pesquisa inicial, foi feita uma série de combinações no filtro avançado, uti-lizando-se as palavras-chave que compõem a string, quais sejam: custo; sistema de cus-tos; método de custeio; gestão de custos; administração pública; setor público. Nessas diversas pesquisas, observou-se o apare-cimento de teses e dissertações já selecio-nadas e, por fim, foram encontrados quatro trabalhos que não haviam sido localizados na busca inicial. Dessa forma, chegou-se a uma quantidade final de 41 publicações na área. Dado o interesse de incluir na pesquisa todas as teses e dissertações nacionais já publicadas na temática, não houve delimita-ção de período na busca.

Com o acesso ao texto completo das teses e dissertações selecionadas, pode-se proce-der à análise do perfil dos trabalhos na área, mediante o levantamento de informações re-lacionadas à origem e ao teor das teses e dissertações. Quanto à origem, contempla-ram-se ano de publicação do trabalho, uni-versidade de origem e área de conhecimento do programa de pós-graduação em que está vinculado. Quanto ao teor, contemplaram-se área de aplicação da pesquisa, palavras--chave utilizadas e escopo das pesquisas.

As informações relacionadas à origem foram obtidas por meio da observação das páginas iniciais dos trabalhos. Já as informações re-lacionadas ao teor foram obtidas mediante análise dos resumos e, principalmente, dos objetivos. Nos casos em que nem o resumo nem os objetivos deixaram claros a área de aplicação ou o escopo da pesquisa, proce-deu-se à consulta das considerações finais

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do trabalho.

4. Análise dos resultados

4.1 Origem: de onde vêm as teses e dis-sertações nacionais sobre custos no setor público

Conforme mencionado na metodologia do presente trabalho, não houve delimitação de data no momento da pesquisa por teses e dissertações. Sendo assim, pode-se obser-var que o desenvolvimento de trabalhos na temática é relativamente recente, uma vez que o mais antigo trabalho encontrado na BDTD data de 1999 (Figura 1).

Fonte: dados da pesquisa (2015).Figura 1. Ano de publicação das teses e dissertações.

Houve aumento na quantidade de estudos a partir de 2005, destacando-se os anos de 2007, 2010 e 2014 com, respectivamente, seis, cinco e sete trabalhos publicados. Fo-ram encontrados três trabalhos com data de publicação em 2015, porém, como a pesqui-sa foi realizada em agosto do referido ano, optou-se por excluí-lo da contagem, dada a condição de parcialidade da informação.

Cabe aqui destacar os grandes marcos na evolução da legislação sobre custos no se-tor público, quais sejam: a publicação das NBCASP em 2008 e a da NBC T 16.11 e da Portaria 406 da STN, ambas em 2011. Ao considerar que a maioria dos trabalhos le-vantados nessa pesquisa são dissertações,

que levam aproximadamente dois anos para serem publicadas a partir da data de definição de seu tema, infere-se que esses marcos podem ter tido influência no aumen-to das pesquisas sobre a temática. As NB-CASP publicadas em 2008 podem ter refle-tido um aumento para cinco publicações em 2010. Já a NBC T 16.11 e a definição de pra-zo para adoção de sistema de custos por to-dos os entes federativos, ocorridas em 2011, podem ter refletido no crescimento em 2013 das publicações em relação ao ano anterior e na tendência de crescimento também para os anos seguintes. A produção dos 41 tra-balhos analisados ocorreu em 14 diferentes universidades (Figura 2).

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Fonte: Dados da pesquisa (2015).Figura 2. Universidade de origem das teses e dissertações.

A Universidade de São Paulo (USP) desta-ca-se como a que mais produziu trabalhos sobre gestão de custos no setor público, em diferentes programas, como segue: Pós--Graduação em Controladoria e Contabilida-de, Administração, Medicina, Enfermagem, entre outros. Em seguida, aparece a Funda-ção Getulio Vargas (FGV) com cinco publi-cações e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade

Federal de Pernambuco (UFPE), todas com quatro publicações na área.

Dos 41 trabalhos desenvolvidos na temática, 35 são dissertações elaboradas em cursos de mestrado e seis são teses desenvolvidas em cursos de doutorado. Dos Programas de Pós-Graduação aos quais os trabalhos estão vinculados, destaca-se a área de Administra-ção e Contabilidade (Figura 3).

Fonte: Dados da pesquisa (2015). Figura 3. Área de conhecimento das teses e dissertações.

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Em sua maioria, os Programas de Pós-Gra-duação na área de Administração são liga-dos à Administração Pública. Estão incluídas nessa área pós-graduações em Planeja-mento e Governança Pública, Administração de Empresas, Gestão e Políticas Públicas, Gestão Pública, Administração Pública, Ad-ministração e Gestão Empresarial. A segun-da área de conhecimento que mais produziu trabalhos na temática de custos no setor pú-blico é a Contabilidade, com trabalhos pro-venientes de Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis e em Controladoria e Contabilidade. Destacam-se também os trabalhos produzidos na Pós-Graduação em Enfermagem, tratando de custos na área da Saúde Pública, e na Pós-Graduação em En-

genharia de Produção.

4.2 Teor das teses e dissertações

No que diz respeito ao teor das teses e dis-sertações selecionadas, procedeu-se ao le-vantamento das palavras-chave utilizadas, das áreas em que as pesquisas foram de-senvolvidas e do escopo das pesquisas.

As mais variadas expressões foram encon-tradas nas palavras-chave dos trabalhos. Porém, com o auxílio de ferramenta de con-tagem de palavras, procurou-se evidenciar as palavras mais utilizadas, seja de forma avulsa, seja dentro da expressão (Figura 4).

Fonte: Dados da pesquisa (2015).Figura 4. Palavras-chave utilizadas nas teses e dissertações.

A palavra “custo” teve 36 ocorrências, sendo 28 em sua forma plural (custos) e 8 em sua forma singular (custo). A palavra “custeio” apareceu oito vezes, entre as quais se des-taca sua utilização uma vez na expressão “custeio por absorção” e quatro vezes em “custeio ABC”. A palavra “pública” foi a se-

gunda com mais quantidade de ocorrências, sendo utilizada nas expressões “gestão pú-blica”, “administração pública” e “contabili-dade pública”, o que justifica a significativa ocorrência das palavras “gestão”, “adminis-tração” e “contabilidade”; essa última tam-bém apareceu nas expressões “contabilida-

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de governamental”, “contabilidade de custos” e “contabilidade de custeio”. A palavra “públi-co” também é bastante utilizada na expres-são “setor público”. Por fim, aliada a palavra “custos”, observou-se expressiva ocorrência da palavra “sistema”, nas expressões “sis-tema de informação de custos”, “sistema(s)

de custos”, “sistema de custeio” e “sistema de apuração de custos”.

Quanto à definição do local de desenvolvi-mento dos trabalhos, a área da saúde é a que tem atraído mais atenção dos pesquisa-dores (Figura 5).

Fonte: dados da pesquisa (2015).Figura 5. Área de aplicação da pesquisa.

Foram desenvolvidos trabalhos nas seguin-tes áreas: saúde, educação, segurança/Forças Armadas, agropecuária, energia, sa-neamento básico, administração municipal, administração federal e mobilidade urbana. Alguns trabalhos, aqui classificados como “Não especificado”, não apresentam aplica-ção em uma área específica, como é o caso de um trabalho que propôs um modelo ge-ral de avaliação de desempenho dos gas-tos públicos, em que o autor do estudo cita que adaptações no modelo foram discutidas com representantes de diversos setores da sociedade e de todos os poderes. Aproxima-damente 37%, ou seja, 15 trabalhos, foram desenvolvidos na área da saúde, sendo a maioria em hospitais públicos. A área da

educação representa 24% dos trabalhos re-alizados, os quais foram desenvolvidos em universidades, institutos federais, escolas e creches. A área de segurança/Forças Arma-das também apresentou quantidade expres-siva de estudos, representando 12% das te-ses e dissertações levantadas.

Em âmbito federal, observou-se a presença de um estudo aplicado ao Poder Judiciário federal. No que diz respeito aos órgãos da administração direta municipal, foram identi-ficados dois estudos que procuraram verifi-car o uso das informações de custos no pro-cesso de tomada de decisão, pelos gestores das vinte secretarias municipais da saúde do estado de Santa Catarina, e investigar a per-

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cepção dos usuários sobre a importância do SIC no setor público para a gestão e o desenvolvimento municipal.

Com base na análise do conteúdo e no ob-jetivo das teses e dissertações, estas foram classificadas em oito principais escopos

de pesquisa, quais sejam: diagnóstico em organização; levantamento de informações de custos; proposta de sistema de custos; implementação de sistema na organização; análise de cenário; desenvolvimento e vali-dação de modelo global; análise do SIC do governo federal, entre outros (Figura 6).

Fonte: dados da pesquisa (2015).Figura 6. Escopo das pesquisas.

Dos 41 estudos, 11 trabalharam com diag-nóstico em uma organização, analisando a forma como esta trabalhava as informações de custo. Nesse aspecto, diversas aborda-gens foram tomadas, como: identificação de qual método de custeio é utilizado pela or-ganização; comparação do sistema utiliza-do com outros possíveis métodos a serem adotados; levantamento de benefícios tra-zidos pelas informações de custos; análise da confiabilidade das informações; análise de fatores que facilitam e dificultam a imple-mentação do sistema; impactos gerados na organização.

O levantamento de informações de custos

foi realizado em 12 trabalhos, que, no ge-ral, buscaram o custo de um processo ou a atividade em específico. Alguns exemplos incluem: cálculo do custo-aluno em creches municipais e universidades; custo de refei-ções em determinada unidade; custo da co-leta de resíduos sólidos domiciliares; custo dos subprocessos do manejo de resíduos de serviços de saúde em hospital público; custo da contratação de obra por universida-de pública, entre outros.

Verificou-se, ainda, que 6 dos 41 trabalhos propuseram um sistema de custos e alguns deles implementaram um piloto em deter-minado departamento com o objetivo de

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validar a proposta. Esse foi o caso dos se-guintes estudos: proposição da utilização do sistema ABC pelo Detran (AL); aplicação do ABC no Centro de Materiais de Esteriliza-ção do hospital; proposição de um modelo de custos para a Justiça Federal de Sergi-pe; implementação do custeio ABC na seção de fiscalização do Aeroporto Internacional Tancredo Neves. Apenas um trabalho imple-mentou um sistema de custos em uma orga-nização como um todo. Trata-se da tese que aplicou um modelo baseado na concepção do sistema ABC no Hospital Universitário Clemente de Faria.

A análise de cenário refere-se a trabalhos que tiveram o objetivo de visualizar a situ-ação dos estudos e a utilização da gestão de custos. Foram encontradas três disserta-ções com esse perfil: pesquisa do processo de implementação de sistema de custos nos cenários nacional e internacional; análise dos estudos sobre custos em unidades bási-cas de saúde; verificação do uso de informa-ções de custos em secretarias municipais da saúde do estado de Santa Catarina.

Observou-se a existência de três teses que trouxeram desenvolvimento de um mode-lo para aplicação em todo o setor, contudo implementado em órgão específico como forma de validação. Os modelos desenvol-vidos pelas teses são: simulador de custos para planejamento de sistemas públicos de educação básica; instrumento de avaliação de custos nos serviços públicos de atenção básica à saúde; sistemática de avaliação de desempenho dos gastos públicos.

Três trabalhos dedicaram-se à análise do SIC do governo federal, verificando: sua contribuição como ferramenta de gestão

e planejamento para o desenvolvimento de municípios; sua contribuição para produzir informações gerenciais que subsidiem a to-mada de decisão de gestores da Polícia Fe-deral; nível de aderência do SIC às teorias de contabilidade de custos.

Por fim, dois trabalhos não se enquadraram em nenhuma das linhas de estudos elenca-das. Os objetivos deles foram: analisar a par-ticipação das enfermeiras no gerenciamento de custos de hospitais em São Paulo; forne-cer subsídios para o processo de gestão de custos em serviços públicos de alta comple-xidade hospitalar.

5. Considerações finais

Na presente pesquisa, buscou-se identificar a origem e o teor da produção do conheci-mento em teses e dissertações nacionais que abordam a temática de custos no setor público. Os dados detalhados neste trabalho demonstram que a discussão sobre a utiliza-ção de informações de custos no setor públi-co é relativamente recente. Apenas a partir de 2005 houve um crescimento na quantida-de de pesquisas sobre a temática, sendo o trabalho mais antigo identificado em 1999.

A tendência de crescimento das pesquisas ao longo da última década aponta para uma maior atenção dos pesquisadores sobre o tema, acompanhado também pela maior atenção dos legisladores brasileiros. Perce-be-se que as pesquisas seguem a mesma tendência da legislação sobre o tema no Bra-sil, possivelmente impulsionadas pela publi-cação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000, das Normas de Contabilidade Aplica-das ao Setor Público em 2008 e da Portaria no 406 da STN em 2011.

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Os estudos realizados até o presente mo-mento têm sua origem, principalmente, em Programas de Pós-Graduação na área de Administração e Contabilidade. Tal fator é considerado natural dado que a temática pesquisada une a contabilidade de custos e a administração pública. Destaca-se, po-rém, a contribuição dos Programas de Pós--Graduação em Enfermagem, que abordam o tratamento dos custos geralmente em hospitais públicos. Essa união de custos no setor público com os cursos de enfer-magem é compreendida ao se observar o alto interesse no desenvolvimento de estu-do na área da saúde. Dos trabalhos anali-sados, 37% foram desenvolvidos na área da Saúde, 24%, na Educação e 12%, na área de Segurança/Forças Armadas. Saú-de, Educação e Segurança são áreas que historicamente têm despertado o interesse da população e, ao mesmo tempo, exigem altos investimentos governamentais. Sendo assim, considera-se importante o desenvol-vimento de trabalhos que contribuam para o levantamento de informações de custos nas áreas da Saúde, Educação e Segurança, auxiliando na melhor alocação de recursos.

Por outro lado, a concentração de trabalhos nessas áreas demonstra uma lacuna no de-senvolvimento de estudos em outros seto-res, como mobilidade urbana, saneamento básico e em órgãos da administração fede-ral, estadual e municipal. Nas administra-ções federal e municipal foram localizados, respectivamente, um e dois trabalhos. Das teses e dissertações analisadas, nenhuma foi realizada em órgão da administração di-reta estadual.

Tendo em vista a obrigatoriedade da adoção

de um sistema de custos por todos os entes federativos, entende-se a escassez de estu-dos nos órgãos da administração direta da União, estados e municípios como uma la-cuna que precisa ser preenchida. Vale des-tacar ainda que dos trabalhos realizados em órgãos da administração direta, apenas dois são aplicações em órgãos do Poder Execu-tivo, o que representa 5% da totalidade de teses e dissertações analisadas.

Quanto ao escopo das pesquisas, obser-vou-se que a maioria dos trabalhos inclui estudos de caso desenvolvidos em organi-zações específicas. Tais estudos buscaram desenvolver na organização: a avaliação do sistema de custos existente; o levantamen-to de informações de custos; a proposta de um novo sistema de informações de custos; ou a implementação parcial de um sistema de custos em determinado departamento da organização. Poucos foram os trabalhos que saíram do universo específico de uma organização para fazer uma análise de ce-nário mais global. Das teses e dissertações levantadas, apenas três fazem uma análise da situação brasileira no que diz respeito à utilização de informações de custos. Uma dissertação trata da análise dos estudos so-bre custos em unidades básicas de saúde, restando dois trabalhos que analisam a si-tuação, na prática, do uso das informações de custo. Um deles considerou o processo de implementação de sistema de custos nos cenários nacional e internacional e outro, em secretarias municipais.

Visualizou-se ainda a importância do SIC do governo federal, que foi objeto de estudo de três dissertações, o que justificou, até mes-mo, a criação de uma categoria de escopo de pesquisa.

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Chama atenção também a pequena quan-tidade de trabalhos que implementam um sistema de custos em uma organização como um todo. Ressalta-se a complexidade dos fatores envolvidos na implementação de um sistema de custos em todos os setores de uma mesma organização, tendo apenas uma tese de doutorado tal proposta.

Isto posto, para trabalhos futuros, propõe-se a seguinte agenda de pesquisas:

a) Análise do estágio de adequação às normas e utilização de informações de custos pelo entes federativos, em âmbito federal, estadual ou municipal;b) Levantamento de informações de cus-tos em órgãos das administração federal, estadual e municipal, auxiliando-os no cumprimento da obrigatoriedade de im-plementação de sistema de custos;c) Apontamento de facilidades e dificulda-des encontradas no processo de imple-mentação de sistemas de custos no setor público;d) Implementação de sistema de custos em organizações como um todo;e) Identificação da utilização de informa-ções de custos em setores menos explo-rados, como mobilidade urbana, sanea-mento básico, agropecuária e energia.

Dado o potencial da academia em estimu-lar a utilização na prática de informações de custos pelos órgãos públicos, cabe destacar a importância do desenvolvimento de estu-dos sobre custos no setor público. Sendo assim, espera-se que o presente trabalho oriente e estimule o desenvolvimento de fu-turas pesquisas na área, contribuindo para o crescimento de estudos em setores e te-

mas ainda pouco explorados.

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ORIGEM E TEOR DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE EM TESES E DISSERTAÇÕES NACIONAIS SOBRE CUSTOS NO SETOR PÚBLICO

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ARTIGO: CIDADES INTELIGENTES NO NORDESTE BRASILEIRO: ANÁLISE DAS DIMENSÕES DE TRAJETÓRIA E A CONTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

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CIDADES INTELIGENTES NO NORDESTE BRASILEIRO: ANÁLISE DAS DIMENSÕES DE TRAJETÓRIA E A

CONTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃOINTELLIGENT CITIES IN BRAZIL’S NORTHEAST: AN ANALYSIS OF THE DIMENSIONS OF THE POPULATION’S TRAJECTORY

AND CONTRIBUTION

CIUDADES INTELIGENTES EN EL NORDESTE BRASILEÑO: ANÁLISIS DE LAS DIMENSIONES DE TRAYECTORIA Y LA CONTRIBUCIÓN DE LA POBLACIÓN

Resumo: Este trabalho teve o objetivo de identificar de que forma a população das cidades de Barbalha, Maranguape e Mauriti, per-tencentes ao Nordeste brasileiro, percebem o caminho que podem seguir para se tornar mais inteligentes. Utilizou-se o modelo de Giffinger, Haindlmaier e Kramar (2010) para analisar as dimensões economia, pessoas, governança, mobilidade, meio ambiente e qualidade de vida. Realizou-se uma survey e aplicaram-se 575 questionários aos moradores das cidades. Os dados foram tratados por meio de estatística descritiva e análise fatorial exploratória. Dessa análise foram obtidos cincos fatores: dimensões relacionadas ao grupo social; dimensões relacionadas à vizinhança; dimensões relacionadas à cidade; dimensão sobre o meio ambiente; dimensões sobre mobilidade e tecnologia da informação e comunicação (TICs). Para implementar cidades inteligentes, observou-se ser necessá-rio conhecer o contexto social, cultural e econômico do local, sendo essencial a avaliação desses fatores, pois o seu conhecimento é de extrema relevância para captar a possibilidade de se implementar uma cidade inteligente.

Palavras-chave: Cidades inteligentes; participação popular; Nordeste; análise fatorial; dimensões da cidade.

Samuel Façanha Câmara - [email protected] da Universidade Estadual do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Administração – Fortaleza – CE, Brasil.

Hermano José Batista Carvalho - [email protected] da Universidade Estadual do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Administração – Fortaleza – CE, Brasil.

Francisca Adaliny Alves Silva - [email protected] Graduada em Administração Pública pela Universidade Federal do Ceará – Fortaleza – CE, Brasil.

Lucas Lopes Ferreira Souza - [email protected] em Administração pela Universidade Estadual do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Administração – Fortaleza – CE, Brasil.

Elnivan Moreira Souza - [email protected] em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza, Programa de Pós-Graduação em Administração – Forta-leza – CE, Brasil.

Artigo submetido no dia 03.12.2015 e aprovado em 22.07.2016.

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v21n69.57739

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AbstractThe purpose of this paper is to understand how it is that the populations of the cities of Barbalha, Maranguape and Mauriti, located in Brazil’s Northeast region, have managed to envisage a way forward that offers the potential for their cities to become more intelligent. The Giffinger, Haindlmaier and Kramar (2010) model was used to analyse the different dimensions of economics, people, governance, mobility environment and standard of living. A survey was carried out, and 575 questionnaires were sent to residents of these three cities. The data obtained was then submitted to descriptive statistics and exploratory factorial analysis. This analysis produced five different factors: dimensions related to the social group; dimensions related to neighbourhood; dimensions related to the city; the environmental dimension; and the dimension relating to mobility and Information and Communications Technologies (ICTs). It was noted that in order to implement an intelligent city, one must first have a grasp of the social, cultural and economic context of the locality, and each one of these factors must then be properly evaluated. Only then can one adequately assess the potential for implementing such an intelligent city in the chosen location. Keywords: Intelligent cities; popular participation; the Northeast; factorial analysis; city dimensions.

ResumenEste trabajo tuvo como objetivo identificar de qué forma la población de las ciudades de Barbalha, Maranguape y Mauriti, pertenecientes al nordeste brasileño, intuyen el camino que pueden seguir para volverse más inteligentes. Se utilizó el modelo de Giffinger, Haindlmaier y Kramar (2010) para analizar las dimensiones economía, personas, gobierno, movilidad, medio ambiente y calidad de vida. Se realizó una survey y se realizaron 575 cuestionarios a los habitantes de las ciudades. Los datos fueron tratados por medio de estadística descriptiva y análisis factorial exploratorio. De este análisis se obtuvieron cincos factores: dimensiones relacionadas al grupo social; dimensiones relacionadas al vecindario; dimensiones relacionadas a la ciudad; dimensión sobre el medio ambiente; y dimensiones sobre movilidad y TIC’s. Se observó que para la implementación de ciudades inteligentes es necesa-rio conocimiento del contexto social, cultural y económico del lugar y que es esencial la evaluación de esos factores, ya que su conocimiento es de extrema importancia para captar la posibilidad de implementar una ciudad inteligente.

Palabras clave: Ciudades inteligentes; participación popular; nordeste; análisis factorial; dimensiones de la ciudad.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país de características pecu-liares com vasta dimensão territorial, porém possui uma histórica e resistente desigual-dade social, política e econômica entre suas regiões. A região Nordeste, terceira maior do país em território, é composta do maior número de estados, possui 30% da popu-lação, o que a posiciona como a segunda região mais populosa do Brasil, conforme dados do Censo Demográfico de 2010, rea-lizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).

Ademais, o Nordeste tem sofrido mudanças nos últimos anos, com a migração dos habi-tantes das áreas rurais para os centros ur-banos em busca de trabalho, serviços e me-lhores condições de vida, o que provocou

crescimento de forma desordenada, acarre-tando formação de bolsões de pobreza e tra-zendo aos governos grandes desafios asso-ciados ao atendimento dessas populações.

Esse processo de urbanização das cidades do Nordeste não veio dissociado de outros problemas, como má distribuição de renda, favelização e aumento da criminalidade, ape-nas para citar alguns deles. Diante desses e de outros problemas de natureza urbana, al-guns teóricos e pesquisadores passaram a pensar em novas maneiras de solucionar ou minimizar esses obstáculos. Recentemen-te, da literatura relacionada às cidades e à sua evolução rumo a ambientes urbanos que atendam e promovam a qualidade de vida de seus cidadãos, emergiu o conceito de cida-des inteligentes ou smart cities.

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Cidades inteligentes é um conceito recente, mas que tem apresentado um crescimento substancial de trabalhos acadêmicos e de pesquisa nos últimos anos (Harrison & Don-nelly, 2011; Shapiro, 2005; Chourabi et al., 2012). Assim, podem ser encontradas na literatura diversas abordagens sobre esse tema, cada uma delas com visões e con-ceitos distintos. Atualmente, os principais modelos de cidades inteligentes foram apli-cados na Europa, em cidades de países de-senvolvidos (Moutinho, 2011; Caragliu, Del Bo & Nijikamp, 2009). Contudo, alguns pes-quisadores começam a se dedicar ao estu-do dessa temática aplicada às condições das cidades brasileiras (Camara et al., 2012; Weiss, Bernardes & Consoni, 2013).

Sabe-se que as cidades nordestinas encon-tram poucas condições de receber projetos da magnitude dos implantados nas cidades de países desenvolvidos, onde os projetos nessa linha se encontram mais desenvolvi-dos. Contudo, entende-se que precisam ser adaptáveis à realidade vivenciada pelas ci-dades nordestinas, devendo ser observados suas rotinas, suas demandas, seu povo e suas peculiaridades, de modo a compreen-der como os projetos e soluções podem ser desenvolvidos e aplicados, visando à me-lhoria dessas cidades de forma inteligente (Navarro Arancegui, Querejeta & Montero, 2012). Nesse caso, o conceito de inteligen-te se refere à condição de uma população ativa, comprometida com o interesse cole-tivo, motivada a participar, identificando os problemas e se sentindo capaz de contribuir para as soluções. Assim, os estudos sobre cidades inteligentes precisam considerar as características das cidades e a probabilida-de de mudança que estas venham a enfren-tar futuramente, dado que a população seja

o centro das discussões e propostas.

O estudo tratado aqui foi realizado nas ci-dades de Maranguape, Barbalha e Mauri-ti, localizadas no estado do Ceará, região Nordeste do Brasil, escolhidas por serem típicas cidades nordestinas: Maranguape representa as cidades pertencentes às regi-ões metropolitanas das capitais do Nordes-te; Barbalha representa cidades pequenas do interior dos estados nordestinos que se localizam em regiões com certo grau de de-senvolvimento econômico; Barbalha repre-senta as cidades pequenas mais isoladas e localizadas em regiões semiáridas.

Dessa forma, o trabalho partiu do seguin-te questionamento: como em pequenas ci-dades do Nordeste brasileiro a população percebe sua possibilidade de se tornar uma cidade mais inteligente? Ao partir dessa in-dagação, pretende-se identificar de que for-ma a população dessas cidades percebe o caminho que pode seguir para se tornar mais inteligente, considerando as dimen-sões mais importantes, quanto está dispos-ta a contribuir e quais tecnologias devem ser mais adequadas a essa trajetória.

Outrossim, este trabalho se propõe a dimi-nuir a lacuna existente na literatura sobre ci-dades inteligentes em países em desenvolvi-mento, como o caso brasileiro, contribuindo, ainda, na discussão sobre a trajetória que as cidades precisam seguir para evoluírem e se tornarem mais inteligentes, levando também em consideração os conhecimen-tos da população e a sua disposição em co-operar com as melhorias da cidade. Assim, o povo consciente resulta em uma partici-pação mais ativa e significativa para alcan-çar as transformações futuras no ambiente

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em que vive, fornecendo informações que podem ser utilizadas por gestores públicos, especialistas, empresas e os demais atores envolvidos nesse processo (Kominos, Pallot & Schaffers, 2013). Essa afirmação aponta em direção ao pressuposto usado neste tra-balho de que as populações das pequenas cidades nordestinas podem ter opiniões de como as cidades podem evoluir em dife-rentes dimensões da vida urbana e de que se essas opiniões são consideradas pelos gestores podem transformar as cidades em cidades mais inteligentes.

Além dessas notas introdutórias, este artigo é composto do referencial teórico sobre as cidades inteligentes, o framework analítico e as dimensões de análise. Após o referencial é apresentada a metodologia empregada no estudo, em seguida tem-se o resultado e sua análise e por fim são apresentadas as conclusões do artigo. 2. Referencial teórico

Esta seção do artigo aborda conceitos e concepções teóricas sobre as cidades in-teligentes, o framework analítico que apoia a investigação empírica e, em seguida, as dimensões de análise que entremeiam os resultados.

2.1 Cidades inteligentes

As cidades inteligentes são aquelas con-sideradas com capacidade de conectar de forma inovativa infraestruturas físicas e TICs, concentrando aspectos sociais, or-ganizacionais e tecnológicos com o intuito de aperfeiçoar as condições de sustentabi-lidade e de qualidade de vida da população (Kanter & Litow, 2009). Para Giffinger et al.

(2010), são aquelas que implementam a vi-são de futuro em diversas direções – eco-nomia, pessoas, governança, mobilidade, meio ambiente e qualidade de vida –, sendo concebidas sobre a combinação inteligente de atitudes decisivas, independentes e cons-cientes dos atores que nelas atuam.

De acordo com Washburn e Sindhu (2010), o uso das tecnologias é um importante fa-tor a ser incorporado para auxiliar a conces-são de serviços de infraestrutura na cidade, que incluem a administração, a educação, a saúde, a segurança pública, o transporte etc. – tornando-os interconectados. Assim, a cidade se torna mais inteligente e eficiente. A adaptação da cidade para se tornar inteligen-te não demanda a substituição de estruturas físicas, mas a incorporação entre o mundo material e as tecnologias, a adaptabilidade das infraestruturas já existentes segundo o melhor interesse dos atores que atuam nas cidades quanto a suas características parti-culares e à proximidade saudável das cida-des (Nam & Pardo, 2011a, 2011b; Toppeta, 2010).

Atualmente, as cidades vêm se transforman-do, em maior ou menor escala, e a discus-são sobre o papel delas na economia e no bem-estar social tem sido intensificada. Uma cidade inteligente destina-se às pessoas, tendo como principal objetivo o bem-estar da população. Segundo Moutinho (2011), a cida-de é a invenção mais complexa que o homem fez, sendo tudo artificial e exclusivamente para o homem nela. Portanto, a criação de cidades inteligentes surge com o objetivo de servir os habitantes. Porém, para ser imple-mentada, é fundamental haver redução da pobreza para que o número de usuários da tecnologia aumente de forma considerável,

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sendo necessário também que a educação melhor para haver pessoas capacitadas ou “inteligentes” que saibam manejar e garantir a manutenção da tecnologia, visto que esta permite a inovação das cidades.

Segundo Carvalho e Pinto (2012), o concei-to de cidade inteligente é muitas vezes con-fundido com o de cidade digital. Na digital, precisa haver uma infraestrutura tecnológica com fibra ótica vasta, Wi-Fi e afins, enquan-to na inteligente, além dos fatores digitais, é fundamental encontrar soluções para o cotidiano do cidadão. Até mesmo nos locais mais desenvolvidos da Europa, como a capi-tal finlandesa Helsinque, é impossível dizer que a cidade é completamente inteligente. Na realidade, o que ocorre são diversas so-luções dentro do território. Para atingir esse patamar de desenvolvimento, é preciso que as ideias proliferem em segmentos impor-tantes da vida moderna, como mobilidade urbana, saúde, educação e energia.

Para uma cidade inteligente prosperar, Hollands (2008) propõe quatro fatores que têm dominado as diferentes concepções e projetos dela: foco nas tecnologias de infor-mação e comunicação e nas infraestruturas em rede; desenvolvimento urbano induzido pelo mercado; ênfase nas indústrias inten-sivas em tecnologia; preocupação com a sustentabilidade ambiental. O autor ainda defende que as cidades inteligentes do futu-ro deverão partir das pessoas e das comu-nidades onde vivem e trabalham. A cidade inteligente precisa criar uma verdadeira mu-dança no equilíbrio de poder entre o uso de TI pelas empresas, governo, comunidades e pessoas comuns, bem como encontrar o equilíbrio entre o crescimento econômico e a sustentabilidade.

Entretanto, Glasmeiera e Christopherson (2015) salientam que as smart cities estão aptas a resolver problemas relacionados a questões tecnológicas (como tráfego da ci-dade), mas questões concernentes à solu-ção da pobreza estão fora do escopo. Con-tudo, Hamza (2016) salienta que os maiores desafios das cidades inteligentes se rela-cionam a pobreza, desigualdade, barrei-ras culturais e imigração de moradores de ambientes rurais para ambientes urbanos. Nesse sentido, Hollands (2015) critica a vi-são mais tecnicista das cidades inteligentes, propagada pelas corporações interessadas nesse mercado que se esquecem de que uma cidade não pode ser inteligente tendo sérios problemas urbanos, como pobreza, desigualdade e discriminação. Assim, para além das cidades inteligentes corporativas e meramente tecnológicas, existe uma cidade inteligente que coloca em sua centralidade a qualidade de vida todos os seus cidadãos.

Ademais, segundo Hamza (2016), para im-plementar cidades inteligentes, é necessário seguir três passos: desenvolver uma cidade existente; desenvolver novas cidades inteli-gentes; integrar as cidades inteligentes. Por conseguinte, o autor salienta que o principal objetivo dos países que lidam com elevada pobreza é focar smart people. Para isso, é necessário tornar itens básicos (infraestru-tura, saúde, educação) acessíveis a todos os moradores e, em seguida, erradicar a pobreza mirando as necessidades básicas dos mais carentes e desenvolvendo oportu-nidades de trabalhos, principalmente, para os mais necessitados.

Dessa forma, torna-se imprescindível a par-ticipação popular e amplia-se a intervenção

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dos cidadãos no processo de inovação, em uma lógica de cocriação e inovação aberta ao desenvolvimento de soluções adaptadas à realidade de cada comunidade, no senti-do da governança partilhada, de economia sustentável, do desenvolvimento social in-clusivo e da melhoria da qualidade de vida (Moutinho, 2011). A população precisa estar envolvida no desenvolvimento dos testes de soluções urbanas inovadoras, afigurando--se a cidade como um laboratório vivo, onde a experiência positiva pode ser replicada com adaptações em outros territórios, sen-do os projetos desenvolvidos pelos gover-nos, acadêmicos e pela própria população.

2.2 Como a inovação e as tecnologias da informação e comunicação podem contri-buir para as cidades inteligentes

Questões como a inovação tecnológica e a tecnologia da informação são importantes para o desenvolvimento de qualquer cidade já foram amplamente abordadas (Windem et al., 2014; Hamblenton & Gross, 2007; Da-meri, 2013). Ademais, para implementar ci-dades inteligentes, novamente se torna ne-cessário um maior avanço sobre esse tema, uma vez que cidades inteligentes depen-dem basicamente da utilização dessas. Au-tores como McKenna (2014) e Nam e Pardo (2011a; 2011b) apresentam as tecnologias como meio social de desenvolver as dimen-sões de aprendizado e inovação como re-levantes na construção e envolvimento das populações das smart cities.

Dessa forma, Harrison e Donnelly (2011) apontam benefícios que a aplicação da tecnologia da informação em cidades pode produzir, a saber: redução do consumo de recursos, principalmente de energia e

água, contribuindo, assim, para a redução da emissão de CO2; melhoras na utilização da capacidade de infraestrutura existente, favorecendo a qualidade de vida da popula-ção; disponibilidade de serviços para os ci-dadãos, como orientação em tempo real so-bre o trânsito, o tempo, as vias de acesso, os serviços públicos disponibilizados e os even-tos da cidade; divulgação das demandas de utilização de energia, água e transporte em horários de pico, como mecanismo de aler-ta para os gestores e a população sobre a importância de racionar a utilização desses recursos.

As abordagens de Dutta et al. (2010) e Chou-rabi et al. (2012) reforçam os argumentos de que o uso inteligente das tecnologias fomen-ta interações sociais entre a sociedade e os governos, promovendo mais transparência e melhorias nos serviços e na comunicação entre os atores que atuam nas cidades. No contexto da prestação de serviços aos cida-dãos, no Brasil, o uso da internet tem afunila-do a relação governo-cidadão, criando uma nova forma de comunicação e relacionamen-to, o que tem evitado a afluência de pessoas aos postos de atendimento ao público. Po-rém, de acordo com as visões e propostas de inovação no uso das TICs, esse é apenas o começo do caminho a se percorrer até que as iniciativas e projetos implantados possam conduzir a inteligência nas cidades.

Um dos fundamentos da abordagem smart city é que hoje o acesso à informação é fa-cilitado e em tempo real, estando ao alcance de um grande número de pessoas. Harrison e Donnelly (2011) referem-se a essa reali-dade como “tornar visível o invisível” e con-cebem que os sistemas de informação se difundiram em distintos ambientes, criando

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CIDADES INTELIGENTES NO NORDESTE BRASILEIRO: ANÁLISE DAS DIMENSÕES DE TRAJETÓRIA E A CONTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

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oportunidades para capturar informações que nunca antes estiveram disponíveis.

A inovação é o elemento essencial para o desenvolvimento econômico, assim como as cidades o são para o desenvolvimento e prosperidade dos países. Criar cidades inte-ligentes e sustentáveis não é uma questão de revolução, mas sim de evolução neces-sária com vistas ao desenvolvimento socio-econômico global (Weiss, Bernades & Con-sone, 2013). Porém, a tecnologia isolada não é a solução para todos os problemas, sendo necessária a inclusão da socieda-de, devendo esta ter controle da tecnologia, para haver a possibilidade de se planejar uma cidade inteligente.

Moutinho (2011) defende que a simples disponibilização de infraestruturas ou ser-viços digitais, apesar de caracterizar uma importante condição, não é suficiente para estimular as populações urbanas a criar novas oportunidades na economia do co-nhecimento. Simultaneamente, deve-se as-segurar que os sistemas de informação e os conteúdos sejam embebidos na rotina diária dos cidadãos, com o intuito de me-lhorar a qualidade de vida, proporcionar um ambiente mais criativo para atrair e reter ta-lentos, acelerar o desenvolvimento de novos negócios, aumentar a participação popular, reforçar o capital social e construir novas competências.

2.3 Framework analítico

Com base na literatura sobre cidades inte-ligentes, propõe-se um framework que es-tabelece a trajetória das cidades rumo ao atendimento das necessidades da popula-ção, dadas as novas tecnologias de infor-mação e comunicação, dependendo das di-mensões consideradas mais relevantes pela população e como esta está disposta a con-tribuir com a evolução que a cidade seguirá e o que espera das soluções tecnológicas para tanto.

Assim, com base nas dimensões sugeridas por Giffinger et al. (2010), o framework terá como principais constructos: a importância dada pela população às dimensões das ci-dades; a vontade de contribuir com essas dimensões em diferentes amplitudes; ade-quação tecnológica às soluções para as dimensões consideradas. Esses três cons-tructos afetam a evolução da cidade (Figu-ra 1). Assim, considera-se que os diferentes espaços das cidades trabalhados por seus diversos atores por meio das tecnologias em um processo de cocriação impactam substancialmente a evolução das cidades. Contudo, neste trabalho foram utilizados os constructos como antecedentes, mas não se identificaram seus impactos na evolução das cidades, uma vez que para responder à questão de pesquisa, é preciso apenas en-tender como a população das cidades es-tabelece a importância das dimensões, sua disposição a contribuir e as tecnologias ne-cessárias para ajudar nesse processo.

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Fonte: elaborado pelos autores com base em Giffinger et al. (2010).Figura 1. Framework da trajetória rumo às cidades inteligentes.

Importância das dimensões dadas pela

população

Adequação tecnológica às soluções nas dimensões

Contribuição da população por

dimensão

Cocriação

Evolução das cidades nas diferentes dimensões

Conforme Giffinger et al. (2010), a cidade pode ser caracterizada segundo seis di-mensões relevantes para identificar sua concepção de inteligente, a saber: eco-nomia; recursos humanos; governança;

Fonte: adaptado de Giffinger et al. (2010).Figura 2. Lista de características e fatores relacionados às dimensões das cidades.

mobilidade; meio ambiente; qualidade de vida. Tais autores, ainda, caracterizam cada dimensão, associando-as a fatores impor-tantes que refletem seus aspectos (Figura 2).

ECONOMIA

• Empreendedorismo

• Produtividade

• Flexibilidade do mercado de trabalho

• Inovação

RECURSOS HUMANOS

• Qualificação

• Aprendizagem ao longo da vida

• Pluralidades social e étnica

• Flexibilidade

GOVERNANÇA

• Participação na tomada de decisões

• Serviços públicos e sociais

• Governança transparente

• Estratégias políticas

MEIO AMBIENTE

• Atratividade das condições naturais

• Poluição

• Proteção ambiental

• Gestão sustentável dos recursos

MOBILIDADE

• Acessibilidade

• Infraestrutura

• Transporte sustentável, inovado e sistemas seguros

• Gestão das vias

QUALIDADE DE VIDA

• Equipamentos culturais

• Condições de saúde

• Segurança

• Qualidade de habitação

• Instalações de educação

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As características de cada dimensão aju-dam a compreender melhor quais são os mecanismos presentes na cidade relaciona-dos com cada tema e dentro de cada nível de proximidade (cidade; casa, rua ou famí-lia; bairro ou grupo social), ou seja, o que a cidade representa em conjunto com os ato-res nela envolvidos.

3. Metodologia

A pesquisa é um estudo de natureza quan-titativa realizada por meio de uma survey exploratória. A survey foi aplicada em três cidades do estado do Ceará – Barbalha, Mauriti e Maranguape –, as quais foram

escolhidas por possuírem características gerais semelhantes quanto ao tamanho, ao desenvolvimento humano e à renda per ca-pita (Tabela 1), contudo representam situa-ções urbanas muito distintas: Maranguape faz parte de uma região metropolitana da capital do estado; Barbalha está inserida em uma região no interior com certo grau de desenvolvimento econômico; Mauriti é uma cidade mais isolada no interior do estado e em plena região semiárida. Dessa forma, são pequenas, mas representam situações urbanas distintas, completando as três um quadro de representatividade das condições das pequenas cidades nordestinas.

Tabela 1. Características gerais das cidades analisadas Cidades População IDH PIB per capitaBarbalha 58.855 0,683 9.819,71Mauriti 46.113 0,605 5.486,14Maranguape 123.570 0,659 9.649,35

Fonte: IBGE (2010).

Foram pesquisados 575 moradores dessas cidades, utilizando-se uma amostra aleató-ria, não probabilística e por acessibilidade. A aplicação se deu principalmente no centro das cidades, em dias de muito movimento, quando passam cidadãos de todos os bair-ros, classes socioeconômicas e faixas etá-rias. O questionário objetivou mensurar a percepção de importância sobre as dimen-sões evolutivas: governança, economia, meio ambiente, qualidade de vida, recursos humanos, mobilidade e TICs (Giffinger et al., 2010), para as cidades se tornarem mais inteligentes, e a percepção de adequação tecnológica para impactar sobre a evolução nas dimensões consideradas.

O questionário foi dividido em quatro par-tes: perguntas sociodemográficas; grau de importância dado às dimensões evolutivas em relação aos níveis de proximidade (ci-dade; casa, rua ou família; bairro ou grupo

social), por meio do uso da escala Likert, variando de 1 a 4: 1 (sem importância), 2 (importante), 3 (muito importante) e 4 (ex-tremamente importante); capacidade de os moradores solucionarem os problemas liga-dos a cada dimensão evolutiva, por meio da escala Likert de 4 pontos: 1 (Não me con-sidero capacitado), 2 (Posso contribuir um pouco), 3 (Posso contribuir razoavelmente) e 4 (Posso contribuir muito); por último, foi indagado aos moradores quais tipos de tec-nologia eles consideram importantes para serem aplicados como soluções aos pro-blemas relacionados à cidade, com o uso de uma escala em que o pesquisado dava uma nota gradativa de 1 a 5, em que 5 era a nota máxima que a tecnologia podia receber como possível forma de solução para tornar a cidade mais inteligente. O questionário completo consta no quadro 1. As três últi-mas partes do questionário foram propostas

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pelos autores, tendo como base a literatura sobre dimensões das cidades inteligentes (segunda parte); criação de uma escala que fosse capaz de mensurar a disposição e o

interesse da população sobre as dimensões (terceira parte); um conjunto de tecnologias coletado de três especialistas em computa-ção (professores universitários).

Quadro 1. Questionário

1. Dimensões evolutivas em relação aos níveis de proximidade

Gov

erna

nça 1. Atender à necessidade de participação da população no governo e nos destinos da sua cidade

2. Atender à necessidade de participação nas soluções da sua empresa, casa, rua ou família3. Atender à necessidade de participação nas questões do seu bairro ou de seu grupo social (empre-

sários, consumidores, servidores públicos etc.)

Eco

nom

ia

4. Solucionar problemas relacionados à questão de economia (emprego, renda, indústrias, agricultura)

na sua cidade?5. Solucionar problemas relacionados à questão de economia na sua empresa, casa, rua ou família6. Solucionar problemas relacionados à questão de economia do seu bairro ou de seu grupo social

(empresários, consumidores, servidores públicos etc.)

Rec

urso

s hu

man

os 7.     Solucionar problemas relacionados à questão dos recursos humanos (educação, profissionalização, 

cultura) na sua cidade?8. Solucionar problemas relacionados à questão dos recursos humanos na sua empresa, casa, rua ou

família9. Solucionar problemas relacionados à questão dos recursos humanos no seu bairro ou grupo social

(empresários, consumidores, servidores públicos etc.)

Mei

o am

bien

te 10. Solucionar problemas relacionados à questão da preservação do meio ambiente na sua cidade?11. Solucionar problemas relacionados à questão da preservação do meio ambiente na sua empresa,

casa, rua ou família12. Solucionar problemas relacionados à questão da preservação do meio ambiente no seu bairro ou

grupo social (empresários, consumidores, servidores públicos etc.)

Qua

lidad

e de

vida

13. Solucionar problemas relacionados à questão da qualidade de vida na sua cidade?

14. Solucionar problemas relacionados à questão da qualidade de vida na sua empresa, casa, rua ou

família15. Solucionar problemas relacionados à questão da qualidade de vida no seu bairro ou grupo social

(empresários, consumidores, servidores públicos etc.)

Mob

ilida

de e

TIC

s

16. Solucionar problemas relacionados à questão da mobilidade e das TICs na sua cidade?

17. Solucionar problemas relacionados à questão da mobilidade e das TICs na sua empresa, casa, rua

ou família 18. Solucionar problemas relacionados à questão da mobilidade e das TICs no seu bairro ou grupo

social (empresários, consumidores, servidores públicos etc.)3. Contribuição às dimensões evolutivas1. Governança2. Economia3. Recursos humanos4. Meio ambiente5. Qualidade de vida6. Mobilidade e TICs

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4. Contribuição em relação à capacidade evolutiva1. Informática – TI 2. Energias alternativas3. Uso de celulares4. Tecnologias de diagnóstico por Imagem5. Redes sociais6. Tecnologias de diagnóstico por imagem7. Educação a distância8. Ambientes de colaboração9. Sistemas de projetos públicos abertos10. Transparência em contas públicas11. Transportes alternativos12. Tecnologias agrícolas avançadas13. Controle de trânsito14. Informações sobre transportes públicos15. Tecnologias de convivência com a seca16. Monitoramento da saúde de idosos17. Tecnologias de segurança18. Tecnologias de acessibilidade – Voltadas a pessoas com deficiência física

Fonte: autoria própria.

Os dados foram analisados por meio de análise fatorial exploratória (AFE), pois se pretende identificar quais são os principais construtos formados para explicar a impor-tância das dimensões evolutivas em relação aos níveis de proximidade, da capacidade da população em encontrar soluções para as dimensões evolutivas e as possíveis tec-nologias capazes de criar soluções para formar uma cidade inteligente. Entende--se ser essa a técnica mais adequada para o tratamento dos dados, tendo em vista a inovatividade e a natureza exploratória do modelo teórico testado. Para realizar a AFE, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), tendo os crité-rios de adequação da AFE sido propostos por Hair et al. (2009): KMO > 0,7; teste de esfericidade de Bartlett < 0,05; comunali-dades > 0,5; alfa de Cronbach > 0,6; cargas

fatoriais das variáveis > 0,5. Em seguida, re-alizou-se uma análise de variância (ANOVA) para verificar se houve diferenças significa-tivas entre os fatores encontrados em rela-ção às cidades pesquisadas. Para efetuá-la, utilizaram-se os critérios estabelecidos por Malhotra (2001).

4. Apresentação dos resultados

Na tabela 2, constam os dados sociodemo-gráficos compreendidos pela faixa etária, renda familiar, gênero, escolaridade e por-centagem de questionários aplicados nas cidades. De todos esses indicadores, desta-ca-se a renda familiar, com 45,6% ganhan-do até um salário mínimo. Ao se ampliar o escopo da renda familiar para até cinco sa-lários mínimos, verificou-se que 91,2% dos respondentes pertencem a esse estrato.

Continuação do Quadro 1

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Segundo tais dados, pode-se inferir a preca-riedade social e econômica dessas cidades. Contudo, quase 70% dos respondentes pos-suem nível médio e/ou superior de escolari-dade, o que, de certa forma, habilita a amos-tra a responder a questões relacionadas a

destinos das cidades e uso de tecnologias. Assim, torna-se relevante essa pesquisa ex-ploratória para diagnosticar a situação atual dos cidadãos dessas cidades, o que será es-sencial para a análise dos dados a seguir.

Tabela 2. Perfil sociodemográfico

Faixa etária Respondentes % Até 25 anos 257 44,7 Entre 25 e 55 anos 268 46,6 Acima de 55 anos 48 8,3Renda familiar Respondentes % Até 1 salário mínimo 262 45,6 Entre 1 e 5 SM 262 45,6 Entre 5 e 10 SM 21 3,7 Acima de 10 SM 7 1,2Gênero Respondentes % Masculino 285 49,6 Feminino 280 48,7Escolaridade Respondentes % Ensino Fundamental 110 19,1 Ensino Médio 277 48,2 Ensino Superior 119 20,7 Pós-graduação 65 11,3Cidade Respondentes % Maranguape (Urbana) 150 26,1 Maranguape (Rural) 47 8,2 Barbalha 94 16,3 Mauriti 284 49,4

Fonte: autoria própria.

O próximo passo consiste em realizar a AFE das dimensões evolutivas em relação aos níveis de proximidade social dos indivíduos.

4.1 Dimensões evolutivas em relação aos níveis de proximidade

Efetuou-se a AFE da segunda parte da pes-quisa com o intuito de conhecer qual a im-portância da relação das dimensões evolu-

tivas em relação aos níveis de proximidade. A AFE foi realizada tendo se observado os critérios citados e definidos por Hair et al. (2009), mencionados anteriormente, e por meio da rotação varimax, análise dos com-ponentes principais como método de extra-ção e critério de autovalores superiores a 1. Todas as variáveis se mantiveram no mode-lo, quando se analisou o critério de comuna-lidade, com a menor comunalidade sendo

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igual a 0,512 e pertencendo à variável so-lucionar problemas relacionados à questão dos recursos humanos (educação, profissio-nalização, cultura) na sua cidade? A maior comunalidade foi observada na variável so-lucionar problemas relacionados à questão da preservação do meio ambiente no seu

bairro ou grupo social (empresários, consu-midores, servidores públicos etc.), cujo valor foi igual a 0,789. Ao se extrair a AFE, obteve--se uma variância explicada total de 67,53%. Os outros resultados podem ser observados na tabela 3.

Tabela 3. Matriz de componentes rotacionada – Dimensões evolutivas em relação aos níveis de proximidade

KMO = 0,876; teste de esfericidade de Bartllet = 0,000; variância explicada = 67,53%Matriz de componente rotativa

VariáveisFatores

1 2 3 4 5Economia do bairro, grupo social 0,763 Recurso humanos do bairro, grupo social 0,762 Qualidade de vida do bairro, grupo social 0,724 Mobilidade e TICs no bairro, grupo social 0,701 Governança no bairro, grupo social 0,618 Economia na casa, rua, família, empresa 0,788 Governança na casa, rua, empresa, família 0,776 Recursos humanos na casa, rua, família, empre-sa

0,647

Qualidade de vida na casa, rua, família, empresa 0,524 Economia da cidade 0,775 Governança na cidade 0,743 Recursos humanos da cidade 0,605 Qualidade de vida da cidade Meio ambiente da casa, rua, família, empresa 0,837 Meio ambiente da cidade 0,703 Meio ambiente do bairro, grupo social 0,653 Mobilidades e TICs na cidade 0,735Mobilidades e TICs na casa, rua, família, empre-sa

0,666

Alfa de Cronbach 0,852 0,798 0,721 0,709 0,630Variância explicada 17,81% 14,36% 13,67% 11,39% 10,21%Método de extração: análise do componente principal.Método de rotação: varimax com normalização de Kaiser.

Fonte: autoria própria.

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Segundo essa análise, nota-se que o fator 1, o que possui maior poder de explicação na análise, evidencia que para os moradores o mais importante das dimensões evolutivas é sua atuação conjunta nos grupos socias. Tal fato demonstra que os fatores elaborados por Giffinger et al. (2010) são realmente con-siderados muito importantes para os mora-dores das cidades pesquisadas. Contudo, esperava-se que essas dimensões fossem mais bem percebidas na cidade, mas os pesquisados a perceberam melhor no seu grupo social. Os resultados da AFE indica-ram certa propensão dos respondentes a visualizar os problemas sociais que estão mais próximos de seu entorno. Os fatores restantes tiveram importâncias em níveis semelhantes.

O fator 2 se associa a todas as dimensões evolutivas, menos ao meio ambiente e ao nível de proximidade relacionado à rua, à família e à empresa, reforçando a impor-tância que os moradores dão ao que está ocorrendo ao seu entorno em detrimento do que ocorre na cidade como um todo. O fator 3 está relacionado à cidade com as di-mensões governança, economia, recursos humanos e qualdiade de vida. Somente de-pois de pensar em seu entorno, os morado-res dessas cidades pensam nas dimensões evolutivas da cidade como sendo importan-tes para um melhor desempenho da cidade.

O fator 4 está relacionado à dimensão meio ambiente, mostrando ser importante que essa variável seja observada como um todo, tanto na cidade como no bairro e na rua. O quinto e último fator está relacionado a uma dimensão isolada referente à mobilidade e à TICs nas cidades e nas ruas.

Portanto, as dimensões evolutivas de maior impacto são governança, economia, recur-sos humanos e qualidade de vida, estando principalmente relacionadas ao grupo social do qual a população faz parte. Em seguida, apresentam-se as dimensões meio ambien-te e mobilidade e TICs. Contudo, as quatro primeiras são consideradas prioritárias para tornar essas cidades mais inteligentes.

4.2. Disposição a contribuir com a evolução da cidade

A AFE realizada utilizou os mesmos proce-dimentos da seção anterior. A variável meio ambiente foi retirada do modelo pelo critério de comunalidades, tendo valor igual a 0,396, enquanto os outros valores foram todos sa-tisfatórios. Encontrou-se um único fator que agrupou as cinco variáveis (Tabela 4), mos-trando que os moradores se sentem capa-citados a contribuir com as dimensões evo-lutivas para tornar a sua cidade uma cidade inteligente.

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Esse resultado demonstra que a popula-ção, mesmo com baixa renda, se sente ca-pacitada a contribuir com as dimensões na busca por uma cidade melhor, o que reforça os argumentos de Hollands (2015) de que os cidadãos devem ser os protagonistas da evolução urbana rumo ao conceito de uma cidade inteligente menos tecnológica e mais humana. Um fato bastante relevante é a não inserção da variável meio ambiente nesse resultado. Para os moradores, o meio am-biente não é uma variável com que possam contribuir para melhorar a cidade. Contudo, Maranguape teve uma média muito acima das outras cidades avaliadas, revelando que essa dimensão é relevante para a po-pulação.

Acredita-se que tal escolha esteja ligada ao fato de que essas regiões pertencem ao Nordeste brasileiro, uma região muita seca, onde a população sofre muito com a falta de água. Então, esse problema sempre exis-

tiu e a população nunca encontrou meios para enfrentá-lo. Por isso, a falta de capa-cidade da população em contribuir com os problemas relacionados ao meio ambiente. A exceção de Maranguape se explica pela proximidade de um importante bioma de serra, que permanece verde quase todo ano e com nascentes de água importantes para um dos poucos rios da região metropolitana de Fortaleza (rio Maranguapinho).

Ademais, o achado de que a população sente-se capaz de resolver os problemas da cidade demonstra que, independentemen-te da pobreza observada nesses locais, ela tem interesse em participar das questões da sua cidade. Assim, capacitá-la para que ela possa “cocriar” de forma adequada é a melhor forma de tornar essas cidades em cidades inteligentes.

4.3 Tecnologias capazes de criar soluções para formar uma cidade inteligente

Tabela 4. Matriz de componentes – Dimensões evolutivas em relação à disposição a contri-buir dos moradores

KMO = 0,851; teste de esfericidade de Bartlett = 0,000Matriz de componentea

VariáveisFator

1Governança 0,787Economia 0,799Recursos humanos 0,801Qualidade de vida 0,736Mobilidade e TICs 0,779Alfa de Cronbach 0,839Variância explicada 60,97%Método de extração: análise do componente principal.a. 1 componentes extraídos.

Fonte: autoria própria.

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Ao se utilizar a AFE seguindo os critérios estabelecido por Hair et al. (2009), foram retiradas as variáveis educação a distância e ambientes de colaboração por apresen-

tarem resultados abaixo de 0,5 no teste de comunalidade. Em seguida, foi refeito o teste sem as variáveis e foram obtidos uma vari-ância explicada de 60,80% e os resultados apresentados na tabela 5.

Tabela 5. Matriz de componentes rotacionada - Possíveis tecnologias capazes de criar solu-ções para formar uma cidade inteligente

KMO = 0,941; teste de esfericidade de Bartllet = 0,000; variância explicada = 60,80%Matriz de componente rotativa

VariáveisFatores

1 2Monitoramento da saúde de idosos 0,838 Tecnologias de convivência com a seca 0,831 Tecnologia de acessibilidade para pessoas com deficiência física 0,802

Tecnologia de segurança 0,800 Tecnologias agrícolas avançadas 0,758 Transparência em contas públicas 0,744 Controle de trânsito 0,727 Informações sobre transportes públicos 0,693 Transporte alternativo 0,635 Sistema de projetos públicos abertos 0,606 Uso dos celulares 0,822Redes sociais 0,695Tecnologia de diagnóstico por imagens 0,652Informática _ TI 0,613Energias alternativas 0,56Alfa de Cronbach 0,933 0,788Variância explicada 40,62% 20,18%Método de extração: análise do componente principal.Método de rotação: varimax com normalização de Kaiser.

Fonte: autoria própria.

O primeiro fator (mais relevante) se relacio-na às tecnologias aplicadas à sociedade como um todo. O segundo fator está voltado a tecnologias de uso pessoal, demonstran-do uma visão de que as tecnologias podem ajudar a sociedade como um todo, sendo tal ajuda mais importante do que as tecnolo-

gias que auxiliam as pessoas individualmen-te, reforçando os argumentos de McKenna (2014) e Nam e Pardo (2011a; 2011b) que apresentam as tecnologias como meio so-cial de evolução para que as cidades se tor-nem mais inteligentes. Contudo, tal resultado pode ser consequência do reduzido acesso

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dessas populações às tecnologias pesso-ais, mas também da maior percepção geral de que as tecnologias podem ser usadas para gerar benefícios coletivos, o que pode relacionar-se à importância que as pessoas dão à capacidade de os entes públicos re-solverem os problemas urbanos.

4.4 ANOVA entre os fatores e as cidades

Foi realizada ANOVA com os cinco fatores obtidos da análise das dimensões evoluti-vas em relação aos níveis de proximidade. Na tabela 6, pode-se observar que, dentre os cinco fatores, três foram significativa-mente diferentes: fator 1 (fator relacionado

aos grupos sociais); fator 3 (fator relaciona-do à cidade com as dimensões governança, economia, recursos humanos e qualdiade de vida); fator 5 (fator relacionado à mobili-dade e à TICs na cidade e na casa), quan-do efetuada a análise com todas as cidades. Além disso, percebe-se que Maranguape é a cidade que apresenta o maior número de diferenças significativas, evidenciando que possui um comportamento diferente das ou-tras duas para a implementação de uma ci-dade inteligente. Ademais, deve-se ressaltar o fator 5, visto que possui diferenças para todas as cidades. Por ser o último fator com explicação, deve-se analisar melhor o seu impacto em cada cidade.

Tabela 6. Anova entre os fatores e as cidades

ConstrutosCidade Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4 Fator 5

Maranguape vs. Barbalha

F = 4,800

F = 0,435

F = 4,015

F = 0,205

F = 10,149

Sig. (0,029)*

Sig. (0,510)

Sig. (0,046)*

Sig. (0,651)

Sig. (0,002)**

Maranguape vs. Mauriti

F = 12,106

F = 0,188

F = 14,785

F = 0,069

F = 0,041

Sig. (0,001)**

Sig. (1,346)

Sig. (0,000)**

Sig. (0,793)

Sig. (0,840)

Barbalha vs. Mauriti

F = 0,041

F = 0,021

F = 0,621

F = 0,055

F = 9,025

Sig. (0,841)

Sig. (0,247)

Sig. (0,431)

Sig. (0,815)

Sig. (0,003)**

Maranguape vs. Barbalha vs. Mauriti

F = 7,128

F = 0,585

F = 7,426

F = 0,095

F = 5,548

Sig. (0,001)**

Sig. (0,558)

Sig. (0,001)**

Sig. (0,909)

Sig. (0,004)**

*Significante a 0,05.

** Significante a 0,01.

Fonte: autoria própria.

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5. Análise de discussão dos resultados

Após a análise dos resultados da pesquisa, alguns levantamentos são feitos para com-parar o que é visto na literatura e o que foi encontrado neste artigo, visando conhecer a capacidade de as cidades pesquisadas se tornarem cidades inteligentes.

Como destacaram Navarro Arancegui, Que-rejeta e Montero (2012), as características do local são fundamentais para se implantar uma cidade inteligente. Giffinger et al. (2010) aduzem que esse desenvolvimento e a ino-vação devem respeitar as necessidades sustentáveis dos cidadãos. Ademais, para Caragliu et al. (2009), uma cidade inteligen-te é instituída quando há investimentos em capitais humano e social e em setores tra-dicionais, como transportes e infraestrutura de TICs, os quais são capazes de prover sustentabilidade e crescimento econômico com alta qualidade de vida e padrão elevado de governança de seus cidadãos.

Para Hollands (2008), as cidades inteligentes do futuro partem das pessoas, suas comuni-dades e grupos sociais. Tais características são bem perceptíveis quando os principais fatores estão relacionados com locais com os quais as pessoas convivem mais, uma vez que quanto ao nível de proximidade o bairro e grupo social foram observados como os mais importantes, assim, devido a proximidade os moradores percebem mais o impacto no seu cotidiano, dando esperan-ça a essas cidades de um dia se tornarem inteligentes. Segundo, Nam e Pardo (2011a; 2011b), não são necessárias trocas de es-truturas físicas, mas sim a incorporação de tecnologias e a participação social na busca de soluções para os problemas encontra-

dos. Nessas cidades, os moradores sabem quais tecnologias podem ajudá-los a enfren-tar tais problemas, elegendo tecnologias de uso amplo em vez das de uso pessoal.

Uma questão pertinente é a relação dos mo-radores com a capacidade de contribuírem com o meio ambiente. Para uma cidade in-teligente, todas as dimensões evolutivas de-vem ser bem atendidas e a participação da população é essencial (Giffinger et al., 2010). Portanto, deve-se adotar medidas para que a sociedade contribua com as questões am-bientais. Como se observou no resultado da ANOVA, mesmo cidades próximas e do mesmo estado possuem necessidades dife-rentes, as quais devem ser observadas de forma aprofundada para melhorar a cidade e torná-la inteligente.

6. Conclusões e recomendações

Este artigo visou identificar de que forma as populações das cidades de Maranguape, Barbalha e Mauriti percebem o caminho que estas podem seguir para se tornarem mais inteligentes. De acordo com os resultados, verificou-se que as populações com esco-laridade não muito elevada são capazes de opinar sobre o destino de suas cidades. Se o conceito de cidades inteligentes é torná-las mais adequadas a suas populações, melho-rando a qualidade de vida de todos, então em cidades pequenas do Nordeste brasilei-ro, apesar das dificuldades econômicas e urbanas, é possível desenvolver aspectos relacionadas às abordagens de cidades inte-ligentes. Nesse sentido, as populações são capazes de escolher entre as dimensões prioritárias estabelecidas por Giffinger et al. (2010): economia, pessoas, governança, mobilidade, meio ambiente e qualidade de

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CIDADES INTELIGENTES NO NORDESTE BRASILEIRO: ANÁLISE DAS DIMENSÕES DE TRAJETÓRIA E A CONTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

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vida, entendendo sua importância em rela-ção a diferentes níveis de proximidade so-cioespacial – família, grupo social e cidade. Também se verificou que tais cidadãos são capazes de mensurar a própria capacidade de contribuir com essas dimensões, além de examinar possíveis tecnologias capazes de viabilizar a formação de uma cidade in-teligente.

Os principais resultados apontam para a existência de deficiências demonstradas por meio do perfil de renda familiar dos res-pondentes, indicando se tratar de municí-pios pobres e com baixo desenvolvimento, o que, de certa forma, explicou a escolha pelos respondentes das dimensões gover-nança, economia, recursos humanos e qua-lidade de vida como as mais fortes quando associadas ao grupo social, indicando que os respondentes estão mais inclinados em solucionar os problemas que tangenciam essa esfera. As dimensões meio ambiente e mobilidade e TICs também se destaca-ram. Em relação à contribuição das dimen-sões para prover as dimensões relativas ao meio ambiente, esta se apresentou como a menos importante. Possíveis tecnologias capazes de criar soluções para formar ci-dades inteligentes dividem-se em tecnolo-gias aplicadas à sociedade e tecnologias de aplicação individual, sobressaindo a primeira. Contudo, pode-se, ainda, concluir que as cidades não podem ser unificadas, a exemplo de Maranguape, que se destacou por apresentar diferenças significativas em relação às demais cidades, revelando que cidades pequenas de regiões metropolita-nas precisam ser tratadas de forma diferen-tes quanto às dimensões prioritárias.

Em termos de gestão, esses resultados ser-

virão de base para orientar políticas públicas e direcionamentos iniciais para implantar processos cuja finalidade seja tornar essas cidades mais inteligentes. Teoricamente, este trabalho contribui para isso à medida que apresenta resultados que representam a realidade de pequenas cidades no contexto de países emergentes, incluindo a dimensão da contribuição do cidadão para a evolução da cidade e sua percepção da evolução da cidade rumo a uma cidade mais inteligente (com a qualidade de vida de seus cidadãos no centro das decisões). Também demons-tra que a questão da pobreza é uma barreira para implementar cidades inteligentes, mas esta pode ser contornada com políticas pú-blicas que envolvam melhorias na saúde, educação e trabalho e com o auxílio da po-pulação predisposta a ajudar a cidade a se desenvolver.

Para implementar cidades inteligentes, é ne-cessário observar os contextos social, cultu-ral e econômico das cidades de forma holís-tica e individualizada. Portanto, os resultados apresentam limitações quanto à generaliza-ção, além da limitação teórica que necessita de adaptações que representem a realidade vivida em pequenas cidades do Nordeste brasileiro.

Para estudos futuros, sugere-se aplicar essa pesquisa em cidades de outros estados bra-sileiros, aprofundar a discussão teórica so-bre cidades inteligentes no contexto nacio-nal, viabilizar o uso de outros métodos de investigação e analisar mais detalhadamen-te as diferenças entre as cidades para expli-car por que entre os fatores encontrados há desigualdade estatística.

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