Cadernos Do Dialogo Mosaicos Florestais Versao Site

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CADERNOS DO DIÁLOGO Volume 3 - 2011 MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTÁVEIS Monitoramento integrado da biodiversidade e diretrizes para restauração florestal

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Confiram

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  • CADERNOS DO DILOGOVolume 3 - 2011

    MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS Monitoramento integrado da biodiversidade e diretrizes para restaurao florestal

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  • DILOGO FLORESTAL

    MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS Monitoramento integrado da biodiversidade

    e diretrizes para restaurao florestal

    Cadernos do Dilogo - Volume 03

    Carlos Alberto Bernardo MesquitaChristiane Gonalves DallAglio Holvorcem

    Leandro Reverberi TambosiSabrina Costa da Silva

    Instituto BioAtlntica

    Rio de Janeiro (RJ)

    2011

  • Ficha Tcnica

    RealizaoDilogo Florestal

    Coordenao editorialMiriam Prochnow

    TextoCarlos Alberto Bernardo MesquitaChristiane Gonalves DallAglio HolvorcemLeandro Reverberi TambosiSabrina Costa da Silva

    Mapas e FigurasSabrina Costa da Silva

    FotosCarolina SchafferChristine DragisicMiriam ProchnowThadeu Melo

    Foto da capaChristine Dragisic

    Projeto grficoFbio Pili

    DiagramaoAna Cristina Silveira

    M894

    CDD 333.75160981

    Mosaicos florestais sustentveis : monitoramento integrado da biodiversidade e diretrizes para restaurao florestal / Carlos Alberto Bernardo Mesquita ... [et al.] ; [fotos Christine Dragisic, Thadeu Melo]. Rio de Janeiro : Instituto BioAtlntica, 2011.44 p. : il. color. ; 21x30 cm. (Cadernos do Dilogo ; v. 3).

    Acima do ttulo: Dilogo Florestal.Bibliografia: p. 42

    ISBN 978-85-60840-09-0 1. Biodiversidade Conservao Brasil. 2. Florestas Conservao Brasil. 3. Desenvolvimento sustentvel Brasil. 4. Mata Atlntica. I. Mesquita, Carlos Alberto Bernardo. II. Instituto BioAtlntica. III. Srie.

    Catalogao elaborada pela Bibliotecria Roberta Maria de Oliveira Vieira CRB-7 5587

  • Sumrio

    Apresentao

    introduoO que a iniciativa Mosaicos Florestais Sustentveis

    captulo 1O conceito de mosaicos florestais

    captulo 2Da Teoria Prtica: planejando e implantando mosaicos florestais sustentveis no corredor central da Mata Atlntica

    captulo 3Diretrizes para o monitoramento da biodiversidade

    16 Por que monitorar a biodiversidade?17 O que ser monitorado?18 Unidades ambientais e desenho amostral20 Fragmentos florestais a serem monitorados22 Diretrizes e parmetros mnimos para o monitoramento da biodiversidade24 Aves27 Mamferos de mdio e grande porte27 Flora29 Anlise dos dados30 Gerenciamento da informao

    captulo 4Diretrizes para a restaurao florestal

    34 Contexto da restaurao florestal no Corredor Central da Mata Atlntica36 Acertando o alvo: como priorizar reas para restaurao florestal37 Exemplos de resultados obtidos com a aplicao da metodologia proposta

    bibliografia

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    Produzir fibras de importncia econmica em regies

    tropicais e ao mesmo tempo proteger o meio ambiente

    uma tarefa complexa e desafiadora.

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  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    Apresentao

    Produzir fibras de importncia econmica em regies tro-picais e ao mesmo tempo proteger ecossistemas, recur-sos naturais e os meios de subsistncia das comunidades, uma tarefa complexa e desafiadora. Na Mata Atlntica, a Iniciativa Mosaicos Florestais Sustentveis (IMFS) rene empresas, organizaes da sociedade civil e instituies de pesquisa, visando estabelecer um modelo colaborativo e inovador de produo, conservao e gerao de renda.

    Esta iniciativa indita compreende trs diferentes es-calas de atuao: local/regional, nacional e global. No nvel local/regional, a IMFS atua em uma das regies de maior concentrao de atividades produtivas de base florestal e uma das reas de maior biodiversidade do mundo. neste territrio, que engloba o Extremo Sul da Bahia e o Norte do Esprito Santo, que os participan-tes desenvolvem e experimentam metodologias, proce-dimentos e prticas, para criar modelos que permitam o aperfeioamento do manejo e da sustentabilidade da produo florestal, ampliao dos servios ecossis-tmicos e gerao de renda nas comunidades locais. No nvel nacional, a IMFS difunde suas experincias, aprendizados e prticas, por intermdio de uma estreita parceria com o Dilogo Florestal brasileiro, que desde 2005 mantm um canal de comunicao e cooperao privilegiado entre ambientalistas e empresas florestais.

    No nvel global, a cooperao entre o Centro de Lide-ranas Ambientais em Negcios, da Conservation In-ternational (CI), e a Kimberly-Clark (K-C), tm a tarefa de disseminar os modelos e as prticas sustentveis desenhados e experimentados no Brasil junto rede de empresas florestais fornecedoras da K-C. CI e K-C bus-cam ainda o estreitamento de suas relaes com o The Forests Dialogue, iniciativa internacional que inspirou o Dilogo Florestal, visando utilizar seus fruns e plata-formas para difundir e discutir de forma mais ampla os resultados obtidos no nvel nacional.

    Joo Carlos AugustiEngenheiro Florestal, gerente de Meio Ambiente Florestal Corporativo, Fibria

    Luiz Paulo de Souza PintoBilogo, diretor para a Mata Atlntica,

    Conservao Internacional

    A publicao de um volume dos Cadernos do Dilogo Florestal sobre a IMFS uma consequncia natural da complementaridade entre estas duas iniciativas. Dilo-go Florestal e IMFS so frutos da disposio ao dilogo e da crena de que possvel identificar agendas co-muns entre atores aparentemente to dspares em pro-psitos e ideias. Como ocorre do Dilogo Florestal, os assuntos que so trazidos baila na IMFS so aborda-dos e analisados sob as ticas estratgica e cientfica, sem preconceitos e sem pr-definies.

    Foram planejados dois volumes dos Cadernos do Di-logo Florestal sobre as experincias da IMFS. Este o primeiro, que apresenta os avanos e inovaes em dois dos temas definidos como prioritrios pelos parti-cipantes da iniciativa: diretrizes para o monitoramento da biodiversidade e para aes de restaurao florestal.

    Partindo de um enfoque cientfico sobre a paisagem e os mosaicos florestais, a IMFS sustenta a viso de cons-truir resultados em larga escala, impactando de manei-ra positiva uma rea grande o suficiente para beneficiar uma ampla gama de espcies e ecossistemas, contri-buir para a sustentabilidade de uma atividade econmi-ca de grande importncia para a regio e o pas, e enga-jar a sociedade local no escopo dos servios ambientais e da gerao de renda. Nesta publicao, aspectos como proporo de habitat, distribuio de tamanhos de remanescentes florestais, isolamento, conectividade e efeito de borda so tratados sob a tica da ecologia de paisagens, buscando-se maximizar o potencial de ma-nuteno da biodiversidade nas diferentes escalas.

    Esperamos que a leitura e a consulta constante a esta publicao contribua para o aprimoramento dos conhe-cimentos nas reas de conservao, produo florestal sustentvel e ecologia de paisagens, associados reali-dade e potencialidade das comunidades locais.

  • 8O QUE A INICIATIVA MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

    Florestas so ecossistemas fundamentais para a manu-teno do equilbrio ecolgico e para o provimento de ser-vios ambientais dos quais depende a qualidade de vida e os meios de produo da sociedade. Plantaes arbreas homogneas, ou florestas plantadas, constituem a manei-ra mais eficiente de se produzir madeiras para os mais di-versos usos e fibras para a produo de papel e celulose.

    Por um conjunto de razes, que incluem as restries estabelecidas pelo Cdigo Florestal brasileiro e aquelas definidas pelo sistema mecanizado de plantio e colheita adotado pela maior parte das empresas de silvicultura do

    introduo

    pas, grandes extenses de terra so ocupadas hoje por um mosaico florestal que combina fragmentos e corre-dores de florestas nativas e plantaes florestais. Vastas reas, localizadas sobretudo nos estados da Bahia, Esp-rito Santo, Minas Gerais, So Paulo, Paran e Santa Cata-rina nos quais se concentra a maior parte da produo florestal brasileira apresentam uma cobertura florestal contnua, na forma de mosaicos de florestas nativas, nos seus mais diferentes estgios de sucesso, e plantaes florestais, especialmente Eucaliptus e Pinus, em diferentes fases do seu ciclo de produo.

    Esta paisagem entremeada de fragmentos florestais nati-vos e plantaes arbreas constitui um mosaico florestal que, no seu conjunto, assegura produo de divisas e de servios ambientais, proteo de solos, permeabilidade ecolgica da paisagem e gerao de oportunidades de tra-balho e renda. Tais benefcios, entretanto, vm acompa-nhados de problemas e desafios. Dentre estes, podemos destacar aqueles decorrentes da concentrao fundiria, os riscos da monodestinao econmica de grandes re-as (uma nica espcie, com base gentica clonal, cultiva-da para produzir um nico produto, principalmente vol-tado para o mercado externo) e a interferncia intensiva na paisagem florestal ocasionada pelos sucessivos e cada vez mais curtos ciclos de plantio e colheita.

    Se por um lado evidente a importncia da produo de celulose e derivados para o desenvolvimento econmico, social e cultural das sociedades humanas, por outro lado cada vez mais premente a necessidade de ampliao da adoo de prticas sustentveis avanadas ao longo de toda a sua cadeia. Inovar, validar e adotar princpios e prticas de sustentabilidade responsabilidade de todos os atores envolvidos nos mais diversos elos desta cadeia, desde os silvicultores at os consumidores, passando pe-las diferentes indstrias de processamento e pelos ataca-distas e comerciantes finais.

    Foi baseada nestas premissas e na sua responsabili-dade de disseminar prticas sustentveis de produo

    A Mata Atlntica vital para a manuteno

    de inmeros servios ambientais.

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    entre seus fornecedores que a Kimberly-Clak, empresa de origem norte-americana que a maior comprado-ra mundial de celulose, aceitou a proposta feita pelo Centro de Liderana Ambiental em Negcios (CELB, na sua sigla em ingls) da Conservao Internacional, para integrar uma iniciativa de escala mundial, com os seguintes objetivos:

    Identificar, construir e validar modelos de mo-saicos florestais sustentveis em diferentes regies produtoras de celulose.

    Desenvolver ferramentas de planejamento, co-municao e intercmbio de experincias que permitam conciliar planejamento do uso do solo, manejo florestal, conservao da biodi-versidade e proteo dos servios ambientais.

    Disseminar estes modelos bem sucedidos para todas as empresas fornecedoras de celulose.

    Para completar esta aliana entre o maior comprador mun-dial de celulose e uma das mais prestigiadas organizaes de conservao do planeta, outros parceiros estratgicos foram envolvidos. Para a escala local de atuao onde as ferramentas de planejamento integrado e manejo sustent-vel foram desenhadas e validadas tivemos o Instituto Bio-Atlntica e as empresas Fibria, Veracel e Suzano. Na escala nacional, o Dilogo Florestal foi identificado como a platafor-ma mais eficiente para disseminao destas prticas entre outras empresas que atuam no pas, tanto na Mata Atlnti-ca quando em outros biomas florestais, por intermdio dos seus fruns regionais. Para isso, contou-se tambm com a atuao estratgica da Conservao Internacional e com uma parceria com a The Nature Conservancy.

    A construo de mosaicos florestais passa pelo planejamento da paisagem.

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    O CONCEITO DE MOSAICOS FLORESTAIS

    O conceito de mosaicos florestais sustentveis reconhece os mltiplos papis desempenhados pelas florestas tropi-cais em diferentes partes do mundo. As florestas tropicais tm uma importncia crucial para o clima global, contri-buindo para mitigar as mudanas climticas atravs da absoro e do armazenamento de CO2 e da gerao de oxignio. As florestas protegem as nascentes, previnem a eroso e degradao do solo, realizam a ciclagem de gua e nutrientes, fornecem produtos florestais e servem como habitat para a maioria das espcies conhecidas. As reas de florestas tropicais tambm abrigam grandes plantaes florestais de alto rendimento, que fornecem uma propor-o crescente da demanda mundial por papel, produtos de uso pessoal e produtos de madeira de baixo custo.

    O conceito dos mosaicos florestais sustentveis consi-dera a paisagem florestal como um quebra-cabea de diferentes usos do solo, trabalhando na escala de paisa-gens para planejar as atividades produtivas e ao mesmo tempo proteger os ecossistemas florestais e os servios ambientais que estes fornecem.

    Os mosaicos florestais sustentveis encaixam as pe-as do quebra-cabea tais como reservas naturais e

    captulo 1

    reas protegidas, plantaes, reas de produo agr-cola, infraestrutura e assentamentos para criar uma paisagem que satisfaa simultaneamente vrias neces-sidades. Para atingir este objetivo, os atores envolvidos consideram uma paisagem ampla e fazem perguntas como: que reas so mais adequadas para plantaes florestais, agricultura ou pecuria? Que locais preci-samos proteger para conservar nossos recursos hdri-cos? Que locais so importantes para armazenamento de carbono? Que habitat crtico para as espcies das quais dependemos?

    Uma vez respondidas estas questes, os atores envolvi-dos trabalham juntos para planejar como os diferentes usos do solo podem se encaixar de maneira sustentvel na paisagem florestal. Examinando em detalhe todos os possveis usos da terra, procura-se assegurar que as demandas por alimentos, fibras, combustvel, servios ecossistmicos e proteo da biodiversidade sejam todas satisfeitas. Atravs do planejamento cuidadoso tanto do uso produtivo da terra quanto da conservao dentro da paisagem, a estratgia dos mosaicos contribui para maxi-mizar os potenciais de conservao e de gerao de ren-da das atividades econmicas realizadas.

    preciso analisar a paisagem para chegar ao ndice

    necessrio de restaurao florestal.

    O conceito de mosaicos

    florestais sustentveis

    reconhece os mltiplos

    papis desempenhados pelas

    florestas tropicais em

    diferentes partes do mundo.

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  • 11O equilbrio entre os

    vrios usos do solo

    garante tambm o

    equilbrio ambiental.

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    Da Teoria Prtica: PLANEJANDO E IMPLANTANDO MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS NO CORREDOR CENTRAL DA MATA ATLNTICA

    A Mata Atlntica reconhecida como um dos biomas de maior biodiversidade e tambm um dos mais ameaados do planeta. Por esta razo, apontada pelos cientistas como um dos mais relevantes hot spots1 mundiais para a conservao. Quando os primeiros europeus se estabele-ceram na costa brasileira, a Mata Atlntica ocupava mais de 1,3 milho de km2. Atualmente, menos de 16% da sua rea original ainda permanece com cobertura florestal nativa. Alm da imensa perda de habitat e biodiversidade, a Mata Atlntica atingiu um estgio avanado de fragmentao, no qual menos de 7% das florestas remanescentes esto loca-lizadas em fragmentos com mais de 100 hectares.

    Tal qual ocorre na escala planetria, os remanescentes florestais e a biodiversidade no se distribuem de manei-ra uniforme ao longo da Mata Atlntica. Algumas regies concentram a maior parte das matas remanescentes e tambm das espcies endmicas ou seja, que s ocor-rem naquele local. O Corredor Central da Mata Atlnti-ca (CCMA) uma dessas regies, sendo por isso tratada como um hot spot dentro de um hot spot. Ou seja, na escala da Mata Atlntica, o CCMA uma das regies de maior prioridade para a implantao de aes de conser-vao e recuperao florestal.

    Abrangendo as regies do Baixo Sul, Sul e Extremo Sul da Bahia e a totalidade do estado do Esprito Santo, o CCMA abrange cerca de 213.000 km2, somando suas pores marinha (37%) e terrestre (63%), estendendo-se por mais de 1.200 km ao longo da costa atlntica desses dois es-tados. A poro terrestre composta por mais de 95% de

    1 Hot Spot de conservao um termo criado por Norman Myers e seus colaboradores para definir os biomas que renem uma enorme variedade de espcies (alta biodiversidade), sendo uma parte considervel delas de ocorrncia exclusiva daquele bioma (endmicas). Alm disso, so biomas fortemente ameaados, nos quais mais de 70% da cobertura vegetal nativa foi eliminada ou sofre com perturbaes antrpicas que alteraram drasticamente seu funcionamento e equilbrio ambiental.

    captulo 2

    terras privadas, sendo o restante ocupado por unidades de conservao federais, estaduais e municipais, alm de terras e reservas indgenas.

    Se possvel destacar a rea total de abrangncia do CCMA como um hot spot dentro do hot spot da Mata Atln-tica, da mesma forma possvel apontar o seu tero m-dio, definido pelo territrio inserido entre os rios Jequiti-nhonha (ao norte) e Doce (ao sul), como uma rea-chave para as estratgias de conservao e recuperao dentro do CCMA. Esta regio, que abrange 49 municpios baianos e capixabas, equivalente a quase a metade da rea ter-restre total do CCMA, reunindo os fragmentos florestais mais expressivos no apenas do corredor, como tambm de toda a regio nordeste do Brasil, tanto em termos de tamanho quanto de diversidade e endemismo.

    Em terra, o relevo conhecido como tabuleiros costeiros (plats entremeados por vales em forma de u e em for-ma de v) favorece a conciliao entre produo agrcola e florestal (nas partes planas) com proteo dos vales, por onde correm seus crregos e rios. Na parte marinha, este trecho do CCMA constitudo pelo Banco de Abrolhos, re-gio conhecida por abrigar o complexo de recifes de corais com a maior biodiversidade de todo o Atlntico Sul.

    A importncia desta parte do CCMA pode ser entendida pela ateno que quatro dentre as oito unidades de conservao de proteo integral pblicas e mais uma Reserva Particu-lar do Patrimnio Natural obtiveram junto UNESCO. Re-conhecidas como Stios do Patrimnio Natural Mundial, es-tas unidades, juntamente com as demais reas protegidas do territrio, representam o principal habitat de inmeras espcies da biodiversidade da Mata Atlntica, muitas delas classificadas sob algum grau de ameaa, algumas com dis-tribuio restrita ao bioma ou mesmo regio.

    Chamada pelos parceiros da Iniciativa Mosaicos Florestais Sustentveis (IMFS) de Mesopotmia da Biodiversidade,

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    por ser delimitada por dois rios que constituem barreiras ecolgicas relevantes, esta regio tambm concentra as plantaes florestais e as plantas industriais de trs das maiores empresas de celulose do pas. Fibria, Suzano e Veracel somam mais de 12 mil km2, entre plantaes (aproximadamente 60% do total) e reas naturais em dife-rentes estgios de proteo ou recuperao. Isso significa que as decises destas trs empresas afetam diretamente mais de um quinto de toda a regio da mesopotmia.

    Partindo desta constatao, e a despeito dos aspectos negativos que possam advir da concentrao fundiria, sobretudo do ponto de vista scio-econmico, fica eviden-

    te a necessidade estratgica de se influenciar este pro-cesso de tomada de decises, visando principalmente o aprimoramento dos procedimentos de gesto ambiental e territorial das empresas. Por se tratar de reas que se entremeiam na paisagem com unidades de conservao pblicas e territrios indgenas alm de fragmentos flo-restais considerados ncoras2 para aes de proteo e recuperao as decises de manejo implantadas nas reas de propriedade destas empresas tornam-se ainda mais sensveis, por afetarem direta e indiretamente uma boa parte dos ecossistemas naturais remanescentes.

    Antes do incio das atividades da IMFS, em 2007, havia pouca cooperao, intercmbio e integrao de aes entre as trs empresas, nas reas de monitoramento da biodiversidade, planejamento e gesto de reas prote-gidas privadas e restaurao florestal para formao de corredores ecolgicos. Este cenrio, ainda que no repre-sentasse um risco em si para a proteo do patrimnio natural regional contanto que cada uma das empresas, individualmente, adotasse prticas conservacionistas no favorecia a obteno de ganhos de escala e de efici-

    2 reas ncoras para conservao e para recuperao florestal uma denominao adotada por C. Holvorcem e colaboradores (Natureza & Conservao, no prelo) para designar fragmentos flores-tais com ou sem status de proteo legal selecionados atravs de um conjunto de critrios envolvendo mtricas de paisagem (rea do fragmento e importncia do fragmento para a manuteno da conectividade da paisagem). Aes de conservao e restaurao florestal no interior e no entorno das reas ncoras tm, a princpio, maior probabilidade de sucesso e maior impacto sobre a biodiversi-dade do que aes similares na vizinhana de fragmentos pequenos e/ou isolados de outros fragmentos.

    O sucesso na execuo de projetos

    socioambientais depende do envolvimento

    dos vrios atores.

    A Mata Atlntica reconhecida

    como um dos biomas de maior

    biodiversidade e tambm um dos

    mais ameaados do planeta. Por

    esta razo, apontada pelos

    cientistas como um dos mais

    relevantes hot spots mundiais

    para a conservao.

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    Participantes da Iniciativa Mosaicos Florestais Sustentveis em reunio de planejamento.

    Reunio do Frum Florestal do Sul e Extremo Sul da Bahia.

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    ncia, que poderiam ser obtidas com um maior grau de integrao e cooperao pr-ativa.

    Ainda que a cooperao corporativa fosse intensiva nas reas de produo e manejo florestal, havia lacunas de integrao no planejamento e na implantao das aes de proteo de reas naturais, monitoramento da fauna e flora e diretrizes para restaurao florestal. Os melhores exemplos desta pouca integrao eram dados pelas ba-ses de dados sobre fauna e flora, construdas e alimen-tadas por cada uma das empresas, sem que houvesse a possibilidade ou uma estratgia para consolid-los e analis-los de maneira conjunta, na escala da paisagem; as diferentes metodologias adotadas por cada uma delas para coletar tais informaes, impossibilitando a integra-

    Figura 1rea de atuao das empresas florestais

    o das informaes; e as diferentes legendas para clas-sificao da vegetao, com cada empresa adotando um nome e uma definio diferente para reas com a mesma fitofisionomia e atributos naturais.

    A partir desta percepo, comum entre tcnicos e diri-gentes das trs empresas e das trs organizaes parti-cipantes, foram estabelecidas as prioridades de ao da IMFS. Como prioridade central foi definida a construo de um protocolo comum para classificao das unidades da paisagem, para o monitoramento da biodiversidade, para as aes de restaurao florestal e para o monitora-mento e controle de espcies invasoras.

    Ao longo dos ltimos quatro anos, tcnicos das empresas e das organizaes participantes, com o suporte de reno-mados especialistas em biodiversidade e ecologia de pai-sagens, realizaram vrias oficinas e reunies de trabalho, debruaram-se sobre os dados pr-existentes e realizaram novas anlises sempre validadas internamente por cada uma das empresas para definir as novas diretrizes para a gesto do patrimnio natural florestal pelas empresas.

    Com rigor cientfico e compromisso de implantao das empresas, temos agora um conjunto de diretrizes e pro-cedimentos comuns que permitiro construir, ao longo dos prximos anos, uma das mais importantes bases de informao biolgica e espacial da Mata Atlntica. Esta informao, que passar a ser coletada, armazenada, processada e analisada de acordo com um conjunto de variveis e critrios comuns, tornar possvel a integra-o dos processos de tomada de deciso e de execuo de aes em favor da biodiversidade regional.

    Em sntese, a IMFS procura integrar o planejamento e a implantao de atividades de uso do solo e de conservao das trs empresas. Visa ainda inserir elementos de con-servao nos programas de fomento florestal (incentivos, crdito e assistncia tcnica privados para apoio silvicul-tura realizada por outros proprietrios rurais). Partindo das aes que j vm sendo implantadas pelas empresas e pelas organizaes, constantemente debatidas e aper-feioadas no mbito do Frum Florestal do Sul e Extremo Sul da Bahia (instncia local do Dilogo Florestal), a IMFS visa incrementar a efetividade dos esforos de conserva-o da biodiversidade nos mosaicos florestais que combi-nam remanescentes nativos e florestas plantadas.

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    DIRETRIZES PARA MONITORAMENTO DA BIODIVERSIDADE

    Por que monitorar a biodiversidade?

    Como ocorre na maioria das florestas tropicais, a rica bio-diversidade da Mata Atlntica enfrenta srias ameaas em decorrncia das atividades humanas, particularmen-te aquelas que envolvem a destruio ou degradao de habitats naturais para viabilizar atividades econmicas, como a agropecuria e a extrao de madeiras.

    Na Mesopotmia da Biodiversidade, depois de cinco sculos de ocupao humana e aps a intensificao da explorao dos recursos naturais ocorrida nos ltimos 40 anos do sculo 20, restam apenas 11% da cobertura flo-restal original, distribuda desigualmente em milhares de fragmentos florestais de diferentes tamanhos e formas. Desde meados da dcada de 1980, as trs empresas que integram a IMFS tornaram-se as maiores proprietrias

    captulo 3

    de terras na regio, suscitando preocupaes quanto ao impacto de suas atividades sobre a biodiversidade dos fragmentos remanescentes.

    As trs empresas mantm h vrios anos programas de monitoramento da biodiversidade. Entretanto, os dados obtidos at agora no poderiam ser comparados entre si, uma vez que as metodologias de monitoramento e anli-se variavam muito de empresa para empresa. Alm disso, os locais de coleta de dados selecionados e utilizados at o momento no cobriam de forma representativa os dife-rentes tipos de vegetao, as diferentes formas do relevo da regio e as diferentes comunidades ecolgicas deter-minadas por barreiras geogrficas.

    Deste modo, ainda que recursos financeiros conside-rveis tenham sido investidos pelas empresas em seus programas individuais de monitoramento, no era poss-vel ter uma viso global de como suas atividades pode-riam estar afetando a biodiversidade da regio, na escala da paisagem.

    Com o objetivo de superar esta limitao, os participantes da IMFS decidiram unir seus talentos e conhecimentos para tornar possvel a integrao dos esforos de mo-nitoramento realizados pelas empresas, utilizando uma metodologia unificada e baseada em princpios cientfi-cos bem estabelecidos. O alvo principal desta integrao avaliar se e como as alteraes no uso do solo esto afetando a biodiversidade nos fragmentos florestais da regio, para subsidiar decises e aes que impeam ou mitiguem tais impactos.

    Este novo programa unificado de monitoramento permi-tir detectar mudanas na biodiversidade ao longo dos anos, por meio de uma rede integrada de estaes de monitoramento, distribudas por uma rea com mais de 6 milhes de hectares. Cabe ressaltar que um esforo de monitoramento da biodiversidade nesta escala uma ini-ciativa indita em toda a Mata Atlntica, assim como para a maior parte dos hot spots ao redor do planeta.

    Na Mesopotmia da

    Biodiversidade, depois de

    cinco sculos de ocupao

    humana e aps a intensificao

    da explorao dos recursos

    naturais ocorrida nos

    ltimos 40 anos do sculo

    20, restam apenas 11% da

    cobertura florestal original,

    distribuda desigualmente

    em milhares de fragmentos

    florestais de diferentes

    tamanhos e formas.

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    O que ser monitorado?

    O monitoramento da biodiversidade de uma regio to ampla quanto esta constitui um trabalho extenso, com-plexo e de alto custo, que requer um planejamento cui-dadoso, a fim de otimizar o uso dos recursos financeiros e humanos disponveis para sua implantao, de forma a extrair o mximo de informao til. Dentre os vrios aspectos a considerar na fase de planejamento, preciso dedicar um cuidado especial escolha dos indicadores de biodiversidade a serem monitorados, que influenciar de-cisivamente na definio dos protocolos de coleta e anli-se de dados a serem seguidos durante o monitoramento. importante ter em mente que os dados de monitora-mento a serem obtidos em diferentes pocas somente sero comparveis entre si se os indicadores coletados nas vrias pocas forem sempre os mesmos, e se a me-todologia de coleta no variar ao longo do tempo.

    Cada indicador de biodiversidade captura um aspecto par-ticular de um dos trs componentes do que se convencio-nou chamar de biodiversidade: composio, estrutura e funo3. Indicadores de composio so determinados pela identidade dos elementos presentes, como, por exemplo, o nmero de espcies presentes em uma rea ou o nmero de fragmentos de habitat em uma paisagem. Indicadores de estrutura procuram evidenciar padres, como as pro-pores entre as abundncias das diferentes espcies de uma comunidade, o grau de similaridade entre as com-posies de diferentes comunidades de espcies, o grau de fragmentao de um tipo de habitat ou a conectividade entre os diferentes fragmentos florestais. Finalmente, in-dicadores de funo refletem processos ecolgicos e evo-lutivos, tais como predao, colonizao, extino, invaso por espcies exticas, flutuaes populacionais, reduo da cobertura vegetal ou alteraes no uso da terra.

    Alm disso, cada indicador reflete a composio, estrutu-ra ou funo de um nvel especfico de organizao biol-gica. Por exemplo, o grau de fragmentao de um habitat florestal um indicador estrutural no nvel da paisagem, enquanto que a riqueza de espcies um indicador com-

    posicional no nvel da comunidade. O fluxo gnico seria um indicador funcional no nvel dos genes e a estrutura etria de uma populao seria um indicador estrutural no nvel das populaes.

    Assim, para acompanhar de maneira adequada como a biodiversidade se comporta ao longo do tempo e como ela responde s aes antrpicas, idealmente seria preciso escolher indicadores composicionais, estruturais e fun-cionais nos vrios nveis de organizao biolgica. No n-vel da comunidade, no suficiente produzir listas anuais das espcies presentes em uma dada rea (um indica-dor composicional); importante tambm avaliar como a distribuio das abundncias das vrias espcies da comunidade (um indicador estrutural) est se alterando ao longo do tempo (por exemplo, as espcies dominantes continuam as mesmas?), e se a comunidade est sendo invadida por espcies exticas (um indicador funcional). No nvel das populaes, no basta contar os indivduos de uma dada espcie ameaada (um indicador composi-cional); preciso entender como os indivduos da popu-lao esto distribudos no espao (um indicador estru-tural), e se existe uma dinmica de metapopulaes4 na rea sendo monitorada (um indicador funcional), com in-divduos migrando entre diferentes fragmentos florestais.

    Ao aplicar os princpios e consideraes acima ao mo-nitoramento da biodiversidade na Mesopotmia da Bio-diversidade, decidiu-se por monitorar a biodiversidade somente nos nveis de comunidades e de populaes. A deciso de no realizar o monitoramento no nvel da pai-sagem baseou-se no fato de este trabalho j estar sendo realizado por outras instituies, como a Fundao SOS Mata Atlntica, o INPE, o Ministrio do Meio Ambiente e algumas empresas do prprio setor de papel e celulose. A realizao de um monitoramento no nvel gentico foi considerada invivel, devido ao seu alto custo e ausn-

    3 Seguimos aqui a abordagem hierrquica de indicadores de bio-diversidade proposta por R.F. Noss em 1990 no artigo Indicators for monitoring biodiversity: a hierarchical approach (Conservation Biology, 4:355-364).

    4 Uma metapopulao consiste em uma populao formada por sub-populaes ou populaes locais. Em outras palavras, uma populao espacialmente estruturada. Por exemplo, quando vrias populaes locais ocupam diferentes manchas de habitat, o soma-trio destas constitui uma metapopulao, sendo que a conexo entre as populaes locais realizada por migrao. Atualmente a dinmica de metapopulaes tm sido amplamente utilizada em trabalhos de conservao de espcies raras, avaliao da evoluo da diversidade e avaliao de fluxo gnico, alm de trabalhos com controle biolgico.

  • captulo 3

    18

    cia de conhecimento suficiente na literatura cientfica para permitir a elaborao de uma proposta de monitora-mento neste nvel que possa atender ao objetivo geral do programa de monitoramento proposto.

    No nvel das comunidades, os principais indicadores de biodiversidade a serem monitorados sero determinados atravs de amostragens da avifauna presente na regio. Estudos comparativos entre vrios grupos de animais e plantas sugerem que o monitoramento de indicadores de biodiversidade ligados s aves apresenta a melhor relao custo-benefcio entre os grupos analisados. Alm disso, as trs empresas que integram a IMFS acumularam uma experincia considervel no monitoramento de aves ao longo de seus programas individuais de monitoramento.

    Alm do grupo das aves, sero tambm monitorados in-dicadores de biodiversidade de plantas e de mamferos de mdio e grande porte, que tambm apresentam boa relao custo-benefcio para fins de monitoramento e para os quais as empresas tambm possuem boa expe-rincia prvia.

    Espera-se que o monitoramento da biodiversidade per-mita caracterizar as comunidades de aves, mamferos de mdio e grande porte e plantas, produzindo listas de es-pcies presentes em cada estao de monitoramento, in-cluindo espcies ameaadas, endmicas, raras, exticas e invasoras. Espera-se tambm poder avaliar as altera-es ocorridas ao longo do tempo na estrutura das comu-nidades e nos processos ecolgicos, como, por exemplo, polinizao e disperso de sementes realizadas por aves e mamferos, acmulo de biomassa pela vegetao, etc.

    No nvel das populaes, devero ser monitoradas uma ou mais espcies ameaadas de extino presentes na rea de abrangncia monitoramento, utilizando indica-dores como a densidade populacional e parmetros que descrevem a estrutura das populaes e os processos demogrficos que nelas ocorrem. As espcies ameaa-das a serem monitoradas sero determinadas aps a obteno dos primeiros resultados do monitoramento no nvel das comunidades.

    Unidades Ambientais e desenho amostral

    Uma vez definidos os grupos de organismos que sero monitorados, preciso escolher os locais onde sero es-tabelecidas as estaes de monitoramento. Em uma pai-sagem com relevo, vegetao e composio de espcies uniformes, uma grade de estaes espaadas uniforme-mente seria perfeitamente adequada. Entretanto, a paisa-gem da Mesopotmia da Biodiversidade est longe de ser uniforme nestes trs aspectos. Existe uma variao considervel de altitude entre a faixa litornea e as serras situadas ao longo do limite oeste da regio. Estas diferen-as de altitude, juntamente com diferenas climticas, de solo e outros fatores fazem com que diferentes tipos de vegetao ocorram em diferentes partes da regio.

    Outro ponto a considerar que fragmentos florestais em diferentes elevaes e tipos de terreno podem so-

    Figura 2Estaes de amostragem das empresas

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

    19

    frer presses muito diferentes causadas pelas atividades humanas, bem como responder diferentemente a estas presses. Assim, fragmentos em terrenos ngremes e ele-vados tendem a sofrer menos com o desmatamento, se comparados com fragmentos em regies planas e baixas.

    Deste modo, somente ser possvel ter uma viso clara e no tendenciosa das variaes de biodiversidade na regio de abrangncia do monitoramento se escolhermos esta-es de monitoramento em locais que sejam representati-vos de cada um dos tipos de vegetao e formas de relevo presentes na regio. Seria tambm importante estabelecer estaes em tipos similares de vegetao e relevo situados em lados opostos das barreiras geogrficas representadas pelos rios Jequitinhonha e Doce, que delimitam a meso-potmia ao norte e ao sul, respectivamente.

    Ao tentar escolher estaes de monitoramento de biodi-versidade seguindo as diretrizes esboadas a cima, en-contra-se uma dificuldade: como definir tipos de vegeta-o? Existem diferentes classificaes para os tipos de vegetao encontrados na Mata Atlntica, baseados em padres fisionmicos, florsticos e ecolgicos.

    A classificao da vegetao na Mata Atlntica compli-cada pela presena de variaes significativas nas carac-tersticas da vegetao, determinadas por variaes de altitude e clima. Estas variaes no so abruptas, de modo que no existe uma maneira nica ou obviamen-te melhor de classificar os tipos de vegetao existentes na Mata Atlntica. Alm da legenda de vegetao oficial, proposta pelo IBGE, cada uma das trs empresas utiliza-va uma legenda prpria, o que dificultava o intercmbio de informaes relacionadas vegetao da regio, tanto entre as empresas quanto destas com outras organiza-es e pesquisadores que atuam na mesma regio.

    Resolveu-se ento construir e adotar uma legenda co-mum para a classificao da vegetao da regio. O trabalho de construo e validao em campo desta le-genda, no mbito da IMFS, comeou em 2008 e conside-rou tanto a legenda oficial proposta pelo IBGE quanto as diferenas e semelhanas entre as legendas utilizadas pelas trs empresas.

    Em 2010, uma legenda comum foi proposta por consenso e servir para orientar os tcnicos das empresas flores-

    tais a simplificar e padronizar a nomenclatura de classes nos seus mapeamentos de cobertura vegetal.

    Um dos critrios adotados para a delimitao das unida-des de paisagem para a escolha das reas para o monito-ramento foram os diferentes tipos de formao vegeta-cional, que esto relacionados com a vegetao original e com a altitude do local, como mostrado na Tabela 1.

    Uso do Solo TipologiaFormao

    (mapa de relevo)

    reas

    Naturais

    Floresta

    Ombrfila Densa

    Aluvial

    Terras Baixas

    Submontana

    Montana

    Floresta

    Ombrfila Aberta

    Aluvial

    Terras Baixas

    Submontana

    Montana

    Restinga

    Herbcea

    Arbustiva

    Arbrea

    Manguezal

    Muununga /

    Campinarana*

    Comunidades

    Aluviais

    Campo Rupestre

    Adaptado de IBGE, 1992.

    Terras Baixas: altitude at 50 m; Submontana: entre 50 m e 500 m; Montana: entre 500 e 1500 m. (Formaes vegetacionais por altitude, segundo IBGE).

    * Campinarana o termo tcnico adotado pela classificao oficial brasileira (IBGE) para denominar a tipologia vegetal muunun-ga. Ainda que o mapa oficial do IBGE no indique a presena de Campinaranas no sul da Bahia, devemos considerar a similarida-de fitofisionmica e florstica das muunungas da mesopotmia, bem como o mesmo tipo de solo (espodossolo hidromrfico - antes podzol hidromrfico - e areias quartzosas), com as Campinaranas presentes na bacia do Rio Negro.

    Tabela 1Quadro exibindo a proposta de legenda mnima unificada

  • captulo 3

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    Aps a subdiviso da rea em diferentes tipos de forma-o, agregou-se anlise as quatro unidades geomor-folgicas encontradas na regio, classificadas de acordo com a tabela 2.

    Finalmente, adicionou-se anlise um recorte definido pelas barreiras geogrficas representadas pelos rios Doce e Jequitinhonha, que subdividiu a rea de abran-gncia da anlise em trs: ao norte do rio Jequitinhonha; entre os rios Jequitinhonha e Doce (Mesopotmia da Biodiversidade); ao sul do rio Doce.

    O cruzamento das classificaes obtidas para Formao Vegetacional (figura 3), Unidades Geomorfolgicas (figura 4) e para as Barreiras Geogrficas (figura 5), resultou na definio e delimitao de 14 Unidades Ambientais (UA), as quais representam os ambientes com diferentes com-posies faunsticas e florsticas na rea em questo e foram a base para a escolha dos fragmentos-alvo para o monitoramento. O uso de ferramentas de geoprocessa-mento foi de grande importncia para a anlise e gera-o do mapa de UA (figura 6), o que permitiu uma melhor compreenso das particularidades dos ambientes e a complexidade do territrio como um todo.

    Fragmentos Florestais a Serem Monitorados

    Em cada UA foi selecionado um fragmento florestal para a implantao das estaes de monitoramento. Os fragmen-tos escolhidos esto distribudos visando contemplar a bio-diversidade existente na regio, para que a maior parte da riqueza local seja amostrada. Para tanto, o monitoramento ser implantado, em um primeiro momento, em todas as UA que tenham atuao direta das empresas e procurando representar todas as unidades ambientais delimitadas.

    CLASSE DESCRIO

    1 Barreiras

    2 Depsitos litorneos

    3 Granitides

    4 Paraba do Sul

    Figura 3Formaes vegetacionais na regio analisada, de acordo com relevo e clima

    Modificado IBGE, 1992.

    Para a seleo da localizao das estaes de monito-ramento, foram analisadas somente as reas inseridas nas propriedades das empresas, uma vez que a inteno assegurar a mxima cobertura de monitoramento com os ativos territoriais disponveis no momento. Para a es-colha dos fragmentos foram considerados quatro crit-rios: (i) rea superior a 200 hectares; (ii) vegetao pre-sente representativa da respectiva UA; (iii) fora de zonas de transio entre UA; (iv) rea classificada como de Alto Valor para Conservao (AAVC) e/ou como reas ncoras para conservao ou recuperao (ver nota 2). Naquelas unidades onde foram identificados mais de um fragmento satisfazendo os critrios acima foram considerados cri-

    Tabela 2Unidades geomorfolgicas presentes na regio analisada

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    Figura 5Barreiras Geogrficas na regio analisada

    Figura 4Unidades Geomorfolgicas na regio analisada

    Fonte: CPRM, 2002.

    Espera-se que o monitoramento da biodiversidade permita

    caracterizar as comunidades de aves, mamferos de mdio

    e grande porte e plantas, produzindo listas de espcies

    presentes em cada estao de monitoramento, incluindo

    espcies ameaadas, endmicas, raras, exticas e invasoras.

  • captulo 3

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    Figura 6Unidades Ambientais propostas para a regio analisada

    Figura 7Localizao dos fragmentos alvo para o programa de monitoramento

    a experincia acumulada ao longo dos ltimos seis anos com

    o Dilogo Florestal foi providencial e determinante. Sempre

    apostando na possibilidade de conciliao de interesses, sem em

    nenhum momento desconsiderar o rigor cientfico, chegou-se ao

    que chamamos de mnimo denominador comum.

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    trios adicionais, tais como a pr-existncia de atividades de monitoramento em um deles, facilidade de acesso ou, em ltimo caso, deciso da empresa proprietria.

    No entanto, das UA definidas na anlise, quatro no possuam fragmentos que atendessem aos quatro cri-trios de seleo apresentados acima, como pode ser visto na Figura 6. Por esta razo, apenas 10 das 14 UA sero contempladas na primeira fase do programa de monitoramento.

    Os fragmentos onde sero instaladas as estaes de mo-nitoramento so indicados na figura 7, com informaes adicionais informadas na Tabela 3.

    Diretrizes e parmetros mnimos para

    o monitoramento da biodiversidade

    O protocolo de coleta de dados foi construdo ao longo dos ltimos trs anos, contando com as recomendaes de es-

    pecialistas nos diferentes grupos considerados prioritrios e em conformidade com as estratgias e compromisso de cada uma das empresas. importante pontuar que o mes-mo representa os requisitos mnimos de monitoramento, os quais foram definidos por consenso entre os represen-tantes das empresas e das instituies participantes.

    Nem sempre foi simples a tarefa de chegar a um consenso do que seria o esforo ou o parmetro mnimo necessrio. Aten-der aos requisitos de robustez cientfica do monitoramento e ao mesmo tempo considerar as limitaes operacionais das empresas assumindo que esta atividade no faz parte diretamente do seu negcio principal demandou muita ne-gociao e validao. Nestes momentos, a experincia acu-mulada ao longo dos ltimos seis anos com o Dilogo Flo-restal foi providencial e determinante. Sempre apostando na possibilidade de conciliao de interesses, sem em nenhum momento desconsiderar o rigor cientfico, chegou-se ao que chamamos de mnimo denominador comum.

    O esforo amostral e a quantidade de variveis a serem coletadas e/ou observadas em cada uma das estaes de

    Fragmentos Alvo

    Unidade Ambiental

    rea (ha) EmpresaTipologia Vegetal predominante

    AAVC/FAVC

    RPPN

    Espcies Ameaadas, Raras ou Endmicas

    Taquara 1 2.022,2 Veracel Floresta Ombrfila Densa Sim No Sim

    Pimenteiras 2 8.166,6 Veracel Floresta Ombrfila Densa _ No _

    Enxado 3 3.656,5 Veracel Floresta Ombrfila Densa _ No _

    Rio Mucuri 4 2.159,7 Suzano Floresta Ombrfila Densa Sim Sim Sim

    Flona 5 274,3 Suzano Floresta Ombrfila Densa Sim No Sim

    Pica-pau de coleira

    6 787,8 SuzanoFloresta Estacional

    SemidecidualSim No Sim

    Cassurub 7 2.148,9 SuzanoMuununga/ Floresta

    Ombrfila DensaSim No Sim

    Santa Leopoldina

    8 208,7 Fibria Floresta Ombrfila Densa No Sim

    guas Claras 9 238,1 Fibria Floresta Ombrfila Densa Sim Sim

    Restinga de Aracruz

    10 329,2 Fibria Restinga Arbrea Sim Sim

    Tabela 3Fragmentos escolhidos para implantao das estaes de monitoramento da IMFS

  • captulo 3

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    monitoramento definidas aqui, para os trs grupos, no representa, em nenhuma hiptese, o esforo mximo que cada uma das empresas, em cooperao ou isoladamente, poder vir a implantar. Pelo contrrio, representa o mnimo comum com o qual todas se comprometem a implantar, de maneira a tornar possvel a integrao e compatibilizao das bases de dados e o processamento e anlise dos mes-mos na escala da regio como um todo, e no mais apenas no mbito de cada empresa em particular.

    No caso do nmero de estaes de monitoramento, por exemplo, a instalao de uma estao em cada Unidade

    Ambiental onde foi identificado pelo menos um fragmento alvo representa o esforo mnimo de monitoramento. Nada impede, sendo at desejvel, que uma empresa que pos-sua mais de um fragmento dentro de uma mesma Unida-de Ambiental que atenda s condies indicadas implante mais estaes de monitoramento, ampliando o esforo amostral naquela unidade. O mesmo vale para o nme-ro de horas de coleta de dados, o nmero de parcelas em cada estao e o intervalo de tempo entre uma coleta e ou-tra, que poder ser ainda menor do que o aqui definido.

    Alm disso, como j foi dito em uma seo anterior, a implantao deste programa de monitoramento, mesmo que somente com os parmetros mnimos aqui indicados, representar o maior esforo de monitoramento integra-do da biodiversidade em andamento na Mata Atlntica. Trata-se ainda de uma iniciativa indita entre empresas do setor de papel e celulose, no Brasil e no mundo. Deste modo, a IMFS cumpre sua funo de estabelecer e adotar prticas exemplares para as empresas do setor, as quais podem e devem ser replicadas em outras regies onde a silvicultura econmica seja uma atividade relevante, tan-to do ponto de vista econmico quanto ambiental.

    Aves

    Devido complexidade dos padres de biodiversidade de aves em florestas tropicais, sero utilizados dois m-todos de amostragem, a fim de obter dados estatistica-mente consistentes.

    No mtodo censo por ponto, uma srie de pontos de amostragem sero definidos em cada fragmento, e um observador experiente registrar e far a identificao, no nvel de espcie, dos indivduos visveis ou audveis em cada ponto de amostragem, em perodos de 20 minutos de observao. Estudos de campo em florestas no Hava e no sudeste do Brasil indicaram que em 20 minutos de observao possvel detectar pelo menos 90% das es-pcies presentes no local. As observaes do censo de aves sero realizadas entre meia hora e duas horas aps o nascer do sol, de modo a cobrir de forma padronizada o horrio de maior atividade das aves.

    A distribuio dos pontos de amostragem dentro de um fragmento florestal levar em conta as diferenas na fau-

    O monitoramento de mamferos ser

    realizado atravs de armadilhas

    fotogrficas e observao de vestgios.

    Car

    olin

    a Sc

    haff

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  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    na de aves existentes entre o interior e a borda do frag-mento, estando esta ltima mais exposta aos ventos e luz solar. Assim, cada fragmento ser dividido em duas partes: uma faixa exterior, que vai da borda at a metade da distncia entre a borda e o centro5, e um ncleo, que consiste no restante do fragmento, na sua poro interior definida pela faixa de borda.

    Em cada uma destas duas partes sero estabelecidos pelo menos trs pontos fixos de amostragem, demarca-dos por postes de madeira cujas coordenadas sero re-gistradas com o auxlio de um receptor GPS. Este nmero mnimo de pontos permitir que se estime a variabilidade dos resultados do censo em diferentes pontos do interior ou da borda do fragmento. Outra considerao importan-te que os pontos do censo no podem estar prximos demais entre si, para evitar que os mesmos indivduos sejam contados mais de uma vez. Uma distncia de 200

    metros entre pontos de amostragem considerada ade-quada para evitar estes problemas.

    Alguns fragmentos podem conter reas de floresta em di-ferentes estgios de sucesso ecolgica, nas quais a avi-fauna pode ser significativamente diferente. Para garantir que a amostragem de aves seja representativa destas va-riaes dentro de um mesmo fragmento, sero utilizados pelo menos trs pontos de amostragem na borda e trs pontos no interior de cada estgio sucessional que repre-sente pelo menos 20% da rea total do fragmento.

    O segundo mtodo a ser adotado para o monitoramento da fauna de aves ser o de redes ornitolgicas. Neste mtodo, redes de captura de aves sero dispostas em po-sio vertical, sustentadas por postes de madeira cujas posies sero registradas com o auxlio de um receptor GPS. Cada rede ficar estendida do nascer do sol at o meio-dia, em uma ou duas manhs em cada campanha de coleta de dados. Uma permanncia mais longa das re-des no seria produtiva, uma vez que a experincia mos-tra que as aves aprendem a evitar o local das redes.

    O monitoramento de aves um dos componentes para se avaliar o estado de conservao da biodiversidade.

    5 Esta uma descrio simplificada, pois na prtica os fragmentos tm formas complexas e assimtricas, e portanto no possuem um centro.

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    As redes sero vistoriadas periodicamente durante o pe-rodo de amostragem e as aves capturadas sero retira-das da rede assim que percebidas. Em seguida, reali-zada a identificao da espcie, o anilhamento e a coleta de dados biolgicos e biomtricos. Podero tambm ser coletadas amostras de fezes ou de sementes regurgita-das, quando possvel, a fim de obter informaes sobre os hbitos alimentares e a capacidade de disperso de sementes das vrias espcies.

    No caso de espcies ameaadas, raras ou endmicas, desejvel a coleta de sangue para anlises genticas mais elaboradas. Aps a coleta de dados e anilhamento, as aves sero liberadas.

    A disposio das redes dentro de cada fragmento flores-tal tambm requer um planejamento especial. Cada rede, com 12 metros de comprimento e cerca de 4,5 metros de

    altura, ser montada em um arranjo linear, em linhas com um total de 10 redes (figura 8), sendo cinco redes com malha de 36 mm e cinco redes com malha de 61 mm, o que permitir amostrar aves de diferentes tamanhos. Em cada fragmento, uma linha de redes ser montada na faixa exterior (borda) e outra no ncleo do fragmento.

    No caso de fragmentos que contm mais de um estgio su-cessional, duas linhas (uma na borda e outra no ncleo) se-ro montadas em cada estgio sucessional que cubra pelo menos 20% da rea do fragmento. As estacas que susten-taro as redes em cada linha sero instaladas pelo menos 15 dias antes do incio das campanhas de campo, a fim de garantir que as perturbaes avifauna causadas pela mo-vimentao e rudos decorrentes da instalao das estacas tenham cessado antes do incio efetivo da coleta de dados. Uma precauo anloga ser tomada na demarcao e pre-parao dos pontos de amostragem do censo de aves.

    Figura 8Esquema de uma linha de redes indicando a distncia entre estacas sucessivas

    Disposio das redes em uma linha estabelecida sobre um terreno com irregularidades

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    As campanhas de coleta de dados da fauna de aves pre-cisam tambm levar em conta os principais fenmenos relacionados variao sazonal, que afetam diretamente a comunidade de aves presentes na regio. Primeiramen-te, o perodo reprodutivo das aves na Mesopotmia da Biodiversidade geralmente se concentra entre agosto e fevereiro, coincidindo, a grosso modo, com o perodo mais chuvoso (outubro a abril). Alm disso, a regio recebe um fluxo significativo de aves migratrias provenientes de outras regies do Brasil e da Amrica do Sul, assim como do hemisfrio norte. A fim de capturar estes dois proces-sos dinmicos (reproduo e migrao), foram escolhidos dois perodos anuais de amostragem de aves: da segunda quinzena de maro at o final de abril e da segunda quin-zena de setembro at o final de outubro.

    Observaes realizadas de forma no-sistemtica, in-cluindo registros fortuitos de aves que no fazem parte das campanhas descritas acima, tambm sero coleta-das e armazenadas, com o objetivo de complementar as listas de espcies presentes em cada fragmento florestal.

    Mamferos de mdio e grande porte

    Para o monitoramento de mamferos de mdio e grande porte, a metodologia a ser adotada envolve a utilizao de armadilhas fotogrficas. Em cada estao de monito-ramento sero instaladas armadilhas, em posies ad-jacentes aos pontos definidos para o monitoramento da avifauna, com a mesma cobertura amostral.

    Quando da preparao das linhas das redes ornitolgi-cas (15 dias antes da campanha de aves), ser tambm efetuada a montagem das armadilhas fotogrficas. As armadilhas devem ser programadas para permanecer ativas por 15 dias consecutivos, sendo recolhidas pela equipe de amostragem de aves quando da realizao de suas observaes.

    Cada estao de monitoramento ser amostrada duas vezes ao ano, durante um perodo de 15 dias. Observa-es no-sistemticas de animais ou vestgios, incluin-do pegadas, sero realizadas como mtodos comple-mentares, produzindo dados qualitativos e contribuindo para a compilao das listas de espcies presentes em cada fragmento.

    Flora

    Ainda que no exista uma padronizao para as metodolo-gias de monitoramento da vegetao, h algum consenso indicando que eficiente e vantajoso utilizar parcelas per-manentes de monitoramento, nas quais a vegetao mo-nitorada por longos perodos (anos ou dcadas). A amos-tragem peridica de parcelas permanentes permite que sejam observadas e registradas as mudanas na estrutura da floresta, atravs de variaes na composio de esp-cies, taxa de mortalidade, recrutamento e taxas de cres-cimento e acumulao de biomassa. As parcelas perma-nentes tambm fornecem informaes sobre os padres de substituio de espcies ao longo do tempo e permitem fazer previses sobre a composio futura da floresta.

    Os tamanhos e nmero de parcelas permanentes variam muito de projeto para projeto. Em alguns casos, utiliza-se um pequeno nmero de parcelas grandes (por exemplo, com rea de 10 hectares cada), com a suposio implcita de que cada parcela amostra grande parte da variao exis-

    Para o levantamento da flora sero

    instaladas parcelas permanentes.

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    tente na vegetao da regio de interesse. No entanto, esta suposio pode no ser sempre verdadeira, e os resultados da amostragem de um nmero pequeno de parcelas gran-des pode introduzir um vis nos resultados estatsticos.

    Alternativamente, pode-se amostrar um grande nmero de parcelas pequenas. Neste caso, cada parcela amostra uma poro menor do habitat que se deseja monitorar, tendo maior probabilidade de no ser representativa do habitat como um todo. Entretanto, espera-se que esta deficincia seja contrabalanada pela presena de um grande nme-ro de parcelas, situadas em diferentes partes do habitat, que deveriam amostrar a variao existente na vegetao sobre uma rea mais ampla, reduzindo a probabilidade de que peculiaridades de certas partes do habitat introduzam tendncias ilusrias nos resultados estatsticos.

    Para o monitoramento da vegetao no mbito da IMFS optou-se por adotar um nmero relativamente grande (50) de parcelas pequenas (10 m x 10 m ou 0,01 ha.; Figura 9), cobrindo uma rea total fixa de 0,5 hectare por fragmento selecionado para o monitoramento.

    Em cada uma destas parcelas, todos os indivduos arbreos ou arbustivos com circunferncia altura do peito (CAP) maior ou igual a 15 centmetros sero identificados e medidos, seguindo um protocolo reco-mendado para a Mata Atlntica na literatura cientfica6. Cada parcela de 10 m x 10 m ter dentro dela uma sub-parcela de 2 m x 2 m (Figura 9), na qual todas as plan-tas herbceas, arbustos e regenerantes (indivduos com CAP inferior a 15 cm, incluindo rvores e arbustos jovens) sero identificados e contados. A localizao precisa de cada parcela ser registrada com o auxlio de um receptor GPS.

    A disposio das parcelas permanentes no interior de cada fragmento seguir uma lgica anloga emprega-da na disposio dos pontos de amostragem de aves e mamferos. Metade das 50 parcelas sero instaladas na faixa exterior (borda) do fragmento e a outra metade no ncleo do fragmento. Se o fragmento contiver mais de um estgio sucessional as parcelas sero distribudas de forma a amostrar todos os estgios que cubram mais de 20% do fragmento.

    Cada indivduo arbreo ser marcado com uma plaqueta de alumnio fixada com um prego galvanizado, contendo um nmero sequencial de identificao. Alm disso, o ponto exato do tronco onde foi realizada a primeira me-dio de dimetro ser marcado com tinta acrlica, para que as medies subsequentes sejam realizadas no mes-mo local. Regras bem definidas sero aplicadas na medi-o de indivduos com troncos inclinados, bifurcados ou situados em terreno inclinado. A disposio dos indiv-duos marcados dentro da parcela ser registrada com o auxlio de um croqui, de modo a facilitar a localizao dos mesmos em visitas posteriores.

    Arbustos e arvoretas (indivduos arbreos com mais de 1 metro de altura e CAP inferior a 15 centmetros) tambm sero marcados com uma plaqueta de alumnio, porm fixada com um pedao de arame de alumnio. Estes indi-vduos tero o dimetro do seu caule medido a 10 cent-metros acima do solo, com o auxlio de um paqumetro.

    Figura 9Diagrama das parcelas permanentes para monitoramento da vegetao. A = sub-parcela de 2 m x 2 m; B = parcela de 10 m x 10 m.

    6 Para detalhes, veja o captulo Mtodos de levantamento do componente arbreo-arbustivo, de M.F. Moro e F.R. Martins, no livro Fitossociologia no Brasil: Mtodos e Estudos de Casos, v. 1 (Editora da Universidade Federal de Viosa, 2011).

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    As espcies de plantas herbceas presentes nas sub-par-celas de 2 m x 2 m sero identificadas e a abundncia e cobertura de cada espcie sero estimadas visualmente.

    Alm da identificao das espcies de plantas presentes nas parcelas de monitoramento sero tambm registra-dos cdigos indicativos do estado de sanidade e qualidade das rvores (por exemplo, morta, podre, quebrada, bifurcada abaixo de 1,3 m, etc.).

    Anlise dos dados

    Uma das metas do programa de monitoramento proposto pela IMFS avaliar a evoluo dos indicadores de biodi-versidade nas regies de atuao de empresas da cadeia produtiva florestal, em longo prazo. Uma primeira tarefa ser estimar a riqueza (nmero) real de espcies de um dado grupo, a partir dos dados coletados em cada poca de monitoramento. Esta riqueza de espcies no sim-plesmente o nmero de espcies efetivamente registra-das durante as amostragens de campo. As comunidades naturais, especialmente nas florestas tropicais, contm muitas espcies raras, cada uma das quais tem uma bai-xa probabilidade de ser registrada em uma amostragem de durao e alcance limitados. Assim, o nmero real de espcies presentes em uma rea normalmente maior do que o nmero efetivamente registrado. Se o esforo amostral for suficiente, possvel estimar o nmero real de espcies a partir dos dados disponveis, utilizando uma variedade de mtodos propostos na literatura e imple-mentados em vrios softwares disponveis na internet. O mesmo processo pode ser aplicado a outros ndices de diversidade, procurando remover os efeitos do tamanho finito das amostras utilizadas.

    Uma vez estimados os ndices de diversidade em cada uma das pocas de amostragem, os participantes da IMFS pretendem detectar possveis variaes nos ndices ao longo do tempo, incluindo tendncias de longo prazo que permitam prever o estado futuro das comunidades monitoradas. Este tipo de anlise (chamado anlise de sries temporais) deve ser realizado com cautela, levan-do em conta a durao total do monitoramento j reali-zado, a distribuio das amostragens dentro do intervalo de tempo j amostrado (que dever ser aproximadamente uniforme, como recomendado na literatura estatstica) e

    a incerteza nos valores estimados dos ndices de diversi-dade. Se tais precaues no so tomadas, fcil produ-zir extrapolaes mal-fundamentadas, que indicam ten-dncias que na realidade no existem.

    A evoluo dos ndices de diversidade ao longo do tempo no fornece uma viso completa das alteraes sofridas pelas comunidades monitoradas. Por exemplo, em um ambiente perturbado, a comunidade de aves pode estar se tornando mais rica em espcies, com a substituio das espcies inicialmente presentes por outras mais re-sistentes a perturbaes. Este processo de substituio de espcies no pode ser descrito apenas pelos ndices de diversidade. Ao invs disso, pode-se analisar as pro-pores entre as abundncias das diferentes espcies, e ajust-los a modelos conhecidos, que descrevem dife-rentes esteretipos de comunidades. Por exemplo, um destes modelos descreve uma comunidade onde uma s espcie numericamente dominante, enquanto outro modelo descreve uma comunidade onde muitas espcies tm abundncias comparveis.

    Tambm possvel calcular ndices de similaridade entre as abundncias das diferentes espcies presentes na comunidade na primeira poca de amostragem e em cada uma das pocas de amostragem subsequentes. Se o

    Os critrios para o monitoramento foram

    aprovados por tcnicos das diversas reas.

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  • captulo 3

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    ndice de similaridade cai ao longo do tempo, a proporo das diferentes espcies presentes na comunidade deve estar se desviando da proporo inicialmente presente, possivelmente com a introduo de novas espcies e a perda de outras.

    Os dados da amostragem proposta para avifauna permite estimar o tamanho e a densidade das populaes das v-rias espcies. No caso dos mamferos, o mtodo proposto apresenta limitaes para estimativas de tamanho popu-lacional para a maioria das espcies, com exceo dos animais com marcas individuais naturais, o que o caso de alguns felinos como a ona-pintada (Panthera onca), a jaguatirica (Leopardus pardalis) e os gatos pequenos (Leo-pardus wiedii e L. tigrinus), todas com distribuio potencial para a rea a ser monitorada. Para estas espcies, pode ser possvel estimar suas densidades populacionais atra-vs de modelos estatsticos de captura-marcao-recap-tura e acompanhar a variao no tamanho populacional ao longo do tempo.

    Gerenciamento da informao

    A sociedade convive h muito tempo com a utilizao de padres e depende destes para o estabelecimento das relaes de troca de informao. Considerando que vi-vemos na era da informao digital, a utilizao e troca crescente de informaes, atravs de aplicativos e plata-formas digitais, tornam-se imprescindveis.

    Um programa de monitoramento tem o potencial de pro-duzir uma grande quantidade de dados que necessitam ser adequadamente armazenados, para permitir o aces-so e o processamento de forma eficiente. Para isso, fundamental estabelecer logo de incio uma estratgia de armazenamento em um banco de dados informatizado.

    Para atingir os objetivos do monitoramento da biodi-versidade proposto pela IMFS, que pressupem a re-alizao de esforos em cooperao e a tomada de deciso de maneira integrada e sinrgica entre as em-

    A anlise dos dados ser feita por equipes multidisciplinares.

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    Figura 10Exemplo de consulta a diferentes dados integrados na plataforma GeoAtlntica

    presas, com a colaborao das organizaes de con-servao e das instituies acadmicas e cientficas, imprescindvel o uso de uma plataforma comum para registro, armazenamento, atualizao, processamento e compartilhamento dos dados gerados pelo programa de monitoramento.

    Existem alguns modelos e softwares de bancos de dados construdos especificamente para armazenar e processar informaes relacionadas diversidade biolgica. Para da-dos de armadilhas fotogrficas, por exemplo, um software adequado e de fcil utilizao foi desenvolvido por Mathias Tobler, do Instituto de Pesquisa Botnica do Texas.

    Uma contribuio interessante do Brasil nesse nicho a plataforma Sistema de Informao Ambiental do Biota (SINBIOTA), desenvolvido com o objetivo de integrar infor-maes geradas pelos pesquisadores vinculados aoPro-grama Biota/Fapesp e relacion-las a uma base carto-grfica digital de qualidade. Desenhado pelo Centro de Referncia em Informao Ambiental (CRIA), com apoio de pesquisadores da FAPESP e em parceria com outras instituies, esse sistema, que referncia mundial no assunto, armazena um vasto catlogo de espcies de fau-na e flora, e contribui de maneira relevante para inme-ras pesquisas realizadas no Brasil, promovendo a difuso de informaes sobre a biodiversidade paulista para a co-munidade cientfica, tomadores de deciso, formuladores de polticas ambientais e educadores.

    O planejamento do sistema de armazenamento da infor-mao no pode ser negligenciado. necessrio um pro-tocolo bem estabelecido de coleta dos dados no campo, armazenamento rpido e em planilhas eletrnicas padro-nizadas, centralizao das informaes em um servidor com backup programado e com acesso amplo aos partici-pantes da IMFS e pesquisadores.

    Muito provavelmente, os dados do programa de monitora-mento da IMFS sero armazenados e processados por meio da plataforma GeoAtlntica7, um sistema integrado de in-formaes georreferenciadas desenvolvido e administrado pelo Instituto BioAtlntica. Lanado em julho de 2009 com apoio da Petrobras, Conservao Internacional e The Nature Conservancy, o GeoAtlntica uma plataforma que disponi-biliza na web um vasto banco de dados georreferenciados e integrados, servindo como ferramenta para consulta, plane-jamento, gesto e suporte tomada de decises.

    Alm da permisso para armazenar, atualizar e compar-tilhar as informaes do programa de monitoramento, os tcnicos das empresas e das organizaes envolvidas po-dero consultar essas informaes de maneira integrada vasta coleo de dados disponveis hoje no GeoAtlnti-ca, permitindo uma melhor compreenso do territrio e a eficincia na tomada de decises, no que tange ecologia de paisagem e conservao da biodiversidade.

    7 www.geoatlantica.org.br

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  • Aspecto geral da regio de

    influncia da Iniciativa Mosaicos

    Florestais Sustentveis.

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    DIRETRIZES PARA RESTAURAO FLORESTAL

    Contexto da restaurao florestal

    no Corredor Central da Mata Atlntica

    Alm do imenso desafio de se proteger os remanescentes florestais da Mata Atlntica, a alta taxa de fragmentao, que mantm grande parte das manchas de floresta isoladas entre si, aponta para a necessidade de investimentos em restaurao florestal, especialmente em reas crticas para o restabelecimento da conectividade na escala da paisagem.

    Vrias iniciativas de restaurao florestal vm sendo exe-cutadas ao longo do Corredor Central da Mata Atlntica (CCMA). Entretanto, ser necessrio ainda muito esforo e investimentos para ampliar significativamente a conec-tividade entre os fragmentos florestais existentes e me-lhorar a capacidade de trabalho das instituies na regio. Proprietrios rurais, grupos comunitrios, sociedade civil organizada e empresas, especialmente do setor de papel e celulose, tm se articulado para restaurar os locais mais

    captulo 4

    crticos, tanto do ponto de vista da conectividade da paisa-gem quanto do provimento de servios ambientais.

    Estima-se que mais de 60% das terras no destinadas s plantaes florestais de propriedade das trs empresas participantes da IMFS encontram-se totalmente desmata-das ou com algum grau de degradao. Em pelo menos me-tade dos casos, os impactos sobre estas reas anteriores sua aquisio pelas empresas foram to intensos que ser necessrio algum tipo de interveno para permitir, induzir ou no mnimo favorecer sua restaurao florestal.

    Ainda que as trs empresas figurem entre as principais fo-mentadoras da recuperao da Mata Atlntica no CCMA, o grupo de trabalho da IMFS identificou vrias oportunida-des para aumentar a eficincia e a efetividade destas ini-ciativas. Desde a utilizao de anlises com critrios mais precisos e cientificamente embasados para a escolha das reas a serem restauradas at a adoo de indicadores mais robustos para avaliao dos resultados da restaura-o, vrias ferramentas de planejamento e monitoramento poderiam ser desenvolvidas e adotadas, visando o aperfei-oamento da restaurao florestal realizada por elas.

    Assim como nas aes de monitoramento da biodiversida-de, tambm nos programas de restaurao florestal havia pouca, quase nenhuma, cooperao entre as empresas. Pelas mesmas razes indicadas para o caso da biodiver-sidade ampliar a escala efetiva dos resultados destas atividades e otimizar os investimentos e recursos tecnol-gicos aplicados a formulao de diretrizes comuns para a restaurao florestal foi percebida como uma prioridade.

    O entrelaamento das propriedades das empresas na paisagem regional refora a oportunidade de se integrar as atividades de planejamento, execuo e monitoramen-to da restaurao florestal. A partir deste contexto, foi apontada a necessidade de se adotar uma metodologia comum de anlise para definio das reas que serviro como referncia para a formao de corredores ecolgi-cos, em alguns casos extrapolando os limites da proprie-

    Proprietrios rurais,

    grupos comunitrios,

    sociedade civil organizada e

    empresas, especialmente do

    setor de papel e celulose, tm

    se articulado para restaurar

    os locais mais crticos,

    tanto do ponto de vista da

    conectividade da paisagem

    quanto do provimento de

    servios ambientais.

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    O envolvimento das associaes de reflorestadores

    fundamental para as aes de restaurao.

    dade de uma empresa para outra. Denominadas reas ncoras (ver nota explicativa no 2), esta priorizao de-finida a partir do cruzamento de diferentes mtricas da paisagem, por meio de uma metodologia desenvolvida pelas equipes do Instituto BioAtlntica (IBio) e do Labo-ratrio de Ecologia de Paisagem da Universidade de So Paulo (LEPaC/USP).

    Aplicada pela primeira vez na regio denominada, no mbito da IMFS, como Mesopotmia da Biodiversida-de8, esta metodologia j foi validada em outras regies apontadas como estratgicas para aes de restaura-

    Com o objetivo de reverter o atu-al quadro de degradao e recu-perar parte da cobertura flores-tal da Mata Atlntica, em abril de 2009 foi lanado o Pacto pela Restaurao da Mata Atlntica. Com mais de 200 membros, en-tre organizaes da sociedade civil, empresas, centros de pesquisa e rgos gover-namentais, o Pacto tem como objetivo principal inte-grar esforos para restaurar a Mata Atlntica em larga escala e com qualidade, promovendo simultaneamente conservao da biodiversidade, gerao de trabalho e renda, adequao legal das atividades agropecurias e proviso de servios ambientais crticos para o desen-volvimento econmico e para o bem estar de mais de 120 milhes de pessoas.

    pacto pela restaurao da mata Atlntica

    o florestal, como o caso do Corredor Ecolgico do Muriqui, no Rio de Janeiro.

    Seguindo as premissas do Pacto Pela Restaurao da Mata Atlntica (vide box), do qual todas as instituies participan-tes da IMFS fazem parte, o planejamento e implantao dos programas corporativos voltados para a recuperao da co-bertura florestal devem no apenas assegurar a regulariza-o ambiental dos imveis rurais, mas tambm a proteo dos servios ambientais e a gerao de oportunidades de trabalho e renda para os moradores locais.

    O levantamento realizado pelo Pacto para a regio da Me-sopotmia da Biodiversidade (figura 11) indicou a existn-cia de 651.015 hectares com potencial para restaurao, em reas localizadas nas margens de crregos, rios e nascen-tes e reas ocupadas por atividades com baixa aptido agr-cola. A este resultado, no entanto, sempre ser necessrio adicionar anlises mais pormenorizadas, seja pela escala de anlise adotada, seja pela no priorizao destas reas.

    8 Mesopotmia da Biodiversidade o apelido criado pela equipe do Instituto BioAtlntica, adotado no mbito da IMFS, para denominar o territrio delimitado ao norte pelo Rio Jequitinhonha, ao sul pelo Rio Doce, leste pelo Oceano Atlntico e a oeste pelas linhas de cumeada das bacias hidrogrficas destes dois rios (ou pela divisa dos estados da Bahia e Esprito Santo com Minas Gerais, dependen-do da escala de atuao). Engloba os 21 municpios do Extremo Sul da Bahia e os 28 municpios do Norte e Noroeste do Esprito Santo.

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    Sempre buscando aproveitar ao mximo as experincias prticas e as metodologias adotadas pelas instituies participantes, a IMFS propiciou a oportunidade para a re-alizao de anlises mais especficas para a definio e priorizao das reas a serem restauradas por cada uma das empresas. Ao integrar as informaes geradas pelo setor privado com os conhecimentos mais recentes da academia e das organizaes de conservao, a iniciativa oferece outro procedimento metodolgico que poder ser replicado em outras regies florestais ao redor do mun-do, nas quais sejam formados mosaicos florestais entre plantaes arbreas e remanescentes nativos.

    Acertando o alvo: como priorizar reas

    para restaurao florestal

    Nas ltimas duas dcadas, houve um aumento de pesquisas sobre os efeitos da fragmentao de habitats, o que permitiu um melhor conhecimento sobre como os fatores de degra-dao operam e afetam a persistncia da biodiversidade na paisagem. Estes estudos indicaram que o nvel de fragmen-tao dos ecossistemas naturais, quando combinado com outros efeitos de degradao (caa, incndios, extrativismo, atividades agrcolas no entorno dos fragmentos, etc.) provo-ca modificaes profundas na biodiversidade, levando a um declnio irreversvel de espcies da fauna e flora.

    Quando se planeja atividades de restaurao florestal em uma regio, muito importante otimizar o uso dos recur-sos disponveis que sero sempre limitados de forma a gerar os maiores benefcios possveis aos ecossistemas naturais. As aes de restaurao precisam ser concentra-das em locais cuidadosamente escolhidos, onde se espera que seu impacto positivo sobre o restabelecimento das co-nexes necessrias para assegurar o fluxo gnico e favore-cer a manuteno da biodiversidade seja o maior possvel.

    Visando desenhar uma metodologia que pudesse im-plantar concretamente este preceito, IBio e LEPaC/USP trabalharam em estreita cooperao, entre 2009 e 2011, para desenvolver a metodologia da definio de reas-ncoras para conservao e restaurao, permitindo es-colher os locais onde aes de restaurao e de conser-vao tero maior impacto positivo sobre a estrutura da paisagem e a biodiversidade.

    Aps experimentar diferentes tcnicas de anlise da paisa-gem, adotou-se uma metodologia baseada na teoria mate-mtica dos grafos, que seleciona os fragmentos florestais que satisfazem duas condies bsicas: so os maiores frag-mentos florestais presentes na paisagem; so os fragmentos mais importantes para a manuteno da conectividade entre os vrios fragmentos florestais da paisagem (definidos com base nos ndices provenientes da teoria do grafos).

    Deste modo, as reas-ncoras so importantes fontes de organismos que podem se movimentar entre diferentes fragmentos florestais da paisagem. Por intermdio de suas vrias conexes com fragmentos vizinhos, dispem

    Figura 11reas potenciais para restaurao florestal na Mesopotmia da Biodiversidade

    Fonte: Pacto pela Restaurao da Mata Atlntica

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

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    de caminhos atravs dos quais podem trocar organis-mos com outros fragmentos, incrementando o fluxo g-nico entre as vrias populaes existentes na paisagem.

    Recomenda-se que o grau de proteo das reas-nco-ras seja aumentado, atravs de aes de conservao (como, por exemplo, a criao de novas reas protegidas) e tambm que sejam restaurados fragmentos menores em sua vizinhana, para formao de pontes entre outros fragmentos. Ao investir na restaurao em locais criterio-samente definidos, pode-se concretizar o estabelecimento de corredores ecolgicos, que conectaro as reas-nco-ras a outros fragmentos do seu entorno, em alguns casos com esforos modestos de restaurao florestal.

    A cooperao entre IBio e LEPaC/USP foi fortalecida pela parceria com outro laboratrio de referncia da Universi-dade de So Paulo. O Laboratrio de Ecologia de Restaura-o Florestal (LERF/USP), uma das instituies que liderou os estudos realizados pelo Pacto, associou seus conheci-mentos para a aplicao da metodologia das reas-nco-ras na elaborao de diretrizes para escolha e priorizao de reas a serem restauradas pelas empresas de papel e celulose que atuam na Mesopotmia da Biodiversidade.

    Esta metodologia utiliza o conceito de reas-ncoras, dis-cutido anteriormente, e propes critrios mais refinados para a priorizao de aes de restaurao em reas de Proteo Permanente, Reservas Legais e outros tipos de reas. Abaixo descrito, de maneira resumida, o passo a passo realizado para este procedimento:

    (a) Cada empresa elaborou e disponibilizou arquivos digi-tais com as seguintes informaes: Delimitaes das reas de Preservao

    Permanente (APP). Delimitaes das Reservas Legais (RL) j averbadas. Delimitao das reas de Alto Valor

    de Conservao (AAVC). Demais fragmentos de vegetao natural

    e reas abandonadas.(b) Os polgonos mencionados acima foram sobrepostos

    ao mapa de reas-ncoras gerado pelo IBio-LEPaC, de modo a identificar fragmentos que podem formar reas de vegetao conectadas.

    (c) Com base nas informaes obtidas em (a) e dos resul-tados da anlise (b), foram identificadas as APP e RL

    a serem restauradas, nas reas de cada uma das em-presas. Para cada rea a restaurar, foram calculadas mtricas de paisagem, que permitiram quantificar o ganho de conectividade resultante da sua restaurao e o esforo necessrio para obter este ganho.

    (d) Os resultados da anlise (c) foram fornecidos s em-presas, juntamente com sugestes de critrios de priorizao das reas a restaurar, com base nas m-tricas calculadas.

    (e) As empresas podem adaptar os critrios de prioriza-o sugeridos em (d), levando em conta suas prprias estratgias, interesses, oportunidades, condicionantes legais e situaes particulares, de modo a obter uma priorizao final das reas a restaurar, aperfeioando, deste modo, suas atividades de restaurao florestal.

    importante salientar que todas as APP das propriedades das empresas devem ser eventualmente restauradas, ain-da que a tecnologia utilizada seja apenas para permitir a regenerao natural (quando h fontes de sementes pr-ximas e os impactos sofridos pela rea anteriormente sua compra no tenha sido muito intensos). A metodologia descrita acima pode ser utilizada para priorizar as aes de restaurao com base em parmetros da paisagem, em escala regional, visando melhoria da configurao e ampliao da conectividade ecolgica da paisagem.

    Exemplos de resultados obtidos com

    a aplicao da metodologia proposta

    Foram realizados alguns experimentos iniciais para testar a aplicao das diretrizes elaboradas pela IMFS em situ-aes concretas, envolvendo reas das empresas partici-pantes. Estes testes serviram tambm para aperfeioar as verses originais das diretrizes de priorizao propostas.

    Em um exerccio aplicado s reas da Veracel Celulose, foi possvel alterar a priorizao das reas que seriam restauradas em 2010, pois identificou-se que metade do quantitativo em hectares que a empresa pretendia res-taurar naquele ano deveria estar concentrado na por-o oeste das suas propriedades, devido a ausncia de cobertura florestal efetiva naquela regio. Estas reas seguiram o critrio de priorizao utilizando mapas de incremento de conectividade.

  • captulo 4

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    Para o exerccio realizado nas reas da Fibria, a empresa forneceu um arquivo contendo as classes de cobertura do solo (Figura 12), o qual foi simplificado para apenas duas classes (Figura 13): (i) reas de vegetao natural, onde foram includas todas as reas de remanescentes de vegetao, desde as reas de vrzea at as reas de vegetao arbrea em estgios iniciais e avanados de sucesso; (ii) reas a serem restauradas, onde foram in-cludas tanto as reas de RL quanto as APP.

    Inicialmente, foram calculadas as reas de cada frag-mento de vegetao e de cada regio a ser restaurada. Em seguida, simulou-se um cenrio representando a pai-sagem aps a concluso do processo de restaurao (Fi-gura 14). Para isso, todas as reas a serem restauradas

    foram classificadas como vegetao e foi calculada a rea de cada fragmento de vegetao aps a restaurao flo-restal. Desta maneira foi possvel saber a rea inicial de cada fragmento de vegetao antes da restaurao, bem como identificar as reas que aps a restaurao conec-taram mais fragmentos de vegetao j existentes.

    Aps realizar estas anlises, procurou-se estabelecer critrios de priorizao das reas a restaurar, de modo que as aes sejam iniciadas pelas reas que conecta-ro mais fragmentos de vegetao quando a restaura-o estiver concluda, fazendo com que os maiores be-nefcios da restaurao sejam atingidos nas primeiras fases dos projetos. A medida de conectividade usada para priorizar as reas de restaurao foi a quantidade

    Figura 13Identificao das reas de vegetao natural remanescente e reas a serem restauradas na paisagem

    Figura 12Detalhe de uma poro do mapa de uso do solo fornecido pela Fibria

  • Cadernos do Dilogo - Volume 3 - MOSAICOS FLORESTAIS SUSTENTVEIS

    39

    de rea adicionada ao maior fragmento, aps a restau-rao, que foi denominada ganho de rea conectada, cuja definio ilustrada na Fig. 15.

    Nesta figura, podemos verificar os fragmentos de vege-tao atuais na paisagem (fragmentos 1 a 7) e as reas que sero restauradas na paisagem (reas em verme-lho). Aps a restaurao, os fragmentos de 1 a 5 esta-ro conectados, formando apenas um fragmento maior. Podemos considerar que a rea de vegetao atualmente existente na paisagem que foi conectada equivalente a soma das reas dos fragmentos 1 a 5.

    Para determinar qual foi o ganho de rea conectada em relao situao inicial (antes da restaurao), subtra-

    mos da rea conectada final a rea do maior fragmento inicialmente existente nesta rea (fragmento 1); em ou-tras palavras, o ganho de rea conectada seria a soma das reas dos fragmentos 2 a 5.

    Outra varivel relevante na priorizao de reas para restaurao a razo entre o ganho de rea conecta-da e a rea a restaurar. Seria desejvel restaurar re-as com valores elevados desta razo, para maximizar o ganho de conectividade por hectare restaurado. Esta razo foi tambm calculada para cada fragmento no ce-nrio ps-restaurao.

    Os fragmentos cuja rea a restaurar era menor do que 10 hectares foram excludos da anlise, uma vez que, do

    Figura 14Simulao da paisagem aps a concluso da restaurao

    Figura 15Representao de uma rea que conectar os fragmentos de vegetao natural de 1 a 5 aps a concluso do processo de restaurao

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    ponto de vista operacional, pode no ser vivel ou efi-ciente restaurar muitas reas de poucos hectares. Com isso, restaram 428 fragmentos. Estes fragmentos foram priorizados pela razo entre ganho de rea conectada e rea a restaurar, em ordem decrescente. Considerando os 10 fragmentos com maiores valores desta razo, a rea total a restaurar seria de 302 hectares, com um ga-nho total de rea conectada de 546 hectares e uma rea total final de 1.667 hectares.

    Os mesmos 428 fragmentos analisados acima foram priorizados pelo ganho de rea conectada, em ordem de-crescente (quanto maior a rea conectada, maior a prio-ridade). Por esta anlise, considerando os 10 fragmentos

    com maiores ganhos de rea conectada, a rea total a restaurar seria de 722 hectares e uma rea total final de 2.723 hectares conectados.

    Em outra anlise conjunta com a equipe de SIG da Vera-cel, um mapa com as RL e as APP da empresa foi sobre-posto a um mapa de reas-ncoras para restaurao. Fo-ram escolhidas trs reas-alvo, contendo RL e APP com alto dficit de cobertura florestal, grande parte atualmen-te cobertas por pastagens, prximas a reas-ncoras (Fi-gura 16). No caso de uma destas reas-alvo (Figura 17), calculou-se que restaurando 41 hectares em RL e 17 hec-tares em APP seria possvel formar um macio florestal contnuo de 900 hectares.

    Figura 16trs reas-alvo (VIDE texto)indicadas pelos contornos azuis

    Figura 17Detalhe do mapa da Figura 16, mostrando uma das reas-alvo

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    Vistorias de campo da Iniciativa Mosaicos Florestais Sustentveis.

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    Vistoria de campo para avaliar projeto de restaurao florestal.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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