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Manual de Conservao e Interveno em Argamassas e Revestimentos Base de Cal

Maria Isabel Kanan

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Manual de Conservao e Interveno em Argamassas e Revestimentos Base de Cal

Cadernos

Maria Isabel Kanan

Tcnicos

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Programa Monumenta / Iphan

CRDITOSPresidente da Repblica do Brasil Luiz Incio Lula da Silva Ministro de Estado da Cultura Gilberto Passos Gil Moreira Presidente do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional Coordenador Nacional do Programa Monumenta Luiz Fernando de Almeida

Coordenao editorial Sylvia Maria Braga Edio Caroline Soudant Diagramao Ceci Mendes Garcia / Ronald Neri Croquis e ilustraes Arq. Peter Widmer e Arq. Julimar Pieri Fotos Maria Isabel Kanan

www.iphan.gov.br

www.monumenta.gov.br

www.cultura.gov.br

K16m Kanan, Maria Isabel Manual de conservao e interveno em argamassas e revestimentos base de cal. Braslia, DF : Iphan / Programa Monumenta, 2008. 172 p.: il.; 20cm. (Cadernos Tcnicos; 8) ISBN 978-85-7334-077-8 1. Argamassa. 2. Cal. 3. Patrimnio histrico - conservao. 4. Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. 5. Programa Monumenta. I. Ttulo. II. Srie. CDD 691.5

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SUMRIOApresentao 1. Introduo cal 1.1 1.2 1.3 1.3.1 1.3.2 1.3.3 1.4 1.5 1.5.1 1.5.2 1.5.3 1.6 Histrico Composio e funo das argamassas nas alvenarias tradicionais Critrios em obras de conservao e reconstituio de argamassas e revestimentos Comportamento da cal Comportamento do cimento Causas freqentes da deteriorao das argamassas e revestimentos Produo e ciclo da cal area Outros tipos de cal Cal dolomtica ou magnesiana Cal hidrulica natural ou artificial Materiais pozolnicos Nomenclatura da cal area 7 9 11 16 19 23 25 26 31 33 33 33 34 34

2. Caracterizao das argamassas 2.1 2.2 2.3 2.4 2.4.1 2.4.2 2.4.2.1 2.4.2.2 2.4.3 2.5 2.5.1 2.5.2 2.5.3 2.6 2.6.1 2.6.2 Introduo Caractersticas das argamassas antigas Condies prvias das anlises e coleta de amostras Determinaes analticas Avaliaes preliminares mais simples ou mais avanadas Anlise qumica quantitativa (simples e completa) Mtodo simples de anlise qumica da argamassa Mtodo completo de anlise qumica (via mida) Anlises mais avanadas e complementares Avaliaes de materiais e argamassas de reconstituio Cal virgem e hidratada Argamassas frescas (misturas) Argamassas em processo de cura Laboratrio bsico Introduo Lista bsica para montagem de um laboratrio

35 37 37 40 43 43 53 53 53 54 56 59 60 62 64 64 65

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3. Argamassas de reconstituio 3.1 3.2 3.3 3.3.1 3.3.1.1 3.3.2 3.3.3 3.3.4 3.3.5 3.3.6 3.4 3.4.1 3.4.2 3.4.3 3.4.4 3.5 3.5.1 3.5.2 Formulao de argamassas de reconstituio Parmetros que afetam as propriedades das argamassas base de cal Materiais mais apropriados para a preparao de argamassas e tintas base de cal no-hidrulica (area) Especificaes da matria-prima (cal) Processo de hidratao da cal (hidratao da cal na obra por imerso) Especificaes do agregado Especificaes de aditivos de natureza pozolnica e hidrulica Especificaes das fibras Especificaes de aditivos orgnicos Especificaes do cimento artificial como aditivo Trao e consistncia Argamassas para reintegrar partes de alvenarias e juntas Argamassas para reintegrao de ncleos e blocos de alvenarias Argamassas para capeamentos de alvenarias em runas Argamassas para rebocos de acabamento e estuques decorativos Tcnicas mais apropriadas para a aplicao de argamassas base de cal Aplicao de rebocos Aplicao de rejuntes ou argamassas de reintegrao das alvenarias

71 73 74 75 75 79 82 85 86 87 89 89 92 97 98 101 104 104 109

4. Acabamentos e pintura conservao de superfcies 4.1 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.2.1 4.2.2.2 4.2.3 4.2.4 4.3 4.3.1 4.3.2 Introduo Caiao Composio e funo Critrios para formulao Pigmentos Aditivos Preparao da caiao Aplicao da caiao Outros acabamentos Argamassas pigmentadas Argamassas de acabamento e proteo

111 113 117 117 120 121 125 127 127 129 131 133

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Programa Monumenta

4.3.3 4.4 4.4.1 4.4.2

Argamassas de reconstituio de cantarias Limpeza e consolidao Limpeza e manuteno gua de cal

135 136 136 136

5. Procedimentos para projetos e obras 5.1 5.2 5.3 Procedimentos para elaborao do projeto de conservao e reconstituio de argamassas e rebocos (diagnstico e etapas de projeto) Organizao e planejamento da obra Exemplos de experincias prticas de restauro

137 139 140 142

Anexo Protocolo - Anlise simples de argamassas Protocolo - Caracterizao do agregado de argamassas: anlise granulomtrica e cor Cal/pasta de cal Protocolo - Reatividade da cal virgem Protocolo - Solubilidade na gua Protocolo - Contedo de cal no-calcinada Protocolo - Anlise do resduo insolvel (material no-reativo contido na cal) Protocolo - Densidade Argamassa Fresca Protocolo - Teor de gua Protocolo - Trao de cal e areia Protocolo - Trabalhabilidade da argamassa e tempo de preparo Protocolo - Argamassa em processo de cura Glossrio Bibliografia

145 145 147 149 149 150 151 152 154 156 156 158 159 161 164 168

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APRESENTAO

Desde dcadas passadas, temos assistido a um interesse crescente na investigao de materiais compatveis conservao e restaurao de edificaes histricas, com o objetivo de evitar intervenes radicais, perdas e danos s valiosas estruturas patrimoniais. A cal foi um dos materiais mais importantes na construo e preservao das alvenarias tradicionais ao longo de centenas de anos. No entanto, o progressivo desaparecimento dos meios tradicionais de produo desse material e da mo-de-obra com conhecimento e habilidade tcnica, somado s facilidades que o uso do cimento trouxe ao mercado, contribuiu para que a cal fosse sendo substituda pelo cimento. Ainda que se reconheam as vantagens da cal como material compatvel e historicamente confivel, e mesmo com os avanos tcnicos realizados nos ltimos anos, seu uso ainda limitado devido falta de conhecimento tcnico. Este manual objetiva revisar critrios e avanos tcnicos que se tm alcanado na rea da conservao de argamassas e revestimentos base de cal visando melhorar as prticas de interveno no patrimnio edificado. O texto deste manual o resultado de pesquisas e cursos de que participei ou que ministrei no mbito acadmico e prtico durante e aps meu doutorado, bem como com a criao e o desenvolvimento do projeto TerracalIphan/11SR e os projetos de pesquisa no Curso de Arquitetura da Universidade do Vale do Itaja. Durante essa trajetria tive oportunidade de estar em vrios Centros de Conservao como o CRATERRE, na Frana, ICCROM, na Itlia, IAAS, na Inglaterra e o Instituto Getty de Conservao, nos Estados Unidos. Os profissionais e amigos que encontrei foram valiosos mestres para o direcionamento destes estudos. Maria Isabel Kanan

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1. Introduo cal

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011.1 - HISTRICO

INTRODUO CAL

Muitos componentes foram empregados como aglomerantes de argamassas, como a argila, o gesso e a cal. H evidncias do uso da cal desde as culturas mais antigas (antiga Grcia e Egito, bem como Incas e Maias). A disponibilidade e fcil uso fizeram com que tais materiais fossem utilizados como componentes bsicos para argamassas e rebocos. Em alguns lugares, o nvel de conhecimento chegou a produzir obras de grande valor e sofisticao artesanal. As argamassas antigas tambm foram produzidas com misturas de aglomerantes mediante a adio de agregados de natureza pozolnica, natural ou artificial, ou mesmo misturando-se cal hidrulica fabricada de calcrios impuros (calcrio argiloso). No sculo XVIII, particularmente na segunda metade, se desenvolveram as tecnologias da cal hidrulica e dos cimentos naturais. John Smeaton (1756), James Parker (1796), James Frost (1811) e Louis Vicat (1818) contriburam para o desenvolvimento dessas tecnologias. Com base nessas experincias, se chegou ao cimento Portland, patenteado na Inglaterra por Joseph Aspdin em 1824, que foi o marco do declnio das argamassas tradicionais.

Fig.1.1 Muitos edifcios maias eram decorados com diferentes tipos de imagens moldadas em estuque base de cal. Runa Maia de Edzn, Mxico.

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1. Introduo calPrograma Monumenta

Fig.1.1 Continuao.

Fig.1.2 Os Mochicas deram especial valor aos relevos decorativos e s cores das pinturas murais. Nas construes, empregaram no s argamassa de argila com areia de rio, mas tambm misturaram conchas e pedras de arenito modas. Runas Moche, norte do Peru.

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Fig.1.3 Estuques, Fez, Marrocos.

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Fig.1.4 Estuques, Yazd, Ir.

Fig.1.5 Altar e frisos moldados em estuques de cal, San Xavier del Bac, Tucson, EUA.

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No Brasil, utilizou-se a cal de conchas marinhas desde os primeiros tempos de colonizao, nas argamassas e revestimentos das construes da cidade de Salvador da Bahia, fortificaes e casarios ao longo do territrio brasileiro. Mais tarde, fabricou-se, tambm, cal de calcrios ou dolomitos ainda de forma tradicional, bem como foram importados aglomerantes hidrulicos, at que, no sculo XX a partir de 1950, surge a indstria da cal e do cimento, e desaparecem as antigas fbricas de cal de conchas tradicionalmente conhecidas por caieiras.

Fig.1.6 Antiga caieira de conchas dos Sambaquis de Santa Catarina. Laguna, SC.

Fig.1.7 Antigos muros com vestgios das argamassas de cal de conchas. Santo Antonio de Lisboa, Ilha de SC.

Fig.1.8 Cal na arquitetura domstica da Ilha de Santa Catarina. Estrada Rio Vermelho, Ilha de SC.

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1.2 - COMPOSIO E FUNO DAS ARGAMASSAS NAS ALVENARIAS TRADICIONAIS As argamassas so materiais constitudos basicamente de dois componentes: o aglomerante e o agregado. Ocasionalmente, tambm se emprega um aditivo. No passado, foram usados diferentes tipos de agregados (areias) e aditivos. A areia podia ser natural de rio, de jazida, ou mesmo de conchas, tijolos, pedras (mrmores, dolomitos) e outras fontes. Nas argamassas de cal, o tipo e a granulometria da areia vo influir na cor, textura, resistncia, porosidade e muitos outros aspectos das argamassas. A areia a ser utilizada nas argamassas de reconstituio deve ser, portanto muito bem escolhida, pois pode influir na aparncia do edifcio, bem como na porosidade (microestrutura fsica), textura, resistncia mecnica e, ainda, determinar a qualidade e a durabilidade da interveno. Os aditivos orgnicos podem estar presentes tanto nas argamassas de cal, quanto nas tintas base de cal. No passado, foram utilizados compostos orgnicos como, por exemplo, polissacardeos (mucilagem vegetal), protenas (casena do leite, clara de ovo), leos animais (peixe etc.), vegetais (linhaa) e gorduras (sebo). Tambm era comum adicionar fibras vegetais (palha) e de animais (crina, estrume), as quais contribuem nas propriedades das argamassas, influindo em sua trabalhabilidade e consistncia, no controle das retraes, na absoro e difuso da umidade e, por fim, na durabilidade e resistncia final das argamassas s intempries. Ainda se misturavam, como aditivos hidrulicos, materiais pozolnicos que modificavam a pega, a cura e outras propriedades das argamassas base de cal (ver adiante). A cal como aglutinante bsico de vrios tipos de argamassas foi extensivamente utilizada no passado em uma variedade de funes que iam desde a proteo at a decorao, mas o progressivo desaparecimento desse material e da experincia prtica de trabalhar com ele tem trazido dificuldades s obras de restaurao. Somam-se, ainda, os problemas de inadequao da maioria dos materiais disponveis no mercado. Se as alvenarias tradicionais de pedra, tijolo, taipa ou a vedao de estruturas no forem conservadas com materiais compatveis, e se estiverem expostas ao do tempo, ocorrer deteriorao mais acelerada.

Fig.1.9 Sistemas de argamassas e juntas em alvenarias de pedra. Fortes em Fernando de Noronha, Forte Orange, PE, Runas de So Loureno, RS.

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Fig.1.9 Continuao.

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1. Introduo calPrograma Monumenta

As argamassas, rebocos e acabamentos antigos base de cal desempenham importantes funes na estrutura das alvenarias tradicionais e contribuem para a aparncia, como tambm para a conservao muito eficaz do edifcio, pois impedem a deteriorao do esqueleto, ao absorverem a agresso dos agentes atmosfricos e possibilitarem a manuteno peridica1. Esse sistema de argamassas base de cal funciona como uma estrutura articulada de juntas de dilatao e deformao capaz de absorver tenses e umidade e atuar como elemento de sacrifcio do edifcio; da mesma forma, os revestimentos formam uma membrana capaz de absorver agresses atmosfricas e proteger a estrutura interior, que feita, muitas vezes, com alvenaria excessivamente porosa e irregular.

Fig. 1.10 Sistema de argamassas e juntas em estruturas enxaimel e vedaes em tijolos. Timb e Pomerode, SC.

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Fig. 1.11 Sistema de argamassas e juntas em alvenarias de tijolos aparentes. Timb, SC.

As argamassas antigas ainda guardam evidncias sobre a histria construtiva do edifcio, os mtodos e os materiais. Devem, portanto, ser preservadas pelo maior tempo possvel, como tambm usadas como parmetros na definio das argamassas de reconstituio que sero empregadas para conservar e manter periodicamente o edifcio histrico. Os tipos de argamassas de cal e seus usos mais freqentes so: Argamassas de assentamento e preenchimento das alvenarias, fundaes, pisos e at mesmo coberturas. Podem ser aplicadas fluidas para preencher vazios dos ncleos das alvenarias. Interligam os elementos das alvenarias e ajudam a dar estabilidade e distribuir cargas. Argamassas de revestimento (proteo e sacrifcio): rebocos, rejuntes e acabamentos. Oferecem proteo contra as intempries (chuva, vento, eroso, abraso), sacrificando-se para proteger o substrato. Argamassas decorativas: estuques moldados, esculpidos e pintados. Oferecem proteo e acabamento s superfcies e elementos arquitetnicos.

1.3 - CRITRIOS EM OBRAS DE CONSERVAO E RECONSTITUIO DE ARGAMASSAS E REVESTIMENTOS Conservao ou interveno, pontual ou parcial, deve ser sempre a primeira opo em vez da remoo e substituio total. Muitas vezes, os revestimentos antigos apresentam sinais de degradao somente superficiais e possvel limpar, conservar, consolidar, reparar lacunas e fissuras antes de

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realizar intervenes radicais e irreversveis. Dependendo do valor do edifcio, das caractersticas das argamassas e revestimentos e de seu estado de conservao, bem como das opes econmicas, de mo-de-obra e dos materiais disponveis, devem ser avaliadas as alternativas e definidos os critrios de interveno para a conservao e restaurao das argamassas e revestimentos das alvenarias antigas.

Fig.1.12 Intervenes de conservao de revestimentos. Budapeste, Hungria.

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Fig.1.13 Intervenes de consolidao nas Muralhas Atienza, Espanha.

Fig. 1.14 Intervenes de reparao em rendilhado de pedra, com argamassa e p de pedra. Catedral de Siguenza, Espanha.

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Quando so necessrios reparos e substituies, parciais ou totais, de argamassas, rebocos e acabamentos base de cal, dispensvel que os materiais de substituio sejam idnticos aos antigos. Ser compatvel significa conciliar propriedades fsico-qumicas e estticas sem obrigatoriamente usar materiais idnticos. A compatibilidade deve ser referente aos materiais do substrato e os em contato.

Fig.1.15 Intervenes de conservao e reparao de lacunas e fissuras, Tumacacori, Tucson, EUA.

Fig.1.16 Intervenes de reparao dos rejuntes base de cal em casas enxaimel, Pomerode, SC.

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1.3.1 Comportamento da cal Os materiais base de cal so recomendados porque mantm as caractersticas dos edifcios antigos, no alteram seu comportamento, esteticamente se harmonizam muito bem com as alvenarias tradicionais, so materiais de muita plasticidade, o que favorece seu uso em obras de restaurao, alm de serem primordiais na conservao e manuteno peridica das alvenarias tradicionais devido s suas propriedades e comportamento j mencionados no item anterior. Tambm a irregularidade dos reflexos das partculas da cal acrescida ao trabalho, colher, confere efeito nico no acabamento de rebocos e pinturas base de cal2.

Fig.1.17 Intervenes de restaurao com rebocos de cal e mucilagem de cactos. Ig. San Xavier del Bac, Tucson, EUA.

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Fig.1.18 Reconstituio dos rebocos e pinturas base de cal. Ig. S. Sebastio, SC.

Outras vantagens de se usar materiais base de cal dizem respeito ao fato de que envelhecem sem provocar danos, apresentam boa porosidade e permeabilidade, resistncia mecnica, inrcia trmica e durabilidade, quando bem feitos e mantidos. Devido ao grande volume de poros grandes, secam rpido, no retm umidade e deixam a parede respirar, o que impede a condensao da umidade nos ambientes, bem como a desagregao das alvenarias pela cristalizao dos sais no interior da parede (ocorrer na superfcie, onde podero ser retirados a seco). Devido sua resistncia mecnica compatvel e processo de cura mais lenta, permitem mais flexibilidade com todo tipo de alvenaria tradicional e, ao mesmo tempo, durabilidade. As argamassas e rebocos base de cal atuam como material de sacrifcio e, por isso, protegem a estrutura.

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Outra vantagem do emprego dos materiais base de cal sua caracterstica de manejo, pois so materiais atxicos, no poluentes e mais ecolgicos na produo, por usar temperaturas mais baixas de consumo de que o cimento. Com a cal, se pode empregar mo-de-obra local na produo dos materiais, fazer manutenes e reaplicaes peridicas mais facilmente sem danificar os substratos. Devido a essas qualidades, o emprego da cal na conservao resulta em menores custos e maior durabilidade para o edifcio antigo em longo prazo. Tambm ao longo do tempo, os contnuos ciclos de umedecimento pelas chuvas e posterior secagem provocam a dissoluo e precipitao do carbonato de clcio presente, que se deposita nas microfissuras da estrutura interna dos materiais e atua na sua recristalizao. Enfim, como j foi dito, as argamassas e rebocos base de cal formam um sistema que atua como material de sacrifcio s agresses e processos de deteriorao e, por isso, protegem a estrutura. Entre todas essas propriedades fsicas dos materiais base de cal, a estrutura dos poros exerce um papel importante favorvel na conservao das estruturas antigas, j que incide no comportamento higroscpico (movimento de gua do estado lquido para o gasoso), e no eventual mecanismo de desgaste, por diversos fatores como: sais solveis (presso de cristalizao dos sais precipitados), biodeteriorao etc. A porosidade controla tambm o contedo de gua, a penetrao do ar na estrutura da argamassa e, portanto, na velocidade de carbonatao do hidrxido de clcio3, e, por conseguinte, na resistncia compresso e na flexo e durabilidade das argamassas (ver adiante carbonatao). A durabilidade depende tambm das condies do meio ambiente e melhora mediante medidas preventivas de manuteno peridica do edifcio que detenham ou eliminem os mecanismos de deteriorao.

1.3.2 Comportamento do cimento Contrariamente cal, o uso de materiais como o cimento Portland, em casos de conservao de estruturas construdas com sistemas tradicionais, tem apresentado problemas devido incompatibilidade de propriedades que exibem essas argamassas em relao aos materiais construtivos tradicionais.

Fig.1.19 Intervenes com argamassas impermeveis: degradao do reboco de cal acima e dos adobes. So Capistrano, EUA.

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Fig.1.20 Intervenes com cimento, problemas de umidade e alterao esttica, Ig. S. Sebastio, SC.

As argamassas de cimento endurecem rapidamente, o que nem sempre uma vantagem quando aplicadas nas estruturas antigas que se acomodam lentamente s aes do tempo e das intervenes, alm de eventualmente provocarem danos a tais estruturas. Os potenciais danos causados pelas argamassas de cimento so decorrentes de sua porosidade, inferior das argamassas base de cal, e de a maior parte do volume dos poros ser formada por microporos com maior fora capilar e maior impermeabilidade, o que provoca maior reteno de umidade nas paredes. Outra dificuldade sua maior rigidez, que causa excessiva resistncia e aderncia junto aos materiais do substrato e de contato da estrutura. Esse comportamento pode causar danos aos materiais mais porosos dos sistemas construtivos antigos tais como arenitos, calcrios, tijolos artesanais, adobes e taipas, e dificuldades para que sejam retirados ou mantidos posteriormente sem causar mais leses s estruturas antigas. E, ainda, tais materiais podem alterar as caractersticas de comportamento das alvenarias quando introduzidos excessivamente, ou aplicados como argamassas fluidas na sua consolidao.

1.3.3 Causas freqentes da deteriorao das argamassas e revestimentos A gua (lquida ou slida) e os sais solveis podem causar danos s argamassas de cal, mas tambm os compostos orgnicos podem gerar deterioraes. Para compreender os mecanismos de desgaste das argamassas por tais agentes, preciso determinar sua qualidade e quantidade. Os minerais de sal solveis podem ser rapidamente transportados pela gua presente nos materiais a uma grande distncia. A cristalizao dos sais por evaporao junto s superfcies das alvenarias pode provocar tenso nas paredes dos poros de uma argamassa ou reboco. Com o tempo, repetidos

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ciclos de dissoluo e cristalizao de sais conduzem a uma falha sucessiva da estrutura de poros e, assim, causam danos visveis ao material. A eflorescncia e as manchas de umidade podem indicar a presena de sais. Alguns sais tm capacidade higroscpica, ou seja, so capazes de extrair umidade da atmosfera. Em regies com alta umidade relativa do ar, os sais podem, portanto, aparecer como manchas no reboco, pois a umidade exterior to alta que os sais se dissolvem dentro do sistema de poros. Quando a umidade ambiental baixa at certo valor, os sais se recristalizam (esse valor de umidade conhecido como umidade deliqescente e especfico para cada sal). Portanto, as manchas de umidade em alvenarias nem sempre ocorrem devido a infiltraes, mas podem ter sua origem na presena de sais higroscpicos.

Fig.1.21 Problemas de umidade acelerados por uso excessivo do cimento e contaminaes de sais e compostos orgnicos, Essaouira, El Jadida, Marrocos.

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Fig. 1.21 Continuao.

Fig. 1.22 Degradao qumica das pedras acelerada por umidade, plantas e compostos orgnicos. So Miguel das Misses e So Joo, RS.

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Fig. 1.23 Degradao da pedra acelerada por umidade e sais. Cuba.

Fig.1.24 Sais higroscpicos na recuperao de rebocos. Yazd, Ir.

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Os minerais de sal comuns pertencem ao grupo dos sulfatos, cloretos e nitratos. Os sais so transportados pela gua. A gua tambm pode provocar danos em pedras, tijolos e adobes, causando sua expanso. Os materiais porosos podem ter diferentes coeficientes de expanso quando a gua chega ao seu sistema de poros. A, ento, os materiais que apresentam grande expanso hdrica, como os base de cal e os de terra, podem se ver afetados pelos ciclos de umidade e secagem. Um acabamento base de cal sobre substrato de terra, sem uma interface, poder apresentar alteraes devido aos diferentes comportamentos expansivos. A gua alcana o maior grau de perigo quando se transforma em gelo. Os mecanismos so similares aos que ocorrem na cristalizao salina, em conseqncia, os ciclos de congelamento e descongelamento da gua dentro dos poros causaro danos.

Fig. 1.25 Cmaras de aerao para diminuir a umidade ascendente e os efeitos dos sais. Catedral de Siguenza, Espanha.

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1.4 - PRODUO E CICLO DA CAL AREA Muitas fontes de matria-prima foram utilizadas para a produo da cal, tais como conchas marinhas, corais e as rochas calcrias que apresentam alto contedo de carbonato de clcio (CaCO3). O ciclo da cal area corresponde s reaes qumicas e fsicas que a forma inicial do carbonato de clcio sofre em trs processos distintos. So eles os seguintes: 1. Calcinao: Queima do calcrio ou outras fontes de matria prima constitudas principalmente por carbonato de clcio (CaCO3). No processo, o carbonato de clcio se decompe em temperaturas acima de 850/900C, o anidrido carbnico (CO2) liberado e o xido de clcio (CaO), comumente chamado de cal virgem, se forma como resduo. 2. Hidratao: Reao do xido de clcio (CaO) com a gua e formao do hidrxido de clcio (Ca(OH)2), denominado cal hidratada. No processo, h uma reao com desprendimento de calor (reao exotrmica). 3. Carbonatao: Reao de cura da argamassa de cal no hidrulica (cal area). No processo, o hidrxido de clcio (Ca (OH)2) presente na argamassa fresca base de cal reabsorve o anidrido carbnico presente no ar e se transforma novamente em carbonato de clcio (CaCO3). O carbonato de clcio presente na argamassa curada, apesar de quimicamente similar ao CaCO3 presente na matria-prima do calcrio original, apresenta caractersticas fsicas de comportamento muito diferentes. A cura de uma argamassa base de cal ocorre em duas fases: a) b) Evaporao da gua da mistura, que resulta em uma contrao de volume da massa; Reao, relativamente lenta, do dixido de carbono (CO2) com a cal hidratada.

Essa segunda reao a que d origem ao carbonato de clcio e que resulta em um aumento da resistncia mecnica da argamassa.

Fig.1.26 Calcinao em forno tradicional. Pasta de cal hidratada por imerso em gua, peneirada e maturada em tanque. Ballenberg, Sua.

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Fig.1.26 Continuao.

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Fig.1.27 Ciclo da cal

1.5 - OUTROS TIPOS DE CAL 1.5.1 Cal dolomtica ou magnesiana Quando os calcrios para a produo de cal no apresentam somente o carbonato de clcio, mas tambm carbonato de magnsio, a cal produzida ser dolomtica ou magnesiana. A cal dolomtica tem propriedades similares s da cal area calctica, descrita acima, mas quimicamente diferente e, por isso, apresenta aspectos diversos tanto na produo como nas reaes de cura e resistncia final4. Duas caractersticas potenciais dessa cal exigem maior ateno em seu emprego no restauro: uma ter reao mais lenta de hidratao e outra que, quando aplicada em ambientes poludos ou contaminados, sofre ataque do gs SO2 (dixido de enxofre), o que provoca danos aos rebocos. As investigaes atuais com cal dolomtica revelam caractersticas de alto padro de plasticidade e reteno de gua5, o que influencia positivamente a carbonatao.

1.5.2 Cal hidrulica natural ou artificial Quando os calcrios para a produo de cal no so puros, ou seja, apresentam porcentagens de argila superiores a 25% (slica e alumina), o produto calcinado ser uma cal hidrulica natural. Dependendo da temperatura de calcinao, obtm-se compostos resultantes da reao das argilas (compostos hidrulicos) com o xido de clcio. Esses compostos silicatos e aluminatos de clcio tm a propriedade de hidratarem-se em gua e tornarem-se insolveis. A cal hidrulica tem um comportamento diferente da cal area e cura em duas fases6: a) Por rpida reao de hidratao dos compostos hidrulicos com a gua (por isso hidrulica); b) Tambm pela carbonatao, reao lenta (conforme explicado acima). A cal hidrulica apresenta diferentes graus de hidraulicidade dependendo da percentagem das argilas presentes na rocha. Quanto maiores as percentagens de argila, mais hidrulica ser. A hidraulicidade depende da quantidade de slica e alumina presente na rocha. De maneira geral, a cal hidrulica, se comparada com o cimento artificial do tipo Portland, mais permevel, mas as argamassas com ela fabricadas tm natureza mais complexa7 e, por isso, so de difcil caracterizao. No geral, so mais resistentes se comparadas com as argamassas de cal area. A cal hidrulica pode ser tambm de natureza artificial, ou seja, preparada industrialmente misturando-se cal hidratada area com componentes hidrulicos como o cimento Portland.

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1. Introduo calPrograma Monumenta

1.5.3 Materiais pozolnicos As argamassas antigas tambm foram fabricadas usando-se cal area e agregados de natureza pozolnica (presena de slica e alumina reativa), natural ou artificial, que, misturados cal na presena de gua, apresentam cura pela reao pozolnica e hidrulica, bem como pela reao de carbonatao, modificando a resistncia mecnica e as caractersticas das argamassas de cal area. As pozolanas foram originalmente denominadas assim devido ao emprego das terras contendo cinzas vulcnicas de Pozuoli, na Itlia, que apresentavam tais caractersticas, comuns a muitos outros materiais em vrios lugares do mundo. O emprego de p de tijolo como pozolana artificial em argamassas base de cal ocorreu desde o tempo dos Romanos e se manteve na Itlia at o sc. XX, onde telhas cermicas trituradas eram acrescentadas cal para fazer cocciopesto, argamassas e rebocos que usam tal tipo de componente hidrulico artificial. Nota: Pozolana qualquer material que contenha slica (SiO2) e alumina (Al2O3) reativas que, em presena da gua, reagem ou combinam-se quimicamente com a cal (temperatura ambiente), formando compostos aglutinantes (silicatos de clcio hidratados), que produzem uma pega mais rpida, bem como melhor resistncia gua. As pozolanas podem apresentar diversos graus de reatividade. Essa reatividade depender da quantidade de slica reativa, da finura da pozolana e da reatividade e pureza da cal.8

1.6 - NOMENCLATURA DA CAL AREA Nome comum Calcrio Cal virgem Cal hidratada ou apagada Cal carbonatada (curada) Qumico carbonato de clcio xido de clcio hidrxido de clcio carbonato de clcio portlandita calcita Mineralgico calcita Frmula CaCO3 CaO Ca (OH)2 CaCO3

NOTAS1 - Iglesias Martinez, et al., 2005. 2 - Cal D. Fradique. Redao: Gabriella de Barbosa Teixeira e Margarida Cunha Belm. Coordenao: Pedro Quirino da Fonseca. 3 - Van Balen, et al., 1994 e Hughes, et al., 2001. 4 - Seeley, 2000. 5 - Thompson, 1999. 6 - Boffey, et al., 1999. 7 - Lynch, 1998. 8 - Boffey, et al., 1999.

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2. Caracterizao das argamassas

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022.1 - INTRODUO

CARACTERIZAO DAS ARGAMASSAS

As intervenes de conservao e restaurao das alvenarias histricas requerem o entendimento dos materiais que sobreviveram e dos que vo ser utilizados nas obras de reconstituio, que devem ser compatveis. Com essa finalidade, importante conhecer as caractersticas das argamassas antigas, o que possvel atravs de anlises qumicas e fsicas. Amostras ntegras de argamassas e rebocos, incluindo camadas pictricas, tm sido analisadas com o objetivo de identificar caractersticas e preparar materiais de restaurao compatveis com os originais. Os ensaios e metodologias a utilizar, sejam simples ou mais avanados, dependero das necessidades e problemas de conservao e restaurao apresentados em cada obra. Na maioria das vezes, tcnicas sofisticadas, de alto custo, e resultados de pesquisas de laboratrios sem grande utilidade em prtica no se justificam. E importante saber que no possvel responder a todas as questes da investigao com um nico mtodo de anlise, mas sim por meio da combinao de mtodos e informaes recolhidas sobre o bem. Ainda que as investigaes de laboratrio possam ajudar a identificar componentes e caractersticas das argamassas antigas, nem sempre possvel obter toda a informao que se deseja ter, como por exemplo, os mtodos de preparao e de aplicao das argamassas que foram utilizados no passado. Mesmo as anlises mais sofisticadas no podem determinar todas essas informaes. Por exemplo, a proporo de gua da mistura utilizada no pode ser detectada uma vez que a argamassa j esteja curada. Tambm, nas formulaes das reconstituies de argamassas e rebocos, as exigncias podem ser significativamente diferentes das argamassas originais. Podem, por exemplo, requerer maior resistncia aos sais.

2.2 - CARACTERSTICAS DAS ARGAMASSAS ANTIGAS Em geral, as argamassas antigas apresentam caractersticas mais heterogneas na sua constituio do que as produzidas hoje, maior cristalizao na sua microestrutura, alteraes de constituintes, desgastes, presena de agentes deteriorantes, e por isso h mais dificuldade para determin-las. Uma argamassa que sobreviveu vrios sculos ou dcadas envelhece e traz mudanas em sua microestrutura devido recristalizao da calcita (carbonato de clcio) formada durante a cura da argamassa. Antigamente, as fontes de matria-prima para a produo de cal nem sempre eram to puras quanto as de hoje, e tambm os processos de calcinao, fornos e mtodos de produo eram diferentes, mais rudimentares. Por essas razes, tais argamassas podem apresentar certas quantidades mnimas de silicatos de clcio e alumina provenientes das reaes dessas impurezas com a cal durante um longo processo de cura, bem como fragmentos de cal e de carvo provenientes dos processo de calcinao e produo, alm de outras caractersticas. Porm, nem sempre interessa determinar todas as caractersticas das argamassas antigas para se produzir argamassas de reconstituio, de partes faltantes ou deterioradas. preciso definir o nvel de informaes necessrio para fundamentar as intervenes. Por isso, evidente que as argamassas de reintegrao e recuperao no vo repetir obrigatoriamente a composio original da argamassa antiga, mas devem ser formuladas de modo a compatibilizar-se com a estrutura e se adequar s suas necessidades, bem como apresentar

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2. Caracterizao das argamassasPrograma Monumenta

boa resistncia aos sais solveis e a outros agentes de degradao. Esto descritos a seguir os constituintes e as caractersticas mais comuns e importantes das argamassas antigas. 1. A determinao do tipo de aglomerante muito importante para se compreender o comportamento da argamassa e seu mecanismo de desgaste. s vezes, essa determinao fcil e direta. Mas, quando se trata de aglomerantes base de cal, que so quimicamente compostos de carbonato de clcio (CaCO3) ou tambm carbonato de magnsio (MgCO3), se o agregado for de um material tambm constitudo de carbonato de clcio, como calcrio, mrmore, dolomito, conchas marinhas, ou mesmo restos de reboco antigo triturados em forma de areia, identificar as fraes do aglomerante e do agregado com a mesma natureza qumica se torna mais difcil. importante lembrar que a cal, depois de curar, de reagir com o CO2 , se transforma quimicamente em carbonato de clcio (CaCO3 ). E, se for usado o mtodo mido de anlise qumica dissoluo por cido para determinar as fraes do aglomerante e do agregado tanto aglutinante como agregado sero dissolvidos, no sendo possvel distinguir os dois componentes (ver adiante). Ainda, se o aglomerante no for s de cal pura (CaCO3 ), mas tambm apresentar caractersticas provenientes de compostos hidrulicos, apesar de ser mais facilmente detectada a presena desses componentes, mais difcil identificar se o componente pozolana, cal hidrulica ou cimento, j que os trs apresentam similar caracterstica qumica. Torna-se difcil, em uma anlise qumica pelo mtodo mido de dissoluo com HCL, distinguir tais elementos, fazendo-se necessrio recorrer a exames microscpicos complementares. Dependendo do local e da poca, o agregado poderia ser composto de pozolana, seja tijolo em p seja terras ou argilas reativas e, ento, nessas argamassas, depois de curadas, o aglomerante no vai apresentar s o carbonato de clcio, mas tambm silicatos e aluminatos de clcio hidratados. Tambm, dependendo da origem do calcrio utilizado na produo, este poderia conter impurezas (argilas), e, como j foi dito antes, tais argamassas tambm iro apresentar silicatos hidratados de clcio. Ou mesmo, ainda, a argamassa examinada pode ter sido produzida j em poca mais recente, e pode conter cimento artificial (a partir do final do sculo XIX), alm de apresentar componentes de cimento (fases de clinquer) como aditivos. 2. Com relao ao trao, proporo do aglomerante e do agregado, as argamassas que foram preparadas base de cal area apresentam pelo menos 25 a 35% de CaCO3, o que corresponde a um trao, em volume, que varia entre 1:4 a 1:3 (cal:agregado), mas, dependendo da funo da argamassa, podem apresentar trao bem mais rico em cal (1:2 a 1:0,5). 3. Determinar as caractersticas dos agregados das argamassas antigas fundamental, j que influenciaro vrias propriedades tais como resistncia, textura, porosidade e cor. Entre os parmetros a ser caracterizados, a determinao do tipo de agregado, o tamanho e a distribuio granulomtrica, bem como a forma e a cor, todos eles so importantes. Idealmente, a areia deve apresentar uma distribuio de gros uniformemente variada, do maior ao menor tamanho, porm, as anlises das amostras antigas mostram que, muitas vezes, as propriedades das diferentes fraes variam de um local para outro. E a est a importncia que tm as anlises do agregado das argamassas antigas. A curva granulomtrica dos agregados antigos quase nunca corresponde s usadas hoje. Essa curva geralmente apresenta grande quantidade de finos, partculas menores que 0,075mm, compostos de argilas, siltes, ou componentes hidrulicos, bem como propores relativamente altas de gros maiores que 4mm. 4. Quanto composio, os agregados podem ser constitudos de areia silcica (SiO2), tijolo ou telha triturados em forma de agregado, ou agregados calcrios, conchas marinhas, fragmentos de rochas,

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ou mesmo de antigos rebocos, como j se comentou acima. Ainda, como j foi dito anteriormente, quando a areia de origem silcica, a determinao fcil de ser realizada, mas se a areia tiver tambm componentes compostos de carbonato de clcio e agregados triturados de tijolo, as determinaes sero mais difceis. 5. Os aditivos orgnicos podem estar presentes. Apesar de usados em pequenas quantidades, estes podem incidir de maneira importante na trabalhabilidade e nas propriedades fsicas e mecnicas das argamassas de cal. A sua determinao se torna muitas vezes difcil, j que as argamassas podem ter sido afetadas por microorganismos; sobretudo se continham compostos orgnicos como casena, leos, estes podem trocar de composio e influenciar na microestrutura da argamassa, criando dificuldades para as determinaes dos compostos orgnicos originais. 6. As fibras vegetais e animais tambm podem estar presentes e podem influir na retrao, resistncia e na densidade aparente da argamassa e, portanto, incidir em sua durabilidade. s vezes, til determinar a natureza das fibras, as quais podem ser facilmente identificveis a olho nu, ou atravs de microscpio. A quantidade se pode determinar a partir do peso e do volume. 7. As argamassas tambm so afetadas pela ao de agentes de deteriorao, tais como os sais solveis, os quais devem ser determinados. Muitas vezes se torna importante determinar os sais para se compreender o comportamento do desgaste e se definir o tratamento de limpeza adequado para eliminar tais agentes. Dependendo do caso, se torna importante determinar a qualidade, a quantidade e a profundidade na alvenaria, bem como a origem desses sais (materiais, solo, ar). Os sais se solubilizam em diferentes temperaturas e determinar o tipo do sal pode ajudar a entender o processo de deteriorao e, mesmo que seja mais difcil elimin-los por completo, se pode diminuir seu impacto sobre as estruturas. 8. A caracterizao da resistncia mecnica das argamassas antigas em amostras de tamanho reduzido problemtica e, geralmente, s pode ser estimada. Apenas quando se consegue retirar uma amostra de boa quantidade que ser possvel determinar a resistncia compresso, mas tal procedimento nem sempre possvel em edifcios antigos. Por essa razo, geralmente, s se pode estimar a resistncia mecnica a partir de outros parmetros como a composio das argamassas, sua densidade aparente e a distribuio do tamanho das partculas de areia. Uma alternativa para definir a argamassa seria caracterizar os elementos das alvenarias e determinar as caractersticas compatveis das argamassas. 9. Entre as propriedades e caractersticas fsicas das argamassas de cal, a porosidade um importante parmetro a se considerar, j que incide no comportamento higroscpico (transferncia de gua em estado lquido e gasoso), nos mecanismos de desgaste (presso da cristalizao dos sais precipitados), na resistncia (a compresso e flexo) e durabilidade das argamassas. A porosidade controla o contedo de gua (reteno e evaporao da umidade), a penetrao do ar na estrutura da argamassa e, portanto, tambm a carbonatao do hidrxido de clcio1. A porosidade pode ser determinada ou avaliada medindo-se a porosidade total e a absoro capilar. As argamassas de cal geralmente tm maior quantidade de poros de maior dimetro, absorvem mais rapidamente a gua, tm menor ascenso capilar (entre 40 a 90cm), mas secam mais rapidamente; enquanto que as de cimento geralmente tm maior quantidade de poros de menor dimetro, absorvem mais lentamente gua, tm maior ascenso capilar (podem chegar a 2m) e tendem a reter por mais tempo a gua.

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2.3 - CONDIES PRVIAS DAS ANLISES E COLETA DE AMOSTRAS Com o objetivo prtico de conhecer a composio aproximada das argamassas histricas, ou seja, propores de cal e areia (aglomerante e agregado), podem ser realizadas anlises que sirvam para orientar as novas formulaes. Para tal, preciso utilizar amostras ntegras e representativas das argamassas e/ou de rebocos antigos, incluindo ou no os acabamentos pictricos. Uma condio prvia s anlises das argamassas antigas ter objetivos claros e completa documentao das amostras. A documentao em campo dos materiais baseada em inspeo visual das reas, a observao mediante o uso de instrumentos simples, como lupas, e algumas prospeces para identificar a estratigrafia e a natureza das argamassas, representam um passo importante na interveno, j que permitem uma avaliao preliminar do estado de conservao e da natureza das argamassas. Para se realizar uma boa investigao das argamassas, certos procedimentos para documentar e coletar amostras so recomendados.

As orientaes para esses procedimentos so apresentadas a seguir: 1. Definio do objetivo da investigao, ou seja, definir a ou as anlises a realizar e limitar o nmero de amostras a tirar e sua quantidade mnima indispensvel, porm assegurando-se de que as amostras sejam representativas. 2. Completa documentao do edifcio, que deve incluir informaes sobre localizao, data da construo, reparaes e intervenes anteriores, assim como as condies fsicas das reas em anlise, tais como pontos visveis de deteriorao, presena de manchas de umidade, eflorescncias, biocolonizao e outras alteraes. 3. Completa documentao das coletas. fundamental documentar a retirada das amostras com fotografias, desenhos ou esboos para registrar sua localizao, assim como incluir uma descrio macroscpica (estratigrafia, textura etc.) e com lupa de 10X do aspecto e das condies da amostra. 4. Correta quantidade das amostras, as quais devem variar entre 20 a 300 gramas. Porm, com cerca de 150g j se pode efetuar um programa bastante completo de anlises. evidente que, se o profissional retira amostra muito grande ou muitas amostras, isso resulta em dano esttico ao edifcio, alm de perda de material histrico e documental. 5. Equipamento apropriado de coleta das amostras. As amostras podem ser retiradas com um pequeno cinzel (cortador, estilete, talhadeira) e um martelo, e guardadas em sacos plsticos selados ou recipientes com tampa hermtica, limpos e secos. As embalagens contendo as amostras devem ser rotuladas indicando-se o nmero da amostra, identificao do edifcio, local da retirada, data de coleta e nome do responsvel. No registro das amostras, deve-se tomar nota tambm da hora da coleta e das condies climticas (ensolarado, chuvoso, ventoso e, se possvel, a direo do vento), bem como a posio das fachadas, se norte, sul, leste ou oeste.

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Fig. 2.1 Coleta de amostras Ig. S. Xavier Del Bac pela equipe do Instituto de Conservao Getty.

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Fig.2.1 Continuao.

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2.4 - DETERMINAES ANALTICAS Em muitos casos, mtodos mais simples podem ser apropriados para as determinaes das caractersticas das argamassas. A anlise qumica quantitativa (via mida) foi bastante utilizada no passado e, ainda hoje, pode dar informaes importantes sobre as caractersticas qumicas dos componentes. No entanto, quando se necessita determinar a origem dos aditivos hidrulicos que apresentam natureza qumica similar ou tambm determinar diferenas entre aglomerante e agregados de mesma natureza qumica, esse mtodo apresenta limitaes. Ento, geralmente se combinam dois ou trs mtodos e tcnicas de anlises instrumentais para caracterizar uma argamassa. E em alguns laboratrios j no se realiza o mtodo de anlise qumica via mida para as determinaes da composio qumica dos componentes, mas sim as tcnicas de anlises instrumentais (veja adiante). Com esse nvel analtico, possvel identificar e distinguir componentes quimicamente similares, determinar caractersticas fsicas (microestrutura, distribuio de poros) e mineralgicas e obter caracterizaes mais completas e mais precisas sobre as argamassas.

2.4.1 Avaliaes preliminares mais simples ou mais avanadas Geralmente, o passo inicial de qualquer exame em uma argamassa antiga, seja em campo ou em laboratrio mais simples ou mais avanado, a observao visual e a descrio das caractersticas do material. Os exames preliminares podem ser realizados em campo ou em laboratrios menores, de maneira mais simples, com o uso de lupas, algumas peneiras, balana e reagentes ou com maior preciso em laboratrios completos. Eles podem no s ajudar a identificar as caractersticas das argamassas quando no possvel realizar anlises laboratoriais, como tambm ajudar a definir quais mtodos de anlise so necessrios para determinar componentes e caractersticas. Dependendo do laboratrio, geralmente existe, e conveniente, um arquivo para guardar apropriadamente as amostras, bem como um banco de dados contendo informaes dos exames preliminares e das anlises. Os passos preliminares para essas avaliaes esto relacionados abaixo.

Passo 1 inicial (com ou sem laboratrio) 1. Selecionar uma amostra ntegra e registrar as informaes bsicas em uma ficha. A ficha deve ser elaborada de forma a conter dados sobre a origem da amostra (identificao), descrio das caractersticas visuais, recomendaes e espaos para futuros registros das anlises. 2. Secar a amostra em estufa ou deixar evaporar a umidade. Secar e pesar repetidamente at que o peso da amostragem seja constante. A temperatura geralmente recomendada a de 110C, mas, quando a argamassa tem gesso como um dos componentes, se recomenda primeiro secar temperatura de 40C (a diferena de peso da amostra seca aos 40C e depois aos 110C um dos mtodos para determinar a presena de gesso). 3. Fotografar a amostra. Se possvel, com o uso de uma boa cmera digital (macrofotografia). A fotografia deve incluir escala dimensional e, de preferncia, mostrar importantes sees da amostra, geralmente o corte estratigrfico. 4. Observar a amostra com o auxlio de lupas (7X a 10X) e descrever suas caractersticas: cor, textura dos gros de areia, presena de fibras, resistncia, estratigrafia das camadas de reboco e pictricas

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etc. Nesta etapa, possvel fazer testes muito simples que ajudam a avaliar preliminarmente as caractersticas da argamassa ou a definir outras etapas de anlises. Esses so os seguintes: Desagregar um pequeno fragmento de argamassa com os dedos e avaliar o tipo de aglomerante e sua resistncia. Pingar uma gota de cido clordrico ou muritico sobre uma parte da amostra da argamassa e observar a reao. A efervescncia um indicador da presena de carbonato de clcio, ou seja, cal, na argamassa. Identificar a cor com Escala de cores Munsell (para solos) pode ser til para identificar preliminarmente o agregado ou as camadas pictricas. Pingar gua em uma amostra e observar a absoro indica muito preliminarmente porosidade e permeabilidade da amostra, apesar de que a absoro de gua na horizontal depende tanto da absoro capilar como da presso da gua na superfcie (permeabilidade do material). Pesar uma amostra e depois submergi-la em gua por um perodo de 24 horas e pesar novamente vai indicar de maneira muito simples a porosidade total de uma argamassa. A quantidade de gua total que uma argamassa absorve uma indicao da porosidade total aberta de

Fig. 2.2 Passos iniciais para analisar argamassas antigas: observar in loco, observar com lupas, documentar, observar absoro de gua; se possvel, usar microscpio.

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um fragmento, apesar de que o processo depende mais de que tudo da distribuio do tamanho dos poros. Desagregar um fragmento da amostra com a ajuda de um socador com ponta de borracha (ou martelo de borracha), a parte mais fina corresponde ao aglutinante e a mais grossa areia. Com a amostra desagregada, podem-se fazer as seguintes avaliaes: - Passar a amostra entre os dedos e avaliar preliminarmente suas caractersticas granulomtricas, mais grossa ou mais fina. Ou, com a ajuda de uma ou mais peneiras de malha fina, mdia ou grossa (ver adiante) possvel separar as fraes fina, mdia e grossa da amostra. A frao mais fina abaixo da malha de 0,075mm corresponde ao aglomerante e finos, as fraes acima so de areia, nas suas diversas granulometrias. - Misturar com gua a amostra desintegrada; as partculas em suspenso correspondem ao aglomerante (mais finas), e as sedimentadas areia. Neste teste, pode-se avaliar empiricamente a presena de areia carbontica, dissolvendo-se a areia que restou da amostra com cido clordrico ou muritico e avaliando visualmente a proporo de areia silcica que resta. Se restar muito pouco, isso indica que parte da areia no era silcica, mas carbontica, ou seja, de calcrio, conchas marinhas, mrmore ou qualquer outro material que tenha carbonato de clcio ou carbonato de magnsio na sua composio qumica2. - Tambm, ao misturar com gua a amostra desintegrada, pode-se observar a presena de fibras em suspenso que podem ser retiradas, secas e avaliadas preliminarmente.

Fig.2.3 Desagregar fragmentos de argamassas e avaliar empiricamente a granulometria, aglutinante e volume e granulometria do agregado por dissoluo com cido clordrico ou muriatico. Ig. N.S. das Correntes, Penedo, AL.

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Fig. 2.4. Equipamento em teste para separar o aglutinante do agregado composto de partculas carbonticas. Instituto de Conservao Getty.

Passo 2 intermedirio (laboratrios simples, se possvel com microscpios) 1. Preparar corte estratigrfico e observar com microscpio. Impregnar um fragmento de argamassa ou reboco com resina acrlica e polir a superfcie estratigrfica e, em seguida, observar as caractersticas da amostra3. Esses exames podem ser realizados com lupas ou com o auxlio de microscpio. Os exames dessas sees estratigrficas polidas atravs de um microscpio ajudam muito a identificar ainda mais as caractersticas fsicas: a distribuio dos gros, presena de fibras, aderncia do aglomerante ao inerte, estratigrafia dos rebocos e das camadas pictricas, bem como outras identificaes. As sees polidas observadas em microscpio estereoscpico de luz refletida (e com par de olhetes), e as microfotografias que possam ser feitas com cmeras acopladas a esses microscpios,

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podem ajudar muito a determinar a estratigrafia das camadas de reboco e as pictricas, bem como caractersticas e reas da amostra a serem melhor examinadas atravs da microscopia eletrnica de varredura e de luz polarizada.

Fig. 2.5 Macrofotografias digitais: preparao de cortes estratigrficos.

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Fig. 2.6 Preparao de cortes estratigrficos com resina e posterior polimento. Instituto de Conservao Getty.

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Fig. 2.7 Observao em microscpio estereoscpico com par de olhetes e microfotografias.

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2. Determinar a porosidade por absoro capilar. As anlises para determinar a porosidade de uma argamassa atravs das medies de absoro capilar podem ser realizadas in situ por meio de testes simples com cachimbos graduados para medir permeabilidade (tubos Karsten) ou em laboratrio atravs da determinao da curva de absoro capilar, absoro por imerso total (porosidade aparente), curva de secagem, e posterior determinao do coeficiente de absoro capilar do material e do contedo crtico de gua de uma amostra. Esse conceito de contedo crtico importante para compreender a resistncia da argamassa frente gua, pois indica o ponto crtico de absoro de gua, acima do qual haver transporte livre de sais e eflorescncias4. Estas determinaes sero tambm muito importantes de serem realizadas no momento de definir as argamassas de reconstituio (veja a seguir), e podem tambm ser feitas nas pedras, tijolos e adobes das alvenarias. As medies entre estes elementos das alvenarias e as argamassas devem apresentar valores compatveis.

Fig. 2.8 Curva de absoro capilar: tubos Karsten e em laboratrio. So Miguel das Misses e Instituto de Conservao Getty.

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Fig. 2.8 Continuao.

Passo 3 mais avanado (s em laboratrio com microscpio de luz polarizada) 1. Preparar cortes delgados das sees estratigrficas impregnadas com resina, os quais s podem ser preparados com equipamentos e em laboratrios especializados, e observar com microscpico de luz polarizada. Neste nvel, podem-se determinar aglomerantes, agregados, caractersticas fsicas, diferenas mineralgicas entre componentes similares quimicamente etc. Pode-se avaliar, diretamente, por observao das lminas, a porosidade total e a distribuio dos poros (poros grandes). Alguns laboratrios usam este exame como passo preliminar para definir se h necessidade de outras anlises ou no, e quais devem ser realizadas5.

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Fig. 2.9 Observao de lminas delgadas em microscpio de luz polarizada. Instituto de Conservao Getty.

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2.4.2 Anlise qumica quantitativa (simples e completa) A anlise qumica quantitativa geralmente usada para determinar o tipo e a quantidade do aglomerante presente na argamassa, e para se determinar posteriormente outros componentes como sais, a granulometria dos resduos no solveis etc. Essa anlise feita dissolvendo-se a argamassa em soluo cida e determinando-se os diversos componentes ou combinaes qumicas presentes no material solvel. Como j foi dito anteriormente, o problema deste mtodo de anlise qumica (via mida) est na dificuldade de diferenciar o aglomerante de outros componentes potencialmente solveis em cido que sejam quimicamente similares, como, por exemplo, os agregados calcrios. Portanto, em laboratrios mais completos, uma anlise qumica deve ser, sempre que possvel, acompanhada de uma anlise tica, como a microscopia de lminas delgadas para ajudar a diferenciar componentes similares quimicamente. Da mesma forma, a anlise de uma argamassa de cal pura relativamente simples; no entanto, se a argamassa apresentar aditivos hidrulicos, e se h necessidade de se determinar a origem desses componentes, este mtodo de anlise qumica apresenta limitaes. Com este mtodo, mesmo que se possa at confirmar a presena de pozolana6, ainda difcil distinguir outros componentes hidrulicos como cal hidrulica e o cimento. E para este fim, se necessita em paralelo realizar uma anlise microscpica. Na atualidade, empregam-se e se adotam tcnicas instrumentais de diferentes nveis de complexidade para solucionar este problema7. Os protocolos e metodologias de ensaio para determinar anlises qumicas mais simples ou mais completas com argamassas de cal pura e as com aditivos hidrulicos contam com diferentes procedimentos e nveis de anlise como os apresentados por Teutonico (1988), Blaeuer Boehm (1999) e Van Balen (1999).

2.4.2.1 Mtodo simples de anlise qumica da argamassa O mtodo simples de anlise qumica para determinar as propores dos componentes de uma argamassa baseado na dissoluo dos componentes constitudos de carbonato de clcio ou magnsio (CaCO3 ou MgCaO3) em cido clordrico (HCl14%). O aglomerante pode ser determinado pela diferena do peso total da argamassa menos o peso da areia e dos finos no solveis no cido (partculas menores no solveis). No final, a cor, caractersticas fsicas da areia e sua granulometria podem ser determinadas, o que representa um importante parmetro para a formulao das novas argamassas de reconstituio. E, dependendo das caractersticas visuais da efervescncia da argamassa desagregada com o cido, da quantidade de finos (se maior que 7%) e da quantidade de areia silcica, se podem estimar tambm caractersticas do aglomerante e do tipo de areia. Esse ensaio simples da argamassa descrito por Teutonico (1988) e pode ser realizado em laboratrio mais simples, ou mesmo adaptado para situaes em campo. Veja no anexo o ensaio para uma anlise simples de uma argamassa. Parte das etapas de uma anlise completa tambm so realizadas no mtodo mais simples.

2.4.2.2 Mtodo completo de anlise qumica (via mida) O mtodo completo para determinar a composio qumica de uma argamassa baseado na dissoluo dos componentes calcrios em cido clordrico (HCl14%) e posteriores determinaes das

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2. Caracterizao das argamassasPrograma Monumenta

fraes solveis no cido (aglomerante, componentes hidrulicos, sais solveis, slica solvel do aditivo hidrulico e os resduos no solveis (areia silcica). A efervescncia representa a parte voltil da frao calcria, ou seja, o dixido de carbono (CO2) que liberado quando atacado pelo cido e, conforme o laboratrio, pode ser medida. Em alguns laboratrios, se calcula a quantidade total do aglomerante medindo-se o volume da parte voltil (CO2) com um aparelho chamado calcmetro. Tambm so determinados, como dito acima, os componentes presentes na frao solvel pela anlise qumica dos solveis, como os quantitativos de CaO, ou MgO, sais solveis (cloretos, nitratos e sulfatos) e componentes hidrulicos (aluminatos de ferro) e slica solvel (SiO2) do aglomerante e agregado. Esses componentes tambm podem ser determinados pelo mtodo de anlise denominado espectroscopia de absoro atmica. A soma das partculas solveis mais os resduos insolveis chega normalmente a resultados entre 94% a 100%, caso seja uma argamassa de cal pura; uma porcentagem inferior indicar que a argamassa no de cal pura8. As partculas insolveis so lavadas vrias vezes (pelo menos 3 vezes), filtradas e postas para secar (105+/-5C). Os resduos insolveis, principalmente agregado de silcio, so pesados e so determinadas a granulometria da areia e a frao de finos (resduos insolveis < 0,075mm). A areia pesada nos diferentes tamanhos das malhas das peneiras e so calculadas as percentagens do que retido e do que passa na peneira. Os percentuais so usados para construir grficos e comparar a distribuio granulomtrica das partculas de areia. Emprega-se um conjunto de peneiras cujas aberturas das malhas correspondem aos padres de areia estabelecidos pela ASTM (American Society for Testing and Materials), tambm usada pela ABNT (Associao Brasileira de Normas Tcnicas). Os tamanhos das malhas das peneiras geralmente utilizadas para determinar a granulometria das areias de argamassas antigas so as seguintes: N 4 N 8 N 16 N 30 N 50 N 1000 N 2000 4,76mm 2,38mm 1,19mm 0,600mm 0,300mm 0,150mm 0,075mm

2.4.3 Anlises mais avanadas e complementares As anlises complementares ao anteriormente descrito so geralmente feitas com microscpio e outras tcnicas de anlise instrumentais. Neste nvel de anlise, a preparao de sees polidas e sees delgadas fundamental para as anlises em microscopia tica e eletrnica. Esses exames do informaes valiosssimas a respeito das composies qumicas e mineralgicas do aglomerante e das areias, aderncia do aglomerante ao inerte (areia), formaes por recristalizao do aglomerante, distribuio do tamanho dos poros da argamassa e processos de deteriorao, ajudando a estimar a granulometria e porosidade do material. possvel, nesta etapa, identificar a origem dos componentes hidrulicos: a) aditivos pozolnicos, como cinzas vulcnicas, p de tijolo, ou argilas reativas com cal; b) presena de silicatos de clcio reativos, como componentes de cal hidrulica natural; ou c) fases de clinquer quando agregado cimento Portland argamassa.

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Fig. 2.10 Separao de amostras para anlises mais avanadas. Instituto de Conservao Getty.

Fig. 2.11 Microfotografias. Caracterizao de pigmentos, componentes hidrulicos e outros atravs de anlises MLP e MEV. Instituto de Conservao Getty.

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Fig. 2.11 Continuao.

Hoje, dependendo dos recursos e das necessidades de cada investigao, vrias tcnicas analticas e resolues podem ser aplicadas para caracterizar argamassas e camadas pictricas. As tcnicas que tm sido mais empregadas na caracterizao das argamassas antigas, ou mesmo em argamassas de reconstituio, e as principais determinaes obtidas atravs dessas tcnicas so as seguintes: A anlise petrogrfica atravs da Microscopia de Luz Polarizada, chamada de MLP (Polarized Light Microscopy PLM): composio mineral, microestrutura fsica. A Microscopia Eletrnica de Varredura ou MEV (Scanning Eletronic Microscopy SEM) e o sistema de energia dispersiva ou SED (Energy Dispersive System EDS): microestrutura e composio qumica de elementos. Difrao de Raios X: qualitativo e semi-quantitativo, fases dos componentes minerais cristalinos. Cromatografia de ons (CI): sais. Anlise Quantitativa atravs de Espectroscopia de Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR): compostos orgnicos. Anlise Quantitativa por Tcnica de Fluorescncia de Raio X (XRF) e por Disperso de Energia (ED): composio qumica, escalas maiores (tcnica mais nova no campo das anlises de argamassas, mais fcil de manipular, custos mais baixos). Espectroscopia de Absoro Atmica: ctions Al3, Fe3, Na, K, Ca2, Mg2 em solues. Porosimetria por Intruso de Mercrio: microestrutura, distribuio de poros, porosidade total etc. Anlise Trmica (AT): composio quantitativa de certos compostos orgnicos e inorgnicos.

2.5 - AVALIAES DE MATERIAIS E ARGAMASSAS DE RECONSTITUIO Antes de comear os trabalhos de conservao e restaurao preciso caracterizar as argamassas antigas e testar os novos materiais. Tanto os constituintes das argamassas como as argamassas frescas e as em processo de cura devem, de preferncia, ser avaliados. Os ensaios e testes necessrios para avaliar as argamassas de reconstituio tambm dependero das funes que iro desempenhar

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nas alvenarias, ou seja, se sero para reintegrao de alvenarias, juntas, capeamentos, rebocos ou outra funo. Alguns dos ensaios s so viveis em laboratrio, mas quase todos podem ser realizados de maneira mais simplificada e com menos preciso no prprio local da obra. aconselhvel realizar ensaios em laboratrio em corpos de prova com o objetivo de testar formulaes para argamassas de reconstituio mais adequadas, mas preciso saber que impossvel reproduzir ou simular em laboratrio todas as situaes do edifcio e do ambiente das obras.

Fig. 2.12 Caracterizao da cal em laboratrio: reatividade, reteno de gua, consistncia e plasticidade da pasta. Instituto de Conservao Getty.

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Fig. 2.12 Continuao.

So muitos os fatores que influem no comportamento de uma argamassa frente ao meio ambiente (presena de sais solveis, resistncia presena de gua). Entre eles, preciso mencionar o tipo de cal, a granulometria da areia utilizada na mistura e a proporo de gua que se usou na preparao, j que definiro a reteno de gua da argamassa e sua eventual retrao. Algumas das propriedades das argamassas de cal s aparecem depois de curadas e a carbonatao inicial diferente da carbonatao aps quatro, seis, doze meses de cura. E algumas das propriedades dependem e s iro acontecer aps a argamassa interagir com o ambiente, como, por exemplo, a recristalizao dos cristais de calcita. Por isso, os resultados de laboratrio devem se ajustar s necessidades das argamassas que sero usadas nas alvenarias9. Mas as avaliaes em laboratrio so muito vlidas e apresentam interessantes aspectos. Por exemplo, em Cazalla et al., (1998) observou-se que, depois de trs meses, diferentes formulaes de argamassas de cal apresentavam claramente aspectos similares

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de carbonatao, ou seja, o aglomerante e a areia no apresentavam demasiada liga ou pega. No entanto, depois de seis meses, cada uma das formulaes apresentava caractersticas prprias de textura e o aglomerante e a areia estavam mais coesos. Os ensaios se dividem entre os que se realizam nos constituintes, nas argamassas frescas e nas em processo de cura. A seguir, esto listados os vrios ensaios simples que podem ser realizados em campo com os constituintes e as argamassas de reconstituio (veja no anexo os protocolos):

2.5.1 Cal virgem e hidratada Reatividade da cal Uma cal virgem (xido de clcio, CaO) pura, dentro do prazo de validade (mximo de trs dias depois de calcinada), reagir rapidamente e quase violentamente com a gua, ao ser imersa (reao de hidratao para formar a cal apagada (hidrxido de clcio, Ca (OH)2). Essa reao libera tanto calor que a temperatura da gua pode aumentar at quase ferver. Conseqentemente, mediante as medies da temperatura da gua, pode-se avaliar a reatividade da cal.

Solubilidade A cal apagada pura bastante solvel em gua (aproximadamente duas vezes mais solvel que o gesso e quase 200 vezes mais do que o carbonato de clcio). Adicionar acar, que atua como um agente dispersante dos ons de clcio (Ca++), ajuda a aumentar a solubilidade. Qualquer partcula insolvel (calcria, resduo de uma incompleta calcinao ou silcica de uma impureza do calcrio calcinado) ficar sem se dissolver. Uma amostra de cal apagada pura, em pasta ou em p, deve dissolver-se completamente em gua fresca e limpa.

Contedo de cal no-calcinada Uma cal bem calcinada e apagada, guardada em uma embalagem de tampa hermtica, no dever apresentar efervescncia ao ser submetida ao do cido clordrico. O desenvolvimento de efervescncia indica que a cal apagada reagiu, pelo menos em parte, com o dixido de carbono do ar (reao de carbonatao) e, portanto, j perdeu parte de seu valor como material aglomerante para uma argamassa base de cal.

Resduos insolveis Os resduos insolveis podem estar presentes devido tanto a uma m calcinao, ou incompleta ou excessiva, que deixa a pedra crua. Com muito material insolvel, a cal perde sua reatividade. A porcentagem de resduo deve ser mnima para no diminuir as propriedades aglutinantes da cal. A quantidade de resduos insolveis que ficam logo aps a dissoluo, e que ficam na cal hidratada retidos em uma peneira de malha de 0,150mm, no deve ser superior a 10% em peso da amostra.

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2. Caracterizao das argamassasPrograma Monumenta

Densidade da pasta de cal A densidade limite para uma pasta de cal de 1,45 g/cm3 de acordo com a norma BS 890 (British). A densidade de uma pasta de cal pode ser determinada com qualquer amostra que apresente uma consistncia apropriada.

2.5.2 Argamassas frescas (misturas) Teor de gua A quantidade de gua usada para preparar uma argamassa influenciar sua trabalhabilidade assim como o subseqente processo de carbonatao. Tanto gua em excesso como a falta de gua dificultam a carbonatao. Primeiro, se pesam as amostras de argamassa em seu estado fresco e mido. Uma vez que forem secas em estufa a 60 at apresentarem peso constante, devem ser pesadas novamente. A diferena de peso serve para determinar o contedo de umidade de cada amostra e se expressa como porcentagem do peso.

Proporo de cal e areia Vrios fatores influem na determinao do aspecto e do comportamento fsico mecnico da argamassa, tais como a granulometria da areia, o tipo de cal, a eventual funo da argamassa e outros. A determinao da granulometria da areia muito importante para os estudos de compatibilidade (ver ensaio de granulometria de areia). A avaliao do volume dos vazios de uma areia pode ser determinada como parmetro para estimar a proporo da cal em uma argamassa. Uma maneira simples e prtica de avaliar a quantidade de cal necessria para uma determinada areia mantendo o mnimo de retrao, determinar o volume de vazios de uma areia seca. Isso se pode avaliar medindo a quantidade de gua necessria para umedecer uma amostra de areia seca de volume conhecido. Dessa maneira, se estima a quantidade mnima de cal necessria para aglomerar os gros de areia. Quanto melhor for a distribuio do tamanho dos gros, de menor a maior, menos vazios ter a areia e, por conseguinte, ser menor a quantidade de cal necessria e a retrao ser mnima.

Trabalhabilidade e tempo de preparao Uma das vantagens de uma boa pasta de cal sua boa trabalhabilidade. Os fatores importantes para tal caracterstica so a areia e a proporo de cal e areia assim como o mtodo de misturar, que, quanto mais enrgico, melhor. A trabalhabilidade da argamassa base de cal pode ser melhorada pelo simples impacto entre as partculas de cal e areia atravs do mtodo de misturar, sem contudo ser necessrio pr mais gua. Uma amostra de argamassa de cal pode ser avaliada preliminarmente quanto trabalhabilidade sem equipamento de laboratrio. Faz-se uma bola de argamassa de cal de uns 7cm de dimetro que , ento, atirada contra uma superfcie plana. Uma argamassa de boa trabalhabilidade e consistncia, segundo as normas, quando esparramada pelo impacto, deve alcanar de 15cm a 16cm de dimetro. Dependendo da funo da argamassa, por exemplo, para reintegrao de juntas, geralmente deve apresentar consistncia mais pastosa.

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Fig. 2.13 Caracterizao da consistncia da argamassa e posterior moldagem de corpos de prova: 5X5X5 e 4X4X16 em moldes de borracha e metal. Instituto de Conservao Getty.

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2. Caracterizao das argamassasPrograma Monumenta

Fig. 2.13 Continuao.

2.5.3 Argamassa em processo de cura Profundidade de carbonatao e ensaio com fenolftalena As argamassas base de cal curam e endurecem pelo processo de carbonatao. A carbonatao uma reao qumica da cal hidratada (Ca (OH)2) com o dixido de carbono (CO2) do ar pelo qual o material base de cal vai desenvolvendo sua resistncia mecnica de forma lenta e gradual. O ensaio de carbonatao uma maneira simples e prtica, apesar de no totalmente exata, de controlar e avaliar o processo de carbonatao de uma argamassa ao longo do seu tempo de cura. Para esse teste se utiliza a fenolftalena como reagente. A fenolftalena um indicador qumico que adquire cor rosa intensa em meio alcalino (acima de pH 8) e fica incolor em meio neutro ou

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cido. Em uma argamassa ainda fresca predomina a cal hidratada (Ca (OH)2), e nas curadas, a cal carbonatada (CaCO3). Uma amostra de argamassa recm cortada e pulverizada com fenolftalena mostrar zonas rosa (mais no interior e que correspondem a partes ainda sem carbonatao) e zonas incolores (na superfcie externa da amostra e que correspondem s partes carbonatadas). A zona carbonatada aparece como uma coroa que vai avanando de fora para dentro do ncleo da amostra da argamassa. A carbonatao se inicia nos primeiros dias, apresentando poucos milmetros de espessura e aumentando da superfcie para o interior da argamassa em um processo que dura alguns meses, ou ainda mais tempo, e depende de vrios fatores, tais como caractersticas dos componentes da argamassa, sua espessura, bem como condies ambientais. O ensaio da fenolftalena tambm pode ser aplicado in loco, no prprio edifcio, e para isso, se faz necessrio abrir um pequeno orifcio no reboco, aplicar a fenolftalena e observar da superfcie para o interior o efeito do reagente.

Fig. 2.14 Controle de cura das amostras atravs de banhos peridicos com gua, e posterior teste com fenolftaleina. Instituto de Conservao Getty.

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2. Caracterizao das argamassasPrograma Monumenta

Fig. 2.14 Continuao.

2.6 - LABORATRIO BSICO 2.6.1 Introduo Muitas vezes torna-se necessrio ter mais prximo do bem arquitetnico equipamentos laboratoriais que possibilitem caracterizaes simples das argamassas antigas e das de reconstituio, dos agentes de deteriorao, bem como o mapeamento de danos das superfcies arquitetnicas, das tipologias construtivas, o monitoramento das intervenes de reconstituio e outras atividades similares. Tambm em locais onde so ministrados com certa freqncia cursos prticos de capacitao e treinamento das tcnicas de restaurao, como nos casos dos laboratrios das escolas de arquitetura, ou mesmo dos cursos de especializao em restaurao do patrimnio cultural, s vezes, ter facilidades laboratoriais disposio contribui para a capacitao de pessoal tcnico e melhor qualidade para as intervenes arquitetnicas. Nessas situaes e, dependendo da freqncia e da importncia do patrimnio, se faz conveniente ter prximo ao local um laboratrio de campo.

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2.6.2 Lista bsica para montagem de um laboratrio A escolha dos equipamentos e de seu grau de resoluo depende do objetivo do laboratrio e das determinaes que se quer realizar. Geralmente, esses laboratrios so equipados para realizar determinaes simples, como as anlises de caracterizao dos constituintes das argamassas antigas, anlise estratigrfica da policromia de rebocos (ver glossrio: corte estratigrfico de rebocos e pintura), testes e ensaios com argamassas de reconstituio (moldagem, corpos de prova, absoro capilar, cura, carbonatao). Tambm se pode, nesses laboratrios, com algumas complementaes, realizar caracterizaes e testes com materiais base de terra (adobes e taipas). E claro que vrios dos equipamentos listados abaixo tambm podem ser utilizados para testes e ensaios preliminares com outros materiais como pedras e tijolos.

Peneira Estufa

Balana

Colher de pedreiro

Misturador manual

Borrifador

Medidor de volumeFig. 2.15 Exemplos de equipamentos.

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Becker

Pipeta de fenolftalena

Tubo Karsten Conjunto de peneiras e vibrador

Fig. 2.15 Continuao.

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Instrumentos pticos Lupas de aumento ampliao 5x a 10x Lupas de pala ampliao 3,5x a 10x Microscpio estereoscpico trinocular Com objetiva 1x, permitindo resoluo de 6,7 a 40x. Acessrios: par de olhetes e iluminador com fibra tica bifurcada, objetiva auxiliar 2x para aumento de 13,4 a 80x, cmera incorporada para foto micrografia.

Equipamentos e outros Balana eletrnica (resoluo 0,1g ou 0,01g, cap. 2000g mximo) Estufa eltrica, temperatura de 40 a 200C Escala de cores Munsell Dissecador Termmetro Cronmetro Pipeta de transferncia volumtrica (transferir um volume conhecido de um recipiente para outro)

Vidrarias e outros Almofariz de porcelana, dimetro aproximado de 12cm, com mo de gral e luva de borracha Becker, copo de vidro graduado de 100ml, 250ml, 500ml, 1000ml, 2000ml Becker, copo de plstico graduado de 250ml, 1000ml, 2000ml Cpsulas de porcelana dimetro 12 e 20cm Frasco cnico para apoio de funil de vidro 500ml/1000ml Funil de vidro de 125ml, dimetro 10cm Papel-filtro, dimetro 18cm caixa com 100fls Proveta de vidro graduado (ou de plstico) 1000ml, com tampa de borracha Recipiente de plstico com esguicho para lavar Varinha (basto) de vidro para misturar amostra Pina em forma de tesoura em ao inox (retirar material da estufa) Tubo Karsten horizontal e vertical Conjunto de peneiras de acordo com ASTM. Peneiras 8x2 ou 3x2 polegadas nas seguintes malhas:

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2. Caracterizao das argamassasPrograma Monumenta

N 4 N 8 N 16 N 30 N 50 N 1000 N 2000 -

4,76mm 2,38mm 1,19mm 0,600mm 0,300mm 0,150mm 0,075mm

Escova de fios de nylon para limpeza das peneiras Moldes de metal ou de plstico para corpos de prova de tamanhos 5x5x5cm para exames de absoro capilar e testes com fenolftalena e 4x4x16cm para ensaios de resistncia mecnica. Moldes de madeira tambm podem ser usados, mas so mais instveis umidade e podem alterar a dimenso. Fatores como a superfcie de contato e a profundidade do corpo de prova moldados tero efeito no endurecimento da amostra (carbonatao). Nos moldes de metal, a argamassa tende a retrair, o que deve ser evitado nos primeiros dias. Ver anexo teste de profundidade de cura. Moldes para confeco de cortes estratigrficos de sees impregnadas com resina e polidas Embalagens de plstico para cubos de gelo, ou mesmo papel alumnio para confeco de recipientes ajustados ao tamanho da amostra Moldes para determinar retrao de solos (0,4cmx0,4cmx40cm ou 60cm)

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Equipamentos para determinar limites de plasticidade de materiais base de terra Casagrande Base de vidro e vareta de comparao Pratos de metal

Produtos qumicos e outros cido clordrico (14%) gua destilada lcool etlico Fenolftalena Resina acrlica e catalisador Outros reagentes, por exemplo, para os testes com os seguintes componentes: Sais Limpezadomaterialorgnico Pigmentos

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Equipamentos de proteo Extintor de incndio Luvas e culos de proteo Luvas para a estufa Mscaras de proteo contra poeira e solvente Macaces e aventais Equipamentos para lavar os olhos Equipamentos para tratar cortes, queimaduras, ingesto de substancias nocivas, irritao nos olhos

Equipamentos para misturar argamassas Misturadores pequenos para laboratrio, portteis ou mesmo misturadores para capacidade de at 10 litros, com hastes ideais para mistura de produtos lquidos e pastosos

Equipamentos para medio e mapeamentos Trenas metlicas Micrmetro Escalmetro Prumos Rguas grandes de madeira graduadas e outros equipamentos para documentao das alvenarias

Embalagens, Ferramentas e outros utenslios Embalagens e recipientes para acondicionamento e armazenamento de amostras e materiais Baldes e outros recipientes com tampa de plstico Embalagens de plstico (sacos) para guardar amostras Bacias para preparar amostras e outras finalidades Etiquetas para rtulos de identificao de materiais Baldes de metal Baldes de plstico Colher de pedreiro Nos 4 e 6 Peneiras de malha 1mm e 2mm

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2. Caracterizao das argamassasPrograma Monumenta

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Desempenadeiras de madeira, metal e ao Vaporizador Martelo de metal Martelo de borracha Talhadeira pequena Formo pequeno Serra pequena para corte argamassa Trinchas, brochas e pincis Tanque para hidratao da cal de metal ou fibrocimento

NOTAS1 - Van Balen, 1994 e Hughes, 2001. 2 - Sobre esta questo da determinao da areia carbontica, veja artigo de Vianello (1987,253), que estudou um mtodo para calcular o agregado carbontico submergindo a amostra em acetona e permitindo a separao das partculas do aglomerante e do agregado. O prximo passo peneirar na forma mida (peneira malha 0,063mm) a amostra. A peneira permite a eliminao das partculas finas do aglomerante. O agregado seco depois peneirado atravs de um conjunto de peneiras e a curva granulomtrica calculada. O mtodo provou ser eficaz na regio de Veneza, onde o agregado carbontico foi tradicionalmente usado. 3 - Teutonico, 1988. 4 - Charola, et al., 2004. 5 - Blaeur-Boehm, 1997. 6 - Van Balen, et al, 1994. 7 - Callebaut, 2000. 8 - Blaeuer-Boehm, 1999. 9 - Charola e Henriques, 1999.

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3. Argamassas de reconstituio

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ARGAMASSAS DE RECONSTITUIO

3.1 - FORMULAO DE ARGAMASSAS DE RECONSTITUIO As propriedades das argamassas que sero utilizadas para conservao e restaurao de alvenarias histricas devem ser avaliadas e/ou testadas previamente. O desenvolvimento de formulaes de argamassas base de cal em laboratrio um passo importante para o uso adequado desse material na conservao de edificaes histricas. Tem como objetivo estabelecer os parmetros necessrios para adequar as formulaes das argamassas de restaurao aos edifcios onde se far a interveno. As caractersticas e finalidades das argamassas de cal devero ser definidas no incio da obra. Em obra, o comportamento das argamassas base de cal depende da qualidade dos materiais (cal, areia, gua etc.), das suas condies de preparao, aplicao e do eventual processo de cura in situ. Deve ser considerado que muito difcil simular em laboratrio as condies e critrios da obra, sobretudo quando algumas das propriedades dos materiais base de cal s se desenvolvem com o tempo, como sua resistncia mecnica, que depende da cura da argamassa. Esse processo o resultado da carbonatao da cal, que se inicia rapidamente, porm, leva muito tempo (s vezes anos) para ser completada. Estudos e investigaes realizados sobre argamassas de cal tm comprovado que tais materiais apresentam caractersticas de cimentao mais especficas a partir dos seis meses de fabricao (e cura), dependendo do tipo de formulao da argamassa. So muitos os fatores que influem em um eventual comportamento de uma argamassa frente ao ambiente (presena de sais solveis, resistncia presena de gua). Entre eles, preciso mencionar o tipo de cal, a granulometria da areia utilizada na mistura e a proporo de gua que se usou na preparao, j que esses fatores definiro a reteno de gua na argamassa e sua eventual retrao. Tambm so importantes na obra os mtodos de aplicao das argamassas e as condies de cura. Uma aplicao bem feita e seu controle da retrao no incio do processo de cura vo assegurar uma maior durabilidade s argamassas base de cal. Os ensaios e testes necessrios para avaliar as argamassas de recuperao e restauro tambm dependem das funes que as argamassas vo desempenhar nas alvenarias, tais como juntas, rebocos e outras. Os ensaios se dividem entre aqueles que se realizam nas argamassas frescas e nas em processo de cura. O resultado de uma restaurao depende muito dos materiais que so utilizados, mas tambm muito das tcnicas de aplicao. Para se garantir um bom resultado nas obras de interveno com cal, recomendvel o treinamento das equipes de obra nas corretas formas de usar e aplicar essas argamassas. As diferentes fontes de cal e os processos de hidratao, mistura e aplicao das argamassas de cal, todos vo influir no resultado final da obra. Na formulao das argamassas de reconstituio, as principais propriedades que esses materiais devem ter para serem compatveis com as alvenarias onde sero aplicados so as seguintes: Aparncia visual similar (cor, textura e acabamento superficial) para conservar a aparncia e integridade do edifcio; Propriedades mecnicas (resistncia compresso e tenso) no muito maiores para no originar tenses;

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3. Argamassas de reconstituioPrograma Monumenta

Mdulos de elasticidade e deformabilidade similares para no produzir fissuras; Boa aderncia aos materiais e trao e teor de umidade corretos, boa amassadura, garantindo bom comportamento sem fissuras; Porosidade (permeabilidade) e microestrutura similar para manter boas caractersticas hdricas (bom controle dos vapores e da gua); Durabilidade (boa resistncia a intemprie), com custos de manuteno adequados, sem perder suas caractersticas de material de proteo e sacrifcio.

3.2 - PARMETROS QUE AFETAM AS PROPRIEDADES DAS ARGAMASSAS BASE DE CAL As propriedades das argamassas de cal area (no hidrulica), tais como durabilidade e resistncia aos agentes de deteriorao do ambiente, so afetadas por vrios fatores. Entre eles, a cura da argamassa, ou seja, sua completa carbonatao, um processo crtico, j que dele depende a resistncia mecnica final e, conseqentemente, a durabilidade. desejvel que a argamassa cure completamente e, dependendo da velocidade da reao de carbonatao, esse processo pode ocorrer em alguns meses ou mesmo demorar anos. So muitos os fatores que afetam essa reao de carbonatao e, em conseqncia, a durabilidade das argamassas de cal. Esses fatores so os seguintes: a. Qualidade e quantidade de cal: quanto melhor a qualidade da cal, ou seja, mais fina, mais pura, mais plstica etc., melhor ser o processo de carbonatao. O mtodo de hidratao tem uma influncia muito grande na qualidade da cal (veja nota abaixo). Uma maior quantidade de cal na argamassa aumenta sua resistncia, mas pode causar retrao e afetar a aderncia do material na superfcie da alvenaria. b. Temperatura: a carbonatao diminui em temperaturas muito baixas (abaixo de 5C). c. Contedo de umidade: excesso de umidade provoca o bloqueio da reao de carbonatao, mas a falta dificulta a reao. O peridico umedecimento no incio da reao favorece uma boa carbonatao. d. Estrutura dos poros: quanto maior a porosidade da argamassa, maior ser a possibilidade de o dixido de carbono se dissipar e reagir com toda a cal da argamassa, aumentando a carbonatao. A porosidade depende em parte da granulometria da areia utilizada. Enfim, a completa carbonatao de uma argamassa de cal area (cal pura que no contm impurezas capazes de torn-la hidrulica) aumenta sua durabilidade. Essa reao depende de vrios fatores que afetam o comportamento da argamassa, tais como a estrutura dos poros e o balano da umidade e da temperatura, que controlaro tanto a facilidade de acesso do dixido de carbono como sua reao com a cal. Nota: De acordo com a experincia prtica comprovada cientificamente em anlises de amostras de cal, a qualidade da cal est muito relacionada ao tamanho das partculas e ao tempo que a cal tem de descanso em gua aps a hidratao1 e, dessa forma, a maturao de uma cal que foi

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Manual de Conservao e Interveno em Argamassas e Revestimentos Base de CalPrograma Monumenta

hidratada por imerso em gua parece exercer um efeito positivo nas suas caractersticas2. Com a ajuda de modernas formas de anlise, amostras de pasta de cal foram coletadas de diferentes fases do processo de maturao de cales hidratadas por imerso, bem como amostras de cales hidratadas a seco e comparadas. Nessas pesquisas realizadas, os cristais de portlandita (Ca (OH)2) parecem sofrer contnuas alteraes morfolgicas e dimensionais ao longo do processo de maturao em gua3; no entanto, os mesmos efeitos de diminuio do tamanho das partculas de cal hidratada, (placas hexagonais de hidrxido de clcio tambm denominadas cristais de portlandita) no foram observados nas amostras de cal h