Caderno Direitos Humanos, Justiça e Participação Social - ed 03

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CADERNO www.terradedireitos.org.br Justiça possui variadas di- mensões, compreendidas desde o monismo ao plu- ralismo jurídico, e uma delas começa a ser debatida pela sociedade: a jus- tiça enquanto política pública. Di- reito do povo e dever do Estado, a política pública de justiça diz respeito à forma e ao conteúdo da distribui- ção da justiça no Brasil. Tratar da política pública de jus- tiça traz à tona, por seu turno, a ques- tão do Poder Judiciário enquanto instituição da administração pública brasileira, o que nos remete, enfim, à relação entre a política pública e a ad- ministração da justiça. Estaria a ad- ministração da justiça, no Brasil inserida no campo da administração pública? E a atividade dos agentes que formulam e implementam a política de justiça? Para seguir no debate, apre- sentamos este III Cadernos Direitos Humanos, Justiça e Participação Social. Análises e experiências de participação social na administração da justiça, com vistas à efetivação dos direitos humanos, são trazidas neste material a par- tir de diferentes temáticas. Especial foco é dado à importância do compro- misso com os direitos humanos que deve ser assumido pelos agentes do sistema de justiça. Também são analisados, sob uma perspectiva de agenda para os diversos setores que atuam em prol da democratização da justiça, os projetos de lei e emenda constitucional que possam interferir, positiva ou ne- gativamente, no acesso à justiça no Brasil. Boa leitura! Índice Ë Avanços e Desafios da Nova Lei da Ação Civil Pública 2 Ë Repensando o Sistema Judicial Brasileiro 3 Ë Caminhos, Critérios e Procedimentos para a Democratização da Justiça 4 Ë PECs sobre a reforma do Supremo Tribunal Federal (STF) n Nomeação de Juízes da Corte Suprema – a experiência Argentina n Direitos Humanos em Pauta no STF 5 Ë Democracia, Gênero e Justiça – Entrevista com Flávia Piovesan 6 Ë Federalização de crimes contra os direitos humanos: Caso Manoel Mattos a hora da práxis 7 Ë Indicações para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 8 A Ano 2 l Nº 3 l Junho 2011 Direitos Humanos, Justiça e Participação Social Uma Política Pública de Justiça Sobre os Cadernos Nesta 3º edição, o Caderno Direitos Humanos, Justiça e Participação Social contou com a contribuição da Ação Educativa, Conectas, Dignitatis e Justiça Global, organizações de direitos humanos que, junto da Terra de Direitos, vêm trabalhando a pauta da democra- tização da justiça. Contamos, ainda, com a participação da Ajuris – As- sociação de Juízes do Rio Grande do Sul, e a opinião de Flávia Piovesan, jurista que nos honra com uma entrevista especial. A pluralidade de atores que contribuem com esta edição é reflexo dos diálogos e parcerias que se consolidam na construção de caminhos para a democratização da justiça.

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Acaba de ser lançada a terceira edição do Caderno sobre Direitos Humanos, Justiça e Participação Social. Esta edição traz matérias sobre a Nova ACP , as PECs sobre a reforma do STF, CNJ e sobre a federalização do caso Manoel Mattos. O conteúdo está disponível para ser baixado.

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CADERNO

www.terradedireitos.org.br

Justiça possui variadas di-mensões, compreendidasdesde o monismo ao plu-

ralismo jurídico, e uma delas começaa ser debatida pela sociedade: a jus-tiça enquanto política pública. Di-reito do povo e dever do Estado, apolítica pública de justiça diz respeitoà forma e ao conteúdo da distribui-ção da justiça no Brasil.

Tratar da política pública de jus-tiça traz à tona, por seu turno, a ques-tão do Poder Judiciário enquantoinstituição da administração públicabrasileira, o que nos remete, enfim, àrelação entre a política pública e a ad-ministração da justiça. Estaria a ad-ministração da justiça, no Brasilinserida no campo da administração pública? E a atividade dos agentes queformulam e implementam a política de justiça? Para seguir no debate, apre-sentamos este III Cadernos Direitos Humanos, Justiça e Participação Social.

Análises e experiências de participação social na administração da justiça,com vistas à efetivação dos direitos humanos, são trazidas neste material a par-tir de diferentes temáticas. Especial foco é dado à importância do compro-misso com os direitos humanos que deve ser assumido pelos agentes dosistema de justiça. Também são analisados, sob uma perspectiva de agendapara os diversos setores que atuam em prol da democratização da justiça, osprojetos de lei e emenda constitucional que possam interferir, positiva ou ne-gativamente, no acesso à justiça no Brasil. Boa leitura!

Índice

Ë Avanços e Desafios da NovaLei da Ação Civil Pública 2

Ë Repensando o Sistema Judicial Brasileiro 3

Ë Caminhos, Critérios e Procedimentos para a Democratização da Justiça 4

Ë PECs sobre a reforma do Supremo Tribunal Federal (STF)n Nomeação de Juízes

da Corte Suprema – a experiência Argentina

n Direitos Humanos em Pauta no STF 5

Ë Democracia, Gênero e Justiça – Entrevista com Flávia Piovesan 6

Ë Federalização de crimes contra os direitos humanos: Caso Manoel Mattosa hora da práxis 7

Ë Indicações para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 8

A

Ano 2 l Nº 3 l Junho 2011

Direitos Humanos,Justiça e Participação Social

Uma Política Pública de Justiça

Sobre os CadernosNesta 3º edição, o Caderno Direitos Humanos, Justiça e

Participação Social contou com a contribuição da Ação Educativa,Conectas, Dignitatis e Justiça Global, organizações de direitos humanosque, junto da Terra de Direitos, vêm trabalhando a pauta da democra-tização da justiça. Contamos, ainda, com a participação da Ajuris – As-sociação de Juízes do Rio Grande do Sul, e a opinião de Flávia Piovesan,jurista que nos honra com uma entrevista especial.

A pluralidade de atores que contribuem com esta edição é reflexodos diálogos e parcerias que se consolidam na construção de caminhospara a democratização da justiça.

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2 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l JUNHO 2011

centados à proteção da LACP – e in-corporados nessa nova proposta –,tão recorrente o seu uso processualem seus quase 26 anos de existência,que os limites de sua regulamentaçãoatual emergiram, bem como os pon-tos em que se pode avançar para al-cançar a proteção judicial de direitoscoletivos. A LACP não foi capaz de,sozinha, mudar a cultura judicial deviés eminentemente individual. Seus23 artigos atuais não regulamentamliquidação, execução, cumprimentode sentenças, o que é, subsidiaria-mente, normatizado pelas normas doCódigo de Processo Civil. O Projetode Lei n. 5.139/2009 – que abordamuitas novas questões em seus 70 ar-tigos – vem suprir essas e outras au-sências.

Além da mudança estrutural, coma criação de um sistema de cumpri-mento de sentenças adequado aosprocessos coletivos, o projeto de re-forma da Lei da Ação Civil Públicatambém amplia o rol de legitimados apropor Ações Civis Públicas; flexibi-

liza a condução do processo, ade-quando-o às características dos direi-tos materiais que querem serprotegidos; abre a possibilidade departicipação social ao longo da tra-mitação, por meio de audiências pú-blicas e assistência litisconsorcial;racionaliza o processamento dasações, evitando a sobreposição de de-mandas com o mesmo escopo e re-solve a questão do limite material dacoisa julgada, superando a ideia deque esta se limitaria à competênciaterritorial do juízo de origem. Cadauma dessas mudanças – além de ou-tras previstas no projeto de lei – me-receria uma análise detalhada.

Percebe-se, no entanto, que o sen-tido geral da reforma legislativa in-dica um aprimoramento da Lei emvigor desde 1985, para incorporar econsolidar avanços que a própria le-gislação nacional, além de parte da ju-risprudência, já vinha realizando. Aperspectiva coletiva em todas as eta-pas do processo – desde a propositurada ação, passando pelos diversos atos

Avanços e desafios da nova Lei de Ação Civil Pública

Lei de Ação Civil Pública(LACP n.7.347/1985) e oCódigo de Defesa do Con-

sumidor (CDC L.8.078/1990) já as-seguravam às organizações dasociedade civil a possibilidade deatuar judicialmente para defesa de di-reitos coletivos (art. 5º LACP earts.81, §único e 82 CDC), a partirde um rol inicialmente taxativo de di-reitos coletivos e difusos em 1985,mas com a inclusão pelo CDC da ex-pressão ampla “qualquer outro inte-resse difuso e coletivo” no artigo 1ºda LACP. Caso seja aprovado o Pro-jeto de Lei n° 5.139/2009, em trami-tação atual na Câmara dosDeputados, a utilização da via judicialpara exigir a efetivação de direitos co-letivos pela sociedade civil tende a au-mentar – afinal, deve aumentar suaeficácia – e, com ela, a maior demo-cratização do Sistema de Justiça e oavanço na implementação de direitossociais.

As principais legislações queforam editadas a partir de 1985, econtinham algum conteúdo coletivoou difuso, previram a possibilidade derecurso às normas processuais daAção Civil Pública como mecanismode exigibilidade dos direitos nelasprevistos. Foi assim com os direitosdas pessoas portadoras de deficiência(Lei 7.853/89); dos investidores nomercado de valores mobiliários (Lei7.913/89); os direitos da criança e doadolescente (Lei 8.069/90); dos con-sumidores (Lei 8.078/90); a proteçãoda ordem econômica (8.884/94); osdireitos urbanísticos previstos no Es-tatuto da Cidade (10.257/2001); osdireitos dos idosos (Lei10.741/2003), entre outros.

Tantos foram os conteúdos acres-

A

Ë Ester RizziAssessora Jurídica do Programa Ação na Justiça, da ONG Ação Educativa; Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP.

Parecer ao PL 5.139/2009 CNPG – “Estamos na fase em que o direito processual éque deve se adequar às necessidades do direito material e não o contrário.”

Representantes de organizações de direitos humanos e Presidente

da Ajuris se reúnem com o deputado Marco Maia para entregar carta

em apoio à aprovação do PL 5.139/2009.

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JUNHO/2011 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l 3

5.139/2009, abrirá a possibilidade de o Judiciário di-mensionar o impacto social de um direito violado, li-bertando-se do juízo restrito do dano individualausente de conteúdo emancipatório nos casos de le-sões coletivas.

Esse aspecto da violação e do litígio gerado, postono Judiciário, não pode facilmente ser percebido emuma ação individual tradicional com a mesma visibili-dade que está agora sendo desvelada na ação coletiva.

Assim, é com renovada esperança de mudançasque acompanhamos o Projeto de Lei nº 5.139/2009,integrante do II Pacto Republicano, que reforma nãosó o processo coletivo, mas o próprio Poder Judiciá-rio, diante dos instrumentos racionais e efetivos quepropõe estabelecer em defesa dos Direitos Econômi-cos e Sociais.

Repensando oSistema Judicial Brasileiro

Justiça brasileira funciona em permanente si-tuação de vulnerabilidade em virtude do con-gestionamento processual. É um problema

histórico e amplamente debatido. O Judiciário estáem crise. Negar o fato equivale a renunciar a uma fac-tível superação.

É aqui que pretendo pautar a questão, porque omais resistente dos obstáculos para superarmos o ex-cessivo tempo do processo é a vetusta forma de atua-ção do Judiciário na solução dos conflitos, fruto deuma organização judiciária anacrônica e uma ideolo-gia processual destoante da demanda por justiça, semdesconsiderar a cultura individual de solução de con-flitos que sequer garante os ditos direitos subjetivos.

A imperiosa reforma do processo coletivo, já tra-mitando no Congresso Nacional, por meio do PL nº

A

processuais da fase de instrução, atéos efeitos da sentença – colabora paraa realização dos direitos coletivos, di-fusos e individuais homogêneos.

Importante entender o contextode elaboração do PL 5.139/2009 e oatual momento de tramitação na Câ-mara dos Deputados. Soma-se àscontribuições históricas decorrentesdos anos de utilização das Ações CivisPúblicas o esforço de formulação doInstituto Ibero-Americano de DireitoProcessual, que tinha por objetivoformular um Código Modelo de Pro-cessos Coletivos para a Ibero Amé-rica, que “completo, poderá sertomado como modelo pelos países denossa comunidade, empenhados natransformação de um processo indi-vidualista num processo social.”. Essemodelo é invocado como referênciaexplícita, citado em pareceres e votos.Além disso, quem o formulou e o en-caminhou ao Congresso Nacional foio Ministério da Justiça.

Em 17 de março de 2010, no en-tanto, a Comissão de Constituição eJustiça e Cidadania (CCJC) – onde oPL tramitava em caráter terminativo– se posicionou contrária à aprovação

recomendada pelo Parecer do Dep.Antonio Carlos Biscaia. O voto ven-cedor, pela rejeição do Projeto, foi doDep. José Carlos Aleluia. Em suafundamentação três argumentos prin-cipais: (i) desequilíbrio entre as par-tes: autores não teriam risco algumem promover ações, já que não deve-riam custas, produção de provas ouhonorários se vencidos; já réus, te-riam que se submeter a um procedi-mento flexível, em que liminares edecisões podem constrangê-lo antesmesmo de seu pronunciamento nosautos (o que já ocorre com qualquerliminar inaudita altera pars atual-mente), ou ainda a possibilidade dedecisões extra petita, que tenham efei-tos equivalentes ao pedido formuladopelos autores. (ii) O Deputado criticaainda a amplitude da legitimação pro-cessual propor ações e outros estímu-los às ações coletivas, que traria o“risco” de sua proliferação. (iii) Porfim, argumenta que todos esses fato-res desaguam em insegurança jurí-dica.

Em suma, o parecer não avalia po-sitivamente a própria possibilidade dedefesa de direitos coletivos junto ao

Poder Judiciário, sendo contra osavanços que o PL promove em causascoletivas frente à regulamentação jáexistente. Seus argumentos são exata-mente os mesmos daqueles apresen-tados pela representante daConfederação Nacional da Indústria(CNI) em audiência pública sobre oPL, em 18 de junho de 2009. Sabe-se, então, quem são as forças explici-tamente organizadas para combater aproposta.

Após a formulação internacional;nacionalmente incorporada e debatidano âmbito do Ministério da Justiça,dois projetos substitutivos elaboradosa partir das discussões na Câmara, estegrande esforço está perto de ser esva-ziado. No final de março de 2010, opróprio Dep. Biscaia apresentou umrecurso ao Plenário da Câmara dosDeputados contra apreciação conclu-siva pela CCJC, para o qual ainda nãohouve decisão. Se revertida no Plená-rio a atual decisão de rejeição do pro-jeto, e aprovada a proposta de novaregulamentação da Lei de Ação CivilPública, teremos uma expressiva vitó-ria para a defesa e efetivação dos di-reitos coletivos e difusos.

Ë João Ricardo dos Santos CostaPresidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS.

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justiça sob uma perspectiva do Poder Ju-diciário como administração pública.

Reconhecendo isso, a sociedade vemapresentando uma série de iniciativas queindicam caminhos para a sua participaçãona justiça. O processo que se iniciou coma abertura da vaga de Eros Grau no STFem agosto de 2010, e culminou na no-meação do Ministro Luiz Fux em feve-reiro de 2011, pode ser tomado deexemplo à análise da questão.

Anunciada a aposentadoria do Minis-tro, a sociedade se mobilizou para apre-sentar ao Presidente Lula uma carta naqual se pleiteava que o compromisso comos direitos humanos fosse elevado a cri-tério objetivo e qualitativo para a defini-ção presidencial do candidato ao cargo.Decisão presidencial que ocorre hoje semqualquer grau de regulamentação, proce-dimento ou critério prático.

De fato, a escolha dos Ministros doSTF, STJ, Procurador-Geral da Repúblicae Conselheiros do CNJ, cargos formula-dores e executores da política de justiça,realiza-se no âmbito da Presidência da Re-pública e Congresso Nacional. Verifica-se

Caminhos, critérios e procedimentos para a democratização da justiça

rradicar a pobreza, marginaliza-ção e desigualdades sociais. Te-riam as autoridades do sistema

de justiça, como os Ministros dos Tribu-nais Superiores, o Procurador-Geral daRepública e Conselheiros do ConselhoNacional de Justiça, dentre as suas fun-ções públicas a tarefa de erradicação dasmazelas sociais?

Conforme Gilberto Bercovici, aConstituição Cidadã nos traz a todos opoder-dever de transformar a realidadesocial. Diante dos objetivos fundamentaisda República, como os descritos acima,afirma o professor que o Estado brasileiro“não pode considerar realizado, o que estápor realizar”. Tratando-se da democrati-zação da justiça, cumpre avaliarmos seestá realizada ou ainda por realizar.

Democratizar a justiça no Brasil sig-nifica incorporar os princípios democráti-cos de soberania e participação social naelaboração e implementação de uma es-pécie de política pública pouco discutidana sociedade: a política de justiça. Tratarda justiça enquanto política pública signi-fica analisar e atuar junto ao problema da

hoje a total ausência de critérios objetivose procedimentais para as indicações, oque deixa a sociedade alheia ao preenchi-mento de vagas tão importantes na reali-zação da justiça e dos direitos humanosno país.

Tomando consciência desse fato, foidado início ao debate e atuação com vis-tas ao alargamento dos canais de inter-venção social neste processo, oficiando-seos Poderes Executivo e Legislativo para atomada de posição e abertura de diálogosobre o tema.

Neste sentido, a sabatina do entãocandidato Luiz Fux ao STF representouum marco para a sociedade na pauta dejustiça. Organizações de direitos humanosque vêm atuando sobre esta agenda en-dereçaram aos senadores questionamen-tos sobre a postura do candidato emrelação a temas de justiça e direitos hu-manos, resultando no compromisso e po-sicionamento público do candidato emrelação à aplicação dos tratados interna-cionais de direitos humanos, acesso e par-ticipação social na justiça.

Na ocasião, ao referir-se às audiências

m 2002 um conjunto de organizações argentinas pu-blicou o documento “Uma Corte para a Democracia”

em que identificaram os principais problemas de funciona-mento da Corte Suprema e formularam propostas concretaspara a sua resolução. Um dos problemas identificados foi afalta de transparência na nomeação dos juízes, em especial ados Ministros da Suprema Corte de Justiça da Nação.

À luz deste diagnóstico, em 2003 o Poder Executivo(PE) convidou as organizações a elaborarem um novo pro-cedimento para a nomeação dos juízes, o que culminou coma edição do decreto 222/03.

Cada vez que uma vaga for aberta, o Poder Executivo pu-blicizará “o nome e o currículo da(s) pessoa(s) que estejasendo cogitada(s) para a vaga”, também serão colocadas in-formações no site do Ministério da Justiça. Os interessadospodem prestar informações a respeito dos candidatos. Porsua vez, o PE pode requerer informações sobre os candida-

tos das organizações de relevância no âmbito profissional, ju-rídico, acadêmico, social, político e de direitos humanos.

Também o Senado regulamentou a participação na au-diência pública de avaliação da candidatura submetida peloPE. Uma vez recebida a candidatura, o Senado divulgará adata da audiência pública e as formalidades para que possamser apresentadas perguntas.

Com base neste procedimento foram escolhidos 4 dos 7atuais integrantes da Corte. Esta reforma, juntamente comoutras sugeridas em um segundo documento elaborado pelomesmo grupo de organizações (Uma Corte para a Demo-cracia II) foram centrais para reverter a crise de legitimidadeda justiça argentina.

Mais informações nos links: • http://www.cels.org.ar/common/documentos/corte_I.pdf • http://www.cels.org.ar/common/documentos/corte_II.pdf

E

Nomeação de juízes da Corte Suprema –a experiência ArgentinaË Juana Kweitel

Diretora de Programas da Conectas Direitos Humanos; Mestre em Direito Internacionaldos Direitos Humanos pela Essex University (ENG) e em Ciência Política pela USP.

E

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públicas como mecanismo de legitimaçãodemocrática da decisão judicial, o novoministro passou à sociedade duas mensa-gens: que o judiciário também está ads-trito à soberania popular; e que deve haverum compromisso da magistratura em in-corporar tal mecanismo à sua cultura ju-risdicional.

Naquela oportunidade as organiza-ções protocolaram também junto à Co-missão de Constituição e Justiça doSenado um ofício com propostas para al-terar o procedimento da sabatina, incor-porando mecanismos de participaçãosocial, o que deu origem ao projeto de al-teração regimental que incorpora a con-sulta e audiência pública à sabatina noSenado.

Compreende-se assim, que a indica-ção de autoridades da justiça – em espe-cial a indicação pelo Congresso Nacionaldos dois Conselheiros do CNJ represen-tantes da sociedade – deve ser realizadanos moldes de um procedimento transpa-rente onde estejam incorporados: i) ocompromisso com os direitos humanoscomo critério objetivo e qualitativo de es-colha; e ii) procedimentos de participaçãosocial com início em chamada pública decandidaturas indicadas por entidades e or-ganizações, seguida de consulta virtual eaudiência pública sobre os candidatos,suas carreiras e plataformas de atuação.

A sociedade avança nas experiências evem acumulando forças. Somente com

A democratização da justiça possui uma ampla agenda legislativa, ainda inserida nocontexto da reforma do judiciário, e dividida em duas dimensões: reforma processual e es-trutural, que representa uma oportunidade de trazer ao Poder Judiciário princípios de-mocráticos de administração da justiça, mas também pode significar retrocessos nefastosse a sociedade não intervir nesta pauta. Neste sentido, tema de grande repercussão legis-lativa é a questão da forma de ingresso no Supremo Tribunal Federal, que possui sete Pro-postas de Emenda Constitucional em tramitação na Câmara dos Deputados, das quaisselecionamos as mais importantes em duas vertentes:

PECs InovadorasPEC 342/2009 (Autor: Flávio Dino – PcdoB /MA)

Fixa mandado de 11 anos // Indicação de lista sêxtupla por órgãos do sistema de jus-tiça e programas de doutorado em direito // Escolha alternada entre Presidente da Repú-blica (5 vagas), Senado (2), Câmara dos Deputados (2) e STF (2);PEC 393/2009 (Autor: Julião Amin - PDT /MA)

Fixa mandato de 8 anos // Cria Conselho Eleitoral de composição semelhante ao CNJ:cerca de 250 conselheiros indicados pelos Poderes Executivo e Legislativo da União e dosEstados; Judiciário (maioria das indicações); Min. Público; e OAB;

PECs ConservadorasPEC 566/2002 (Autor: Alceu Collares - PDT /RS)

Escolha de Ministros é feita pelo pleno do STF;

PEC 434/2009 (Autor: Vieira da Cunha - PDT /RS)Altera requisitos para investidura (Idade mínima 45 anos, 20 anos de experiência, ba-

charel em direito, impedimentos decorrentes de mandato eletivo e cargo de confiança e ine-legibilidade em prazo posterior) // Indicação por lista sêxtupla elaborada pelo STF(mínimo 1/3 juiz de carreira);

PEC 441/2009 (Autor: Camilo Cola - PMDB /ES)Vaga preenchida pelo decano do STJ.

STF tem sido palco, nos últimos anos, de decisões ab-solutamente relevantes em matéria de direitos huma-

nos. Não obstante as críticas e as diversas implicaçõesdemocráticas sobre o seu papel em nosso país, é forçoso re-conhecer que os temas mais polêmicos e relevantes sobre asescolhas fundamentais da sociedade brasileira tem encon-trado no STF o lugar privilegiado de discussão. Abaixo apre-sentamos alguns dos julgamentos mais relevantes e matériade direitos humanos e o que ainda está aguardando julga-mento na pauta do STF.

Julgamentos recentes – Em 5 de maio, o STF julgou aADPF 132 e ADI 4277 sobre a união estável homoafetiva,reconhecendo aos casais homossexuais os mesmos direitosgarantidos aos heterossexuais. Em um julgamento histórico,por unanimidade, o STF ampliou o conceito de família pre-visto no artigo 226 da Constituição Federal. Em 27 de abrilde 2011, o STF julgou improcedente a ADI 4167, mantendoa íntegra da lei que estabelece o piso salarial nacional dos pro-fessores.

Próximos julgamentos – Aguarda-se a inclusão empauta, para os próximos meses, da ADPF 54, referente per-missão para antecipação terapêutica de parto de fetos anen-céfalos. O pedido feito por profissionais de saúde pretende

evitar a criminalização de mulheres e médicos que realizaremo procedimento da interrupção da gravidez. Também se es-pera para os próximos meses a volta da ADI 3330 para con-tinuidade do julgamento, interrompido por uma série depedidos de vista. A ADI 3330, dentre outros temas, colocaem julgamento a constitucionalidade das medidas de açãoafirmativas instituídas pelo ProUni.

Pauta futura – Outras ações de grande relevância paraos direitos humanos aguardam andamento: destacam-se aADI 3239, sobre a constitucionalidade da demarcação de ter-ras quilombolas; a ADI 3486, sobre a constitucionalidade daEmenda Constitucional 45/2004, que instituiu o incidentede deslocamento de competência para a justiça federal (fede-ralização); as ADIs 3446 e 3859, sobre direitos da criança edo adolescente; e a ADI 4234, que busca a declaração de in-constitucionalidade de dispositivo da Lei de Propriedade In-telectual que permitiu as chamadas “patentes pipeline”,medida chamada de “TRIPs plus”, prejudicial à ampliaçãodo acesso a medicamentos e produção industrial nacional.

Em todas essas ações há intensa participação de organiza-ções da sociedade civil na qualidade de amicus curiae, apresen-tando argumentos que podem auxiliar o STF a debater deforma mais plural e, com isso, construir decisões mais justas.

Direitos Humanos em pauta no STFË Eloísa Machado

Advogada Consultora do Programa Justiça da Conectas Direitos Humanos; Doutoranda em Direito pela USP.

O

PECs sobre a reforma do Supremo Tribunal Federal

participação social a Presidência da Repú-blica e o Congresso Nacional são legitima-dos a exercer as competentes funçõesconstitucionais. Em tempos de moderni-zação e democratização da justiça, o preen-

chimento dos cargos de governo e gestãodesta especial política pública não pode ig-norar a crescente responsabilidade do sis-tema judicial na erradicação da pobreza,marginalidade e desigualdades sociais.

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6 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l JUNHO 2011

nina nos cargos de administração é o uso daantiguidade como único critério de elegibili-dade aos cargos de direção nos Tribunais.Como você avalia esse critério?

Flávia: Nós temos o critério de antiguidadepara ascensão da segunda instância, mas sevocê voltar os olhos para a terceira instância –Tribunais Superiores do Trabalho, Militar, STJe mesmo o Supremo – a composição é polí-tica. E quando há indicação política, há discri-minação contra as mulheres. Claro,antiguidade é beneficiadora dos homens, por-que eles estão a mais tempo no poder. Demodo que, aqui eu vou levantar uma tese bas-tante ousada, que este critério poderia apontara uma discriminação indireta. Pode ser um cri-tério objetivo, justo e razoável, mas ele alcançade forma desproporcional mulheres, lesando,bloqueando e obstando a sua participação.

n Você é favorável à criação de critérios mais es-pecíficos para indicação política dos cargos doJudiciário?

Flávia: Seria, até já defendi publicamente. Meparece algo temerário a atual forma, tendo emvista a história brasileira. Nós vivemos emuma democracia delegativa, na classificação doO’Donnel, que é como se nós delegássemos aum Poder Executivo hiper atrofiado. E o quecausa perplexidade é que o Executivo tem agrande prerrogativa de nomear a cúpula doPoder Judiciário e ele é o autor das maioresofensas à Constituição, que tem como guar-dião justamente essa cúpula. Então, eu pensoque não é razoável. O outro aspecto que eu re-puto essencial para a independência judicial éa fixação de mandato, com um prazo certo. Éessencial repensar esse modelo, reduzindo ograu de influência do Poder Executivo. Atéporque o nosso modelo, no caso do Supremo,tem como fonte inspiradora o caso norte ame-ricano, onde o presidente nomeia e o legisla-tivo aprova. Só que lá há uma sabatinacuidadosa, por vezes a candidatura passa portrês meses de sabatina. E aqui sabemos que asabatina dura uma tarde, quando muito.

n Você conhece alguma experiência exitosa que

tenha como objetivo incentivar a participação fe-minina nos cargos de administração da Justiça?

Flávia: O que existe são estudos da ONU, opróprio relator da sobre Independência Judi-cial quando esteve no Brasil deixou como re-comendação a necessidade de democratizar oJudiciário, seja com relação ao gênero e tam-bém com relação à raça. O que se passa noBrasil é algo paradoxal. Porque a Constituiçãode 88 tudo mudou, mas tem o paradoxo denada ter mudado numa certa perspectiva. En-tregou a guarda do texto ao STF, herdado dostempos ditatoriais, que por muito tempo exa-minou esse novo texto a partir de uma her-menêutica do passado, se ancorando em umlegado do passado. Isso eu creio que é um dosproblemas. Outros países que passaram pormudanças significativas, que romperam com aditadura por exemplo, criam um novo marcojurídico, mas criam cortes institucionais, ouseja uma nova instituição. E a justiça de tran-sição no Brasil não foi capaz de criar essa ins-titucionalidade democrática. Então nós temosum novo marco. Mas o olhar antigo e aindaarcaico, preso a outros paradigmas, acabampor restringir o alcance extraordinário queessas inovações teriam.

Confira a entrevista na íntegra no site:www.terradedireitos.org.br

Democracia, gênero e justiçaentrevista com Flávia Piovesan

taxa de inserção das mulheresno Judiciário vem crescendo aolongo dos anos, especialmente

nas primeiras instâncias, mas ainda não al-cançou os cargos de Administração daJustiça – que definem a estrutura internado Judiciário, carregando consigo o em-brião da mudança e democratização.

Sobre o tema, entrevistamos FláviaPiovesan, professora dos programas dePós Graduação da PUC/SP e PUC/PR emembro do Grupo de Trabalho da OAS(Organization for American States) rela-tivo ao monitoramento do Protocolo deSan Salvador. Para Piovesan, sobre a te-mática de gênero e Judiciário, a análisedeve focar a participação feminina na es-trutura do poder como um todo e en-frentar a manutenção e reprodução dalógica patriarcal nas estruturas de Poder.Para a entrevistada, democracia só podese manifestar onde existe diversidade.

n A participação de magistradas na administra-ção do Judiciário é ainda pequena se compa-rada ao número de homens que exercem taiscargos. Em sua análise, qual é o maior impactodesse cenário no cotidiano do Judiciário?

Flávia: Eu acabo de fazer um estudo para aUNIFEM a respeito da participação femininano Brasil no campo dos direitos políticos ecivis. No Judiciário nós chegamos quando aporta é o concurso, então na base nós estamoschegando a um índice, digamos, que é de30%. Agora, quanto mais nós ascendemos àcúpula, menor é a participação de mulheres.Basta lembrar que até 2000 não havia qual-quer mulher nos tribunais superiores. Mas tãoimportante quanto termos mulheres na esferado Judiciário, que também é uma esfera dePoder, é que a perspectiva de gênero possa serincorporada. Ou seja, perceber como homense mulheres exercem de forma diversa seus di-reitos, e ter a noção da construção históricados papéis sociais e do impacto disso.

n Um dos motivos para restrita presença femi-

A

Ë por Laura B. Schühli assessora de Comunicação Social da Terra de Direitos

Magistratura de 1ª Instância: Juízas – 3.978 / 30,02% • Juízes – 9.272 / 69,98% • (Fonte: AMB / maio de 2009)

Tribunais de Justiça: Mulheres – 13,58% •l Homens – 86,41% (Fonte: Sites dos Tribunais deJustiça)

Tribunais Regionais Federais: Mulheres – 25,89% • Homens – 69,06% • Vagos – 5,03% (Fonte: sites dos TRFs, dezembro/2010)

“Quando há

indicação política,

há discriminação

contra mulheres”,

afirma a

prof. Piovesan.

DADOS

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JUNHO/2011 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA Terra de Direitos l 7

Federalização de crimes contra osdireitos humanos: casoManoel Mattos a hora de práxis

organizada de defesa e promoção dos direi-tos humanos é no sentido de que os pedi-dos devam e possam ser realizadosdiretamente junto ao STJ). Já em segundoplano, questionam-se os requisitos criadospara a sua concessão: se tratar de uma graveviolação de direitos humanos que descum-pra obrigações internacionais assumidaspelo Brasil e pelo risco de responsabilizaçãodo mesmo pelo seu descumprimento.

Tais questões ainda estão abertas, vistoque a Associação dos Magistrados Brasilei-ros – AMB ingressou com ação no SupremoTribunal Federal visando a declaração da in-constitucionalidade do IDC. A Ação Diretade Inconstitucionalidade - ADIn de n°3486/05 ainda tramita no STF, onde o con-fronto dos argumentos utilizados demons-tra o quadro jurídico e político controversoem que se encontra o IDC. De um lado, aAssociação Nacional dos Membros do Mi-nistério Público – CONAMP acompanha oentendimento da AMB como amicus curiae.No outro pólo, defendem a constitucionali-dade do IDC a Associação dos Juizes Fede-rais - AJUFE, a Associação Nacional deProcuradores Gerais da República –ANPGR, e as organizações da sociedadecivil Conectas Direitos Humanos, o Centrode Direitos Humanos, a Terra de Direitos ea Associação Nacional dos Centros de De-fesa de Crianças e Adolescentes – ANCED.

O novo instituto representa uma histó-rica demanda daqueles que lutam contra aimpunidade e pela plena efetivação da demo-cracia e dos direitos humanos, em virtude daconstatação do alto número de graves viola-ções de direitos humanos que permaneceramimpunes devido à falta de imparcialidade, àinércia, ou à negligência das autoridades lo-cais em apurar e julgar tais abusos.

Apenas um IDC instaurado atéhoje – O IDC foi suscitado pela primeiravez no ano de 2005, em relação ao crime co-metido contra a missionária Dorothy Stang.À época, o Superior Tribunal de Justiça en-tendeu que a medida não se aplicava ao caso.Em 2009 o instrumento foi utilizado pelasegunda vez no caso do advogado e defen-sor de direitos humanos assassinado no es-tado da Paraíba, Manoel Bezerra de Mattose na atuação de grupos de extermínio na re-gião. As organizações não governamentais

Justiça Global e Dignitatis – Assessoria Téc-nica Popular ingressaram com o pedidojunto à PGR e no julgamento do STJ reali-zaram sustentação oral enquanto amicus cu-riae.

Manoel Mattos foi assassinado em vir-tude de sua intensa atuação contra gruposde extermínio na divisa dos estados da Pa-raíba e Pernambuco. Mattos sofreu tentativade assassinato em 2001 e recebeu proteçãopolicial por determinação da Comissão In-teramericana de Direitos Humanos da OEAa partir de setembro de 2002. Em 2004, en-viou denúncia à Relatora Especial da ONUpara Defensores de Direitos Humanos, alémde ter prestado depoimento na ComissãoParlamentar de Inquérito da Câmara de De-putados sobre a atuação de Grupos de Ex-termínio no Nordeste.

Após 04 meses do julgamento do IDCn.02 no STJ, o processo criminal foi deslocadopara a 2 ª Vara da Justiça Federal do Estado daParaíba. A decisão do STJ em outubro de2010 foi amplamente festejada por familiares,defensores/as e organizações de direitos hu-manos, instituições como a Ordem dos Ad-vogados do Brasil (PE) e CDDHPH, vistoque representava uma decisão inédita no Bra-sil que possibilita uma intervenção maisampla, profunda e articulada da sociedade civilcom as instituições, sem colocar em evidênciae risco imediato aqueles que pretendem cola-borar com as investigações.

Porém, ainda sem o deslocamento físicodo processo, fica um sentimento de instabi-lidade para os envolvidos, e a suspeita sobrea real eficácia desse trâmite. De acordo coma decisão proferida pelo STJ, os processosrelativos aos réus e situações correlatas/co-nexas ao Caso Manoel Mattos tambémdevem seguir para a seara da Justiça Fede-ral. A Dignitatis, Gajop e Justiça Global,assim como familiares e parlamentares dire-tamente envolvidos no caso, estão articu-lando reuniões com autoridades estaduais efederais, com a finalidade de estabelecer umplano de trabalho que agregue forças para ocombate aos grupos de extermínio, dê cele-ridade e profundidade ao julgamento doCaso Manoel Mattos, estabeleça medidasprotetivas para os envolvidos e processe di-ligências para que situações análogas nãomais ocorram.

incidente de deslocamento decompetência – IDC foi introdu-zido no artigo 109 da Constitui-

ção Federal pela Emenda n° 45. O IDCconsiste na possibilidade de transferência dacompetência, em qualquer fase do inquéritoou processo, da justiça estadual para a jus-tiça federal, quando se tratar de hipótese degrave violação aos direitos humanos quedescumpra obrigações decorrentes de trata-dos internacionais.

Exemplos não faltam da atuação inefi-ciente dos Estados perante as graves viola-ções. Cita-se do ano de 1996 o massacre deEldorado dos Carajás, que demonstrou oenvolvimento escandaloso de autoridadespúblicas no estado do Pará. Dos 18 juízescriminais da Comarca de Belém, 17 infor-maram que não aceitariam presidir o julga-mento, alegando, na maioria dos casos,simpatia pelos policiais militares e aversãoao Movimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra (MST). Dos 144 acusados, ape-nas dois foram condenados e se encontramhoje em liberdade.

Cabe apontar que antes da edição daemenda n° 45/2004 o IDC já vinha so-frendo uma série de críticas, a tal ponto quea proposta inicial acabou quase completa-mente modificada. Em uma primeira di-mensão, o instituto limitou exclusivamenteao Procurador-Geral da República o direitode ingressar com o pedido de IDC (demodo contrário, o pleito da sociedade civil

O

Ë Andressa CaldasMestre em Direito das Relações Sociaispela UFPR, mestre em Política Latino-Americana pela University of Londone diretora executiva da Justiça Global ([email protected])

Ë Eduardo F. Araújo Mestre em Ciências Jurídicas, da Comissão de Direitos Humanos da UFPB,professor do Departamento de CiênciasJurídicas da UFPB e fundador da DignitatisAssessoria Técnica Popular ([email protected])

Ë Gilmara J. M. de Medeiros Estudante do Programa de Pós-graduação em Ciências Jurídicas daUFPB e diretora-técnica da Dignitatis ATP ([email protected])

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CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social

Indicações para o Conselho Nacional de Justiça

Conselho Nacional de Justiça(CNJ) é reconhecido como oproduto maior da Emenda

Constitucional nº45, a emenda da Re-forma do Judiciário. Órgão de controlemisto, porém interno do Judiciário, oCNJ tem a função constitucional de go-vernar e administrar uma importante po-lítica pública pouco notada pelasociedade: a política pública de justiça.

A correlação de forças na elaboração,implementação e fiscalização desta polí-tica de justiça reflete a forma de composi-ção do Conselho: dos quinze membros,nove são indicados pelo próprio Judiciá-rio, enquanto Ministério Público e Con-selho Federal da OAB possuem apenasduas indicações cada, completadas pordois conselheiros representantes da socie-dade, um indicado pela Câmara dos De-putados e outro pelo Senado Federal.

Como afirma o professor JoaquimFalcão, esta estrutura do CNJ é fruto deuma composição de forças à época da EC45 onde o Poder Judiciário, sozinho, po-sicionou-se contra a vontade da socie-dade, advocacia, Ministério Público eCongresso Nacional. Remota a hipótesede nova Emenda constitucional sobre oassunto, e compreendendo que a partici-pação social na administração da políticade justiça consiste em um promissor me-canismo para a sua democratização, orga-nizações de direitos humanos vêmlevantando a discussão sobre os processosde escolha dos conselheiros junto aos ór-gãos que os indicam, em especial aquelesreferentes aos representantes da socie-dade, indicados pela Câmara e Senado.

É fundamental que tanto o CNJ

O

Realização: Terra de Direitos • Produção de conteúdo: Antonio Escrivão Filho e Lu-ciana C. F. Pivato • Jornalista Responsável: Laura B. Schühli (MtB 8405-PT) • Con-tribuição: Tchenna Fernandes Maso e Antonio Senkovski • Projeto Gráfico: SauloKozel Teixeira • Diagramação e editoração: SK Editora Ltda. ([email protected])• Apoio Institucional: Fundação Ford • Disponível em: www.terradedireitos.org.br

Rua Desembargador Ermelino de Leão, 14, cj. 75 l Centro l Curitiba, PR l 80.410-230Fone/Fax: 41 3232 4660 l [email protected]

quanto os órgãos que possuem cadeirasno Conselho tornem públicos os mo-mentos de indicação às vagas, garantindoque a sociedade tenha informação e parti-cipação sobre os processos internos de es-colha. Nesse sentido, a Ordem dosAdvogados do Brasil abriu chamada pú-blica junto aos advogados para inscriçãode candidaturas.

É importante ressaltar que uma vagade representante da sociedade será abertaneste ano, o que demanda uma articula-ção social em torno de um processo de-mocrático e transparente de seleção,tendo em vista a vagueza dos critérios de“cidadão de notável saber jurídico e repu-tação ilibada”. No Senado Federal, cujavaga abre em junho de 2011, a discussãosobre a indicação vem tomando corpo,sem qualquer chamamento à opinião e

participação social, o que não poderá serrepetido no início de 2012, com a aber-tura da outra vaga da sociedade na Câ-mara dos Deputados.

Compreendendo isso, no mês de abrilas organizações Terra de Direitos, AçãoEducativa, Dignitatis, Geledés – Institutoda Mulher Negra e Conectas DireitosHumanos entregaram ofício ao SenadoFederal requerendo que o representanteda sociedade no CNJ tenha currículo pau-tado pelo compromisso com os direitoshumanos, e interlocução com as organi-zações e movimentos sociais na temáticada administração da justiça, defendendoa sua democratização pautada pela parti-cipação social.

Como propostas requereram que oprocedimento de indicação pelo SenadoFederal tenha seu início com chamada pú-blica para a apresentação de candidaturas,de forma transparente e publicizada, e quesejam realizadas consulta e audiência pú-blica acerca das candidaturas apresentadas,a fim de instruir relatório a ser levado àcompetente Comissão responsável pelanomeação. O mesmo diálogo foi iniciadojunto à Comissão de Direitos Humanos eMinorias da Câmara dos Deputados.

À medida que o CNJ tem se consti-tuído como propositor, executor e fiscali-zador de políticas públicas de justiça,elaborando programas de intervenção so-cial, realizando fóruns temáticos, assi-nando convênios com entidades públicase privadas e alocando recursos para a suaexecução, torna-se premente garantirmaior transparência e participação socialnos processos de indicação dos seus con-selheiros.

É fundamental quetanto o CNJ quanto

os órgãos que possuem cadeirasno Conselho tornem

públicos os momentos de

indicação às vagas,garantindo que a sociedade tenha informação e

participação sobreos processos

internos de escolha.

Em 2011 encerram-se doze dos quinze mandatos de conselheiros: diante da ausência de informação e participação social neste processo, organizações de direitos humanos reivindicam espaço e mecanismos que garantam a participação e opinião da sociedade nos processos de indicação ou recondução de conselheiros.