Caderno de Hermenêutica Jurídica

download Caderno de Hermenêutica Jurídica

of 64

Transcript of Caderno de Hermenêutica Jurídica

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    1/64

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    2/64

    P896c PRADO, Clber Freitas do

    Caderno de Hermenutica Jurdica Dom Alberto / Clber Freitas doPrado. Santa Cruz do Sul: Faculdade Dom Alberto, 2010.

    Inclui bibliografia.

    1. Direito Teoria 2. Hermenutica Jurdica Teoria I. PRADO, ClberFreitas do II. Faculdade Dom Alberto III. Coordenao de Direito IV.Ttulo

    CDU 340.12(072)

    Catalogao na publicao: Roberto Carlos Cardoso Bibliotecrio CRB10 010/10

    2

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    3/64

    APRESENTAO

    O Curso de Direito da Faculdade Dom Alberto teve sua semente

    lanada no ano de 2002. Iniciamos nossa caminhada acadmica em 2006,aps a construo de um projeto sustentado nos valores da qualidade,

    seriedade e acessibilidade. E so estes valores, que prezam pelo acesso livre

    a todos os cidados, tratam com seriedade todos processos, atividades e

    aes que envolvem o servio educacional e viabilizam a qualidade acadmica

    e pedaggica que geram efetivo aprendizado que permitem consolidar um

    projeto de curso de Direito.

    Cinco anos se passaram e um ciclo se encerra. A fase de

    crescimento, de amadurecimento e de consolidao alcana seu pice com a

    formatura de nossa primeira turma, com a concluso do primeiro movimentocompleto do projeto pedaggico.

    Entendemos ser este o momento de no apenas celebrar, mas de

    devolver, sob a forma de publicao, o produto do trabalho intelectual,

    pedaggico e instrutivo desenvolvido por nossos professores durante este

    perodo. Este material servir de guia e de apoio para o estudo atento e srio,

    para a organizao da pesquisa e para o contato inicial de qualidade com as

    disciplinas que estruturam o curso de Direito.

    Felicitamos a todos os nossos professores que com competncianos brindam com os Cadernos Dom Alberto, veculo de publicao oficial da

    produo didtico-pedaggica do corpo docente da Faculdade Dom Alberto.

    Lucas Aurlio Jost Assis

    Diretor Geral

    3

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    4/64

    PREFCIO

    Toda ao humana est condicionada a uma estrutura prpria, a

    uma natureza especfica que a descreve, a explica e ao mesmo tempo aconstitui. Mais ainda, toda ao humana aquela praticada por um indivduo,

    no limite de sua identidade e, preponderantemente, no exerccio de sua

    conscincia. Outra caracterstica da ao humana sua estrutura formal

    permanente. Existe um agente titular da ao (aquele que inicia, que executa a

    ao), um caminho (a ao propriamente dita), um resultado (a finalidade da

    ao praticada) e um destinatrio (aquele que recebe os efeitos da ao

    praticada). Existem aes humanas que, ao serem executadas, geram um

    resultado e este resultado observado exclusivamente na esfera do prprio

    indivduo que agiu. Ou seja, nas aes internas, titular e destinatrio da ao

    so a mesma pessoa. O conhecimento, por excelncia, uma ao interna.

    Como bem descreve Olavo de Carvalho, somente a conscincia individual do

    agente d testemunho dos atos sem testemunha, e no h ato mais desprovido

    de testemunha externa que o ato de conhecer. Por outro lado, existem aes

    humanas que, uma vez executadas, atingem potencialmente a esfera de

    outrem, isto , os resultados sero observados em pessoas distintas daquele

    que agiu. Titular e destinatrio da ao so distintos.

    Qualquer ao, desde o ato de estudar, de conhecer, de sentir medo

    ou alegria, temor ou abandono, satisfao ou decepo, at os atos detrabalhar, comprar, vender, rezar ou votar so sempre aes humanas e com

    tal esto sujeitas estrutura acima identificada. No acidental que a

    linguagem humana, e toda a sua gramtica, destinem aos verbos a funo de

    indicar a ao. Sempre que existir uma ao, teremos como identificar seu

    titular, sua natureza, seus fins e seus destinatrios.

    Consciente disto, o mdico e psiclogo Viktor E. Frankl, que no

    curso de uma carreira brilhante (trocava correspondncias com o Dr. Freud

    desde os seus dezessete anos e deste recebia elogios em diversas

    publicaes) desenvolvia tcnicas de compreenso da ao humana e,consequentemente, mecanismos e instrumentos de diagnstico e cura para os

    eventuais problemas detectados, destacou-se como um dos principais

    estudiosos da sanidade humana, do equilbrio fsico-mental e da medicina

    como cincia do homem em sua dimenso integral, no apenas fsico-corporal.

    Com o advento da Segunda Grande Guerra, Viktor Frankl e toda a sua famlia

    foram capturados e aprisionados em campos de concentrao do regime

    nacional-socialista de Hitler. Durante anos sofreu todos os flagelos que eram

    ininterruptamente aplicados em campos de concentrao espalhados por todo

    territrio ocupado. Foi neste ambiente, sob estas circunstncias, em que a vidasente sua fragilidade extrema e enxerga seus limites com uma claridade nica,

    4

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    5/64

    que Frankl consegue, ao olhar seu semelhante, identificar aquilo que nos faz

    diferentes, que nos faz livres.

    Durante todo o perodo de confinamento em campos de

    concentrao (inclusive Auschwitz) Frankl observou que os indivduos

    confinados respondiam aos castigos, s privaes, de forma distinta. Alguns,perante a menor restrio, desmoronavam interiormente, perdiam o controle,

    sucumbiam frente dura realidade e no conseguiam suportar a dificuldade da

    vida. Outros, porm, experimentando a mesma realidade externa dos castigos

    e das privaes, reagiam de forma absolutamente contrria. Mantinham-se

    ntegros em sua estrutura interna, entregavam-se como que em sacrifcio,

    esperavam e precisavam viver, resistiam e mantinham a vida.

    Observando isto, Frankl percebe que a diferena entre o primeiro

    tipo de indivduo, aquele que no suporta a dureza de seu ambiente, e o

    segundo tipo, que se mantm interiormente forte, que supera a dureza do

    ambiente, est no fato de que os primeiros j no tm razo para viver, nada

    os toca, desistiram. Ou segundos, por sua vez, trazem consigo uma vontade de

    viver que os mantm acima do sofrimento, trazem consigo um sentido para sua

    vida. Ao atribuir um sentido para sua vida, o indivduo supera-se a si mesmo,

    transcende sua prpria existncia, conquista sua autonomia, torna-se livre.

    Ao sair do campo de concentrao, com o fim do regime nacional-

    socialista, Frankl, imediatamente e sob a forma de reconstruo narrativa de

    sua experincia, publica um livreto com o ttulo Em busca de sentido: umpsiclogo no campo de concentrao, descrevendo sua vida e a de seus

    companheiros, identificando uma constante que permitiu que no apenas ele,

    mas muitos outros, suportassem o terror dos campos de concentrao sem

    sucumbir ou desistir, todos eles tinham um sentido para a vida.

    Neste mesmo momento, Frankl apresenta os fundamentos daquilo

    que viria a se tornar a terceira escola de Viena, a Anlise Existencial, a

    psicologia clnica de maior xito at hoje aplicada. Nenhum mtodo ou teoria foi

    capaz de conseguir o nmero de resultados positivos atingidos pela psicologia

    de Frankl, pela anlise que apresenta ao indivduo a estrutura prpria de suaao e que consegue com isto explicitar a necessidade constitutiva do sentido

    (da finalidade) para toda e qualquer ao humana.

    Sentido de vida aquilo que somente o indivduo pode fazer e

    ningum mais. Aquilo que se no for feito pelo indivduo no ser feito sob

    hiptese alguma. Aquilo que somente a conscincia de cada indivduo

    conhece. Aquilo que a realidade de cada um apresenta e exige uma tomada de

    deciso.

    5

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    6/64

    No existe nenhuma educao se no for para ensinar a superar-se

    a si mesmo, a transcender-se, a descobrir o sentido da vida. Tudo o mais

    morno, sem luz, , literalmente, desumano.

    Educar , pois, descobrir o sentido, viv-lo, aceit-lo, execut-lo.

    Educar no treinar habilidades, no condicionar comportamentos, no alcanar tcnicas, no impor uma profisso. Educar ensinar a viver, a no

    desistir, a descobrir o sentido e, descobrindo-o, realiz-lo. Numa palavra,

    educar ensinar a ser livre.

    O Direito um dos caminhos que o ser humano desenvolve para

    garantir esta liberdade. Que os Cadernos Dom Alberto sejam veculos de

    expresso desta prtica diria do corpo docente, que fazem da vida um

    exemplo e do exemplo sua maior lio.

    Felicitaes so devidas a Faculdade Dom Alberto, pelo apoio napublicao e pela adoo desta metodologia sria e de qualidade.

    Cumprimentos festivos aos professores, autores deste belo trabalho.

    Homenagens aos leitores, estudantes desta arte da Justia, o Direito.

    .

    Luiz Vergilio Dalla-RosaCoordenador Titular do Curso de Direito

    6

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    7/64

    Sumrio

    Apresentao.....................................................................................................3

    Prefcio..............................................................................................................4

    Plano de Ensino..............................................................................................

    Aula 1

    Fontes do Direito.............................................................................................. 11

    Aula 2

    Interpretao como Atividade Complexa..........................................................

    Aula 3

    Interpretao e Compreenso do Direito..........................................................36

    Aula 4

    Hermenutica e aplicao do Direito atravs da Histria.................................54

    Aula 5

    Espcies de Interpretao................................................................................ 55

    Aula 6

    Formas de Interpretao...................................................................................62

    ...8

    7

    20

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    8/64

    Misso: "Oferecer oportunidades de educao, contribuindo para a formao de profissionais conscientes e competentes,comprometidos com o comportamento tico e visando ao desenvolvimento regional.

    Centro de Ensino Superior Dom Alberto

    Plano de Ensino

    Identificao

    Curso: Direito Disciplina: Hermenutica Jurdica

    Carga Horria (horas): 30 Crditos:2 Semestre: 9

    Ementa

    Fontes do direito: material e formal. Principais escolas hermenuticas - Especificidades e conceito dahermenutica jurdica - Os modos de produo do direito - Hermenutica e construo do direito -Hermenutica jurdica e jurisprudncia - Lgica jurdica e hermenutica- Interpretao do Direito -Integrao do Direito - Antinomias jurdicas - Aplicao do Direito. Direito intertemporal: direito substantivo edireito adjetivo. Teorias objetivas e teorias subjetivas. Direito adquirido, ato jurdico perfeito e coisa julgada.

    Objetivos

    Geral:Desenvolver a capacidade de reflexo, raciocnio e compreenso do Direito e sua aplicao realidade doscasos concretos.

    Especficos:Expor os modos de produo do direito e sua construo a partir da interpretao.Contribuir para o estudo de casos a partir da compreenso e anlise da jurisprudncia.

    Inter-relao da Disciplina

    Horizontal: Cincia Poltica, Antropologia Aplicada, Filosofia e Sociologia Aplicada.

    Vertical: Teoria da Constituio, Direito Constitucional I e II, Processo Constitucional.

    Competncias Gerais

    - utilizao de raciocnio jurdico, de argumentao, de persuaso e de reflexo crtica;- julgamento e tomada de decises.

    Competncias Especficas

    - utilizao de raciocnio jurdico, de argumentao, de persuaso e de reflexo crtica;- julgamento e tomada de decises

    Habilidades Gerais

    - Primar pelo raciocnio jurdico, argumentativo, atravs de instrumentos de persuaso e de reflexo crtica;- Julgar e tomar decises de forma adequada.

    Habilidades Especficas

    - utilizar raciocnio jurdico, argumentao, persuaso e reflexo crtica;- julgar e tomar decises de forma adequada a cada caso submetido interpretao.

    Contedo Programtico

    8

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    9/64

    Misso: "Oferecer oportunidades de educao, contribuindo para a formao de profissionais conscientes e competentes,comprometidos com o comportamento tico e visando ao desenvolvimento regional.

    Estratgias de Ensino e Aprendizagem (metodologias de sala de aula)

    Aulas expositivas dialgico-dialticas. Trabalhos individuais e em grupo e preparao de seminrios.

    Leituras e fichamentos dirigidos. Elaborao de dissertaes, resenhas e notas de sntese. Utilizao derecurso udio-Visual.

    Avaliao do Processo de Ensino e Aprendizagem

    A avaliao do processo de ensino e aprendizagem deve ser realizada de forma contnua, cumulativa esistemtica com o objetivo de diagnosticar a situao da aprendizagem de cada aluno, em relao programao curricular. Funes bsicas: informar sobre o domnio da aprendizagem, indicar os efeitos dametodologia utilizada, revelar conseqncias da atuao docente, informar sobre a adequabilidade decurrculos e programas, realizar feedbackdos objetivos e planejamentos elaborados, etc.

    Para cada avaliao o professor determinar a(s) formas de avaliao podendo ser de duas formas:

    1 Avaliao um trabalho aplicado em sala de aula com peso 10,0 (dez);2 Avaliao: Peso 8,0 (oito): Prova; Peso 2,0 (dois): Sistema de Provas Eletrnicas SPE (mdiaponderada das trs provas do SPE)

    Aplicado em Avaliao Somativa

    A aferio do rendimento escolar de cada disciplina feita atravs de notas inteiras de zero a dez,permitindo-se a frao de 5 dcimos.O aproveitamento escolar avaliado pelo acompanhamento contnuo do aluno e dos resultados por eleobtidos nas provas, trabalhos, exerccios escolares e outros, e caso necessrio, nas provas substitutivas.Dentre os trabalhos escolares de aplicao, h pelo menos uma avaliao escrita em cada disciplina nobimestre.O professor pode submeter os alunos a diversas formas de avaliaes, tais como: projetos, seminrios,pesquisas bibliogrficas e de campo, relatrios, cujos resultados podem culminar com atribuio de uma

    nota representativa de cada avaliao bimestral.Em qualquer disciplina, os alunos que obtiverem mdia semestral de aprovao igual ou superior a sete(7,0) e freqncia igual ou superior a setenta e cinco por cento (75%) so considerados aprovados.Aps cada semestre, e nos termos do calendrio escolar, o aluno poder requerer junto Secretaria-Geral,no prazo fixado e a ttulo de recuperao, a realizao de uma prova substitutiva, por disciplina, a fim desubstituir uma das mdias mensais anteriores, ou a que no tenha sido avaliado, e no qual obtiverem comomdia final de aprovao igual ou superior a cinco (5,0).

    Sistema de Acompanhamento para a Recuperao da Aprendizagem

    Sero utilizados como Sistema de Acompanhamento e Nivelamento da turma os Plantes Tira-Dvidas queso realizados sempre antes de iniciar a disciplina, das 18h00min s 18h50min, na sala de aula.

    Recursos Necessrios

    HumanosProfessor.

    FsicosLaboratrios, visitas tcnicas, etc.

    Materiais

    Recursos Multimdia.

    Bibliografia

    Bsica

    REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito.4 ed. So Paulo: Saraiva, 1986, 117 p.

    HBERLE, Peter. Hermenutica constitucional. Porto Alegre: Srgio A. Fabris, 1997.STRECK, Lenio Luiz. Hermenutica Jurdica em Crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado.BARROSO, Luis Roberto. Aplicao e Interpretao da Constituio. So Paulo: Saraiva.WARAT, Lus Alberto. Introduo geral ao direito. Vol I, II e III. Porto Alegre: SAFE.

    9

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    10/64

    Misso: "Oferecer oportunidades de educao, contribuindo para a formao de profissionais conscientes e competentes,comprometidos com o comportamento tico e visando ao desenvolvimento regional.

    Complementar

    GADAMER, Hans Georg. Verdade e Mtodo, Vol I e II. Petrpolis: Vozes.PALMER, Richard. Hermenutica.Lisboa: Edies 70.DWORKIN, Ronal. Levando os direitos a srio. So Paulo: Martins Fontes.PORTANOVA, Rui. Motivaes ideolgicas da sentena. Porto Alegre: Livraria do Advogado.MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e aplicao do direito. Rio de Janeiro:Forense.

    Peridicos

    Jornais:Zero Hora, Folha de So Paulo, Gazeta do Sul, entre outros.Jornais eletrnicos: Clarn (Argentina); El Pas (Espanha); El Pas (Uruguai); Le Monde (Frana); LeMonde Diplomatique (Frana).Revistas:Consulex, Notadez, Magister.

    Sites para Consulta

    www.ihj.org.brwww.cnj.org.brwww.tj.rs.gov.brwww.trf4.gov.br

    www.senado.gov.brwww.stf.jus.brwww.stj.gov.brwww.oab-rs.org.br

    Outras Informaes

    Endereo eletrnico de acesso pgina do PHL para consulta ao acervo da biblioteca:http://192.168.1.201/cgi-bin/wxis.exe?IsisScript=phl.xis&cipar=phl8.cip&lang=por

    Cronograma de Atividades

    Aula Consolidao Avaliao Contedo Procedimentos Recursos

    12

    3

    4 1

    5

    6

    7 1

    8 1

    9 1

    LegendaCdigo Descrio Cdigo Descrio Cdigo Descrio

    AE Aula expositiva QG Quadro verde e giz LB Laboratrio de informticaTG Trabalho em grupo RE Retroprojetor OS Projetor de slidesTI Trabalho individual VI Videocassete AP ApostilaSE Seminrio DS Data Show OU OutrosPA Palestra FC Flipchart

    10

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    11/64

    DISCIPLINA: HERMENUTICA JURDICA

    AULA 01

    1.

    FONTES DO DIREITO

    Investigar a origem do Direito consiste na necessidade de buscar, nas

    profundezas da vida social, a explicao para o surgimento de um sistema de regras . A

    fonte, portanto, de onde promana o direito, ganha, em importncia cientfica, na

    medida em que permite ao operador jurdico compreender os elementos forjadores

    do Direito em uma determinada sociedade, numa determinada poca.

    Assim, temos duas espcies de fontes do direito:

    FONTE MATERIAL: o Direito no um produto arbitrrio da vontade do

    legislador, mas uma criao que se lastreia no querer das demandas e necessidades

    sociais de preservao de determinados interesses, tidos como valiosos pelo meio

    coletivo. a sociedade, como centro de relaes de vida, como sede de acontecimentos

    que envolvem o homem, quem fornece ao legislador os elementos necessrios

    formao dos estatutos jurdicos. Como causa produtora do Direito, as fontes materiais

    so constitudas pelos fatos sociais, pelos problemas que emergem da sociedade e que

    so acondicionados pelos chamados fatores do Direito, como a Moral, a Economia, a

    Geografia;

    FONTE FORMAL: o direito positivo apresenta-se aos seus destinatrios por

    diversas formas de expresso, notadamente pela lei e pelo costume. Fontes formais so

    os meios de expresso do Direito, as formas pelas quais as normas jurdicas se

    exteriorizam, tornam-se conhecidas. Para que um processo jurdico constitua fonte

    formal necessrio que tenha o poder de criar o Direito. Criar o Direito significa

    introduzir, no ordenamento jurdico, novas normas jurdicas. As fontes formais

    equivalem, portanto, s normas que geram normas de cunho jurdico.

    11

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    12/64

    2. INTERPRETAO COMO ATIVIDADE COMPLEXA

    Quando qualificamos como complexa a atividade interpretativa apenas

    salientamos, na mobilizao dessas mltiplas faculdades psquicas, o acoplamento

    dos estados interiores ao mundo externo pela via do principal instrumento dessa

    mediao: a LINGUAGEM.

    Heidegger nos ensinou como o mundo nos chega enquanto linguagem.

    Ensinou-nos tambm que no apenas falamos das coisas que vemos, mas que antes,

    vemos somente as coisas de que podemos falar.

    A linguagem, portanto, funda e constitui o mundo. Por isso mesmo, a

    interpretao no se reduz a uma atitude passiva. No somos o mero receptculo em

    estados interiores das impresses do mundo exterior. O mundo feito por ns quando

    nos apropriamos dele interpretativamente.

    Nessa mediao lingstica da compreenso, o mundo , por ns,

    transformado, constantemente desfeito e refeito. Mas nem todas as linguagens so

    iguais. Existem certas linguagens dotadas da capacidade de mobilizar grandes

    poderes sociais, como o caso do direito.

    Tais linguagens-poderes imprimem novas condies de possibilidade

    vivncia do e no mundo. Quem por ofcio manipula essas linguagens na sua vida

    cotidiana recebe ento uma responsabilidade adicional (juiz, por exemplo): a de fazer

    no s o seu prprio mundo, mas tambm o daqueles onde muitos outros podem

    viver. Esse mundo ou esses mundos precisa ser melhor porque precisa apresentarpossibilidades de materializao ftica (passar a existir no mundo da vida).

    Desse modo, a comunho de acesso linguagem irmana o homem na

    universalidade de sua humanidade mundana. Segundo Eduardo Arruda e Marcus

    Gonalves: O direito precisa cuidar melhor da forma social dessa mundanidade para

    que a linguagem promova mais liberdade como expresso do homem em todas as suas

    potencialidades criativas. Liberdade ento significa: ser livre da misria que escravizaos homens pela animalidade de seus estmagos famintos. Falamos assim de uma

    12

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    13/64

    socializao das calorias necessrias a uma socializao da linguagem. Longe da

    escravido da fome e da ignorncia, somos minimamente iguais para sermos cada qual

    mais livre ao nosso prprio modo. 1

    HERMENUTICA e tica so temas recorrentes a interpelar os

    operadores do direito na tarefa de construo de alternativas jurdicas para a

    democracia, enquanto vetor de materializao prtica dos anseios e dogmas

    humanitrios propugnados na Constituio Federal de 1988, isto , A

    CONSTITUIO FEDERAL NO PODE SER UMA MERA CARTA DE

    INTENES, DEVER SER ALVO DE MASSIVA CONCRETIZAO, POR

    MEIO DOS OPERADORES DO DIREITO, NO ACONTECER DO DIREITO NO

    MUNDO.

    3. INTERPRETAO E COMPREENSO DO DIREITO

    A interpretao do direito costumeiramente apresentada ou descrita

    como atividade de mera compreenso do significado das normas jurdicas.

    Ou o intrprete identifica o significado da norma, ou o determina numa espciede tudo ou nada do significado expressivo da norma. Ainda que, sob essas duas

    variantes ato de conhecimento ou o ato de vontade - , permanece a ideia fundamental

    de que interpretar identificar ou determinar (= compreender) a significao de algo.

    No caso, compreender o significado da norma jurdica.

    Da a afirmao de que somente seria necessrio interpretarmos normas

    quando o sentido delas no fosse claro. Quando isso no ocorresse, tornando-se fluentea compreenso do pensamento do legislador o que, contudo, em regra no se daria,

    dadas a ambigidade e a impreciso das palavras e expresses jurdicas -, seria

    desnecessria a interpretao, procedendo-se ao ato mecnico de subsuno do fato

    norma, por meio de uma simplicidade causal explicativa de acomodao e no de

    proclamao do direito (o juiz diz o direito, no o cria e nem o acomoda).

    1 ARRUDA JR., Edmundo Lima de; GONALVES, Marcus Fabiano. Fundamentao tica eHermenutica alternativas para o direito. Florianpolis, 2002, p. 327.

    13

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    14/64

    14

    Essa concepo que nele pe vigorosa nfase e privilegia o pensamento do

    legislador passou por um processo de transformao ainda no completamente

    apreendido pelos que se dedicam ao estudo do direito e pelos que o operam.

    A interpretao do direito constitutiva, e no simplesmente declaratria.

    Vale dizer: no se limita a uma mera compreenso dos textos e dos fatos; vai bem alm

    disso.

    Como, e, enquanto interpretao/aplicao, ela parte da compreenso dos

    textos normativos e dos fatos, passa pela produo das normas que devem ser

    ponderadas para a soluo do caso e finda com a escolha de uma determinada soluo

    para ele, consignada na norma de deciso.

    Por isso, importante distinguirmos as normas jurdicas produzidas pelo

    intrprete, a partir dos textos e dos fatos, da norma de deciso do caso, expressa na

    sentena judicial.

    As questes que se levantam nesse momento podem ser assim definidas:

    1. Como se interpreta?

    2. Como se aplica?

    3. possvel alcanar condies interpretativas capazes de garantir uma

    resposta correta?

    Por outro lado, tais questes devem ser pensadas luz do Estado Democrtico

    de Direito, isto , mediante uma concepo que promova uma concretizao de direitos,colocando em oposio os (diversos tipos de) positivistas 2e os neoconstitucionalistas.

    Esse fenmeno advm do fato de que o novo paradigma de direito institudo

    pelo Estado Democrtico de Direito proporciona a superao do direito enquanto

    2No Brasil, a dogmtica jurdica refm do positivismo exegtico-normativista, produto de uma reunio

    de vrios elementos e modelos jusfilosficos de essncia positivista, como as teorias voluntaristas,intencionalistas, axiolgicas e semnticas, para citar algumas, as quais guardam um trao em comum: oapego ao esquema SUJEITO-OBJETO.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    15/64

    15

    sistema de regras, a partir dos princpios que resgatam o mundo prtico at ento

    negado pelo positivismo.

    Assim, possvel dizer que esse mundo prtico seqestrado

    metafisicamente pelo positivismo est centrado, no teatro do sujeito

    autocentrado e desdobrado sobre as palavras possveis, coerentes, sensivelmente

    concebveis, que proporciona um exorcismo, um seqestro da realidade,

    mantendo-a distanciada nada querendo saber dela.

    ISTO PORQUE O POSITIVISMO NO DESEJA O MUNDO, SENO

    UMA VERSO DO MUNDO; NO ASPIRA AO FATO, AO ASSUNTO, SENO

    AO ESQUEMA CONCEITUAL DE DECISIONALIDADE RACIONAL,

    DESTINADO A RECONHECER SE ALGO PODE SER DEFINIDO COMO UM

    FATO E RESULTAR CONCEBVEL COMO FATO. 3

    No Brasil, o novo texto constitucional representa uma ruptura do modelo

    de direito e de Estado, a partir de uma perspectiva claramente dirigente e

    compromissria. No havia espao para o mundo prtico no modelo de direito

    anterior; no havia espao para a discusso de conflitos sociais. Isto no era

    assunto para o Direito, nem para a Constituio.

    Em suma, conforme Lnio Streck:

    Se o modelo de direito sustentado por regras est superado, odiscurso exegtico-positivista, ainda dominante no plano da

    dogmtica jurdica, representa um retrocesso, porque, de umlado, continua a sustentar discursos objetivistas, identificandotexto e sentido do texto (norma), e, de outro, busca nas teoriassubjetivistas uma axiologia que submete o texto subjetividadeassujeitadora do intrprete, transformando o processointerpretativo em uma subsuno dualstica do fato norma,como se fato e direito fossem coisas cindveis e que os textosfossem meros enunciados lingusticos. 4

    3HAAR, Michel. Heidegger e a essncia do homem. Lisboa: Piaget, sd, p. 115 e ss.4

    STRECK, Lnio Luiz. Da Interpretao de Textos Concretizao de Direitos: a incindibilidade entreinterpretar e aplicar a partir da diferena ontolgica entre texto e norma. Constituio, sistemas sociais ehermenutica: programa de ps-graduao em Direito da Unisinos: mestrado e doutorado / orgs. Andr

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    16/64

    16

    4. HERMENUTICA E APLICAO DO DIREITO ATRAVS DAHISTRIA

    Assim, os mtodos de interpretao, acima mencionados, se consolidaram

    lentamente atravs da histria, como forma de proporcionar uma segurana ao

    intrprete, criando-se mecanismos matemticos de interpretao, atrelados ao esquema

    sujeito-objeto, deixando de avaliar a faticidade e a historicidade pr-compreensiva.

    Abaixo, segue rpida sntese da matria.

    Escolas hermenuticas: antecedentes

    certo que os romanos no chegaram a construir um corpo sistemtico deregras de hermenutica jurdica. Apenas se empenharam em formular preceitos para

    casos determinados (casos prontos), sem se preocuparem com a apresentao deprincpios gerais. Imperava a obsesso pelas formalidades, pelo rito solene, deimportncia capital.

    O poder da palavra, revelado nas relaes da vida pblica e privada, haveria,portanto, de penetrar no direito e refletir sensivelmente em sua interpretao. SegundoIhering, todavia, o exagerado apego palavra e formalstica mais se verificava nainterpretao dos atos jurdicos do que, propriamente, na interpretao das leis .Da a afirmao de Carlos Maximiliano, baseada em estudos do referido jurista alemo,de que "j os primitivos jurisconsultos romanos praticavam habilmente a hermenuticaevolutiva" (ob. cit., p. 72).

    Os glosadores da Idade Mdia, em sua faina incessante, buscavam no textoromano as regras de exegese, a que aditavam outras, de direito cannico econsuetudinrio. Mas no chegaram a elaborar uma autntica doutrina interpretativa.

    Estava reservada aos juristas da Idade Moderna, tendo em vista mesmo o fartomaterial casustico fornecido pelos glosadores, a confeco dos primeiros arcabouostericos de hermenutica.

    Consoante depoimento de Joaquim Incio Ramalho (Lies de hermenuticajurdica, 2a ed. So Paulo: Tipografia Americana, 1872, p. 4), j se divisava na obra de

    Hugo Grotius, De jure belli ac pacis, captulo 16, uma preocupao em reduzir a umsistema especial a hermenutica jurdica. Seguiram-no Puffendorf, Thomasius eEckardus.

    2. 2. Idade Contempornea. Surgimento das escolas.

    Foi a Revoluo Francesa, marco indelvel da Histria, que permitiu ocrescimento de uma verdadeira escola de hermenutica, denominada Clssica,Tradicional ou Dogmtica. Contra o arbtrio judicial, regra comum at ao

    Copetti, Lnio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha ... [et al]. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed.; SoLeopoldo: Unisinos, 2006, p. 153.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    17/64

    17

    Absolutismo, se insurgiram os seus adeptos, proclamando uma total subservincia aotexto da lei, expresso nica do direito(Montesquieu, Laurent, Pescatore).

    Se a lei clara, improcede qualquer tentativa de interpretao: in clariscessat interpretatio.

    Sendo a lei incerta, ambgua ou obscura, mister perquirir a vontade, opensamento do legislador, com o auxlio do elemento lgico.

    Eis a o seu erro, pois "da vontade primitiva, aparentemente criadora da normase deduziria, quando muito, o sentido desta, e no o respectivo alcance, jamaispreestabelecido, e difcil de prever" (Carlos Maximiliano, ob. cit., p. 72). Aferrando-seao pensamento do legislador e rigidez das palavras, desconhecia a naturalevoluo dos fatos sociais, base do direito, que lhes segue os passos.

    Da a importncia da Escola Histrica, fundada por Savigny, que negava

    a anttese letra/lgica. Em face de seus escopos, a interpretao haveria de ser umas, desdobrando-se, isto sim, em mtodos, entre os quais se incluiria o mtodohistrico.

    A interpretao, para Savigny, consistia na reconstruo do pensamentodo legislador, expresso da conscincia comum do povo. Impunha-se, ento, oconhecimento dos costumes e dos fatos sociais ligados ao contedo da lei, j que odireito, produto da vontade nacional, no se poderia considerar originrio da razohumana. Foi este, alis, o grande mrito da Escola Histrica: o de haver afastado aconcepo essencialmente racional da origem do direito.

    Com isso, Jos Kohler, Coviello, dentre outros, introduziram o elementosociolgico. Ntida a separao da lei, depois de publicada, do pensamento deseus artfices. As mutaes e o progresso social, em suas manifestaes infindas, noseriam antevistas pelo legislador. A lei, por seu turno, resiste ao tempo. Cumpre aointrprete a tarefa de fazer com que atinja o seu verdadeiro escopo, que eminentemente social.

    Quer no final do sculo XIX, quer nos primrdios do sculo XX, as teoriasproliferavam, ao sopro das novas ideias, sem dvida revolucionrias.

    Para Gny, por exemplo, a livre investigao cientfica passou a serconsiderada como fonte do direito, ao lado da lei e do costume. Para ele,inexistindo norma escrita ou consuetudinria lcito ao juiz criar o direito.

    O prprio Cdigo Civil suo, por influncia de outro jusfilsofo, Huber,ofereceu guarida ao preceito. Permitiu ao magistrado, na falta do direito escrito ouconsuetudinrio, sob inspirao da doutrina e jurisprudncia consagradas, decidirsegundo a regra que ele prprio estabeleceria se fora legislador.

    Nessa linha, Kantorowicz, na Alemanha, chegava ao extremo. Compete aojuiz, de acordo com sua habilidade e conscincia, procurar e aplicar o direito justo,

    superior prpria lei, especialmente se persistirem dvidas a respeito de seucontedo.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    18/64

    18

    O exagero manifesto. O arbtrio dos juzes, em termos to dilatados,acarreta a mais completa insegurana jurdica e social; fere, alis, o princpio daindependncia e harmonia dos poderes, apangio das liberdades fundamentais,dogma insubstituvel das constituies.

    O afastamento da lei s permitido em hipteses excepcionais: somentequando sua aplicao, no caso concreto, no atender aos fins sociais a que se destina,tornando-se, portanto, injusta. a concluso do Supremo Tribunal Federal em nossopas, que sempre repeliu, via de regra, a deciso contra legem. O que o juiz no poderfazer, ensina Alpio Silveira, " considerar uma lei como injusta em geral, em face do

    bem comum, da maneira por que ele o entende, e negar-lhe sempre aplicao" (OSupremo Tribunal e a deciso contra a lei,Revista Jurdica,v. 54. Porto Alegre: Sulina,1961, p. 26).

    Hoje, todavia, com a percepo dos males do prprio Direito Penal comosoluo dos problemas sociais, fica mais fcil conciliar injustia com

    inconstitucionalidade e, em conseqncia, aproximar o direito penal (em matria depunio) s teses do direito justo.

    Assim, a filosofia positivista influiu tambm na formao de uma teoriainterpretativa. Vander Eicken, discpulo das idias de Augusto Comte, chegou aafirmar que interpretao se aplica a lei dos trs estados donde haver sido, nopassar do tempo, literal (fase teolgica); lgica (fase abstrata); e positiva (fasecientfica).

    A corrente positivista, partindo do pressuposto de que o direito seconstitui, fundamentalmente, em uma cincia prtica, teleolgica, que visa felicidade social, faz dofimda lei o objeto primordial da interpretao.

    Mesmo revelia da concepo filosfico-jurdica de seus primeirosdefensores, a doutrina ganhou numerosos adeptos e conserva, ainda hoje, ao lado dadoutrina sociolgica, a mais pujante vitalidade.

    No Brasil, alis, os autores modernos no escondem sua preferncia pelos doisltimos processos, que nem um pouco se contradizem, mas se combinam, secompletam, e at se confundem.

    A propsito, para Inocncio Borges da Rosa "a interpretao evolutivo-sociolgica teleolgica, porque se preocupa com a finalidade da lei, que outra coisano pode ser seno a finalidade do direito, que promover o bem comum e, dentrodeste, o bem individual" (Dificuldades na prtica do direito.Porto Alegre: Livraria doGlobo, 1939, p. 254).

    A adoo de ambos os processos se tornou inclusive obrigatria. que o juiz,segundo estatui o art. 5 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, atender na aplicaoda lei aos fins sociais a que ela se destina e s exigncias do bem comum. Com a mesmadose de razo assim tambm proceder ao examinar e aplicar as normas relativas aosdemais ramos do direito.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    19/64

    19

    Mais recentemente, com a Constituio Federal de 1988, redescobriu-se afonte maior de todos os direitos: a liberdade, a igualdade e a dignidade do homem.

    Assim, s poderia haver direito penal que se limitasse, em carter subsidirio, proteo exclusiva de bens jurdicos; efetiva leso ou perigo concreto de leso; a

    uma tipicidade ao mesmo tempo formal (centrada na lei escrita) e material, a exigir, emtermos mais estritos (contedo ideolgico), a produo de resultado desvalioso eintolervel, objetivamente imputvel ao risco proibido inerente conduta.

    Tudo isso no surgiu abruptamente. fruto, justamente, do esforo dogmticode juristas nacionais e estrangeiros, preocupados com a reconstruo de um direitopenal mnimo e garantista, vlido para todos os membros do grupo social. Veja-se, arespeito do tema, dentre outros: Luiz Flvio Gomes, Teoria constitucional do delito nolimiar do 3 milnio, Boletim IBCCrimn 93, agosto de 2000, p. 3/4; tambm Direito

    penal, parte geral: introduo. So Paulo: RT, 2003, p. 27/166.

    Por sinal, os que conhecem o direito em sua concretude histrica (de qualquerpas ou regio; de carter penal ou extra-penal) sabem que o juiz, ainda que obrigado aaplicar a lei, na expresso de Cham Perelman, "dispe, no obstante, de um conjunto

    de tcnicas prprias do raciocnio jurdico que lhe permitem, o mais das vezes,

    adaptar as regras ao resultado buscado (grifos meus). A interveno do juizpossibilita introduzir no sistema jurdico consideraes relativas oportunidade,

    justia e ao interesse geral que parecem, numa perspectiva positivista, alheias aodireito" (tica e direito, [trad.]. So Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 426).

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    20/64

    20

    HERMENUTICA JURDICA - AULA 02

    5. ESPCIES DE INTERPRETAO

    Didaticamente, a interpretao da lei tem merecido classificaes para melhor

    aplicao de seus mtodos e processos. Assim, por exemplo, reportando-se Tito

    Fulgncio, em classificaes cujas espcies so abordadas, de uma outra forma, por

    outros autores (Carlos Maximiliano, Serpa Lopes, dentre vrios), o Prof. Caio Mario da

    Silva Pereira divide-as em dois grupos, em funo da origeme dos elementos. Quanto

    ao primeiro critrio, diz-se autntica, judicial ou doutrinria. Em razo do segundo,

    gramatical, lgica e sistemtica.

    Saliente-se, entretanto, que a atividade interpretativa, em sua substncia,

    una. Para Ferrara, a quem assim se apresenta, complexa, de natureza lgica, prtica,

    implica na induo das circunstncias da vontade legislativa. Os diversos meios somam-

    se a este fim para obter o sentido legislativo, em ordem a que venha o intrprete a

    descobrir o real contedo da norma, reconstruindo o pensamento legislativo, descendo

    da superfcie verbal, expresso to ao gosto do Min. Orosimbo Nonato, a seu conceito

    ntimo e o desenvolva em todas as possveis direes.

    Essa ltima afirmao evidencia a celeuma em torno do entendimento

    positivista, de que o julgador dispe da mxima liberdade para decidir-se em todas

    as possveis direes que a lei lhe outorga.

    Tal postulado, no entanto, traz consigo, a figura do super-juiz, pautado

    pelo egocentrismo subjetivista (solipsista) da resposta nica em direito,conformador de uma interpretao judicial precria e desvalida de um contedo

    constitucional mnimo, caracterizado pela utilizao mecnica e reiterada de

    procedimentos de subsuno da lei ao fato, onde o julgador imagina decidir, num

    primeiro momento; aplicar, num segundo; e, s depois, fundamentar a deciso

    tomada (com os dispositivos da lei ordinria, por exemplo).

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    21/64

    21

    Essa visualizao do ato de julgar equivocada, pois admite como possvel o

    fracionamento da interpretao do fato pelo julgador, admitindo cindir o que

    incindvel.

    Isto , no instante em que o julgador toma conhecimento do fato (que se d

    inteiramente pelo contato com as provas constantes nos autos do processo, bem como

    com a verso das teses de acusao e defesa), sua compreenso j est formada -

    alimentada em muito, pela sua pr-compreenso de mundo vivido; e o direito j est

    aplicado tambm, eis que, o compreender consiste no aplicar. Por isso, impossvel

    fatiar a interpretao/compreenso/aplicao, situando-as em diferentes momentos,

    como se fosse um processo dotado de fases. Ou ainda, como se a mente do julgador

    fosse multifacetada, dotada de sucessivos compartimentos de assimilao do fato pela

    lei.

    Segundo Lnio Streck, saltamos, com o paradigma democrtico (superamos a

    metodologia epistemolgica pela ontololgica) dofundamentar para o compreender,

    evitando-se, com isso, o confisco do mundo prtico de uma situao submetida ao

    Poder Judicirio. 1

    Trata-se, para o referido autor, (...) de superar a problemtica dos mtodos,

    considerados pelo pensamento exegtico-positivista como postos seguros para a

    atribuio dos sentidos. Compreender no produto de um procedimento

    (mtodo) e no um modo de conhecer. Compreender , sim, um modo-de-ser,

    porque a epistemologia substituda pela ontologia da compreenso. Isto significa

    romper com as diversas concepes que se formaram sombra da hermenutica

    tradicional, de cunho objetivista-reprodutivo, cuja preocupao de carterepistemolgico-metodolgico-procedimental, cindindo conhecimento e ao,

    buscando garantir uma objetividade dos resultados da interpretao. 2

    Apesar dessa revoluo produzida pelo giro ontolgico, (...) possvel

    detectar nitidamente a sua no-recepo pela hermenutica jurdica praticada nas

    escolas de direito e nos tribunais, onde ainda predomina o mtodo, mesmo que

    1Ob. Cit., p. 151.2Idem, ibid.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    22/64

    22

    geneticamente modificado pelas teorias discursivas. A existncia de tantos mtodos

    e procedimentos interpretativos postos disposio dos juristas faz com que

    ocorra a objetificao da interpretao, porque possibilitam ao intrprete sentir-se

    desonerado de maiores responsabilidades na atribuio de sentido, colocando no

    fetichismo da lei e no legislador a responsabilidade das anomalias do direito.

    Esfumaa-se, pois, a tica no discurso jurdico. Afinal, como bem alerta Gadamer,

    o que constitui a essncia da metodologia que seus enunciados sejam uma espcie

    de tesouraria de verdades garantidas pelo mtodo. 3

    Para os positivistas o afastamento do mundo prtico condio para a

    construo de uma verdade consensual, sublimada numa razo meramente

    formal-instrumental, onde os elementos contextuais que cercam o caso, e

    influenciam as partes de uma relao processual so empurrados para debaixo do

    tapete, importando apenas o suporte legislativo que melhor se encaixa no mago

    da lide processual (e assim mais um caso resolvido sem relevar o mundo prtico

    da vida, das pessoas, dos bairros, do cotidiano de cada um e das dificuldades pelas

    quais todos passam todos os dias, para sobreviver num mundo que prtico, mas

    de existncia desconhecida para os julgadores e intrpretes brasileiros,

    encastelados nas torres dos fruns, tribunais e rgos ministeriais).

    INTERPRETAO CLSSICA. PROCESSOS, MTODOS E ESPCIESDE INTERPRETAO ELENCADOS PELA DOUTRINA:

    Como visto, em face de critrios tradicionais, levando-se em conta a origem,tem-se, inicialmente, a interpretao autntica, tambm denominada pblica(Cunha Gonalves), quando, por via de outra lei, ou pelo costume, se for o caso,determina-se o sentido da norma, cujo texto padece de ambigidades ou falta de

    clareza., no mais freqente, a interpretao da lei pela prpria lei, que, por seu

    contedo de lei pretrita, que esclarece, no vigora apenas para o futuro, mesmoquando completa lacuna da lei anterior.

    Tem como caracterstica, pois, a eficcia retroativa, remontando seusurgimento a perodo em que ao legislador competia a interpretao da lei. Deveser da mesma hierarquia da norma interpretada e tambm submete-se inteligncia de suas disposies.

    3Ob. Cit., p. 152.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    23/64

    23

    1. Interpretao judicial executada no limiar jurisdicional, executada pelojuiz, utilizando-se da legislao. No funo judicial especfica, porm resultado, porconseqncia, da fixao do contedo do preceito invocado. No assume a interpretaosentido normativo.

    Destarte, smulas, prejulgados e uniformizaes de jurisprudncia no contmnorma jurdica, apenas cristalizam a jurisprudncia da Corte. A Smula do SupremoTribunal Federal, em sua real acepo, no passa de mero instrumento de trabalho quesimplifica o julgamento, dispensando a repetio de seus fundamentos (Ag 121-969-6 -AgRg-RJ, Rel. o Ministro Moreira Alves, in "DJU", de 5.2.88, p. 1.839)".

    Faz-se mister para que a interpretao se tenha por judicial que figure na parteconclusiva da sentena, que faz coisa julgada. Nos Motivos, alm de lhe faltar cunho degeneralidade, no desponta perante terceiros nem para outros rgos judicantes.

    2. Doutrinria a interpretao que emana da obra do jurista, em trabalha de

    cunho terico, cuja autoridade depende da de seu autor e de seu esforo em face da leiin abstracto, sem influncia dialtica ou interesse mediato.

    3. No tocante aos elementos da interpretao, diz-se gramatical ou literalquando se prende anlise filolgica do texto, sua linguagem; ao significado dostermos, que pode ser outro, tcnico, distinto do comum. Assim, os de posse, boa f,legado, caso fortuito e muitos outros.

    4. A interpretao lgica ou racional pesquisa o esprito da disposio, utiliza-se de fatores racionais, da gnese histrica, da conexo com outra norma e com o inteirosistema.

    Para lev-la a cabo, impe-se atentar para as relaes de vida para que foi criadaa norma, que visa satisfazer a exigncias econmicas e sociais que surgem da relaosocial.

    O fim, porm, no fornece, por si s, o real contedo da norma, porque pode seralcanado por vrias vias e pode ter havido equvoco do legislador quanto aos meios.

    O fim, no elegante dizer de Ferrara, o raio de luz que clareia o caminho dointrprete.

    Da ratio legis distingue-se a occasio legis. conjunto de circunstnciashistricas que cerca a criao da Lei, como, por exemplo. a situao de revolta eperturbao interna que precedem a edio de diplomas restritivos a liberdadespessoais.

    A ratio legis pode mudar com o tempo, conferindo atualidade norma,sendo a base da interpretao evolutiva.

    5. Na interpretao sistemtica, o trabalho de comparao do intrprete vaimais longe, buscando a fixao de princpios norteadores do sistema, para, de seu

    confronto com a norma, dela extrair o significado que com eles tenha compatibilidade.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    24/64

    24

    Isto porque o Direito no um aglomerado de preceitos a esmo, mas umconjunto, orgnico e harmnico de regras que guardam correlao entre si, e sereportam a princpios inspiradores mais elevados.

    6. Os autores se referem ainda interpretao histrica que no se revela,

    todavia, desta espcie no se pode dizer que um mtodo de interpretao. Cuida-se derecurso auxiliar no trabalho do intrprete. Diz respeito ainda aos trabalhos preparatriosda Lei, que no assumem atualmente o valor de que antes desfrutavam, na medida emque a mens legis no se identifica com a mens legislaroris. Difcil, hoje, de aferir-sediante da heterogeneidade na composio dos rgos legislativos. Constitui, mais,matria interna corporisdeles. Comparam-se s tratativas nos contratos.

    INTERPRETAO MODERNA: PROCESSOS, MTODOS EESPCIES DE INTERPRETAO ELENCADOS PELA DOUTRINA:

    7. A orientao clssica se fazia obediente Lei.

    Assim, referem os autores, ocorreu no Direito Romano, em fase inicial, peloapego forma. Somente mais tarde, quando o jurista alcanou a abstrao de conceitose o cuidado de regras de hermenutica, mediante a adoo da forma procedimental decompartimentalizar o entendimento judicial.

    De igual modo, sucedeu na Idade Mdia, com a escola de glosadores, ps-glosadores, tecendo comentrios mais profundos ao lado das disposies de lei; e, maistarde, com a liberao da forma pela escola culta de Cujcio.

    Repetiu-se o fenmeno da exegese, presa ao texto, com os comentadores doCdigo Napoleo.

    Da a reao que se seguiu com a ESCOLA DE DIREITO LIVRE,propondo novos mtodos de interpretao, permitindo-se, em alguns pases, aoJuiz corrigir e completar a Lei, guiado por orientaes subjetivas, com a valoraode interesses pelos prprios sentimentos, criando no lugar e ao lado do Direitopositivo, a sua lei.

    No era a Lei que, unicamente, produzia o Direito, mas, a seu lado, a

    jurisprudncia, os costumes, a equidade, os fatores sociolgicos orientados naconcepo do julgador.

    Foram seus corifeus, com matizes prprios de opinies, Franois Gny, Bulow,Khler, Kantorowicz, Schlossmann, Erlich, Stammler, que preconizava o Direito Justo,Mayer.

    No havia acordo, porm, entre os defensores desta corrente: para uns, spode o juiz criar o Direito no silncio da Lei; para outros, o juiz deveria proceder (dedutiva) interpretao lgica; e, para ainda outros, em qualquer caso.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    25/64

    25

    Contra a Escola Livre ergueram-se estudiosos vrios, apontando-lhe ograve defeito de comprometer a segurana jurdica, gerando perigoso estado deanarquia.

    Dentre os opositores. destaquem-se Unger, Dernburg, Hellwing, Polacco,

    Coviello, Degni, Pacchioni, Brugi.

    Os Tribunais deviam obedincia Lei e jurisprudncia, no poderiam,portanto, mudar ao sabor das tendncias do dia, das classes e dos partidospolticos.

    Os partidrios da Escola Livre, todavia, centravam suas crticas na excessivaabstrao do mtodo tradicional que ficava agrilhoado aos conceitos lgicos e formais,afastando-se da realidade de vida, da natureza das relaes em jogo, e, enfim do Direito.

    Em seu modo de ver, no h vontade na Lei, sendo esta atribuda pelo homem

    atravs da interpretao, haja vista as constantes mutaes da jurisprudncia.

    Por evidente que esta concepo no poderia prevalecer quando no fossepela repartio constitucional dos Poderes, nos pases que a consagraram.

    certo prescrever o art. 4 do Cdigo Civil suo, em tmida aplicaodaquelas ideias, ter o juiz de decidir de acordo com o direito e a equidade, quandoa lei se referir a seu critrio ou a circunstncias ou a motivos poderosos. Noentanto, no chancela as teses da Escola Livre.

    A interpretao, verdadeiramente teleolgica, e no h como conceb-la deoutra forma, que confere eficcia prtica jurisprudncia, est vinculada Lei,quer pela aplicao lgica, quer pela analgica, cujos germes esto incutidos noDireito positivo.

    O princpio no inveno do jurista, porm descoberta do Direito, que seencontra latente no Direito positivo.

    ESTA A LIO DE FERRARA, PARA QUEM NO SE PODECONCEDER AO MAGISTRADO UM SALVOCONDUTO TERICO PARA AVIOLAO DA LEI.

    Da que, devido a crticas procedentes ao exagero formal da escolatradicional evoluram os cultores do Direito para mtodos que, preservando algica e o valor intrnseco do sistema, levavam em conta, os dados da realidade.Assim faziam at formarem a espcie, espera de deciso.

    O art. 5 da nossa Lei de Introduo ao Cdigo Civil filia-se a essa posiointermdia, ao estabelecer, que, na aplicao da lei, o juiz atender aos fins sociaisa que ela se dirige e s exigncias do bem comum.

    Segundo o Prof. e Desembargador Serpa Lopes. em seus Comentrios Lei de

    Introduo ao Cdigo Civil, vol. I, pp. 121 e segs.; os fins sociais dizem algo do sistemateleolgico constituindo-se o Bem Comum, de noo tomista, nas justas exigncias.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    26/64

    26

    Por outro lado, autoriza o art. 127 do CPC, a, em casos previstos em lei, decidiro juiz por equidade, como se Legislador fosse.

    ASPECTOS ATUAIS DA INTERPRETAO DA LEI

    A evoluo e universalizao de sistemas jurdicos, aliado ao avanotecnolgico da informao e da linguagem so fatores responsveis pela introduode algumas perspectivas novas no que se refere aos mtodos de interpretao, apartir da concepo de novas fontes jurdicas.

    Em termos de codificao, por exemplo, o Cdigo Civil portugus de 1966,alm de alargar a possibilidade de julgamento por equidade, quando haja acordoentre as partes, e a relao jurdica no seja indisponvel (art. 4, b), permite, noart. 10, n 3, ao cuidar da integrao das lacunas da lei, e, na falta de caso anlogo,ser a situao resolvida segundo a norma que o prprio intrprete criar, se

    houvesse a necessidade de legislar dentro do esprito do sistema.

    Esse mesmo Cdigo Portugus, prescreve, no art. 8, a obrigao de julgar eo dever de obedincia lei, fixando, em seu n 2, que este no pode ser afastado sobpretexto de ser injusto ou imoral, o contedo do preceito legislativo. Mas, no art.9, ao ocupar-se da interpretao da lei, estabelece em seu item 1, no devercingir-se sua letra, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo,tendo em conta a unidade do sistema jurdico, as circunstncias em que a lei foielaborada e as condies especficas do tempo em que aplicada. Adita, no n 2,no poder, porm, ser considerado pelo intrprete o pensamento legislativo queno tenha na lei um mnimo de correspondncia verbal, ainda queimperfeitamente expresso.

    Sob tais perspectivas, ajusta-se como um critrio apto a atender taisnecessidades o da interpretao pela lgica do provvel, sugerido pelo Prof. ArnaldoWald ("Os Mtodos Modernos de Interpretao, in "Revista de Direito Civil", n 31, pp.7 e segs.), em que os juzos de valor so aferidos segundo a categoria do razovel eno conforme os esquemas do racional e da lgica formal. O razovel, para oautor, refere-se sempre situao concreta, procura conciliar os princpios deequidade com a segurana jurdica, ante a necessidade de soluo em face do casoconcreto, em que entram em relevo os valores econmicos e sociais envolvidos e

    expressos na norma concreta.

    Lacunas no Direito Positivo

    Controverte-se sobre a existncia de lacunas no Direito positivo e a respeitodas formas de preench-las, respectivamente no Direito Pblico e no DireitoPrivado.

    Se por lacunas se compreendem vazios insuscetveis de preenchimento,ento no h nelas falar no Direito. Se no recaem sob normas de reenvio,predispostas, neste caso situam-se fora do campo jurdico.

    A lacuna, entretanto, tal como admitida, verifica-se quando inexistedisposio legal que regula especialmente determinada matria, que pode ser

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    27/64

    27

    suprida por outra norma aplicada por analogia, ou, se tal no ocorre. Na lio deFerrara (ob. cit., pp. 224/32), o fato comporta-se na esfera de liberdadeextrajurdica ou juridicamente indiferente, se aquele resultado imprprio ndole da relao.

    A ordem jurdica tem horror ao vcuo, expressa o mestre italiano. As

    lacunas, como tais, comuns no ordenamento jurdico, ocorre quando situaesnovas no so abrangidas por lei preexistente, preenchendo-se medianteinterpretao e desenvolvimento do contedo legislativo e extenso, e desaparecemna aplicao.

    Podem eventualmente ser intencionais; quando o legislador se defrontoucom situaes ainda no amadurecidas para a disciplina legislativa, preferindodeixar sua soluo, provisoriamente, doutrina e jurisprudncia .

    Pode o juiz, todavia, sempre preench-las na base do sistema jurdico, que capaz, em si, de gerar norma para qualquer hiptese.

    Analogia

    Ubi eadem est legis ratio, ibi cadem debet esse legis dispositio. o princpioque inspira esta primeira forma de integrao da norma jurdica.

    No consiste propriamente em fonte de Direito, embora considerada comotal, com carter secundrio, em face da art 4 da Lei de Introduo ao CdigoCivil, pois no cria o Direito novo, mas limita-se a descobrir o existente.Invocando-a, o juiz desenvolve normas latentes no sistema, em elaboraovinculada lei, pois o Direito, ainda no esclio de Ferrara (ibidem), no apenas ocontedo imediato das disposies expressas, porm o virtual de normas noexpressas, desde que, nsitas ao sistema.

    , pois, o "processo lgico pelo qual o aplicador do Direito estende preceitolegal a casos no previstos em seu dispositivo" (Prof. Caio Mario, ob. cit., pp. 56/7),que a concebe, como CIvis Bevilaqua (Teoria Geral do Direito Civil, 7 ed., n 30,p.34), como fonte de Direito subsidiria desde as Ordenaes, (L. 3, tt. 69), aodeterminarem ao juiz proceder de semelhante a semelhante.

    Para recorrer-se analogia, mister concorram os seguintes pressupostos(Ferrara): a) a falta de precisa disposio legal para o caso a decidir b) a igualdade

    jurdica na essncia entre o caso a regular e o regulado (semelhana jurdica dosfatos); c) no caber interpretao extensiva, com que no se confunde; exceto se noprocesso penal vier a prejudicar o acusado, no sendo aplicvel .

    Para aferir-se a semelhana dos fatos, basta que se levem em conta oselementos juridicamente relevantes, as notas decisivas, no os acidentais eacessrios.

    Importa distingui-la, logo, da interpretao extensiva, ambas deconseqncias diferentes.

    Esta, que se insere no processo de interpretao lgica, pressupe que o seucaso, no previsto diretamente na lei, se enquadra em seu sentido, apesar derefugir sua letra. Na analogia, o caso no contemplado, absolutamente, nadisposio legal. A primeira completa a letra da lei, a segunda, seu pensamento.

    Da que, segundo Ferrara (ob. cit., pp. 224/32), probe-se a extenso denormas excepcionais s por analogia.

    No se pode tambm recorrer analogia, quando prevalece o argumento acontrario sensu, que exclui casos outros, fora dos previstos.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    28/64

    28

    Por outro lado, a interpretao extensiva tem lugar exatamente, quando osentido literal da lei no coincide com sua vontade, que se deduz da interpretaolgica. Deve o pensamento, no caso, triunfar da escama verbal (prior atquepotentior est quam vox, mens dicentis 7, 2, D. 33, 10), conforme o juristaitaliano.

    Princpios Gerais de Direito

    Constituem ainda fonte subsidiada do Direito, conforme Clvis Bevilaqua(Teoria Geral, p. 36), formando "as regras mais gerais que constituem ofundamento da cincia e da arte do direito; no somente os princpios quedominam o direito nacional, como ainda o conjunto dos preceitos essenciais, queservem de expresso ao fenmeno jurdico."

    No Direito anterior, eram tambm fonte subsidiria os princpios de Direitoromano, sob a inspirao da boa razo (Lei de 28.8.1772).

    Com a codificao, passaram a extrair-se dela, em esforo de abstraoapurado. fonte subsidiria no Cdigo Italiano (art. 12) e no portugus (art. 13).

    Serviram, no Direito brasileiro, construo da teoria da impreviso, ampliao da responsabilidade civil e da garantia dos direitos pelo mandado desegurana.

    6. FORMAS DE INTERPRETAO

    A norma jurdica, quer tenha sido fabricada intencionalmente (a lei em sentido

    formal e em sentido material), quer tenha sido apurada pelos cultores e aplicadores do

    Direito (a jurisprudncia, os tratados, as convenes, etc), exige uma fase de

    burilamento e adequao ao momento histrico e social da sua aplicao.

    Enquanto texto frio e latente, espelha to-s o instante da sua confeco ou do

    seu incorporamento ao conjunto normativo. Cabe ao intrprete vivific-la e dar-lhe a

    destinao adequada s exigncias scio-culturais dos seus sditos, assim entendidos

    pela submisso gerada pela coercibilidade das normas. Destacando a misso do exegeta,diz Caio Mrio da Silva Pereira que s o esforo hermenutico pode dar vida ao nosso

    Cdigo Comercial, publicado em 1850, diante da complexidade da vida mercantil de

    nossos dias; s pela atualizao do trabalho do intrprete possvel conceber-se o vigor

    do Cdigo de Napoleo, que vem de 1804, ou a sobrevivncia dos cnones da

    Constituio americana, que de 1787.4

    4Instituies de Direito Civil, Forense, 1991, vol. 1, p. 135.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    29/64

    29

    Volvendo ao tema principal da interpretao, sabido que vrias so as

    espcies de interpretao classificadas pelos doutrinadores, tambm chamados de

    processos de interpretao. E clssica a enumerao de Tito Fulgncio5, ordenando ditos

    processos quanto origem e quanto aos elementos:

    Quanto origem, a interpretao pode ser:

    a) Autntica, quando operada por intermdio de um novo diploma, editado

    posteriormente ao texto obscuro, ao qual visa dar a clareza originariamente omitida,

    vezes por despreparo intelectual do confeccionador da norma. Nessas hipteses, lembra

    Caio Mrio da impossibilidade da explicao ser dada por um diploma hierarquica-

    mente inferior norma explicada.6

    b) Judicial, quando proferida por rgo judicante, independentemente de

    nvel, assim sendo entendida tanto a manifestao de um Juzo monocrtico como o

    decisum de um Tribunal. A adequao do caso sub judice norma eleita como a ele

    aplicvel (ou a operao inversa), finda por exigir do julgador a demonstrao do

    entendimento que este hauriu da norma aplicada. Mais das vezes tal exigncia

    imperativo legal, inarredvel, como o caso brasileiro (CPC, art. 458, incs. II e III e art.

    131; CPP, art. 381, incs. III e IV). Joo Franzen de Lima chama este mtodo de

    interpretao judiciria, ressaltando que as decises da justia s se impem s pessoas

    que forem parte na demanda; mas a interpretao reiterada da lei num mesmo sentido

    constitui a jurisprudncia, que tem relevante valor para a deciso de casos anlogos 7.

    e) Doutrinria ou doutrinal, desde que feita pelos doutores do direito, ou

    seja, os jurisconsultos, em seus escritos e opinamentos, detalhando o texto da norma em

    conjugao com os conceitos que inspiraram a edio desta.

    Quanto aos elementos, a interpretao considerada:a) Gramatical, em razo do intrprete recorrer a elementos puramente

    filolgicos do texto analisado, deste extraindo o sentido aps acurada apreciao do

    emprego das palavras, da significao dos vocbulos. Exemplifica Amoldo Wald que

    quando se declara na lei que todos os homens tm capacidade jurdica e o intrprete

    quer saber se o texto estabelecido visa no apenas ao homem, mas tambm mulher,

    5Programas de Direito Civil, vol. 1, p. 7.6

    ob. op. cit., p. 137.7ob. op. cit., p. 110.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    30/64

    30

    vamos estudar qual o sentido da palavra homem utilizado pelo legislador... Veremos,

    assim, que a inteno do legislador, ao empregar a palavra todo homem era de usar o

    masculino, abrangendo tanto o masculino como o feminino, quer dizer, dando a

    capacidade jurdica no s ao homem como tambm mulher 8.

    A interpretao gramatical tambm denominada literal, farisica e especiosa

    e foi introduzida na cincia jurdica pelos adeptos da Escola de Exegese, movimento

    cultural contemporneo do Cdigo Napolenico de 1804, e cujo fundamento-mor era a

    desnecessidade de analisar o diploma sob outros prismas, j que segundo Demolombe, a

    lei era tudo, competindo ao intrprete apenas extrair o sentido pleno dos textos, para

    apreender-lhes o significado, ordenar as concluses parciais, e, afinal, atingir as grandes

    sistematizaes.9

    Pelos filiados Escola de Exegese, algumas regras foram erigidas a princpio

    para a aplicao do mtodo gramatical, a saber:

    1 - As palavras devem ser analisadas em articulao com os outros vocbulos

    do texto.

    II - Se uma palavra tem um sentido tcnico ao lado de um sentido vulgar, deve

    o intrprete optar pelo sentido tcnico.

    III - O sentido comum da palavra, entretanto, no dever ser desprezado, desde

    que no contenha inexatides, impropriedades ou equivocidades.

    IV - O processo gramatical deve ser considerado como o incio da atividade

    interpretativa do Direito, estando sujeito, pois, s falhas e s imperfeies factveis na

    atividade humana.

    Crticas so disparadas contra a interpretao gramatical, pelos mais

    representativos cultores do Direito. Tanto que, em reao s Escolas de estrito legalismo

    (a de Exegese e a Pandectista, esta ltima elevando a norma legal ao patamar dedogma), surgiram a Escola Histrica-Dogmtica (o elemento sistemtico deveria ser

    utilizado, reconstruindo o sistema orgnico do Direito, do qual mostrava apenas uma

    face); a Escola Atualizadora do Direito (a lei com vida prpria e o Direito

    acompanhando as evolues sociais); e a Escola Teleolgica (o carter finalista do

    Direito).

    8

    Curso de Direito Civil Brasileiro, 6 edio, RT. p. 70, vol. 1, 1989.9Miguel Reale, ob. op. cit., p. 308.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    31/64

    31

    b) Lgica10consistindo na nfase oferecida analise do texto da norma, em

    lugar das palavras que compem o mesmo. Busca descobrir o sentido e o alcance da lei

    independentemente do auxlio de elementos exteriores, aplicando ao dispositivo regras

    tradicionais e precisas, tomadas de emprstimo lgica geral. Pode ser fracionada em

    trs subespcies: analtica, sistemtica e jurdica.

    A interpretao analtica lgica por excelncia, contradizendo a interpretao

    gramatical, afirmando o esprito do texto sobre as palavras do texto. Para os seus

    defensores, cabe ao intrprete analisar a obra em si, e no a inteno de quem a fez.

    Na interpretao sistemtica, todas as normas devem ser analisadas tendo em

    conta as suas inter-relaes com outras normas do ordenamento.

    J a interpretao jurdica, para efeito didtico, desdobrada em trs campos

    de perquirio: a ratio legis (qual a razo da existncia da norma); a vis legis (qual o

    grau de vigor da norma. Se de jus cogens ou no, etc.); e o ocasio legis (a conjuntura

    scio-histrico-cultural que serviu de contorno criao da norma).

    II - Doutrinria. Tambm chamada doutrinal, flui da opinio dos

    jurisconsultores. J foi reportada neste trabalho.

    III - Jurisprudencial. Descende da interpretao judicial. por demais

    dinmica, j que oferecida a casos concretos postos ao julgamento do poder

    competente, muito embora passvel de cristalizao, v.g. as smulas dos Tribunais

    brasileiros e os precedentes da common law.

    IV - Inventiva. Bem ao gosto dos adeptos do jus faciendi, ao preconizar que

    ao intrprete facultado compor as lacunas da norma jurdica, adequando-a ao caso sub

    studio, demonstra ser muito mais uma tcnica de integrao da norma de que um meio

    de interpretao desta.

    V - Estruturante. Busca vivificar a norma de conformidade com o contexto

    onde a mesma est inserida. Assemelha-se interpretao sistemtica.

    10Aqui digredimos da sistematizao formulada por Tito Fulgncio (ob. op. cit., p. 136) e Joo Franzen

    de Lima (ob. op. cit., pp. 110 e 111), preferindo analisar a interpretao sistemtica como espcie deinterpretao lgica, ao lado da interpretao analtica e da interpretao jurdica. Quase ao estilo deMiguel Reale (ob. op. cit., pp. 309 e as.).

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    32/64

    32

    VI - Sociolgica. Mira adaptar a norma s reais necessidades sociais e

    econmicas, contemporneas aplicao da lei.

    VII - Do refazimento da norma. Bem assemelhada inventiva. A

    interpretao tem o condo de praticamente refazer, recriar a norma, de acordo com o

    instante scio-poltico-econmico da aplicao.

    VIII - Restritiva. Mtodo ou processo de interpretao visto na hermenutica

    pelo ngulo do resultado. Segundo Carlos Maximiliano11, o exegeta extrai do texto

    menos do que a letra da lei - primeira vista - traduz. Ou seja, o legislador disse mais

    do que queria (dixit plus quam voluit) e, ento, obriga o intrprete a restringir o sentido

    da lei.12

    IX - Ampliativa. Outra que considerada quanto ao resultado advindo da

    exegese. E tambm conhecida como extensiva, ampla, lata, liberal e generosa. Ainda

    segundo Carlos Maximiliano (ob. op. cit.), extrai do texto mais do que ditam as palavras

    (dixit minus quam voluit).

    Alm dos mtodos acima comentados, h outras formas de interpretao

    contempladas na doutrina, conforme destaque a seguir.

    A interpretao histrica aquela que toma por base os antecedentes

    normativos do texto em anlise. Cuida o exegeta de estudar, em caso de lei, a exposio

    de motivos, os debates parlamentares, as disposies internacionais sobre o assunto etc.

    Presente, passado e futuro, como circunstncias de tempo, so encaradas pelo intrprete

    no desenvolvimento do processo cognitivo da norma. Por isso, difcil seria entender o

    inteiro significado da lei sem consultar elementos histricos, circunstncias sociolgicase, ainda, os fatores polticos, como opina Antnio de Queiroz Filho13. Entretanto, Caio

    Mario da Silva Pereira diz que no existe esta modalidade de interpretao, havendo

    sim, o elemento histrico para coadjuvar o trabalho do intrprete14, que mesmo sendo

    11Hermenutica e Aplicao do Direito, Forense, 9edio, p. 198.12Amoldo Wald, ob. op. cit., p. 72.

    13Lies de Direito Penal, So Paulo, RT, 1966, p. 100. 14ob. op. cit., p. 140.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    33/64

    33

    de grande valia, no tem autonomia suficiente para figurar como espcie de

    interpretao.

    declarativa15ou declaratria16a interpretao mais singela, limitada a dizer

    timidamente o sentido da lei, sem maior aprofundamento do intrprete. E mais invocada

    para obstar as outras espcies de interpretao, sob o argumento de que o texto da

    norma j suficientemente claro. Nesse diapaso, o velho aforismo in claris non fit

    interpretatio soa mais como no complique o bvio.

    Progressiva a exegese que catapulta para o futuro o contedo da norma. E

    como explica Eduardo Couture: o certo que a lei, uma vez nascida, segue vivendo ao

    longo do tempo e muito alm da significao originria que lhe emprestou o legislador:

    os atos de responsabilidade, por prejuzos causados pelos automveis, no estavam na

    idia de Portals; continuamos, entretanto, a nos guiar pelos princpios do Cdigo

    Napolenico na determinao dessa responsabilidade17.

    A interpretao teleolgica (finalidade da norma), afirmada por Rudolf Von

    Jering em sua obra O Fim do Direito18, como no poderia ser diferente; mira a

    compreenso finalstica da norma.

    A interpretao ab-rogatria usada quando presente um conflito entre

    dispositivos legais. Haver uma opo do exegeta, conforme veremos oportunamente.

    Posto o inexaurido elenco de mtodos, tcnicas, processos ou simplesmente

    elementos de interpretao das normas jurdicas, notadamente as legais, est claro que

    os exegetas dispem de um vasto leque de opes para analisar e aflorar o entendimento

    das ditas regras. Para selecionar, dentre tantos, qual o caminho mais adequado aodesbravamento do real objetivo do texto, mister que sejam adotados alguns critrios

    orientadores da opo acertada. Vejamos.

    1 - A interpretao extensiva no se aplica em casos de:

    15Antnio Jos Fabrcio Leiria, Teoria eAplicao da Lei Penal, Saraiva, 1981, p. 56.16Amoldo Wald, ob. op. cit., p. 72.17

    Interpreta o das Leis Processuais, traduo de Gilda Russoxnano, Max Linionad, So Paulo, 1956, p.1918Citado por Miguel Reale, ob. op. cit., p. 322.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    34/64

    34

    a) Normas punitivas, em respeito ao princpio da legalidade, servido do

    direito natural para o patamar dos princpios constitucionais, exigindo expressa

    disposio de lei para a configurao delitiva e a respectiva sano (v.g. CF , art. 50,

    XXXIX e CP, art. 1);

    b) Normas de carter fiscal, notadamente no que diz respeito suspenso

    ou excluso do crdito tributrio; outorga de iseno; e dispensa do cumprimento

    de obrigaes tributrias acessrias (CTN, art. 111). Justifica Pontes de Miranda: o

    mtodo de fontes e de interpretao das leis tributrias no precisamente o mesmo m-

    todo de fontes e interpretao das leis comuns; e a fonte uma s: a lei. No h tributo

    sem lei que o haja estabelecido, respeitados os princpios constitucionais. No se pode,

    por meio de analogia, ou de argumentos lgicos, estender o que se editou nas leis. O

    entendimento rgido e estreito. A lei tributria limita direitos, impe deveres. Por

    outro lado, da natureza das leis tributrias a preciso, pela taxatividade e pelos

    elementos matemticos de que se tem de lanar mo para atingir o patrimnio das

    pessoas que no so sujeitas s regras jurdicas tributrias;19

    c) Normas de carter excepcional, quais aquelas geradas em momento de

    crise poltica ou institucional, bem assim as que excetuam determinados indivduos ou

    entidades da rbita da sua abrangncia. Tambm so assim havidas aquelas normas

    carregadas de especificidade tal, que so imprestveis tutela de outros casos que no

    aqueles norteadores da criao da regra. Exemplo: o decreto de utilidade pblica de

    certo bem, para fins de desapropriao.

    II - A interpretao extensiva sugerida nos casos de:

    a) Normas que assegurem direitos, garantias e prerrogativas;

    b) Normas que estabeleam prazos;

    c) Normas que favoream o poder pblico, entendido este como autntico

    representante dos interesses sociais;d) Normas que tm por objetivo eliminar formalidades, simplificando

    procedimentos rotineiros; e

    e) Normas que objetivam corrigir defeitos de normas anteriores. So chamadas

    de corretoras.

    III - A interpretao deve ser estrita:

    19Comentrios Constituio de 1967, RT, Tomo II, p. 382.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    35/64

    35

    a) Para as normas punitivas. S o legislador, no o Juiz, pode ampliar o

    catlogo de crimes inseridos no Cdigo e em leis posteriores, conforme ensina Carlos

    Maximiliano20. Ainda segundo este saudoso doutrinador, a vedao da exegese lata em

    caso de normas punitivas, tambm aplicvel s disposies apenadoras encartadas no

    Direito Privado21

    b) Nas normas de carter fiscal, encaradas sob ngulo da instrumentalizao

    do Estado para arrecadar meios de manuteno das suas outras atividades especficas.

    Para Carlos Maximiliano22, as normas de natureza fiscal se aproximam das penais,

    quanto exegese; porque encerram prescries de ordem pblica, imperativas ou

    proibitivas, e afetam o livre exerccio dos direitos patrimoniais. Registre-se, mesmo

    despiciendo, que a interpretao estrita no se aplica a todas as normas de Direito

    Tributrio, mas somente quelas impregnadas de inconteste fiscalidade. a exceo,

    vez que a regra a interpretao ps-lgica, tambm chamada de interpretao moderna

    por Adilson Gurgel e Carlos Gomes: aquela interpretao que adota um sistema misto -

    um somatrio de outros mtodos, desde o apriorstico - in dubio pro Iege ou in dubio

    pro jure - o literal (em determinados assuntos) at o teleolgico ou finalstico, que se

    verifica o alcance da norma segundo os fins a que se destina e os benefcios do bem

    comum - mens Iegis. Essa forma interpretativa atende ao que se convencionou chamar

    de processo econmico de interpretao

    - o intrprete deve levar em conta os efeitos econmicos do ato e no a sua

    forma jurdica (LICC, art. 5)23.

    c) Nas normas de Direito Excepcional, ou seja, de subsuno especfica, ao

    contrrio da generalidade da norma, que a regra.

    IV- H que ser manejada com reservas a interpretao modificativa,ensejadora da primazia da investigao social do fato e da norma a ele adequvel,em face do risco que o exegeta impe ao seu trabalho e ao resultado deste, dando

    base, no raro, a considervel desvirtuamento da norma.

    20ob. op. cit., p. 322.21ob. op. cit., p. 328.

    22ob. op. cit., p. 332.23Curso de Direito Tributrio, Saraiva, 3 edio, p. 37.

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    36/64

    HERMENUTICA JURDICA - AULA 03:

    7. A ATUAO DO INTRPRETE JUDICIAL EM TERRABRASILIS

    O julgador, ao estabelecer o raciocnio jurdico que o conduz deciso judicial

    permanece arraigado concepo do paradigma epistemolgico. A superao desse

    paradigma (dogmtico) cerceada em razo do modelo interpretativo subsuntivo-

    dedutivo, radicado num sistema hermeticamente encerrado na relao sujeito-objeto (de

    cunho causal-explicativo), que seqestra a temporalidade e ignora a pr-compreenso

    do ser-no-mundo.1

    Frente a tais premissas inibidoras da superao paradigmtica referida, o

    intrprete judicial no observa os limites de sentido e o teto hermenutico da norma

    constitucional, atuando de modo discricionrio na produo de sentidos (= norma em

    relao ao fato).

    Tendo em vista que a discricionariedade est conectada ao subjetivismo,

    arraigado ao esquema sujeito-objeto, contrrio ao paradigma intersubjetivo,2

    vivenciamos o desvirtuamento do projeto democrtico constitucional ps-1988, no que

    tange ao seu elenco de direitos fundamentais.

    Sob tal perspectiva, o paradigma representacional concebe a interpretao como

    procedimento dotado de fases, capaz de acomodar, de forma dedutiva, as decises

    judiciais,3de essncia metodolgico-positivista.

    1STRECK, Lnio Luiz. Da Interpretao de Textos Concretizao de Direitos: a incindibilidade entreinterpretar e aplicar a partir da diferena ontolgica entre texto e norma. Constituio, sistemas sociais ehermenutica: programa de ps-graduao em Direito da Unisinos: mestrado e doutorado / orgs. AndrCopetti, Lnio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha ... [et al]. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed.; SoLeopoldo: Unisinos, 2006, p. 153. Para Streck: (...) a importncia da pr-compreenso, que passa condio de condio de possibilidade nesse novo modo de olhar a hermenutica jurdica. Nossos pr-

    juzos que conformam a nossa a pr-compreenso no so jamais arbitrrios. Pr-juzos no soinventado; eles nos orientam no emaranhado da tradio, que pode ser autntica e inautntica.2 STRECK, Lnio Luiz. Verdade e Consenso. Constituio, Hermenutica e Teorias Discursivas. Da

    possibilidade necessidade de respostas corretas em direito, p. 6. Para Streck Estado Democrtico deDireito e discricionariedade so incompatveis.3Op. Cit., p. 153.

    36

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    37/64

    Com isso, o ser-no-mundo deixa de ser introduzido no instante da aplicatio

    (APLICAO da lei ao fato); e, com ele, a tradio do fato e sua historicidade, e a

    fundamentao da deciso toma o contorno da interpretao abstrata, onde o

    intrprete convenciona os sentidos do texto constitucional ao seu bel prazer.

    Assim, o julgador brasileiro ao explicitar os fundamentos de sua deciso

    no utiliza os princpios constitucionais, e, quando os utiliza faz de modo

    meramente supletivo, como forma de legitimar a opo feita, no momento da

    resposta ao um caso difcil, onde a regra no conseguir responder

    satisfatoriamente.

    A manuteno do paradigma representacional, tanto no meio acadmico do

    Direito, quanto na vida cotidiana forense acarreta na COISIFICAO DA

    INTERPRETAO, ou ainda, segundo Lnio Streck, na objetificao da

    interpretao,4uma vez que se permite, em razo das teorias discursivas, uma ampla e

    ilimitada liberdade do julgador, que transcende discricionariamente aos limites de

    sentido da norma constitucional, promovendo o desvirtuamento dos fins perquiridos

    pelo legislador constituinte.

    Essa atuao jurisdicional no observa a moldura limtrofe dos sentidos contidos

    na norma constitucional, especialmente quando se trata de direitos fundamentais.

    Para tanto, passa-se anlise casustica, por meio da ementa de um acrdo

    exarado pela Stima Cmara Criminal do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul,

    como forma de constatarmos, exemplo de julgado no cotidiano forense, da ausncia, ou

    inutilizao, dos princpios constitucionais, indispensveis ao norteamento da devidamotivao das decises penais, tendo em vista o paradigma democrtico que vige em

    nosso pas:

    EMENTA:

    PROVA. FURTO. PALAVRA DA VTIMA E DOPOLICIAL. VALOR. Em termos de prova convincente, apalavra da vtima, evidentemente, prepondera sobre a do ru.Esta preponderncia resulta do fato de que uma pessoa, sem

    4Op. Cit., p. 151.

    37

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    38/64

    desvios de personalidade, nunca ir acusar outra da prtica deum delito, quando isto no ocorreu. E quem acusado, em geral,procura fugir da responsabilidade por seu ato. Tratando-se depessoa idnea, sem qualquer animosidade especfica contra oagente, como ocorre na hiptese em julgamento, no se poder

    imaginar que ela v a juzo mentir, acusando um inocente. Omesmo se diz do depoimento do policial. Afinal, em tese, trata-se de pessoas idneas, cujas declaraes retratam a verdade. Noh porque, antecipadamente, ved-las, pois as hipteses deimpedimento ou suspeio esto elencadas na lei processual deforma taxativa. Na hiptese, tanto a vtima como o policialinformaram que viram parte da ao do recorrente e queele, detido, mostrou o local onde escondera o objeto.Condenao mantida. FURTO QUALIFICADO.ROMPIMENTO DE JANELA DE VECULO.QUALIFICADORA CARACTERIZADA. Tendo em vista que a

    palavra obstculo significa aquilo que obsta, impede, dificultaalguma coisa, caracteriza o furto qualificado pelo inciso I, ocometido atravs da quebra do vidro da janela do veculo,situao ocorrida no caso em julgamento. Ademais, irrelevante, para o reconhecimento da qualificadora, fazer adistino entre obstculo externo coisa ou a ela inerente. As

    janelas foram colocadas para darem conforto ao motorista, masso trancadas para obstaculizar o acesso de estranhos ao interiordo automvel ou caminho. DECISO: Apelo defensivodesprovido. Por maioria.5

    A presente deciso penal emanada pela Stima Cmara Criminal do TJRS traz

    lume o paradigma representacional, eis que a deciso espelha o mtodo causal-

    explicativo como norte fundacional da deciso, isto , deduz-se, por exemplo, de que

    pessoas sem desvios de carter falem a verdade, e, por tal razo, apenas o depoimento

    desta e de um policial suficiente para ensejar a condenao, situao que agravada

    em razo de terem visto parte da ao criminosa, fato que descarta o flagrante

    prprio/constitucional.

    Nesse caso, explcito o alto teor da discricionariedade judicial, eis que

    parte de uma suposio de descrdito social do acusado, de cunho discriminatrio,

    ao relegar a sua palavra ao nada.

    Ao passo que, se presume de antemo, que ele possui desvios de

    personalidade, violando assim, o princpio da isonomia constitucional, da

    5Apelao Crime N 70015483142, Stima Cmara Criminal, Tribunal de Justia do RS, Relator: SylvioBaptista Neto, Julgado em 14/09/2006.

    38

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    39/64

    igualdade substancial de todos perante o ordenamento jurdico. Tal elemento

    resultado das experincias (mal sucedidas) de Estados totalitrios, promovedores

    de punies aos indivduos, em virtude de si mesmos (por serem quem so = seres

    largados prpria sorte), exercitando o Direito Penal do autor, e no do fato

    (tpico) que, em tese, teriam cometido.

    Observa-se que, no presente caso, o intrprete utiliza a presuno no sentido de

    que a vtima jamais acusaria algum sem sentido, isto , a presuno se baseia no

    sentido da mxima valorao da palavra da vtima, ainda que no subsistam provas

    contextualizadas da autoria e materialidade do delito.

    No havendo outros meios de contextualizao da prova acusatria o intrprete

    no fundamentou sua deciso com base em princpios constitucionais, mesmo que fosse

    para condenar, dentro de um contexto probatrio bem articulado.

    Quanto o intrprete extrapola aos limites da norma constitucional (teto

    hermenutico) age no af de seusolipsismo(egosmo), ao suscitar a edio de duas

    provas testemunhais: a da vtima e a do policial, como suficientes para ensejar a

    condenao, fatores que foram explicitamente utilizados para motivar a opo pela

    condenao.

    O referido caso traz, ainda, elementos que permitem identificar o forte apego s

    regras da lei ordinria processual em detrimento da norma constitucional, em razo da

    fundamentao utilizada, com fins de legitimar a condenao, baseando-se, apenas, na

    palavra da vtima; bem como, a inverso prejudicial dos parmetros de presuno no

    processo penal, conforme se verifica pelos fundamentos extrados do acrdo: Em

    termos de prova convincente, a palavra da vtima, evidentemente, prepondera sobre a

    do ru. Esta preponderncia resulta do fato de que uma pessoa, sem desvios de

    personalidade, nunca ir acusar outra da prtica de um delito, quando isto no

    ocorreu. Afinal, em tese, trata-se de pessoas idneas, cujas declaraes retratam a

    verdade. No h porque, antecipadamente, ved-las, pois as hipteses de impedimento

    ou suspeio esto elencadas na lei processual de forma taxativa.

    39

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    40/64

    Desse modo, podemos inferir que: o julgador no v razes outras para vedar a

    utilizao isolada da palavra da vtima, no apenas porque ele presume que esta a

    vtima jamais acusaria algum da prtica de um delito quando o acusado no tenha

    efetivamente concorrido para sua prtica, pois entende o julgador que ela no tem

    desvios de personalidade, diversamente do acusado, pois um acusado de furto

    qualificado; e, portanto, j se presume ser ele o nico portador de desvios de

    personalidade.

    Alm disso, o intrprete refere que no h restries para a isolada considerao

    do depoimento da vtima como prova cabal, estando isenta de impedimentos e suspeio

    processual, eis que as suas hipteses no esto previstas na lei processual (penal) de

    forma taxativa, o que, para ele, o libertaria para fins de considerao da palavra da

    vtima (como a nica verdade no processo), chegando a admitir que a palavra da vtima

    prepondera sobre a do acusado.

    Ademais, a palavra do acusado s ganha peso quando para prejudic-lo frente

    ao fato, seno vejamos: Na hiptese, tanto a vtima como o policial informaram que

    viram parte da ao do recorrente e que ele, detido, mostrou o local onde escondera o

    objeto. Bem, se a vtima e o policial viram parte da ao, no viram toda a ao; e,

    ainda, partindo do pressuposto de que a palavra do acusado no possui valor algum,

    deveria ser completamente descartado dos autos a passagem onde o acusado indica o

    local onde teria escondido o objeto, pois afinal poderia ser o caso de uma receptao, e

    no de furto qualificado.

    Assim, o fato de o acusado ter mostrado o local onde teria depositado o bem

    no perfectibiliza a admisso do crime de furto qualificado, associado ao contextoprobatrio de que a vtima e o policial (testemunhas) admitem no terem

    acompanhado toda a ao.

    A motivao utilizada no caso em tela desconsidera o arcabouo principiolgico

    constante em nossa Constituio Federal. O intrprete levanta consideraes dedutivas,

    tendo como pano de fundo juzos de (des)valor acerca da personalidade dos sujeitos

    constantes no processo, isto , deve-se confiar na vtima pelo seu carter, e no no

    acusado.

    40

  • 8/10/2019 Caderno de Hermenutica Jurdica

    41/64

    Por tudo isso, pertinente indagarmos se o caso em questo um caso fcil ou

    um caso de difcil resoluo judicial. 6Costuma-se pensar que no sistema jurdico-penal

    no h casos de difcil resoluo, pois todos os delitos esto confinados em tipos penais

    (tidos como) fechados, caracterizadores da conduta que se pretende inibir, mediante a

    imposio de uma sano. Todavia, tal questo mais complexa do que parece.

    Assim, so considerados casos fceis os que possuem uma ancoragem legislativa

    onde no pairam dvidas, sendo certa e cristalina a aplicao da lei para a situao

    ftica judicializada. Nesse contexto terico, Dworkin sustenta que as normas como a

    que probe fumar em salas de aula so regras, e, que normas, semelhantes a que

    consagra a liberdade de imprensa so princpios. Desse modo, existe uma sensvel

    diferena entre princpios e regras, e em que consiste esta diferena? Para Dworkin,

    uma resposta rpida mostraria que as regras esto redigidas em termos mais concisos

    que os princpios.

    A referida regra que veda o tabagismo na universidade contm expresses como

    fumar e salas de aula que determinam com preciso as condi