Cadeia

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“Cadeia – Relatos sobre Mulheres”, de Debora Diniz Minha orelha para o lindo livro de Debora Diniz Márcia Tiburi Cadeia: relato sobre Mulheres é a busca de uma biografia impossível, a “das mulheres da máquina do abandono”. Por meio dessa questão, Debora Diniz nos confronta com o sentido da liberdade e, mais ainda, da alteridade em um mundo de exclusão pela prisão. Exclusão que é, no sistema prisional, marcada pela questão de gênero e tudo o que ela envolve em termos familiares, subjetivos e políticos. A narradora nos faz saber que “as mulheres do presídio são muito parecidas entre si – pobres, pretas ou pardas, pouco escolarizadas, dependentes de drogas, cujo crime é uma experiência da economia familiar”. Ao mesmo tempo, a cada capítulo a singularidade é respeitada segundo um princípio: “Não julgar”. Confiando na narradora, em sua permanência como “antropóloga de preto no Presídio Feminino do Distrito Federal durante seis meses”, sabendo que, no seu caso, “doía ouvir” e, mais ainda, “não entender”, o leitor não é levado a simplesmente saber como é a vida no presídio. Nenhuma curiosidade nos conduz. Na experiência de Debora Diniz o diário de campo foi, desde o começo, mais um caderno de anotações, um objeto de apoio para a experiência reflexiva e sensível partilhada agora na forma de livro. Mais que engajada ou solidária, a narradora entra em sintonia com as prisioneiras sem, no entanto, imitá-las. Ela se torna mais uma pelo estranhamento. A forma viva da compaixão ilumina sua forma, seu conteúdo, sua terminologia, suas personagens, mostrando que o “objeto escapa”. As palavras de Debora Diniz criam outro espaço, diferente daquele espaço prisional onde o texto nasceu, mas íntimo dele. A “gramática da sobrevivência” se apresenta à delicadeza de um leitor aberto ao outro. Neste momento, estas páginas tecidas de um respeitoso silêncio estão em nossas mãos e exigem gesto idêntico ao de quem o redigiu.

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“Cadeia – Relatos sobre Mulheres”, de Debora Diniz

Minha orelha para o lindo livro de Debora Diniz

Márcia Tiburi

Cadeia: relato sobre Mulheres é a busca de uma biografia impossível, a “das mulheres da máquina do abandono”. Por meio dessa questão, Debora Diniz nos confronta com o sentido da liberdade e, mais ainda, da alteridade em um mundo de exclusão pela prisão. Exclusão que é, no sistema prisional, marcada pela questão de gênero e tudo o que ela envolve em termos familiares, subjetivos e políticos.

A narradora nos faz saber que “as mulheres do presídio são muito parecidas entre si – pobres, pretas ou pardas, pouco escolarizadas, dependentes de drogas, cujo crime é uma experiência da economia familiar”. Ao mesmo tempo, a cada capítulo a singularidade é respeitada segundo um princípio: “Não julgar”. Confiando na narradora, em sua permanência como “antropóloga de preto no Presídio Feminino do Distrito Federal durante seis meses”, sabendo que, no seu caso, “doía ouvir” e, mais ainda, “não entender”, o leitor não é levado a simplesmente saber como é a vida no presídio. Nenhuma curiosidade nos conduz. Na experiência de Debora Diniz o diário de campo foi, desde o começo, mais um caderno de anotações, um objeto de apoio para a experiência reflexiva e sensível partilhada agora na forma de livro.

Mais que engajada ou solidária, a narradora entra em sintonia com as prisioneiras sem, no entanto, imitá-las. Ela se torna mais uma pelo estranhamento. A forma viva da compaixão ilumina sua forma, seu conteúdo, sua terminologia, suas personagens, mostrando que o “objeto escapa”. As palavras de Debora Diniz criam outro espaço, diferente daquele espaço prisional onde o texto nasceu, mas íntimo dele. A “gramática da sobrevivência” se apresenta à delicadeza de um leitor aberto ao outro. Neste momento, estas páginas tecidas de um respeitoso silêncio estão em nossas mãos e exigem gesto idêntico ao de quem o redigiu.