Cada vez mais feios e gordos

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Cada vez mais feios e gordos Em comparação coma última década, insatisfação com aparência e peso aumentou consideravelmente Poderia ser uma boa notícia o fato de que seis em cada dez jovens brasileiros estão muito satisfeitos com a própria aparência. Mas não é. Há onze anos, o Datafolha perguntou aos jovens brasileiros se eles se sentiam felizes com a aparência e registrou que 82% estavam muito satisfeitos com o que viam diante do espelho. A mesma pergunta foi feita agora e o grupo dos que se consideram muito satisfeitos caiu 23 pontos percentuais. O descontentamento é maior entre garotas: 44% se dizem pouco satisfeitas e 06% nada satisfeitas com a aparência. As meninas de 16 e 17 anos representam o auge do dissabor: 7% delas estão totalmente insatisfeitas. Como não é provável que a feiura tenha se tornado uma epidemia ao longo dos anos, por que os jovens estão se sentindo mais infelizes com a própria aparência? Segundo especialistas, trata-se de uma questão social. Para a psicóloga Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC Rio, o padrão de beleza atualimpõe que o jovem seja magro, “sarado” e bronzeado. Tantas exigências geram uma relação infeliz com o próprio corpo”, diz ela, que é autora do livro O intolerável peso da feiura. Segundo a psicóloga, a infelicidade se agrava devido à diferença de tratamento que a sociedade impõe ao “feio” e ao “bonito”. Enquan to a beleza é um meio de ascensão social no Brasil, quem é considerado feio se torna vítima de um preconceito socialmente aceito, pois é permitido que se recrimine a aparência do outro. Já a antropóloga Mirian Goldenberg autora de O Corpo como capitale professora do departamento de Antropologia Social da UFRJ não acredita que o jovem esteja se sentindo mais feio, mas, sim, inadequado em relação ao padrão de corpo valorizado pela sociedade. Contudo, segundo Goldenberg, a juventude atual é a primeira geração que cresceu sabendo que há meios para se adequar ao padrão: vestir-se de acordo com a moda, investir em tratamentos estéticos, recorrer a cirurgias plásticas etc. (...) Colocar os pés em uma balança pode ser um sacrifício para metade dos jovens brasileiros. Foi esse o percentual de entrevistados que disseramao Datafolha que não estão satisfeitos com o próprio peso. Comparando os resultados com 11 anos atrás, o número de jovens muito satisfeitos com o peso caiu de 61% para 50%. Outra vez, a maior insatisfação se verifica entre as garotas, com o ápice do descontentamento entre as que têm de 22 a 25 anos: 26% estão insatisfeitas com o peso. Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, a insatisfação com o peso reflete uma realidade preocupante. A entidade mapeou a obesidade no Brasil em 2007 e concluiu que, entre os jovens de 18 a 25 anos pesquisados, dois terços estão acima do peso e 5% são obesos. Porém, outro fenômeno preocupa os especialistas: o descontentamento com a balança ultrapassa o universo dos jovens que realmente têm problema de sobrepeso. Essa foi uma das conclusões de uma pesquisa recém-realizada por alunos de pós- graduação em psicologia hospitalar do Hospital das Clínicas de São Paulo com757 universitários da área de saúde, com idades entre 17 e 26anos. Dos entrevistados, 44% afirmaram já ter utilizado algum método para emagrecer, 20,5% já tomaram alguma fórmula para emagrecimento e 14% usaram laxantes ou diuréticos para perder peso. Além disso, 08% disseram já ter provocado vômitos após as refeições como intuito de emagrecer. Para o psicólogo Niraldo de Oliveira Santos, coordenadordo estudo, os números surpreendem porque 8 em cada 10 estudantes consultados eram magros ou tinham peso normal em relação à altura e a idade. Surpreendem ainda mais porque, em teoria, os estudantes da área de saúde deveriam ser bem informados sobre os cuidados com o corpo. “O que se teme é que, se considerado um universo maior de jovens, o panorama possa ser ainda mais preocupante”, diz Santos. (Carolina Araújo, Folha de S. Paulo, Especial, 27 jul. 2008)

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Cada vez mais feios e gordos Em comparação coma última década,

insatisfação com aparência e peso aumentou consideravelmente

Poderia ser uma boa notícia o fato de que seis em cada dez jovens brasileiros

estão muito satisfeitos com a própria aparência. Mas não é. Há onze anos, o Datafolha

perguntou aos jovens brasileiros se eles se sentiam felizes com a aparência e registrou

que 82% estavam muito satisfeitos com o que viam diante do espelho. A mesma pergunta

foi feita agora e o grupo dos que se consideram muito satisfeitos caiu 23 pontos

percentuais.

O descontentamento é maior entre garotas: 44% se dizem pouco satisfeitas e

06% nada satisfeitas com a aparência. As meninas de 16 e 17 anos representam o auge do

dissabor: 7% delas estão totalmente insatisfeitas. Como não é provável que a feiura tenha

se tornado uma epidemia ao longo dos anos, por que os jovens estão se sentindo mais

infelizes com a própria aparência? Segundo especialistas, trata-se de uma questão social.

Para a psicóloga Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da

PUC Rio, o padrão de beleza atualimpõe que o jovem seja magro, “sarado” e bronzeado.

“Tantas exigências geram uma relação infeliz com o próprio corpo”, diz ela, que é autora

do livro O intolerável peso da feiura. Segundo a psicóloga, a infelicidade se agrava devido

à diferença de tratamento que a sociedade impõe ao “feio” e ao “bonito”. Enquanto a

beleza é um meio de ascensão social no Brasil, quem é considerado feio se torna vítima de

um preconceito socialmente aceito, pois é permitido que se recrimine a aparência do

outro.

Já a antropóloga Mirian Goldenberg – autora de O Corpo como capitale

professora do departamento de Antropologia Social da UFRJ – não acredita que o jovem

esteja se sentindo mais feio, mas, sim, inadequado em relação ao padrão de corpo

valorizado pela sociedade.

Contudo, segundo Goldenberg, a juventude atual é a primeira geração que

cresceu sabendo que há meios para se adequar ao padrão: vestir-se de acordo com a

moda, investir em tratamentos estéticos, recorrer a cirurgias plásticas etc.

(...)

Colocar os pés em uma balança pode ser um sacrifício para metade dos jovens

brasileiros. Foi esse o percentual de entrevistados que disseramao Datafolha que não

estão satisfeitos com o próprio peso.

Comparando os resultados com 11 anos atrás, o número de jovens muito

satisfeitos com o peso caiu de 61% para 50%. Outra vez, a maior insatisfação se verifica

entre as garotas, com o ápice do descontentamento entre as que têm de 22 a 25 anos:

26% estão insatisfeitas com o peso.

Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, a insatisfação com

o peso reflete uma realidade preocupante. A entidade mapeou a obesidade no Brasil em

2007 e concluiu que, entre os jovens de 18 a 25 anos pesquisados, dois terços estão acima

do peso e 5% são obesos.

Porém, outro fenômeno preocupa os especialistas: o descontentamento com a

balança ultrapassa o universo dos jovens que realmente têm problema de sobrepeso.

Essa foi uma das conclusões de uma pesquisa recém-realizada por alunos de pós-

graduação em psicologia hospitalar do Hospital das Clínicas de São Paulo com757

universitários da área de saúde, com idades entre 17 e 26anos.

Dos entrevistados, 44% afirmaram já ter utilizado algum método para emagrecer,

20,5% já tomaram alguma fórmula para emagrecimento e 14% usaram laxantes ou

diuréticos para perder peso. Além disso, 08% disseram já ter provocado vômitos após as

refeições como intuito de emagrecer.

Para o psicólogo Niraldo de Oliveira Santos, coordenadordo estudo, os números

surpreendem porque 8 em cada 10 estudantes consultados eram magros ou tinham peso

normal em relação à altura e a idade. Surpreendem ainda mais porque, em teoria, os

estudantes da área de saúde deveriam ser bem informados sobre os cuidados com o

corpo. “O que se teme é que, se considerado um universo maior de jovens, o panorama

possa ser ainda mais preocupante”, diz Santos.

(Carolina Araújo, Folha de S. Paulo, Especial, 27 jul. 2008)