Burnout e emoções - estudo exploratório em médicos de um hospital do Porto

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Mnica M. Costa Madeira Queirs de Oliveira

BURNOUT E EMOES: Estudo exploratrio em mdicos de um Hospital do Porto

Dissertao apresentada para a obteno do grau de Mestre em Psicologia da Sade, pela Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da

Universidade do Porto, orientada pela Professora Doutora Cristina Queirs (F.P.C.E.U.P.).

2008

Resumo

Este trabalho tem como objecto de estudo o burnout, enquanto sndrome de exausto profissional, bem como a sua relao com as emoes, especificamente a procura de sensaes (sensation seeking). Definimos como objectivos deste estudo conhecer a prevalncia deste fenmeno em mdicos que trabalham num Hospital da cidade do Porto, caracterizar as emoes experienciadas (especificamente a procura de sensaes) e analisar a relao entre estas duas variveis em funo de dados sciodemogrficos. Para atingir os objectivos propostos estruturamos o nosso trabalho em duas grandes partes. Na primeira parte apresentamos o enquadramento terico, comeando por caracterizar a sndrome de burnout (descrevendo os principais modelos explicativos do burnout, suas causas e manifestaes, bem como novas direces no estudo deste fenmeno). Seguidamente abordamos as emoes (tentando apresentar uma definio, relacion-las com a personalidade e descrever o trao procura de sensaes) e por fim abordamos o mdico como profissional de sade, no intuito de abordar as especificidades desta profisso, as caractersticas de personalidade mais comuns e a sua vulnerabilidade sndrome de burnout, assim como as consequncias deste no seu desempenho profissional. Na segunda parte apresentamos o estudo emprico efectuado, no qual construmos um questionrio adaptado a partir de outros instrumentos. Recolhemos os dados de 88 mdicos que trabalham em vrios servios de um Hospital da cidade do Porto. Os resultados obtidos permitiram-nos concluir que: os mdicos apresentaram nveis baixos de burnout, traduzidos em nveis

moderados de exausto emocional, nveis baixos de despersonalizao e nveis elevados de realizao pessoal; os mdicos apresentaram nveis baixos procura de sensaes, no se encontrando

correlaes significativas entre o burnout e a procura de sensaes; os mdicos mais velhos procuram menos experincias, so menos desinibidos e

esto menos exaustos emocionalmente; mulheres; as emoes positivas correlacionam-se positivamente com a realizao pessoal, no foram encontradas diferenas significativas entre mdicos homens e mdicos

com a satisfao profissional e com a procura de sensaes; a satisfao profissional correlaciona-se negativamente com o burnout e

positivamente com a motivao profissional actual; o burnout e motivao profissional esto correlacionados negativamente.2

Abstract

This study analyses burnout as a professional exhaustion syndrome as well as its relation with emotions, particularly the sensation seeking behavior. We aim to identify the prevalence of this phenomenon among physicians who work in a Hospital of Porto, to characterize the experienced emotions (specially the sensation seeking trait) and to verify whether these two variables are associated, namely by focusing on the sociodemographic data. This study is organized in two main sections. In the first one we present the theoretical framework (describing the major conceptual models of burnout, its causes and manifestations as well as new directions on the study of this syndrome). Secondly well address emotions (attempting to present a definition, to describe their relationship with personality and also describe sensation seeking as a trait). Finally well look into the medical profession, their most common personality characteristics and their vulnerability to the burnout syndrome as well as the consequences on their professional performance. On the second part we present the empirical study on data collected from an inquiry to 88 physicians working in a Hospital of Porto. The results allow us to conclude that: - physicians showed low levels of burnout, specifically moderated levels of emotional exhaustion, low levels of depersonalization and high levels of personal accomplishment; - physicians also revealed low levels of sensation seeking and no significant association between this variable and burnout; - older physicians tended to be less experience seekers, showed lower levels of disinhibition and where less emotional exhausted; - there were no significative differences between male and female physicians; - positive emotions were positively associated with high personal accomplishment, job satisfaction and with sensation seeking; - job satisfaction was negatively associated with burnout and positively with present work motivation; - burnout and work motivation were negatively associated.

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Rsum

Ce travail veut tudier lpuisement professionnel en tant que syndrome dexhaustion professionnel. Il veut aussi tudier la parmi lpuisement et les motions, surtout la la recherche de sensations . Nous avons comme buts de ce travail connatre lpuisement dans un group de mdecins dun hpital de la ville de Porto, caractriser ses motions (surtout la recherche de sensations) et voir si la relation entre lpuisement et les motions change selon les donns sociodmographiques. Pour atteindre les objectifs fixs le travail est organis en deux parties. La premire partie prsente lencadrement thorique, ou nous avons commenc par caractriser l'puisement professionnel (dcrivant les principaux modles explicatifs de l'puisement, ses causes et ses manifestations, ainsi que de nouvelles directions de ltude de ce phnomne. En suite nous avons parl des motions, essayant de trouver une dfinition, leur relation avec la personnalit et dcrire le trait de recherche de sensations. Par fin, nous avons essay de caractriser le travail du mdecin, parlant de ses spcificits professionnels, des caractristiques plus communes de sa personnalit, de leur vulnrabilit au syndrome de l'puisement professionnel et les consquences de ceci dans l efficacit du travail. Dans la deuxime partie nous prsentons l'tude empirique, dans lequel nous avons utilis un questionnaire adapt d'autres instruments. Nous avons recueilli les donnes de 88 mdecins qui travaillent dans un hpital de la ville de Porto. Les rsultats nous ont permis de conclure que: les mdecins ont un faible puisement professionnel, traduit dans une modre

exhaustion motionnel, faible cynisme et haute ralisation personnel; les mdecins ont peu le trait de personnalit de recherche de sensations ; aussi, il

ny a pas une relation de lpuisement avec le trait recherche de sensations; les mdecins plus gs ont une plus faible recherche de sensations, sont moins

dsinhibes et ont moins dexhaustion motionnel; femmes ; les motions positives ont corrlation positive avec la ralisation personnelle, avec nous navons pas trouv des diffrences parmi mdecins hommes et mdecins

la satisfaction professionnelle et avec la recherche de sensations ; la satisfaction professionnelle une corrlation ngative avec l'puisement et une

corrlation positive avec la motivation professionnelle actuelle; ngative.4

l'puisement professionnel et la motivation professionnelle ont une corrlation

Agradecimentos

Em primeiro lugar Prof. Cristina Queirs, pelo rigor terico e metodolgico com que orientou este trabalho, pelo incentivo, pelo afecto, apoio e disponibilidade, pela orientao exigente e estimulante, e por acompanhar-me neste processo de crescimento acadmico e pessoal, por vezes doloroso, mas acima de tudo extremamente gratificante. Sem ela, este trabalho no seria possvel.

Ana e Tita, por facilitarem a minha entrada no Hospital onde foi realizado o estudo e mediarem contactos imprescindveis. Sem o seu cuidado a recolha de dados teria sido muito mais difcil. Aos directores de servio que colaboraram na recolha de dados e aos mdicos que colaboraram neste estudo, pela disponibilidade e interesse. Prof. Luiza Corteso e Prof. Rosa Nunes pela estima, pelo contagiante gosto pela investigao, pelo olhar crtico e rigoroso e pelo incentivo a voar sempre mais alto. s minhas colegas Eva e Margarida, pela amizade e apoio constantes. Joana, amiga de e para sempre, por mais uma etapa que completamos juntas.

minha famlia, a minha base, o meu suporte. Ao Miguel, por colorir o meu mundo. Por tudo. A eles dedico este trabalho.

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INDICE

Introduo Parte A Enquadramento Terico Captulo 1 A Sndrome de Burnout 1.1. Do stress ocupacional ao burnout: breve histria do conceito 1.2. Definio de burnout 1.2.1. Manifestaes e consequncias do burnout 1.2.1.1. A nvel individual 1.2.1.2. A nvel organizacional 1.2.2. Dimenses do burnout 1.2.3. Avaliao do burnout 1.2.4. Relao entre burnout e outros conceitos 1.2.4.1. Burnout e stress ocupacional 1.2.4.2. Burnout e depresso 1.2.4.3. Burnout e satisfao no trabalho 1.3. As causas do burnout 1.3.1. Variveis individuais e burnout 1.3.1.1. Variveis sciodemogrficas e burnout 1.3.1.2. Personalidade e burnout 1.3.1.3. Emoes e burnout 1.3.1.4. Coping e burnout 1.3.2. Variveis situacionais e burnout 1.4. O burnout nas diferentes profisses 1.4.1. Burnout em profissionais que lidam com pessoas 1.4.2. Burnout noutras reas profissionais 1.5. Interveno no burnout

8 15 16 17 20 22 22 24 25 28 29 30 31 32 33 37 37 40 43 45 47 50 50 54 56

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Captulo 2 Emoes e Personalidade 2.1. Definio de emoo 2.2. A bipolarizao da emoo: emoes positivas e emoes negativas 2.3. Emoes e personalidade 2.4. O trao de procura de sensaes 2.4.1. Avaliao e dimenses do trao de procura de sensaes 2.4.2. Efeito das diferenas individuais na procura de sensaes 2.4.3. Procura de sensaes e outras variveis Captulo 3 O Profissional Mdico 3.1. O trabalho mdico: breve referncia ao exerccio da medicina 3.2. O burnout na profisso de mdico 3.2.1. Causas do burnout nos mdicos 3.2.2. Manifestaes do burnout nos mdicos 3.2.3. O caso particular do burnout em mdicos do servio de urgncia 3.3. Personalidade e emoes nos mdicos 3.4. Preveno do burnout nos mdicos Parte B Estudo Emprico Captulo 4 Metodologia 4.1. Objecto, objectivos e hipteses 4.2. Instrumentos 4.3. Procedimento de recolha de dados 4.4. Codificao dos resultados 4.5. Caracterizao da amostra Captulo 5 Anlise e discusso dos resultados 5.1. Anlise descritiva 5.2. Anlise comparativa 5.3. Anlise correlacional Concluses Bibliografia Anexo: Apresentao do questionrio

61 62 68 71 75 78 80 83 86 87 89 91 98 100 101 105 111 112 113 114 116 118 118 125 126 151 162 168 176

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Introduo

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A Psicologia da Sade considera o ser humano como um sistema complexo, desafiando a separao mente-corpo, tradicional no modelo biomdico, e compreendendo a doena como multi-causal, desencadeada pela combinao de mltiplos factores (biolgicos, psicolgicos e sociais) e no por um nico factor (veja-se a este propsito o Modelo Biopsicossocial da Sade e Doena, formulado por Engel, cit. in Ogden, 2000). O indivduo visto, assim, como um todo, reconhecendo-se que mente e corpo interagem, sendo que a avaliao e interveno em Psicologia da Sade tem as vrias dimenses em conta. Introduzse ento o comportamento como uma varivel importante na sade e na doena, sendo o indivduo j no um sujeito passivo, como outrora foi considerado, mas responsvel pelo seu estado de sade e, at certo grau, pelo prprio tratamento em situao de enfermidade (Ogden, 2000). Ao longo da sua vida, os indivduos vo passando por vrios nveis ao longo de um continuum dinmico entre estado de sade e estado de doena, numa progresso no linear, mas espiralada, interagindo constantemente com um meio em contnua mudana. A Psicologia da Sade interessou-se, assim, pelo conceito de sade e pelos factores psicossociais associados, defendendo o comportamento como a principal varivel a analisar no estudo da mortalidade e morbilidade das populaes. Longe de ser uma vtima passiva da doena (segundo o modelo biomdico), o indivduo hoje visto como tendo uma quota-parte de responsabilidade pela sua sade e pelas aces de promoo, preveno e tratamento (Ogden, 2000). Est, assim, presente uma noo de interveno ao nvel individual e comunitrio, da promoo e educao da e para a sade, e ainda ao nvel poltico. Podemos afirmar que o conceito de sade um conceito dinmico que foi sofrendo evolues ao longo dos tempos, reflectindo o conjunto de crenas, valores, conhecimentos, bem como o momento histrico-cultural de cada poca (Pais-Ribeiro, 2005). A concepo de sade proposta pela Organizao Mundial de Sade (OMS) define-a como o estado de bem-estar fsico, mental e social, total, e no apenas a ausncia de doena ou de incapacidade (WHO, 1948, cit. in, PaisRibeiro, 2005). Actualmente assiste-se ampliao deste conceito para incluir o ambiente envolvente actual e tambm o futuro, integrando o conceito de sustentabilidade, numa perspectiva ecolgica. Ao longo dos anos, deslocou-se a sade de uma perspectiva individual para o colectivo e, mais ainda, para o global, envolvendo o conceito de qualidade de vida. Assim, a OMS passa a definir sade como a extenso em que o indivduo ou grupo , por um lado capaz de realizar as suas aspiraes e satisfazer as suas necessidades e, por outro, de modificar/lidar com o meio que o envolve (WHO, 1986, cit. in Pais-Ribeiro, 2005). A sade seria, assim, um recurso para a vida e no o objectivo de vida, visando-se, acima de tudo, uma melhor qualidade de vida (Pais-Ribeiro, 2005). esta perspectiva transaccional que adoptaremos e que se reflecte nos vrios conceitos que abordaremos neste trabalho.9

semelhana de muitos conceitos em Psicologia, o conceito de stress est embrenhado na linguagem do senso comum, o que quer dizer que significa muita coisa para diferentes pessoas. Mesmo dentro da linguagem cientfica, o stress tem sido conceptualizado por diversos autores atravs de vrias definies. Tem sido um tpico de interesse de mdicos, cientistas sociais, antroplogos, psiclogos e bilogos, entre outros. O conceito de stress comeou por ser utilizado na Fsica, significando dificuldade, exigncia, adversidade, aflio. Posteriormente, o termo denotava fora, presso, grande esforo exercido sobre o material, objecto ou pessoa e o impacto dos agentes stressores sobre os materiais estava definido matematicamente. Esta ideia perpetua-se, de certo modo, na linguagem quotidiana, mantendo-se a ideia de peso, de exigncia externa que actua sobre o Homem, nas suas dimenses biolgica, social ou psicolgica. A passagem para a Biologia fez-se progressivamente, desenvolvendo-se teorias explicativas muito diferentes das da Fsica. O estudo do stress nos organismos vivos data da passagem do sculo (Pais-Ribeiro, 2005). Um dos primeiros modelos de stress foi desenvolvido por Cannon (1932, cit. in Ogden, 2000; Pais-Ribeiro, 2005; Vaz Serra, 1999) que comeou a usar o termo relacionado com experincias da reaco de luta ou fuga (figth or flight), sugerindo que as ameaas externas suscitavam uma destas duas respostas, permitindo ao indivduo respectivamente escapar-lhes ou lutar (Ogden, 2000). Parece ter sido o primeiro a utilizar o termo no contexto do processo homeosttico (Pais-Ribeiro, 2005) considerando-se homeostasia a capacidade do organismo em se manter estvel internamente apesar das modificaes externas (Vaz Serra, 1999). Considerava que os stressores 1 eram nveis crticos de stress que actuavam como ameaas e que alteravam a homeostasia do indivduo, ou seja, provocavam desequilbrio (Pais-Ribeiro, 2005). Qualquer discusso sobre o conceito de stress no poder deixar de referir os trabalhos de Hans Selye, considerado por muitos autores como o pai da investigao sobre o stress. Selye publicou uma carta na Revista Nature, em 1936, (reproduzida na ntegra por Neylan, 1998) onde definiu o conceito de stress como uma resposta inespecfica do organismo a uma exigncia externa, com o objectivo de assegurar a sua sobrevivncia. Props a Sndrome Geral de Adaptao (SGA) que descreve trs fases no processo de adaptao ao stress (Selye, 1950; Selye & Fortier 1953). A fase inicial, designada de alarme, descreve um aumento na actividade e desencadeada aps a exposio do indivduo ao estmulo ameaador. De imediato, ocorre a aco das foras defensivas, verificando-se, entre outras, o aumento da presso arterial, respirao mais rpida, maior fluxo sanguneo ao crebro e o aumento da

Uma vez que os conceitos de stress, stressores e acontecimentos stressantes esto amplamente difundidos na linguagem da Psicologia, optamos por usar estas expresses neste trabalho, sem as tentarmos traduzir. 10

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tenso muscular, colocando o organismo pronto para a aco. A segunda fase a adaptao ou resistncia, que se traduz por uma certa adaptao aos estmulos, um certo reequilbrio do organismo. Caso o agente estimulante permanea em aco, ultrapassa-se a adaptao e entrase na ltima fase, a exausto, com o reaparecimento de todos os sintomas de prejuzo dada a permanente estimulao orgnica. Em casos extremos, pode culminar na morte. Desta conceptualizao percebe-se que nem todo o stress necessariamente prejudicial. De facto, a resposta fisiolgica de stress a forma de o nosso organismo responder s mudanas, ameaas ou presses que lhe so colocadas, externa ou internamente, por forma a readquirir o equilbrio ameaado e proteger-se de dano potencial. H milhares de anos atrs, os indivduos necessitavam desta resposta para sobreviverem e combaterem as numerosas ameaas fsicas que pululavam nesse ambiente primitivo hostil. uma das muitas formas de adaptao que permitiu ao Homem resistir e adaptar-se no mundo. Selye distingue entre stress bom, agradvel, e que origina uma resposta adaptativa denominando-o de eustress (ex: ser promovido, receber um prmio, casar, etc.) e o mau stress, o que desencadeia uma resposta desadaptativa, de distress, sendo geralmente a este ltimo a que nos referimos quando falamos de stress (Pais-Ribeiro, 2005). Nas profisses de sade, a fase ltima do distress denominada burnout (Frasquilho, 2005a). Os estmulos desencadeadores de stress (doravante designados de stressores) podem constituir qualquer estimulao, interna ou externa, que seja susceptvel de desencadear uma resposta fisiolgica de stress, ou seja, que seja percebida como ameaadora. A resposta de stress iniciada por um stressor que pode ser desde a ameaa fsica, ameaa auto-imagem, ou um acontecimento de vida importante, um conflito interpessoal, prazos apertados para cumprir determinada obrigao ou a perda de algum significativo, entre muitos outros. Contudo, o indivduo no lhes responde passivamente, pois constri a situao. A importncia da avaliao cognitiva na mediao do impacto da aco do stressor proposta por Lazarus e Folkman (1984) que chamam a ateno para que um estmulo s provocar stress se for avaliado pelo indivduo como potencialmente perigoso. Para o presente trabalho interessa-nos sobretudo encarar o stress nesta linha transaccional, em que a pessoa e o meio esto envolvidos em interaces dinmicas, recprocas e bidireccionais (Folkman et al., 1986), sendo o stress considerado como um estado de desequilbrio entre as exigncias (internas ou externas) e as capacidades percebidas para lidar com estas. De entre os vrios stressores da vida quotidiana, o trabalho aparece como um elemento fundamental de anlise. Indispensvel para a sobrevivncia do Homem moderno, com excepo de uma pequena minoria que no necessita dele para viver, o trabalho pode ser fonte de gratificaes pessoais e profissionais mas tambm constituir uma poderosa fonte de stress,11

que lentamente vai desgastando o indivduo. O stress no trabalho tem repercusses muito importantes, sendo uma das causas que afecta o estado emocional do indivduo e o seu humor, perturbando em consequncia a vida familiar e social deste, e prejudicando-o na sua sade fsica e psquica (Vaz Serra, 1999). Tambm poder ter efeitos negativos sobre a organizao na qual o indivduo trabalha, afectando o clima psicolgico e traduzindo-se na insatisfao com o desempenho das tarefas, na baixa adeso aos objectivos organizacionais, nos atrasos de produo, no absentismo, nos acidentes de trabalho, nas mudanas de emprego e nas reformas antecipadas. O stress ocupacional surge, assim, como resultado da interaco entre o trabalhador e as condies de trabalho, especificamente quando as exigncias desta relao ultrapassam a capacidade do indivduo para lidar com elas (Pais-Ribeiro, 2005). O conceito de stress no trabalho tem assim orientado muitas investigaes da Psicologia da Sade, especificamente, o stress no contexto das profisses de sade. De facto, a teoria aponta para que o nvel mdio de stress nos profissionais dos servios de sade seja elevado (Moreno-Jimnez & Puente, 1999). No mundo profissional, os conceitos de stress e de burnout esto muito associados, nascendo ambos das tenses entre as exigncias do meio e das capacidades do indivduo em lhes responder. Efectivamente, o burnout tem sido cada vez mais conceptualizado pelos investigadores como uma reaco de stress (Cherniss, 1982a) e, neste sentido, consideramos no presente estudo o burnout como a fase final de uma situao de stress profissional crnico, que se apresenta em trs dimenses: exausto emocional, despersonalizao e baixa realizao pessoal (Maslach, 1998; 2003; 2006; Maslach et al., 2001; Maslach & Leiter, 1997). Os indivduos mais susceptveis ao burnout so aqueles que entram para uma actividade profissional com muito idealismo e boas intenes, esperanosos e dedicados; gradualmente, com o passar do tempo, quando comprovam que no so apreciados, vo perdendo significado no que executam (Vaz Serra, 1999). As profisses dos servios humanos e de sade so vistas como congregando profissionais que iniciaram a profisso com valores elevados, vocacionados para o servio, e cujo prolongado contacto intenso e emocionalmente carregado com utentes leva ao desgaste do profissional (Maslach, 2006; Maslach & Schaufeli, 1993). Dentro destas profisses, a norma prevalecente de estar inteiramente disponvel e colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar, fazendo o possvel, s vezes mais, para dar a melhor resposta ao objecto do cuidado. Alm disso, os ambientes organizacionais que enquadram as profisses de servio so moldados por vrias conjunturas sociais, polticas e econmicas (ex: cortes oramentais) que interferem na sua vida profissional (Maslach, 2006). De entre as profisses de sade, o mdico tem sido muito estudado, a nvel psicolgico e sociolgico (Magalhes & Glina, 2006; Nogueira-Martins, 2003), dadas as12

situaes emocionalmente intensas que tem de enfrentar (Pines & Aronson, 1981). Por este motivo, suscitou-nos interesse aprofundar os conhecimentos nesta profisso de sade, que socialmente representada como detendo o poder de curar, tentando verificar at que ponto o burnout se manifestava nestes profissionais. Na reviso bibliogrfica que realizamos foi visvel a vulnerabilidade psicolgica do mdico, profisso onde podemos encontrar uma elevada prevalncia de suicdio, depresso, problemas conjugais e profissionais (Frasquilho, 2005a; 2005b; Nogueira-Martins, 2003), pelo que o estudo da dimenso emocional se tornou tambm uma prioridade. Alm disso, a Medicina aparece como uma rea onde se podem encontrar profissionais com elevados nveis do trao procura de sensaes (Eaddy, 1997; Zuckerman, 1994; 2007) definido como uma tendncia de procura de sensaes novas, variadas, complexas e intensas, associada disposio para assumir riscos para alcanar essas experincias (Zuckerman, 1994; 2007). Como Pines e Aronson (1981) salientam, a curiosidade, a abertura aprendizagem e a novas experincias, o envolvimento e a variedade promovem tendncias no indivduo que actuam contra o burnout, ou seja, lembram os profissionais daquilo que no trabalho e fora deste pode dar mais sentido vida. Neste sentido o presente estudo tomou como objecto a sndrome de burnout, bem como a sua relao com emoes, especificamente a procura de sensaes (sensation seeking). Optamos por delimitar este objecto estudando-o em mdicos que trabalham num Hospital do Grande Porto. Definimos como objectivos conhecer a prevalncia da sndrome de burnout numa amostra de mdicos, caracterizar as emoes experienciadas (especificamente a procura de sensaes) e analisar a relao entre estas duas variveis em funo de dados sciodemogrficos. Dada a evoluo tecnolgica do mundo moderno (onde as transformaes e novos avanos da Medicina, Gentica, Biologia e reas afins se do a um ritmo cada vez mais acelerado), pareceu-nos importante avaliar o burnout neste grupo de profissionais, constantemente sob o escrutnio pblico, com necessidade de se actualizarem continuamente e com a responsabilidade de no falharem. Esperamos com este trabalho perceber se a nossa amostra est em burnout, como este afecta a motivao e satisfao profissionais e se este relaciona com a procura de sensaes, dentro da especificidade do contexto hospitalar. O interesse pelo estudo da incidncia do burnout em mdicos, prende-se no s com as manifestaes desta sndrome a nvel individual, mas sobretudo com as suas consequncias sociais, uma vez que se repercute no relacionamento destes com os doentes e na satisfao e qualidade do seu desempenho profissional. Para atingir os objectivos propostos, estruturamos este trabalho em duas grandes partes. Na primeira parte apresentamos o enquadramento terico, comeando no Captulo 1 por13

caracterizar o stress ocupacional e a sua relao com a sndrome de burnout. Descrevemos os principais modelos explicativos do burnout, suas causas e manifestaes, tentando distingui-lo de conceitos afins e apresentando alguns estudos empricos em termos de reas profissionais. Terminamos com propostas de interveno nesta sndrome, ao nvel da preveno e tratamento, bem como novas direces no estudo deste fenmeno. No Captulo 2 abordamos as emoes e a personalidade, apresentando algumas definies de emoo e relacionando-as com a personalidade e com o comportamento humano. Centraremos a abordagem na estrutura bi-factorial das emoes (positivas e negativas) e no trao de procura de sensaes, dada a sua importncia para o nosso estudo emprico. No Captulo 3 focamos um pouco mais aprofundadamente a profisso de mdico (populao em estudo), especificamente relacionando-a com a predisposio para o desenvolvimento e manifestao do burnout, bem como caractersticas destes profissionais em termos de personalidade e emoes. Terminamos com algumas propostas para a preveno do burnout especificamente dirigidas aos profissionais de Medicina. Na segunda parte apresentamos o estudo emprico efectuado, e neste sentido, descrevemos no Capitulo 4 a metodologia utilizada bem como os procedimentos de recolha de dados. No Capitulo 5 apresentamos e discutimos os dados recolhidos junto de uma amostra de 88 mdicos que trabalham em vrios servios de um Hospital da cidade do Porto. Terminamos com a apresentao de algumas concluses, referindo ainda a bibliografia consultada e apresentando em Anexo o questionrio construdo propositadamente para este estudo.

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Parte A

Enquadramento Terico

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Captulo 1

A Sndrome de Burnout

O local de trabalho, hoje, um ambiente frio, hostil que exige muito, econmica e psicologicamente. As pessoas esto emocional, fsica e espiritualmente exaustas. As exigncias dirias do trabalho, da famlia e de tudo o resto corroem a energia e o entusiasmo dos indivduos. A alegria do sucesso e a emoo da conquista esto cada vez mais difceis de alcanar. A dedicao ao trabalho e o compromisso para com ele esto a diminuir. As pessoas vo ficando descrentes, mantendo-se distantes e tentando no se envolver demais. (Maslach & Leiter, 1997, p. 1)

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Neste primeiro captulo iremos definir o conceito do burnout, estabelecendo as diferenas entre burnout e conceitos afins, descrevendo ainda alguns dos principais modelos explicativos desta sndrome e abordando as suas causas. Terminaremos descrevendo algumas propostas de interveno na sndrome de burnout.

1.1. Do stress ocupacional ao burnout: breve histria do burnout A actividade profissional do indivduo descreve o estatuto social que detm, permitindo-lhe o acesso a determinadas actividades de lazer e cultura. Possibilita-lhe o acesso a certo nvel de vida, a determinados contactos sociais e, frequentemente, estabelece a prpria identidade do indivduo, fortalecendo a sua auto-estima e sentido de auto-eficcia. Mas, da mesma forma que pode ser enriquecedor, o trabalho pode tambm ser fonte de stress, por motivos vrios 2 , desgastando gradualmente o profissional (Vaz Serra, 1999). Consideramos a definio de stress ocupacional como a interaco das condies de trabalho com caractersticas do trabalhador de tal modo que as exigncias que lhe so criadas ultrapassam a sua capacidade em lidar com elas (Ross e Altmaier, 1994, cit. in Vaz Serra, 1999, p.474) definio que corresponde ao conceito transaccional de stress que adoptamos neste trabalho. Existem considerveis variaes nas respostas dos indivduos ao stress profissional. Alguns, alimentam-se da presso, aprendem novas competncias, comprometem-se mais e brilham na adversidade. Outros, tornam-se aborrecidos e ineficazes, desenvolvendo uma combinao de exausto emocional, sentimento de ineficcia pessoal e indiferena s necessidades dos que esto a seu cargo. O stress ocupacional um termo genrico que se refere a um processo de adaptao temporria que acompanhado por sintomatologia mental e fsica (Schaufeli & Buunk, 2003). A ltima fase de um estado de stress ocupacional prolongado designada de burnout (Schaufeli & Buunk, 2003). No mundo profissional, stress e burnout derivam frequentemente das mesmas causas, nascendo das tenses entre as exigncias do meio e das capacidades do indivduo em lhes responder adequadamente. No entanto, como veremos mais adiante neste captulo, o burnout no se resume s reaces de tenso do indivduo, ao esgotamento emocional, mas envolve aspectos sociais e autoavaliativos (Truchot, 2004).

De entre os factores que podem desencadear stress no trabalho podemos destacar os esquematizados por Vaz Serra, numa adaptao de Sutherland e Cooper (1990 cit. in Vaz Serra, 1999). No centro encontra-se o indivduo com a sua personalidade, motivao, padres de comportamento, capacidade de lidar com a mudana, entre outras, que interage com vrios factores como as condies intrnsecas ao trabalho (ex: sobrecarga, ms condies fsicas do ambiente, presses de tempo), as relaes dentro da organizao (ex: dificuldades com os colegas, com as chefias), o papel na organizao (ex: ambiguidade/conflito de papel, no participao na tomada de deciso), carreira (ex: perspectiva de ascenso ou de promoo, insegurana), a estrutura e clima da organizao (ex: superviso ineficaz, politicas da empresa) e as relaes da empresa com o exterior (ex: conflito trabalho/famlia). 17

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Os primeiros estudos sobre o burnout, por se centrarem nas emoes, negligenciaram a investigao sobre o stress, naquele tempo fundamentalmente centrada nas cognies (Truchot, 2004). No entanto, dificilmente poderamos falar de burnout sem mencionar o conceito de stress. De facto, o burnout cada vez mais conceptualizado pelos investigadores como uma reaco de stress (Cherniss, 1982a), especificamente uma resposta ao stress ocupacional crnico (Maslach & Jackson, 1981). A relao do indivduo com o seu trabalho e as dificuldades que podem emergir quando essa relao se deteriora tm vindo a ser olhadas desde h muito tempo como um fenmeno muito significativo dos tempos modernos. O uso do termo burnout para descrever este fenmeno comeou a aparecer regularmente nos Estados Unidos da Amrica (EUA) nos anos 70, especialmente entre profissionais dos servios humanos (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001). A primeira referncia ao conceito de burnout pode encontrar-se no romance de Thomas Man Buddensbrooks, datado de 1901, onde narrada a decadncia pessoal e familiar de um senador cujo apelido d nome ao livro (Catsicaris, Eymann, Cacchiarelli & Usandivaras, 2007). Mais tarde, o romance de Graham Green de 1961 A Burn-out Case, pressagiou o uso popular do termo, no qual um arquitecto espiritualmente atormentado e desiludido desiste do seu trabalho e retira-se para a selva africana (Maslach, 2006; Maslach et al., 2001; Maslach & Schaufeli, 1993; Schaufeli & Buunk, 2003). O termo burnout tambm encontrado em literatura mais antiga, onde so descritos fenmenos similares que incluem a fadiga extrema e a perda de idealismo e paixo pelo trabalho. Parece, assim, que a importncia do burnout como um problema social foi identificada por trabalhadores e por analistas sociais muito antes de ser alvo de estudos sistemticos por parte de investigadores (Maslach et al., 2001). Do ponto de vista cientfico, o conceito de burnout surge pela primeira vez nos EUA na dcada de 70, introduzido por Freudenberger (1974), mdico psiquiatra, e por Maslach (1976), investigadora na rea da Psicologia Social, para explicar o processo de deteriorao nos cuidados e ateno profissional aos utentes de organizaes que prestam servios (Bhler & Land, 2003; Gil-Monte, 2002, 2003; Schaufeli & Buunk, 2003; Truchot, 2004; Vaz Serra, 1999; Zamora, Castejn & Frnandez, 2004). Freudenberger (1974; 1975), considerado geralmente como o pai fundador do burnout (Schaufeli & Buunk, 2003), decidiu estudar de forma sistemtica os sintomas de esgotamento, decepo, perda de interesse e exausto fsica e emocional manifestados por profissionais normais, que no apresentavam um quadro

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psicopatolgico prvio, e nos quais ele prprio se inclua. Empregou o termo burn-out 3 para traduzir este estado particular de exausto emocional, termo geralmente usado para caracterizar os efeitos do abuso crnico de drogas (Maslach & Schaufeli, 1993). Nas suas observaes, Freudenberger percebeu que a maioria dos voluntrios da instituio onde trabalhava 4 , um ano aps iniciarem funes, apresentavam um decrscimo progressivo de energia at chegar ao esgotamento, bem como sintomas de ansiedade e de depresso, desmotivao profissional e agressividade para com os clientes (Freudenberger, 1974; 1975). Os artigos cientficos iniciais sobre o burnout foram escritos por Freudenberger e por Cristina Maslach e tinham por base as experincias de profissionais dos servios humanos e de sade, profisses onde o objectivo fornecer ajuda e cuidados a pessoas necessitadas e que, como tal, caracterizam-se como estando mais sujeitas a stressores emocionais e interpessoais (Maslach et al., 2001). Os trabalhos de Maslach difundiram largamente este conceito, caracterizando-o como um problema cada vez mais frequente entre os trabalhadores dos servios humanos, os quais, aps meses ou anos de dedicao laboral, acabavam em situao de burnout, levando a uma deteriorao da qualidade dos servios/cuidados prestados (Maslach & Jackson, 1981). Assim, a investigao do burnout teve as suas razes em profisses de cuidado e de servio onde o aspecto central a relao entre cuidador e beneficirio desse cuidado. Este contexto interpessoal do trabalho significava que o burnout era estudado, no tanto como uma resposta individual de stress, mas antes como consequncia das interaces do indivduo no seu local de trabalho. Este contexto interpessoal centrou ento a ateno nas emoes do indivduo e nas motivaes e valores subjacentes ao seu trabalho com os outros (Maslach et al., 2001). Schaufeli (1999) sistematiza trs concluses essenciais que se podem retirar da histria do burnout. A primeira que este conceito emergiu primeiramente como um problema social e no como um constructo acadmico. Em segundo lugar, o burnout surgiu fortemente associado s profisses de trabalho com pessoas e, por ltimo, as duas perspectivas iniciais do burnout coexistiram e desenvolveram-se mais ou menos independentemente: a perspectiva clnica de Freundenberger e a perspectiva de investigao social iniciada por Maslach. De facto, o primeiro centrou-se mais nos factores pessoais, preocupando-se com a avaliao, preveno e tratamento, enquanto Maslach se centrou mais no ambiente profissional, dedicando-se investigao e teoria (Schaufeli & Buunk, 2003).

O termo original tal como foi definido por Freundenberger burn-out. Retirou a definio directamente do dicionrio j que o verbo to burn-out significa to fail, wear out or become exhausted by making excessive demands on energy, strength, or resources (Freudenberger, 1974, p.159). A designao actual do conceito burnout e a que utilizaremos neste trabalho. 4 Designadas free clinics. 19

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A maior parte da investigao sobre o burnout, na fase inicial do conceito, foi essencialmente descritiva e de natureza qualitativa, usando tcnicas como as entrevistas, estudos de caso e observaes in loco. Este facto explica-se por, inicialmente, o grande interesse no burnout ter surgido em indivduos que trabalhavam nos contextos e no tanto em investigadores acadmicos, j que os primeiros tinham mais probabilidade de sofrerem da sndrome e necessitavam de conhec-la para intervirem (Maslach & Schaufeli, 1993; Schaufeli & Buunk, 2003). Nos anos 80, o trabalho sobre o burnout mudou para uma investigao emprica mais sistemtica, de natureza mais quantitativa, usando questionrios e inquritos e recorrendo a amostras mais alargadas (Maslach et al., 2001). Foi uma fase em que se desenvolveram instrumentos de medida do burnout, sendo o Maslach Burnout Inventory (MBI), desenvolvido por Maslach e Jackson (1981), a escala que apresentou propriedades psicomtricas mais fortes e que hoje em dia continua a ser a ser a mais usada pelos investigadores (Maslach et al., 2001; Schaufeli & Buunk, 2003). A partir da dcada de 80, a investigao sobre o burnout alarga-se a pases fora dos EUA, j com o constructo operacionalizado e com instrumento de medida prprio (Maslach & Schaufeli, 1993). Nos anos 80, o burnout passa, assim, a ser um dos enfoques especficos do estudo do stress entre os profissionais de sade, especialmente segundo o modelo de Maslach e Jackson (Moreno-Jimnez & Puente, 1999). As autoras propem o burnout como uma sndrome de stress crnico prpria das profisses de ajuda e que exigem ateno intensa e prolongada a pessoas que esto numa situao de dependncia (Maslach & Jackson, 1981; Moreno-Jimnez & Puente, 1999). conceptualizado como uma sndrome psicolgica que envolve uma resposta prolongada a stressores interpessoais no trabalho (Maslach, 2006). Como se verificou que era uma sndrome que afectava sobretudo profisses que assentam no trabalho com pessoas, foi inicialmente estudada nas profisses de sade e ensino (Ramos, 2001). Por esta breve histria do conceito, facilmente se deduz que no simples definir o burnout, tentando-se seguidamente apresentar a definio que iremos utilizar neste trabalho. 1.2. Definio de burnout Maslach e Jackson (1981, p.99) definem o burnout como a syndrome emotional exaustion and cynism that occurs frequently among individuals who do people work of some kind. O burnout pode ser ento definido como um estado de exausto fsica, emocional e mental, causado pelo envolvimento duradouro em situaes de elevada exigncia emocional no local de trabalho (Maslach, 2003; Pines & Aronson, 1981). Estas exigncias so geralmente causadas por uma combinao de expectativas muito elevadas e de stress situacional crnico (Pines & Aronson, 1981). Quando os indivduos sentem que falharam em

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realizar o trabalho da forma que tinham idealizado, deixando de derivar da profisso um sentido existencial para a sua vida, o resultado o burnout que se define, ento, como o estado final de um processo gradual de desiluso aps a elevada de motivao e implicao iniciais (Pines, 2000). Esta sndrome considerada como a mais insidiosa e trgica consequncia do stresse no trabalho Freitas (1999, cit. in Ramos, 2001, p.159) e um importante barmetro de uma grande disfuno no local de trabalho (Maslach & Leiter, 1997, p.21). Bhler e Land (2003) consideram mesmo que, em casos mais graves, a sndrome do burnout pode transformar-se numa depresso major. O burnout instala-se, assim, a partir de vivncias de stress no trabalho, onde o indivduo se confronta com o desfasamento entre as expectativas e as motivaes pessoais e profissionais, e os recursos que o trabalho disponibiliza para as satisfazer (Maslach, 2003; Maslach & Leiter, 1997; Ramos, 2001). Para tentar contornar esta dificuldade, o indivduo pode aumentar o investimento no trabalho, levando sobrecarga e, eventualmente, ao aparecimento do burnout, desistncia, distanciamento emocional e cinismo, que vo emergindo medida que o indivduo se vai apercebendo que os seus esforos so infrutferos (Ramos, 2001). Efectivamente, h maior probabilidade de o burnout se desenvolver quando h um desfasamento entre a natureza do trabalho e a natureza da pessoa que faz o trabalho (Maslach & Leiter, 1997), aparecendo quando se perde a razo que justifica determinado esforo/tarefa mais do que o resultado de uma sobrecarga de trabalho (Moreno-Jimnez & Puente, 1999). Neste sentido, Cherniss (1982a) considera o burnout como um sintoma da perda de compromisso social. A definio de burnout de Schaufeli e Enzmann (1998) considerada por Schaufeli e Buunk (2003), numa reviso de 25 anos de estudo sobre esta sndrome, como a mais sinttica e, ao mesmo tempo, a que engloba as caractersticas do estado e do processo de burnout. Assim, o burnout pode ser entendido como um estado mental negativo, persistente, relacionado com o trabalho, que ocorre em indivduos normais. Este principalmente caracterizado pela exausto, que acompanhada por sofrimento, reduzida motivao e eficcia, e pelo desenvolvimento de atitudes ou comportamentos disfuncionais no trabalho. Esta condio psicolgica desenvolve-se gradualmente, mas pode permanecer latente, no identificada pelo indivduo, por um longo perodo, resultando de um desencontro entre as suas expectativas profissionais e a realidade. tambm frequente que o burnout se auto-perpetue dado o uso de estratgias de coping inadequadas que geralmente se associam a esta sndrome (Schaufeli & Buunk, 2003; Schaufeli & Enzmann, 1998). Para melhor compreendermos o que o burnout, consideramos pertinente referir as manifestaes e consequncias do burnout, bem como as diferentes dimenses do burnout, a21

sua avaliao e a distino entre burnout e outros conceitos como por exemplo o stress ocupacional, a depresso e a satisfao no trabalho. 1.2.1. Manifestaes e consequncias do burnout Os problemas resultantes do burnout podem ser de ordem interpessoal (como problemas familiares e sociais) ou de ordem pessoal, encontrando-se aqui as perturbaes psicossomticas, os problemas psicolgicos (hostilidade, ansiedade, depresso) e os problemas de comportamento que afectam o rendimento no trabalho, como por exemplo o absentismo, atrasos, diminuio na qualidade do trabalho, etc. (Zamora et al., 2004). As manifestaes do burnout so tambm visveis a nvel organizacional, pelo que dividimos a anlise das consequncias do burnout em dois nveis: individual e organizacional. 1.2.1.1. A nvel individual Para Freudenberger (1974; 1975), o estado de burnout manifestava-se por uma grande diversidade de sintomas, que variavam de pessoa para pessoa, quer em grau, quer no modo de expresso, ocorrendo em regra geral um ano aps o inicio da profisso, altura em que vrios factores comeavam a interagir. Para Maslach e Jackson (1981), o burnout parecia estar tambm relacionado com numerosos indicadores auto-relatados de insatisfao pessoal, incluindo exausto fsica, insnias, aumento do uso de lcool e drogas, problemas conjugais e familiares, etc., contribuindo para o abandono profissional, absentismo e baixa moral. A sndrome de burnout faz-se ento acompanhar de um aumento de sintomas de abatimento fsico, sentimentos de incapacidade, desespero, desiluso e desenvolvimento de um auto-conceito negativo, assim como de atitudes negativas face ao trabalho (Pines & Aronson, 1981). Pode deteriorar a qualidade dos servios prestados e parece estar relacionada com vrios ndices de sofrimento como exausto fsica, insnia, aumento do consumo de lcool e drogas e problemas conjugais e familiares (Maslach & Jackson, 1981; MorenoJimnez & Puente, 1999). Freundenberger e Richelson (1980, cit. in Maslach & Schaufeli 1993) descrevem um conjunto de sintomas clnicos do burnout, incluindo a exausto, afastamento, aborrecimento e cinismo, impacincia e irritabilidade elevada, sentimentos de omnipotncia e a suspeita de no se ser apreciado, parania, desorientao, negao de sentimentos e queixas psicossomticas. O burnout tem sido associado ao desempenho laboral deteriorado e a perturbaes de sade, como dores de cabea, perturbaes de sono, irritao, dificuldades conjugais, fadiga, hipertenso, ansiedade, depresso, enfarte de miocrdio, alcoolismo e toxicodependncia (Spickard et al., 2002). A literatura aponta para uma mirade de factores associados ao burnout, pelo que se torna difcil nome-los a todos. Schaufeli e Enzmann (1998) reuniram 132 sintomas, ainda22

que afirmem que muitos derivem da observao clnica no controlada e da anlise no estruturada de entrevistas. Schaufeli e Buunk (2003) agrupam os sintomas em cinco grandes categorias: afectivos, cognitivos, fsicos, comportamentais e motivacionais. Benevides-Pereira (2002, cit. in Mallar & Capito 2004) caracteriza a sndrome de burnout pela presena de sintomas: - fsicos - sensao de fadiga constante e progressiva, distrbios do sono, dores musculares ou sseas, cefaleias, enxaquecas, perturbaes gastrointestinais, imunodeficincia, transtornos cardiovasculares, perturbaes do sistema respiratrio, disfunes sexuais e alteraes menstruais nas mulheres; - psquicos - falta de ateno e de concentrao, alteraes mnsicas, lentificao do pensamento, sentimentos de alienao, solido, insuficincia, impacincia, desnimo, depresso, desconfiana; - comportamentais - irritabilidade, agressividade, incapacidade em relaxar, dificuldade em aceitar mudanas, perda de iniciativa, aumento do consumo de substncias, comportamento de alto risco e aumento da probabilidade de suicdio; - defensivos - tendncia ao isolamento, sentimentos de omnipotncia, perda do interesse pelo trabalho ou pelo lazer, insnias e cinismo. Independentemente da conceptualizao de burnout, unnime que ele emerge na fase final de um processo longo resultante da exposio do indivduo a tenses laborais. Em relao aos critrios de diagnstico do burnout, existe um certo consenso em considerar-se a presena de cinco elementos comuns: (i) predominncia de sintomas disfricos, como exausto emocional, fadiga e depresso; (ii) predominncia de sintomas mentais e comportamentais relativamente sintomatologia fsica, sendo que o nvel fsico tambm relevante; (iii) os sintomas so especficos de situaes de trabalho; (iv) os sintomas podem manifestar-se em indivduos que nunca sofreram perturbaes psicolgicas; (v) verifica-se uma diminuio da eficcia e rendimento no trabalho, como consequncia de atitudes e comportamentos negativos (Maslach & Schaufeli, 1993; Schaufeli & Buunk, 2003). Gil-Monte (2003) condensa em quatro grandes categorias as consequncias do burnout. Em primeiro lugar, os indicadores emocionais como o uso de mecanismos de distanciamento emocional, sentimentos de solido, de alienao, ansiedade, de impotncia ou omnipotncia. Ou seja, a motivao intrnseca do profissional desaparece (Schaufeli & Buunk, 2003). Em segundo lugar, indicadores atitudinais como o desenvolvimento de atitudes negativas, cinismo, apatia, hostilidade. Em terceiro, indicadores comportamentais como a agressividade, isolamento, mudanas bruscas de humor, irritabilidade. Por ltimo, os indicadores somticos, como alteraes cardiovasculares (palpitaes, hipertenso, etc.),23

problemas respiratrios (crises de asma, falta de ar, etc.), problemas imunolgicos (maior frequncia de infeces, alergias, etc.), problemas sexuais, digestivos (lceras, nuseas, diarreias, etc.), musculares (dores de costas, fadiga, etc.) e alteraes no sistema nervoso (enxaquecas, insnia, etc.). Truchot (2004) acrescenta o nvel interpessoal dado que h consequncias a nvel da relao com os colegas, com superiores e com utentes, assim como uma deteriorao da vida familiar e social. Vrios estudos encontram um alastramento do burnout profissional para o casamento e do stress profissional para a famlia (Pines & Nunes, 2003; Truchot, 2004). Relativamente a consequncias a longo-prazo, Cherniss (1992) realizou um estudo longitudinal em 25 profissionais dos servios humanos, medindo os nveis de burnout no primeiro ano das suas carreiras e, novamente, 12 anos depois. Verificou que os trabalhadores com maiores nveis de burnout no incio da carreira tinham menor probabilidade de mudar de carreira e eram mais flexveis no trabalho, parecendo sugerir que o burnout inicial no acarretaria consequncias negativas significativas de longo-prazo. Colocou como hiptese que o burnout inicial tornaria os trabalhadores mais relutantes em mudar de carreira, para no terem de passar novamente pela mesma experincia negativa, ou os levaria a um maior investimento e compromisso com a profisso, dado o sofrimento por que passaram. Cherniss (1992) sugere mesmo que o burnout poder ser um problema de curta durao e que os indivduos que o experienciam podem recuperar sem qualquer interveno. No entanto, o autor considera que as concluses no podem ser generalizadas, dada a reduzida dimenso da amostra, sugerindo tambm que o burnout que surge a meio da carreira poderia ter consequncias mais negativas e mais prolongadas. 1.2.1.2. A nvel organizacional O burnout deveria de ser alvo de preocupao por parte das organizaes, pois afecta a qualidade da performance do trabalhador. Quando o indivduo reduz o seu desempenho ao mnimo, em vez de dar o seu melhor, tende a fazer mais erros, ser menos cuidadoso e ser menos criativo na resoluo de problemas (Maslach, 2006). H indicadores para as organizaes que permitem perceber se os indivduos esto em burnout. Estes indicadores manifestam-se pela diminuio da qualidade assistencial, baixa satisfao laboral, absentismo laboral elevado, tendncia ao abandono do posto de trabalho ou da prpria organizao, diminuio do interesse e esforo na realizao de tarefas laborais, aumento de conflitos interpessoais com colegas, utentes e supervisores e, por ltimo, uma diminuio da qualidade de vida profissional dos trabalhadores (Gil-Monte, 2003).

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O burnout contribui para aumentar a insatisfao no trabalho e diminuir o compromisso para com este (Truchot, 2004), pelo que se manifesta tambm pelo comportamento do indivduo no trabalho e associa-se baixa pontualidade, ao absentismo, baixa produtividade, job turnover (Eaddy, 1997; Schaufeli & Buunk, 2003), dificuldade de trabalhar em grupo diminuio do nvel de satisfao profissional, elevada mobilidade profissional, entre outras (Guevara et al., 2004). 1.2.2. Dimenses do burnout Pelo que temos vindo a descrever, o burnout no um conceito simples, podendo ser descrito com base em diferentes dimenses. Segundo o modelo multidimensional de Maslach e Jackson (1982, cit. in Maslach, 1998; 2006), existem trs dimenses essenciais no burnout: exausto emocional, despersonalizao e falta de realizao pessoal. De acordo com este modelo, o burnout entendido como uma experincia individual de stress que se desenvolve num contexto complexo de relaes sociais e que envolve a concepo do indivduo sobre si mesmo e sobre os outros (Maslach, 1998). A exausto emocional representa a resposta basilar de stress (Maslach, 1998; 2006), estudada tambm noutras investigaes sobre o stress, e manifesta-se por um estado de esgotamento emocional/psicolgico e fsico. Os indivduos sentem-se cansados, exaustos, esgotados, privados dos seus recursos emocionais e fsicos, sem energia para encarar as exigncias do local de trabalho e sem fontes de recompensa profissional. a primeira reaco ao stress causado pelas exigncias do trabalho ou a grandes mudanas (Maslach & Leiter, 1997). As causas principais desta exausto so a sobrecarga de trabalho e conflitos pessoais no trabalho (Maslach, 1998; 2006). Para alguns autores a dimenso-chave da sndrome de burnout (Geurts, Schaufeli & De Jonge, 1998). No entanto, apesar de ser um critrio necessrio para o diagnstico de burnout no o nico (Maslach, 2003; 2006) e no reflecte os aspectos fundamentais da relao que as pessoas estabelecem com o seu trabalho (Maslach et al., 2001). A segunda dimenso a despersonalizao e caracteriza-se por uma atitude fria, excessivamente distante para com o trabalho e para com as pessoas do trabalho. Representa a componente interpessoal do burnout (Maslach, 1998; 2006). Os indivduos minimizam o seu envolvimento na profisso e abandonam os seus ideais (Maslach & Leiter, 1997). Sentem que j no possuem recursos emocionais (Ramos, 2001), reagindo negativamente ou com grande distanciamento e frieza aos colegas e aos vrios aspectos do trabalho (Maslach, 2003; 2006). A investigao tem revelado uma correlao significativa entre a exausto e despersonalizao em vrias organizaes e locais de trabalho (Maslach, 2003; Maslach et al.,

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2001), pensando-se que a despersonalizao surja como uma resposta exausto emocional excessiva, funcionando primeiramente como uma auto-defesa, como uma espcie de indicador desse distanciamento (Geurts et al., 1998; Gil-Monte, 2003; Maslach, 2006; Maslach & Schaufeli, 1993). Ou seja, balancear a compaixo pelos clientes com o distanciamento emocional visto como uma forma de os indivduos se resguardarem da intensidade emocional que poderia interferir negativamente com o seu desempenho profissional. A despersonalizao vista ento como uma tentativa de colocar alguma distncia entre si prprio e os utentes, ignorando conscientemente as qualidades destes como pessoas. Torna-se mais fcil atender s necessidades dos utentes se os considerarem como objectos do seu trabalho. No entanto, um desequilbrio nesse balanceamento, atravs do distanciamento excessivo e pouca preocupao, parece levar a respostas frias e desumanizadas (Maslach et al., 2001; Pines & Aronson, 1981) ou assuno de formas de tratamento humilhante e de falta de respeito para com os utentes (Gil-Monte, 2003). Alm disso, se as pessoas esto a trabalhar demais, tendem a abrandar e a reduzir as tarefas para se auto-preservarem mas, com o tempo, corre-se o risco de que esse distanciamento possa resultar na perda de idealismo e na desumanizao de outros, desenvolvendo uma reaco negativa s pessoas e ao trabalho (Maslach, 2006). Independentemente de lidarem com pessoas, a sua performance laboral pode ser traduzida na frase como aguentar o dia, ser pago e sair daqui? (Maslach, 2006, p.38). Por outras palavras, os trabalhadores com nveis altos de despersonalizao diminuem o tempo que passam no local de trabalho e reduzem a energia que investem na profisso. Continuam a desempenhar as suas tarefas, mas reduzem a sua performance ao mnimo, diminuindo, em consequncia, a qualidade do seu desempenho profissional (Maslach, 2006). A terceira e ltima dimenso a reduzida realizao pessoal, que representa a componente de auto-avaliao do burnout (Maslach, 2006). caracterizada por um sentimento crescente de ineficcia profissional, onde cada novo projecto ou tarefa sentido como demasiado exigente (Maslach, 2006; Maslach & Leiter, 1997). Este sentimento crescente de falta de eficcia exacerbado pela ausncia de recursos profissionais assim como pela falta de suporte social e de oportunidades de desenvolvimento profissional. Os indivduos pensam o que estou a fazer? Porque estou aqui? Talvez este no seja o trabalho certo para mim (Maslach, 2006, p.38). Estes sentimentos podem levar a uma imagem negativa, de si prprio e dos outros (Maslach, 2006). Energia, envolvimento e eficcia so, assim, opostos directos s trs dimenses do burnout (Maslach & Leiter, 1997). O modelo tridimensional do burnout contextualiza socialmente a experincia individual de stress e tem sido encontrado consistentemente em vrios estudos com vrias26

amostras profissionais e em diferentes pases (Maslach, 1998; Schaufeli et al., 2002). Segundo este modelo, as dimenses esto inter-relacionadas, sendo que a exausto crnica pode levar ao distanciamento emocional e cognitivo do indivduo do seu trabalho, de tal maneira que eles se tornam menos envolvidos, ou menos responsivos, s necessidades dos outros ou s exigncias do trabalho (Figura 1). Em relao baixa realizao pessoal, esta aparece como uma consequncia da exausto, ou da despersonalizao, ou de uma combinao das duas. Ou seja, difcil que o indivduo se sinta realizado quando se sente exausto ou quando tem de ajudar pessoas pelas quais sente hostilidade. Noutros contextos, a realizao reduzida desenvolve-se em paralelo com a outras duas dimenses, em vez de sequencialmente (Leiter, 1993, cit. in Maslach, 1998; Schaufeli & Buunk, 2003).Figura 1 O Modelo do Burnout (Maslach, 1998) Exigncias Falta de Recursos Diminuio de: . Coping de controlo . Suporte social . Uso de competncias . Autonomia . Envolvimento na tomada de deciso Sobrecarga Laboral Conflito Pessoal

Burnout Exausto Cinismo Despersonalizao Diminuio da realizao e da eficcia

Custos

Diminuio do compromisso organizacional

Desistncia e absentismo

Doena fsica

Numa perspectiva diferente, o modelo de burnout de Golembieski e colaboradores (1986, cit. in Leiter, 1991; Maslach, 1998; Schaufeli & Buunk, 2003) preconiza que as diferentes dimenses emergiam simultaneamente, embora no de forma independente, resultando em oito padres ou fases diferentes de burnout (o designado Phase-Model). Estes autores propem uma progresso sequencial na emergncia destas dimenses ao longo do tempo, sendo que o aparecimento de uma precipitaria o imediato desenvolvimento de outra Nesta proposta, a despersonalizao seria a primeira fase do burnout, seguida da reduzida realizao pessoal e finalmente da exausto emocional, ao contrrio do que propem Maslach e Leiter (1997), onde a exausto emocional seria a primeira dimenso a emergir, conduzindo despersonalizao e, consequentemente, diminuio da realizao pessoal. Alm disso, a despersonalizao uma reaco de tal forma imediata exausto que a investigao encontra uma forte correlao entre as duas dimenses nos mais variados contextos profissionais (Maslach et al., 1996, cit. in Maslach, 1998).27

Para Gil-Monte, Peir e Valcrcel (1998, cit. in Gil-Monte, 2002) o processo do burnout inicia-se com o desenvolvimento de ideias sobre a falha profissional e de atitudes negativas face ao papel profissional (falta de realizao pessoal no trabalho) juntamente com sentimentos de se sentir emocionalmente esgotado (exausto emocional) e, posteriormente, os indivduos formariam sentimentos e atitudes negativas face s pessoas com quem trabalham (atitudes de despersonalizao). Este modelo pressupe, assim, uma alternativa terica e emprica a outros modelos elaborados para explicar o desenvolvimento do processo de burnout, afirmando Gil-Monte (2002) que foi validado empiricamente por outros estudos. Moreno-Jimnez e colaboradores (2006) chamam a ateno para o actual consenso alargado que considera a realizao pessoal no trabalho mais como um factor independente do que como uma dimenso interna da sndrome, aparecendo como uma consequncia do desgaste profissional ou como um mediador prximo do constructo da auto-eficcia conceptualizado por Bandura. Efectivamente, Buunk e Schaufeli (1993) hipotetizam que a realizao pessoal poderia ser considerada um recurso de coping que permite ao indivduo lidar eficientemente com sentimentos de exausto. Gonzlez-Rom e colaboradores (2006) salientam que a realizao pessoal tem sido vista como reflectindo uma caracterstica da personalidade e no tanto como constituindo uma componente genuna da sndrome de burnout. J Schaufeli e Enzamnn (1998) referem que essa caracterstica de personalidade seria mais da ordem da auto-eficcia do que uma reaco ao stress profissional. Truchot (2004) conclui que no existe ainda uma posio definitiva sobre o lugar ocupado pela realizao pessoal na sndrome de burnout. Para Schaufeli e Van Dierendonck (1993, cit. in Van Dierendonk et al., 1994) a despersonalizao e a reduzida a realizao pessoal constituem aspectos separados do burnout, enquanto para Schaufeli e Enzmann (1998) a despersonalizao seria vista como uma forma de coping disfuncional. 1.2.3. Avaliao do burnout Como referimos j, a maior parte investigao inicial sobre o burnout foi descritiva na sua essncia, de metodologia mais qualitativa. Nos anos 80, o trabalho sobre o burnout adoptou uma metodologia mais quantitativa, tornando-se mais sistemtica a investigao emprica, recorrendo-se a questionrios dos quais o Maslach Burnout Inventory (MBI, de Maslach & Jackson, 1981) o mais usado (Leiter, 1991; Maslach et al., 2001; Schaufeli & Buunk, 2003). De facto, de acordo com Schaufeli e Enzmann (1998) o MBI tem sido aplicado em mais de 90% dos estudos sobre o burnout em todo o mundo, conferindo-lhe o estatuto de monoplio neste campo. Schaufeli (1999) considera que este primado da utilizao do MBI

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levou a que a conceptualizao do burnout seja equivalente forma como medido, isto , o burnout ser aquilo o que o MBI mede. Nos anos 90 a fase emprica conheceu novas direces, como o alargamento do conceito de burnout a ocupaes fora do mbito dos servios humanos e da educao (ex: tecnologias informticas, militares, administradores, membros do clero). Existem j trs verses do MBI, desenvolvidas para serem usadas com diferentes profisses. A verso original foi concebida para os servios humanos e designa-se MBI-Human Services Survey (MBI-HSS); a segunda foi desenvolvida para profissionais de contextos educativos MBIEducators Survey (MBI-ES); a terceira verso mais genrica e usada em variadas profisses, no s nas que lidam directamente com pessoas, designa-se MBI-General Survey (MBI-GS) (Maslach, 1998). Actualmente esto a ser desenvolvidos novos instrumentos na Europa que pressupem uma reconceptualizao da sndrome de burnout, como o Copenhagen Burnout Inventory (CBI) cuja ltima verso avalia o burnout em trs dimenses relacionadas com aspectos pessoais do paciente e do trabalho: personal burnout, workrelated burnout e client-related burnout (Kristensen et al., 2005). O Oldenburg Burnout Inventory (OLBI) inclui somente duas dimenses, a exausto e a falta de compromisso com o trabalho (disengagement from work) e o questionrio espanhol para a avaliao do burnout (Cuestionario para la Evaluacin del Sndrome de Quemarse en el Trabajo) prope ainda a perda e a iluso como elemento integrante da sndrome (Moreno-Jimnez et al., 2006). Alm disso, em Espanha esto a desenvolver-se instrumentos de avaliao de burnout para populaes especficas contendo itens relativos s profisses dos sujeitos a estudar (MorenoJimnez et al., 2002). 1.2.4. Relao entre burnout e outros conceitos O burnout tem sido equiparado a vrios outros conceitos, como por exemplo insatisfao profissional, stress, fadiga crnica, ansiedade, esgotamento, entre outros, todos padecendo de uma definio ambgua (Schaufeli & Buunk, 2003). Os maiores exemplos desta ambiguidade so os conceitos de stress, depresso (Schaufeli, 1999; Schaufeli & Buunk, 2003) e de insatisfao com o trabalho. De facto, grande parte da discusso inicial sobre o burnout fez-se em torno da sua validade discriminante, ou seja, at que ponto o burnout poderia ser considerado como um fenmeno autnomo, diferente de outros constructos estabelecidos, especificamente da depresso e da satisfao no trabalho (Maslach, 1998). Melo, Gomes e Cruz (1999) defendem que a investigao sobre o burnout continua a levantar a questo de saber se este conceito pode ou no ser entendido como distinto de outros conceitos como o stress ocupacional, depresso ou insatisfao com o trabalho.

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Pela sua pertinncia terica, abordaremos a relao entre o burnout e o stress ocupacional, depresso e satisfao com o trabalho. 1.2.4.1. Burnout e stress ocupacional Stress e burnout so conceitos muito prximos e de difcil diferenciao. Schaufeli (1999) e Schaufeli e Buunk (2003) argumentam que o stress ocupacional refere-se a um processo temporrio de adaptao que acompanhado de sintomas mentais e fsicos, enquanto o burnout pode ser considerado como a fase final do fracasso nessa adaptao, que resultante de um desequilbrio prolongado entre exigncias e recursos. Para Maslach e Schaufeli (1993) o burnout considerado como um prolongamento do stress ocupacional, resultando de um processo de longa durao, em que o trabalhador sente que os seus recursos para lidar com as exigncias esto j esgotados. Baseando-se no modelo de Selye (1950) a propsito da Sndrome Geral de Adaptao, vrios autores consideram que o stress profissional seria a adaptao bem sucedida enquanto o burnout seria a consequncia da falha na adaptao. Por outras palavras, stress e burnout partilhariam sintomas semelhantes e s seriam distinguidos com base no processo (Maslach & Schaufeli, 1993), sendo o burnout uma sndrome multidimensional. Para Moreno-Jimnez e Puente (1999) e para Schaufeli (1999) o burnout seria a ltima fase de um estado de stress crnico. Maslach (2006) reformula que enquanto a resposta aguda de stress aparece como reaco a acontecimentos crticos, o burnout uma reaco cumulativa a stressores laborais contnuos. A ateno foca-se no processo de eroso psicolgica e nas consequncias psicolgicas e sociais desta experincia crnica e no tanto nas consequncias fsicas. Assim, stress e burnout apresentam diferenas qualitativas, nomeadamente o facto de o stress poder desaparecer mediante um determinado perodo de repouso (ex: durante um perodo de frias), enquanto o burnout relativamente estvel ao longo do tempo (Maslach, 2006). Schaufeli e Van Dierendonk (1993) demonstraram empiricamente a validade discriminante do burnout com os sintomas genricos e mentais do stress profissional usando o MBI. Igualmente, o burnout no se identifica s com a sobrecarga de trabalho, uma vez que no o excesso de tarefas, por si, que o desencadeia; da mesma forma, um trabalho com pouco stress mas que seja desmotivador, pode provocar burnout. Assim, o burnout no seria um processo associado ao estado de fadiga mas sim desmotivao emocional e cognitiva subsequente perda dos interesses que num determinado momento foram importantes para o indivduo (Moreno-Jimnez & Puente, 1999). Alm disso, o burnout acompanhado de atitudes e comportamentos disfuncionais para com os utentes (despersonalizao), o trabalho

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e a organizao, enquanto o stress profissional no se faz acompanhar destes comportamentos (Schaufeli, 1999; Schaufeli & Buunk, 2003). Para Schaufeli e Buunk (2003) qualquer indivduo est sujeito a stress e pode experienci-lo, enquanto o burnout associa-se mais a indivduos mais idealistas, entusiastas, com expectativas elevadas para a profisso, ocorrendo entre indivduos com uma motivao inicial elevada. 1.2.4.2. Burnout e depresso O burnout e a depresso so conceitos caracterizados pelos mesmos sintomas disfricos Schaufeli (1999). Neste sentido, Millan (2007), numa atitude algo provocadora, considera mesmo que se se atentar nas trs dimenses bsicas do burnout (exausto emocional, despersonalizao e baixa realizao pessoal), todos os sintomas que caracterizam cada uma esto presentes na depresso e que o facto de ser o trabalho o desencadeador do burnout no justifica, por si s, a criao de um novo conceito. Critica assim Maslach por ter dado um novo nome a um conjunto de sintomas que caracterizavam os profissionais que se dedicavam ao cuidado das outras pessoas, ainda que valorize todo o trabalho desenvolvido considerandoo como de muito contributo para a melhoria da qualidade do servio desses profissionais. No entanto, apesar de o burnout e a depresso partilharem algumas caractersticas (ex: a exausto emocional parece assemelhar-se tristeza e fadiga caractersticas da depresso) o primeiro ocorre claramente como consequncia do trabalho enquanto que a depresso livre de contexto (Bakker et al., 2000a; Maslach & Schaufeli, 1993; Schaufeli, 1999; Schaufeli & Buunk, 2003). A depresso seria assim um fenmeno mais global e generalizado do que o burnout e estes dois constructos teriam etiologias e consequncias desenvolvimentais diferentes (Meier, 1984, cit. in Bakker et al., 2000a). Truchot (2004, p.202) prope o burnout como uma espcie de depresso profissional. Freundenberger (1982, cit. in Maslach & Schaufeli, 1993) argumenta que a depresso (reactiva) mais acompanhada por sentimentos de culpa e letargia enquanto o burnout ocorre geralmente no contexto de raiva, sendo os indivduos mais vigorosos nas suas queixas, apresentando mais sentimentos de desapontamento e de injustia. Schaufeli (1999) acrescenta que o burnout acompanhado de atitudes e comportamentos disfuncionais especficos que tipicamente no so encontrados na depresso e Hillhouse, Adler e Walters (2000) verificaram uma associao entre depresso e burnout, especificamente o relacionado com o cliente, em mdicos na formao de especialidade. Maslach (1998) salienta que toda a investigao realizada para o desenvolvimento do MBI leva a concluir que o burnout se distingue da depresso e da ansiedade, ainda que estando relacionado com estes dois constructos. Maslach e Schaufeli (1993) e Schaufeli e

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Enzmann (1998) confirmam a forte relao da depresso com a dimenso exausto emocional do burnout, e uma menos forte relao entre depresso, despersonalizao e realizao pessoal, o que lhes permite afirmar a validade do modelo multidimensional do burnout e que este conceito ultrapassa a mera experincia de exausto. Leiter e Durup (1994, cit. in Maslach, 1998) demonstraram a distino de burnout e depresso atravs da anlise factorial do MBI e do Inventrio da Depresso de Beck (BDI), concluindo que o primeiro era um problema especfico do local de trabalho enquanto a depresso tendia a estender-se por vrias domnios da vida do indivduo, sendo independente do contexto. No entanto, investigaes subsequentes viriam a confirmar que os indivduos mais vulnerveis depresso (revelado por altos scores de neuroticismo) so mais propensos ao burnout (Maslach et al., 2001). Alm disso, Schaufeli e Buunk (2003) referem investigaes que apontam no sentido de, em determinadas circunstncias, o burnout poder levar depresso mas no ao contrrio. Similarmente, Truchot (2004) confirma a correlao positiva entre burnout e depresso mas contrape que a aplicao das duas escalas (MBI e BDI) a uma mesma amostra faz emergir factores especficos para os itens do burnout e para os da depresso. Bakker e colaboradores (2000a) corroboram empiricamente, em professores, a validade discriminante do burnout e depresso, confirmando-os como conceitos relacionados mas distintos, comprovando tambm a estrutura tri-factorial do MBI. Concluindo, embora relacionados, especialmente no que diz respeito exausto emocional, h evidncia emprica que demonstra a no equivalncia total de burnout e depresso. 1.2.4.3. Burnout e satisfao no trabalho Brewer (1998, cit. in Brewer & Clippard, 2002) define satisfao no trabalho simplesmente como o grau em que o indivduo gosta do seu trabalho. A relao entre satisfao no trabalho e burnout dois conceitos no livre de controvrsia, uma vez que existem estudos com resultados contraditrios. Os autores tm salientado que a investigao indica uma relao inversa entre burnout e satisfao no trabalho (Brewer & Clippard, 2002; Maslach, 1998; Maslach & Schaufeli, 1993). No entanto, a natureza dessa relao no seria clara, no se sabendo se a baixa satisfao no trabalho seria uma consequncia do burnout ou se, pelo contrrio, a primeira origina a segunda, ou ainda que ambas sejam consequncias de uma terceira varivel como, por exemplo, as ms condies de trabalho (Maslach, 1998; Maslach & Schaufeli, 1993). Segundo o modelo multidimensional de Maslach, verificam-se correlaes negativas entre a satisfao no trabalho e as dimenses do burnout exausto emocional e

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despersonalizao, e positivas, ainda que baixas, entre a satisfao no trabalho e a realizao pessoal. No entanto, outros estudos sugerem que a realizao pessoal e a satisfao constituem apenas um factor (Maslach & Schaufeli, 1993). Truchot (2004) refere tambm as correlaes significativas encontradas entre medidas de insatisfao no trabalho e burnout. Embora as duas variveis estejam altamente correlacionadas, no podem ser vistas como sendo o mesmo conceito (Maslach & Jackson, 1981). Assim, para Brewer e Clippard (2002) a satisfao no trabalho parece ser uma mais resposta atitudinal ao trabalho, enquanto o burnout surge como uma resposta emocional. 1.3. As causas do burnout O burnout atinge principalmente profisses de ajuda, onde a matria-prima do trabalho so as pessoas (Maslach & Schaufeli, 1993; Pines & Aronson, 1981). O trabalho contnuo com pessoas que esto em sofrimento, psicolgico, social e/ou fsico, pode causar stress crnico e ser emocionalmente desgastante, contribuindo para o risco de burnout (Maslach & Jackson, 1981), afectando profissionais dos servios humanos como mdicos, enfermeiros, psiclogos, etc. Para Pines e Aronson (1981) e Pines (2000) a principal causa do burnout parece residir na necessidade humana de acreditarmos que a nossa vida tem sentido e que o nosso trabalho importante, til e pode fazer a diferena. Se a pessoa sente que falha, tender a apresentar burnout. Alm disso, um aspecto importante o desenvolvimento de atitudes e sentimentos negativos para os clientes, muitas vezes considerando-os como algo merecedores dos problemas que os afectam, o que parece estar relacionado com a exausto emocional (Maslach & Jackson, 1981). No se comea a actividade profissional com sentimentos de burnout. Inicia-se com entusiasmo, energia, prontido para despender tempo e esforo nas tarefas profissionais. Para Moreno-Jimnez e Puente (1999), o burnout tem, assim, um carcter insidioso, ou seja, no aparece depois de um ou mais episdios de sobrecarga ou de especial dificuldade, mas vai-se gerando gradualmente, sem que o indivduo se aperceba, evoluindo lentamente do entusiasmo decepo, atravs de um contnuo. Freudenberger (1974) alude ao facto de serem justamente os profissionais mais dedicados e mais comprometidos com o trabalho os mais propensos a desenvolver burnout. Quanto maior o desfasamento entre a pessoa e o trabalho, maior o risco de burnout (Maslach & Leiter, 1997). Maslach (1998) refere a existncia de uma nova perspectiva nesta abordagem, em que a noo de desfasamento ou disparidade enquadrada em termos de vrios constructos que podem ser comparados entre o trabalhador e o trabalho (ex: valores e expectativas profissionais) permitindo uma melhor avaliao do indivduo dentro do contexto

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organizacional. Alm disso, enquanto anteriormente se conceptualizava que a congruncia entre a pessoa e o trabalho predizia determinadas consequncias (como comprometimento, satisfao, performance e permanncia no trabalho), o novo modelo hipotetiza que o burnout um importante mediador nesta ligao causal, ou seja, o desfasamento leva ao burnout que por sua vez origina vrios resultados (Leiter, 1991; Maslach, 1998). Para Leiter (1991) o burnout pode ser visto, assim, como um indicador da extenso em que o trabalho, no contexto organizacional, enfraqueceu o sentido de auto-eficcia do indivduo. Maslach e Leiter (1997) elencam, assim, seis fontes de burnout: sobrecarga de trabalho, controlo, comunidade, recompensa, justia e valores (Figura 2). Consideram que no apenas numa rea que pode ocorrer o desfasamento entre o indivduo e o trabalho, mas nas seis. Se em cada uma a natureza do trabalho no est em harmonia com a natureza da pessoa, o resultado o aumento das componentes de exausto, cinismo e ineficcia do burnout. Por outro lado, quando existe uma paridade, o resultado provvel o compromisso no trabalho 5 . Assim, cada rea relaciona-se diferentemente com o burnout e com o compromisso (Maslach, 1998).Figura 2 Seis reas do ajustamento pessoa-trabalho (Maslach, 1998) Sobrecarga de trabalho Controlo Recompensa Comunidade Justia Valores

Desfasamento

Congruncia

Burnout

Compromisso

A sobrecarga de trabalho talvez a indicao mais bvia da dcalage entre o indivduo e o trabalho: muito para fazer, em pouco tempo e com poucos recursos. Ocorre quando as exigncias do trabalho excedem as limitaes humanas. Tambm pode ocorrer quando se sente que se est no trabalho errado, quando o indivduo no tem recursos ou apetncia para determinado trabalho ou tambm quando exigido que mostrem emoes incongruentes com os seus sentimentos (Maslach, 2006; Maslach et al., 2001). Quando esta se torna uma conjuntura profissional crnica, restam poucas oportunidades para descansar, recuperar e restabelecer o equilbrio (Maslach, 1998). A sobrecarga geralmente a componente que mais se relaciona com a dimenso exausto emocional do burnout (Maslach, 2006; Maslach et al., 2001).

No original job engagement considerado como o constructo oposto ao burnout (Maslach et al., 2001). Falaremos deste conceito mais frente neste captulo. 34

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A falta de controlo no prprio trabalho, o no envolvimento nas decises respeitantes sua prtica profissional tambm outro indicador. Ocorre quando h polticas profissionais muito rgidas ou monitorizao excessiva, ou quando as condies de trabalho so caticas (Maslach, 1998). Associa-se geralmente dimenso de reduzida realizao pessoal (Maslach et al., 2001) e a maiores nveis de stress (Maslach, 2006). Vrias investigaes revelaram que o burnout se associa a estilos de gesto autoritrios (Moreno-Jimnez & Puente, 1999) dado que, como afirmam Maslach e Leiter (1997, p.12), mechanical management leads to mechanical performance. Os indivduos no tm autonomia para resolver os seus problemas, fazer as suas prprias escolhas e contribuir para alcanar os resultados pelos quais sero responsabilizados mais tarde (Maslach, 1998), ou seja, a responsabilidade que tm excede a autoridade que possuem (Maslach et al., 2001). Um terceiro indicador de desfasamento , para estes autores, quando a pessoa sente que no obtm a recompensa justa pelo seu trabalho, quando no reconhecida, quer financeiramente, quer socialmente, quando o seu esforo desvalorizado ou ignorado pelos outros, quando no se orgulha no trabalho que realiza e no lhe atribui valor nem se empenha. Esta falta de reconhecimento desvaloriza quer o trabalho quer os trabalhadores. O salrio um exemplo de recompensa externa; no entanto, o desajustamento nas recompensas internas como, por exemplo, o orgulho em fazer algo de importante e em faz-lo bem, pode desempenhar tambm um papel fulcral neste desfasamento (Maslach, 1998; Maslach et al., 2001). A falta de recompensa est directamente relacionada com sentimentos de ineficcia (Maslach et al., 2001) e com a baixa moral dos profissionais (Maslach, 2006). A perda de uma ligao positiva com os outros no contexto de trabalho, a ausncia de sentimento de comunidade outro importante factor a considerar no aparecimento do burnout. As relaes laborais amistosas e apoiantes facilitam o trabalho e tornam-no mais agradvel (Leiter, 1991). Por vezes, o trabalho isola as pessoas mas noutras emerge o conflito que, se no resolvido, vai-se acumulando, tornando-se crnico e sendo destrutivo das relaes de trabalho. Aumentam os sentimentos de frustrao, raiva, ansiedade, desrespeito e suspeio, que destroem o sentimento de suporte social, diminuindo a probabilidade de entreajuda entre colegas em situaes de dificuldade (Maslach, 1998; Maslach & Leiter, 1997; Maslach et al., 2001). Vrias investigaes revelaram que o apoio dos supervisores e o apoio social do grupo associam-se a melhores nveis de burnout (Moreno-Jimnez & Puente, 1999). A falta de justia e de respeito entre colegas que trabalham juntos fatal para o bom ambiente de trabalho e para o sentimento de comunidade. Por exemplo, quando h acentuadas diferenas salariais e na distribuio das tarefas, quando h deslealdade ou quando as avaliaes ou promoes no so conduzidas de forma transparente, perde-se a confiana35

numa organizao que no demonstra equidade no tratamento dos trabalhadores (Maslach, 1998; Maslach & Leiter, 1997). A falta de justia agrava o burnout de duas formas: se por um lado, a experincia de ser tratado injustamente emocionalmente desgastante, por outro, a injustia vai alimentando um sentimento de cinismo para com o local de trabalho (Maslach, 2006; Maslach et al., 2001). Por ltimo, os conflitos de valores que ocorrem quando h um conflito entre os requisitos da profisso e os princpios e valores do indivduo (Maslach, 1998; 2006; Maslach & Leiter, 1997). No caso dos mdicos, a populao escolhida para o nosso estudo, podemos exemplificar com a interrupo voluntria da gravidez, onde um profissional tem a possibilidade de invocar o estatuto de objeco de conscincia para no entrar em conflito com valores pessoais. Os conflitos de valores tambm podem ocorrer quando as aspiraes pessoais no acompanham os valores da organizao, ou quando a qualidade de atendimento esbarra na conteno de custos da organizao. Um exemplo do tipo de

pensamento/comentrio do profissional em conflito de valores pode ser este trabalho est a corroer a minha alma (Maslach, 2006, p.46). Estas seis reas de desajustamento no so totalmente independentes e podem relacionar-se entre si. A investigao dever procurar aprofundar se existem reas mais importantes do que outras na predio do burnout, ou se h um nmero mnimo de desfasamentos ou da grandeza do desfasamento para originar o burnout (Maslach, 1998). Investigaes mais recentes tm sugerido que a rea dos valores pode desempenhar um papel central como mediadora das outras reas. Outra possibilidade, que o peso que cada indivduo d a cada uma das seis reas possa reflectir uma diferena individual importante. Por exemplo, algum que considera a recompensa como o mais importante, pode ser mais afectado pela insuficincia nessa rea do que pelo conflito de valores (Maslach et al., 2001). Esta abordagem enfatiza a qualidade social do burnout, postulando que tem mais a ver com as caractersticas da organizao do que com as caractersticas nicas do indivduo (Maslach, 1998), enfatizando a importncia de olhar para a pessoa no contexto e em termos da congruncia com os domnios chave da vida profissional (Maslach, 2006; Maslach et al., 2001). Alm disso, este modelo demonstra como o burnout mediador do impacto dos stressores laborais nas consequncias do stress. Os desajustamentos (stressores) nas seis reas no tm consequncias imediatas (ex: mau desempenho) mas levam experincia de burnout, que por sua vez originam vrias consequncias pessoais e profissionais (Maslach, 2006). Para Maslach (2003) as trs dimenses do burnout associam-se de diferentes maneiras s variveis do contexto de trabalho. Assim, a exausto emocional e a despersonalizao tendem a emergir da sobrecarga de trabalho e do conflito social, enquanto a baixa realizao36

pessoal emerge mais claramente da falta de recursos (ex: informao, tempo, materiais, etc.) para desempenhar o trabalho com qualidade. Tambm altos nveis de conflito pessoal tendem a associar-se a altos nveis de exausto emocional, assim como baixos nveis de conflitos so fortes preditores de baixa exausto (Maslach, 1998). A realizao pessoal elevada associa-se a relaes interpessoais de apoio, ao aumento de competncias profissionais e participao activa na tomada de deciso partilhada (Maslach, 1998). Na literatura sobre o burnout encontram-se como principais fontes as variveis organizacionais, principalmente aquelas relacionadas com o desempenho no posto de trabalho. No entanto, existem tambm variveis mediadoras desta sndrome, agrupadas em vrias categorias: variveis sociodemogrficas (idade, sexo, estado civil, etc.), variveis de personalidade (neuroticismo, locus de controlo, etc.), estratgias de coping e suporte social (Zamora et al, 2004). A nvel emprico, o burnout, e particularmente a exausto emocional, aparecem associados a muitas variveis, incluindo factores de personalidade, stressores laborais e resultados individuais e organizacionais (Schaufeli, 1999). Abordaremos seguidamente as variveis individuais e as variveis situacionais. 1.3.1. Variveis individuais e burnout Como se explica que as mesmas condies de trabalho originem maiores nveis de burnout nuns indivduos do que noutros? Os indivduos experienciam nveis de burnout distintos e reagem diferentemente a essa experincia porque as pessoas so diferentes, nicas e tm experincias anteriores dspares (Pines & Aronson, 1981). Este aspecto faz-nos presumir a influncia de factores individuais, como a personalidade (Bhler & Lang, 2003). O burnout uma consequncia de factores stressantes ao nvel organizacional, mas no pode prescindir-se da influncia moderadora das variveis individuais. Apesar deste interesse em identificar algumas variveis individuais chave na predio do burnout, Maslach (1998) refere que nenhuma emergiu de forma consistente ao longo das vrias investigaes. Alm disso, as correlaes com o burnout no so fortes como com as variveis situacionais, o que sugere que estamos perante um fenmeno mais social do que individual (Maslach et al., 2001). Referimos seguidamente algumas das variveis individuais mais estudadas. 1.3.1.1. Variveis sociodemogrficas e burnout A literatura tem descrito factores de risco para o desenvolvimento de burnout entre os quais se encontram indivduos jovens, mulheres, solteiros ou sem companheiro estvel, trabalhadores de turnos laborais de maior durao, assim como factores de personalidade como pessoas idealistas, optimistas, com expectativas altrustas elevadas, desejo de prestgio e maiores ganhos econmicos (Guevara, Henao & Herrera, 2004). Numa reviso da literatura,37

Eaddy (1997) salienta diferenas consistentes na incidncia do burnout relativamente ao sexo e a idade, sendo mais vulnerveis os trabalhadores mais jovens, solteiros e indivduos sem filhos, em relao a indivduos mais velhos, casados e com filhos. Maslach (2003) refere a tendncia do burnout ser mais elevado em solteiros, relativamente a casados e em jovens profissionais, relativamente a profissionais mais experientes. Por outro lado, e relativamente s variveis sociodemogrficas, Moreno-Jimnez e Puente (1999) referem que a maioria das investigaes revela uma ausncia de relao destas variveis com o burnout, em qualquer das suas dimenses especficas. Factores como a idade, estado civil, anos de profisso, turno de trabalho e outras variveis semelhantes no teriam influncia no burnout. Apesar disso, os autores salientam que a idade ou experincia no trabalho parecem constituir um perodo sensvel de incubao do burnout, sendo quase consensual que a maior vulnerabilidade ao burnout aparece nos primeiros anos da carreira profissional, onde acontece uma transio das expectativas idealistas desenvolvidas durante a formao para o mundo real da prtica quotidiana, de forma que o jovem profissional comea a tomar conscincia de que as recompensas pessoais, profissionais e econmicas que recebe no so as esperadas. Relativamente ao sexo, importa salientar o conflito de papis como um dos aspectos causadores de stress nas mulheres na tentativa de conciliao da vida profissional e familiar. Este conflito d-lhes a ideia de que esto a falhar nos dois domnios e, para algumas mulheres, torna-se a principal causa de burnout (Pines & Aronson, 1981). Estes autores referem vrios estudos que apoiam a tese de que as mulheres experienciam maiores nveis de burnout do que os homens. As mulheres tendem a trabalhar mais em casa do que os homens, a sentir-se mais exaustas emocionalmente e a experienciar mais culpa e ansiedade por no cumprirem os seus deveres to completamente como desejariam. Mallar e Capito (2004) e Bauer (2006) confirmaram estas diferenas de gnero em estudos em professores do ensino especial e do secundrio, respectivamente, assim como Magalhes e Glina (2006) em mdicos de um hospital pblico. Maslach e Jackson (1981) referem que as mulheres tendem a apresentar scores mais altos do que os homens na subescala de exausto emocional em frequncia e intensidade, enquanto os homens apresentam maiores nveis de despersonalizao. Estes resultados so encontrados tambm em vrios estudos na reviso da literatura feita por Bakker, Demerouti e Schaufeli (2002), por Gil-Monte (2002) e por Agut, Grau e Beas (2000). Gomes e Cruz (2004) salientam que as mulheres estariam expostas s mesmas fontes de stress que os homens e, alm destas, a fontes de stress especficas e nicas de presso em relao aos colegas homens (por exemplo, preconceitos profissionais, discriminao nas polticas administrativas e na progresso na carreira, isolamento social e conflitos entre carreira e vida38

domstica). A este respeito, Moreno-Jimnez e Puente (1999) referem que as mulheres mdicas teriam um factor de stress acrescido pela dupla actividade que teriam de realizar e Nogueira-Martins (2002) acrescenta que as mulheres mdicas, que actualmente constituem quase a metade do total de profissionais mdicos, ainda sofrem preconceitos, obstculos familiares e sociais para exercer a profisso. No entanto, os nveis de satisfao laboral das mulheres seriam geralmente mais elevados do que os dos colegas homens (Moreno-Jimnez & Puente, 1999). Esta diferena, pequena mas consistente, a nica encontrada de forma mais ou menos estvel nos vrios estudos, mas pode estar relacionada com esteretipos de gnero (os homens seriam mais instrumentais e as mulheres mais emocionais, segundo Agut et al., 2000) ou pode tambm reflectir a confuso entre sexo e profisso (por exemplo, os polcias so tendencialmente homens e as enfermeiras so tendencialmente mulheres, segundo Maslach et al., 2001). Num estudo que relacionava variveis sociodemogrficas com o burnout, Maslach e Jackson (1985) obtiveram dados que contrariam a hiptese de que as mulheres seriam mais sujeitas ao burnout do que os homens. De facto, e