Burckhardt - A Cultura Do Renascimento Na Italia

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    JACOB BURCKHARDT

    A CULTURA DORENASCIMENTONA ITLIA Um ensaio

    TraduoSrgio Tellaroli

    IntroduoPeter Burke

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    Copyright desta edio Companhia das LetrasCopyright da introduo 1990 by Peter Burke

    Ttulo original Die Kultur der Renaissance in Italien:

    Ein VersuchCapa Jeff Fisher

    Preparao Mrcia Copola

    RevisoRenato Potenza RodriguesPedro Carvalho ndice onomstico Verba Editorial

    2009

    Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ LTDA .Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 So Paulo SP Telefone: (11) 3707-3500Fax: (11) 3707-3501 www.companhiadasletras.com.br

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro,SP, Brasil)Burckhardt, Jacob Christoph, 1818-1897

    A cultura do Renascimento na Itlia : um ensaio / JacobBurckhardt ; traduo Srgio Tellaroli. So Paulo : Companhiadas Letras, 2009.

    Ttulo original: Die Kultur der Renaissance in Italien: Ein Versuch.Bibliografia.ISBN978-85-359-1361-3

    1. Renascena Itlia 2. Itlia Civilizao 1268-1559I. Burke, PeterII. Ttulo.

    08-10525 CDD-945.05ndice para catlogo sistemtico:1. Itlia : Civilizao 945.05

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    SUMRIO

    Introduo: Jacob Burckhardt e o Renascimento italiano(Peter Burke) 15

    I. O ESTADO COMO OBRA DE ARTE

    Introduo 36 Situao poltica da Itlia no sculo XIII36 O Estado normando sobFredericoII 38 Ezzelino da Romano39

    Tiranias do sculo XIV 40Base financeira e relacionamento com a cultura40 O ideal do so-berano absoluto41 Perigos internos e externos42 Juzo dos flo-rentinos sobre os tiranos43 Os Visconti at seu penltimo repre-sentante45

    Tiranias do sculo XV 47 Intervenes e viagens dos imperadores48 Pretenses desconsi-deradas48 Ausncia de um slido direito de herana: sucessesilegtimas48 Condottieri como fundadores de Estados51 Rela-o com seus empregadores52 A famlia Sforza53 Perspectivase queda do jovem Piccinino55 Tentativas posteriores dos condot-tieri56

    As tiranias menores 57 Os Baglioni de Perugia58 A discrdia interna e as bodas de sangue de

    150060 O desfecho61 As casas Malatesta, Pico e Petrucci62 As dinastias maiores 63Os aragoneses de Npoles63 O ltimo Visconti em Milo66 Francesco Sforza e sua sorte67 Galeazzo Maria e Ludovico, o Mouro68 Os Gonzaga de Mntua71 Frederico de Montefeltro,duque de Urbino72 Derradeiro brilho da corte de Urbino72 OsEste em Ferrara: terror domstico e sistema fiscal74 Venda de car-gos, ordem e edificaes75 Virtuosidade pessoal76 Lealdade cidade77 Zampante, o chefe de polcia78 Simpatia dos sditospelo pesar dos prncipes79 A pompa da corte80 O mecenato dosEste80

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    Os opositores dos tiranos 81Guelfos e gibelinos tardios81 Os conspiradores82 Os assassina-tos na igreja83 Influncia do tiranicdio antigo83 Os adeptos deCatilina85 A viso florentina do tiranicdio85 O povo e os cons-piradores86

    As repblicas 86 VENEZA NO SCULO XV 88 Os habitantes88 O Estado e o perigoda nobreza empobrecida89 Causas da inexpugnabilidade90 OConselho dos Dez e os processos polticos92 Relacionamento comos condottieri92 Otimismo da poltica externa93 Veneza como obero da estatstica94 Renascimento adiado96 Devoo tardiapor relquias97 FLORENA , A PARTIR DO SCULO XIV 98 A objeti- vidade da conscincia poltica98 Dante como poltico99 Floren-a como bero da estatstica: os Villani

    100 A estatstica em sua for-

    ma superior102 As constituies e os historiadores104 O malfundamental do Estado toscano106 Os tericos do Estado107 Maquiavel e seu projeto constitucional108 Siena e Gnova110

    A poltica externa dos Estados italianos 112 A inveja contra Veneza113 O exterior: as simpatias pela Frana113 Tentativa de equilbrio114 Interveno e conquista115 Alianascom os turcos115 A contrapartida espanhola117 Tratamento ob- jetivo da poltica117 A arte da negociao118

    A guerra como obra de arte 120 As armas de fogo120 Especializao e diletantismo121 Os horro-res da guerra122

    O papado e seus perigos 122Situao em relao Itlia e ao exterior122 Distrbios romanosdesde Nicolau V 124 SistoIV como senhor de Roma125 Planos docardeal Pietro Riario126 Os Estados dos nepotes na Romanha127 Os cardeais provenientes das casas principescas127 Inocncio VIII

    e seu filho128 Alexandre

    VIcomo espanhol129

    Relacionamentocom o exterior e simonia130 Csar Borgia e seu relacionamento

    com o pai131 Propsitos ltimos de Csar Borgia132 A ameaade secularizao do Estado pontifcio132 Meios irracionais133 Osassassinatos133 Os ltimos anos135 JlioII como o salvador dopapado136 A eleio de Leo X138 Planos polticos perigosos138 Os crescentes perigos exteriores139 Adriano VI 140 Clemente VIIe a devastao de Roma140 Conseqncias e reao140 A re-parao de Carlos V ao papa141 O papado da Contra-Reforma143

    A Itlia dos patriotas 144

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    II. O DESENVOLVIMENTO DO INDIVDUOO Estado italiano e o indivduo 145

    O homem medieval145 O despertar da personalidade145 O ds-pota e seus sditos146 O individualismo nas repblicas148 O ex-lio e o cosmopolitismo148

    O aperfeioamento da personalidade 150O homem multifacetado150 O homem universal: Leon Battista Alberti152

    A glria moderna 154O relacionamento de Dante com a glria155 A celebridade dos hu-manistas: Petrarca156 O culto dos locais de nascimento157 Oculto dos tmulos157 O culto dos homens famosos da Antiguidade158 A literatura da glria local: Pdua159 A literatura da glriauniversal160 A glria e sua dependncia dos escritores161 A sedede glria como paixo162

    O escrnio e a espirituosidade modernos 163Relao com o individualismo163 O escrnio dos florentinos: a no- vela163 Os galhofeiros espirituosos e os bufes165 Os diverti-mentos de Leo X166 A pardia na literatura167 A teorizao daespirituosidade168 A maledicncia169 A vtima: Adriano VI171 Pietro Aretino172 Aretino e a publicidade172 Relacionamentocom prncipes e celebridades173 Aretino e a religio175

    III. O REDESPERTAR DA ANTIGUIDADEObservaes preliminares 177

    Ampliao do conceito de Renascimento177 A Antiguidade naIdade Mdia178 Seu redespertar precoce na Itlia179 Poesia la-tina do sculo XII179 O esprito do sculo XIV 180

    As runas de Roma 181Dante, Petrarca, Uberti181 As runas existentes poca de Poggio183 Blondus, Nicolau V , PioII 184 A Antiguidade para alm deRoma185 Cidades e famlias oriundas da Roma antiga185 Dispo-sio e pretenses dos romanos186 O corpo de Jlia186 Escava-es e registros arquitetnicos187 Roma sob Leo X188 A senti-mentalidade para com as runas189

    Os autores da Antiguidade 189Difuso no sculo XIV 190 Descobertas do sculo XV 190 Bibliote-cas, copistas e scrittori190 A imprensa194 Panorama do estudo

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    da Grcia195 Estudos orientais196 Posio de Pico della Miran-dola em relao Antiguidade196

    O humanismo no sculo XIV 197 Inevitabilidade do triunfo197 Simpatia de Dante, Petrarca e Boccac-cio198 Boccaccio como precursor200 A coroao dos poetas201

    Universidades e escolas 203O humanista como professor no sculo XV 204 Instituies parale-las205 A educao livre e elevada: Vittorino da Feltre206 Guari-no em Ferrara207 A educao dos prncipes207

    Os promotores do humanismo 208Cidados florentinos: Niccol Niccoli208 Manetti: os primeiros Medici209 Os prncipes: os papas desde Nicolau V 213 Afonso deNpoles215 Frederico de Urbino216 Os Sforza e os Este217 Sigismondo Malatesta218

    A reproduo da Antiguidade 219EPISTOLOGRAFIA 219 A chancelaria papal219 A apreciao do es-tilo221 A ORATRIA LATINA 222 Indiferena quanto posio so-cial do orador222 Discursos solenes, polticos e de saudao222Oraes fnebres224 Discursos acadmicos e militares224 O ser-mo latino225 A renovao da retrica antiga226 Forma e con-tedo: a citao227 Discursos imaginrios228 Declnio da elo-

    qncia228 O TRATADO LATINO

    229 A ESCRITA DA HISTRIA

    230

    A relativa necessidade do latim231 Investigaes acerca da Idade Mdia: Blondus232 Incio da crtica233 Relao com a histriaescrita em italiano234 A LATINIZAO GERAL DA CULTURA 235 Osnomes antigos236 Latinizao das relaes sociais237 Clamorespela supremacia do latim237 Ccero e seus adeptos238 A conver-sao latina239 A POESIA NEOLATINA 240 Poesia pica baseada nahistria antiga: frica 241 Poesia mtica242 A pica crist: Sanna-zaro243 A poesia tratando da contemporaneidade244 Interfern-

    cia da mitologia245 A poesia didtica: Palingenius247 A lrica eseus limites247 Odes aos santos248 Elegias e similares249 O epigrama250 A poesia macarrnica252

    A queda dos humanistas no sculo XVI 253 As acusaes e o montante de culpa253 O infortnio258 Ocontrrio do humanista258 Pomponius Laetus260 As acade-mias261

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    IV . O DESCOBRIMENTO DO MUNDO E DO HOMEM As viagens dos italianos 264

    Colombo265 A relao da cosmografia com as viagens266 As cincias naturais na Itlia267

    Tendncia ao emprico267 Dante e a astronomia268 Interfern-cia da Igreja268 Influncia do humanismo269 A botnica: os jar-dins270 A zoologia: as colees de animais estrangeiros270 O s-quito de Ippolito de Medici: os escravos272

    A descoberta da beleza paisagstica 273 A paisagem na Idade Mdia274 Petrarca e as montanhas276 ODittamondo, de Uberti277 A escola flamenga de pintura278 Enias Slvio e suas descries278

    A descoberta do homem 282Os expedientes psicolgicos: os temperamentos283 O RETRATOESPIRITUAL NA POESIA 283 O valor do verso sem rima284 O valordo soneto285 Dante e suaVita nuova 286 A Divina comdia 287 Petrarca como um retratista da alma288 Boccaccio e a Fiammet-ta 289 O reduzido desenvolvimento da tragdia290 O esplendordas encenaes como inimigo do drama291 O intermezzo e o ba-l292 A comdia e as mscaras294 A compensao pela msica295 O pico romanesco295 A necessria subordinao dos caracte-res296 Pulci e Boiardo296 A lei interna de suas composies298 Ariosto e seu estilo299 Folengo e a pardia301 Tasso comocontrapartida302

    A biografia 302O progresso dos italianos em relao Idade Mdia302 Bigrafostoscanos303 A biografia em outras regies da Itlia304 A auto-biografia: Enias Slvio306 Benvenuto Cellini307 JernimoCardan307 Luigi Cornaro308

    A caracterizao dos povos e cidades 311O Dittamondo312 Descries no sculo XVI313

    A descrio da exterioridade 313 A beleza em Boccaccio314 O ideal de beleza de Firenzuola315 Definies gerais317

    A descrio da vida cotidiana 318Enias Slvio e outros319 A poesia buclica convencional desde Pe-trarca320 A situao real dos camponeses320 O tratamento po-tico genuno da vida no campo321 Battista Mantovano, Loureno,o Magnfico, Pulci321 Angelo Poliziano322 A humanidade e o

    conceito do homem323

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    V . A SOCIABILIDADE E AS FESTIVIDADESO nivelamento das classes 324

    O contraste com a Idade Mdia324 O convvio nas cidades324 A negao terica da nobreza325 O comportamento da nobreza nasdiversas regies da Itlia328 Postura perante a cultura328 Poste-rior influncia espanhola328 A cavalaria desde a Idade Mdia329Os torneios e suas caricaturas330 A nobreza como pr-requisitopara o corteso331

    O refinamento exterior da vida 332 As roupas e a moda332 Os artigos de toucador333 O asseio335 O Galateoe as boas maneiras336 Conforto e elegncia336

    A lngua como base da sociabilidade 337 O desenvolvimento de uma lngua ideal337 Sua ampla dissemina-o338 Os extremados puristas338 Seu reduzido xito341 A conversao342

    A forma mais elevada de sociabilidade 343Os ajustamentos e estatutos343 Os novelistas e sua audincia343 As grandes damas e os sales344 A sociabilidade florentina345 Loureno retratando seu crculo345

    O ser social perfeito 346 Os amores346 As habilidades exteriores e espirituais347 O exer-

    ccio fsico348 A msica349 Os instrumentos e o virtuosismo349 O diletantismo em sociedade351 A posio da mulher 352

    A educao masculina e a poesia352 O aperfeioamento da perso-nalidade353 A virago354 A mulher em sociedade355 A culturadas cortess355

    A vida domstica 357 Contraste com a Idade Mdia357 Agnolo Pandolfini357 Avillaea vida no campo358

    As festividades 360Suas formas originais: o mistrio e a procisso360 Vantagens sobreos demais pases362 A alegoria na arte italiana363 Os represen-tantes histricos do genrico364 As encenaes dos mistrios364Corpus Christi em Viterbo367 As encenaes profanas368 Aspantomimas e as recepes aos prncipes368 As procisses: ostrion- fi eclesisticos371 Ostrionfi profanos373 Cortejos na gua377 O carnaval em Roma e Florena377

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    VI. MORAL E RELIGIO A moralidade 380

    Os limites do juzo380 Conscincia da desmoralizao381 A no-o de honra moderna382 O domnio da fantasia385 A paixopelo jogo e a sede de vingana385 A transgresso no casamento390 A postura moral da mulher392 O amor espiritualizado395 A dis-posio geral para o ilcito397 O bandoleirismo399 O assassina-to pago: os envenenamentos400 A maldade absoluta401 Relaoda moralidade com o individualismo404

    A religio na vida cotidiana 405 A ausncia de uma reforma406 Postura dos italianos perante aIgreja407 O dio contra a hierarquia e os monges407 Os mon-ges mendicantes408 A Inquisio dominicana408 As ordens su-

    periores410 A Igreja e suas bnos: a fora do hbito414 Ospregadores415 Girolamo Savonarola421 O elemento pago nacrena popular427 A crena nas relquias429 O culto a Maria431 Oscilaes no culto431 As grandes epidemias de arrependimen-to 433 Sua regulamentao policial em Ferrara434

    A religio e o esprito do Renascimento 436 A subjetividade inevitvel436 O carter mundano do esprito437 A tolerncia em relao ao isl438 A igualdade de todas as reli-gies439 A influncia da Antiguidade441 Os assim chamadosepicuristas442 A doutrina do livre-arbtrio443 Os humanistasdevotos444 O caminho intermedirio dos humanistas445 In-cio da crtica do sagrado445 O fatalismo dos humanistas447 A exterioridade pag449

    O entrelaamento das supersties antiga e moderna 450 A astrologia451 Sua difuso e influncia451 Seus opositores naItlia457 A refutao de Pico della Mirandola e seu efeito458 Su-persties diversas460 Supersties dos humanistas461 Os fantas-

    mas dos mortos463 A crena nos demnios464 A bruxa italiana465 A terra das bruxas em Norcia466 Interferncia e fronteiras dabruxaria do Norte468 A feitiaria das prostitutas469 O mgico econjurador470 Os demnios na estrada para Roma471 Gnerosparticulares de magia:telesmata 473 A magia no lanamento das pe-dras fundamentais474 O necromante e os poetas475 O encanta-mento de Benvenutto Cellini476 O declnio da magia477 Moda-lidades paralelas: a alquimia479

    Crise geral da f 479 A confisso de Boscoli480 Confuso religiosa e dvida generaliza-da482 Disputa acerca da imortalidade482 O cu pago484 O

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    Alm, segundo Homero485 A dissoluo dos dogmas cristos485 O tesmo italiano486

    Obras mais citadas489

    ndice onomstico491Sobre o autor503

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    I. O ESTADO COMO OBRA DE ARTE

    INTRODUO no verdadeiro sentido da palavra que esta obra carrega

    o ttulo de um mero ensaio; seu autor tem suficientementeclaro em sua conscincia a modstia dos meios e foras comos quais se encarregou de tarefa to extraordinariamentegrande. Pudesse ele, contudo, contemplar com maior confian-a sua pesquisa, tampouco estaria mais seguro do aplauso dosconhecedores. Os contornos espirituais de uma poca cultu-ral oferecem, talvez, a cada observador uma imagem diferen-te, e, em se tratando do conjunto de uma civilizao que ame da nossa e que sobre esta ainda hoje segue exercendo asua influncia, mister que juzo subjetivo e sentimento in-

    terfiram a todo momento tanto na escrita quanto na leituradesta obra. No vasto mar ao qual nos aventuramos, so mui-tos os caminhos e direes possveis; os mesmos estudos rea-lizados para este trabalho poderiam, nas mos de outrem, fa-cilmente experimentar no apenas utilizao e tratamentototalmente distintos, como tambm ensejar concluses subs-tancialmente diversas. O assunto , em si, suficientementeimportante para tornar desejveis muitas outras investigaese exortar pesquisadores dos mais diversos pontos de vista a semanifestarem. Entrementes, estaremos satisfeitos se nos forconcedida uma ateno paciente e se este livro for compreen-dido como um todo. A necessidade de fracionar um grandecontinuumespiritual em categorias isoladas e, amide, apa-rentemente arbitrrias, com o intuito de, de alguma forma,poder apresent-lo, constitui dificuldade capital da histriacultural. Era nossa inteno, a princpio, suprir a maior lacu-na deste livro mediante uma obra especial tratando da arte

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    do Renascimento, propsito que apenas minimamente pdser realizado.*

    A luta entre os papas e os Hohenstaufen acabou por dei- xar a Itlia em uma situao poltica que diferia substanciamente daquela do restante do Ocidente. Se na Frana, Espanhe Inglaterra o sistema feudal era de natureza tal a, transcorrido seu tempo de vida, desembocar fatalmente no Estado monrquico unificado; se na Alemanha ele ajudou, ao menos eteriormente, a manter a unidade do imprio a Itlia, posua vez, libertara-se quase completamente desse mesmo sistma. Na melhor das hipteses, os imperadores do sculo XIV

    no eram mais acolhidos e respeitados como senhores feudamas como possveis expoentes e sustentculos de poderes existentes. O papado, por sua vez, com suas criaturas e pontos de apoio, era forte o bastante apenas para coibir qualqueunidade futura, sem, no entanto, ser ele prprio capaz de gerla. Entre aqueles e este, havia uma srie de configuraes plticas cidades e dspotas, em parte j existentes, em parrecm-surgidos cuja existncia era de natureza puramenfactual.** Nestas, pela primeira vez, o esprito do Estado eropeu moderno manifesta-se livremente, entregue a seus prprios impulsos. Com suficiente freqncia, elas exibem emseus traos mais medonhos o egosmo sem peias, escarnecedo de todo o direito, sufocando o germe de todo desenvolvimento sadio. Onde, porm, essa tendncia superada ou, dalguma forma, contrabalanada, ali um novo ser adentra a hi

    tria: o Estado, como criao consciente e calculada, comobra de arte. Tanto nas cidades-repblicas quanto nos Esta-dos tirnicos, esse ser vivente manifesta-se de centenas dmaneiras, determinando-lhes a configurao interna bem co

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    * A arquitetura e decorao do Renascimento italiano, inGeschichte der Baukunst , Franz Kugler (org.). v. 4.

    ** Os governantes e seus partidrios so, conjuntamente, chamadoslo sta-to, nome que, depois, adquiriu o significado da existncia coletiva de um teritrio.

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    mo a poltica externa. Contentar-nos-emos aqui com o examede seu tipo mais completo e mais claramente definido, pre-sente na figura dos Estados tirnicos.

    A situao interna dos territrios governados por dspotas

    tinha um clebre modelo no Imprio Normando da Baixa Itliae da Siclia, tal qual o reorganizara o imperador FredericoII.Criado sob o signo da traio e do perigo, prximo dos sarrace-nos, Frederico acostumara-se desde cedo ao julgamento e trata-mento totalmente objetivo das coisas o primeiro homem mo-derno a subir a um trono. Acrescia-se a isso sua familiaridade eintimidade com o interior dos Estados sarracenos e sua adminis-trao, alm de uma luta pela existncia contra os papas queobrigou ambos os lados a levar para o campo de batalha todas asforas e meios imaginveis. As ordens de Frederico (principal-mente a partir de 1231) tm por objetivo a total aniquilao doEstado feudal, a transformao do povo em uma massa ablica,desarmada e, no mais alto grau, pagadora de tributos. De umamaneira at ento inaudita no Ocidente, ele centralizou todo oPoder Judicirio e a administrao. Nenhum cargo podia maisser preenchido por meio da escolha popular, sob pena de devas-tao para a localidade que o fizesse e degradao de seus habi-tantes condio de servos. Os tributos, baseados num cadastroabrangente e em prticas maometanas de tributao, eram co-brados daquela maneira martirizante e atroz, sem o auxlio daqual, certo, no se obtm dinheiro algum dos orientais. Sobtais condies, j no h povo, mas um amontoado controlvelde sditos que, por exemplo, no podem se casar fora do terri-trio sem uma permisso especial, tampouco, de forma alguma,estudar fora dele. A Universidade de Npoles constitui o exem-plo mais antigo conhecido de restrio liberdade de estudar,ao passo que o Oriente, ao menos nessas questes, dava liberda-de a seu povo. Genuinamente maometano, em contrapartida,era o comrcio prprio que Frederico praticava em todo o Me-diterrneo, reservando para si o monoplio sobre vrias merca-dorias e tolhendo o comrcio de seus sditos. Os califas fatmi-das, com toda a sua doutrina esotrica da descrena, haviam sido38

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    (pelo menos no princpio) tolerantes para com as religies dseus sditos; Frederico, pelo contrrio, coroa seu sistema de g verno com uma inquisio que tanto mais culposa se afiguquando se admite que ele perseguia nos hereges os representa

    tes de uma vida municipal liberal. Serviam-no, por fim, comfora policial no plano interno e como ncleo do exrci no plano externo , os sarracenos transferidos da Siclia paLuceria e Nocera, surdos a toda lamentao e indiferentes proscrio da Igreja. Mais tarde, ablicos e desacostumados armas, os sditos aceitaram passivamente a queda de Manfree a usurpao do trono por Carlos de Anjou. Este ltimo, porm, tendo herdado um tal mecanismo de governo, seguiu utlizando-o.

    Ao lado do imperador centralizador, entra em cena, entoum usurpador de carter singularssimo: seu vigrio e genro Ezelino da Romano. Este no representa qualquer sistema de go verno ou administrao, uma vez que sua atuao se reduz uncamente luta pela supremacia na poro superior oriental dItlia; entretanto, como modelo poltico para a poca que se sguiu, ele no menos importante do que seu protetor imperia At ento, todas as conquistas e usurpaes medievais se havirealizado com base em alguma herana, real ou alegada, e edireitos que tais ou, de resto, em prejuzo dos descrentes oexcomungados. Agora, pela primeira vez, tenta-se fundar utrono por meio do assassinato em massa e de infindveis atrocdades, isto , mediante o emprego de quaisquer meios visandnica e exclusivamente a um fim. Nenhum de seus sucessores grou, de alguma forma, equiparar-se a Ezzelino no carter colossal de seus crimes, nem mesmo Csar Borgia; o exemplo, prm, estava dado, e sua queda no significou para os povosrestabelecimento da justia, tampouco uma advertncia para fturos malfeitores.

    Em vo, so Toms de Aquino nascido sdito de Frederco elaborou em uma tal poca a teoria de uma monarquiconstitucional, na qual concebia o prncipe sustentado por umCmara Alta por ele nomeada e por uma representao eleita pe

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    povo. Teorias dessa ordem dissipavam-se nos auditrios da uni- versidade: Frederico e Ezzelino foram e prosseguiram sendo paraa Itlia os maiores fenmenos polticos do sculo XIII. Sua ima-gem, refletida de maneira j semifabulosa, compe o contedoprincipal dasCento novelle antiche, cuja redao original data cer-tamente ainda desse mesmo sculo. Nelas, Ezzelino j descritocom o temeroso respeito que a manifestao de toda impres-so portentosa. Toda uma literatura, da crnica das testemunhasoculares at a tragdia semimitolgica, converge para sua pessoa.

    Imediatamente aps a queda de ambos, surgem, ento, oriun-dos principalmente das disputas entre guelfos e gibelinos e,

    em geral, na qualidade de expoentes destes ltimos , os di- versos tiranos, mas sob formas e condies to diversas, queno se pode deixar de reconhecer uma inevitabilidade comuma fundamentar seu surgimento. No tocante aos meios, eles sprecisam dar continuidade quilo que suas respectivas faces j haviam iniciado: o extermnio ou expulso dos opositores e adestruio de suas casas.

    TIRANIAS DO SCULO XIV Os despotismos, maiores ou menores, do sculo XIV reve-

    lam com suficiente freqncia que os exemplos do passado nohaviam sido esquecidos. Seus prprios delitos bradaram alto, ea histria os registrou pormenorizadamente. Na qualidade deEstados erguidos totalmente sobre si mesmos e organizados emfuno disso, tais despotismos afiguram-se-nos, no obstante, degrande interesse.

    A avaliao consciente de todos os meios disponveis oque, fora da Itlia, no passava pela cabea de prncipe algum ,associada a uma quase absoluta plenitude de poderes no interiordas fronteiras do Estado, produziu nesses homens formas de vidamuito especiais. Para os tiranos mais sbios, o segredo fundamen-tal da dominao residia em, tanto quanto possvel, conservar atributao da maneira como eles a haviam encontrado ou, de in-40

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    cio, estabelecido: um imposto fundirio baseado em um cadastrdeterminados tributos sobre artigos de consumo e taxas alfandgrias sobre importao, somando-se a isso ainda as receitas pr vindas da fortuna privada da casa reinante. A nica possibilida

    de aumento da arrecadao vinculava-se ao crescimento da properidade geral e dos negcios. Inexistiam aqui os emprstimos,como eles ocorriam nas cidades livres; tomava-se, antes, a libdade de, vez por outra, aplicar um bem calculado golpe de for como, por exemplo, a verdadeiramente sultnica destituiopilhagem do mais alto encarregado das finanas , contanto qum tal golpe deixasse inabalado o conjunto da situao.

    Procurava-se, pois, fazer com que esses rendimentos fossesuficientes para pagar as despesas da pequena corte, da guarpessoal, dos mercenrios recrutados, das edificaes, bem comdos bufes e homens de talento, que compunham o squito pesoal do prncipe. A ilegitimidade, rodeada de perigos constantisola o dspota; a aliana mais honrosa que ele pode eventualmete selar aquela com o talento intelectual mais elevado, indpendentemente de sua origem. No sculo XIII, a liberalidade dosprncipes do Norte limitara-se aos cavaleiros, nobreza que se via e cantava. No esse o caso do tirano italiano, que, com spropenso para a monumentalidade e sede de glria, precisa dtalento enquanto tal. Em companhia do poeta ou do erudito, else sente pisando novo terreno, sente-se mesmo quase de possde uma nova legitimidade.

    Mundialmente famoso sob esse aspecto o dspota de Verona, Cangrande della Scala, que, nas pessoas dos notveis procritos que abrigava em sua corte, sustentava toda uma Itlia. Oescritores eram-lhe gratos. Petrarca, cujas visitas a tais cortencontraram to severas crticas, esboou o retrato ideal de uprncipe do sculo XIV [De rep. optime administranda]; exige mui-to de seu destinatrio o senhor de Pdua , mas de maneia conferir-lhe a capacidade de atender a essas exigncias:

    Tu no deves ser o senhor, mas o pai de teus sditos; deveam-los como a teus filhos, am-los mesmo como membro

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    de teu corpo. Contra os inimigos, podes empregar armas,guardas e soldados com teus sditos, a mera benevoln-cia j basta; refiro-me, por certo, apenas queles sditos queamam a ordem estabelecida, pois quem diariamente planejatransformaes um rebelde e inimigo do Estado, e contraeste deve imperar justia rigorosa!

    Segue-se, ento, em detalhes, a fico genuinamente mo-derna da onipotncia do Estado: o prncipe deve cuidar de tudo,construir e manter igrejas e edifcios pblicos, conservar a po-lcia municipal,* drenar os pntanos, zelar pelo vinho e pelos

    cereais, distribuir com justeza os tributos, dar apoio aos desam-parados e aos doentes e dedicar sua proteo e convvio a emi-nentes eruditos, uma vez que estes cuidaro de sua glria junto posteridade.

    Quaisquer que possam ter sido os aspectos mais luminosose os mritos de alguns desses tiranos, porm, j o sculo XIV re-conheceu ou pressentiu a fugacidade e fragilidade da maioriadeles. Uma vez que, por razes internas, configuraes polti-cas dessa natureza so tanto mais durveis quanto maior for oterritrio sob seu domnio, os despotismos mais poderosos ten-deram sempre a devorar os menores. Que hecatombe de peque-nos dspotas foi, nessa poca, sacrificada somente aos Visconti!Decerto, a esse perigo externo correspondeu quase sempre umafermentao interna, e a repercusso dessa situao sobre o ni-mo do dspota devia ser, na maior parte dos casos, absoluta-mente ruinosa. A falsa onipotncia, o convite ao prazer e a todasorte de egosmos, por um lado; os inimigos e conspiradores,por outro, tornavam-no quase inevitavelmente um tirano dapior espcie. Pudesse ele confiar ao menos em seus parentesmais prximos! Onde, porm, tudo era ilegtimo, tampouco um

    * Inclui-se a, de passagem, o desejo de que fosse proibida a presena deporcos nas ruas de Pdua, uma vez que j a sua viso era desagradvel e, almdisso, os cavalos se assustavam.

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    pearia e almofadas adornadas com ouro; tinha-se de servi-lo de joelhos, como a um papa ou imperador. Mais freqentemente,contudo, o tom desses antigos florentinos o de elevada serie-dade. Dante [De vulgari eloquentia] reconhece e nomeia com

    primor a ausncia de nobreza, o carter ordinrio da cobia eavidez de poder dos novos prncipes. O que ressoa de suastrombetas, sinos, trompas e flautas seno: vinde a ns, carrascos,aves de rapina! Imagina-se o castelo do tirano l no alto, isola-do, repleto de masmorras e escutas, como a morada da maldadee da desgraa.* Outros profetizam o infortnio de todo aqueleque adentra o servio do dspota, lastimando afinal pelo prpriotirano, que seria, inevitavelmente, o inimigo de todos os ho-mens bons e capazes, que no se poderia permitir confiar empessoa alguma e lia no rosto de seus sditos a expectativa porsua queda. Assim como os tiranos surgem, crescem e se fir-mam, em seu ntimo cresce tambm, oculto, o elemento que fa-talmente lhes trar a desorientao e a runa. A contradiomais profunda no claramente realada: Florena via-se entoem meio ao mais rico desenvolvimento das individualidades, aopasso que os dspotas no reconheciam nem admitiam qualqueroutra individualidade que no a sua prpria e a de seus servido-res mais prximos. Afinal, os mecanismos de controle sobre oindivduo j haviam sido totalmente implantados, chegando aonvel de um sistema de passaportes.**

    Nas mentes de seus contemporneos, a notria crena nosastros e a irreligiosidade de muitos soberanos conferiram ainda

    uma colorao peculiar a essa sua existncia sinistra, esquecidapor Deus. Quando o ltimo Carrara, em sua Pdua dizimada pelapeste (1405) e sitiada pelos venezianos, no mais pde defenderas muralhas e portes da cidade, sua guarda pessoal o ouvia comfreqncia, noite, invocar o demnio, para que este o matasse!

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    * Isso, por certo, somente nos escritos do sculo XV , mas certamente ten-do por base fantasias de pocas anteriores.

    ** Nos ltimos dez anos de FredericoII, quando imperava o mais rigorosocontrole pessoal, o sistema de passaportes estaria j bastante desenvolvido.

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    O mais completo e instrutivo desenvolvimento, em meio essas tiranias do sculo XIV , encontra-se incontestavelmente nos Visconti de Milo, a partir da morte do arcebispo Giovann(1354). Um inconfundvel parentesco com o mais terrvel do

    imperadores romanos logo se anuncia na pessoa de Bernab: sprtica de caar javalis constitui o objetivo mais importante dEstado; todo aquele que nela interfere torturado e executadoaterrorizado, o povo tem de alimentar seus 5 mil ces de caa, cando com a agudssima responsabilidade pelo bem-estar destOs tributos so elevados com o auxlio de todas as formas pos veis e imaginveis de coao; sete filhas do prncipe so dotacom 100 mil florins de ouro cada uma, e um enorme tesouro acumulado. Por ocasio da morte de sua esposa (1384), uma ntificao aos sditos determina que estes devem, como antesalegria, compartilhar agora do sofrimento de seu prncipe, tra jando luto por um ano inteiro. Incomparavelmente caracterstca a manobra por meio da qual seu sobrinho Giovanni Galeazo (1385) passa a t-lo sob seu poder um daqueles complbem-sucedidos cuja descrio faz bater mais forte o corao dhistoriadores psteros. Em Giovanni Galeazzo evidencia-se potentosamente o verdadeiro pendor do tirano para o colossalDespendendo 300 mil florins de ouro, ele constri gigantescodiques para, como bem desejasse, poder desviar o Mincio d Mntua ou o Brenta de Pdua e, assim, tornar indefesas essas dades; no seria mesmo impensvel que tivesse cismado em car as lagunas de Veneza. Giovanni Galeazzo fundou o mamaravilhoso de todos os mosteiros, o cartuxo de Pavia, e a cadral de Milo, que, em grandeza e esplendor, supera todas aigrejas da cristandade; mesmo o palcio em Pavia, cuja consto fora iniciada por seu pai Galeazzo e que ele conclutalvez tenha sido de longe a mais magnfica residncia principca da Europa de outrora. Para l, ele transferiu tambm sua famosa biblioteca e a grande coleo de relquias de santos, aquais dedicava uma espcie particular de crena. Seria de estrnhar em um prncipe de tal ndole que ele no tivesse, tambmno campo poltico, almejado coroas maiores. O rei Venceslau

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    fez duque (1395); quando, porm, adoeceu e morreu (1402),Giovanni Galeazzo tinha em mente nada menos do que o reinoda Itlia ou a coroa imperial. Supe-se que, poca, a totalidadede seus Estados devia pagar-lhe anualmente, alm do tributo re-

    gular, no montante de 1,2 milho de florins de ouro, mais 800mil em subsdios extraordinrios. Aps a sua morte, o imprioque montara, valendo-se de toda sorte de violncias, fez-se empedaos e, por um tempo, seus territrios mais antigos mal pu-deram ser mantidos. Quem sabe o que teria sido de seus filhos Giovanni Maria (morto em 1412) e Filippo Maria (morto em1447) , tivessem eles nascido alhures, sem nada saber da casapaterna? Herdeiros desta, no entanto, herdaram com ela tam-bm o gigantesco capital de atrocidades e covardia que ali se acu-mulara de gerao em gerao.

    Giovanni Maria , mais uma vez, famoso por seus ces estes, no de caa, mas adestrados para dilacerar seres humanos;seus nomes foram-nos transmitidos, assim como aqueles dos ur-sos do imperador ValentinianoI. Quando, em maio de 1409, emmeio guerra ainda em curso, o povo faminto gritava-lhe na ruaPace! Pace!, ele ordenou a seus mercenrios que atacassem,matando duzentas pessoas; em seguida, tornou-se proibido, sobpena de enforcamento, pronunciar as palavras pacee guerra eat mesmo os padres foram obrigados a, em vez dedona nobis pa-cem, dizertranquilitem! Por fim, estando Facino Cane, condot-tiere-mor do desvairado duque, beira da morte em Pavia, al-guns conspiradores valeram-se do momento propcio para darcabo de Giovanni Maria junto igreja de San Gottardo, em Mi-lo; no mesmo dia, porm, o moribundo Facino fez seus oficiais jurarem auxlio ao herdeiro, Filippo Maria, sugerindo ainda eleprprio que, aps a sua morte, sua esposa se casasse com este,como, alis, logo se deu; o nome dela era Beatrice di Tenda. DeFilippo Maria, voltaremos a falar mais adiante.

    E, em tempos como esses, Cola di Rienzi confiava poder eri-gir, fundado no raqutico entusiasmo da decada populao roma-

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    na, um novo governo sobre toda a Itlia. Ao lado de dspotas comos j mencionados, ele no passa de um pobre e desorientado to

    TIRANIAS DO SCULO XV O despotismo no sculo XV exibe um carter modificado.

    Muitos dos pequenos tiranos, e mesmo alguns dos grandecomo os Scala e os Carrara, pereceram; os poderosos fortaleceram-se e, internamente, suas tiranias desenvolveram feimais caractersticas. Npoles, por exemplo, recebe um impuso mais vigoroso com a nova dinastia aragonesa. Caractersco, no entanto, no tocante a esse sculo, , primordialmente, anseio dos condottieri por uma soberania prpria, independente por coroas: um passo frente no caminho do puramente factual e um alto prmio tanto para o talento quantopara a perversidade. No intento de assegurar para si algum suporte, os tiranos menores pem-se agora, de bom grado, a ser vio de Estados maiores, tornando-se condottieri destes, o qu

    lhes propicia algum dinheiro e, decerto, tambm a impunidade para muitos de seus crimes, talvez at mesmo uma expaso de seus domnios. De um modo geral, grandes e pequenoprecisaram esforar-se mais, agir com maior prudncia e cculo, abstendo-se do terror excessivo; era-lhes permitido praticar o mal apenas na justa medida em que essa prtica comprovadamente servisse a seus objetivos o mesmo tanto, alique lhes perdoava a opinio dos espectadores. No h mais snal aqui daquele capital de devoo que favorecia as casas prcipescas legtimas do Ocidente, mas, no mximo, uma espcde popularidade restrita s capitais de seus domnios; para avaar, os prncipes italianos tm sempre de buscar auxlio fundamentalmente no talento e no frio calculismo. Uma figurcomo a de Carlos, o Temerrio, que com uma paixo desenfreada aferrava-se a propsitos totalmente impraticveis, constitu verdadeiro enigma para os italianos.