Bruno Zago

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L ogo na chegada ao portão, quem olha pelo vão da gra- de já sente o clima de arte no ar. Os moldes de instrumentos musicais pendurados na parede da varanda denunciam: ali mora um artista. O alpendre, transformado em oficina, hoje está vazio, triste, de luto. Seu personagem principal foi para outras paragens após ser ví- tima de uma pneumonia que o le- vou desta vida aos 88 anos, na se- mana passada. Ele é Bruno Zago, tabapuanense de nascimento (ele é de Tabapuã, região de Catanduva) e araçatubense de coração. Um violinista apaixonado pe- la música que, de tanto observar, estudar, fuçar e pesquisar, de tan- to mexer no violino, consertar aqui, colar ali, restaurar acolá, tor- nou-se um mestre na arte da fabri- cação de instrumentos de cordas. Em francês, um luthier. Em portu- guês, um alaudeiro (em referência ao alaúde, instrumento de cordas de origem árabe). Zago veio ao mundo no dia 20 de maio de 1923, em uma famí- lia de imigrantes italianos. Os pais, Luiz Zago e Clementina Bertoni Za- go, vieram de Cremona, região da Lombardia, nos primeiros anos do século passado. Vieram para traba- lhar como colonos em proprieda- des rurais. Coincidência ou não, Cremona é famosa por ser a terra do célebre luthier italiano Antonio Giacomo Stradivari, mais conheci- do pelo nome em latim, Antonius Stradivarius, e também por seus violinos e instrumentos de corda. O pai, Luiz, era marceneiro e ensinou a arte ao filho, que in- gressou ainda menino no mundo dos trabalhos artesanais e artísti- cos. Nesta época, apaixonou-se pelo violino ao ouvir alguém to- car o instrumento na sede da fa- zenda onde morava com a famí- lia, conta Marcelo Zago, filho de Bruno que segue os passos do pai na arte da luthieria. Bruno Zago tinha de traba- lhar para ajudar no sustento da ca- sa, por isso o pai o proibiu de es- tudar. A paixão pelo instrumento, no entanto, foi maior. O jeito era sair escondido dos pais para to- mar aulas na cidade. Da fazenda até Tabapuã eram sete quilôme- tros de cavalgada para aprender a tocar violino. Daí em diante nunca mais pa- rou de estudar. Já em Araçatuba, fez aulas com o maestro José Raab, no Conservatório Musical Santa Ce- cília, e também com o professor Célio Novaes. Fez cursos no Conser- vatório Imirim, em São Paulo, e com outros professores da capital paulista. Em casa, estudava religiosa- mente entre duas e três horas por dia, sem falhar. Mesmo aos sábados, domingos e feriados lá estava Zago com o violino e seu arco a estudar páginas e páginas de partituras e mé- todos. No sábado (20), véspera de sua internação na Santa Casa para não mais voltar, o velho músico to- cou seu violino, apesar da dificulda- de que enfrentava para respirar. Esta mesma dedicação e esfor- ço Bruno Zago exigia das netas Mar- cela e Nathalia, que aprenderam a tocar com o avô. "Ele tinha muita paciência para ensinar, mas era mui- to exigente. As aulas eram diárias e tinham uma hora de duração, até nos fins de semana", conta Marcela, 14 anos, que começou a estudar com o avô ainda criança, aos cinco anos de idade. As duas netas de Za- go hoje integram a orquestra da Al- ma (Associação Livre dos Músicos de Araçatuba) e pretendem se profis- sionalizar no futuro. Como músico, Zago integrou a Banda Municipal de Guararapes, onde morou. Em 1968, mudou-se para Araçatuba, onde passou a fa- zer parte da Banda Municipal, a Furiosa - tocava um instrumento de sopro, o baixo tuba. Na capital paulista, para onde foi em seguida, integrou a Banda da Sorocabana. Depois, retornou a Araçatuba e da- qui não mais saiu. Na cidade, foi integrante da Camerata Lítero-Mu- sical, nos anos 1980. Como morava próximo à Igre- ja São João, gostava de ir até lá pa- ra tocar Ave-Maria de Schubert pa- ra Nossa Senhora na porta do San- tuário, conta a filha Angélica Zago. Chamava a atenção das pessoas na rua e, tímido que era, guardava o instrumento e voltava para casa. A música preferida era "Rapa- ziada do Brás", eternizada na voz de Carlos Galhardo. Gostava tam- bém de música clássica, tango, val- sa e sambinhas. Entre os cantores brasileiros os prediletos eram Or- lando Silva, Francisco Alves, Vicen- te Celestino e Altemar Dutra, além do próprio Galhardo. REPAROS Paralelamente aos estudos e execuções musicais, o curioso Za- go fazia reparos em instrumentos. Comprava violinos quebrados para restaurar e tornava-se cada vez mais íntimo do instrumento de ma- deira. E isso era ainda na longín- qua década de 1940. Em 1958, fez um curso de luthieria com o professor Rafael Leone, de São Pau- lo, e assim foi aperfeiçoando-se. Começou a confeccionar violino e depois ampliou a produção para viola, violoncelo e contrabaixo. O primeiro violino saiu meio torto, como ele mesmo definiu em entrevista à Folha da Região reali- zada em 2008. O filho Marcelo con- ta que o pai considerava o "número um" mais um objeto de decoração do que propriamente um instrumen- to. "Ele não tinha todo aperfeiçoa- mento, por isso o primeiro não tem a qualidade dos demais". A peça foi doada por Zago à Associação dos Músicos no ano passado. Ao longo da vida, Zago foi entalhador, escultor e marceneiro, além de luthier. Nesta última ativi- dade, dedicou atenção exclusiva nos últimos 20 anos, após se apo- sentar. Produziu um total de 100 instrumentos (trabalhava no 101º, um violino, que não conseguiu concluir), dos quais 64 são violi- nos, 11 contrabaixos, 2 violas e 23 violoncelos. Já vendeu para São Paulo, Tatuí (SP), Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Vitó- ria (ES), Austrália, Holanda e Áfri- ca. A última encomenda, de um músico de São Paulo, ele não con- seguiu terminar. VIOLINO Um violino leva, em média, entre 30 e 40 dias para ser confec- cionado, levando em conta o pri- meiro corte da madeira até a últi- ma pincelada de verniz. A arte de- pende da inspiração, diz o filho Marcelo, companheiro de oficina do pai por 20 anos, por isso a re- gra é não correr. Tudo é milimetri- camente calculado, com precisão de detalhes, o que exige muita concentração e persistência, pois o instrumento é inteiro feito à mão. O mesmo vale para o contra- baixo, viola e violoncelo. Um violi- no custa, em média, R$ 2,5 mil, mas o preço varia de acordo com a nobreza do som. Por isso alguns custam muito dinheiro e outros não têm valor. Zago dizia que a arte do violi- no está na colocação da barra har- mônica, que tem como função transmitir as vibrações a todo o corpo do violino. Fica posicionada embaixo da tampa, na posição das cordas. Há ainda a alma, cilindro de madeira que fica dentro do cor- po do violino, mais ou menos abaixo do lado direito do cavalete, que liga, mecânica e acusticamen- te, o tampo superior ao inferior. Depois de colocada a alma, busca- se o melhor som. As madeiras utilizadas na confecção do violino são a grevi- lha (de origem australiana), pinho suíço e o pau-brasil. O arco é feito de crina de cavalo e o verniz foi inventado pelo artesão à base de goma-laca e resina de jatobá. As ferramentas também eram criadas por Zago, que as fabricava confor- me sua necessidade. Uma delas, para medir o tampo do violino, foi feita com metro de marceneiro e trinco de porta. VIOLINISTAS O médico e violinista Carlos Alberto Nor manha conta que via Bruno Zago, a quem chamava de BZ, fabricar os violinos e enco- mendou o 17º instrumento fabri- cado pelo luthier. "O BZ era era um estudioso de violino, pesquisa- va modelos, a história da música e da fabricação de instrumentos e começou a confeccionar. Com o tempo, foi se aperfeiçoando", afir- ma, destacando que Zago era fasci- nado pelo instrumento. Normanha, que hoje mora em Água Clara (MS), fez questão de dar adeus ao amigo querido. Os dois tocaram juntos na Camera- ta de Violinos de Araçatuba. "Ele era sempre alegre, gostava de colo- car apelido nos outros", relembra. O médico Satoru Okida, também violinista, possui um violino feito por Zago. O instru- mento foi criado para estudo, por isso tem o som baixo para não incomodar ninguém e é cha- mado de violino surdo. "É uma verdadeira obra de arte esta pe- ça", define Marcelo Zago. O engenheiro e violinista Sérgio Abujamra conta que Zago cuidou de seus violinos durante 20 anos. "Ele amava sua profis- são e era o exemplo de bonda- de", afirma o amigo, que conhe- ceu o músico e luthier em apre- sentações musicais. ÚLTIMOS DIAS O mestre Zago passou os últi- mos dias de sua vida viajando (fi- cou 10 dias em São Paulo na casa dos filhos) e trabalhando. Retornou da capital paulista na quinta-feira e trabalhou no Cemfica (Centro Mu- nicipal de Formação Integral da Criança e do Adolescente) do Alvo- rada, onde dava aulas para garotos carentes. Ensinava a eles a arte da luthieria junto com o filho Marcelo. O projeto, em parceria com a Prefei- tura via Secretaria Municipal de Cultura, começou em 2010, mas estava suspenso havia oito meses. Na primeira fase, os alunos construí- ram seis violinos com a ajuda dos professores. A retomada ocorreu es- te mês, com a participação de 20 alunos. Marcelo Zago diz que pre- tende dar continuidade, mas depen- de do aval do município. Na sexta-feira, antevéspera de sua internação, Zago trabalhou no 65º violino que estava cons- truindo. Mais tarde tocou um pou- co e foi dormir. A mesma rotina se repetiu no dia seguinte, mas pas- sou mal às 18h, estava com sinto- mas de gripe e Marcelo decidiu le- vá-lo ao hospital devido à dificulda- de respiratória que apresentava. Ao chegar ao hospital, os médicos constataram a gravidade do quadro e o internaram na UTI. Foi sedado e assim permane- ceu até morrer, às 6h de terça-fei- ra (23). O viúvo de Alzira Morei- ra Zago deixou 10 filhos, 24 ne- tos e 21 bisnetos. O violino soou triste na tarde de quarta-feira, enquanto seu corpo era velado na capela Laluce. A neta Nathalia tocou para o avô junto com os amigos Normanha e Antô- nio Pereira da Silva. Foi a última homenagem ao músico que virou luthier. Adeus, Bruno Zago. >>Vida Divulgação Valdivo Pereira/Folha da Região - 30/01/2008 Adeus a Bruno Zago Educação musical? N ão dá para levar a sério a lei federal que torna obrigatório o ensino de música no ensino básico e fundamental no Brasil. A legislação, em vigor a partir deste mês, não exige que o professor tenha formação musical, ou seja, qualquer um pode ministrar aulas de música. Alguém acredita que os alunos aprenderão realmente desta forma? Impossível não lembrar os áureos tempos em que a escola, sobretudo a pública, tratava o assunto com seriedade. Em Araçatuba, por exemplo, o IE (Instituto Educacional Manoel Bento da Cruz) tinha como professor o maestro José Raab. Hoje, não é preciso nem saber ler partitura para "ensinar" música nas escolas, conforme prevê a lei federal sancionada ainda pelo presidente Lula. Lamentável. O Filme dos Espíritos A temática espírita ganha cada vez mais espaço no cinema nacional. Em outubro, estreia "O Filme dos Espíritos", ba- seado no "Livro dos Espíritos", de Allan Kardec. Em visita a Araçatuba na semana passada, André Marouço, co-diretor do lon- ga, garante que o filme vai emocionar mesmo os não-espíritas. O filme tem como tema central a vida de Bruno Alves, um psiquia- tra que está à beira de cometer suicídio após perder a mulher e o emprego e desiste depois de ter contato com o livro espírita. Parte da renda da bilheteria será revertida para obras assisten- ciais. No elenco, Nelson Xavier, Ana Rosa, Ênio Gonçalves, Etty Fraser, Sandra Corveloni, Reinaldo Rodrigues e Luciana Gime- nez, que vive uma velha senhora, mulher de um pescador. LONGA Cena de “O Filme dos Espíritos”, baseado em livro de Allan Kardec PERDA Bruno Zago em sua oficina, em foto tirada em janeiro de 2008; no detalhe, os mol- des de instrumentos pendurados na varanda da casa onde ele morava Araçatuba, domingo, 28 de agosto de 2011 C4

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Page 1: Bruno Zago

Logo na chegada ao portão,quem olha pelo vão da gra-de já sente o clima de arte

no ar. Os moldes de instrumentosmusicais pendurados na parede davaranda denunciam: ali mora umartista. O alpendre, transformadoem oficina, hoje está vazio, triste,de luto. Seu personagem principalfoi para outras paragens após ser ví-tima de uma pneumonia que o le-vou desta vida aos 88 anos, na se-mana passada. Ele é Bruno Zago,tabapuanense de nascimento (ele éde Tabapuã, região de Catanduva)e araçatubense de coração.

Um violinista apaixonado pe-la música que, de tanto observar,estudar, fuçar e pesquisar, de tan-to mexer no violino, consertaraqui, colar ali, restaurar acolá, tor-nou-se um mestre na arte da fabri-cação de instrumentos de cordas.Em francês, um luthier. Em portu-guês, um alaudeiro (em referênciaao alaúde, instrumento de cordasde origem árabe).

Zago veio ao mundo no dia20 de maio de 1923, em uma famí-lia de imigrantes italianos. Os pais,Luiz Zago e Clementina Bertoni Za-go, vieram de Cremona, região daLombardia, nos primeiros anos doséculo passado. Vieram para traba-lhar como colonos em proprieda-des rurais. Coincidência ou não,Cremona é famosa por ser a terrado célebre luthier italiano AntonioGiacomo Stradivari, mais conheci-do pelo nome em latim, AntoniusStradivarius, e também por seusviolinos e instrumentos de corda.

O pai, Luiz, era marceneiroe ensinou a arte ao filho, que in-gressou ainda menino no mundodos trabalhos artesanais e artísti-cos. Nesta época, apaixonou-sepelo violino ao ouvir alguém to-car o instrumento na sede da fa-zenda onde morava com a famí-lia, conta Marcelo Zago, filho deBruno que segue os passos do paina arte da luthieria.

Bruno Zago tinha de traba-lhar para ajudar no sustento da ca-sa, por isso o pai o proibiu de es-tudar. A paixão pelo instrumento,no entanto, foi maior. O jeito erasair escondido dos pais para to-mar aulas na cidade. Da fazendaaté Tabapuã eram sete quilôme-tros de cavalgada para aprender atocar violino.

Daí em diante nunca mais pa-rou de estudar. Já em Araçatuba,

fez aulas com o maestro José Raab,no Conservatório Musical Santa Ce-cília, e também com o professorCélio Novaes. Fez cursos no Conser-vatório Imirim, em São Paulo, ecom outros professores da capitalpaulista. Em casa, estudava religiosa-mente entre duas e três horas pordia, sem falhar. Mesmo aos sábados,domingos e feriados lá estava Zagocom o violino e seu arco a estudarpáginas e páginas de partituras e mé-todos. No sábado (20), véspera desua internação na Santa Casa paranão mais voltar, o velho músico to-cou seu violino, apesar da dificulda-de que enfrentava para respirar.

Esta mesma dedicação e esfor-ço Bruno Zago exigia das netas Mar-cela e Nathalia, que aprenderam atocar com o avô. "Ele tinha muitapaciência para ensinar, mas era mui-to exigente. As aulas eram diárias etinham uma hora de duração, aténos fins de semana", conta Marcela,14 anos, que começou a estudarcom o avô ainda criança, aos cincoanos de idade. As duas netas de Za-go hoje integram a orquestra da Al-

ma (Associação Livre dos Músicosde Araçatuba) e pretendem se profis-sionalizar no futuro.

Como músico, Zago integroua Banda Municipal de Guararapes,onde morou. Em 1968, mudou-separa Araçatuba, onde passou a fa-zer parte da Banda Municipal, aFuriosa - tocava um instrumentode sopro, o baixo tuba. Na capitalpaulista, para onde foi em seguida,integrou a Banda da Sorocabana.Depois, retornou a Araçatuba e da-qui não mais saiu. Na cidade, foiintegrante da Camerata Lítero-Mu-sical, nos anos 1980.

Como morava próximo à Igre-ja São João, gostava de ir até lá pa-ra tocar Ave-Maria de Schubert pa-ra Nossa Senhora na porta do San-tuário, conta a filha Angélica Zago.Chamava a atenção das pessoas narua e, tímido que era, guardava oinstrumento e voltava para casa.

A música preferida era "Rapa-ziada do Brás", eternizada na vozde Carlos Galhardo. Gostava tam-bém de música clássica, tango, val-sa e sambinhas. Entre os cantoresbrasileiros os prediletos eram Or-lando Silva, Francisco Alves, Vicen-te Celestino e Altemar Dutra, alémdo próprio Galhardo.

REPAROSParalelamente aos estudos e

execuções musicais, o curioso Za-go fazia reparos em instrumentos.Comprava violinos quebrados pararestaurar e tornava-se cada vezmais íntimo do instrumento de ma-deira. E isso era ainda na longín-qua década de 1940. Em 1958,fez um curso de luthieria com oprofessor Rafael Leone, de São Pau-

lo, e assim foi aperfeiçoando-se.Começou a confeccionar violino edepois ampliou a produção paraviola, violoncelo e contrabaixo.

O primeiro violino saiu meiotorto, como ele mesmo definiu ementrevista à Folha da Região reali-zada em 2008. O filho Marcelo con-ta que o pai considerava o "númeroum" mais um objeto de decoraçãodo que propriamente um instrumen-to. "Ele não tinha todo aperfeiçoa-mento, por isso o primeiro não tema qualidade dos demais". A peça foidoada por Zago à Associação dosMúsicos no ano passado.

Ao longo da vida, Zago foientalhador, escultor e marceneiro,além de luthier. Nesta última ativi-dade, dedicou atenção exclusivanos últimos 20 anos, após se apo-sentar. Produziu um total de 100instrumentos (trabalhava no 101º,um violino, que não conseguiuconcluir), dos quais 64 são violi-nos, 11 contrabaixos, 2 violas e23 violoncelos. Já vendeu paraSão Paulo, Tatuí (SP), Goiânia(GO), Belo Horizonte (MG), Vitó-ria (ES), Austrália, Holanda e Áfri-ca. A última encomenda, de ummúsico de São Paulo, ele não con-seguiu terminar.

VIOLINOUm violino leva, em média,

entre 30 e 40 dias para ser confec-cionado, levando em conta o pri-meiro corte da madeira até a últi-ma pincelada de verniz. A arte de-pende da inspiração, diz o filhoMarcelo, companheiro de oficinado pai por 20 anos, por isso a re-gra é não correr. Tudo é milimetri-camente calculado, com precisão

de detalhes, o que exige muitaconcentração e persistência, poiso instrumento é inteiro feito àmão. O mesmo vale para o contra-baixo, viola e violoncelo. Um violi-no custa, em média, R$ 2,5 mil,mas o preço varia de acordo coma nobreza do som. Por isso algunscustam muito dinheiro e outrosnão têm valor.

Zago dizia que a arte do violi-no está na colocação da barra har-mônica, que tem como funçãotransmitir as vibrações a todo ocorpo do violino. Fica posicionadaembaixo da tampa, na posição dascordas. Há ainda a alma, cilindrode madeira que fica dentro do cor-po do violino, mais ou menosabaixo do lado direito do cavalete,que liga, mecânica e acusticamen-te, o tampo superior ao inferior.Depois de colocada a alma, busca-se o melhor som.

As madeiras utilizadas naconfecção do violino são a grevi-lha (de origem australiana), pinhosuíço e o pau-brasil. O arco é feitode crina de cavalo e o verniz foiinventado pelo artesão à base degoma-laca e resina de jatobá. Asferramentas também eram criadaspor Zago, que as fabricava confor-me sua necessidade. Uma delas,para medir o tampo do violino, foifeita com metro de marceneiro etrinco de porta.

VIOLINISTASO médico e violinista Carlos

Alberto Normanha conta que viaBruno Zago, a quem chamava deBZ, fabricar os violinos e enco-mendou o 17º instrumento fabri-cado pelo luthier. "O BZ era era

um estudioso de violino, pesquisa-va modelos, a história da músicae da fabricação de instrumentos ecomeçou a confeccionar. Com otempo, foi se aperfeiçoando", afir-ma, destacando que Zago era fasci-nado pelo instrumento.

Normanha, que hoje moraem Água Clara (MS), fez questãode dar adeus ao amigo querido.Os dois tocaram juntos na Camera-ta de Violinos de Araçatuba. "Eleera sempre alegre, gostava de colo-car apelido nos outros", relembra.

O médico Satoru Okida,também violinista, possui umviolino feito por Zago. O instru-mento foi criado para estudo,por isso tem o som baixo paranão incomodar ninguém e é cha-mado de violino surdo. "É umaverdadeira obra de arte esta pe-ça", define Marcelo Zago.

O engenheiro e violinistaSérgio Abujamra conta que Zagocuidou de seus violinos durante20 anos. "Ele amava sua profis-são e era o exemplo de bonda-de", afirma o amigo, que conhe-ceu o músico e luthier em apre-sentações musicais.

ÚLTIMOS DIASO mestre Zago passou os últi-

mos dias de sua vida viajando (fi-cou 10 dias em São Paulo na casados filhos) e trabalhando. Retornouda capital paulista na quinta-feira etrabalhou no Cemfica (Centro Mu-nicipal de Formação Integral daCriança e do Adolescente) do Alvo-rada, onde dava aulas para garotoscarentes. Ensinava a eles a arte daluthieria junto com o filho Marcelo.O projeto, em parceria com a Prefei-tura via Secretaria Municipal deCultura, começou em 2010, masestava suspenso havia oito meses.Na primeira fase, os alunos construí-ram seis violinos com a ajuda dosprofessores. A retomada ocorreu es-te mês, com a participação de 20alunos. Marcelo Zago diz que pre-tende dar continuidade, mas depen-de do aval do município.

Na sexta-feira, antevésperade sua internação, Zago trabalhouno 65º violino que estava cons-truindo. Mais tarde tocou um pou-co e foi dormir. A mesma rotina serepetiu no dia seguinte, mas pas-sou mal às 18h, estava com sinto-mas de gripe e Marcelo decidiu le-vá-lo ao hospital devido à dificulda-de respiratória que apresentava.

Ao chegar ao hospital, osmédicos constataram a gravidadedo quadro e o internaram naUTI. Foi sedado e assim permane-ceu até morrer, às 6h de terça-fei-ra (23). O viúvo de Alzira Morei-ra Zago deixou 10 filhos, 24 ne-tos e 21 bisnetos.

O violino soou triste na tardede quarta-feira, enquanto seu corpoera velado na capela Laluce. A netaNathalia tocou para o avô juntocom os amigos Normanha e Antô-nio Pereira da Silva. Foi a últimahomenagem ao músico que virouluthier. Adeus, Bruno Zago.

>>Vida

Divulgação

Valdivo Pereira/Folha da Região - 30/01/2008

Adeus a Bruno Zago

Educação musical?

N ão dá para levar a sério a lei federal que torna obrigatório o ensino de música no ensino básico e fundamental no Brasil. Alegislação, em vigor a partir deste mês, não exige que o professor tenha formação musical, ou seja, qualquer um pode ministrar

aulas de música. Alguém acredita que os alunos aprenderão realmente desta forma? Impossível não lembrar os áureos tempos em que aescola, sobretudo a pública, tratava o assunto com seriedade. Em Araçatuba, por exemplo, o IE (Instituto Educacional Manoel Bento daCruz) tinha como professor o maestro José Raab. Hoje, não é preciso nem saber ler partitura para "ensinar" música nas escolas, conformeprevê a lei federal sancionada ainda pelo presidente Lula. Lamentável.

O Filme dos Espíritos

A temática espírita ganha cada vez mais espaço no cinemanacional. Em outubro, estreia "O Filme dos Espíritos", ba-

seado no "Livro dos Espíritos", de Allan Kardec. Em visita aAraçatuba na semana passada, André Marouço, co-diretor do lon-ga, garante que o filme vai emocionar mesmo os não-espíritas. Ofilme tem como tema central a vida de Bruno Alves, um psiquia-tra que está à beira de cometer suicídio após perder a mulher eo emprego e desiste depois de ter contato com o livro espírita.Parte da renda da bilheteria será revertida para obras assisten-ciais. No elenco, Nelson Xavier, Ana Rosa, Ênio Gonçalves, EttyFraser, Sandra Corveloni, Reinaldo Rodrigues e Luciana Gime-nez, que vive uma velha senhora, mulher de um pescador. LONGA Cena de “O Filme dos Espíritos”, baseado em livro de Allan Kardec

PERDA Bruno Zago

em sua oficina, em foto

tirada em janeiro de

2008; no detalhe, os mol-

des de instrumentos

pendurados na varanda da

casa onde ele morava

Araçatuba, domingo, 28 de agosto de 2011

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