BRUNA MARCELO FREITAS

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BRUNA MARCELO FREITAS O FENÔMENO LITERÁRIO LUZ E SOMBRAS DE FELICIANO GALDINO DE BARROS TANGARÁ DA SERRA 2011

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BRUNA MARCELO FREITAS

O FENÔMENO LITERÁRIO LUZ E SOMBRAS DE FELICIANO GALDINO DE BARROS

TANGARÁ DA SERRA

2011

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BRUNA MARCELO FREITAS

O FENÔMENO LITERÁRIO LUZ E SOMBRAS DE FELICIANO GALDINO DE BARROS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

stricto sensu em Estudos Literários – PPGEL, da Universidade

do Estado de Mato Grosso – UNEMAT – como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos

Literários, na área de Letras, sob a orientação do Prof. Dr.

Dante Gatto.

TANGARÁ DA SERRA

2011

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BRUNA MARCELO FREITAS

O FENÔMENO LITERÁRIO LUZ E SOMBRAS DE FELICIANO GALDINO DE BARROS

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Prof. Dr. Dante Gatto (Orientador)

____________________________________________________

Profa. Dra. Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento

____________________________________________________

Profa. Dra. Tieko Yamaguchi Miyazaki

TANGARÁ DA SERRA, ___/___/___.

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

Bibliotecária: Suzette Matos Bólito – CRB1/1945.

F866o Freitas, Bruna Marcelo.

O Fenômeno Literário Luz e Sobra de Feliciano Galdino de Barros. –

Tangará da Serra - MT / Bruna Marcelo Freitas. – 2011.

70 f.

Orientador (a): Prof.(a). Dr.(a). Dante Gatto.

Universidade do Estado de Mato Grosso. Pró Reitoria de Pesquisa e Pós

Graduação. Programa de Pós Graduação em Estudos Literários, 2011.

1. Romance. 2. Literatura. 3. Espaço Literário. 4. Fenômeno Literário.

I. Título. II. Dissertação de Mestrado.

CDU 82(817.2)

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Ao meu admirável Orientador, Dante Gatto, que

assinalou o caminho mesmo quando a estrada

parecia oscilar e os ventos indicavam tempestade.

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Agradecimentos

A Deus, que me dotou de lucidez para discernir a minha prática como pesquisadora de minha própria

ideologia religiosa, e derramou grandes bênçãos em minha vida;

A minha mãe, Vanda Marcelo Freitas, e ao meu pai, Genis Ponciano Freitas, que são minhas próprias

bases, as minhas raras pérolas;

A Dante Gatto, meu magnífico e brilhante orientador, que sempre foi minha maior referência como

pesquisador e professor;

Aos meus irmãos, Ronan Marcelo Freitas e Genis Ponciano Freitas Junior, que muito me

incentivaram;

Aos colegas e professores do mestrado que prestaram infinitas contribuições;

Aos meus queridos alunos e aos colegas de trabalho que torceram por mim e foram por demais

compreensivos quando não pude me fazer presente.

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A vida é uma anarquia do claro-escuro [...].

Georg Lukács

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RESUMO

Apresenta-se, nesta dissertação, uma abordagem analítica da obra Luz e Sombras (1917) de Feliciano

Galdino de Barros, com a intenção de verificar como são organizadas as ideologias na estrutura da

narrativa com vistas a chegar a determinados efeitos. Assim, a partir de reflexões voltadas à obra de

arte e à literatura, especialmente à forma romance, procura-se analisar como Barros constrói o seu

projeto artístico e quais são as implicações de seu empreendimento. Este estudo encontra subsídios

nas teorias de Georg Lukács e de Mikhail Bakhtin para pensar a epopeia e o romance; nas

concepções aristotélicas, sobretudo, para abordar a questão da mímesis e verossimilhança dentro do

universo ficcional; na teoria de Forster, principalmente, para compreender o mecanismo de criação

das personagens e a posição que ocupa o narrador; nas abordagens de Gaston Bachelard e Osman

Lins para analisar o espaço enquanto fator de homogeneização do mundo; nas fundamentações

sobre romance político de Irving Howe para destacar as “intenções ideológicas” de Barros, e a ideia

de discurso no romance de Mikhail Bakhtin com intuito de apontar o arranjo que está nas bases de

Luz e Sombras. O que permitiu considerar a obra não como literatura, mas como fenômeno literário.

Palavras-chave: Romance; Literatura; Espaço literário; Fenômeno literário.

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ABSTRACT

It is presented in this paper, an analytical approach of the work Luz e Sombras (1917)

of Feliciano Galdino de Barros, with the intention of checking how ideologies are organized in the

narrative’s structure in order to reach certain effects. Thus, from the reflections and the work of

art and literature, especially the novel form, seeks to analyze how Barros builds his art project and

what are the implications of their undertaking. This study finds benefits in the theories of Georg

Lukacs and Mikhail Bakhtin to think the epic and the novel, in the Aristotelian conceptions, especially

to address the issue of mímesis and verossimilhança within the fictional universe; in the theory

of Forster, mainly to understand the mechanism for the creation of characters and the position

who the narrator occupies; the approaches of Gaston Bachelard and Osman Lins to analyze the

space as a factor of homogenization of the world; in the basis of political novel by Irving Howe to

highlight the "ideological intentions" of Barros, and the idea of discourse on the novel

by Mikhail Bakhtin in order to point out the arrangement that is on the basis of Luz e Sombras. What

allowed to consider the work not as literature, but as a literary phenomenon.

Keywords: Romance; Literature; Literary space; Literary phenomenon.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 9

1. EPOPEIA E ROMANCE ...................................................................................................... 14

2. SOBRE A ESTÉTICA DO UNIVERSO FICCIONAL ........................................................ 23

3. A ESTRUTURA DO ENREDO, A DINÂMICA DA CRIAÇÃO DAS PERSONAGENS E

A POSIÇÃO DO NARRADOR .................................................................................................... 27

4. O ESPAÇO ENQUANTO HOMOGENEIZAÇÃO DO MUNDO: FUNÇÃO E

AMBIENTAÇÃO ......................................................................................................................... 37

4.1. Funções do espaço e ambientação ................................................................................. 37

4.2. O espaço enquanto homogeneização do mundo ............................................................ 48

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5. O LUGAR HISTÓRICO, ESTÉTICO E AXIOLÓGICO DE LUZ E SOMBRAS ................ 52

5.1. O contexto do modernismo em Mato Grosso ................................................................ 52

5.2. Romance e política ........................................................................................................ 56

5.3. O discurso no romance .................................................................................................. 62

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 66

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 68

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INTRODUÇÃO

Luz e Sombras, de Feliciano Galdino de Barros (1886 - 1938), foi publicado em 1917.

Antes deste período não há registro de nenhum romance em Mato Grosso. Esquecida no

tempo, a obra só foi reeditada em 2008 integrando a Coleção Obras Raras, publicada pela

Academia Mato-Grossense de Letras, juntamente com a Universidade do Estado de Mato

Grosso. Esse empreendimento foi resultado do projeto Difusão da Literatura Mato-grossense,

coordenado por Walnice Aparecida de Matos Vilalva e executado pelos pesquisadores Dante

Gatto, Marli Giachini, Paulo Sérgio Santiago e Rosana Rodrigues da Silva. Destarte,

adotamos como objeto de estudo a referida obra em virtude de sua relevância no cenário

literário mato-grossense, evidenciado mesmo pela republicação. Conforme Vilalva (2008,

p.33), Luz e Sombras ―inaugura na literatura brasileira o tratamento aberto de conflitos

religiosos que permearam nosso processo histórico‖.

A obra narra a saga de uma família cristã, que carrega prontamente consigo os valores

religiosos católicos. Como contraponto diegético aparece a seita maçom, representada

categoricamente pelo estrangeiro Dom Amarante, desestabilizando a instituição familiar, de

forma a ocasionar uma série variegada de perseguições, conflitos e tragédias. Essa estrutura

maniqueísta será sustentada por Barros, com detalhes minuciosamente elaborados, visando

acentuar a separação dos pólos antitéticos: catolicismo e maçonaria, representados respectiva

e notadamente no próprio título: Luz e Sombras.

Feliciano Galdino de Barros, também, publicou trechos em prosa, contos e novelas no

jornal A Cruz, no período de 1922 a 1934. O conjunto de sua produção, afirma Nadaf (2002),

privilegiou a associação entre relatos de tipos e paisagens do interior de Mato Grosso e

valores morais e religiosos, conferindo importância à caridade, ao sentimento cristão, ao

resgate da honra, ao alerta sobre a existência do mal em serviço de Satanás, à valorização da

vida e do trabalho no campo e firmou combate à vadiagem, ao preconceito racial e ao poder

corruptível da politicalha.

O autor de Luz e Sombras nasceu em Cuiabá em 1884, e estudou no Rio de Janeiro

onde publicou em 1917, a referida obra. No ano seguinte, o escritor retorna a Mato Grosso

aonde vive até sua morte em 1938. Feliciano Galdino de Barros foi professor no Liceu

Cuiabano, escreveu para vários jornais, participou da política partidária, pertenceu ao Instituto

Histórico e escreveu Lendas Matogrossenses, Cuiabana e Perigo Yankee.

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Pensamos oportuno, preliminarmente, apontar a dificuldade na crítica de romances,

bem como as contingências analíticas. Adolfo Casais Monteiro (1964, p.42) adverte que toda

grande arte tem de fato mais que arte dentro de si, na sua própria essência. As grandes obras

de arte parecem-nos a ―decantação das mais altas idéias, das mais altas formas de sentir, das

mais profundas expressões do homem em cada época‖. A arte, como a flor, tem sua terra mãe,

mas parece a arte uma flor nascida na rocha, ou de si própria. Falar da obra, portanto, implica

uma ―conscientização do que elas representam e envolvem‖. Fazer compreender a obra, por

vezes, se faz tarefa de crítico.

Há de se considerar, no entanto, como argumenta Percy Lubbock (1976, p.16-17) que

ao crítico fica impossível apresentar um relato realmente científico de um livro. Seria

impossível mesmo que sua memória fosse infalível. Um quadro, por exemplo, permanece

imóvel e permite visões que convergem sobre ele, e ainda assim duas visões encontrarão

dificuldades na crítica. No caso do livro, não há nada para apontar senão o volume. Os

eventuais erros, portanto, se evidenciam mais facilmente numa escultura ou num quadro. Isto

se aplica ao romance, também, quando se tratar de um erro por demais escandaloso. Há

romances, no entanto, que sobrevivem, apesar de mal construídos. Assim, podemos concluir

que a arte da ficção se relaciona com a forma, com o plano e a composição de uma forma

diferente que as outras artes. E ―o crítico literário precisa reconhecer que seu desejo de ser

preciso, definido, claro e exato nos enunciados é irremediavelmente inútil‖. A única coisa que

se pode dizer é que o livro talvez possa ser abordado, um pouco mais de perto de um jeito que

de outro.

Nos poemas, pode-se um fragmento servir como ponto de partida e reconstruir a

impressão geral, no romance precisamos dele todo. Qualquer recurso ao texto é de auxílio

secundário. Adolfo Casais Monteiro (1964, p.37) refere-se a ―grandes obstáculos‖ de refazer

criticamente a leitura de um romance por conta de que o erro não fica evidente como em

outras modalidades de arte. Isto não impede, no entanto, a abordagem analítica como optamos

nesta dissertação. Tal opção desencadeia algumas questões: a abordagem analítica não

comprometerá o poderoso efeito da primeira leitura? Perderá a visão de conjunto que está no

todo? Quando se trata de uma obra medíocre isto fica atenuado. De qualquer forma é

―impossível‖ corresponder exatamente ao objeto.

Pergunta Monteiro (1964, p.38) se não há atitudes diferentes a se tomar diante de

obras geniais e obras ruins. Não é certo que quando a análise falha, talvez a intuição tenha o

seu lugar? Não é necessário recorrer à intuição quando se trata de uma obra medíocre. Na

obra genial há lugar para a análise em segundo plano, e servindo como assim dizer por tapete

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entre os vários momentos em que a intuição terá conseguido arrancar desse todo em que a

análise não penetra. A verificação analítica alcança apenas o pormenor na obra medíocre. Na

obra genial, o pormenor só é chamado a depor em segundo lugar.

Pois no fato de constituir um todo está a suprema afirmação da genialidade,

e não é falando em particular de nada de quanto lá está objetivamente

transportável para a mesa da dissecção, que se pode atingir o âmago da sua

estrutura, revelar o seu verdadeiro sentido, comunicar a sua personalidade.

(MONTEIRO, 1964, p.38).

Por vezes, toma-se o romance como ponto de referência, considerando apenas um dos

seus aspectos. Sobre isto, argumenta Monteiro (1964, p.40): consiste em aberração do espírito

crítico submeter o essencial da arte a algum dos seus caracteres secundários. Desvios de

exigências extraliterárias. Por conta do romance se constituir arte que segue a expressão da

vida corre o risco de ser julgado não como arte, mas como se fosse antes ou acima da arte.

Deve-se considerar que ―o romance lida com toda a espécie de problemas, faz intervir,

implica, alude a quantas idéias constituem o substratum intelectual da época‖.

Devemos considerar, por fim, com apoio ainda o pensamento de Monteiro (1964,

p.41) o fato do romance constituir-se como ―forma de arte do qual as idéias não tem qualquer

papel a desempenhar‖. É por atrair ‗paixões de idéias‘ que o romance atrai toda a espécie de

confusões. No todo que cabe ao romance vai muita matéria impura que, afinal, é inseparável

da criação como o vinho é da uva. Há dificuldade na isenção às paixões: o eventual crítico

não deve avaliar arte segundo idéias políticas ou fé religiosas, mas ―segundo o seu sentido de

artista-crítico‖. Seria pseudo-crítico quem se importasse apenas com o realce das suas idéias

ou à crença que professa e não à arte. Estas afirmações, colocadas aqui preliminarmente, se

farão extremamente pertinentes ao adentrarmos nosso objeto de pesquisa.

Não tomaremos partido em relação às ideologias imbricadas na trama. Ao contrário,

pretendemos por meio de abordagem analítica, claramente consciente de suas limitações,

verificar como esses componentes ideológicos são trabalhados na estrutura do texto, para

chegar a determinados efeitos dentro da obra.

Temos clareza que nem todo texto escrito, mesmo ficcional, é literatura. Candido, na

sua perspectiva sociológica, distinguiu manifestações literárias de literatura propriamente

dita. Consiste, literatura, num ―sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que

permitam reconhecer as notas dominantes duma fase‖. (CANDIDO, 1993, p.23). São estas

notas dominantes características internas como língua, temas, imagens, bem como elementos

de natureza social e psíquica que, literariamente organizados, fazem da literatura ―aspecto

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orgânico da civilização‖. O contraponto desta definição consiste na configuração das crônicas

de caráter informativo. Pensamos, primeiramente, em Luz e Sombras como uma forma de

―manifestação‖, mas acabamos preferindo o termo fenômeno. Conforme Ferreira (s.d., p.893),

trata-se, fenômeno, dentre outras sentidos, de ―fato, aspecto ou ocorrência passível de

observação‖ ou ainda ―fato de interesse científico, suscetível de descrição ou explicação‖.

Vamos tentar, portanto, explicar Luz e Sombras, porque acreditamos que se trata de um ―fato

de interesse científico‖, considerando o que entendemos por literatura pelo viés da forma

romanesca.

Sistematizamos esta dissertação em quatro capítulos. No primeiro, ―Epopeia e

romance‖, trilhamos um caminho que parte da epopeia e segue até a instauração do romance,

buscando explicações para essa transição que nos serão dadas pelas teorias lukacsiana e

bakhtiniana. Cuidamos de localizar a teoria neste capítulo, mas foi inevitável, em contato com

o objeto, retomá-la e, por vezes, estendê-la. Preocupamo-nos com as redundâncias e

repetições, abordando idéias semelhantes de formas variadas.

No segundo capítulo, ―A estética do universo ficcional‖, apresentamos questões

peculiares à literatura referentes à mimese, verossimilhança e lógica ficcional, tomando como

principal fundamento a Poética de Aristóteles. São estes aspectos constitutivos da obra

literária que nos auxiliam a refletir esteticamente os acontecimentos e as personagens de Luz e

Sombras.

No terceiro capítulo, ―A estrutura do enredo, a dinâmica da criação das personagens e

a posição do narrador‖, demonstramos, tomando, principalmente, a teoria de Forster como

suporte, o modo como Barros constrói suas personagens, a posição em que coloca o narrador

na diegese e como organiza a estrutura do enredo.

No quarto capítulo, ―O espaço enquanto homogeneização do mundo: função e

ambientação‖, considerando as teorias de Bachelard e Osman Lins, enfocamos o espaço e as

funções que desempenha, a ambientação, e o colocamos na condição de elemento de caráter

homogeneizador do mundo. Acreditamos que, como as personagens, o espaço seja elemento

chave na edificação do projeto artístico de Barros.

No quinto capítulo, intitulado ―O lugar histórico, estético e axiológico de Luz e

Sombras‖, procuramos situar essa obra, justificando-a como fenômeno literário, e não como

―literatura propriamente dita‖. (CANDIDO, 1993, p.23). Dividimos este capítulo em três

subcapítulos: ―o contexto do modernismo em Mato Grosso‖, em que refletimos questões

inerentes ao local de produção da obra; ―Romance e política‖ em que analisamos a temática

da política no romance, na perspectiva de Lukács e, principalmente, de Irving Howe, com

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vistas a demonstrar a tentativa frustrante de Barros em desenvolver um legítimo romance

político; e ―O discurso no romance‖, que nos ajuda a compreender o fenômeno literário, a

partir das reflexões desenvolvidas por Mikhail Bakhtin.

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1. EPOPEIA E ROMANCE

A Teoria do romance de Georg Lukács nos dá um rico suporte acerca dos gêneros

literários, apontando um percurso histórico-filosófico trilhado pelo crítico que nos caberá

devidamente para confrontarmos epopeia e romance. O próprio autor mostra-se consciente de

seu procedimento, como notamos logo no prefácio da obra: ―[...] Que eu saiba, a Teoria do

romance é a primeira obra das ciências do espírito em que os resultados da filosofia

hegeliana1 foram aplicados concretamente a problemas estéticos‖. (LUKÁCS, 2000, p.11). Ou

ainda, Lukács (2000, p.13) ―buscava uma dialética universal dos gêneros fundada

historicamente, baseada na essência das formas literárias [...]‖. E o teórico, baseando-se na

filosofia de Hegel, conseguiu encontrar uma explicação dialética para os gêneros literários.

Lukács (2000, p.25-26) abre a sua Teoria do romance identificando o mundo próprio

da epopeia, mundo este fechado e perfeito no qual o eu e o mundo se integram em perfeita

conexão. A filosofia seria "incongruência entre alma e ação". Sendo assim, os "tempos

afortunados" não tem filosofia. Aliás, todos os homens são filósofos. ―Aí a paixão é o

caminho predeterminado pela razão para a perfeita individualidade, e da loucura são emitidos

sinais enigmáticos mas decifráveis de um poder transcendente, de outro modo condenado ao

silêncio‖. Não há nenhuma interioridade, ainda, pois não há exterioridade, nenhuma alteridade

para a alma.

Afortunados os tempos para os quais o céu estrelado é o mapa dos caminhos

transitáveis e a serem transitados, e cujos rumos a luz das estrelas ilumina.

Tudo lhes é novo e no entanto familiar, aventuroso e no entanto próprio. O

mundo é vasto, e no entanto é como a própria casa, pois o fogo que arde na

alma é da mesma essência que as estrelas; distinguem-se eles nitidamente, o

mundo e o eu, a luz e o fogo, porém jamais se tornarão para sempre alheios

um ao outro, pois o fogo é a alma de toda luz e de luz veste-se todo fogo.

Todo ato da alma torna-se, pois, significativo e integrado nessa dualidade:

perfeito no sentido e perfeito para os sentidos; integrado, porque a alma

repousa em si durante a ação; integrado, porque seu ato desprende-se dela e,

tornado si mesmo, encontra um centro próprio e traça a seu redor uma

circunferência fechada. [...]

1 A filosofia de Hegel é a tentativa de considerar todo o universo como um todo sistemático. O sistema é baseado

na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode receber

esta revelação. Na religião a verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o

homem pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus. (COBRA, 2001).

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A alma, ao sair em busca de aventuras e vencê-las, desconhece o tormento real da

procura e o real perigo da descoberta, e jamais se põe em jogo: ―ela ainda não sabe que pode

perder-se e nunca imagina que terá de buscar-se. Essa é a era da epopéia‖. (LUKÁCS, 2000,

p.26).

Segundo Lukács (2000, p.27), esse seria o contexto que reflete a forma de pensar e

sentir do homem da época da epopeia. Uma era em que os mitos eram base de explicações

para os fenômenos, em que inexistiam dúvidas e, portanto, não havia necessidade de

respostas, porém ―[...] o grego conhece somente respostas, mas nenhuma pergunta, somente

soluções (mesmo que enigmáticas), mas nenhum enigma, somente formas, mas nenhum

caos‖. Esse quadro aponta para a configuração de um mundo homogêneo, em ordem e seguro,

como um todo inteiriço. Nele, não há espaço para conflitos internos e para problemáticas

humanas, pois se trata de um todo pleno de sentido, autossuficiente, em que a alma passeia

pelas veredas em busca de aventuras, certa de seu destino. Nada pode perturbar ou ameaçar a

homogeneidade desse mundo perfeito e acabado, podem, no entanto, ocorrer turbulências

além desse círculo fechado, mas ainda assim tais pressões são incapazes de desabrigar a

presença do sentido; podem esses poderes também, ―aniquilar a vida, mas jamais confundir o

ser; podem lançar sombras negras sobre o mundo formado, mas também elas serão

incorporadas pelas formas, como contrastes cuja nitidez é tanto mais salientada‖. (LUKÁCS,

2000, p.30).

O único erro a ser cometido nesse ―mundo fechado‖ é uma questão de falta ou

excesso, ―Pois saber é apenas alçar véus opacos; criar, apenas o copiar essencialidades

visíveis e eternas; virtude, um conhecimento perfeito de caminhos; e o que é estranho aos

sentidos decorre somente da excessiva distância em relação ao sentido‖. (LUKÁCS, 2000,

p.28). Assim, o saber, o criar e a virtude são concepções que atendem e respondem às

exigências de um mundo de culturas fechadas. Percebemos ainda, que o criar aqui possui

semântica contrária ao conceito de mimese aristotélico, à medida que esta última pressupõe

um espaço para criação. E na epopeia este conceito é reduzido à mera cópia de

essencialidades. Isso só sofre transformação quando o círculo no qual vivem os gregos se

rompe, quando o mundo até então ordenado sai dos trilhos e se faz caos. Vejamos como

Lukács (2000, p.30-31) contrasta essa transição ao Novo Mundo:

Inventamos a produtividade do espírito: eis por que, para nós, os arquétipos

perderam inapelavelmente sua obviedade objetiva e nosso pensamento trilha

um caminho infinito da aproximação jamais inteiramente concluída.

Inventamos a configuração: eis por que falta sempre o último arremate a

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tudo que nossas mãos, cansadas e sem esperança, largam pelo caminho.

Descobrimos em nós a única substância verdadeira: eis por que tivemos de

cavar abismos intransponíveis entre conhecer e fazer, entre alma e estrutura,

entre eu e mundo, e permitir que, na outra margem do abismo, toda

substancialidade se dissipasse em reflexão; eis por que nossa essência teve

de converter-se, para nós, em postulado e cavar um abismo tanto mais

profundo e ameaçador entre nós e nós mesmos. Nosso mundo tornou-se

infinitamente grande e, em cada recanto, mais rico de dádivas e perigos que

o grego, mas essa riqueza suprime o sentido positivo e depositário de suas

vidas: a totalidade.

Sem dúvida, o que o mundo ganhou em extensão perdeu em totalidade porque esta só

é possível quando tudo é homogêneo, perfeito e fechado em si mesmo. No entanto, a ausência

da imanência do sentido deixa uma lacuna, um vazio que carece ser preenchido. Qualquer

tentativa de restauração do círculo outrora fechado é inútil, visto que o homem agora carrega

consigo toda sorte de conflitos, a incompletude tomou conta de seu ser e em seu interior jaz

uma série de perguntas. Eis o mundo da filosofia grega.

Como haveria de ser, a arte, nesse Novo Mundo, emancipa-se: ―ela não é mais uma

cópia, pois todos os modelos desapareceram; é uma totalidade criada, pois a unidade natural

das esferas metafísicas foi rompida para sempre‖. (LUKÁCS, 2000, p.34). A arte torna-se

independente.

As espécies artísticas que outrora revelavam periodicidade filosófica, com limites –

surgimento e desaparecimento - bem demarcados, perdem essa regularidade. Na época pós-

helênica, ―os gêneros se cruzam num emaranhado inextrincável‖. Isto é indício ―da busca

autêntica ou inautêntica pelo objetivo‖ que não é mais claro e evidente. O que temos é uma

―totalidade histórica da empiria‖, em que se podem buscar, no que se refere às formas

individuais, ―condições empíricas (sociológicas) de sua possibilidade de surgimento‖, mas na

qual também, torna-se impossível recuperar o sentido histórico-filosófico da periodicidade nas

―totalidades das eras históricas‖, pois não há como decifrar mais do que nelas próprias se

encontra. Por isso, a epopeia teve de desaparecer cedendo espaço a uma nova forma: o

romance. (LUKÁCS, 2000, p.38-39).

Silva (2006, p.82), ao analisar A teoria do romance, afirma que ―o fim da antiguidade

é constatado pela morte da épica antiga, reforçado e marcado pela cisão entre subjetividade e

o sentido, que se traduz na necessidade de uma nova forma, o romance‖. Para a autora, ocorre

uma transição de uma transcendência divina para outra designada por Lukács de

―demoníaca‖, na qual o romance representa a ―impossibilidade da harmonia do mundo‖,

sendo compreendido como ―expressão simbólica‖ dessa insuficiência.

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O abandono dos deuses caracteriza o tempo histórico em que o romance se estabelece

como forma artística: ―O romance é a epopeia do mundo abandonado por deus‖ (LUKÁCS,

2000, p.89), na qual o indivíduo se desprende das amarras que antes tivera com o mundo,

tornando-se independente. Não é mais possível uma reconciliação entre individuo e mundo

porque este se tornou contingente e aquele, problemático.

Dom Quixote (1605) de Cervantes (1547-1616), o primeiro grande romance da

literatura mundial, ―situa-se no início da época em que o deus do cristianismo começa a

deixar o mundo; em que o homem torna-se solitário [...]; em que o mundo, liberto de suas

amarras paradoxais no além presente, é abandonado a sua falta de sentido imanente.‖

Cervantes vive no período do ―demonismo à solta‖, da ―grande confusão de valores‖,

atingindo a problemática do demoníaco: em ―que o mais puro heroísmo tem de tornar-se

grotesco e que a fé mais arraigada tem de tornar-se loucura [...]; que a mais autêntica e

heróica evidência subjetiva não corresponde obrigatoriamente à realidade‖. O transcorrer do

tempo leva a perda do sentido de atitudes e conteúdos eternos, ou seja, o tempo passa por

cima do que é eterno. (LUKÁCS, 2000, p.106-107).

Erickson (2000, p.118-119), em seu estudo sobre A teoria do romance, observa que a

questão central da literatura épica – como a vida se torna essência – apresenta-se de forma

distinta na epopeia e no romance. Na primeira, ―a ingenuidade da comunidade faz com que a

totalidade da essência seja mais fácil de ser alcançada‖, não existindo conflitos entre a

essência do herói épico e a do seu povo. Destarte, as vitórias e derrotas do herói épico

―servem para estabelecer as estruturas fundamentais de sua coletividade‖. O desafio que se

impõe é o de narrar o modo que ―a existência heróica (as aventuras e suas resoluções)

estabelece a essência do herói e da comunidade heróica de tal forma que as estruturas

imaginativas e comportamentais sejam constituídas para a educação e edificação de um povo

no caminho de sua autodefinição‖.

No romance, por sua vez, a hierarquia entre essência e existência é suprimida e cria-se

uma necessidade de escolha entre a ―multiplicidade de essências‖. Aliás, a ―multiplicidade de

cosmovisões‖ constitui-se característica histórica de instauração do romance. À personagem

romanesca – agora vista como indivíduo – cabe a ―direção de sua própria tragédia individual‖,

não é mais condição natural ser herói. Dessa maneira, temos dois aspectos: o subjetivo, que

consiste nessa tarefa do indivíduo em ―se definir em termos de um projeto existencial

concretamente elaborado‖; e o objetivo, que ―é a heterogeneidade de projetos existenciais

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representados pela polifonia2 do romance (mesmo quando a multiplicidade das vozes é

articulada por um só personagem)‖. E o romancista terá como desafio narrar o

desenvolvimento da essência ―do(s) personagem(ns) através de uma série de episódios de tal

maneira que o indivíduo aprofunda a alma no contexto das perspectivas coletivas maiores‖.

Esses dois aspectos apontam o romance como representação de uma síntese dialética da épica

e da tragédia, nesta, a relação que se destaca é do homem com seu destino e sua alma, naquela

a relação do homem com sua comunidade. (ERICKSON, 2000, p.119).

Assim, num movimento dialético, epopeia e romance diferem nos aspectos que

tangem dados histórico-filosóficos: ―[...] O romance é a epopeia de uma era para a qual a

totalidade extensiva da vida não é mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do

sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade‖.

(LUKÁCS, 2000, p.55). Enquanto a epopeia dá forma a uma totalidade, o romance busca

construir esta totalidade por meio da forma. Dito de outra maneira, o romance representa a

cisão entre o eu e o mundo, constituindo-se uma fusão paradoxal de fatores descontínuos e

heterogêneos e só pode atingir coerência em virtude de sua forma.

Para Bakhtin (2010, p.406-409), foi uma mudança radical passar do mundo épico para

o romanesco. Na base deste está uma experiência pessoal. A epopéia como chegou até nós

(qualquer que tenha sido a sua origem) é a forma de um gênero acabado de maneira absoluta,

muito perfeita e se caracteriza por três traços constitutivos que configuram sua forma: 1. O

passado nacional épico, o "passado absoluto", segundo a terminologia de Goethe e de

Schiller, serve como objeto da epopéia; 2. A lenda nacional (e não a experiência pessoal

transformada à base da pura invenção) atua como fonte da epopéia; 3. O mundo épico é

isolado da contemporaneidade, isto é, do tempo do escritor (do autor e dos seus ouvintes),

pela distância épica absoluta. Para a visão do mundo épico, o "começo", o "primeiro", o

"fundador" etc., não são apenas categorias temporais, mas o grau superlativo axiológico-

temporal que se realiza tanto pela atitude das pessoas, como também pela atitude de todas as

coisas e fenômenos do mundo épico. O passado épico é fechado e separado pela barreira

intransponível das épocas posteriores e, sobretudo do presente onde se põe em prática a

narração épica. A principal faculdade criadora da literatura antiga é a memória e não o

conhecimento. A tradição do passado é sagrada, quando ainda não se tem a consciência da

relatividade de todo o passado. Destruir os limites do passado absoluto – passado este

desprovido de qualquer relatividade, isto é, despojado daquelas transições graduais,

2 Erickson (2000) observa que muitos dos termos referenciais adotados por Lukács para definir o romance, como

polifonia de vozes e linguagem monológica, por exemplo, são os mesmos utilizados por M. Bakhtin.

Page 22: BRUNA MARCELO FREITAS

19

puramente materiais que o ligariam com o presente – significa destruir a forma da epopéia

enquanto gênero. No mundo épico, as definições temporais e axiológicas estão fundidas num

todo indissolúvel, como nos antigos estratos semânticos da língua. Tudo aquilo que participa

deste passado o faz na sua autêntica essencialidade e significação, adquire um acabamento e

uma conclusão, e despoja-se, por assim dizer, de todos os direitos e pretensões a um

desenvolvimento real. A conclusão absoluta é o seu caráter acabado. Não se pode modificar o

mundo épico, nem reinterpretá-lo, nem reavaliá-lo. Ele está fora da área da atividade humana

propensa às mudanças e às reavaliações. Esta distância existe não só em relação ao material

épico, isto é, aos eventos e aos heróis representados, mas também em relação ao ponto de

vista e ao julgamento sobre eles.

Conforme Lukács (2000, p.127), o tempo da epopeia não possui duração real, ―os

homens e os destinos mantêm-se por ele intocados; não tem ele mobilidade própria, e sua

função é apenas expressar, de modo patente, a grandeza de um empreendimento ou uma

tensão‖. A imanência do sentido à vida em virtude de sua intensidade supera o tempo. Na

epopeia, passado e presente não diferem qualitativamente, o tempo não opera mudanças.

Segundo Bakhtin (2010, p.409-410), os traços constitutivos da epopéia (passado

absoluto, lenda nacional e distância épica absoluta) são inerentes aos outros ―gêneros

elevados‖3 da Antigüidade Clássica e da Idade Média (na tragédia, por exemplo, é possível

identificar esses traços a partir de escolha temática, procedente do mythos nacional - Édipo,

Medéia, Fedra, entre outros). A época contemporânea enquanto tal, ou seja, enquanto

conserva o seu aspecto de atualidade viva, não pode servir de objeto de representação dos

gêneros elevados. O presente é algo de transitório, fluente, é uma espécie de eterno

prolongamento, sem começo e nem fim; ele é desprovido de uma conclusão autêntica e, por

conseguinte, de substância. A vida atual pode penetrar nos gêneros elevados somente nos

níveis hierárquicos superiores deles, cujo posto já os distancia de sua própria atualidade: é o

caso de relatos sobre reis que, por sua estrutura lendária, já os distancia da realidade popular.

Os acontecimentos, nos ―gêneros elevados‖, os heróis e os vencedores de uma atualidade

"sublime", ligam-se a uma única trama do passado heróico e da lenda. Está nessa ligação o

seu valor. Eles, por assim dizer, se arrancam de seu tempo com o que ele tem de irresoluto, e

adquirem do passado o seu caráter acabado. O passado absoluto não é aquele tempo no nosso

sentido limitado e preciso da palavra, mas certa categoria axiológica, temporal e hierárquica.

3 No capítulo II da Poética, Aristóteles (2005, p.23-24) aproxima-se da questão: gêneros elevados são aqueles

em que se representam ações de homens de caráter elevado, ―imitação metrificada de seres superiores‖, como na

epopéia e na tragédia, enquanto que os gêneros inferiores representam as ações de homens inferiores, ―imitação

de pessoas inferiores‖, tal como a comédia.

Page 23: BRUNA MARCELO FREITAS

20

Ainda Bakhtin (2010, p.410-411), o passado épico é uma forma particular de

percepção literária do homem que coincidi com a percepção literária e com a representação

em geral. Representar e imortalizar pelo discurso literário só é possível e viável para aquilo

que é digno de ser comemorado e mantido na memória dos descendentes. É no plano

antecipado da sua memória que ele assume a forma. Para os seus contemporâneos, a

atualidade, que não virá a ser memória, é comemorada em argila; e aquela que visa o futuro, a

posteridade, é comemorada em mármore e bronze. A grande literatura da época clássica não é

projetada a um passado real que está relacionado ao presente com seu caráter inacabado, mas

sim ao passado dos valores, dos começos e dos fastígios que, por sua vez, é fechado como um

círculo, mas não isento de movimento: as categorias temporais relativas que estão dentro dele

são rica e finamente elaboradas. Conserva, pois, a plenitude dos tempos sobre si mesma. As

categorias axiológicas-temporais do começo e do final absolutos têm um significado

excepcional para a percepção do tempo e das ideologias das épocas anteriores. Tal percepção

e a hierarquia das épocas penetram em todos os gêneros elevados da Antigüidade e da

atualidade tão profundamente que continuaram a viver dentro deles nas épocas posteriores, até

o século XIX, e mesmo depois. A idealização do passado nos gêneros elevados tem um

caráter oficial. Todas as manifestações exteriores da força e da verdade dominantes, de tudo

que está concluído, organizam-se dentro da categoria axiológica e temporal do passado, em

uma representação distanciada, longínqua, desde o gesto e os vestuários até o estilo, tudo é

símbolo do poder.

Em via opostas aos gêneros elevados estão os gêneros inferiores, da criação cômica

popular, que, segundo Backtin (2010, p.412) são as autênticas raízes folclóricas do romance.

Forma-se uma nova atitude radical em relação à língua e à palavra. O presente foi

originalmente o objeto de um riso ambivalente, de alegria e destruição, marcado pela

parodização e a travestização de todos os gêneros elevados e das grandes figuras da mitologia

nacional. O riso destrói a distância épica. A familiarização do mundo pelo riso e pela fala

popular marca uma etapa importante e indispensável no caminho para o livre conhecimento

científico e para a criação artisticamente realista da sociedade européia. O passado absoluto

atualiza-se, isto é, rebaixa-se na linguagem vulgar. A esta literatura pertencem os mimos, toda

a poesia bucólica, a fábula, a primeira literatura de memórias, os panfletos, os diálogos

socráticos e os diálogos à maneira de Luciano. Todos esses gêneros, englobados pelo conceito

de sério-cômico, aparecem como predecessores ao romance, e mais, alguns deles são gêneros

do tipo puramente romanesco, que mantêm sob a forma embrionária, e às vezes sob a forma

desenvolvida, os principais elementos das mais importantes variantes posteriores do romance

Page 24: BRUNA MARCELO FREITAS

21

europeu. Os romances gregos, na verdade, trazem a verdadeira essência do romance, enquanto

gênero em devir: exerceram forte influência no romance europeu, principalmente no período

barroco, bem na época em que se iniciava a elaboração da teoria do romance, quando se

consolidava o próprio termo romance. Os gêneros sério-cômico, ainda que fossem

desprovidos da sólida ossatura, anteciparam as etapas mais essenciais da evolução do romance

dos tempos modernos. Isto concerne particularmente aos diálogos socráticos e à sátira

menipéia4, incluindo-se o Satiricon de Petrônio.

Os "diálogos socráticos", ainda Bakhtin (2010, p.414-415) é um documento notável

que reflete o nascimento simultâneo do conceito científico e da nova personagem romanesca

na arte literária em prosa. Tudo é característico neste gênero magnífico. Nascido como

anotações (memória) tem como figura central uma pessoa que conversa num diálogo narrado,

emoldurado por uma narração dialógica. Faz-se a associação de Sócrates à máscara popular

de um bobo que não compreende nada (sábia ignorância). Pode-se, pois, estudar um novo tipo

de heroicização prosaica que apresenta vizinhança do grego clássico com a linguagem

coloquial popular. Característico ainda é que este gênero seja ao mesmo tempo um sistema

bastante complexo de estilos, e mesmo de dialetos, com diferentes graus de parodicidade. Um

gênero multiestilístico, tal como um verdadeiro romance. Trata-se, por fim, da combinação do

cômico, da ironia socrática e de todos os sistemas de rebaixamento socrático, com uma

investigação séria e elevada. O riso socrático (abafado até a ironia) e os seus rebaixamentos

aproximam e tornam o mundo familiar para que se possa examiná-lo livremente. Na sátira-

menipéia encontramos, também, o mesmo deslocamento radical do centro axiológico-

temporal da orientação artística e daquela revolução na hierarquia das épocas. Os gêneros

citados caracterizam-se pela presença de um elemento declaradamente autobiográfico e

memorialista. O deslocamento do centro temporal da orientação literária permite ao autor

mover-se livremente no mundo representado, o que na epopéia era inacessível e fechado.

O campo de representação do mundo, avança Bakhtin (2010, p.417-419, passim),

sempre específico, modifica-se segundo os gêneros e as épocas, organizado de maneira

diferente e limitado de vários modos, no espaço e no tempo. Não se trata somente da aparição

da imagem do autor no campo da representação, mas também do fato de que o autor

autêntico, formal e primeiro (o autor da imagem do autor), redunda em novas relações com o

4 A sátira menipéia é um gênero cômico-sério da Antiguidade Clássica. Nele é possível encontrar um texto sem

uma característica definida, sem um tema único, sem personagens comportadinhas, sem uso apenas de

vocabulário padrão, mas, sobretudo, um texto que se caracteriza pela denúncia ou por apresentar coisas

"ridículas", "grosseiras" e "vergonhosas". Esse gênero, então, se distingue por ser um verdadeiro prato cheio

para ser apreciado por uns e detestado por outros. (CARVALHO, 2008, p.49).

Page 25: BRUNA MARCELO FREITAS

22

mundo representado. É exatamente esta nova posição do autor, primeiro e formal, na zona de

contato com o mundo representado, que torna possível a sua aparição no campo de

representação da imagem do autor. Esta nova situação do autor é um dos mais importantes

resultados para a superação da distância épica. Notemos a enorme significação formal,

composicional e estilística que tem esta nova posição do autor para a especificidade do gênero

romanesco. A representação do passado no romance não implica absolutamente a

modernização deste passado, mas, ao contrário, a representação toda atualidade importante e

séria tem necessidade de uma imagem autêntica do passado. Quando o presente, como algo

não acabado, torna-se o centro da orientação humana no tempo e no mundo, estes perdem o

seu caráter acabado, tanto no seu todo como também em cada parte. O modelo temporal do

mundo modifica-se radicalmente: torna-se um mundo onde não existe a palavra primordial e

onde a última palavra ainda não foi dada. Para a consciência literária e ideológica, o tempo e o

mundo tornam-se históricos pela primeira vez: um único processo inacabado que abarca todas

as coisas. Todo evento, todo fenômeno, todo objeto de representação literária perde aquele

caráter acabado inerente ao mundo épico, graças ao contato com o presente, o objeto se

integra no processo inacabado do mundo a vir, e nele deixa a sua marca de inacabado. Neste

contexto inacabado perde-se o caráter de imutabilidade semântica do objeto e o seu sentido se

desenvolve. Isto conduz a transformações radicais na estrutura da representação literária, que

adquire uma atualidade específica. Com isso, cria-se uma zona de estruturações radicalmente

nova no romance, uma zona de contato máximo do objeto de representação com o presente na

sua imperfeição e, por conseguinte, também com o futuro.

Por fim, A profecia épica, segundo Bakhtin (2010, p.420) se realiza totalmente nos

limites do passado absoluto, se não em dada epopéia, ao menos nos limites da tradição que a

envolve. Ela não diz respeito ao leitor e ao seu tempo real. Já o romance quer predizer e

influenciar o futuro real, do autor e dos leitores, uma vez que tem uma problemática nova e

específica: seus traços distintivos são a reinterpretação e a reavaliação permanentes. O centro

da dinâmica da percepção e da justificativa do passado é transferido para o futuro.

Segundo Lukács (2000, p.129-130), no romance, o tempo torna-se constitutivo, graças

à cisão da vinculação com a pátria transcendental, ―somente no romance, cuja matéria

constitui a necessidade da busca e a incapacidade de encontrar a essência, o tempo está

implicado na forma‖. Enquanto a epopeia desconhece o decurso temporal, o romance revela-o

como ―inexoravelmente existente, e ninguém mais é capaz de nadar contra a direção única de

sua corrente nem regrar seu curso imprevisível com os diques do apriorismo‖. O tempo passa

a possuir uma realidade, uma duração real.

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23

2. SOBRE A ESTÉTICA DO UNIVERSO FICCIONAL

A Poética de Aristóteles será suporte para a abordagem que pretendemos ao fenômeno

Luz e sombras de Feliciano Galdino de Barros, principalmente no que se refere à criação de

personagens. Dos teóricos conhecidos, Aristóteles é o primeiro a tocar nesse problema.

Conforme Brait (1993, p.35), alguns críticos contemporâneos têm procurado demonstrar que

uma leitura mais aprofundada revela o quanto Aristóteles estava preocupado não só com

aquilo que é ―imitado‖ ou ―refletido‖, mas com a própria maneira de ser do personagem e

com os meios utilizados pelo poeta para a elaboração de sua obra. As concepções de mímesis

e verossimilhança, apresentadas pelo filósofo, são elementares para pensarmos as

personagens e o enredo, estes que, de acordo com Candido (2009, p.54), ―exprimem, ligados,

os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o

animam‖.

Costa (1992, p.5-7) ao atentar para a questão da mímesis afirma que Platão a concebeu

de forma distinta a Aristóteles, seu discípulo. Para o primeiro, é ―como um tipo de

produtividade que não criava objetos originais, mas apenas cópias (eikones) distintas do que

seria a verdadeira realidade‖. Assim, Platão depreciou a mímesis, colocando-a na condição de

―imitação da imitação‖, pois as imagens miméticas ―imitavam a própria pessoa e o mundo do

artista, os quais, por sua vez, já eram imitação (sombra e imagem) da verdadeira realidade

original‖. Em via oposta, Aristóteles propõe uma concepção estética da arte e não ontológica

como sugeria Platão, ―não significando mais imitação do mundo exterior, mas fornecendo

possíveis interpretações do real através de ações, pensamentos e palavras, de experiências

existenciais imaginárias‖. Destarte, o verossímil passa a ser o critério que possibilita a

autonomia da arte mimética.

Tanto no Renascimento Italiano, como no Classicismo francês, a Poética foi

interpretada sob as pressões ideológicas dos períodos literários. A literatura do século XVIII

se, por um lado, manifestava-se totalmente infensa aos exageros barrocos, por outro, era,

também, adversa à pressão avassaladora do racionalismo burguês. Portanto, o retorno às

prerrogativas humanas do Renascimento, como única opção (uma vez que podemos

configurá-la como tese deste processo dialético), combinada com a crise de confiabilidade nas

instituições, que pode ser sintetizada na tese de Rousseau: o homem nasce bom, mas a

sociedade o corrompe, despertou o desejo de fuga para a natureza. É resgatada, pois, a

saudosa Arcádia, lugar da Grécia antiga, habitada por pastores, verdadeiro paraíso na terra. A

Page 27: BRUNA MARCELO FREITAS

24

imitação da natureza tornou-se o supra-sumo dos valores estéticos. Em outras palavras, o

conceito de mímesis ficou reduzido e limitado à representação da natureza.

Aristóteles não chegou a definir precisamente o termo, mas deixou indicações que

apontam para um mesmo sentido: a mímesis consiste na imitação do homem com seus

sentimentos e paixões sem se reduzir a uma cópia servil, acentuando os traços essenciais e

permanentes, mas a crítica do século XVIII entendeu nisto a supressão do grosseiro ou

desagradável e idealizou o modelo a ser seguido. Prossegue o gosto herdado dos humanistas

renascentistas em imitar os gregos e latinos, mas agora numa atitude mais racionalmente

justificada. Já que os autores apresentam a natureza ideal e perfeita, sua imitação se identifica

com a própria imitação da natureza. Para o espírito neoclássico não tinha nenhum valor a

idéia de originalidade que se tornaria tão importante aos românticos e aos modernos.

A mímesis, conforme identificamos na concepção aristotélica, não se submete à

imitação de um modelo, mas deixa espaço para a criação, mesmo pautando-se em uma dada

realidade.

Como aqueles que imitam imitam pessoas em ação, estas são

necessariamente ou boas ou más (pois os caracteres quase sempre se

reduzem apenas a esses, baseando-se no vício ou na virtude a distinção do

caráter), isto é, ou melhores do que somos, ou piores, ou então tais ou quais,

como fazem os pintores. (ARISTÓTELES, 2005, p.20).

O caráter maniqueísta da posição aristotélica é compreendido dentro da conjuntura da

realidade clássica. A complexidade do mundo moderno rompe com esta fórmula (bem/mal)

tão facilmente distinta, implicando posições mais dialéticas em relação à complexidade do ser

humano.

Aristóteles, em outro momento, estabelece três maneiras de imitação: ―ou reproduz os

originais tais como eram ou são, ou como os dizem e eles parecem, ou como deviam ser‖.

(ARISTÓTELES, 2005, p.48). Em seguida, considera o pensador

[…] se a censura é de que não se representam os originais quais são, quiçá os

tenham figurado quais deviam ser. Sófocles, por exemplo, dizia que ele

representava pessoas como deviam ser e Eurípides, como eram. Essa a

solução; se, porém, nem como são, nem como deviam ser, a solução é que

―assim consta‖; por exemplo, no que toca aos deuses. Talvez não os façam

melhores, nem como são na realidade, mas como ocorreu a Xenófanes: ―é

como dizem‖. (ARISTÓTELES, 2005, p.49).

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25

Considera erro de arte aquele gerado pela incapacidade do poeta na imitação.

Discutindo isto, aproxima-se da questão da verossimilhança: ―… se o poema encerra

impossíveis, houve erro; mas isso passa, se alcança o fim próprio da poesia … e assim torna

mais viva a impressão causada por essa ou por outra parte do poema‖. (ARISTÓTELES,

2005, p.48).

Observem como o filósofo conduz a questão: ―se alcança o fim próprio da poesia‖, dá

margem para a aceitação daquilo que em princípio seria um erro. É, pois, de se entender

espaço, possibilidade, meio para a criação. Aliás, Aristóteles, ainda no IV capítulo da Poética,

tratando da origem da poesia, já havia se aproximado do problema:

Se a vista das imagens proporciona prazer é porque acontece a quem as

contempla aprender a identificar cada original; por exemplo, ―esse é

Fulano‖; aliás, se, por acaso, a gente não o viu antes, não será como

representação que dará prazer, senão pela execução, ou pelo colorido, ou por

alguma outra causa semelhante. (ARISTÓTELES, 2005, p.22).

Neste ponto, Aristóteles se aproxima, também, do critério fundamental da construção

mimética: a verossimilhança, que para Costa (1992, p.53), ―situa a mimese nas fronteiras

ilimitadas do possível‖. Assim, a questão da verossimilhança é inerente à literatura, já que ―a

obra do poeta não consiste em contar o que acontece, mas sim coisas quais podiam acontecer,

possíveis no ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade.‖ (ARISTÓTELES, 2005,

p.28). A verossimilhança — a partir do Romantismo — passa a se realizar dentro do universo

ficcional, sendo submetida à destreza do escritor. É verdade que os sistematizadores do

classicismo francês, em obediência ao princípio da verossimilhança, como já anunciamos,

excluíam da literatura tudo que se apresentasse insólito, anormal ou capricho da imaginação.

Aristóteles, no entanto, é claro em suas colocações:

Quando plausível, o impossível se deve preferir a um possível que não

convença. As fábulas não se deve compor de partes irracionais; tanto quanto

possível, não deve haver nelas nada de absurdo, ou então que se situe fora do

enredo … quando, porém, o poeta assim o faz [o absurdo] e ela parece mais

verossímil, é aceitável, apesar do insólito; se não, mesmo na Odisséia,

evidentemente não seria de tolerar o que há irracional no desembarque [Os

feácios depõem Odisseu e sua bagagem na costa de Ítaca, sem que ele

desperte.], se o houvesse escrito um autor de inferior categoria; o Poeta,

porém, deleitando-nos com os outros encantos, escamoteia-nos a absurdeza.

(ARISTÓTELES, 2005, p.48).

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Será, pois, a destreza do poeta que tende a tornar verossímil o insólito. Aliás, algumas

páginas antes, Aristóteles já havia se aproximado da questão quando, reportando-se a Agatão,

lembra que ―é verossímil que aconteçam muitas coisas inverossímeis‖. Neste sentido,

esclarece Costa (1992, p.54), ―tudo é verossímil ou possível na mimese, até o inverossímil,

desde que motivado, isto é, simulado como admissível‖.

Rosenfeld (2009, p.20) ao tratar do problema lógico da obra de arte ficcional,

contempla o ponto que estamos desenvolvendo:

Ainda que a obra se distinga pela energia expressiva da linguagem ou por

qualquer valor específico, notar-se-á o esforço de particularizar, concretizar

e individualizar os contextos objctuais, mediante a preparação de aspectos

esquematizados e uma multiplicidade de pormenores circunstanciais, que

visam a dar aparência real à situação imaginária. É paradoxalmente esta

intensa aparência de realidade que revela a intenção ficcional ou mimética.

Graças ao vigor dos detalhes, à veracidade de dados insignificantes, à

coerência interna, à lógica das motivações, causalidade dos eventos etc.,

tende a constituir-se a verossimilhança do mundo imaginário. Mesmo

sem alguns destes elementos o texto pode alcançar tamanha força de

convicção que até estórias fantásticas se impõem como quase-reais. [Grifos

nossos].

Esses elementos são, portanto, de importância capital na constituição do ―mundo

imaginário‖ que está condicionado à destreza ou talento do artista. Todo esse conjunto de

aspectos esquematizados e pormenores circunstanciais contribuem para dar a impressão do

real, garantindo a verossimilhança do universo narrado. Caso recaia em erro ao configurar

esse mundo imaginário, contrariando muitos desses aspectos, o artista pode comprometer o

texto, tornando-o inverossímil.

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3. A ESTRUTURA DO ENREDO, A DINÂMICA DA CRIAÇÃO DAS

PERSONAGENS E A POSIÇÃO DO NARRADOR

O romance apresenta no próprio título, Luz e Sombras, a antítese maniqueísta que

impulsiona a narrativa: à Luz está a família de Nelson, extremamente católica, representante

da caridade, da bondade e da ordem; às Sombras, o estrangeiro português D. Amarante,

amante fidedigno da maçonaria, com o seu ímpeto de aniquilar o catolicismo, exemplo de

toda maldade, desordem e desequilíbrio. E são os conflitos humanos entre esses dois pólos

opostos, gerados pela fé e pela religião, que constituem o núcleo de ação dramática da

narrativa. O tema central é antimaçônico.

O estilo de Luz e Sombras, de acordo com Nadaf (2002, p.187), ―funde o Romantismo

à estrutura folhetinesca e, assim, descrições líricas se misturam à intriga veloz de suspenses e

tragédias [...].‖ De fato, notamos que o referido romance movimenta-se em espaços descritos

com acentuado lirismo (é o caso da estância tão adorada por Clarinda), onde ocorrem

desilusões e mortes (é nessa mesma estância da família que os pais de Clarinda morrem).

A obra se constitui de vinte quatro capítulos irregulares. Os parágrafos curtos sugerem

prosa poética. Realmente, há momentos felizes, pelo teor da informação operando quebra

rítmica, às vezes, bastante oportuna entre sumário e cena.5 A narrativa se adéqua ao esquema

da narrativa tradicional (cujas fases foram classificadas pelo romancista inglês Hanry James

como apresentação, complicação, desenvolvimento, clímax e desenlace) que se desenrola a

partir de uma situação inicial (equilíbrio). Pela motivação de algum acontecimento, essa

situação inicial sofre um desequilíbrio e assim por diante. As sucessivas situações acabam

trazendo uma conseqüência daquela motivação desequilibradora. Chega-se, então, a uma

situação final, que corresponde a outro equilíbrio. Temos, no primeiro capítulo, perfeitamente

um sumário com descrição do espaço e apresentação das personagens. Isto, aliás, se repetira

em todos os capítulos e subcapítulos. Sumário que rapidamente deságua para a cena, com

muito discurso direto (não há circunspecção nas personagens), mas que não inibi o narrador

intruso, configurado, conforme Genette (s.d., 253-7), como função ideológica, o que não é

indicado. Deve, sim, o narrador reduzir o seu papel6 como, aliás, Aristóteles recomendava:

―após breve preâmbulo, introduz logo um homem, uma mulher ou alguma outra figura,

5 ―Sua vista pairava além da abobada pelo espaço longínquo e azul...‖ (BARROS, 2008, p.49).

6 O máximo em matéria de exclusão do narrador seria o modo câmera de que fala Friedman.

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28

nenhuma despersonalizada, todas com o seu caráter‖. (ARISTÓTELES, 2005, p.47). Temos

então o bondoso Nelson, cuja quinta "assente no lado mais aprazível da cidade de X"

(BARROS, 2008, p.47). Não se poupam adjetivos laudatórios ao espaço e às personagens:

"grande rio", "verdes campinas", "águas cristalinas", "formoso jardim". Ou seja, idealização

extrema. E ainda, o bondoso Nelson, 60 anos, casara-se com "a mais virtuosa das moças da

cidade". Avança cobrindo de rasgados elogios os filhos desse "abençoado matrimônio":

Flávio, Cristovão e Clarinda. "Era uma família que se salientava pelas suas peregrinas

virtudes", notadamente a caridade.

De fato, narrador intruso, que não se contenta em transferir discurso às personagens e

levanta comentários em prol de suas próprias convicções. E, por vezes, seus personagens

repetirão palavras e termos do narrador, em discurso direto (o indireto livre seria uma

possibilidade de entrelaçar os comentários à ação) como faz Nelson, no segundo capítulo "As

vagas": "vagas", "senhor das alturas", "terrível seita", "crimes abomináveis", "escândalos

enormes". O narrador imprimirá forte adjetivação condenatória quando se refere à maçonaria

e laudatória quando se refere ao catolicismo, como já anunciamos. Os representantes dos dois

segmentos do enredo ficam extremamente estereotipados. No capítulo, por exemplo, "O

Salteador", este, confessa-se "mal".7 Há o lado bom do enredo que é extremamente bom e o

lado mal, também, é extremado neste sentido. Há, também, um claro reconhecimento do bem

por parte da ala má do enredo e a insistência pelo mal. Não podemos ignorar a

inverossimilhança desta situação. Maniqueísmo primário, uma vez que a experiência mais

superficial da vida não identifica as situações e pessoas de tal maneira.

As personagens, argumenta Forster (1998, p.45), podem ser criadas em delirante

excitação, no entanto, sua natureza estará condicionada pelo que o romancista imagina sobre

outras pessoas e sobre si mesmo, e, além disso, é modificada por outros aspectos de seu

trabalho. O romancista sabe tudo da personagem, mas

ele pode não querer nos contar tudo o que sabe – muitos dos fatos, mesmo os

que chamamos de óbvio, podem estar ocultos. Mas ele nos dará a sensação

de que, embora a personagem não tenha sido explicada, ela é explicável, e

conseguimos disso uma realidade de tal espécie como nunca teremos na vida

cotidiana. (FORSTER, 1998, p.60).

7 ―– Não é preciso que me pergunteis, senhor, do motivo da minha ousadia. Eu explicarei... Há neste mundo

muita gente má ...

– Entre os quais ...

– Sou eu um deles, – atalhou o sujeito, – fui desgraçado em aceitar uma incumbência vergonhosa para mim‖.

(BARROS, 2008, p.62).

Page 32: BRUNA MARCELO FREITAS

29

É justamente este ponto que queremos argumentar aqui: as personagens de Barros não

são explicáveis.

Retornando ao enredo do romance, o "salteado" fugirá e ocupará a cena um delegado

maçom, para conforto da organização do enredo. Até ai, tudo bem. O narrador não deixa

escapar nenhuma oportunidade para robustecer o conflito, descrevendo-o pejorativamente: ―a

barriga, uma pipa‖; ―chaga crônica nos lábios‖; "bafo pútrido‖ que ―recendia a fumo e

aguardente". (BARROS, 2008, p.72).

Não queremos tomar partido nos pólos que sustentam o enredo, mas a fala da

personagem Dom Amarante é significativa, também, do quadro que queremos iluminar:

A maçonaria trabalha desde muito para derrubar o trono do Brasil. Ela

procura aliança entre as maiores influências do Império. A maçonaria odeia

de morte esta forma de governo em que é um só homem que desfruta as

riquezas d'um país. Ama ela somente a república em que pode mandar e

desmandar e todos os maçons podem comer as expensas do erario [sic]

público. E depois, caríssimo [Flávio], da república é fácil para se chegar a

Anarquia, a mira brilhante da maçonaria. (BARROS, 2008, p.74-75).

A obra oferece infinitas pérolas de profunda estreiteza da concepção do ser, reduzindo

o raciocínio das personagens à lógica pueril, tornando situações e personagens inverossímeis.

No trecho abaixo, a personagem Dom Amarante argumenta como afastará a personagem

Clarinda da sua devoção pelo catolicismo:

– Ora, isto não quer dizer nada [refere-se à devoção da jovem]: são coisas

que facilmente se corrigem. Estou prático do mundo. Lutemos com ela,

façamo-la freqüentar assiduamente bailes, teatros e todos os divertimentos e

verás que logo perderá essas idéias... Verdade é (cá entre nós) verdade é que

a religião eleva o homem. Sem ela a sociedade é nula, mas há conveniência

em empregarmos nossos esforços para varrê-la do coração da humanidade.

(BARROS, 2008, p.101).

Devemos considerar que se, por um lado, é ―o alcance da sua atuação [do autor] como

instrumentos suficientes de registrar o que é reivindicado ou recusado um componente

fundamental do seu nível artístico‖ (ADORNO, 2003, p.58); por outro, ―a relação arbitrária e

deformante que o trabalho artístico tem com a realidade, implica sentimento de verdade‖

(CANDIDO, 2000, p.13), isto é, na ficção literária, por vezes, o insólito, o surpreendente, o

extraordinário torna-se verossímil. Há de se aventar, também que se, por um lado, a concepção

humana que orientou a criação das personagens (Barros) se sustenta numa, podemos dizer,

Page 33: BRUNA MARCELO FREITAS

30

perspectiva maniqueísta; por outro, e talvez por tal maniqueísmo, a inverossimilhança

contaminou o pacto tácito que se estabelece com o leitor.

No século XX, conforme Aguiar e Silva (1997, p. 708), por influências dos estudos da

psicologia, assistiu-se a crise da noção de pessoa, rompendo a coerência de causa e efeito de

uma totalidade coerente, expressa por um eu racionalmente configurado. Conscientizou-se,

pois, que o eu social se afigura uma máscara, "sob as quais se agitam forças inominadas e se

revelam múltiplos ‗eus‘ profundos, vários e conflituantes‖. Ou ainda, como expõe Candido

(2009, p.55-56): ―No ser uno que a vista ou contato nos apresenta, a convivência espiritual

mostra uma variedade de modos-de-ser, de qualidades por vezes contraditórias‖. O que

remete dizer que os seres humanos já não podem ser considerados de modo uniforme e

previsível devido a sua natureza. Eles são misteriosos e inesperados. Por isso a psicologia

moderna aprofundou estudos sobre inconsciente e subconsciente, ―que explicariam o que há

de insólito nas pessoas que reputamos conhecer, e no entanto, nos surpreendem, como se uma

outra pessoa entrasse nelas, invadindo inesperadamente a sua área de essência e de

existência‖.

A personagem, é claro, acompanha este fenômeno. A prosa de ficção, no século XX,

segundo Brait (1993), passa por grande transformação, ocorrendo modificação na concepção

da escritura narrativa de autores como Marcel Proust, Virginia Woolf, Kafka, Thomas Mann,

James Joyce, entre outros. Assim, como se perdeu o phátos da ordem clássica, bem como a

falha trágica que foi substituída por toda sorte de erros. Barros tem um projeto claro e as

personagens servem a tal propósito. Tal recurso é obviamente inócuo. Monteiro (1964, p.14)

argumenta, seguindo o pensamento de Lukács:

a obra que pretendendo-se literária, falseia, a bem das idéias que presume

servir, a lógica dos sentimentos, que ofende a verossimilhança, que atenta

contra toda a experiência para ―demonstrar‖ que a idéia está certa, só pode

contribuir – como tantas vezes tem acontecido – para comprometer aquela e

servir de arma aos adversários, aos quais é fornecida assim uma fácil

argumentação.

Adorno (2003, p.60) observou a presença do narrador no romance moderno (Proust,

Gide, Moedeiros falsos, no último Thomas Mann, no Homem sem qualidades de Musil), em

que "a reflexão subverte a pura imanência da forma". Mas essa reflexão, observa ele,

condenatoriamente, "não tem quase nada a ver com a reflexão pré-flaubertiana. Esta era de

ordem moral: uma tomada de partido a favor ou contra determinados personagens do

romance". A nova reflexão, acrescenta, "é uma tomada de partido contra a mentira da

Page 34: BRUNA MARCELO FREITAS

31

representação, e na verdade contra o próprio narrador, que busca, como um atento comentador

dos acontecimentos, corrigir sua inevitável perspectiva", como é o caso de Barros.

Em virtude dessa ―mentira da representação‖ as personagens de Luz e Sombras são

construídas servindo à perspectiva do próprio autor-narrador,8 o que contraria as próprias leis

do romance.

[...] um romance é uma obra de arte, que se rege por suas próprias leis, que

não são as mesmas da vida diária, e que um personagem de romance é real

quando vive conforme essas leis. Diremos então que Amelia e Emma não

poderiam estar presentes neste auditório porque elas só existem nos livros

que levam seus nomes, só nos mundos de Fielding ou Jane Austen. A

barreira da arte as separa de nós. Elas não são reais porque se parecem

conosco (embora talvez se pareçam, de fato), e sim porque são convincentes.

(FORSTER, 1998, p.86)

É mister refletir, partindo desse ponto de vista, que as personagens de Barros não são

reais, porque, é claro, não se encontram no meio de nós, mas não são reais, porque não são

convincentes, mesmo quando submetidas às leis da arte. É justamente esse caráter

convincente que torna a personagem do romance mais compreensível que a pessoa da vida

real. Para Forster (1998, p.87), ―nos romances, porém, conseguimos conhecer as pessoas

perfeitamente, e, além do prazer normal da leitura, podemos encontrar aqui uma compensação

pela falta de clareza da vida‖. Neste sentido, o romance sugere um conforto que nos é negado

na realidade. No entanto, em Luz e sombra só o que nos resta é o desconforto.

Para Candido (2009, p.59), ―Na vida, estabelecemos uma interpretação de cada pessoa,

a fim de podermos conferir certa unidade à sua diversificação essencial, à sucessão dos seus

modos-de-ser. No romance, o escritor estabelece algo mais coeso, menos variável, que é a

lógica da personagem. [...]‖. E o romance moderno buscou aumentar gradativamente esse

―sentimento de dificuldade do ser fictício, diminuir a idéia de esquema fixo, de ente

delimitado, que decorre do trabalho de seleção do romancista‖. Assim, ao longo do percurso

do romance moderno convencionou-se tratar as personagens de dois modos: 1) como seres

íntegros de fácil delimitação, marcados com traços que os caracterizam; 2) como seres

complicados, cujos traços característicos não os esgotam.

8 Consideramos instâncias diferentes para autor e narrador. No entanto, neste ponto de nossas reflexões,

pensamos adequado o substantivo composto tendo em vista a aproximação explicitada na narrativa: ―Hoje

mesmo, no momento que o humilde autor da ‗Luz e Sombras‘ esgrima a pena traçando estas linhas, um outro

trono desaparece na voragem furiosa do grande cataclismo maçônico: o trono de Portugal‖. (BARROS, 2008,

p.133).

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32

Johnson (apud CANDIDO, 2009, p.61), no século XVIII, realizou a distinção das

personagens em duas famílias: ―personagens de costumes‖ e ―personagens de natureza‖. ―As

personagens de costumes são muito divertidas; mas podem ser mais bem compreendidas por

um observador superficial do que as de natureza, nas quais é preciso ser capaz de mergulhar

nos recessos do coração humano‖. (CANDIDO, 2009, p.61).

Forster (1998, p.91) retomou a distinção, nomeando-as ―personagens planas‖ e

―personagens esféricas ou redondas‖. As primeiras, ―na sua forma mais pura, são construídos

ao redor de uma idéia ou qualidade simples; quando neles há mais do que um fator,

apreendemos o início de uma curva na direção dos redondos‖.

Em Luz e Sombras, percebemos um maniqueísmo que separa nitidamente as

personagens, não dando espaço sequer para se moverem naturalmente na diegese, o que

sugere personagens planas. Dessa forma, em conformidade com seu projeto estético, Barros

cria personagens envoltas de uma simples idéia, tal qual Clarinda, que mesmo jovem sequer

mostra dúvidas ou fraqueza quanto ao ministério que pretende seguir, sendo a representação

de toda a pureza, expressa até no próprio nome da moça. Nas palavras da própria jovem, após

ser interrogada pelo irmão sobre relacionamento amoroso: ―- Como, Cristóvão? Assim me

falas? Ante todas as riquezas do orbe, jamais se ofuscarão os meus olhos. Eles foram

engastados em minha face, para se abismarem na luz da eternidade.‖ (BARROS, 2008, p.80).

De fato, os olhos da protagonista nunca se ofuscaram pelas riquezas mundanas ou qualquer

outra perspectiva. Isso está posto até o fim da narrativa.

Cristóvão mostra-se preocupado com o futuro de sua irmã e contente por sua vocação

religiosa. Mas não teria ele se filiado à maçonaria quando esteve na Europa? As complicações

da diegese são desencadeadas justamente porque o jovem após ter se filiado a essa seita

decepciona-se com seus procedimentos e proclama sua renuncia em órgão católico.

Observemos como ele se justifica à Clarinda:

[...] Tive como já sabes a infelicidade de fazer parte dessa seita maldita,

julgando ser ela como me diziam os hipócritas, tão boa como a religião

cristã. Via-a praticar a caridade, falar em Jesus Cristo com convicção e

eloqüência espantosas. [...] Seduzido por este e outros fatos e pelas palavras

dos meus colegas, entrei na maçonaria. [...] Decorreram meses. Em cada

sessão, me iam surpreendendo aqueles aparatos, aquelas canas misteriosas,

aquele barulho infernal, aquelas revelações, enfim. (BARROS, 2008, p.67).

Em outros termos, Cristóvão desengana-se. Dir-se-ia personagem redonda? Se, por um

lado, houve uma mudança de perspectiva, a personagem de forma alguma se configura

Page 36: BRUNA MARCELO FREITAS

33

surpreendente. O que faz dele personagem plana, pois quando se dá conta de que a maçonaria

não é o que pensava reage energicamente contra os ditames maçons: ―– Fiquei preso de

espanto. E como poderia continuar a fazer parte duma associação semelhante‖ (BARROS,

2008, p.68). O Cristovão cristão não se torna um não cristão. E o desenrolar do enredo nos

mostra um protagonista seguro de sua crença, o filho pródigo que à casa do pai retorna para

honra e glória do Senhor. Há, também, que se acrescentar que a complicação já estava posta,

no que se refere à narrativa primária.9

Dona Branca também se configura personagem plana: ―Nelson tomara por esposa,

havia muitos anos, a mais virtuosa das moças‖. (BARROS, 2008, p.47). Essas palavras

introdutórias do narrador nos dão a imagem que será ratificada até o desfecho da narrativa: ―A

martirizada esposa diante do cadáver do esposo exemplar desmaiou... e, assaltada por síncope

violenta dentro de poucos momentos era cadáver.‖ (BARROS, 2008, p.239). Sem dúvida, a

morte de Branca comprova e salienta esse caráter virtuoso anunciado pelo narrador.

Qualidade esta que está em consonância com Nelson: ―contava sessenta Janeiros. Quando

moço, dedicara-se aos estudos das ciências naturais e sempre se destacou d‘entre os seus

colegas pela eloqüência arrebatadora e, mormente pelos bons costumes.‖ (BARROS, 2008,

p.48). Personagem plana, haja vista que jamais fugirá aos bons costumes, mesmo após ter sido

ferido pelo próprio filho, o Flávio acompanhado de Amarante:

- Chegou a minha última hora. Quanto sinto de não ter aqui um sacerdote

para eu fazer-lhe a minha última confissão. Mas, graças a Deus, há seis dias

confessei-me, sinto-me de consciencia tranquilla [sic] e espero que Deus me

abrirá as portas do céu... Mulher carinhosa, filhos extremados, lembrai-vos

das promessas que na quinta me fizestes? Cumpri-as fielmente. Ficai

consolados, eu vou partir... orai por mim... Eu perdôo mil vezes aqueles

ingratos, os perdôo de coração e perdoai-vos também e perdoai-me alguma

falta que tenha cometido para convosco. (BARROS, 2008, p.238).

Nelson procede como um bom cristão, assim como o fizera ao longo de sua vida.

Tanto a sua morte quanto a de sua mulher só vem confirmar de forma gloriosa a nobreza do

caráter de ambos. Forster (1998, p.77) contribui ao refletir sobre os fatores mais importantes

da vida humana, dentre eles a morte:

O tratamento dado à morte, por outro lado, nutre-se muito mais da

observação, e sua maior variedade indica que o romancista a considera

congenial. Primeiro porque a morte sempre pode oferecer um bom desfecho

para um livro, mas também pela razão mais óbvia de que, trabalhando no

9 Conforme Genette (s.d.), aquela a partir da qual houve antecipações ou recuos, isto é, anacronias

Page 37: BRUNA MARCELO FREITAS

34

tempo, parece-lhe mais fácil partir do que se ignora do que da obscuridade

do nascimento em direção ao já conhecido. Quando seus personagens

morrem, ele os compreende e pode ser ao mesmo tempo coerente e

imaginativo acerca deles – o que é a mais forte das combinações. [Grifos

nossos].

A morte garante essa coerência do casal, permitindo melhor compreendê-lo. Por outro

lado, os antagonistas Flávio e Amarante também morrem. Flávio não suporta o peso da

lembrança de ter assassinado o próprio pai e suicida-se, e Amarante por desconhecimento da

natureza venenosa do leite da mangabeira que bebeu também falece. Temos novamente o

contraste maniqueísta: os protagonistas ao morrer dirigem-se ao céu enquanto os antagonistas

desfalecem rumo ao inferno. Assim, não podemos deixar de notar que as mortes dos

antagonistas soam como espécie de punição pelos males que causaram, pelos pecados que

cometeram.

Neste preâmbulo, convém destacar Amarante, maçom convicto, que veio para o Brasil

com Flávio com a missão de matar Cristóvão. Personagem plana, sem dúvida, pois sua

imagem é constituída em torno de uma idéia simples: destruir o cristianismo para supremacia

da maçonaria. Objetivo este que o acompanhará ao longo de sua vida. É o que notamos após

sua morte, na reflexão que expõe o narrador:

Pago pela maçonaria, fingiu-se padre em alguns países para escandalizar o

povo com os seus perversos costumes de maçom.

Após um delito fugia para os antros maçônicos ou se disfarçava para se pôr a

salvo das mãos da justiça; mareou reputações ilibadas cobriu de luto muitas

famílias; sorriu com as proezas do punhal; deixou muitos órfãos sem pão,

sem abrigo, brandiu a gazua com singular perícia; fez do anticlericalismo sua

política, e espalhou a corrupção tanto quanto pode e agora, jaz por terra

como um cão vitimado pela peste! (BARROS, 2008, p.248).

À exceção desse esquema de construção de personagens planas, por excelência, está

Flávio, que se pretende redondo, isto é, personagem quando construído ao redor de mais de

um fator. Conforme Forster (1998, p.100), o teste para um personagem redondo ―é se ele é

capaz de nos surpreender de maneira convincente. Se ele nunca nos surpreende, é plano‖. Ou

ainda, nas palavras de Ruffato (2004, p.12) no prefácio de Aspectos do Romance: se a

personagem ―não convence, é plana pretendendo ser redonda‖. Desse modo, Flávio não pode

ser considerado uma personagem redonda, pois ele surpreende, mas não de maneira

convincente. Ele discorda em cumprir a incumbência maçônica de matar seu próprio irmão,

em consequência, é ferido por Amarante, seu hospede maçom. Recuperado de seu ferimento e

sob pressão do companheiro maçom, Flávio resolve cumprir a missão que lhe dera a

Page 38: BRUNA MARCELO FREITAS

35

maçonaria. Percebemos aqui o problema da verossimilhança no romance, que segundo

Candido (2009, p.55), ―depende desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo

uma criação fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial‖. A

inverossimilhança compromete a tentativa de construir uma personagem redonda. De fato, é

uma personagem plana com intenção a ser redonda.

Notamos que Barros não consegue incorporar ao romance, personagens mais

complexas, ou seja, todas as personagens de Luz e Sombras são planas. O que não é

recomendado a um romance de maior complexidade. Para Forster (1998, p.94) ―[...] o

romance mais complexo por vezes requer gente plana tanto quanto gente redonda [...]‖. Dessa

forma, a composição de personagens planas empreendida por Barros, adéqua-se à perspectiva

que estamos desenvolvendo, na qual sustentamos que o criador de Luz e Sombras tenta

construir um mundo fechado, na busca de reiterar a imanência do sentido da vida, de restituir

o velho círculo da era da epopéia, no qual as personagens eram vistas em sua inteireza como

unidade coerente.

Barros recorrerá a um forte maniqueísmo para sustentar esse universo harmonicamente

coerente, colocando os antagonistas em uma posição extremada: gananciosos iludidos com o

desejo de obter dinheiro. Dedicavam-se à maçonaria porque a consideravam vantajosa

financeiramente, assim como para exercer o poder de dominação advindo do poderio

econômico. Mesmo conscientes das catástrofes e sofrimentos que podem causar cumprindo as

ordens da seita, submetem-se a realizá-las para ascensão própria. A questão levada à cabo,

mostra descaradamente a lógica capitalista como base da decisão dos antagonistas, e isso nos

parece um tanto inverossímil já que as personagens estão cônscias de seus destinos.

Atentemos às palavras de Flávio dirigidas a Amarante: ―[...] Sacas o teu punhal, vil

estrangeiro e acaba de cortar o fio da minha existência nociva. E irei para o inferno conviver

com os maus!‖ (BARROS, 2008, p.246).

Oportuno acrescentar quanto às personagens, que são as mãos de Barros que as agitam

e transmitem ao leitor a sensação enganosa de profundidade. O autor constrói personagens

que podem ser classificadas na terminologia de Forster10

como tipo, isto é, uma subespécie

das personagens planas que atingem o auge da peculiaridade sem vir a deformar-se.

Entretanto, de acordo com o teórico (1998, p. 96), ―[...] Um personagem sério ou trágico que

seja plano tende a ser um tédio. [...]. Só as personagens redondas foram feitas para atuar

10

Forster divide as personagens planas em tipo e caricatura. Personagem tipo não atinge deformação, mas

alcança o cume da peculiaridade; já a personagem caricatura leva uma qualidade ou idéia ao extremo, causando

distorção, sendo comumente empregada na sátira.

Page 39: BRUNA MARCELO FREITAS

36

tragicamente por qualquer extensão de tempo, e só elas podem despertar em nós quaisquer

sentimentos que não sejam o de humor e o de adequação‖. Esse sentimento de ―adequação‖ é

o que será suscitado no leitor de Luz e Sombras, que possibilitará tomar a narrativa como

espécie de profecia. Neste sentido, Forster (1998, p.139-140) contribui novamente dando-nos

uma definição dessa ferramenta da ficção: ―A profecia [...] é um tom de voz. Pode implicar

qualquer uma das crenças que têm obcecado a humanidade – cristianismo, budismo,

dualismo, satanismo, ou a mera elevação do amor e do ódio humanos a uma tal potência que

deixam de caber em seus recipientes normais‖. E o aspecto profético requer do leitor dois

requisitos fundamentais: a ―humildade‖, pois sem ela não seremos capazes de ouvir a voz do

profeta e passaremos a vê-lo como figura cômica em vez de gloriosa; e a ―suspensão do senso

de humor‖. Desse modo, não poderemos olhar as personagens de Luz e Sombras sem relevar

esses dois aspectos, do contrário, não compreenderíamos o projeto artístico de Barros, que

tem uma base profética. Para que a profecia se cumpra, o autor de Luz e Sombras não se

exime de controlar severamente as personagens, o que não é recomendado:

Os personagens aparecem quando são evocados, mas cheios de um espírito

de rebeldia. Por terem tão numerosos paralelos com pessoas como nós

mesmos, tentam viver suas próprias vidas e, em conseqüência,

freqüentemente incorrem na traição do esquema principal do livro.

―Escapolem‖, ficam ―fora de controle‖; são criações dentro de uma criação,

muitas vezes destoando dela; se receberem completa liberdade, destroçam o

livro; se forem mantidas com demasiada severidade, vingam-se morrendo, e

destroem-no por decomposição interna. (FORSTER, 1998, p.90).

Esse rígido controle das personagens, privando-as de qualquer liberdade, conduz ao

fracasso da obra, na medida em que ela vai apresentando tantas contradições que já não se

torna mais sustentável do ponto de vista mimético e da verossimilhança. Daí, a degradação do

romance por ―decomposição interna‖, por falta de uma lógica ficcional.

Segundo Monteiro (1964, p.26), o romancista oferece sua visão de uma realidade que

é demasiada complexa para se esgotar em uma só interpretação, mas ―sabemos reconhecer

quando há verdade em um romance‖ pela ―expressão viva‖ da sociedade e do indivíduo:

acontecimentos e figuras humanamente verossímeis, a autenticidade do homem e não a

autenticidade do fato.

Luz e Sombras não traz essa ―expressão viva‖: tanto os fatos quanto as personagens se

apresentam inverossímeis e nada autênticos. É certo que os fatos não hão de carecer de

autenticidade, como observou Monteiro, mas também não devem violentar a própria

realidade, deformando-a exageradamente, tal como o faz Barros.

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37

4. O ESPAÇO ENQUANTO HOMOGENEIZAÇÃO DO MUNDO: FUNÇÃO E

AMBIENTAÇÃO

Argumentamos, anteriormente, como Barros submete as personagens as suas intenções

ideológicas e o prejuízo que isto representa à arte. Mas não são apenas as personagens

sacrificadas neste sentido. O espaço acaba, também, refém do autor. Como argumentamos,

anteriormente, também, a totalidade do romance se efetiva pela forma, uma vez que se perdeu

a totalidade imanente inerente a apopeia. Em Luz e sombras, no sentido da homogeneização

(fechamento), Barros, também, utilizará o espaço. Algo fechado há de ser mais perfeito,

porque nada remete a algo exterior mais elevado.

Totalidade do ser só é possível quando tudo já e homogêneo, antes de ser

envolvidos pelas formas, quando as formas não são uma coerção, mas

somente a conscientização, a vinda à tona de tudo quanto dormitava como

vaga aspiração no interior daquilo a que se devia dar forma; quando o saber

é virtude e a virtude, felicidade; quando a beleza põe em evidência o sentido

do mundo. (LUKÁCS, 2000, p.31).

No entanto, tal totalidade do ser, que não remete a algo mais elevado, não cabe a nossa

realidade, cuja configuração estética é representada pelo romance em que a totalidade

extensiva da vida não é mais evidente e a imanência do sentido tornou-se problemática. O

espaço na narrativa de Luz e sombras refletirá a composição das personagens. Se estas, como

argumentamos, foram sacrificadas, o espaço reflete esta contingência da obra.

4.1. Funções do espaço e ambientação

No todo que compreende a narrativa, espaço e tempo se ligam intrinsecamente: ―[...]

Mergulhados, pois, no espaço e no tempo, movendo-nos despreocupados no espaço e no

tempo, sendo nós próprios espaço e tempo, experimentamos a sensação de invadirmos uma

região minada por inumeráveis armadilhas, ilusões e equívocos quando nomeados.‖ (LINS,

1976, p.63).

Tratando-se de narrativa, não somente espaço e tempo são indissociáveis, como aponta

Osman Lins (1976, p.64):

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38

A narrativa é um objeto compacto e inextrincável, todos os seus fios se

enlaçam entre si e cada um reflete inúmeros outros. [...] o estudo do

tempo ou do espaço num romance, antes de mais nada, atém-se a esse

universo romanesco e não ao mundo. Vemo-nos ante um espaço ou um

tempo inventados, ficcionais, reflexos criados do mundo e que não raro

subvertem – ou enriquecem, ou fazem explodir – nossa visão das coisas.

[Grifos nossos].

Apesar dessa estreita conexão entre todos os fios da narrativa, o estudo de seus

elementos pode sistematizar-se separadamente, como esclarece o próprio Lins (1976, p.63-

64):

Pode-se apesar de tudo, isolar artificialmente um de seus aspectos e estudá-

lo - não, compreende-se, como os demais aspectos inexistem, mas

projetando-o sobre eles: neste sentido, é viável aprofundar, numa obra

literária, a compreensão do seu espaço ou do seu tempo, ou, de um modo

mais exato, do tratamento concedido, aí, ao espaço ou ao tempo: que função

desempenham, qual a sua importância e como os introduz o narrador. (LINS,

1976, p. 63-64).

O romance, como toda a narrativa, evoca um universo situado em espaço e tempo

determinados e inventados, sendo que neles, ―em estreita conexão com o modo de ser das

personagens, com as relações que estas mantêm entre si e com o meio, são figurados

acontecimentos dispostos numa certa ordem seqüencial e apresentados segundo técnicas

narrativas muito variáveis.‖ (AGUIAR E SILVA, 1974, p.41).

Muitos teóricos buscaram estabelecer algumas distinções em relação à composição da

narrativa. Todorov (apud AGUIAR E SILVA, 1974, p.43), por exemplo, diferencia a história,

a realidade evocada que poderia ser transmitida por outras formas de linguagem, do discurso,

o modo pelo qual o narrador relata os acontecimentos. Entretanto, Aguiar e Silva (1974, p.43-

44) adverte-nos:

Ora a diegese não tem rigorosamente existência autônoma: ela não

preexiste à instância narrativa como um dado de facto, passível de ser

transposto para o plano da criação artística mediante qualquer linguagem

narrativa (romance, novela, filme, banda desenhada, etc.). Ela só adquire

existência através do discurso de um narrador e por isso essa existência

é indissociável da natureza e dos caracteres técnicos desse discurso.

[Grifos nossos].

Considerando esse caráter de unidade da diegese, podemos inferir que o romance não

se limita a uma sintagmática da narrativa, mas que envolve caracteres técnicos inerentes ao

Page 42: BRUNA MARCELO FREITAS

39

discurso do narrador. Assim, dentre eles, destaca-se a descrição como procedimento

imprescindível na composição do romance, como expõe Aguiar e Silva (1974, p.47):

Todo o romance compreende um número maior ou menor de descrições. A

descrição, que tem por função representar personagens, objectos e aspectos

vários do espaço geográfico e histórico-sociológico, constitui uma pausa ou

uma síncope na sintagmática da narrativa. (...) a verdade é que pode

facilmente encontrar-se uma descrição isenta de elementos narrativos, ao

passo que é muito difícil, senão impossível, existir um enunciado narrativo

que não ofereça, por mínimo que seja, um conteúdo descritivo.

Notamos que a descrição é o principal instrumento utilizado para representar o espaço

em que se passa a diegese, como é o caso dos romances realistas e naturalistas que se

preocupam, sobretudo, em figurar o meio, fazendo uso freqüente das descrições. Há romances

de cunho declaradamente realista em que o espaço ganha destaque como em Vidas Secas, que

além de ser um romance social, é também um romance de espaço.

Há casos, inclusive, em que o próprio espaço se torna personagem, conforme Gatto

(2009, p.92) identifica no romance Matrincha do Teles Pires de Luiz Renato de Souza Pinto:

"O tratamento à espacialidade, envolvida pelas reminiscências, sugere a prioridade pelo

inconsciente coletivo. Isto corresponde dizer que a grande personagem do livro é a cidade

que, neste sentido, coerentemente, titula a obra".

Desse modo, devemos visualizar o espaço romanesco em sua acepção mais ampla, nas

palavras de Osman Lins (1976, p.72):

[...] o espaço, no romance, tem sido – ou assim pode entender-se – tudo que,

intencionalmente disposto, enquadra a personagem e que, inventariado, tanto

pode ser absorvido como acrescentado pela personagem, sucedendo,

inclusive, ser constituído por figuras humanas, então coisificadas ou com a

sua individualidade tendendo para zero.

Nesta perspectiva, observamos a existência de uma estreita ligação entre personagem e

espaço, sendo tarefa do leitor identificar ―onde se passa uma ação narrativa, quais os

ingredientes desse espaço e qual sua eventual função no desenvolvimento do enredo‖.

(DIMAS, 1994, p.6).

Osman Lins, com Lima Barreto e o espaço romanesco, presta-nos contribuição

importantíssima, quanto ao estudo do espaço na narrativa. Foi ele que esclareceu a diferença

de espaço e ambientação:

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40

Por ambientação, entenderíamos o conjunto de processos conhecidos ou

possíveis, destinado a provocar, na narrativa, a noção de um determinado

ambiente. Para a aferição do espaço, levamos a nossa experiência do mundo;

para ajuizar sobre a ambientação, onde transparecem os recursos expressivos

do autor, impõe-se um certo conhecimento da arte narrativa. (LINS, 1976,

p.77).

O que implica dizer que a ambientação compreende um quadro significativo que

envolve o espaço puro e simples (casa, fazenda, quarto etc.). Osman Lins (1976) sistematizou

três tipos de ambientação: franca, reflexa e dissimulada ou oblíqua. A franca se dá quando

um narrador, que não participa da ação, simplesmente descreve o ambiente: ―[...] o narrador

(nomeado ou não) observa o exterior e verbaliza-o, introduzindo na ação um hiato evidente‖.

(LINS, 1976, p.80). Este tipo de descrição pausa a ação. Na ambientação reflexa, o narrador

acompanha a perspectiva da personagem numa visão interna e com-partilhada (visão-com de

Poillon), com discurso indireto livre. Por fim, a ambientação dissimulada configura-se na

personagem ativa, por meio do enlace entre espaço e ação: ―atos da personagem, nesse tipo de

ambientação, vão fazendo surgir o que a cerca, como se o espaço nascesse dos seus próprios

gestos‖. (LINS, 1976, p.84). Este tipo de ambientação não se restringe à reconstituição do

ambiente, ou seja, a descrição, mas sempre está expressa em ações, resultando em agilidade

quanto ao fluxo da narrativa.

Percebemos que esses três tipos de ambientação estão presentes em Luz e Sombras,

contribuindo para construção do universo narrativo. O que nos ajuda a pensar o espaço e a

personagem, bem como a relação entre ambos que se estabelece e se justifica no projeto

artístico de Barros.

Em Luz e Sombras, a ambientação franca se faz constante. O narrador onisciente

(heterodiegético e intruso) se farta em longas descrições, alimentando a perspectiva antitética

e maniqueísta. No capítulo ―A floresta‖, o narrador, mergulhará em detalhes, louvando os

―prodígios da natureza‖:

Quando do nada a mão do Criador tirou os dotes para cada uma plaga,

parece ter se levantado para essa banda e ter dito: - Tu, bem dita região, estás

destinada a ser uma das mais sobranceiras deste continente que abençôo;

levantem-se do teu solo gigantesca florestas que dominem todas as vizinhas

e se emparelhem ás mais altas do globo! (BARROS, 2008, p.207).

E avançará, para as matizes de cores, detalhes da flora etc.

Em algumas situações em que a emoção toma conta das personagens, percebemos a

ambientação reflexa. No capítulo ―Ao clarão da lua‖, ocupa-se, o narrador, em discurso

Page 44: BRUNA MARCELO FREITAS

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indireto livre, descrever detalhadamente o espaço e a reação de Clarinda frente a esse

espetáculo do céu:

Era hora de profundo silêncio, e Clarinda tinha os olhos cravados nesse céu

reclamado de estrelas...

A via-láctea parecia mais lúcida que nunca e um lençol branco, tão branco

como a neve ou como brocados de finíssima cambraia, alargava-se

paulatinamente para o Sul. A Síria, linda e viva, parecia circundada por

pequenas camadas de fino algodão e a lua, princesa alvinitente da noite

estava sobremaneira esplendente. [...].

Exército de constelações surgia pouco a pouco com uma ordem admirável,

açoitando os bulcões mais além. A moça, permanecia imóvel, ante esse

espetáculo portentoso da natureza. Seu rosto parecia nevado por se achar

banhado do imenso clarão da lua, sua cabeleira negra luzia como o macio

veludo da crista do mutum e seu porte imponente revelavam uma cismadora

extasiada com o amor a cantar no coração. (BARROS, 2008, p.97-98).

A declaração de Clarinda evidencia o estilo romântico na medida em que nos permite

conhecer a personagem em toda a sua sensibilidade. Em outros termos, a ambientação reflexa

possibilita-nos uma leitura da personagem, sem a interrupção constante do narrador, mesmo

que se faça por meio dele.

Não podemos deixar de notar, por ser uma realização estética muito importante no

conjunto da obra, que ―as vidas e os sofrimentos das personagens desintegram o espaço

natural‖. (VILALVA, 2008, p.40). Trata-se da ambientação dissimulada. É o que

percebemos após a morte do casal, no outro dia:

Rompeu o dia.

A natureza parecia vacilar.

Nem um trinado das aves se ouvia, nem uma folha se movia nos prados.

Os astros, descrevendo o giro por entre as plúmbeas nuvens, eclipsou-se.

Tudo era triste. (BARROS, 2008, p.239).

Assim, vemos o espaço deixar a sua fisionomia natural, ―o espaço faz-se matéria-

palavra: sintoma da dor e da crueldade, sofrimento e tristeza. O tempo e espaço fazem-se

sombras. E pouco é o tempo da luz, o tempo da ordem, quiçá o tempo do começo de tudo‖.

(VILALVA, 2008, p.40).

Para além da terminologia de Lins, o narrador, também, tomará o espaço como

justificativa para o seu intento ideológico, por meio de incursões à mente das personagens.

Substituirá, pois, o travessão pelas aspas. É o que se dá quando Clarinda se depara com o sítio

em que foram enterrados os seus avôs.

Page 45: BRUNA MARCELO FREITAS

42

―Amo este sítio saudoso beijado pelas auras mansas‖.

―Amo os tepes viridantes d‘além e a lençaria cambiante desses vergeis tão

ledos‖.

―Amo a paisagem que o matagal tece por ali, circundando a lagoinha

encantada e também estas várzeas que para o Oeste se desfraldam, ataviadas

de tão lindas flores que nem o pincel de Rafael as pode pintar‖.

―Amo os cinéreos pombos que arrulham, a cotovia de vaporosas plumas que

por ali voejam e o seu gazear ameno é para o meu pobre coração o que são

para um ermo longíquo e triste as ternas notas de afinado bandolim‖.

―Amo as tardes tão lindas como esta primavera, amo este vistoso céu! O sol

que se abisma nas rampas ocidentais, apavorando os ápices dos crivosos

penedos que se erguem nos vales‖. (BARROS, 2008, p.203).

Há situações em que a paisagem funciona como uma espécie de personagem. Desse

ponto de vista, ―além do comando da espacialidade, que é a sua especificidade, ela é um

figurante participativo que acompanha as demais personagens, interagindo com os seus

estados anímicos, ou lhes servindo de suporte para o convívio com criaturas amigáveis [...]‖

(MOTTA, 2006, p.136). É o que se dá com Cristóvão no momento em que um grupo de

homens captura-o e o levam para a barca com a intenção de matá-lo: ―no mesmo instante, um

trovão furibundo quebrou o silêncio do ar e um tufão impetuoso surpreendeu a barca, cujo

cortinado começava a se agitar desordenadamente‖ (BARROS, 2008, p.54-5). Dentre os

tripulantes apenas Cristóvão sobreviveu. A natureza acaba por se constituir um elemento a

favor do bem, sob égide do divino. Como admite o próprio maçom D. Amarante quando se

extasia frente à natureza: ―─ Esta bendita região é um poema divino!‖ (BARROS, 2008,

p.208).

Estamos diante de uma atmosfera resultada pela exaltação da natureza que se

configura na expressão de Deus. Atmosfera que não se confunde com o espaço. Cabe-nos

esclarecer tal terminologia, literariamente falando:

Diremos, finalizando, que a atmosfera, designação ligada à idéia de espaço,

sendo invariavelmente de caráter abstrato – de angústia, de alegria, de

exaltação, de violência etc. – consiste em algo que envolve ou penetra de

maneira sutil as personagens, mas não decorre necessariamente do espaço,

embora surja com freqüência como emanação deste elemento, havendo

mesmo casos em que o espaço justifica-se exatamente pela atmosfera que

provoca. (LINS, 1976, p.76).

O estrangeiro D. Amarante se serve de uma atmosfera que é proporcionada pelo

espaço físico: a natureza. E essa atmosfera de exaltação é tão intensa que suscita a confissão

do próprio D. Amarante quanto a sua crença:

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─ Sou maçom e ninguém conhece a minha hipocrisia. Em público, desminto

a existência de Deus, mas aqui, no íntimo, uma voz eterna murmura

incessantemente: ―Creio, creio em Deus‖... E o creio mesmo, Flávio. Não

vejo, é verdade, mas contemplo sua obra grandiosa, vejo o prodígio soberbo

de suas mãos. E que prodígio contemplo neste momento! Oh! Esta bendita

região é um poema divino... (BARROS, 2008, p.209).

A atmosfera provocada pelo espaço nos revela a incoerência do antagonista: pratica a

crueldade e crê em Deus que como sabemos é a representação pelo que entendemos por bem.

A complexidade (inverossimilhança) da personagem D. Amarante se acentua ao passo que,

desesperado em concretizar os seus ideais, chega a pedir ajuda a Deus quando se encontra na

sala da casa da família frente a símbolos religiosos (o crucifixo, o quadro da santa ceia e a

Bíblia): ―Mas, Senhor, tens governado o mundo desde a sua aurora, há quase seis mil anos e

não basta? Tem compaixão da maçonaria, cede-nos as rédeas do governo do orbe, ainda que

por um ano, um mês, um dia mesmo...‖ (BARROS, 2008, p.140). Temos, neste discurso de

exaltação suscitado pelo espaço, pela contradição do pedido, uma atmosfera de ironia.

Decerto, por um lado, tal ironia não estava nas intenções de Barros; mas, por outro, há uma

explicação ao fenômeno se adentrarmos ao ―espaço social‖, conforme a definição de Lins

(1976, p.74):

Como nomearíamos, senão assim, certo conjunto de fatores sociais,

econômicos e até mesmo históricos que em muitas narrativas assumem

extrema importância e que cercam as personagens, as quais, por vezes, só em

face desses mesmos fatores adquirem plena significação?

No caso do romance de Feliciano Galdino de Barros, a sociedade européia da época

constitui um espaço social, bem como o Brasil propriamente dito, em virtude desse conjunto

de fatores sociais. A Europa do início do século XX era uma sociedade amplamente

desenvolvida tecnológica e industrialmente (Racionalismo e Positivismo), preocupada em

exercer seu poderio para além de seus territórios. Para tanto, utilizava-se do conceito de

ciência. Por isso, D. Amarante carrega as idéias maçônicas considerando-as modernas e

denigre o catolicismo como sinônimo de atraso. A maçonaria carrega como uma marca essa

preocupação com o desenvolvimento intelectual desde sua origem na Idade Média. Utiliza-se

do lema ―Liberdade, Igualdade e Fraternidade‖ e da crença a Deus, atuando sigilosa e

secretamente. Os efeitos do rompimento ao juramento feito à seita é uma incógnita

(advertência ou punição mais pesada) e Feliciano Galdino de Barros, em Luz e Sombras,

atentou-se a essa temática, inserindo-a como leit motiv.

Page 47: BRUNA MARCELO FREITAS

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Apesar dos maçons alegarem não integrarem uma organização de cunho político,

conforme Tenório de Albuquerque, em sua obra Sociedades Secretas (1970), a maçonaria

ficou conhecida por tentar se envolver com as ações dos grandes líderes mundiais a fim de

assumir o controle da situação e dominar o panorama social e político. No entanto, seus

membros nunca se identificavam como tais e agiam sorrateiramente. A maçonaria nunca

esteve ausente dos importantes acontecimentos históricos do Brasil. É notório que a

proclamação da independência, a libertação dos escravos, a proclamação da República, os

grandes eventos de nosso país foram fatos organizados dentro de suas lojas. O antagonista D.

Amarante deixa bem claro a posição maçônica favorável à República, enquanto que o

narrador mostra explicitamente o seu posicionamento monárquico. Em outras palavras, e é

isto o que fundamentalmente nos interessa: a maçonaria buscava transformações sociais e

políticas e o narrador-autor queria a permanência dos valores já institucionalizados, em torno

da catolicismo e da Monarquia. Cristianismo e maçonaria, ao longo da história, passaram a ser

oposição antitética.

No mais, o antagonista estrangeiro vem para o Brasil com a intenção de propagar a

seita maçônica como a mais recompensadora. Assassinar Cristóvão seria uma das formas de

demonstrar as consequências negativas de trair o juramento maçom. Neste sentido, é

interessante a reflexão de Castrillon-Mendes (2010, p.293) quanto à relação Brasil versus

Portugal na busca de uma identidade nacional:

Essa opressão pela busca do nacional parece se presentificar na trama

desenvolvida por Galdino de Barros. Mesmo sem a preocupação de criar

uma cultura local ou nacional, a atração pela relação com Portugal (cabe a

um personagem português vir ao Brasil para resolver o problema da

quebra do sigilo maçônico), a oposição metrópole X interior corresponde a

um processo de colonização que teima em não desatar os seus nós históricos.

Portugal sempre exerceu papel hegemônico e poucas vozes se levantavam a

favor de uma solução artística para o problema, pois os focos regionalizados

não faziam frente às discussões. [Grifos nossos].

Sem dúvida, a figura portuguesa na trama faz com que rememoremos o processo de

colonização brasileiro. E D. Amarante será a representação de toda marginalidade e carregará

a bandeira de difusão maçônica no Brasil. O desgosto do estrangeiro será inevitável ao

observar que na região brasileira o cristianismo vigora com ímpeto extraordinário. No

entanto, quando D. Amarante encontra um pequeno grupo maçom revigora suas forças para

continuar lutando pelos ideais maçônicos.

Page 48: BRUNA MARCELO FREITAS

45

Outro aspecto que parece inverossímil no romance, mas encontramos explicação a

partir da perspectiva de "espaço social" é a posição de Clarinda no que diz respeito ao

casamento. O narrador dedicará um capítulo exclusivamente para a personagem,

verdadeiramente encomiástico, em que ela terá uma inusitada conversa com o irmão

Cristovão. No sumário, há por meio do narrador, informações e comentários sobre a jovem

filha de Nelson: 14 anos,

Sua face era d'um colorido semelhante aos primeiros raios da aurora nas

madrugadas de verão.

A inocência tornava-a admirável.

[...]

Nem a sensitiva da campina, imagem perfeita da pudicícia seria tão recatada

como está criaturinha tão louça, cujo coração era um trono de amor do ente

divino que a fez tão bela. (BARROS, 2008, p.77).

O narrador avançará neste sentido, não poupando adjetivos laudatórios. Tudo é

perfeição, pureza, inocência e castidade. O beija-flor, inclusive, confundindo-a a beija,

deixando-a confusa e envergonhada:

E dois fios de lágrimas, fios de pérolas nitentes, brilharam de seus negros

olhos.

E o beija flor voou, levando o docíssimo néctar à terna consorte em seu

verde ninho, como lhe dizendo:

─ Este é da mais bela rosa que na primavera sorri... (BARROS, 2008, p.78).

Se o modernismo já pintava criticamente o idealismo romântico na construção das

personagens femininas, temos, por exemplo, neste aspecto em Luz e sombras, sintomas do

romantismo tardio, mas esta não é a questão neste momento. Será a conversa com o irmão

Cristovão que se nos afigura perturbadora para uma consciência do século XXI.

Ele a inquirirá sobre casamento e com "angélico pudor" ela negará tal possibilidade,

estabelecendo dicotomia entre a pureza celestial e o efêmero amor mundano. Cabe aqui uma

citação:

─ Olha, maninha, acima daquelas nuvens, encanto e harmonia desta tarde

serena de Março está o sempre terno Éden onde cantam o anjos eternos

louvores ao increado.

─ A pátria celestial...

─ Lá, um assento engastado de preciosas gemas te espera, é teu, se não

tiveres na vida senão tua pureza de crença.

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─ Cristóvão, não confundas tua irmã. Pureza mais bela e cabal é a do lírio

dos vales que possuem a mais formosa das virgens ─ a mãe dos ternos

sorrisos.

─ Clarinda, escuta: se a ti se dirigisse um cavalheiro, possuidor de grande

fortuna e excelentes qualidade [sic] e te pedisse a mão, que farias tu?

─ Como, Cristóvão? Assim me falas? Ante todas as riquezas do orbe, jamais

se ofuscarão os meus olhos. Eles foram engastados em minha face, para se

abismarem na luz da eternidade.

─ Assim?

─ O amante que lá tenho é incomparavelmente belo e puro e o seu rosto se

estende até as últimas raias do Universo. (BARROS, 2008, p.80).

Cristovão comove-se e confessa-se, também: "seus sentimentos [são] os meus votos

d'alma" (BARROS, 2008, p.81) e se desmancha na confissão do seu amor de irmão,

estabelecendo assim um duplo vínculo:

─ Clarinda, sempre te amei com os carinhos de irmão, porém, de hoje em

diante, um duplo vínculo nos une: fraternidade pelo sangue, fraternidade

pelos sentimentos. Já sei que aborreces o mundo, será sempre virgem,

esforçar-te-á por bem merecer da rainha dos anjos a coroa de lírios que ela

reserva... (BARROS, 2008, p.81-82).

Devemos convir que o ciúme de irmão aqui alcançou o paroxismo, mas, como

anunciamos acima, há um fenômeno comum, do começo do século XX, que justifica de certa

forma a situação é a tira da incredulidade. Dito de outra forma, o fato social explica o motivo

de tanta comoção de Cristóvão para com sua irmã. Segundo Maria Rita Kehl (1995 apud

GATTO, 2001, p.123) a justificativa sociológica para a existência da prostituição, conforme o

confessam famílias menos preocupadas com a hipocrisia, sustenta-se numa dupla necessidade:

preservar a castidade das meninas, que deveriam chegar virgens até o casamento e, ao mesmo

tempo, atender à virilidade dos rapazes a quem não, acreditava-se, era adequada a virgindade

ao adentrar a sagrada instituição. Para estes, era desaconselhável que contivessem seus

impulsos sexuais; para aquelas, e isto que fundamentalmente nos interessa, era fácil de

controlar uma vez que seus desejos eram menos intensos. Portanto, ―as prostitutas, neste caso,

eram as guardiãs da moral sexual‖. Esta situação se sustentou até a reviravolta dos anos 50/60

e, como afirmamos, de certo forma, explica a reação de Cristóvão, bem como a própria

decisão de Clarinda, em dedicar-se somente a Deus.

Os fatores sociais contribuem para compreendermos muito sobre as personagens e

suas ações. Conforme orientação de Candido (2000, p.7-8), devemos vê-los como agentes da

estrutura e isto permite alinhá-los como fatores estilísticos. Na análise, consideramos o

elemento social não exteriormente, mas como fator da própria construção artística, estudado

Page 50: BRUNA MARCELO FREITAS

47

no nível explicativo e não ilustrativo. Saímos assim dos aspectos sociológicos para penetrar

numa interpretação estética que assimilou a dimensão social como fator de arte: o externo se

torna interno. A estrutura constitui o ponto de referência neste tipo de análise, se torna matéria

da diversidade coesa do todo. É o que ratifica Rosenfeld (2009, p.46-47):

não poderá apreender esteticamente a totalidade e plenitude de uma obra de

arte ficcional, quem não for capaz de sentir vivamente todas as nuanças dos

valores não-estéticos – religiosos, morais, político-sociais, hedonísticos etc.

– que sempre estão em jogo onde se defrontam seres humanos [...]. O valor

estético suspende o peso real dos outros valores (embora os faça aparecer

em toda a sua seriedade e força); integra-os no reino lúdico da ficção,

transforma-os em parte da organização estética, assimila-os e lhes dá papel

no todo.

Assim, além dessa função de justificar as personagens através desses ―valores não-

estéticos‖, Barros ainda atribui outras funcionalidades ao espaço. Ao tomarmos conhecimento

da existência de um quarto de oração com altar e uma santa na casa de Nelson, inferimos que

a família possui uma forte crença religiosa cristã, especificamente católica. Estamos diante da

função caracterizadora que, segundo Lins (1976), permite-nos, ao descrever o espaço,

conhecermos mais sobre o modo de ser da personagem. O fato de o narrador carregar na tinta

maniqueísticamente ao descrever a espacialização dos núcleos da narrativa intensifica a

função caracterizadora.

O espaço, por vezes, também desempenha a função de influenciar as personagens de

Barros. Os irmãos Cristóvão e Flávio que, no Brasil, eram cristãos assim como seus

familiares, após chegarem a Europa, passaram a integrar a seita maçônica. Ao regressarem ao

país, perante as tragédias desencadeadas ambos se arrependem do juramento feito à

maçonaria, nas palavras de Flávio ao descobrir que seus pais morreram: ―- O meu pai? Minha

mãe também? Oh! Maldito hora em que nasci! Maldita hora em que me filiei á maçonaria...

Ah!‖. (BARROS, 2008, p.246).

Dessa forma, muitas são as funções que assume o espaço em Luz e Sombras: a de

propiciar a ação, a de representar os sentimentos vividos pela personagem, de antecipar a ação

e a de influenciar as personagens. Osman Lins (1976) adverte-nos, ainda, que a

funcionalidade do espaço não deve ser vista em sua micro-estrutura, mas em sua macro-

estrutura. O que implica pensarmos a estrutura espacial, disto que estamos chamando de

fenômeno literário (Luz e Sombras), em uma perspectiva maior.

Page 51: BRUNA MARCELO FREITAS

48

4.2. O espaço enquanto homogeneização do mundo

O romance de Feliciano Galdino de Barros contempla o espaço citadino, onde se

localiza a casa da família, o porto, a igreja, uma casa em que se reúnem os maçons e a polícia.

Em contraste, apresenta o espaço campesino, a estância e a floresta, que tem o ambiente

natural como fundamental característica.

Até o capítulo dezesseis, dos vinte e quatro capítulos da narrativa, a trama se

desenvolve na cidade e os locais serão ora caracterizados pejorativamente, ora qualificados

majestosamente, obedecendo ao esquema maniqueísta construído por Barros. Assim, temos a

quinta de Nelson situada ―do lado mais aprazível da cidade de X‖, com seu ―Formoso jardim

com grades e portão de ferro enfeitado à frente da casa‖; no interior da casa: ―A primeira sala,

decente e modestamente mobiliada.‖ (BARROS, 2008, p.47). Há ainda a igreja, ―em cuja

torre altaneira imperava o estandarte cristão.‖ (BARROS, 2008, p.106). Em oposição a esse

quadro, estão outros locais como a casa em que se encontram os maçons, identificada como

loja, aonde se comemorava a ―festa da razão‖: ―Da porta adentro experimentara um cheiro

acre de finos manjares e de bebidas alcoólicas.‖ (BARROS, 2008, p.160). A descrição que faz

o narrador complementa a imagem do lugar festivo:

Estavam todos completamente embriagados.

Uns subiam pela mesa, quebrando as baixelas, outros caíam pelo chão, por

baixo da mesa; e outros choravam saudades do tempo de infância ou de sua

mãe falecida há muitos anos; e vomitavam também.

E rolavam como tantos tonéis, enlambuzando a cara nos próprios vômitos e

os cães lambiam essas caras sujas e brigavam por cima deles. (BARROS,

2008, p.160).

Esse contexto ilustra as imagens antitéticas que compõem o romance. E, por vezes, os

espaços do romance sofrerão transformações. De início, temos, pois, a casa de Nelson, onde

reina a ordem e harmonia, espaço tópico por excelência, isto é, de acordo com Bachelard

(2008), o espaço conhecido e feliz, onde se vive em segurança e conforto. Este espaço, no

decorrer da diegese, sofre uma metamorfose passando a ser de sofrimento e de luta. Essa

transformação ocorre à medida que as vidas das personagens vão sendo ameaçadas.

Conscientes da vulnerabilidade da casa na cidade, que já tivera sido invadida por dois

homens que ambicionavam matar Cristóvão, decidem partir para a estância da família, pois

vêem no campo a segurança que necessitam. A estância configura-se, portanto, um espaço

Page 52: BRUNA MARCELO FREITAS

49

tópico. Sem dúvida, esse espaço ocupa um posto de relevância na obra, sobretudo, por se

tratar do lugar da infância de Clarinda, das lembranças da família, por gerar trabalho a muitas

pessoas e por ser de beleza natural admirável. Vejamos as palavras de Clarinda ao falar com

seu pai depois de contemplar a estância:

─ Meu pai, fiquemos para sempre aqui. Na primavera teremos as rechães

[sic] engalanadas de flores, os bosques de frutos de suavíssimo gosto.

─ ...

─ No verão, as maninhas areias dos riachos para os meus folgares, os cantos

da perdiz por toda a parte e os doces arrulhos turturinos.

─ Teremos no outono as frutos [sic] temporãs, o pavilhão intérmino dos céus

rôto de constelações fulgentes; podemos estudar tão bem o curso harmônico

dos astros!...

─ Sim?

─ Teremos no inverno o agradável ciciar da brisa e os prados cobertos de

renovos. (BARROS, 2008, p.205-6).

A confissão lírica de Clarinda mostra-nos quanta importância tem esse lugar em sua

vida, sendo o seu recanto, ou se optarmos pela terminologia de Bachelard (2008, p.34), o seu

canto do mundo. ―Mais que um centro de moradia, a casa natal é um centro de sonhos. Cada

um de seus redutos foi um abrigo do devaneio.‖ E ainda, ―os lugares onde se viveu o devaneio

reconstituem-se por si mesmos um novo devaneio‖. (BACHELARD, 2008, p.26). Daí, o

lirismo de Clarinda.

Ademais, não é sem justificativa que o referido lirismo seja bucólico. O forte

maniqueísmo do narrador acaba resultando neste olhar para a natureza, tornando-a

paradisíaca, pois a mais forte justificativa para a idéia de Deus, isto a nossa experiência

cotidiana comprova, é a idéia da criação. Ora, tanta beleza não poderia ser coisa aleatória

como é comum se justificarem os Cristãos. Evoca-se, portanto, Deus como artífice deste

processo e se vence neste jogo discursivo a fria razão maçônica, conforme o narrador

intensifica.

Dessa forma, é mister destacar a natureza na hierarquia das temáticas espaciais do

romance. Esse espaço natural quando especificamente na figura da estância, pode ser

considerado um lugar antropológico na acepção de Marc Augé (2008, p.53):

Finalmente, o lugar é necessariamente histórico a partir do momento em que,

conjugando identidade e relação, ele se define por uma estabilidade mínima.

Por isso é que aqueles que nele vivem podem aí reconhecer marcos que não

têm que ser objetos de conhecimento. O lugar antropológico, para eles, é

histórico na exata proporção em que escapa à história da ciência. Esse lugar

que antepassados construíram (―mais me agrada a morada que construíram

Page 53: BRUNA MARCELO FREITAS

50

meus avós...‖), que os mortos recentes povoam de signos que é preciso saber

conjurar ou interpretar [...].

Por isso, a família de Nelson demonstra tanta afeição à estância, justamente em virtude

desse valor histórico que possui esse lugar herdado por Nelson de seus pais. Como nos conta

o próprio narrador ao falar de Clarinda: ―Oh! Que ingratas saudades não sofreria o coração

inocente de Clarinda, por essa região romântica, cada vez que seus pais se demoravam na

cidade!‖ (BARROS, 2008, p.137).

Todavia, a tranqüilidade da estância também é quebrada, ocorrendo outra metamorfose

espacial, que culmina com o clímax da diegese. É a invasão de D. Amarante e de Flávio à

estância e o consequente assassinato de Nelson pelas mãos de seu próprio filho. Em

consequência, como vimos, ocorre a morte de D. Branca. O espaço assume nova feição, de

muita dor e sofrimento.

A estância passa a ser um lugar onde a vida se tornou insuportável para Clarinda e

Cristóvão. As amargas lembranças estavam associadas a este espaço. Decidem partir. Assim,

notamos que à medida que ocorrem desilusões e tragédias as personagens procuram um novo

lugar para viver. Esse mecanismo se desdobra na narrativa do início ao desfecho e não

podemos afirmar que cesse, constituindo-se, pois, final em aberto, visto que o leitor não fica

sabendo para onde foi Cristóvão e se o rapaz estará em segurança.

Apesar das transformações do espaço, notamos o destaque dado ao campo em relação

à cidade, na narrativa. Inclusive, essa relação que se estabelece, em Luz e Sombras, é

significativa para compreendermos como Barros edifica as bases da crença da família de

Nelson. Aliás, muitas obras literárias privilegiaram o binômio, é o caso de A cidade e as

serras de Eça de Queiroz, em que há um confronto entre cidade e campo, com proeminência

deste último.

A relação da cidade com o campo é refletida também por Raymond Williams (1989,

p.371), que reflete a cidade com um discurso construído na tensão com o campo: ―uma

projeção da própria cidade de caráter profundamente pessimista, que já se tornou uma

convenção‖ a partir da subjetividade das convenções próprias da sociedade, um espaço de

destruição e, principalmente, destruição das relações humanas. A literatura, dentro do seu

universo autocoerente – mediação entre indivíduo e sujeito – cria a cidade e esta cidade será

antípoda do campo, que, por sua vez, no espaço literário, também será uma criação: um

campo imaginado. E é esse espaço imaginado em Luz e Sombras que se eleva, configurando-

se projeção do tão sonhado Jardim do Éden.

Page 54: BRUNA MARCELO FREITAS

51

Essa projeção leva-nos a pensar a horizontalidade e a verticalidade do espaço. Neste

sentido, Schüler (1989) afirma que a verticalidade sustenta a arquitetura da Divina Comédia

de Dante Alighieri. O peregrino Dante anda para baixo pelo Inferno e para cima, no

Purgatório e no Paraíso. O autor acrescenta que o romance que substitui a linha vertical pela

horizontal vai surgir na Idade Média.

Embora a narrativa se desenvolva num mundo construído em linha horizontal, a

esperança de Nelson, D. Branca, Cristóvão e Clarinda, é habitar o reino do céu. O anseio de

mover-se em linha vertical,11

rumo ao paraíso, é imenso a ponto de Clarinda fazer votos a

Deus, alegando ser o Divino seu único amor. Por outro lado, consciente do pecado que

cometeu ao ceifar a vida de seu pai e acometido de dor, Flávio deseja morrer por não suportar

seu sofrimento e dirigir-se logo às Trevas, isto é, movimento em linha vertical. Essa antítese

maniqueísta explícita no próprio título do romance, Luz e Sombras, percorre toda a narrativa,

em um confronto religioso causador de muitas intrigas e tragédias.

Assim, além do espaço tópico – a cidade que é invadida – há o espaço do campo que é

também tópico por excelência, que são os espaços com que as personagens contam e onde o

enredo se desenvolve, mas pela ideologia cristã aparece outro espaço, o utópico, que, segundo

Bachelard (2008) é o lugar da imaginação e do desejo, espaço este que faz parte da ideologia

cristã da família. Nas palavras do próprio Nelson em seu leito de morte: ―─ Eu vejo o céu

aberto e o meu Deus chamando-me ao tanger das harpas angelicais... Doce paraíso, divina

harmonia... Nas vossas mãos, Senhor, entrego a minh‘alma‖. (BARROS, 2008, p.238).

Os espaços tópicos são geograficamente na horizontalidade – se optarmos pela

terminologia de Schüler (1989) -, e o utópico na vertical. O que remete dizer que este último é

muito significativo para a família de Nelson, sendo um espaço de esperança de reencontrar a

paz e a felicidade que há muito havia perdido. A narrativa se desenvolve tendo como ideal

maior a conquista desse espaço, que passa a funcionar como elemento homogeneizador do

mundo. Barros tenta restituir por meio do espaço aquilo que já se perdeu incontornavelmente:

o sentido da vida. Para tanto, ele sacrifica o espaço, condicionando-o à estrutura maniqueísta

que orienta a diegese.

11

Convém outra perspectiva ao tratarmos da espacialidade, a do teórico Edward Lopes (1978, p.43), que

diferencia a topia inferior da verticalidade da topia superior desse mesmo eixo. Para ele, a primeira ―encarrega-se

de dar uma configuração sensível à idéia do mundo imanente, habitat do homem‖; já a segunda ―traduz

exteriormente a idéia do mundo transcendental, habitat da divindade‖. E a oposição desses espaços é resultado

da prática ideológica, ―que transforma o mundo sensível em suporte do mundo inteligível, o mundo interior

sendo representado, pois, pelo mundo exterior‖. Dito de outra maneira, o espaço exterior representa o signo

ideológico (ideograma), cujo plano de conteúdo situa-se no interior de uma ideologia ou mitologia. No caso que

nos interessa, essa ideologia se expressa por meio de ideogramas que asseguram a existência de seres humanos e

de seres divinos, e que estes habitam um mundo transcendental.

Page 55: BRUNA MARCELO FREITAS

52

5. O LUGAR HISTÓRICO, ESTÉTICO E AXIOLÓGICO DE LUZ E SOMBRAS

5.1. O contexto do modernismo em Mato Grosso

Bem claro temos que o contexto não necessariamente faz o texto, mas se faz oportuno

quando se trata de discutir aspectos de sua absurdeza, como é o caso. O projeto artístico de

Feliciano Galdino de Barros corresponde em muitos aspectos à tendência que se instalara em

Mato Grosso nas primeiras décadas do século passado, tornando verossímil muitos de seus

procedimentos. Assim, cabe um breve percurso histórico-literário para melhor compreensão

do que estamos chamando de fenômeno: Luz e Sombras (1917).

Sabemos da preocupação nacionalista da literatura brasileira. A seu tempo, na década

de 20 do século passado, a literatura em Mato Grosso segue o mesmo percurso, guardadas as

devidas proporções, temporalizações e localizações, no caso, voltada, é claro, ao

fortalecimento regional em detrimento às perspectivas de nacionalidade. Recuperam o

passado romântico e isto se combina à ordem e à moral, no sentido de superar a imagem de

atraso e violência que ainda imperava em relação ao Estado.

Não devemos de forma alguma reduzir a arte ao pensamento do intelectual. Intelectual

e artista são entidades diferentes e se localizam em instâncias determinadas. Não é demais

dizer: arte é sempre ruptura por natureza, mesmo quando parece acomodação. Mas, como já

anunciamos acima, não há, também, como não associá-la ao contexto sócio, político e

econômico subjacente, mesmo quando se tratar do mais exacerbado e delirante lirismo que

pode parecer absoluta fuga da realidade.

A história de Mato Grosso, desde a República, foi marcada pela disputa da liderança

política do nortão, ainda sob a hegemonia coronelista de pecuaristas e usineiros, e o sul, mais

desenvolvido, sacudido por intensa migração. A criação do Instituto Histórico e Geográfico

de Mato Grosso (1919) e do Centro Mato-Grossense de Letras (1921) são marcos

significativos, suportes da sustentação da literatura mato-grossense, enquanto sistema, que

identificam o modernismo literário em Mato Grosso. José de Mesquita (1892 – 1961) e de

Dom Aquino Correa (1885 – 1956), nomes fartamente repetidos em todas as instâncias, fazem

parte deste processo, notadamente enquanto críticos literários e intelectuais, solidificando um

estado de coisas.

Page 56: BRUNA MARCELO FREITAS

53

Tais condições resultaram no já muito conhecido e propalado anacronismo da

concepção artística em Mato Grosso, que acentuava fortemente o papel educativo, moral e

patriótico, em relação ao que se pensava e o que se fazia no resto do país, conforme

identificam Melo e Silva (2008), notadamente no que se refere à Semana de arte moderna.

Como conseqüência direta desta visão passadista da arte, temos uma concepção de mundo

retrógrada e reacionária. Assim, em vários textos, José de Mesquita deixa transparecer sua

aversão ao modernismo, relacionando-o às correntes políticas esquerdistas que abertamente

condenava. No entanto, era um intelectual atualizado, o fundador e primeiro presidente da

Academia Mato-Grossense de Letras, com as novidades vanguardeiras, como podemos

comprovar pelas muitas referências aos seus contemporâneos, mesmo por meio das

personagens de suas peças de ficção, notadamente Paulo do romance Piedade em que se

identificam fortes sintomas autobiográficos. Franceli A. da S. Melo e Nilzanil Soares e Silva

(2008, p.7) acentuam, portanto, que se trata de uma "opção consciente dos intelectuais

envolvidos com o projeto do Centro Mato-Grossense de Letras e do jornal A Cruz, influentes

representantes da literatura local".

Outro elemento subjacente à crítica literária do Estado foi o projeto de

"recristianização", "retomando a tradição católica; propósito que se casou perfeitamente com

a ideologia da ordem conservadora que iria sustentar o Estado Novo" pelo sentido

organizacional que se tentava impor à ordem social. (MELO e SILVA, 2008, p.10).

O pensamento crítico, portanto, padecia de tais contingências:

interferência do posicionamento religioso do autor, isto é, a ciência só será

"boa" se passar pelo crivo do pensamento católico e o belo nas artes

corresponde, não só ao poder de evocação e sugestividade das obras, mas ao

seu teor moral. Assim, um "bom romance" (esteticamente) pode ser

considerado "perigoso" se não estiver de acordo com a moral religiosa, no

caso a católica. (MELO e SILVA, 2008, p.8).

Parece-nos, mesmo, a voz de Barros. E tem mais, necessariamente no que se refere à

crítica de romance:

A repulsa por algumas obras, principalmente romances, parte, sobretudo, de

um determinado conceito moral, desta forma, em sua crítica podemos inferir

que o critério estético se subordina ao ético, pois a beleza não é considerada

um fim, mas um meio. Prova disso é que suas análises de textos em prosa

dão ênfase às ações das personagens para a exposição de lições de

moralidade e de sentimento ligados à recuperação e à valorização da fé

cristã, ao exercício da fraternidade e da caridade. Na crítica biográfica, o

autor buscava traços comuns para compor "a fisionomia moral" do

Page 57: BRUNA MARCELO FREITAS

54

biografado, misturando o "eu social" ao "eu criador" do escritor. (MELO e

SILVA, 2008, p.8).

O regionalismo que Mesquita defendia, é importante lembrar também, divergia da

proposta dos escritores regionalistas de 1930, do nordeste brasileiro, que estava

profundamente comprometida com as contradições inerentes às profundas injustiças sociais

sofridas pelas regiões distantes, submetidas à hegemonia econômica do centro. Sua concepção

de regionalismo "se limitava a mostrar paisagens e costumes", utilizando-se "da exaltação do

regional para manter o status quo‖ (MELO e SILVA, 2008, p.10), subserviente, pois, ao

"aparelho ideológico do Estado" (Althusser) no processo de "controle do imaginário". (LIMA,

1996, p.34).

Fica, pois, estabelecida uma "hierarquia de prioridades para a emergente literatura

mato-grossense [...] o problema estético como subordinado ao problema maior da criação da

nacionalidade/fortalecimento regional, e este subordinado ao problema religioso". (MELO e

SILVA, 2008, p.10).

Em Luz e Sombras, essa subordinação do estético até o crivo do ―problema religioso‖

se nota naturalmente. O posicionamento religioso de Barros, marcadamente católico,

implicará interferência em toda composição estrutural da narrativa: narrador fortemente

intruso, com função ideológica (Genette12

); perspectivas infensas às conquistas do

modernismo brasileiro; confluência de estilos, privilegiando perspectivas românticas, no

sentido em que o herói romântico ainda tinha como prerrogativa restaurar o equilíbrio;

maniqueísmo no processo de criação das personagens; personagens fortemente estereotipadas

e protagonistas planas (Forster); visão patriarcal do mundo e, por fim, desfecho trágico.

No mais, o forte e demasiado lirismo em Luz e Sombras, também denuncia o atraso

literário por qual passava Mato Grosso. Mendonça (2005, p.171) argumenta: ―anos depois de

Marinetti haver lançado seu manifesto modernista e Graça Aranha tentar-lhe a reforma na

Academia Brasileira de Letras, em Mato Grosso estávamos no período romântico‖.13

A perspectiva histórica e teórica sobre o romance que sustentamos aqui parte da

epopéia, seguindo as concepções de Hegel, atualizada por Lukács: o romance como epopéia

da burguesia. Nosso mundo tornou-se infinitamente grande e amplamente complexo e disto

resultou a perda da totalidade, como já tratamos anteriormente. A totalidade não é mais um

princípio aceito e dado às formas, à medida que o sentido da vida dissipou-se, ―elas têm ou de

12

GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Tradução: Fernando Cabral Martins. Lisboa: Veja Universidade,

s.d. p.253-257. 13

Filippo Tommaso Marinetti (1876 – 1944). O manifesto foi publicado no jornal parisiente Le Figaro em 20 de

fevereiro de 1909.

Page 58: BRUNA MARCELO FREITAS

55

estreitar e volatizar aquilo que configuram, a ponto de poder sustentá-lo‖, ou caso contrário,

adentrarão na ―fragmentariedade da estrutura do mundo‖. (LUKÁCS, 2000, p.36). É, pois, por

meio da forma que se absorverá essa totalidade. A estética troca de papéis com a ética, como

expõe Macedo, no posfácio de A Teoria do romance (LUKÁCS, 2000, p.182-183):

Numa totalidade ética fechada, na qual a aspiração interna anda de braços

dados com a lei externa, o papel da estética resume-se a dar em espetáculo

(representar) o universo ético; com a perda da imanência do sentido à vida,

com o colapso da ética como parâmetro de conduta unívoca, invertem-se os

papéis: a estética assume o encargo da ética e a antecede, logicamente, no

horizonte artístico.

Não é demais lembrar que essa inversão de papéis e demais modificações que se

operam na transição da epopeia ao romance assinalam o anacronismo literário de Luz e

Sombras, levando-nos a pensá-lo como fenômeno literário.

Observamos que a obra remete a um universo próprio à epopeia, apesar de ter sido

produzida já no início do século XX. Em outros termos, Barros mostra-se preso a uma estética

metafísica, em uma tentativa de restituir o velho círculo perfeito da era da epopeia. Ele

constrói um projeto artístico voltado à reconstituição da imanência do sentido da vida firmado

no Deus do cristianismo. Entretanto, Lukács (2000, p.35-36) esclarece a questão ao afirmar

que qualquer ressurreição do helenismo é uma tentativa de tornar a estética pura metafísica:

―um desejo de aniquilar a essência de tudo que é exterior à arte, uma tentativa de esquecer que

a arte é somente uma esfera entre muitas, que ela tem, como pressupostos de sua existência e

conscientização, o esfacelamento e a insuficiência do mundo‖. Não há como resgatar um

passado tal qual para solucionar uma problemática latente entre nós e a forma romance marca

a ruptura e inaugura novos tempos: ―O romance é a forma da virilidade madura, em

contraposição à puerilidade normativa da epopeia; [...] isso significa que a completude de seu

mundo, sob perspectiva objetiva, é uma imperfeição, e em termos de experiência subjetiva

uma resignação‖. (LUKÁCS, 2000, p.72).

Notamos resistência em Barros quanto às perturbações insanáveis do mundo do

romance, mas Lukács (2000, p.89) é específico no que se refere ao ―mundo abandonado por

deus‖, como já nos referimos, do qual ―o romance é a epopeia, [...] a psicologia do herói

romanesco é a demoníaca; a objetividade do romance, a percepção virilmente madura de que

o sentido jamais é capaz de penetrar inteiramente a realidade, mas de que, sem ele, esta

sucumbiria ao nada da inessencialidade [...]‖.

Page 59: BRUNA MARCELO FREITAS

56

Em Luz e Sombras, observamos que Deus em contraste com o demônio movimenta a

diegese, sendo inclusive seu leit motiv, como já argumentamos, cristianismo versus

maçonaria. Por vezes, o próprio Deus age tal como uma personagem como vimos no capítulo

―O espaço enquanto homogeneização do mundo: função e ambientação‖. O que implica dizer

que Barros se prende a um maniqueísmo que limita a concepção de arte a um universo

fechado e explicável já não mais possível diante de um mundo em que o escritor tem plena

liberdade perante deus, e a isso Lukács (2000, p.95) chamou ironia: ―A ironia, como

autossuperação da subjetividade que foi aos limites, é a mais alta liberdade possível num

mundo sem deus‖.

Visualizamos no quadro épico exposto por Lúkacs (2000, 87-88) o próprio mundo de

Luz e Sombras:

Os heróis da juventude são acompanhados em seus caminhos pelos deuses:

seja o esplendor do declínio ou a fortuna da fama que lhes acena ao final do

caminho, ou ambos a um só tempo, eles jamais avançam sozinhos, são

sempre conduzidos. Daí a profunda certeza de sua marcha: abandonados por

todos, podem eles chorar de tristeza em ilhas desertas, podem cambalear até

os portais do inferno no mais profundo descaminho da cegueira – sempre os

envolve essa atmosfera de segurança, do deus que traça os caminhos do

herói e toma-lhe a frente na caminhada.

E a família de Nelson passará por muitos perigos, ameaças e ataques, andará pelos

caminhos tortuosos, mas tudo isso sempre é amenizado pela segurança de que Deus está no

controle de todas as coisas. Eis porque não há espaço para receio e aflição, apesar de toda

gama de tragédias inseridas na narrativa.

De fato, Luz e Sombras não atinge a virilidade madura que assinala a forma

romanesca, em que a alma ―sai a campo para conhecer a si mesma, que busca aventuras para

por elas ser provada e, pondo-se à prova, encontrar a sua própria essência‖. Enquanto no

mundo épico não há ―aventura, nesse sentido próprio: os heróis da epopeia percorrem uma

série variegada de aventuras, mas que vão superá-las, tanto interna quanto externamente, isso

nunca é posto em dúvida‖. (LUKÁCS, 2000, p.91).

Esse descompasso literário de Barros leva-nos a questionar os seus procedimentos

enquanto artista e as consequências de seu projeto artístico.

5.2. Romance e política

Page 60: BRUNA MARCELO FREITAS

57

Não poderíamos deixar de analisar o tratamento dado à política no romance Luz e

Sombras, visto que salta aos olhos a relação entre política e literatura construída por Barros.

Ou ainda, o autor não consegue desvencilhar política, religião e literatura, submetendo-as

todas, a um só tempo, às próprias ideologias. E essa era uma tendência literária, como

mencionamos, nas primeiras décadas do século XX, em Mato Grosso: a subordinação do

estético ao ético. O que não é conveniente, como nos indica Goethe, no livro 12 de Dichtung

und Warheit14

(apud LESKI, 2001, p.48): ―Pois uma boa obra de arte poderá ter e, certamente

terá, conseqüências morais, mas exigir do artista objetivos morais equivale a estragar-lhe o

ofício‖.

A estética marxista, conforme assinalou Lukács (1968), se limita a pressagiar que a

essência individualizada pelo escritor não venha representada de maneira abstrata e sim como

essência organicamente inserida no quadro da fermentação dos fenômenos a partir dos quais

ela amadurece. Isto quer dizer que até mesmo o mais extravagante jogo de fantasia poética e

as mais fantásticas representações dos fenômenos são plenamente conciliáveis com a

concepção marxista do realismo, desde que as forças essenciais dos fenômenos são postas em

especial relevo.

O núcleo de ação dramática de Luz e sombras tem um fundo que se pretende histórico:

"a revolução fomentada pela torpe seita" (BARROS, 2008, p.70), emprestando aqui a fala da

protagonista Clarinda. Trata-se da maçonaria esta "torpe seita". Do lado das luzes estão o

cristianismo, mais precisamente o catolicismo, e o império; e do lado das sombras, a

maçonaria e a república. Este jogo antitético é notadamente sintoma da redução maniqueísta

de Barros como já comentamos.

Conforme Lukács (1968), na concepção marxista, a arte visa captar a vida na sua

totalidade onicompreensiva: mergulha na essência e representa estes momentos essenciais de

maneira não abstrata, mas apreende exatamente aquele processo dialético vital pelo qual a

essência se transforma em fenômeno, se revela no fenômeno, fixando, também, aquele

aspecto do mesmo processo, segundo o qual o fenômeno manifesta na sua mobilidade a sua

própria essência. A verdadeira arte fornece sempre um quadro do conjunto da vida humana,

representando-o no seu movimento, na sua evolução e desenvolvimento. A arte conduz à

intuição pela sensibilidade desse movimento como movimento mesmo, na sua unidade viva.

14

Poesia e verdade.

Page 61: BRUNA MARCELO FREITAS

58

Lukács lembra o problema da chamada arte de tendência ou de tese, que corresponde a

uma tendência política ou social do artista que ele quer defender com sua própria obra de arte.

Parece-nos que é este bem o caso de Barros, em Luz e sombras. Marx e Engels ironizam tais

projetos, uma vez que o escritor, nesta demonstração, violenta a realidade objetiva. Engels

explica como a tese se concilia com a arte, desde que brote organicamente da essência

artística da obra, da representação artística, quer dizer, da realidade mesma, da qual a arte

constitui o reflexo dialético. Bastante significativo é que os autores preferidos de Marx e

Engels (Shakespeare, Goethe, Walter Scott, Balzac) não tiveram um posicionamento de

esquerda, coincidindo com a nossa perspectiva diante das concepções do artista e do

intelectual, como apresentamos anteriormente.

A honestidade do grande artista consiste precisamente no fato de que,

quando a evolução de um personagem entra em contradição com as

concepções e ilusões por amor das quais eles se engendrara na fantasia do

escritor, este o deixa desenvolver-se livremente até as últimas

conseqüências, e não se incomoda com a anulação das suas mais profundas

convicções pela contradição em que ficam face à autêntica e profunda

dialética da realidade. (LUKÁCS, 1968, p.21).

O que queremos dizer, não perdendo nosso objeto de vista (Luz e sombras),

reconhecendo a concepção marxista de arte, ratificando pensamento já apresentado

anteriormente, é que as personagens de Barros foram profundamente condicionadas pela

ideologia do autor. O conflito, polarizado ao paroxismo, suscita diálogos inusitados e

inverossímeis. Barros, portanto, não deixou as suas personagens desenvolverem-se

―livremente até as últimas conseqüências‖.

Irving Howe (1998, p.4) pensou a relação entre política e literatura, examinando

alguns grandes romances com intuito de ver o que a intrusão violenta da política causa ou

com o que contribui para a imaginação literária. Assim, o crítico assegura que tal relação não

é sempre a mesma e tenta ―mostrar o modo pelo qual a política controla, de forma crescente,

um certo tipo de romance, e especular sobre as razões dessa mudança‖. Atentemo-nos ao que

Howe (1998, p.5) chama de romance político:

Por romance político entendo um romance no qual as idéias políticas têm

papel dominante, ou no qual o milieu político é o cenário dominante –

embora seja novamente necessária uma qualificação, pois a palavra

‗dominante‘ é mais do que questionável. Talvez fosse melhor dizer: um

romance no qual assumimos serem dominantes as idéias ou o milieu político,

um romance que permita essa pressuposição sem que isso sofra qualquer

Page 62: BRUNA MARCELO FREITAS

59

distorção radical e que, em decorrência, propicie a possibilidade de algum

lucro analítico.

A concepção de Howe já aponta uma ressalva, ―sem que isso sofra qualquer distorção

radical‖, que se faz imprescindível para a análise que encaminhamos do fenômeno Luz e

Sombras.

No caminho histórico-literário do romance político, passamos pelo conto picaresco.

Aliás, o gênero está na base do processo de consolidação do próprio romance em que

convergiram vários tipos de escrita. O conto picaresco acenava a possibilidade da burguesia

em assumir o poder político total, na figura do herói-fanfarrão que sugeria as possibilidades

de mobilidade social. Aguiar e Silva (1974, p.13) nos fornece um panorama geral:

Ainda à literatura espanhola dos séculos XVI e XVII também se deve o

romance picaresco, cuja origem remonta à obra Vida de Lazarillo de Tormes

(1554), obra de autor anônimo, e que tem na Vida de Guzmán de Alfarache

(1559-1604), de Mateo Alemán, o seu exemplar mais representativo. O

romance picaresco, através de numerosas traduções e imitações, exerceu

larga influência nas literaturas européias, encaminhando o gênero romanesco

para a descrição realista da sociedade e dos costumes contemporâneos. O

significado do romance picaresco, na história do romance, transcende a visão

de descrição da realidade e de costumes contemporâneos. O pícaro, pela sua

origem e comportamento, é um anti-herói, um eversor dos mitos heróicos e

épicos, que anuncia uma nova época e mentalidade. O pícaro, consciente da

sua oposição no mundo, em desafio aos cânones dominantes, ousa

considerar sua reles vida como digna de ser narrada.

Vemos que o pícaro dá indício de uma nova era que está por se instaurar. Do conto

picaresco ao romance social do século XIX percebemos algumas modificações: o primeiro

representava uma abertura da sociedade à ação individual, já o segundo marcava a

consolidação desta ação com o apogeu político da classe mercantil; o herói-fanfarrão se

aventurava curiosamente na sociedade, descomprometido em nela viver, o herói do romance

do século XIX, por sua vez, comprometia-se inteiramente consigo mesmo e com seus valores,

avesso aos prejuízos do novo mundo comercial que agrediam a sua sensibilidade.

Quando o mundo burguês começa a mostrar suas contradições e a perder a sua coesão,

o romance social sofre uma queda rumo à mediocridade convencional ou fragmenta-se em

diversas direções, dentre estas, o romance de sensibilidade privada e o romance de assuntos

públicos e política. Interessa-nos aqui este último.

Page 63: BRUNA MARCELO FREITAS

60

Segundo Howe (1998), o romance social necessita de uma quantidade substancial de

estabilidade social, para que a partir dessa condição outras posições se construam em

divergência. O crítico acrescenta:

É nesse ponto, aproximadamente falando, que o tipo de livro que denominei

romance político passa a ser escrito – o tipo em que a idéia de sociedade,

distinta das meras obras inquestionadas da sociedade, penetrou na

consciência das personagens em todos os seus aspectos profundamente

problemáticos, de forma que pode ser observada em seu comportamento, e

elas próprias estão geralmente cônscias de alguma lealdade política coerente

ou identificação ideológica. Elas agora pensam em termos de apoiar ou

opor-se à sociedade como tal: elas se arregimentam a um ou outro

segmento fortificado da sociedade, e fazem isso em nome de e sob a

inspiração de uma ideologia. (HOWE, 1998, p.6) [Grifos nossos].

Sem dúvida, são contrastantes as ideologias presentes em Luz e Sombras: monarquia

versus República. Mas, são ideias que se desenvolvem associadas a outras, a saber,

cristianismo catolicismo e maçonaria, respectivamente. E as personagens tomarão partido

nesse jogo, inclusive, até o narrador não se absterá em posicionar-se desmascaradamente:

Pois, foi e será sempre o apanágio da negra seita: atear revoluções contra

toda ordem social, eliminar todas as monarquias para levantar sobre suas

cinzas as repúblicas onde mandará e não pedirá ou por outra: onde poderá

assentar com mais facilidade o governo do ódio, das vinganças, da

incredulidade, senhor de toga e cutelo, curvando-se todos a seus pés.

(BARROS, 2008, p.132).

Nesta instância, convém refletir sobre a construção do romance político, considerando

as tensões internas que o movimentam. Para Howe (1998, p.7), o romance tenta ―capturar a

qualidade da experiência concreta. A ideologia, entretanto, é abstrata como deve ser e,

portanto, provavelmente recalcitrante sempre que seja feita uma tentativa para incorporá-la ao

fluxo de impressões sensuais do romance‖. É desse confronto entre concreto e abstrato que o

romance político alcança êxito, na medida em que o romancista deve concentrar recursos

necessários para a superação do que parece resistente a primeira vista: a ideologia. O risco de

incorrer a erro é grande, já que a manobra é arriscada, mas a recompensa é ainda maior. De

qualquer forma, o romance deve sempre penetrar na emoção humana, ―mas a direção na qual

a emoção se move, o peso que exerce, os objetos aos quais se liga, são todos condicionados,

senão controlados, pelas pressões do pensamento abstrato‖. (HOWE, 1998, p.7).

Os cuidados que o romancista político deve tomar são imensos, Howe (1998) alerta

quanto ao tratamento dado às ideias no romance, que deve ser diferente ao das ideias de um

Page 64: BRUNA MARCELO FREITAS

61

programa político. Nesta perspectiva, as ideias e as emoções das personagens são absorvidas

pelo movimento do romance.

Este é um dos grandes problemas, mas também um dos desafios supremos

para o romancista político: fazer com que idéias ou ideologias ganhem vida,

dotá-las de capacidade de instigar personagens a gestos e sacrifícios

apaixonados, e mais ainda, criar ilusão de que têm uma espécie de

movimento independente, de forma que elas próprias – aqueles pesos

abstratos de idéia ou ideologia – pareçam transformar-se em personagens

ativas no romance político. (HOWE, 1998, p.8).

Acontece que em Luz e Sombras as ideologias estão pré-estabelecidas junto às

personagens, não há como ver essas ideias relacionarem-se, os pólos Cristianismo e

maçonaria estão confinados, impedindo que a emoção seja posta em relevo. Em vez de

personagens ativas, temos a impressão de serem personagens manipuladas, verdadeiras

marionetes, com destino pré-determinado pelo autor. Howe (1998, p.8) ainda complementa o

quadro que queremos elucidar:

Não importa o quanto o escritor pretenda festejar ou desacreditar uma

ideologia política, não importa o quanto seu objetivo possa ser didático ou

polêmico, seu romance não pode finalmente apoiar-se na idéia ―em si‖. Na

medida em que ele é realmente um romancista, um homem acometido pela

paixão de representar e colocar ordem numa experiência, ele deve dirigir a

política de seu romance, ou a que está por detrás dele, numa relação

complexa com os tipos de experiência que resistem à redução a uma

fórmula – e uma vez feito isso, por maior que seja a dificuldade, ele

transforma suas idéias de forma surpreendente. Sua tarefa é sempre

mostrar a relação entre a teoria e a experiência, entre a ideologia pré-

concebida e o emaranhado de sentimentos e relacionamentos que está

tentando apresentar. [Grifos nossos].

Está claro, Barros não surpreende e não consegue realizar um projeto estético que

supere uma fórmula maniqueísta. Procedimento este, também utilizado em outras produções

literárias do autor. O que este não consegue ocultar é o seu próprio posicionamento político.

Aliás, as ideologias no romance transparecem logo em plano principal. Vejamos, ainda, o que

Howe (1998, p.9) tem a nos dizer:

Pelo fato de expor as alegações impessoais da ideologia às pressões da

emoção privada, o romance político sempre deve estar num estado de

guerra interna, sempre à beira de tornar-se algo diferente de si mesmo.

[...] Ele [romancista político] sabe que seu próprio momentum, suas próprias

intenções, podem ser libertadas facilmente; mas ele sente, da mesma forma,

que o que mais importa é considerar aquelas rochas contra as quais suas

Page 65: BRUNA MARCELO FREITAS

62

intenções podem despedaçar-se, mas que, se ele tiver sorte, elas

meramente se ferirão. Mesmo quando o escritor afirma com orgulho a

autonomia de sua imaginação, mesmo quando ele faz as mais severas

reivindicações ao poder de impor sua vontade sobre os materiais informes

que sua imaginação lhe trouxe à tona, ainda assim ele reconhece que deve

lançar-se contra a presença imperiosa do necessário. E no romance

político, é a política o necessário. [Grifos nossos].

Luz e Sombras não navega pelos mares da tensão, ao contrário, avançamos os

capítulos e temos cada vez mais a certeza que a profecia se cumprirá. Como dissemos, Barros

não consegue ―manipular várias idéias, em suas relações mais hostis‖ (HOWE, 1998, p.8).

Seu trabalho como romancista se limitou a organizar todos os segmentos da trama para

acentuar os traços dos objetos antitéticos e reforçar ideologias pré-determinadas: cristianismo

e maçonaria. E ainda, ele recai em erro ao atacar diretamente a política no romance, mesmo

esta se afigurando o necessário na obra. Inclusive, há capítulos em que o narrador encerra

tecendo longos comentários sobre política, como no capítulo "Ainda nas trevas". Sequer há o

desenvolvimento de situações dramáticas. O romance se reduz ao tratamento de questões

religiosas e políticas.

Howe (1998, p.10) afirma que os critérios para avaliar um romance político são os

mesmos que para outros romances e acrescenta: ―Para o escritor, o teste maior é: quanta

verdade ele pode fazer penetrar à força através do crivo de suas opiniões? Para o leitor, o

maior teste é: quanto dessa verdade ele pode aceitar, embora vá de encontro às suas

opiniões?‖. O que implica dizer que existe um pacto entre escritor e leitor, porém em Luz e

Sombras, tal relação fica comprometida em virtude da inverossimilhança impregnada no

romance, sobretudo nas ações das personagens.

5.3. O discurso no romance

O discurso que Bakhtin (2010, p.85-88 passim) confere ao romance serve-nos,

também, para explicar o fenômeno Luz e sombras. O discurso do pensamento estilístico

tradicional conhece apenas a si mesmo. No entanto, entre o discurso e o objeto interpõem-se

discursos alheios sobre o mesmo objeto, sobre o mesmo tema e não apenas a resistência do

objeto. O discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de

outrem, se entrelaça a ele, em interações complexas, influenciando seu aspecto estilístico. Na

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imagem poética, em sentido restrito, a dinâmica da imagem-palavra desencadeia-se entre o

discurso e o objeto, a palavra imerge-se na riqueza e na multiformidade contraditória do

próprio objeto com sua natureza ‗ativa‘ e ainda ‗indizível‘. Ela não propõe nada além dos

limites do seu contexto (exceto naturalmente o tesouro da própria língua). A palavra esquece a

história da concepção verbal e contraditória do seu objeto e também o presente plurilíngüe

desta concepção. Para o artista-prosador, ao contrário, o objeto revela esta multiformidade

social plurilíngüe dos seus nomes, definições e avaliações. A dialética do objeto entrelaça-se

com o diálogo social circunjacente. Em todos os seus caminhos até o objeto, o discurso se

encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação

viva e tensa.

Evidentemente que isto não ocorre em Luz e sombras, no que se refere aos objetos

pólos do conflito: estão estanques, em extremos, assumindo, no entanto, posições segundo um

caráter predeterminado pelo narrador.

O discurso nasce do dialogo (réplica viva, respostas antecipada), afirma Bákhtin

(2010, p.88-93), forma-se na orientação dialógica do discurso de outrem no interior do objeto.

Existem, pois, duas dialogicidades: 1) a dialogicidade do discurso de outrem no próprio

objeto e 2) a dialogicidade interna do discurso, nascida do choque da dialogicidade do

discurso de outrem no próprio objeto. Esta segunda introduz um caráter mais subjetivo. As

duas dialogicidades se entrelaçam muito estreitamente, tornando-se quase que indistinguíveis

entre si, inclusive refletindo estilisticamente.

O caráter ideológico em Luz e sombras não penetra nesta dialogicidade interna do

discurso. Faltou-lhe inserção na dialética da realidade no seu anseio por uma totalidade. Mas,

como já argumentamos, a totalidade extensiva da vida não é mais oferecida de forma clara

(LUKÁCS, 2000, p.55), como o maniqueísmo de Barros tenta promover. A totalidade

possível, em se pensando no romance, só pode ser efetivada agora, por meio da forma. A

literatura, enquanto arte, deve incorporar a fragmentação do mundo, suas contradições, sua

insuficiência, e não procurar aniquilar ou deformar o que lhe é exterior, homogeneizar o

heterogêneo, tentando recuperar a totalidade perdida.

"Recuperar a unidade perdida", talvez tenha sido este o anseio de Barros. No entanto, a

forma romance assinala a cisão concreta e incontornável. Não é possível sonhar novas

unidades: ―As fontes cujas águas dissociaram a antiga unidade estão decerto esgotadas, mas

os leitos irremediavelmente secos sulcaram para sempre a face do mundo‖. (LUKÁCS, 1974,

p.35). Por um lado, a aspiração pela forma decorre de um ―sofrimento metafísico do sujeito‖

(LUKÁCS, 1974, p.37) ou de uma aspiração essencial da alma (LUKÁCS, 1974, p.88), só no

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mundo a alma pode realizar-se.15

O "brilho luciferiano" da "força sedutora" do helenismo

defunto promoveu o esquecimento das cisões irremediáveis suscitando "novas unidades":

Assim foi que da Igreja originou-se uma nova polis, do vínculo paradoxal

entre a alma perdida em pecados inexpiáveis e a redenção absurda mas certa

originou-se um reflexo quase platônico dos céus na realidade terrena, do

salto originou-se a escala das hierarquias terrestre e celestial. E em Giotto e

Dante, em Walfram de Eschenbach e Pisano, em São Tomás e São Francisco

o mundo voltou a ser uma circunferência perfeita, abarcável com a vista,

uma totalidade: o abismo perdeu o perigo das profundezas efetivas, mas

todas as suas trevas, sem nada perder da luz sombria, tornaram-se pura

superfície e assim se inseriram à vontade numa unidade integrada de cores;

o apelo à redenção tornou-se dissonância no perfeito sistema rítmico do

mundo e possibilitou um equilíbrio novo, embora não menos colorido e

perfeito que o grego: o das intensidades inadequadas e heterogêneas. O

caráter incompreensível e eternamente inacessível do mundo redimido foi

assim trazido para perto, ao alcance da vista. O Juízo Final tornou-se

presente e um simples elementos da harmonia das esferas tida como já

consumada [...]. (LUKÁCS, 2000, p.35) [Grifo nosso].

Primeira e última vez em que surgiu um novo e paradoxal helenismo. Rompida tal

unidade, no entanto, adverte Lukács (2000, p.35), não há como pensar numa ―totalidade

espontânea do ser‖. Barros está fora, deslocado, em descompasso, anacrônico. Agora,

―qualquer ressurreição do helenismo [como atribuímos a Barros, no sentido de

homogeneização] é uma hipóstase mais ou menos consciente da estética em pura metafísica:

um violar e um desejo de aniquilar a essência de tudo que é exterior à arte‖. (LUKÁCS, 2000,

p.35).

Monteiro demonstra-se lúcido, no que se refere a questões axiológicas, como

entendemos o projeto de Barros, e que, aliás, serve ao próprio contexto literário mato-

grossense:

Mas pregar virtude e fazer boa literatura são não só coisas diferentes, mas

coisas com uma terrível tendência para a mútua incompatibilidade. Não

porque na realidade a arte e a moral sejam incompatíveis, mas quando se

pretende pregar moral não se consegue fazer senão falsa arte e falsa

literatura. (MONTEIRO, 1964, p.36).

A arte só serve ao povo, avança Monteiro (1964, p.36) de uma forma muito diferente

do interesse dos pregadores. Não se pode medir as virtudes da arte pelos objetivos que se

deseja atingir, já que a arte é a medida do homem real, e não pode ser, portanto o ―retrato de

15

O percurso reflexivo na obra de Lukács L’Ame et les Formes foi-nos indicado por Silva (2006, p.85).

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um homem ideal‖. Não cabe a arte fornecer imagem da perfeição, mas exprimir a luta humana

pela perfeição, mas isso não interessa aos pregadores.

O mundo não pode ser corrigido por um ideal superior.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Schüler (1989, p. 72) destaca que o romance brasileiro, empenhado em definir nossa

identidade, suportou a ameaça do localismo redutor. Disso o salvaram ficcionistas do porte de

Machado de Assis, Guimarães Rosa e Osman Lins que, embora atentos ao local, indicaram o

caminho pelo qual a imaginação conserva distância crítica frente à realidade imediata e

mantém aberto o caminho com os outros homens e outras culturas.

A tentativa de fechamento em uma totalidade, como identificamos em Luz e sombras,

promove o fechamento dos valores humanos a uma realidade abarcável, não reconhecendo

abertamente a dialética da realidade, tentando recuperar essencialidades e promovendo

homogeneidades que acabaram resultando numa estética muito particular que podemos, por

fim, configurar como tensão entre a dialética da realidade e os paradigmas morais,

fundamentalmente católicos do começo do século XX. A obra em questão, pois, é expressão

de localismo redutor, tendo em vista as perspectivas da crítica e política mato-grossense do

período.

Luz e Sombras, por tudo que refletimos nas páginas anteriores, resumindo e

concluindo: não é um romance político devido às ideologias conduzidas e não reativadas pelo

choque dos contrários; e não se trata de uma obra de arte literária, por que, também lhe falta

independência artística às posições ideológicas dominantes. Barros sacrificou suas

personagens tornando-as desastrosa e ironicamente inverossímeis, a espacialização, viva de

significação na forma romance, curvou-se às limitações do autor. O próprio narrador, estância

fartamente produtiva, perdeu a vitalidade pela febre retórica do autor.

Por que estudar uma obra que não nos encante esteticamente? Cabe refletir sobre tal

questão. Como apontamos na ―introdução‖, Luz e Sombras foi publicado em 1917 e só foi

reeditada em 2008, integrando a Coleção Obras Raras, da Academia Mato-Grossense de

Letras e Universidade do Estado de Mato Grosso. Duas instituições de peso e um projeto

inédito de reedição dos clássicos da literatura mato-grossense que permaneciam ainda na

primeira edição. Foram republicados, também, reduzindo-se à ficção romanesca: Piedade

(1937) de José de Mesquita, Era um poaieiro (1945) de Alfredo Marian, Mirko (1927) de

Francisco Bianco Filho. Tais reedições, sem dúvida, merecem estudos críticos. Talvez sirva-

nos como justificativa, neste sentido, a posição de Candido (1993, p.10), referindo-se à

literatura brasileira: ―pobre e fraca‖. Não haveremos de estudá-la por conta disto? O próprio

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Candido pode nos responder: ―se não for amada [nossa literatura], não revelará a sua

mensagem; e se não a amarmos, ninguém o fará por nós.‖ Tal amor, bem entendemos, implica

estudo. Estamos imbuídos desta preocupação.

Mas a pergunta que permeia o parágrafo anterior não foi, ainda, inteiramente

respondida. Vamos, agora, tentar respondê-la completamente. Fomos, infinitas vezes,

questionados sobre tal aspecto. Melhor reformular a pergunta: por que a pesquisa de Luz e

Sombras se não consideramos a obra relevante, apesar da republicação? Diríamos, sem

sombra de dúvida, que a arte é relevante e encantadora. E é sob tal viés que se sustenta este

estudo. Ao contestarmos o aspecto artístico deste fenômeno literário foi a perspectiva artística

que não está nele que nos animou. Consideramos, por fim, que se tal atitude configura-se uma

mudança de paradigma, ela se fez necessária e, acreditamos, revelará ainda seus frutos em

estudos semelhantes nesta ainda desbravada selva da literatura mato-grossense.

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