Brito Sergio 2010 Imobiliaria e Turismo Residencial
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T U R I S M O
IMOBILIRIA DO LAZER E TURISMO RESIDENCIAL
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Ficha Tcnica
Ttulo
ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
Autor
srgIo Palma brITo
Editor
sPI - socIedade PorTuguesa de InovaoconsulTadorIa emPresarIal e FomenTo da Inovao
edIFcIo les Palaces, rua JlIo dInIs, n. 242, 2084050-318 PorTo
Tel: 226 076 400; Fax: 226 099 [email protected]; www.spi.pt
PorTo 2010
Projecto Editorial e Grfico
PrIncPIa edITora, lda.
Impresso
raInho & neves
isbn 978-972-8589-85-1Depsito Legal 318930/10
Produo aPoIada Pelo Programa oPeracIonal de valorIzao do PoTencIal humano e coeso socIal da
ram (rumos), co-FInancIado Pelo esTado PorTugus e Pela unIo euroPeIa, aTravs do Fundo socIal euroPeu.
secreTarIa regIonal do Plano e FInanas do governo regIonal da regIo auTnoma da madeIra (ram)
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T U R I S M O
IMOBILIRIA DO LAZER E TURISMO RESIDENCIAL
srgIo Palma brITo
Sociedade Portuguesa de Inovao
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Introduo
O presente trabalho exemplo mximo de uma das dificuldades da investigao,
do estudo, do debate e das conversas correntes sobre turismo: a ausncia de definies
rigorosas, conhecidas e aceites sobre os conceitos mais habituais.
No volume sobre sustentabilidade, adoptmos um conceito simples e operacional
de tempo livre, de que o tempo de lazer uma parte varivel. Em portugus, expresses
como casa de frias, segunda residncia, especulao ou imobiliria eram
frequentes em meados do sculo XX. Imobiliria turstica e, depois, imobiliria do
lazer so expresses de meados dos anos 90 que procuram qualificar a referncia oferta
de alojamento turstico, a qual viria a ser designada por turismo residencial.
Por sua vez, a designao de turismo residencial deu lugar a dois conceitos diferentes.
Um desses conceitos figura no plano estratgico nacional de turismo de 2007
como resorts integrados de turismo residencial; definido, sem mencionar a desig-
nao de turismo residencial e a do PENT, pelo Regime Jurdico da Instalao e Fun-
cionamento dos Empreendimentos Tursticos, de Maro de 2008; e adoptado, com ou
sem entusiasmo, pelos promotores de empreendimentos tursticos em propriedade plural,
com destaque para os conjuntos tursticos (resorts).
O segundo conceito o que utilizamos no presente texto: o turismo residencial
existe a partir do momento em que h aquisio, financiada por transferncia de recursos
de um no-residente, de uma unidade de alojamento cuja utilizao pelo proprietrio ou
em explorao turstica est ligada vivncia do tempo livre. No seio da vasta oferta de
turismo residencial, a poltica de turismo ou a iniciativa privada podem criar diferenas
administrativas ou de posicionamento do mercado.
A maior parte da procura e da oferta de turismo residencial est ligada viagem
para estanciar durante o tempo livre em local fora dos permetros urbanos tradicionais.
No ignoramos o turismo residencial em meio urbano e, ainda menos, o seu potencial
de crescimento, mas o seu lugar neste modelo de negcio ainda pequeno. A oferta de
turismo residencial um elemento importante e quase indissocivel da oferta de turismo,
cuja relao com o ambiente e o ordenamento do territrio descrevemos noutro volume
desta coleco. A leitura dos dois volumes quase obrigatria.
A actualidade do turismo residencial e desta oferta de turismo s pode ser com-
preendida no quadro de uma genealogia que se estende por dois milnios e objecto do
Captulo 1. A nossa anlise limita-se ao perodo da Europa da Abundncia, que vai dos
anos 50 do sculo XX crise de 2008-2009, j na Europa da Dvida. O Captulo 2
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6 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
dedicado ao modelo do turismo residencial e ao seu enquadramento nos instrumentos de
gesto do territrio, loteamentos e edificao urbanos na legislao sobre empreendimen-
tos tursticos. O Captulo 3 descreve a ocorrncia do modelo no Algarve e o Captulo 4
no resto do Pas, terminando com uma nota sobre o turismo residencial no estrangeiro.
A redaco deste texto coincide com o que parece ser a transio entre dois pero-
dos da histria do viajar na Europa. Em relao aos dois perodos anteriores, a diferena
no reside na tecnologia de transporte (comboio inicialmente, avio/automvel depois),
mas num profundo ajustamento da sociedade e da economia no seguimento da Europa
da Dvida. Em Portugal, o turismo residencial do futuro depende sobretudo da nossa ca-
pacidade para identificarmos a procura deste novo perodo e para valorizarmos as novas
modalidades de oferta que ela exige. Isto implica revermos como no terreno se formou a
oferta de turismo ao longo das ltimas dezenas de anos.
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Captulo 1
GENEALOGIA da OFERTA de TURISMO para
ESTANCIAR durante a VIAGEM para VIVER o
TEMPO LIVRE
S U M R I O
A genealogia da oferta do turismo e do turismo residencial remonta a Roma, com a villa, para viver tanto o culto do lazer como o do prazer mais desbra-gado, tendo-se concentrado na baa de Npoles e na urbe de Bias, o qual foi fruto exclusivo desta funo.
No Renascimento, reaparece a villa, no campo, para a vivncia do prazer, j no reservada apenas aos privilegiados da realeza, aos nobres e aos clrigos, mas obra da burguesia, que cria a urbe.
Entre o sculo XVIII e o surgimento do caminho-de-ferro, a nova dimenso da procura exige a criao de estncias (de termas, praia e bom clima) onde surgem as primeiras promoes da imobiliria do lazer.
O caminho-de-ferro e o barco a vapor exigem uma concentrao urbana na origem e uma oferta de instalaes e servios crescentemente organiza-dos nos destinos.
Os captulos seguintes ocupam-se do perodo que vai de meados dos anos 50 do sculo XX crise de 2008-2009.
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal8
De ROMA ao CAMINHO-de-FERRO
De Roma Renascena
Em Roma, a villa um edifcio localizado no campo e utilizado pelo seu proprietrio
para lazer e descanso. Inicialmente ligada agricultura, a partir de finais do sculo I a. C.
a villa passa a ser utilizada apenas para o otium ou para a pura vivncia do prazer (Acker-
mann, 1995, p. 9). Esta transformao permite que a villa seja edificada no lugar escolhido
pelo seu proprietrio, de acordo com as exigncias da nova utilizao que passa a ter.
Na tipologia da vila romana, para alm da villa no campo, encontramos um
modelo prximo do actual:
A villa suburbana, um retiro perto da cidade;
A villa martima, tambm sem funes agrcolas e construda beira-mar,
podendo estender-se pelo mar;
A mesma villa pode ser utilizada como residncia suburbana e lugar de vi-
legiatura;
Vrias villae tm o mesmo proprietrio (Baldson, 2002, pp. 194, 196).
O primeiro espao de concentrao da vilegiatura (DArms, 1981, p. 94) surge
quando Between 100 B.C. and 100 A.D. the appearence of the Bay of Naples was trans-
formed.[] Instead of scrub there were handsome stone-built villas, set in what seemed
an woodland of green trees (Baldson, 2002, p. 203). A deslocao facilitada: Rich
Roman proprietors and occasional sojourners enjoyed vastly improved communications
between Rome and the Campanian coast after Flavianic and Trajanic efforts on the great
roadways (DArms, 2003, p. 155). Diferente das cidades vizinhas, com origem na colo-
nizao grega e em instituies locais, Bias figured nowhere in early Roman history;
[] Baiae is already famous as a city of hot sulphur baths and seaside allurements, ca-
tering alike, as Strabo later observed, to the aliments of the sick and the pleasures of the
sound. Thus no Roman municipium but rather a collection of villas set around and
above a glittering bay, Baiae was Romes first resort (DArms, 2003, p. 52).
Bias e a baa de Npoles so o cenrio da concentrao da villa localizada sobre
o mar ou perto da costa. Em muitas zonas do imprio, o litoral cenrio para uma vivn-
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genealogIa da oFerTa de TurIsmo Para esTancIar duranTe a vIagem Para vIver o TemPo lIvre 9
cia da vilegiatura, diferente da oferecida pela villa em espao rural. Lembramos que la
villegiature aristocratique slargit la classe moyenne, sinon la plebe (Andr, 1993,
p. 55) e lhtellerie, qui relve de linitiative prive, et qui reoit surtout la clientle
populaire et allogne, est soumise, comme les bains, une rglementation et une stricte
surveillance.
A queda do Imprio Romano do Ocidente provoca o desaparecimento de toda esta
estrutura urbana, econmica e social. A villa renasce no sculo XIV, mas a vivncia do
tempo livre no litoral s volta a ter lugar na segunda metade do sculo XVIII.
Da Renascena ao Incio do Sculo XVIII
Sculo XIV a villa em Florena
Em meados do sculo XIV, Florence was a paradigm of the change from the
countryside of the feudal fortress to that of the villa (Ackermann, 1995, p. 64): there
was no ordinary or great citizen who had not built or was not in the process of building
in the country a grand and rich estate with an expensive layout and handsome buildings,
and much better that in town1.
A villa descrita por Leone Battista Alberti as per semplice diletto, conceived
primarly as a retreat (though some cultivation may be pursued as part of the diletto), and
dependant for its construction and maintenance on surplus capital normally earned in
urban centers (Ackermann, 1995, p. 15). Leone Battista Alberti2 descreve a polarizao
das casas de campo, embrio de algumas estncias: A Country House ought to stand in
such a Place as may lie most covenient for the Owners House in Town []. It ought not
therefore to lie far from the City, and the Way to go to it should be both good and clear,
so as he may go it either in Summer or in Winter, either in a Coach, or on Foot, and if
possible by Water. [] Neither should a Country House stand in a remote, desert, mean
Corner, distant from a reasonable Neighbourhood; but in a Situation where you may
have People to converse with, drawn to the same Place by the Fruitfulness of the soil, the
Pleasantness of the Air, the Plentifulness of the Country, the Sweetness of the Fields, and
the Security of the Neighbourhood (V-XIV).
O prazer assumido: The later Renaissance writers represent villa life only as a
restorative relief from the evils, restrictions and responsibilities of the city, and a chance
to hunt, play games and perform a little healthy and productive work. They seem not to
seek opportunities for self-improvement (Ackermann, 1995, p. 108).
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal10
As Quintas de Recreio em Portugal
A partir do sculo XVI, a arte das quintas de recreio adquire grande incremento em
Portugal, mas no sculo XVII uma nova vaga de quintas surge a atestar a continuidade e
desenvolvimento em Portugal de uma arte que, nos dois sculos precedentes, transformara algu-
mas villae italianas em fulgurantes manifestaes de criao artstica segundo Ildio de Arajo3.
Em meados do sculo XVI, passado o Mosteiro dos Jernimos, Damio de Gis
escreve que daqui at primeira extremidade de Lisboa corre a distncia de trs mil
passos. Por todo este percurso so dignas de ver-se muitas construes de quintas subur-
banas, de admirvel elegncia e aprazimento. Mais adiante acrescenta que as quintas e
as casas de campo, nas redondezas, vo alm de seiscentos4. Em 1687, Domenico Laffi
menciona o grande palcio de Alcntara, onde, de vez em quando, vo gozar a frescura
do Vero aqueles Reinantes e toda esta costa at entrada na velha cidade de Lisboa
continuamente ornada com soberbos edifcios, a que os portugueses chamam quintas5.
Embrio de Futuras Estncias
Sobre Lisboa, Damio de Gis escreve: Quanto salubridade de Lisboa e bran-
dura do clima, devo dizer que so tais a sua amenidade e suavidade que quase se no
sente, atravs do ano, nem calor nem frio em excesso. Por isso acontece que para Lisboa
emigram muitos estrangeiros, vindos de naes e de regies afastadas, atrados pela bon-
dade do clima, e, deixando o seu torro natal e os cuidados da ptria, aqui se estabelecem
e aqui vivem toda a vida (ob. cit., p. 65).
Fora de Lisboa, nascidas da itinerncia da corte, h residncias rgias que vo ser
espao de vilegiatura e desempenhar um papel relevante: Sintra, Almeirim e Salvaterra de
Magos. Para Damio de Gis, Sintra dotada de admirvel amenidade pelo stio e pela sua
suavidade do clima, enobrecida com um grandioso e magnfico palcio dos Reis de Portugal.
Em 1608, Lus Mendes de Vasconcelos6 faz o filsofo dizer: E assim neste circuito de Sintra
est tudo o que para recreao se pode desejar, em tanta perfeio, que excede ao entendimento
humano, no lhe faltando tambm particulares quintas deleitosas, e frescas, e todo o caminho at
Lisboa, que de cinco lguas, ou se venha por Oeiras, ou por Benfica, est povoado delas, e de
lugares, de sorte que todo uma contnua recreao. Sobre Almeirim, o soldado que lembra
a formosura de Almeirim de Inverno, bem como a facilidade com que a estas partes se
vai, em bergantins pelo rio, com os Paos e lugar de Salvaterra, que oferecem agradvel
repouso a Sua Alteza e aos que o acompanham. No reinado de D. Sebastio, a corte visita
amide Almeirim, e Verssimo Serro7 refere a rgia Almeirim, Sintra de Inverno da corte.
Domenico Laffi menciona Almeirim e Salvaterra, delcia dos reis de Portugal.
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genealogIa da oFerTa de TurIsmo Para esTancIar duranTe a vIagem Para vIver o TemPo lIvre 11
Do Incio do Sculo XVIII ao Caminho-de-Ferro
As Estncias
Estncia designa a integrao orgnica e funcional de instalaes e servios
para a vivncia do tempo livre, num espao organizado para esse efeito e destinado a uma
procura crescente cuja escala e cujos desejos ultrapassam a disperso/polarizao das
vilas em espao rural. Esta estncia desde o incio obra de promotores, como o caso
de Bath no incio do sculo XVIII. A tm lugar as primeiras promoes da imobiliria do
lazer e a interveno de exploradores e animadores. Estes ltimos so personificados
pelo beau Richard Nash, criador do happening social de Bath (Goldsmith, 1762), uma
alternativa quase radical prtica teraputica que comea por caracterizar as estncias.
A estncia no teria sido possvel sem the improvements in transport, the provi-
sions of more horses, an expanding coach industry, and the turnpike mania of 1751 to 1773.
[] Commercial transport, the public coach and wagon services, also proliferated, although
some of this was only seasonal, expressly for the holiday trade (Hembry, 1990, p. 305).
Caso diferente o da estncia que resulta da mera justaposio de palcios, quin-
tas e casas, de que Sintra exemplo. Segundo um testemunho, j na viragem dos sculos
XVIII-XIX, h apenas belas e frondosas quintas, nada mais. [] Aqui no vale a pena
sequer pensar em espectculos, bailes ou concertos, em todos os pequenos prazeres que
a mais pequena das estncias termais alem tem para oferecer. Cada um procura, melhor
ou pior, divertir-se sua maneira (Link, 2007, p.150). Neste caso, no h massa crtica
de visitantes, estruturao de espaos sociais e hapenning organizado.
As estncias podem ser classificadas segundo a maneira como combinam as exign-
cias da prtica teraputica, prpria dos health resorts, com o ritual, quando no a excentrici-
dade, da vida mundana, no que so, de facto, pleasure resorts. A simples estadia para viver
os prazeres da vida enfrenta resistncias sociais e culturais, sendo a prtica teraputica ou o
health resort um libi que torna socialmente aceite o facto de se estanciar por prazer.
As estncias podem ainda ser classificadas segundo o princpio teraputico que
est na sua origem: as termas, a praia ou o clima.
Estncia Termal
Na Inglaterra do incio do sculo XVIII, land speculators and builders, physicians
and others took the new opportunities for capital investment, not only in spa buildings and
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal12
the growing trade in mineral waters but in leisure industry, to serve the transport and ac-
commodation needs of the visitors and to provide commercialised diversions to fill their
ample free time (Hembry, 1990, p. 303). Nestas estncias, a teraputica laica e integra
os prazeres da vida: health resorts were largely transmuted into pleasure grounds [].
Spas provided a novel kind of rural public life with varied social intercourse, a welcome
alternative to the boring limitations of the country house (idem, ibidem). A estncia
termal de Bath o primeiro espao urbano objecto de uma conscious, highly artificial
transformation, as much of a change as Swindon or Dagenham underwent in their respec-
tive phases of our modern industrial age (Little, 1947, p. 61), ou, por outras palavras,
espao pioneiro da urbanizao e do urbanismo tursticos.
A localizao da estncia termal depende da fonte que est na sua origem. Na
maior parte dos casos, est arredada ou distante de centros urbanos. A frequncia deste
tipo de estncia exige investimento em balnerios, fontanrios, alojamento e espaos
sociais. Na maior parte dos casos, um espao formal, de que os parques termais so
exemplo.
Estncia de Praia
Ainda em Inglaterra, a partir de meados do sculo XVIII, mais de 1300 anos
aps a destruio das villae maritimae do Imprio Romano, nasce a estadia balnear de
praia, segundo o modelo da vilegiatura nas termas do interior (Corbin, 1988, p. 287).
Brighton o cone da nova vilegiatura, por a se ter instalado o primeiro mdico que
recomendou a teraputica martima e por o prncipe regente (o futuro rei Jorge IV)
ali estanciar durante mais de 40 anos seguidos. Brighton passou a ser, segundo Alain
Corbin, un lieu de villgiature et de plaisirs dont la libert, la gait contrasteront
longtemps avec le style un peu compass de Windsor. Por essa altura, Blackpool fre-
quentada por apenas algumas centenas de veraneantes das classes altas de Lancashire
e Yorkshire (Walton, 1998, p. 2). Contrariamente s termas, a natureza faz da praia um
espao popular, com o futebol, que se joga de p descalo com bola de trapos no ter-
reiro disponvel: Les habitants de Bayonne, rejoints certains jours par les vilageois
du Pays Basque, avaient depuis longtemps lhabitude de venir sbrouer lt dans
les vagues, au milieu des rochers de Biarritz (Corbin, 1988, p. 297). Reconhecida
esta dimenso popular, il convient donc de soigneusement distinguer ces lieux []
et lquipement rationnel des plages destines un public distingu, aux mois soi-
gneusement guids, contrls et magnifis, au centre dun fastueux thatre de pierre, de
verdure et de sable, ou, por outras palavras, estncias promovidas e animadas segundo
o modelo de Bath.
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Estncia Climatrica
Na estncia climatrica, o clima e o ar puro so apresentados como fonte de sade.
Este tipo de estncia tem o reconhecimento mdico e passa a ser frequentado para pre-
veno ou cura da tuberculose. Muitas estncias climatricas de sade coincidem com
estncias termais e de praia. Funo teraputica parte, a estncia climatrica anuncia
a influncia do clima no sucesso dos destinos da viagem para estanciar durante o tempo
livre. O discurso sobre sol e praia quase faz esquecer a importncia do clima ameno
para a promoo do turismo residencial.
Mediterrneo, Espao da Diferenciao Social
A distncia e a dificuldade de acesso fazem com que o Mediterrneo comece a ser
o espao de diferenciao social da viagem de estadia. A partir de meados do sculo XVIII,
many delicate people of rank and fortune had been in habit of wintering in Mediterranean
France. It was the climate which was the principal attraction; the winters there were warm and
the air was thought to be extremely healthy. [] So by the 1780s Mediterranean France was
firmly established as a favourite winter retreat for wealthy Englismen (Travis, 1993, p. 27).
No final do sculo XVIII8, Nice parece ser o nico local de estadia. J existe o
Hotel de York (o nico mencionado no guia), mas la terrasse le long de la mer ainda
no a futura Promenade des Anglais. As ruas da cidade velha so estreitas e sujas, e
nos arrabaldes que se alojam os estrangeiros que passam o Inverno em Nice. A afluncia
destes estrangeiros tait prodigieuse avant la rvolution; elle a totalement cess pendant;
mais sans doute la paix y fera accourir de nouveau les malades de tous les pays. A tem-
peratura do Inverno em Nice semelhante do ms de Maio em Inglaterra, e lair y est
si serein, quon ne voit pendant des mois entiers, que le plus beau ciel azur sans nuages.
Quando o comboio est a chegar ao Sul de Frana, so sete as stations hivernales de
Provence: Hyres, Cannes, Antibes, Nice, Villefranche, Monaco e Menton (James, 1867, p. 509).
Campo, Praias e Termas de Portugal
Durante a primeira metade do sculo XVIII, h pequenos sinais de Lisboa poder vir
a ser um health resort da Europa, pelo clima e pela fcil ligao martima a Inglaterra. Henry
Fielding o mais conhecido dos seus visitantes, que nunca atingem um nmero significativo.
Sem a Inquisio, nem o Terramoto de 1755, e sem todas as perturbaes polticas que se lhes
seguiram at meados do sculo XIX, talvez Lisboa tivesse desempenhado o papel que coube
a Nice, de acesso bem mais difcil a partir de Inglaterra. Durante esse perodo, Sintra conhece
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal14
uma evoluo que a marca para o futuro e Salvaterra de Magos a estncia de Inverno, para
onde a Corte se desloca durante a poca da caa. No reinado de D. Jos I, a pera de Salva-
terra marca o ponto alto desta efmera estncia cuja memria se perdeu nos tempos.
Nas proximidades de Lisboa, Junqueira, Pedrouos e Pao dArcos (Brito, 2003)
sucedem-se-lhe como praias da boa sociedade da capital. A frequncia balnear de Cascais
anterior a 1870, pois a ligao a Oeiras (1864) e a Sintra (1868) tornam-na acessvel a
residentes de Lisboa e a veraneantes de Sintra. A partir de 1870, a estadia estival em Sintra
seguida pela balnear da Corte em Cascais. O patrocnio real atrai nobres e burgueses, que
a comeam a edificar as suas casas, mais ou menos apalaadas. De visita a Cascais, no final
da dcada de 70, a princesa Rattazzi confirma que de bom-tom ir l passar um ms ou
seis semanas por ocasio da permanncia da famlia real, mas uma terra onde tudo est
ainda por fazer, seria necessrio um especulador francs para tirar partido desse deserto9.
Em 1865, o balano de Vilhena Barbosa10 d-nos o ponto zero do termalismo em
Portugal: os banhos termais que se vem por todo o reino, exceptuando apenas os das
Caldas da Rainha, do solene testemunho no s do nosso atraso, mas tambm, e ainda
pior, da relutncia com que vamos marchando no caminho trilhado pelas naes mais
adiantadas e faz pena, e deve-nos causar vergonha, ver as excelentes caldas do Gers
ou uma lstima ver os banhos das caldas de Vizela. Nas Caldas das Taipas, no meio
de todas essas belezas naturais ergue-se, obra dos homens, o pobre e mesquinho edifcio
dos banhos termais, mas, comparado com os do Gers ou de Vizela, poderemos, em
boa conscincia, dar-lhe o epteto de sumptuoso.
Este panorama s se altera a partir do ltimo quartel do sculo XIX.
Do CAMINHO-de-FERRO SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Praias dos Mares do Norte, Termas e outras Estncias do Continente
Procura Crescente e Nova Escala da Urbanizao e do Urbanismo Tursticos
H um momento a partir do qual se conjugam as influncias de quatro factores:
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genealogIa da oFerTa de TurIsmo Para esTancIar duranTe a vIagem Para vIver o TemPo lIvre 15
A economia cria o rendimento disponvel que torna a viagem acessvel a cada
vez mais gente;
A sociedade cria os novos tempos de lazer da Revoluo Industrial: a viagem de um
dia, o fim-de-semana e as estadias curtas, as frias estivais e, para o vrtice alargado
da pirmide social, a longa estadia de Inverno ou a emigrao para viver a velhice;
A urbanizao da populao cria a concentrao da nova escala da procura, a
que a rentabilizao do comboio obriga;
O comboio implica mais gente a viajar e transporta mais gente dos destinos da
viagem, o que d uma nova expresso urbanizao e ao urbanismo turstico
que tiveram incio em Bath quase dois sculos antes.
Da mesma maneira que, nas cidades, se comeam a edificar os primeiros grandes
hotis, a urbanizao e o urbanismo tursticos formam-se a partir de algumas estaes
de comboio.
Um Panorama das Novas Estncias
A frequncia das praias muda. Em 1841, o comboio chega a Brighton, e Corbin
afirma que la plage moderne est ne uma praia abandonada pela realeza (a rainha
Vitria vive estadias recatadas na ilha de Wight) e pela elite. A partir de 1870, Blackpool
cresce com a procura das classes mdias baixas. Napoleo II contribui para o esplendor
de Biarritz e a elite de Espanha segue os seus monarcas, que veraneiam em San Sebastian.
As estncias termais renascem por toda a Europa e fazem concorrncia s da Inglaterra, j
abandonadas a favor das praias. A Sua o playground da Europa, e comea a prtica
dos desportos de Inverno. No interior do continente europeu, na proximidade das grandes
urbes, h lugares onde estanciam os que no podem aceder grande viagem at praia ou
s termas da moda. Entre estes est a classe operria, quase sempre limitada deslocao
dominical ao campo mas j a ganhar dias de frias, os quais culminam, pouco antes da
Segunda Guerra Mundial, nas frias pagas.
A Formao da Cte dAzur
A Afirmao da Diferenciao Social
O comboio, a riqueza crescente e a emulao social do origem primeira concen-
trao integrada de estncias, a Cte dAzur. H a aristocracia: ce pays ravissant et tide,
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal16
cest aussi lhopital du monde et le cimetire fleuri de lEurope aristocrate (Maupassant,
1979, p. 48). No Mediterrneo, vemos que o apex of the British social pyramid was
to be found [] as regular visitors coming to a home from home, mas a prosperidade
britnica e o comboio alargam esse privilgio s middle classes e aos lower riches of
the middle classes (Pemble, 1897, p. 2).
A estadia no est limitada a vivendas e pode ter lugar em hotis ou apartamentos
(Sparks, 1879, p. 153): Villas are best suited for people with large means, with large
families, and with some experience of foreign life. To those who come abroad for the
first time, and who are, as in rule with English travellers, almost entirely ignorant of the
language for speaking purposes, villas are not recommended; flats containing three or
four living rooms, with a small kitchen and a servants room, can sometimes be taken.
esta objectividade na avaliao das diversas modalidades de alojamento que falta
integrao da variedade da oferta de turismo pela poltica e pela administrao do turismo.
A Urbanizao Turstica do Comboio
A formao da Cte dAzur ilustra o modelo de urbanizao turstica que resulta
do acesso por comboio: na proximidade das estaes, formam-se as estncias, aonde, a p
ou em transporte de traco animal, chegam os viajantes. As primeiras estncias resultam
da expanso de ncleos urbanos existentes. Com o tempo, a promoo de estncias a
partir de um terreno vago e fora dos permetros urbanos (em linguagem da actualidade)
pode levar criao de novas estaes ferrovirias.
Em praias at ento desertas, outros actores entram em cena: Lre des spcula-
teurs ils sont dj appels ainsi ou si lon prfre des promoteurs immobiliers, com-
mence ds la premire dcennie du Second Empire11. Il ne sagit plus de utiliser une plage
dj frquente par des baigneurs ou villgiaturistes, mais de crer de toutes pices une
station balnaire. Par le fait mme, on est en prsence de vritables oprations financires
misant sur le dveloppement dune socite, ou plutt dune minorit aise, accordant une
place croissante aux loisirs estivaux (Dsert, 1983, p. 23).
Ao longo da nova estrada entre Saint Raphael e Saint Tropez, so promovidas estn-
cias: Au milieu du bois de sapins qui descend jusqu la mer souvrent, dans tous les sens,
de larges chemins. Pas une maison, rien que le trac des rues traversant des arbres. Voici
des places, les carrefours, les boulevards. Leurs noms sont mme inscrits sur des plaques
de mtal : boulevard Ruysdael, boulevard Rubens, boulevard Van Dyck, boulevard Claude
Lorrain. On se demande pourquoi tous ces peintres? Ah! pourquoi ? Cest que la Socit
sest dit, comme Dieu lui-mme avant dallumer le soleil: ceci sera une station dartistes!
[] On lit de place en place : Lot achet par M. Carolus Duran; lot de M. Clairin; lot de
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genealogIa da oFerTa de TurIsmo Para esTancIar duranTe a vIagem Para vIver o TemPo lIvre 17
Mlle Croizette, etc. [] Rien de plus drle que cette spculation furieuse qui aboutit
des faillites formidables. Quiconque a gagn dix mille francs sur un champ achte pour
dix milions de terrains vingt sous le mtre pour les revendre vingt francs. On trace
les boulevards, on amne leau, on prpare lusine gaz, on attend lamateur. Lamateur
ne vient pas, mais la dbcle (Maupassant, 1979, p. 111).
No final do sculo XVIII (Ligeard, 1988, p. 106), Cannes tem trs ruas habitadas
por pescadores e marinheiros; em 1887, par un accroissement rapide qui porte vingt
mille lt, et prs du double en hiver, le chiffre de ses habitants, Cannes se disperse
sur un vaste primtre sans cesse grandissant (p.108). quando Guy de Maupassant
escreve: Des princes, des princes, partout des princes! Ceux qui aiment les princes sont
heureux. [] Dans notre pays dmocratique, Cannes est devenue la ville des titres.[]
On se runit Cannes parce quon aime les Altesses Impriales et Royales.
Estncias em Portugal
Praias de Lisboa
A Companhia do Monte Estoril criada por Carlos Anjos e pelo segundo conde
de Moser no contexto da ligao ferroviria entre Cascais e Pedrouos (1889), antes da
extenso a Lisboa. A companhia promove a urbanizao do Monte Estoril, pretende a
fundao de uma estncia de Vero que deveria reunir os atractivos usados nas outras praias
do estrangeiro e urbaniza a nova rea residencial com meios prprios (sendo responsveis
pelo fornecimento de gua e gs e pela conservao de quase todas as ruas)12. O Monte Estoril
vai conhecer ento cerca de 15 anos de glria, a que no estranha a legalizao do
jogo entre 1890 e 1902. Os planos da sociedade incluem o Splendid Hotel, a construir
sobre o mar para emparelhar com os melhores do estrangeiro e oferecer aos viandantes
tanto bem-estar como as melhores hospedarias da Europa; no entanto, como tantas vezes
acontece em tantas urbanizaes, a construo de um hotel faz parte do programa mas
acaba por nunca acontecer. No , porm, este projecto falhado que impede a construo
de outros hotis no Monte Estoril.
O empreendimento pioneiro, como o so as crticas. Ramalho Ortigo tem o
mrito da prosa: O Monte Estoril por exemplo um aflitivo manicmio de prdios, onde
cada casa manifesta a sua especial mania. Uma julga-se chinesa, outra sua, outra gtica,
outra normanda [...] rarssimos naquele horto psiquitrico os prdios com o aspecto estru-
tural e decorativo de serem aquilo que todos aqueles teriam restrita obrigao de parecer
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal18
singelos, confortveis, risonhas habitaes de honestos burgueses de Lisboa que a vo
no Vero tomar os banhos de mar com a sua famlia.
Diferente a urbanizao de So Joo do Estoril, um nome administrativo que, em
1890, a Cmara Municipal de Cascais d aos terrenos junto ao Forte da Cadaveira at ao
stio da Poa, onde j h algumas construes urbanas. A partir do aproveitamento termal
dos Banhos da Poa, a urbanizao de So Joo do Estoril promovida pela sociedade
de Florinda Leal e Lus Filipe da Matta e por proprietrios de lotes. H vrios casos de
investidores em casas destinadas ao arrendamento durante a poca balnear.
Praias do Porto
A norte, a estncia da Granja distingue-se pelos seus tom social, promoo e fun-
cionamento. O promotor Fructuoso Ayres, que decide fazer das suas propriedades uma
linda praia de banhos, tendo como coluna vertebral a linha frrea e impe o seu plano de
organizao do espao. Onde antes no havia uma s casa13. Ramalho Ortigo descreve
a Granja de meados dos anos 70 do sculo XIX: uma povoao diamante, uma estao
bijou, uma praia de algibeira. [] As primeiras construes foram edificadas depois da
inaugurao da via-frrea por um proprietrio da vizinhana, o Sr. Jos Frutuoso Aires
de Gouveia. [...] Como no h no lugar populao indgena, a Granja perten-ce exclusi-
vamente aos banhistas. [...] Os banhistas poderiam mandar mur-la e pr-lhe uma grade
de ferro com o seu guarda porto que anunciasse os viajantes ou aceitasse os seus bilhetes
de visita nos casos em que a populao no quisesse receber. [...] Na Granja os banhistas,
no somente os habitantes, em grande parte proprietrios das casas, so ao mesmo tempo
os donos da povoao, e representam nela a Cmara Municipal, o exrcito, a polcia, o
escrivo da fazenda e a repartio das obras pblicas. As despesas gerais, o clube, a fonte,
a igreja, o mercado, a rua, so mantidas pela comunidade, que se cotiza para esse fim.
Notvel exemplo do princpio a descentralizao na sua mais larga escala.
Estncias Termais
A Empresa das guas de Vidago formada em 1870. Em 1874, o Grande Hotel
abre ao pblico e D. Lus balneia-se em Vidago entre 1875 e 1877. Segundo Pinho Leal,
a pequena distncia do Grande Hotel [...] est o Pequeno Hotel e a casa para banhos
com 7 banheiras e um compartimento para duches, banhos de chuva etc.. O Palace
Hotel de Vidago abre em 1910. Nas Pedras Salgadas, ainda segundo Pinho Leal, o es-
tabelecimento tem casas para banhos, e em separado, porm prximas, tem duas casas
para habitao dos doentes, com boas acomodaes, asseadas e decentes. Verssimo
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genealogIa da oFerTa de TurIsmo Para esTancIar duranTe a vIagem Para vIver o TemPo lIvre 19
Serro afirma dever-se iniciativa privada ligar a estao da Rgua a Chaves, com
passagem por Vila Real, Vila Pouca de Aguiar, Pedras Salgadas e Vidago. O conjunto
termal de Vidago e Pedras Salgadas dos mais antigos e mais importantes do Pas.
Em 1881, a Cmara Municipal de So Pedro do Sul procede construo do novo
estabelecimento termal, que concludo em 1886. Em 1881, o Primeiro de Janeiro ainda
denuncia os proprietrios de casas que so verdadeiros pardieiros, na maior hediondez.
Em 1882 fundado o primeiro hotel, o Hotel Ribeiro, e outros se seguem a este, e em
1909 j h mais sete hotis e algumas casas de hspedes, mas h ainda casas para
alugar, sem compromisso de alimentao, mas com moblia e roupas.
Em 1888, organizou-se a Companhia do Grande Hotel das Caldas da Felgueira,
dotando a Estncia com importantes melhoramentos, entre os quais figura, como princi-
pal, a construo do seu Grande Hotel, modelo de comodidade e conforto, no gnero.
Estas duas companhias so, porm, independentes na sua aco, destinando-se a primeira
explorao termal e a segunda do hotel e suas dependncias.
Em Entre-os-Rios, em 1902 iniciou-se, ao lado das termas romanas, a construo
do novo estabelecimento termal, que foi inaugurado em 1906, inaugurando-se tambm
no mesmo ano (embora ento ainda no concludo) o Grande Hotel, hoje de todo acabado
e em activo servio.
A explorao das termas da Curia data dos primeiros anos do sculo XX; os dois
hotis so construdos nos anos 20 e o parque ocupa 14 hectares.
Mais a sul, a situao diferente. Em 1890, nas Caldas de Monchique, as classes
pobres que ali concorrem encontram j alguma comodidade, mas para as classes mais
abastadas no h por enquanto as imprescindveis comodidades de todo o gnero.
Um Caso Parte: a Estao Martima, Climtica, Thermal e Sportiva do Estoril
Um quarto de sculo depois da promoo do Monte Estoril, em 1914, anunciada a Estao Martima, Climtica, Thermal e Sportiva do Estoril. H factos que anunciam desenvolvimentos futuros:
Em Abril de 1914, o ministro das Finanas Toms Cabreira apre-senta ao Parlamento uma proposta de lei destinada a facilitar a construo de hotis. possvel sugerir que a proposta de lei foi elaborada para servir o empreendimento do Estoril e que a segurana e dinamismo que o pro-
C A S O D E E S T U D O
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal20
A Definio Legal dos Destinos Tursticos pelo Estado
Em 1917, uma comunicao ao I Congresso Hoteleiro descreve o excesso de con-
corrncia e de oferta: Existem hoje em Portugal, em via de explorao, cerca de 150
estaes de praias, termas e montanhas; a grande maioria das quais vive sem oferecer
condies higinicas, nem recursos de hospedagem ou tratamento, sem recreios, nem
viao em termos, e que no podero em tempo algum atingir maior desenvolvimento.
Contudo tais estncias fazem uma terrvel concorrncia, impedindo o desenvolvimento
das que tm elementos para aspirar a um largo futuro.
Outra comunicao defende a necessidade de restringir a concesso de guas
minero-medicinais, porque preciso, para que os nossos estabelecimentos termais se
desenvolvam convenientemente e para que o Estado possa, conscienciosamente, exigir
sacrifcios das estncias minerais, que se promulgue uma legislao que francamente os
proteja e defenda contra novos concorrentes.
Quando o Governo define legalmente as estncias de 1921 e as zonas de turismo
de 1936, est a restringir o nmero dos destinos tursticos (em linguagem actual) nos
quais possvel criar rgos locais de turismo.
jecto veicula tm como base a certeza desta colaborao poltica. tambm evidente que a apresentao dos projectos dos edifcios a construir e a sua grandiosa descrio se destina a justificar a proposta e a pressionar a sua aprovao (Silva, 1991, p. 47);
Meses depois, no pleno uso da autorizao parlamentar de 8 de Agosto, o ministro Almeida Lima aprova o decreto que a Repartio de Turismo designa por lei de hotis;
A Estao, desenhada por um arquitecto francs, exemplo do modelo de estao integrada, criada de raiz, de que h exemplos desde a seg-unda metade do sculo XIX. A empresa promotora da Estao proprietria de toda a antiga Quinta do Viana e tambm ela que faz a urbanizao e o loteamento dos terrenos circundantes, onde vai surgir a zona residencial do Estoril, abrindo ruas e avenidas largas e sinuosas e dividindo o espao agenciado em talhes de dimenses considerveis, de modo a que todos os novos habitantes usufrussem da maior privacidade e, ao mesmo tempo, do melhor panorama, talhes adquiridos por particulares que cons-truam as suas casas dentro dos princpios reguladores da sociedade;
Ao longo do tempo, o prprio espao da Estao tem sido ocupado com outras edificaes tursticas ou residenciais.
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genealogIa da oFerTa de TurIsmo Para esTancIar duranTe a vIagem Para vIver o TemPo lIvre 21
A EUROPA da ABUNDNCIA e o FUTURO
Turismo Residencial na Europa da Abundncia
Depois da Segunda Guerra Mundial e durante mais de meio sculo, a Europa
conhece um perodo de paz e prosperidade. Europa da Abundncia uma designao
datada dos anos 60, quando tudo parece possvel. Mesmo quando surgem as primeiras
dvidas sobre o futuro, o reforo da Unio Europeia e a queda do Muro de Berlim
alimentam o sonho. Este o contexto em que se forma a oferta de turismo e o turismo
residencial, sendo que este indissocivel daquele.
Na viragem dos sculos XX e XXI:
Os baby boomers adquirem casas para viver o tempo livre das frias, em
antecipao ao da reforma, que garantida pelo Estado-Providncia;
O estilo de vida das geraes X e Y a nova expresso da abundncia.
A liberalizao do transporte areo na Unio Europeia ultrapassa as restries do
seat only dos voos fretados, aumenta o nmero de ligaes areas de utilizao livre e
embaratece as viagens para uma estadia em casa prpria ou na de familiares e amigos.
O desenvolvimento das tecnologias de informao e de comunicao e da Internet
permite oferta de turismo diversificar as propostas de preos e de servios e procura
tirar delas o mximo partido. As viagens entre a Europa do Norte e a Bacia do Mediter-
rneo comeam a viver uma transformao no seio da sua estrutura.
A Europa da Dvida e a Crise de 2008-2009
No incio dos anos 90, o turismo residencial do Mediterrneo atravessa uma crise,
mas, a partir de meados daquela dcada comea um perodo de crescimento acelerado.
Sucedem-se os anncios de projectos (ou meras ideias?) de resorts. Domina o borrow to
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal22
buy to let, com financiamento fcil do promotor e do comprador, garantia de rendimento
e mais-valia um comprador pode comprar vrias unidades de alojamento, porque, em
teoria, quanto mais compra, mais ganha.
Desde 2006-2007, possvel prever uma crise na promoo/venda de turismo
residencial:
As vendas crescem, assentes em crdito demasiado fcil e pagamento inicial
mnimo;
O preo de venda por m2 de rea construda aumenta, num processo autodestru-
tivo, porque a competitividade crescente no mercado das estadias tursticas
impede que o rendimento da explorao turstica compense o capital investi-
do e permite mais-valias em sucessivas revendas;
O euro forte e a poltica de baixa inflao dificultam a suportabilidade do
servio da dvida e de encaixe de mais-valias a curto prazo, pela revenda
(frequentemente ainda no papel) do imvel.
As contas podem ser feitas com lpis e num envelope usado, mas o Excel
demonstra o contrrio. Houvesse inflao nos preos reais e nos pacotes tursticos e o ajus-
tamento far-se-ia como no passado. Sem essa auto-regulao, o ajustamento vai ser outro.
O ano de 2007 um excelente ano turstico e 2008 comea por parecer ainda
melhor; o grande problema est no preo do petrleo. Talvez por isso sejam poucos os
que interpretam os primeiros sinais do que parecia ser apenas o rebentamento de mais
uma bolha imobiliria e uma perturbao na procura de estadias na hotelaria.
A seguir, acontece o que designamos por crise de 2008-2009. Admitimos a
hiptese de esta crise ser o marco entre dois perodos da longa histria do viajar. Os
anos da Europa da Dvida acabam com a Europa da Abundncia. A paz, a prosperidade,
real ou artificial, e a liberdade criam uma cultura que tem de enfrentar ajustamentos
econmicos, sociais e culturais de uma natureza e uma escala que muitos dos europeus
desconhecem.
P O N T O D A S I T U A O
A genealogia da viagem para estanciar durante o tempo livre e do turismo residencial da actu-alidade remonta a Roma. A villa, inicialmente ligada agricultura, passou a ser utilizada para a vivncia do otium culto ou do simples prazer. Localizada no campo ou no litoral, as villae
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genealogIa da oFerTa de TurIsmo Para esTancIar duranTe a vIagem Para vIver o TemPo lIvre 23
concentraram-se na baa de Npoles e criam a urbe de Bias. A queda do Imprio Romano do Ocidente acabou com este mundo.No Renascimento, a villa recriada no campo e no longe da cidade, onde vivem os privilegia-dos da realeza, da nobreza e da religio, e a burguesia, qual devemos a maioria das villae. A partir do incio do sculo XVIII, o crescimento da procura da viagem para estanciar est na origem da formao de estncias, espaos organizados para a vivncia do lazer, pelo que hoje os designamos por urbanizao e urbanismo. As termas de Bath, no incio do sculo, so o cone do happening social da nobreza e da gentry. A partir de meados do sculo, mais de 1000 anos depois de Bias, este happening transfere-se para a praia de Brighton. Com o fim das guerras napolenicas, as termas conhecem o declnio em Inglaterra e a poca de ouro no continente; a frequncia das praias aumenta e o Sul de Frana comea a ser o lugar de diferenciao social.Transformaes econmicas e sociais, a urbanizao, o caminho-de-ferro e o barco a vapor do nova dimenso procura da viagem para estanciar na nova geografia dos destinos, onde se multiplicam as promoes imobilirias e para onde imigram os primeiros reformados. A nova procura marcada pelo ritmo de trabalho da Revoluo Industrial e pelo tempo livre, definido como tempo de no-trabalho. A rea que se passa a designar por Cte dAzur marca a diferena social, sendo Blackpool a praia icnica das frias da classe mdia baixa e da classe operria. Em meados da dcada de 1950, a Europa da Abundncia, a democratizao do transporte areo, o clima e a vida local trazem para o Mediterrneo cada vez mais residentes do Norte da Europa. Em torno dos aeroportos de chegada formam-se as zonas tursticas, de que o Algarve exemplo. A partir dos anos 90 parte do crescimento da procura j fruto da Europa da Dvida, que se desmorona com a crise de 2008-2009.
N O T A S
1 Giovanni Villani, citado por Ackermann, p. 64.
2 Texto da traduo para ingls do De Re Aedificatoria, na edio fac-smile da Dover Publications.
3 Ildio Arajo, Quintas de Recreio, Breve Introduo ao Seu Estudo, com especial considerao das que
em Portugal foram ordenadas durante o sculo XVIII, Braga, 1994.
4 Damio de Gis, Descrio da Cidade de Lisboa, Frenesi, 1988, pp. 45 e 66.
5 Brunello de Cusatis, Portugal de Seiscentos na Viagem de Pdua a Lisboa de Domenico Laffi, Edito-
rial Presena, Lisboa, 1998, p. 64.
6 Lus Mendes de Vasconcelos, Do Stio de Lisboa, Dilogos, 1. edio publicada em 1608, Livros Hori-
zonte, Lisboa, 1990.
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ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal24
7 Joaquim Verssimo Serro, Itinerrios de El-Rei D. Sebastio (1568-1578), p. 40.
8 Guide des Voyageurs en France, 6. edio publicada em 1810, com base no Guia Reichard, publicado em
Weimar, em 1793; edio fac-smile de 1971.
9 Princesa Ratazzi, Portugal de Relance, p. 313.
10 Vilhena Barbosa, Archivo Pitoresco, vol. 8, 1865, p. 244.
11 O Segundo Imprio, em Frana, o perodo de 1852 a 1870.
12 Todo o texto que se segue baseado em Srgio Palma Brito, Notas sobre a Evoluo do Viajar e a For-
mao do Turismo.
13 Granja, Vieira e Praia da Rocha so exemplos de estncias de praia criadas de raiz. Antecipam os ncleos
tursticos do incio da dcada de 1960 e da actualidade.
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Captulo 2
TURISMO RESIDENCIAL em
PORTUGAL durante a EUROPA da
ABUNDNCIA
S U M R I O
Na ausncia de uma definio legal ou consensual, apresentamos um con-ceito de turismo residencial e a tipologia da sua oferta.
Pela sua importncia e por ser exemplo de vrios casos no Mediterrneo, apre-sentamos o modelo de negcio de turismo residencial na rea turstica do Algarve.
Explicitamos, depois, o modelo de negcio de turismo residencial fora de uma rea turstica e quais so as suas identidade e estrutura particulares.
Passamos a uma abordagem geral, mas inevitavelmente muito marcada pelo Algarve, da integrao do turismo residencial:
Pelo planeamento do territrio e pelos loteamentos e edificao urbanos; Pelas leis dos empreendimentos tursticos.
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26 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
CONCEITO de TURISMO RESIDENCIAL e TIPOLOGIA da OFERTA
Conceito de Turismo Residencial
Diferentes Designaes e Um Conceito Abrangente
Em espanhol, a designao turismo residencial utilizada desde h mais de
um quarto de sculo. Em portugus, a mesma expresso tem pouco mais de cinco anos
e marca uma etapa na estratgia de diferenciao de uma modalidade de oferta turstica
antes designada por imobiliria turstica ou imobiliria do lazer.
No presente trabalho, o turismo residencial do perodo da Europa da Abundncia
definido como o conjunto de actividades interligadas com a aquisio, por no resi-
dentes, de uma casa para a vivncia do tempo livre, em geral no quadro de um empreendi-
mento turstico, para utilizao exclusiva (temporria ou permanente), para rendimento
exclusivo ou uma combinao de utilizao e de rendimento.
A casa para a vivncia do tempo livre definida pela utilizao em estadias tem-
porrias ou residncia permanente durante o tempo livre de quem nela habita. Adoptamos
a noo de tempo livre que daprs les usages linguistiques actuels, quivaut au temps
qui est libre de tout travail professionnel; dans nos socites, seule une partie de ce temps
libre est consacr aux loisirs (Elias, 1994, p. 90) na prtica o tempo de frias para os
activos e o da reforma para os reformados.
O turismo residencial caracterizado pelos seguintes aspectos:
A aquisio de uma ou mais casas, cuja utilizao est ligada vivncia da
estadia da viagem para estanciar durante o tempo livre o que designamos
por casa do tempo livre;
O tempo livre, ao incluir o da reforma, permite que a estadia se estenda imi-
grao formal do reformado, originalmente no residente;
O financiamento das despesas (desde as da aquisio da casa s das suas
conservao e manuteno, incluindo as da estadia) assegurado com
transferncias do exterior, com a excepo de a casa poder ser herdada;
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TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 27
O utilizador, temporrio ou permanente, da casa do tempo livre no exerce
uma actividade profissional no local de estadia.
Este conceito alarga a noo corrente de turismo ao incluir:
o investimento directo em alojamento turstico privado e, em particular, a sua
utilizao exclusiva pelo proprietrio;
a eventual transformao da estadia temporria numa imigrao formal, para
viver a reforma.
A casa do tempo livre pode estar isolada no campo, ser integrada num empreendi-
mento turstico ou ser um apartamento de um prdio, numa cidade. As definies de tempo
livre e de casa para a vivncia do tempo livre no so esquemticas nem simplistas, se as sou-
bermos utilizar no como uma dicotomia absoluta, mas segundo diferentes graus de pertena
ao tempo livre. Considerar a casa para a vivncia do tempo livre evita inmeras designaes:
Como a de casa de fim-de-semana, definida pela proximidade geogrfica
da residncia permanente;
Especficas, de que so exemplo cottages, bastides, datchas ou fermettes, etc.
Inadequadas, como a de segunda residncia ou residncia secundria,
que, na nossa terminologia, implica uma primeira residncia principal, al-
ternadamente ocupada com a segunda, durante os perodos da deslocao
quotidiana entre casa e trabalho, podendo ser, temporariamente, utilizada
como casa para o tempo livre.
Ao nvel da definio, consideramos todas as casas para viver o tempo livre, desde a
localizada num prdio com campainhas na porta em Quarteira ou Vilamoura mais luxuosa
vivenda de um resort integrado, passando por uma casa arruinada e recuperada de uma
aldeia de Trs-os-Montes. A partir desta definio, so criadas diferentes cadeias de valor,
cuja especificidade importa reconhecer, sem querer reduzi-las ao modelo da explorao
hoteleira ou turstica definida pelas sucessivas leis dos empreendimentos tursticos.
Definies Formais de Turismo Residencial
A referncia de turismo residencial pela poltica de turismo surge no quadro da
elaborao do plano estratgico nacional de turismo, onde ela aparece associada ao
acesso ao tipo de propriedade em alojamentos situados em zonas tursticas1.
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28 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
Em 2007, o PENT prev que os Resorts Integrados e Turismo Residencial sero
importantes no desenvolvimento do Turismo, principalmente nas regies com menor ex-
presso turstica como o Alentejo e o Oeste. O plano considera que o mercado portu-
gus representa apenas 4% do total do mercado ibrico, o equivalente a 70 000 fogos,
prevendo-se que este valor cresa nos prximos anos a uma taxa anual de 4,6%. Portugal
tem um elevado potencial para este produto..
A partir desta realidade e deste potencial, o objectivo para Portugal dever
ser crescer em qualidade e no em quantidade, no confundindo turismo residencial
com negcio imobilirio. Em todos os projectos, as camas tursticas devero estar em
funcionamento antes das restantes. Deve promover-se sobretudo a criao de resorts
integrados, com ofertas associadas por exemplo, golfe, spa. As acessibilidades e equi-
pamentos de sade so tambm determinantes para este produto. Assim, as regies com
maior potencial so Lisboa, o Algarve, o Alentejo e o plo Oeste, sendo que as que
necessitam de maior interveno a curto prazo so o Algarve, a Madeira (Porto Santo)
e o Alentejo.
No RJIFET de 2008, no h uma definio legal explcita de turismo residencial,
mas sim um conjunto de disposies que permitem constru-la.
No ponto sobre a Formao do Turismo em Portugal2, mencionamos as decises
da Comisso de Estatsticas da ONU e da Organizao Mundial do Turismo sobre o Alo-
jamento Privado, sobre os tipos de alojamento turstico (Quadro 2.1).
As definies que propomos sobre a tipologia da oferta e sobre os empreendi-
mentos de turismo residencial tm em conta a realidade que observamos, ultrapassam
as negaes da realidade pela poltica e pela administrao do turismo e vo alm das
definies da ONU, da OMT e da UE.
Quadro 2.1.
Tipos de alojamento turstico
Estabelecimentos de Alojamento Turstico Colectivo
Alojamento Privado:
Alojamento arrendado: Habitaes arrendadas a particulares ou a agncias profissionais.
Outros tipos de alojamento privado: Casas de frias e alojamento fornecido gratuitamente por familiares ou amigos.
Fonte: Elaborao prpria com base na deciso da Comisso de 9 de Dezembro de 1998.
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TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 29
Tipologia da Oferta de Turismo Residencial
Turismo Residencial em Casas Dispersas no Campo
No texto que se segue apenas consideramos o nvel das instalaes fsicas, no
refe-rindo os servios que as completam para que o utilizador usufrua das experincias
que a estadia permite o tema e o espao no permitem mais.
No quadro temporal em que nos situamos, as casas dispersas no campo tm trs origens:
O xodo rural, para o Portugal urbanizado ou para o estrangeiro, liberta casas no
campo ou nas aldeias que podem ser recuperadas para a vivncia do tempo livre
os prprios a viver a reforma, herdeiros em visitas espordicas ou citadinos que
as compram fazem destas casas uma oferta de turismo residencial disperso e no
estruturado, mas no menos relevante;
O recurso ao Cdigo do Registo Predial permite fazer destaques que com-
pletam a tolerncia municipal para com a edificao dispersa;
A construo clandestina, em terreno privado ou pblico, cujo cone no se
situa no campo, mas no Parque Natural da Ria Formosa espao onde a pro-
priedade pblica do litoral fomenta a sua degradao.
As casas dispersas no campo tm maior procura na proximidade das grandes
urbes, como especialmente o caso da rea turstica do Algarve.
Turismo Residencial em reas Tursticas e Plos Tursticos
O turismo residencial da Europa da Abundncia conhece duas grandes formas de
concentrao. A primeira a da rea turstica que se forma na zona de influncia de um
aeroporto e da qual temos dois exemplos:
O de algumas das reas tursticas da bacia do Mediterrneo, de que exemplo
o Algarve caso que descrevemos no Captulo 3, destacando a formao da
economia turstica residencial;
O que resulta da conjugao da procura dos habitantes da Grande Lisboa com
a da rea de influncia do seu aeroporto exemplo algo esbatido do modelo
de rea turstica, como a do Algarve, onde h plos tursticos reais, no
reconhecidos pelo PENT, mas que integram propostas para o PROT da rea
Metropolitana de Lisboa (ver Captulo 4).
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30 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
A segunda forma de concentrao resulta da conjugao de iniciativas de pro-
motores de turismo residencial, com o apoio da poltica de turismo, e so disso exemplo
os plos tursticos do plano estratgico nacional de turismo (Oeste, litoral alentejano e
Alqueva) ou a rea sobrante do Alentejo neste caso, o voluntarismo da poltica de
turismo e da iniciativa privada tem de passar no teste da procura.
Turismo Residencial em Ncleos Tursticos de Nova Gerao
O ncleo turstico de nova gerao criado em solo rural, como o caso do pio-
neiro Pine Cliff, ou a partir de um loteamento urbano preexistente, como o caso de
Praia dEl Rei, em Peniche. O que distingue este ncleo a profissionalizao nas suas
promoo, administrao e explorao e a conformidade com as novas exigncias da
regulao pblica, como o caso das do ambiente e do ordenamento do territrio.
A dinmica destes ncleos tursticos, com as excepes que confirmam a regra,
est sujeita a alguns processos que no parecem ser suficientemente tidos em conta:
A grande taxa de abandono de projectos, no seio de uma multiplicao de
iniciativas largamente propagandeadas;
A dinmica de arredondamento de casos de sucesso, cuja promoo se pro-
longa durante dcadas, como o caso de Vale do Lobo, entre outros;
A modernizao in situ de grandes projectos, com promoes que se estendem
no tempo, como o caso do Vilamoura XXI e do Tria Resort;
A possibilidade de alguns destes ncleos vir a ser objecto de uma maior
procura de residncia permanente suburbana qualificada por parte da popu-
lao local, em detrimento da prevista utilizao turstica, no sentido de
uma transferncia de recursos do exterior.
A mera cronologia da interveno privada e pblica faz com que os ncleos turs-
ticos da nova gerao passem quase despercebidos no seio da rea turstica do Algarve e
sejam quase o modelo exclusivo da formao da oferta de turismo residencial no resto
do Continente, com destaque para os plos tursticos de gnese poltica.
Esta preciso esclarece a confuso gerada quando se ope a excelncia destes novos
ncleos oferta de turismo do Algarve, que se limitaria a ser massificada e desqualificada.
Turismo Residencial em Meio Urbano
Existe procura de apartamentos utilizados temporariamente e localizados em
meio urbano em prdios da residncia permanente da populao local. Este um tipo
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TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 31
de turismo residencial no estruturado e difcil de quantificar. Tal como sucede com as
estncias balneares, em meio urbano tem vindo a ser desenvolvida uma oferta estruturada
de turismo residencial na qual os proprietrios dos apartamentos podem investir no sen-
tido de obter rendimentos, destinar o apartamento sua utilizao exclusiva ou combinar
uma utilizao parcial com perodos de arrendamento pela entidade exploradora ou uma
agncia especializada.
A oferta formal de turismo residencial em meio urbano essencialmente constitu-
da pelo condo-hotel, segundo a designao americana3, e inclui os trs modelos possveis
de utilizao/rendimento:
Anexo ao hotel: existncia de um bloco de apartamentos funcionalmente in-
dependente mas ligado aos servios do hotel cujos proprietrios reservam a
sua ocupao exclusiva;
Em idntico bloco de apartamentos anexo ao hotel, os proprietrios utilizam
parcialmente o apartamento e cedem-no explorao turstica durante o resto
do ano;
O hotel um condomnio (na legislao portuguesa, um hotel-apartamento), cujas
unidades so todas vendidas e cedidas explorao turstica por um determinado
nmero de anos (o que pode representar um benefcio fiscal para o proprietrio).
Em 2004, esta situao parecia ser novidade. No Portugal de 1991, so anunciados
os suite-hotel, precisamente um condominium hotel no qual todas as unidades de aloja-
mento so cedidas explorao turstica4.
Timeshare e Fraces Imobilirias (Fractionnals)
O timeshare sofreu no incio de um equvoco, porque a legislao portuguesa de
1981-1983 o considerou um produto financeiro e imobilirio. O mercado desde cedo
ultrapassa esta fase e o timeshare passa a ser uma das formas de distribuio de estadias
temporrias em hospedagem onerosa. A utilizao do estabelecimento turstico flexibili-
zada e desmaterializada, surgindo a criao de um direito real (de propriedade ou de habi-
tao peridica) sobre a unidade de alojamento, como uma garantia para o comprador,
em face de eventual incumprimento do promotor. O timeshare no turismo residencial,
mas sim um instrumento do submodelo de negcio que designamos por organizao do
turismo desorganizado.
Os fractionnals (em geral de quatro a 12 proprietrios da unidade de alojamento)
tm duas componentes:
-
32 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
A imobiliria, que assegura ao comprador, directa ou indirectamente, um direito
real sobre o imvel e lhe cria a expectativa de uma mais-valia imobiliria, que
se reflecte em venda no futuro;
A de utilizao turstica com a possibilidade de cesso de semanas no utili-
zadas explorao turstica e obteno de rendimento.
Os fractionnals so uma forma atpica de turismo residencial:
No chegam a ter o sucesso de vendas prometido quer no incio dos anos 80,
quer uma dcada depois ou to-pouco nos anos anteriores crise de 2008-
-2009;
Os empreendimentos de fractionnals continuam a ser pouco numerosos, sendo
mais frequente o caso de venda de fractionnals, em vivendas de empreendi-
mentos de turismo residencial, como produto de entrada ou ensaio ou a sua
aquisio por compradores com menores rendimentos, que adquirem um alu-
guer de quatro a 12 semanas, o que lhes basta.
O MODELO de NEGCIO do TURISMO RESIDENCIAL na REA TURSTICA do ALGARVE
Enquadramento
Um de Dois Modelos de Negcio
No volume sobre Turismo Sustentabilidade, Ambiente e Ordenamento do Ter-
ritrio, apresentamos um quadro com os modelos e submodelos de negcio da rea turs-
tica do Algarve. Neste ponto, descrevemos o modelo de negcio do turismo residencial
no Algarve e, no ponto seguinte, o mesmo modelo noutras regies do Pas. As ocorrncias
destes modelos no Algarve e no resto do Pas so descritas nos captulos 3 e 4.
A procura e a oferta final de cada um dos dois modelos de negcio a (estadias
temporrias em hospedagem onerosa e turismo residencial) assentam noutros dois aspec-
-
TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 33
tos que as tornam possveis: o da promoo de empreendimentos tursticos e o da oferta de
terrenos. O presente trabalho dedicado ao turismo residencial. Para facilitar a anlise, con-
sideramos apenas as casas do tempo livre, excluindo os espaos comerciais ou os destinados a
infra-estruturas. Estas opes no implicam desvalorizar, entre outros, hotis, estabelecimen-
tos de restaurao e bebidas, agncias de viagens ou aluguer de automveis sem condutor.
Empreendimento de Turismo Residencial A Morfologia
A morfologia de um empreendimento de turismo residencial pode assumir quatro
formas:
Em altura, quando compreende um ou mais prdios de apartamentos, com
infra-estruturas tursticas internas ou em logradouro turstico, com ou sem
espaos verdes;
Em extenso, quando formado por vivendas e pequenos blocos de aparta-
mentos, equipamentos tursticos e outros, infra-estruturas urbansticas e uma
percentagem varivel de rea verde, comum ou privada (jardins de unidades
de alojamento);
Em conjunto de empreendimentos: um empreendimento, ele prprio em
extenso, que integra outros empreendimentos tursticos em altura ou em
extenso e empreendimentos no tursticos, mas compatveis com o turismo;
A estruturao da explorao de moradias dispersas, de origem diversa, por
uma entidade exploradora, forma morfolgica atpica de empreendimento de
turismo residencial.
Empreendimento de Turismo Residencial em Altura, Estruturado pela
Propriedade Horizontal
A partir de 1955, a propriedade horizontal a propriedade exclusiva duma
habitao integrada num edifcio comum. O direito de cada condmino em conjunto o
direito sobre um prdio, portanto sobre uma coisa imobiliria, e como tal tratado unita-
riamente pela lei; mas o objecto em que incide misto constitudo por uma habitao
exclusiva, que o principal, e por coisas comuns, que so o acessrio. Antes de 1978,
a propriedade horizontal a nica maneira de estruturar empreendimentos de turismo
residencial em altura. Depois de 1978, e sobretudo desde 1986, continua a s-lo, dadas
as dificuldades criadas pela aplicao das leis dos empreendimentos tursticos. O recurso
propriedade horizontal sofre de uma dificuldade endgena: as infra-estruturas tursticas
-
34 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
no podem ser coisas comuns, que so o acessrio, pois desempenham uma funo de-
terminante no seio do empreendimento quando so acessrias, ou no empreendimento
no h infra-estruturas tursticas significativas, ou estas ocupam fraces imobilirias
privadas do condomnio, o que cria uma situao de relao especial entre condminos5.
Grande parte da oferta de turismo residencial e est a ser formada por edifcios em
altura, cuja estrutura fsica e legal inclui ou no espaos de uso comum. Esta realidade e
esta tendncia so reforadas pelas disposies dos PROT, que limitam e dificultam a cria-
o de ncleos tursticos fora dos permetros urbanos com urbanismo turstico em ambiente
de resort e facilitam a densificao da edificao urbana no seio dos permetros urbanos.
Empreendimento de Turismo Residencial em Extenso ou em Conjunto
de Empreendimentos, Estruturado como Loteamento Urbano
A partir de 19656, apesar da instabilidade legal da legislao, o loteamento urbano
mantm elementos invariantes: diviso de um terreno em lotes, obras de urbanizao,
venda dos lotes a cargo do promotor, que entrega as infra-estruturas cmara municipal e
desaparece do processo. Quando o loteamento urbano utilizado para estruturar legal-
mente empreendimentos de turismo residencial em extenso:
define apenas um conjunto de moradias e um ou outro bloco de apartamentos,
frequentemente com urbanismo turstico em ambiente de resort, de incerta
sustentabilidade e uma quase total liberdade de aco dos residentes;
no garante a sua sustentabilidade turstica, em particular no caso de urbanis-
mo turstico em ambiente de resort;
cria espao pblico que, mais tarde ou mais cedo, mantido pela autarquia,
de acordo com os padres das zonas urbanas residenciais e no de acordo
com o ambiente de resort existente durante a venda dos lotes.
O conjunto de empreendimentos de turismo residencial estruturados por meros
loteamentos urbanos exige uma ateno positiva e proactiva da interveno pblica, para
minimizar danos futuros.
Uma Forma Atpica de Empreendimento de Turismo Residencial: a
Estruturao da Explorao de Moradias Dispersas
A explorao turstica de moradias dispersas o empreendimento atpico de
turismo residencial que integra moradias, com origem na edificao dispersa, em lotea-
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TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 35
mentos urbanos e na mera edificao em meio urbano consolidado. Estes empreendimen-
tos formam uma tipologia diferenciada das camas paralelas, so explorados por empresas
da regio, comercializados sob marcas de operadores internacionais e contribuem para
o posicionamento do turismo regional junto de segmentos qualificados da procura de
estadias temporrias em hospedagem onerosa. Esta componente da oferta (villa market
ou holiday cottages) no reconhecida pelo sistema poltico administrativo do turismo e
do ordenamento do territrio, apesar da sua real importncia para a regio e para o Pas.
Esta forma atpica exige uma clarificao, para evitar criar confuso entre duas
realidades diferentes:
A estruturao da explorao de moradias dispersas por uma empresa que
assegura a sua administrao forma este empreendimento atpico de turismo
residencial, com geometria varivel;
A colocao destas moradias no mercado turstico j integra o modelo de
negcios da estadia onerosa em hospedagem em alojamento turstico indi-
vidual (e no em alojamento colectivo, como o caso dos empreendimentos
tursticos do RJIFET).
Procura e Oferta Final de Casas em Empreendimentos de Turismo Residencial
As motivaes, os desejos e a formao da procura final de uma casa de tempo
livre integram, em propores variadas, trs componentes: turismo, aplicao financeira
e investimento na pedra:
As motivaes de natureza turstica so mais amplas do que as da estadia tem-
porria e compreendem, entre outros aspectos, a realizao pessoal (o estilo de
vida), a excitao (ligada a competio por exemplo, no golfe) e o desfrute de
prazer, nas suas mais diversas formas, durante a estadia;
As motivaes de natureza financeira tm a ver com a gesto do patrimnio
familiar, o rendimento resultante da cedncia da casa explorao turstica
e a expectativa de ganhos com a sua revenda a curto ou mdio prazo;
As motivaes do investimento na pedra tm a ver com a segurana, as
mais-valias a mdio ou longo prazo e a psicologia: a exibio de estatuto
social, de poder ou de pertena a um grupo social aliam o return on ego ao
return on investment.
-
36 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
Os desejos dos compradores combinam turismo, finana e imobiliria em pro-
pores variveis e podem ser estruturados, num dado momento, nos trs submodelos de
negcio (utilizao ou rendimento exclusivos ou combinao dos dois) cuja evoluo no
tempo deve ser prevista. Passamos a explicar estes desejos na aquisio de uma casa do
tempo livre.
Utilizao Exclusiva
A casa do tempo livre utilizada, em estadia temporria ou em residncia perma-
nente da reforma, pelo proprietrio, pelos familiares e amigos. O proprietrio tem a liber-
dade de a mobilar e decorar ou alterar o seu interior, devendo respeitar as normas fixadas
pelo empreendimento no qual a casa se integra. A casa no cedida explorao turstica
e exclui a expectativa de rendimento financeiro, em favor da privacidade na utilizao.
Os adquirentes dispem de meios econmicos para financiar o investimento, pagar a sua
manuteno e o custo da administrao, salvaguardar a privacidade no acesso casa e
exibi-la em vrios crculos sociais. Esta a utilizao mais perene, desde a villa da elite
de Roma e do Renascimento s casas dos que, no seio dos diferentes grupos sociais da
actualidade, podem aceder ao privilgio da exclusividade na utilizao da sua casa. A
regulao pblica do submodelo da utilizao exclusiva enfrenta dificuldades culturais
e polticas que limitam a sua capacidade de qualificar a oferta e de a posicionar no
mercado a inade-quao da interveno da poltica e da administrao do turismo e
a falta de regulao pblica esto, actualmente, no epicentro da valorizao da economia
turstico-residencial do Algarve e do turismo residencial em geral.
Documentos oficiais, vrios autores e interesses empresariais designam este sub-
modelo de negcio por residncia secundria, segunda residncia ou imobiliria,
em alternativa a um conceito redutor de turismo. Como vimos, o conceito de casa do
tempo livre integra os diferentes modelos de negcio, acentua as sinergias, explicita os
conflitos de interesses e alarga a criao de valor pela poltica de turismo.
Rendimento Exclusivo
Neste submodelo, o rendimento financeiro e o futuro ganho de mais-valias na
venda so os desejos dominantes na aquisio de casa. Encontramos este modelo, desde a
viragem dos sculos XIX e XX, no Monte Estoril e em Santo Antnio do Estoril. A casa
cedida exclusivamente explorao turstica o que o mercado designa por hard
lease-back. O comprador pode preferir a discrio da compra sua exibio, a compra
pode envolver mais de uma unidade de alojamento e ser feita por uma pessoa individual
-
TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 37
ou colectiva (fundo imobilirio, por exemplo). A remunerao da cedncia explorao
turstica, a sua durao e as condies variam, sendo reguladas pelo mercado e pela inter-
veno pblica. A garantia de rendimento (garantia por quem e com que valor?) ou a
maneira como repartido o rendimento distribuvel gerado pela explorao turstica no
so ainda claramente regulados em Portugal e a eventualidade de uma futura regulao
inadequada pode ter consequncias perversas para a competitividade do produto. H uma
realidade incontornvel: s a rentabilidade da explorao turstica pode alimentar o rendi-
mento a pagar ao investidor e o anncio de qualquer garantia precisa de ser esmiuado.
Combinao de Utilizao e Rendimento
Neste submodelo, a casa utilizada pelo proprietrio e pela famlia em estadias
temporrias e cedida explorao turstica o resto do tempo. Esta cedncia pode visar
apenas obter rendimento para comparticipar nas despesas de administrao e no finan-
ciamento da aquisio o soft lease-back. expectativa de algum rendimento pode
estar associada a mais-valia de uma venda a curto ou mdio prazo. Neste contexto, casa
de frias designa a utilizao temporria da casa do tempo livre em estadias temporrias,
a ttulo oneroso ou no, por uma famlia com vida profissional activa. A casa de frias
um caso particular da casa do tempo livre.
Observaes sobre os Submodelos
A procura de cada um destes submodelos conhece um crescimento estrutural mar-
cado por ciclos de alguns anos ou mesmo por interrupes bruscas, como em situaes de
guerra. A procura da utilizao prpria tem tendncia a evoluir com a economia (rendi-
mento disponvel e financiamento), e ainda dominada por uma famlia, uma casa, mas
a situao de uma famlia e vrias casas comea a no ser invulgar. Este submodelo
o mais estvel e sustentvel, mas no permite alcanar o ritmo e o volume de vendas dos
outros dois modelos.
A procura para aplicao financeira (sem ou com utilizao) pode crescer con-
junturalmente no caso de haver aumento da capacidade de endividamento dos compra-
dores. Neste caso, um comprador pode adquirir tantas unidades quantas o financiamento
bancrio permitir.
Mais recente a compra de casa com base num rendimento aliciante e garantido
(de novo, por quem?) durante dois ou trs anos, com maior ou menor conhecimento da
incerteza sobre a capacidade que tem a explorao turstica para assegurar idntica remu-
nerao ao longo do tempo. Estamos no limite da venda no transparente.
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38 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
A especulao imobiliria consiste na compra de um imvel para o vender por
um preo superior, sem o transformar nem utilizar. elemento estrutural do mercado e
pode aceder a um benefcio fiscal. O especulador pode inserir-se na distribuio quando
promete comprar ou compra vrias unidades de alojamento para as revender, com lucro.
Quando no regulada pelas sbias palavras do bispo de Viseu A religio como o sal
na comida nem muito, nem pouco, apenas o necessrio a especulao causa proble-
mas de variada importncia. A histria recente est marcada por excessos na religio, no
sal na comida e na especulao, com consequncias diversas, mas graves.
O rebentamento da bolha imobiliria turstica e a ecloso da crise de 2008-2009
contribuem para que se fale no abuso de vendas no transparentes a compradores sem
qualificao financeira, sobre-endividados ou iludidos com promessas de rendimento
garantido e em especuladores sem controlo, devido a uma regulao pblica confusa.
Desconhecemos estudos pblicos sobre a importncia dos submodelos de negcio
do turismo residencial do Algarve e do Pas e os nmeros do INE so insuficientes.
A consequncia desta constatao evidente: as decises da poltica e da admi-
nistrao do turismo e do ordenamento do territrio sobre esta importante componente da
economia regional e nacional so tomadas, desde h dezenas de anos, na ausncia de um
conhecimento aprofundado da realidade.
Empreendimento de Turismo Residencial as Dinmicas Especficas
Promoo, Administrao e Explorao Tursticas
O empreendimento de turismo residencial fruto da promoo e o seu funciona-
mento assegurado pela administrao e a explorao tursticas. A promoo compreende
a concepo, a edificao, a venda de casas e a promessa da sua administrao e de uma
eventual explorao turstica no futuro. Quando a promoo se estende no tempo, em
paralelo com a administrao e a explorao turstica da oferta j construda, devem ser
explicados os custos destas actividades; com efeito, podem ser, temporariamente, subsidi-
ados pela promoo, o que acaba por cessar e ento pode causar problemas sustentabi-
lidade turstica do empreendimento de turismo residencial.
A administrao a actividade equivalente do administrador de um con-
domnio de propriedade horizontal, podendo ser bem mais extensa e variada no casos
de empreendimentos em extenso, em conjunto de empreendimentos e em altura
-
TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 39
quando as partes comuns provocam conflitos e so extensas. As regras e os custos da
administrao, com definio legal especfica (caso da propriedade horizontal) ou mera-
mente contratual, devem ser bem definidos aquando da promoo, pois a administrao
compreende o conjunto dos servios cujos custos constituem uma obrigao para o ad-
quirente, independentemente da utilizao do empreendimento, e o seu pagamento um
factor crtico do sucesso da explorao e da sua sustentabilidade turstica.
A explorao turstica, de que h sucessivas definies legais, por ns definida
como a actividade econmica que resulta da relao que se estabelece entre promotor, ex-
plorador e proprietrios das casas do tempo livre, de modo a assegurar o funcionamento
do empreendimento ao longo do tempo, quando esto em causa servios que vo para
alm da administrao. Nomeadamente, o caso de servios no interior das unidades de
alojamento, da comercializao destas no mercado turstico e da garantia do pagamento
acordado entre o promotor e o seu proprietrio.
A explorao turstica do empreendimento de turismo residencial pode integrar
a sua administrao. A experincia mostra que a relao real e legal entre administrao
(sobretudo nos casos de haver uma escritura de propriedade horizontal) e explorao
turstica no est suficientemente regulada, o que acarreta consequncias gravosas em
momentos de tenso entre as partes envolvidas.
Terminada a promoo, definimos a sustentabilidade turstica do empreendimen-
to de turismo residencial como a capacidade da relao entre proprietrios das casas do
tempo livre e empresa exploradora para assegurar a rentabilidade desta e a satisfao das
expectativas criadas aquando da venda da casa ao proprietrio, ao investidor e ao utilizador
turstico, o que implica manter, ao longo do tempo, um conjunto coerente de instalaes
fsicas, servios e valor, no quadro de uma envolvente espacial e de uma integrao territo-
rial adequadas, com criao de valor para as comunidades local, regional e nacional.
A sustentabilidade turstica depende ainda do facto de a interveno pblica as-
segurar a qualidade da envolvente e a regulao da estabilidade das relaes privadas em
causa o que faz do mau funcionamento da justia uma barreira competitividade da
economia turstica residencial do nosso pas.
Submodelos de Promoo
O promotor pode promover um empreendimento e entregar as suas administrao
e explorao turstica a uma entidade especializada, o que obriga a uma regulao pblica
adequada, para alm da propriedade horizontal e do loteamento urbano; a explorao
turstica de moradias dispersas apenas difere do promover e deixar pela origem e a
disperso das casas e pelo seu posicionamento qualificado no mercado.
-
40 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
O promotor pode manter, ao longo dos anos, uma posio dominante na adminis-
trao e na explorao turstica do empreendimento, o que contribui para a sua sustenta-
bilidade turstica, mas susceptvel de abuso da posio dominante na relao com os
proprietrios das unidades de alojamento.
A diferena entre promover e deixar e promover e ficar (e, neste caso, quem
fica? Um hoteleiro ou uma empresa especializada?) parte da oposio entre imo-
biliria e turismo. Em qualquer dos dois submodelos, a propriedade das casas do tempo
livre pode estar dispersa por uma mirade de proprietrios ou conhecer uma concentrao
significativa em proprietrios individuais ou institucionais.
Na promoo de um conjunto de empreendimentos, as relaes entre a pro-
moo e a administrao estabelecem-se entre empresas estruturadas, menos expostas s
emoes e aos excessos que podem ter lugar quando est em causa um grande nmero de
proprietrios individuais. A eventual existncia de lotes individuais no seio do conjunto
dificulta estas relaes.
Evoluo no Tempo
Por definio legal, o submodelo de promover e deixar de curta durao. O que
est em causa a qualidade da sua regulao pblica e no o ruminar de crticas ou o
discurso moralizante sobre o lucro rpido e fcil. Esta questo tem uma importncia
relevante e continua a ser ignorada pela interveno pblica.
No caso de um empreendimento de grande escala ou de um conjunto de em-
preendimentos de um ou de vrios promotores, a promoo pode durar dezenas de anos,
num promover e ficar que continue a promover e a explorar. O empreendimento pode,
desde o seu incio, ser promovido em fases ou pode ser que o sucesso da promoo jus-
tifique o arredondamento, que designa a expanso orgnica em terrenos adjacentes.
Esta expanso equivalente da capacidade de produo de uma unidade industrial, mas
acaba por ter de enfrentar enormes obstculos, com origem em excessos na avaliao dos
condicionamentos ambientais ou das regras do ordenamento do territrio.
Durante o tempo da explorao, a casa, o empreendimento, a sua envolvente e
a integrao territorial conhecem uma evoluo normal e transformaes inesperadas.
Nesses momentos de verdade para a sustentabilidade turstica do empreendimento, a
regulao pblica deve garantir a eficiente resoluo de conflitos de interesses. A experin-
cia do Algarve mostra a necessidade de realizar significativos progressos nesta rea.
A utilizao da casa por uma famlia implica considerar o seu ciclo de vida
normal (actividade profissional e reforma) e as perturbaes pertinentes para a posse
e a utilizao da casa (doenas, divrcios, nvel de vida, entre outros). A flexibilidade
-
TurIsmo resIdencIal em PorTugal duranTe a euroPa da abundncIa 41
na utilizao da casa do tempo livre ao longo do tempo deve ser objecto de regulao
legal.
Os Dois Grandes Modelos de Negcio Conflitos, Sinergias e Sua Regulao
Conflitos
A relao entre os dois grandes modelos de negcio feita de conflitos de interesses
e sinergias, que so regulados pelo mercado e pela interveno pblica. O maior conflito
resulta do facto de o turismo residencial representar perda de vendas para o operador de
holiday package e de hspedes para o explorador do empreendimento turstico, caso que tem
particular relevncia no Algarve. A procura de terrenos para empreendimentos de turismo
residencial faz aumentar o seu preo e dificulta a rentabilizao do investimento hoteleiro.
H aspectos culturais a considerar. Num quadro de conflito, o hoteleiro e o pro-
motor de turismo residencial (sobretudo o que promove e deixa) so personagens
com culturas diferentes e interesses opostos:
Em caso de sucesso, a promoo de turismo residencial um negcio de
financiamento fcil relativo, rpido perodo de retorno e boa rentabilidade,
podendo apropriar muita da mais-valia imobiliria e beneficiar da informali-
dade fiscal, reinante durante anos;
Um empreendimento turstico de propriedade indivisa exige importante inves-
timento, financiamento mais difcil, longo perodo de retorno, reduzida apro-
priao da mais-valia imobiliria e uma informalidade fiscal mais arriscada.
Este conflito entre agentes exige uma clarividente regulao pblica, na medida em
que ambos contribuem para a criao de riqueza na oferta de turismo. A experincia do
ltimo meio sculo confirma que a poltica e a administrao do turismo no asseguram
uma regulao equilibrada, favorecendo as propostas que se identificam com a explorao
hoteleira, que elemento estruturante da cultura da poltica e da administrao do turismo.
Sinergias
A primeira sinergia entre os dois modelos surge no pas de origem dos visitantes,
quando os operadores tursticos do dimenso ao transporte em seat only nas suas cadeias
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42 ImobIlIrIa do lazer e TurIsmo resIdencIal
de voos fretados e disponibilizam aos clientes do turismo residencial um acesso barato s
respectivas casas. Minimizam assim o risco do voo fretado, mas alimentam a formao
da procura, que, com a criao das companhias low cost, vai diminuir a rentabilidade do
seu negcio.
A segunda ocorre no destino, com a promoo de empreendimentos que combinam
oferta para os dois modelos de negcio. Alm dos rudimentares empreendimentos turs-
ticos em propriedade plural, com unidades de alojamento cedidas explorao turstica,
abundam casos de integrao dos dois modelos de negcio na concepo, no modelo fi-