BRITO, Adriano Naves de. Moral, justificação e evolução em E. Tugendhat

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Moral, justificação e evolução em E. Tugendhat Adriano Naves de Brito Unisinos 1 Introdução 1. A natureza abstrata da filosofia, disciplina para a qual os fatos têm influência limitada, exige dos que se enveredam por suas sendas uma permanente disposição para as clarificações conceituais. A filosofia de E. Tugendhat fornece a esse princípio um caso exemplar. Em sua filosofia, a clarificação de conceitos, sob as influências da tradição hermenêutica, da virada lingüística na filosofia contemporânea e da análise da linguagem como a empreendeu o Wittgenstein da segunda fase, mais do que um objetivo, é um método. No quadro dessa caracterização, justifica-se que ele considere uma vantagem de sua filosofia prática sobre outras o partir de uma clara definição de moral 2 3 . Uma definição, no entanto, que não se apresente como um instrumento ad hoc, mas que seja construída a partir tanto de contribuições das ciências (por exemplo, a etnologia (Cf. Tugendhat, 2001c, p.163 [60])), quanto de uma análise da linguagem; e que, ademais, esteja aberta a outras perspectivas 4 . O primeiro ponto que quero trazer para esta discussão com Tugendhat diz respeito à sua definição de moral. Vou começar expondo-a, para então submetê-la ao confronto 1 Apoio: CNPq. 2 “Se eu tentasse uma justificação própria, independentemente dessas tentativas de justificação disponíveis [a de Kant, a do utilitarismo e a do contratualismo], isso não faria sentido. … Quero tentar investigá-las [a essas justificações] muito brevemente. … Mas tenho uma vantagem que nenhuma outra daquelas posições tinha, qual seja, a de ter na retaguarda o esclarecimento da palavra “moral” que foi de onde parti.” (Tugendhat, 2001c, p.169 [66]. Colchetes meus). 3 Nas indicações das referências bibliográficas ao longo do texto, a paginação colocada entre colchetes corresponde às respectivas edições em português, todas elencadas na bibliografia final. Para todos os textos sem traduções publicadas, as traduções dos originais são minhas. O texto de Tugendhat “Wir sind nicht fest verdraht”, embora tenha uma tradução para o português feita por Valério Rohden, indicada nas referências, foi publicada em alemão numa versão significativamente diferente da brasileira. Por isso, ele é citado em tradução minha. 4 “Começar assim [pela apresentação de um conceito de moral] só faz sentido se outras possibilidades de entender a palavra não forem bloqueadas” (Tugendhat, 2001c, p.164 [61]. Colchetes meus)

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Moral, justificação e evolução em E. Tugendhat

Adriano Naves de BritoUnisinos1

Introdução

1. A natureza abstrata da filosofia, disciplina para a qual os fatos têm influência

limitada, exige dos que se enveredam por suas sendas uma permanente disposição para as

clarificações conceituais. A filosofia de E. Tugendhat fornece a esse princípio um caso

exemplar. Em sua filosofia, a clarificação de conceitos, sob as influências da tradição

hermenêutica, da virada lingüística na filosofia contemporânea e da análise da linguagem

como a empreendeu o Wittgenstein da segunda fase, mais do que um objetivo, é um

método. No quadro dessa caracterização, justifica-se que ele considere uma vantagem de

sua filosofia prática sobre outras o partir de uma clara definição de moral2 3. Uma

definição, no entanto, que não se apresente como um instrumento ad hoc, mas que seja

construída a partir tanto de contribuições das ciências (por exemplo, a etnologia (Cf.

Tugendhat, 2001c, p.163 [60])), quanto de uma análise da linguagem; e que, ademais,

esteja aberta a outras perspectivas4.

O primeiro ponto que quero trazer para esta discussão com Tugendhat diz respeito

à sua definição de moral. Vou começar expondo-a, para então submetê-la ao confronto

1 Apoio: CNPq.2 “Se eu tentasse uma justificação própria, independentemente dessas tentativas de justificação disponíveis[a de Kant, a do utilitarismo e a do contratualismo], isso não faria sentido. … Quero tentar investigá-las [aessas justificações] muito brevemente. … Mas tenho uma vantagem que nenhuma outra daquelas posiçõestinha, qual seja, a de ter na retaguarda o esclarecimento da palavra “moral” que foi de onde parti.”(Tugendhat, 2001c, p.169 [66]. Colchetes meus).3 Nas indicações das referências bibliográficas ao longo do texto, a paginação colocada entre colchetescorresponde às respectivas edições em português, todas elencadas na bibliografia final. Para todos os textossem traduções publicadas, as traduções dos originais são minhas. O texto de Tugendhat “Wir sind nicht festverdraht”, embora tenha uma tradução para o português feita por Valério Rohden, indicada nas referências,foi publicada em alemão numa versão significativamente diferente da brasileira. Por isso, ele é citado emtradução minha.4 “Começar assim [pela apresentação de um conceito de moral] só faz sentido se outras possibilidades deentender a palavra não forem bloqueadas” (Tugendhat, 2001c, p.164 [61]. Colchetes meus)

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com o fenômeno do qual quer dar conta, a saber: a moralidade. Minha hipótese é de que a

definição que Tugendhat dá de moral transita inadvertidamente entre dois territórios

distintos: o do normativo e do descritivo. Meu segundo objetivo é discutir o tema da

justificação moral que, como vejo, é o elemento que o leva a cruzar as fronteiras entre

aqueles dois territórios e, por isso, o responsável por uma tensão em sua filosofia prática.

Refiro-me à tensão entre o papel dos sentimentos e o papel da justificação na moralidade,

tensão que o leva, pelo lado dos sentimentos, a destrinçar e elevar a compreensão sobre o

fenômeno moral, mas, pelo lado da justificação, a tentar empreender uma legitimação de

certos valores morais, notadamente: o igualitarismo e o universalismo. O terceiro e

último tema que abordarei será o da adequação da teoria moral de Tugendhat à ordem

evolutiva. A intenção nesse ponto será mostrar como, numa abordagem não contratualista

e, logo, não baseada em procedimentos de justificação, mas consistente com a história

natural do homem, pode-se entender que o universalismo e o igualitarismo sejam valores

dominantes na moralidade humana.

Parte I

2. Há duas maneiras de se tratar a questão moral: uma maneira descritiva e outra

normativa. Se a moral é abordada descritivamente, então investiga-se aí um conjunto de

fatos e suas articulações, enfim, uma soma de fenômenos. Tem todo o sentido, desde essa

perspectiva, falar do “fenômeno moral”. Tratada a moral de modo descritivo, tem-se em

vista também a legitimidade ou a validade objetiva de normas que constrangem a ação

dos agentes envolvidos. Contudo, se a norma e sua validade fática são partes constitutivas

do fenômeno moral, e como tal têm de ser incluídas em sua descrição, a própria validade

não é dedutível dessa descrição. O fato de serem tais e tais normas as que, numa dado

grupo humano, cerceiam e orientam a ação de seus membros, não confere, por si mesmo,

legitimidade a essas normas. Embora se possa constatar que tais normas sejam as que são

efetivamente respeitadas no grupo, essa constatação é insuficiente para determinar e

justificar porque essas, e não outras, é que são as normas válidas entre seus membros. De

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modo geral, mas análogo, a mera constatação da vigência de certas normas é insuficiente

para discernir se algumas delas são melhores ou mais legítimas do que outras.

3. A ilegitimidade da transição entre uma descrição de fenômenos para uma

normatização a partir do estado de coisas descrito foi, historicamente, apontada por Hume

numa conhecida passagem de seu Treatise5. Seu ponto era o de que nada na descrição dos

fenômenos relativos à moral sustenta a dedução de valores quaisquer que eles sejam. A

conclusão: valores não são fatos e não podem ser deduzidos deles; logo, não podem ser

descobertos pela razão, mas refletem distinções emotivas, calcadas em nossos

sentimentos de aprovação e desaprovação.

A crítica humeana foi celebrizada sob o nome de falácia naturalista, cunhado por

G. Moore (Moore, 1903). Ainda que Moore a tenha desenvolvido extensivamente e tenha

dela formulado diferentes versões, a falácia naturalista guarda na literatura o sentido da

interdição entre ser (is) e dever (ought). Sobretudo entre os adeptos de uma postura

identificada com o uso metodológico da análise lógica da linguagem em filosofia, a

falácia naturalista tem servido sobejamente à crítica e ao descrédito de filosofias práticas.

Entretanto, nem a análise da linguagem e nem as ciências (a psicologia, a antropologia, a

sociologia, a economia ou até a biologia) se provaram capazes de fazer uma exposição

satisfatória seja da natureza do dever moral, isto é, uma exposição daquilo que sustenta a

pretensão de validade objetiva (normativa) dos julgamentos morais; seja da natureza do

valor. Esses parecem ser, pois, campos legítimos e privilegiados para investigações

filosóficas.

4. As críticas de Tugendhat à posição de Hume, em suas Vorlesungen über Ethik

(Tugendhat, 1993, p. 54 e 55 [57 e 58]) expõem bem o que lhe parecem ser as virtudes e

as fraquezas de uma concepção naturalizada da moral. Vista a moral pelo prisma

5 “Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor segue durante algum tempo omodo comum de raciocinar, estabelecendo a existência de Deus, ou fazendo observações a respeito dosassuntos humanos, quando, de repente, surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas proposicionaisusuais, como é e não é, não encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ounão deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois, como esse deve ou não deveexpressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada e explicada; ao mesmo tempo, seriapreciso que se desse uma razão para algo que parece inteiramente inconcebível, ou seja, como essa novarelação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes.” (Hume, 1739; B. III, P. I, S. I, § 27)

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meramente descritivo, “bom” seria equivalente à soma do que todos (ou pelo menos a

maioria) efetivamente considerassem como bom. “Bom” equivaleria ao apreciável. Na

moral, entretanto, “bom” não se apresenta como o resultado de um sufrágio, mas tem um

sentido compulsório. No âmbito da moralidade, “x é bom” tem de valer mesmo que x não

agrade, mesmo que não se o aprecie. Nos termos de Tugendhat: “Juízos sobre haver

juízos morais são empíricos, mas a pretensão dos juízos morais não” (Tugendhat, 1993,

p. 54 [57]). Eles almejam, por conseguinte, a uma validade categórica e não meramente

hipotética. A segunda crítica de Tugendhat a Hume nos aproxima ainda mais de sua

própria definição de moral. A constatação de que a pretensão dos juízos morais não é

subjetiva, mas objetiva, revela o que Tugendhat considera um traço característico

fundamental das normas morais: “as normas morais se distinguem das convencionais

porque, no caso dos juízos morais, a avaliação positiva é justificável” (Tugendhat, 1993,

p. 54 [57])(Cf. também a propósito Tugendhat, 1993 p. 47 [49]). Portanto: “a aprovação a

que Hume com razão se refere não é simplesmente um assentimento prático, mas nele

está referido um suposto bom (Gutsein), que é tomado como justificado.” (Tugendhat,

1993, p. 55 [58]).

A avaliação de Tugendhat sobre a posição de Hume, e por analogia sobre a

naturalização da moral em geral, pode, então, ser resumida nos seguintes termos: a

naturalização da moral, embora se baseie em uma correta interdição de toda tentativa de

deduzir valores a partir das preferências fáticas dos homens, deixa sem esclarecimento o

fundamento da pretensão de validade objetiva dos juízos morais, que é o que distingue as

normas morais de outras normas convencionais e que, por conseguinte, define a

moralidade.6 Esse fundamento corresponde ao aspecto da justificação que, como

6 Cf, a respeito, Tugendhat, 2001b, p. 91. Nesse trecho, mas também nas três páginas seguintes, Tugendhatdistingue claramente o que para ele caracteriza os juízos morais e os distingue, por exemplo, dos juízosestéticos. Enquanto os juízos estéticos apresentam apenas uma “aparente” pretensão de validade, masrepousam de fato em preferências subjetivas, os juízos morais levantam uma pretensão de validade objetivaque, no entanto, não pode ser justificada do mesmo modo que em juízos empíricos. Ao lado disso, massobre essa mesma base de análise dos juízos, a moral também é distinguida de outras atividades humanascomo os jogos. A propósito, argumenta ele em outro texto: “… entenderei como moral o sistema de normassociais sob as quais os indivíduos se vêem ao longo de toda a vida. Digo “ao longo de toda a vida” paradiferenciar uma tal estrutura de normas daqueles sistemas de normas que são regulados por jogos sociais.

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veremos, é de fato o elemento distintivo da moral na concepção de Tugendhat (Cf.

Tugendhat, 2001c, p.165-167 [61-64]).

Para se compreender claramente o ponto envolvido nessa crítica de Tugendhat a

Hume, vale a pena esclarecer um pouco mais o que está em jogo na falácia naturalista.

Volto à análise da posição humeana. Hume não vê problema em que os valores morais

tenham sua origem no mundo empírico, notadamente, nas preferências dos homens. Não

é isso o que lhe parece ilegítimo. Afinal, se valores não tiverem sua origem na

sensibilidade —ou seja, se a base desses valores não for a preferência dos homens, o que

lhes agrada ou desagrada— então deverão tê-la no entendimento e, agora sim, é isso o

que ele rejeita com sua interdição entre o ser e o dever. Considerados os objetos desde a

perspectiva do entendimento, o que há neles de vicioso ou virtuoso não se deixa

apreender, não importa a perspectiva em que se os tome.7 Nesse sentido, vício e virtude

não são questões de fato, mas distinções dos sentimentos. Contudo, como tais, elas são

subjetivas; e, então, diz o crítico do empirismo moral, o preço que se tem a pagar pela

naturalização das distinções morais é a pretensão de validade objetiva dos juízos morais.

Calcadas as distinções morais em preferências subjetivas, à justificação das normas

morais só resta o recurso a um mero “eu quero” ou ao “eu prefiro” dos agentes

envolvidos. O relativismo8 decorrente dessa posição é o que parece excessivo a

Sobre tomar parte em um jogo, pode-se decidir livremente; mas se está sempre sob uma moral quer sequeira ou não.” (Tugendhat, 2001c, p. 163 [60]).7 “Mas haverá alguma dificuldade em se provar que o vício e a virtude não são questões de fato, cujaexistência possamos inferir pela razão? Tomemos qualquer ação reconhecidamente viciosa: o homicídiovoluntário, por exemplo. Examinemo-la sob todos os pontos de vista, e vejamos se podemos encontrar ofato, ou existência real, que chamamos de vício. Como quer que a tomemos, encontraremos somente certaspaixões, motivos, volições e pensamentos. Não há nenhuma outra questão de fato neste caso. O vício nosescapa por completo, enquanto consideramos o objeto. Não o encontraremos até dirigirmos nossa reflexãopara nosso próprio íntimo e darmos com um sentimento de desaprovação, que se forma em nós contra essaação. Aqui há um fato, mas ele é objeto de sentimento [feeling], não de razão. Está em nós, não no objeto.Desse modo, quando declaramos que uma ação ou caráter são viciosos, tudo que queremos dizer é que,dada a constituição de nossa natureza, experimentamos uma sensação ou sentimento [a feeling orsentiment] de censura quando os contemplamos.” (Cf. Hume, B III, P. I, S. I § 26).8 Sobre o alcance do relativismo decorrente de uma abordagem empirista e da pretensa ameaça que eleconstitui para as bases da moralidade, discuti, a propósito do compatiblismo Humeano, em outro artigo(Brito, 2006). Em síntese, meu ponto no texto referido é que a liberdade, no sentido de uma causalidadenão determinada naturalmente, não é condição necessária para a imputabilidade. Logo, a referência a umquerer empírico como fonte do valor não constitui, por si, uma ameaça à moralidade. Embora Tugendhatconceda que no final de toda cadeia de justificação encontra-se um “eu quero” (Cf. Tugendhat, 2001c,p.182 [82] e também o §6 abaixo) sua posição sobre isso, como se verá, é ambígua.

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Tugendhat que se conceda ao ceticismo humeano, já que isso não corresponde ao que de

fato se verifica na moralidade, pelo menos não como ele a define. E como, em seus

termos, devemos entender a moral?

5. Tugendhat nos dá, no prefácio das Aufsätze, uma definição concisa e geral da

moral: “a moral é um sistema de exigências recíprocas” (Tugendhat, 2001a, p.7). Embora

concisa, a definição contém um elemento decisivo para a caracterização do fenômeno

moral, qual seja: a reciprocidade vigente no sistema. Todavia, outros sistemas de relações

sociais também têm como característica a reciprocidade entre seus participantes e a

definição mostra-se insuficiente para uma caracterização mais acurada do fenômeno.

Afinal, o que distinguiria a moralidade de outros sistemas sociais de constrangimento da

vontade dos agentes envolvidos? Já apontei acima para a justificação como peça chave

para resolver em termos tugendhatianos a questão. Com efeito, uma definição mais

completa e que toma em consideração uma série de elementos correlatos, inclusive a

justificação, Tugendhat no-la dá no artigo “Wie sollen wir Moral verstehen?”. Cito:

Uma moral é um sistema de exigências recíprocas que se expressam emsentenças de dever; esse dever —a “obrigação”— está calcado nossentimentos de indignação e culpa, e a cada sistema moral pertence umconceito de pessoa moralmente boa. Um semelhante sistema normativo, jáque limita o espaço de liberdade dos indivíduas, tem de (muß) ser consideradocomo justificado para cada um desses indivíduos, tanto quanto para os outrosmembros da comunidade. Os indivíduos integram-se ao sistema somenteporque o consideram justificado. (Tugendhat, 2001c, p. 164 [61]. Grifo meu.)

É interessante comparar agora as duas definições. O que falta à primeira são todos

os atributos que distinguem o sistema de exigências mútuas que caracteriza a moral de

qualquer outro sistema de exigência mútuas. Faltam os atributos que introduzem nesse

sistema o sentido de obrigação que, por exemplo, inexiste nos jogos; faltam também os

atributos que garantem aos juízos uma pressuposição de validade objetiva que ultrapasse

a que se encontra nos juízos estéticos, por exemplo. Em resumo, falta o que torna o

sistema moral um sistema social9 não relativo às meras preferências individuais, mas que

9 A definição do que seja um “sistema social” não é trivial ou neutra no tocante à presente discussão. Oconceito pode abranger desde interações determinadas exclusivamente por instintos, como as que ocorrementre as formigas, até interações coordenadas por regras culturais complexas. A definição de moral deTugendhat está calcada em uma concepção elaborada de sistema social (a que ele toma emprestado da

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se possa impor com alguma legítima autoridade à vontade de seus membros. As

exigências são recíprocas, mas calcadas em sanções cuja base são sentimentos morais, os

quais, por sua vez, referem-se a um conceito de boa pessoa que o indivíduo tem de tomar

como justificado ou não se integraria à comunidade.

6. Dediquemo-nos um pouco mais à definição dada. A despeito da reflexão de

Tugendhat sobre a moral ainda estar em movimento, essa definição tem-se mantido

estável pelo menos desde 1993, com a publicação de suas Vorlesungen. Um traço ainda

mais duradouro em seu trabalho tem sido sua crítica sem concessões às teorias práticas de

tipo kantiano ou neo-kantiano (penso, por exemplo, nas posições de Habermas e Apel)

que, mediante recurso a expedientes transcendentais, lingüísticos ou hermenêuticos,

procura fundamentar a validade objetiva dos juízos morais e com isso responder à

pergunta pela natureza do dever. Os recursos de Tugendhat são outros; são da ordem da

imanência. Ele recorre ao querer dos envolvidos e aos seus sentimentos morais. Diz ele:

À questão “porque temos de pensar a moral desse modo?” não se poderesponder, porque o conceito de moral exige a simetria, mas apenas: nóstemos de pensá-lo assim, se queremos simetria. Tão fraca, se assim aquisermos considerar, é, afinal, a base. Podemos remeter-nos somente aocomo de um modo de vida. (Cf. Tugendhat, 2001c, p.182 [82])

Mas não são esses elementos todos meramente fáticos, empíricos, e como tais

insuficientes para garantir a pretensão de validade dos juízos morais que, em seus termos,

“não é empírica”? E se o recurso a fontes transcendentais está interditado, que outra fonte

estaria ainda disponível senão a da natureza? A crítica de Tugendhat ao naturalismo

humeano não pode ser tão exacerbado que lhe jogue nas redes de Kant, mas a sua crítica

a Kant não pode ser tão destruidora que lhe remeta de volta ao relativismo naturalista.

Esse me parece ser o tênue fio sobre o qual quer transitar a sua reflexão moral.

etnologia) e é enriquecida com outros elementos que ele considera que não estão presentes naqueladefinição. Ora, a depender do conceito de “sistema social” com o qual se opere, essa deficiência pode bemser contestada. Assim, o que está em questão, e sobre isso voltarei mais adiante, é se de fato carecemos,para pensarmos a moralidade, de um conceito mais elaborado de moral para além daquilo que podemosencontrar em ciências como a biologia ou a sociobiologia. Que conceitos científicos sejam suficientes parapensar temas éticos é importante para um programa de naturalização da moral. No confronto da moral coma teoria evolucionista, a questão ganhará especial relevância.

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7. A tensão entre, de um lado, a inclinação para a naturalização da moral e, de

outro, a defesa de uma justificação não natural, isto é, não meramente sustentada nas

preferências dos indivíduos, para a pretensão de validade objetiva de juízos morais

percorre, tal como a avalio, toda a filosofia prática de Tugendhat. Não defendo que a

tensão esteja colocada em seus textos nos termos em que a formulo aqui, mas que haja

uma tensão entre a tendência naturalizante de sua descrição do fenômeno moral e sua

demanda por um fundamento da validade objetiva da obrigação que ultrapasse as

preferências subjetivas. Como já apontei quando expus as críticas de Tugendhat a Hume,

(Cf. §4), o elemento específico dessa validade, que de resto é a marca distintiva entre

normas morais e convenções, seria a referência, justificada, a “um suposto bom

(Gutsein)”. Ora, para Tugendhat, uma importante fraqueza da “concepção sociológica

indiferenciada” (die undifferenzierte sozialwissenschaftliche Auffassung) (Cf. Tugendhat,

1993, p. 47 [49]), logo, a fraqueza da visão meramente científica, está em que ela não

seja capaz de discernir entre aqueles dois tipos de normas e tenha, portanto, de ser

incrementada com um elemento adicional, “o bom” (Gutsein), mediante o qual se possa

dar conta da validade objetiva das normas morais, notadamente, de seu caráter

propriamente normativo. Na medida em que, tal como se pode constatar na descrição

empírica da moral, a obrigação é um fato nesses sistemas, a tensão antes referida espelha

o desafio de explicar em termos meramente descritivos os elementos normativos da

moralidade.

8. Não conheço outro texto em que Tugendhat tenha enfrentado de modo mais

aberto esta tensão que em “Moral in evolutionstheoretischer Sicht”(Tugendhat, 2001d)10.

O que ele tenta nesse texto é mostrar que a abordagem filosófica da moral não apenas não 10 Entre os anos de 1999 e 2000, período em que esse texto foi escrito, Tugendhat escreveu também umtexto que nunca foi publicado em alemão, mas somente em espanhol e português: “Nietzsche e o problemada transcendência imanente” (Tugendhat, 2002). Esse é um texto também central para a discussão do temaque ora anuncio, ainda que não se concentre no confronto com a teoria da evolução, mas com o assentar asbases de uma antropologia filosófica, o que viria a ser a principal preocupação de Tugendhat nos anosseguintes a 2000. O resultado de seu trabalho a esse respeito foi publicado em 2003, com o livroEgozentricität und Mystik: Eine anthropologische Studie (Tugendhat, 2003). É interessante que naperspectiva naturalizada que almeja Tugendhat, tanto para a moral quanto para a antropologia, o elementode ligação entre essas duas disciplinas passe pela justificação, na medida em que ela depende de umacaracterística humana decisiva segundo ele, qual seja, a nossa capacidade de articulação predicativa dalinguagem. Esse será o tema da terceira parte deste texto.

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é incompatível com os marcos da teoria da evolução, mas que ela própria deveria se

colocar a questão de como compatibilizar seus resultados com o processo evolutivo da

espécie humana. Subjaz a essa convicção a própria concepção de moral de Tugendhat.

Afinal, se a moral é um fenômeno humano para o qual não há qualquer fundamento ou

origem transcendentes, então é claro que ele tem de poder ser explicado a partir do

processo evolutivo e em par com a idéia de vantagem evolutiva. A questão é que essa

abordagem força a naturalização da moral ao seu limite e com ela o alcance da

abordagem descritiva da moral. Por isso, em nenhum outro de seus textos a tensão entre o

papel que concede Tugendhat à justificação, que, como vimos, está ligada ao

esclarecimento dos aspectos normativos da moral, e sua disposição de não recorrer a

elementos supranaturais para fundar a moralidade está mais claramente exposta.

Na segunda parte deste trabalho, vou tentar explicitar, com base no texto em tela,

aquela tensão entre descrição e normatização e responder porque, segundo entendo,

Tugendhat é levado a ela, embora sua filosofia prática não esteja condenada a isso. Ao

contrário, penso que Tugendhat aponta fundamentalmente na direção certa —tentar

entender a moral a partir de elementos imanentes—, embora ainda esteje muito

influenciado por uma concepção típica da filosofia que dá ao entendimento do indivíduo

um papel excessivo no fenômeno moral e, por isso mesmo, tenda a uma posição com

predicados contratualista.

Parte II

9. Antes de prosseguir, devo recolocar o problema da definição da moral nos

termos em que ele aparece no texto “Moral in evolutionstheorietischer sicht” (2001d).

Uma descrição da moral como sistema de exigências mútuas não é suficiente porque tais

exigências poderiam estar baseadas num conceito de bom relativo a meras preferências

subjetivas, como as vê Hume, e isso já aventei acima. Tugendhat menciona nesse texto a

Hobbes (Cf. Tugendhat, 2001d, p.200), para quem “bom” é o que é desejado pela

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pessoa11, e vê-se que o contraponto está feito com a mesma tradição. Falta ao

esclarecimento de Hobbes sobre “bom”, como antes faltava a Hume, uma explicação do

dever (Sollen) com pretensão objetiva. A deixa para explicar o sentido do dever é uma

definição de moral que Tugendhat explicitamente toma emprestado de Rawls12 e que

compõe o cerne de sua própria definição costumeira: “eu penso que uma pessoa é

caracterizada como moralmente boa se ele é tal como queremos uns dos outros que

sejamos.” E acrescenta: “este esclarecimento vai além de Hobbes” (Tugendhat, 2001d, p.

2002). A questão é mais uma vez o que se ganha com essa definição para o conceito de

“bom” que na concepção empirista, que o amparava na mera subjetividade, nele já não

estivesse. Tugendhat dá no texto sob escrutínio a seguinte explicação da natureza do

dever:

O bom não é simplesmente o que qualquer um queira, mas refere-se ao quererrecíproco de uma moral community. Nesse querer se constitui o que se chamade normas morais. Visto assim, o moralmente devido (Gesollte) não seapresenta a nós nem como em Kant, como algo transcendental, nem como norealismo [realismo ético], como um estado de coisas objetivo. Ele se enraízaem algo fático, a saber, no querer recíproco dos membros de uma comunidademoral; e se se pergunta o que significa aqui dever (Sollen), então vê-se que sedepende de um sistema de sanções —por certo não um sistema jurídico— queé o sistema dos chamados sentimentos morais da indignação e da culpa.(Tugenhdat, 2001d, p. 202)

Mas mesmo a essa definição ainda lhe escapa algo de essencial à moral. Com

efeito, anota Tugendhat:

As exigências recíprocas mútuas não poderiam mesmo compreender tudo oque em uma comunidade moral é tomado como bom. Moore teria esclarecido,que também aqui —no querer recíproco— ainda deve ser observada umadiferença entre querer fático e querer devido. Essa diferença repousa nareivindicação por uma justificativa (Begründungsanspruch). Dever-se-iadiferenciar entre normas sociais mera e facticamente existentes e normassociais justificadas. (Tugendhat, 2001d, p. 202)

10. O problema parece-me agora suficientemente claro: desconsiderado o

fundamento transcendental, então, a partir de onde, senão das preferências dos indivíduos

ou a partir das preferências recíprocas da comunidade moral, se poderia fundar as normas

11 A referência da passagem de Hobbes, fornecida no texto de Tugendhat é o capítulo 6 do Leviathan.12 Novamente a referência é fornecida por Tugendhat: A Theory of Justice, §66 (Rawls, 1971).

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morais vigentes num grupo social? Não obstante, a nota distintiva que Tugendhat propõe

entre as normas morais e as outras normas sociais, qual seja, a justificação, exige uma

base que resiste à redução da moral ao círculo do querer (Umkreis des Wollens) (Cf.

Tugendhat, 2001d, p. 2002). Em outras palavras, a base da justificação resiste, em sua

concepção de moral, a equiparar-se a qualquer fundamento que remonte a meras

preferências e desse modo o movimento na direção de uma naturalização da moral

parece-me interrompido antes que se complete. Tugendhat aceita o querer como base,

mas não qualquer querer. Ai tem de estar o querer justificado. Se voltarmos à definição

com a qual iniciamos, então se verá que sem que essa justificação seja dada e reconhecida

pelos membros da comunidade moral, esse tipo de comunidade simplesmente não se

constituirá, pois os “indivíduos integram-se ao sistema somente porque o consideram

justificado” (Tugendhat, 2001c, p.164 [61])13. Desse modo, a justificação não apenas é a

alegada base sobre a qual uma comunidade moral tem de se constituir, mas também o

critério para se determinar se algum grupo humano é ou não uma comunidade moral.

O círculo se fecha e cabe perguntar se com ele não se fecha também a

possibilidade de descrever fenômenos sociais mediante o conceito de moral que nos

propõe Tugendhat. Se sua definição estabelece o que seria a condição para um sistema

ser considerado um sistema moral, então o seu poder descritivo estaria fortemente

comprometido. Sistemas morais seriam apenas aqueles nos quais indivíduos autônomos

pudessem avaliar suas normas e, uma vez considerando-as justificadas, aderir à

comunidade moral. Ora, esse modelo descreve, por certo, alguns sistemas de

constrangimentos recíprocos entre humanos, por exemplo, aqueles baseados em

contratos, mas deixa de fora outros que parecem estar no cerne da própria moralidade,

como por exemplo, a família. Portanto, a circunscrição da definição de moral a sistemas

lastreados em contratos —no sentido de acordos autônomos selados pela vontade

13 Destaco aqui, para facilitar o cotejamento ao leitor, todo o trecho em questão: “Um semelhante sistemanormativo, já que limita o espaço de liberdade dos indivíduas, tem de (muß) considerado como justificadopara cada um desses indivíduos, tanto quanto para os outros membros da comunidade. Os indivíduosintegram-se ao sistema somente porque o consideram justificado. (Tugendhat, 2001c, p.164 [61]. Grifomeu).

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12

justificada de suas partes— é, por um lado, insustentável14, e, por outro, incompatível

com o que tinha em vista Tugendhat ao propô-la. Conforme indiquei no início, sua

definição de moral pretendia fornecer um conceito abrangente e suficientemente aberto

para abarcar a complexa teia de fenômenos que compõem a moralidade humana.

11. A despeito dos limites que Tugendhat se dá, sua definição vai além de

fornecer um instrumento para descrever o fenômeno moral, ela prescreve a ele valores

distintivos. Valores implícitos na exigência de justificação para a regras do sistema. O

problema é que, no afã de esclarecer a natureza da norma moral —a obrigação—,

Tugendhat coloca a justificação em primeiro plano na sua definição. Mas é ela, a

obrigação, que é a peça chave para a compreensão do fenômeno moral, de sorte que é ela

que deveria estar em evidência numa definição do fenômeno. É claro que o que

Tugendhat almeja é justamente compreender a natureza da obrigação, e isso fora do

paradigma transcendental. Por isso o interesse por um elemento que exponha a sua

natureza. Contudo, ao colocar a justificação em primeiro plano, ele perde de vista o

próprio fenômeno moral, pelo menos esse fenômeno tomado de um ponto de vista

abrangente, para abarcar apenas os sistemas normativos em que a justificação é central

para a sua constituição. A reivindicação por parte dos membros de uma comunidade por

uma justificação de fato ocorre na moral e de forma abrangente15. Sobre isso não cabe

dúvida. Entretanto, nem sempre ela é imprescindível para a sustentação do sistema de

constrangimento mútuo dos agentes implicados. E mesmo nos sistemas em que a

justificação é efetivamente imprescindível, cabe perguntar de que outro modo uma

obrigação se pode impor se não por meio de uma justificação que remeta apenas às

preferências subjetivas dos envolvidos, individual ou coletivamente tomados.

A partir disso, duas questões se impõem: primeiro, que importância distintiva tem

a justificação na fática vigência da obrigação? Segundo, a justificação pode elevar a

14 E alguém ousaria propor que a relações familiares deveriam ficar fora do que deveria ser abarcado pelamoralidade?15 O exemplo preferido de Tugendhat é o da criança que pergunta a seus pais por que deve seguirdeterminada regra moral. Embora o mesmo ocorra em todos os níveis da relações humanas, acho esseexemplo especialmente esclarecedor do fenômeno moral, pois ele se dá no âmbito da família. Sobre apeculiaridade e força da família na elucidação da moralidade, retornarei logo mais.

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13

fundamentação da moral para um plano objetivo, ou ainda —se “objetivo” soa demasiado

forte— para um plano substantivamente menos subjetivo que o das preferências do

indivíduo? Quero começar pela segunda questão. Quanto à primeira, volto a ela na

terceira e última parte deste texto.

12. Tenhamos em conta, para enfrentarmos a questão, os tipos históricos de

justificação moral que Tugendhat distingue. Cito-o:

Se olharmos a história da moral, ficará claro que existem essencialmente doismodos segundo os quais os sistemas morais podem ser justificados: umautoritário e outro autônomo e recíproco, ou seja, falando em sentido figurado,uma justificação vertical e outra reciprocamente horizontal. Em ambos oscasos, a justificação consiste em que seja mostrado que cada indivíduo temrazão de se submeter ao sistema normativo e de segui-lo. Mas enquanto parauma moral autoritária essa razão consiste em que o indivíduo considere umaautoridade como determinante em si, no outro caso, os indivíduos, por simesmos, julgam ter uma razão para considerar o imperativo do sistema comoreciprocamente válido. (Tugendhat, 2001c, 167 [64]. Grifos meus).

Em que, exatamente, do ponto de vista dos fundamentos sobre os quais a

justificação que o indivíduo dá para ingressar no sistema, a moral autoritária e a

autônoma diferem? Ora, em ambas o indivíduo está no centro e depende apenas de sua

própria avaliação, da avaliação de suas razões, se ele vai ou não aderir ao sistema moral.

Mas se uma razão de dimensões kantianas está excluída do horizonte da reflexão, então

em que sustentar as razões dos indivíduos senão no círculo do querer? Ele, afinal, pode

querer aceitar o peso da autoridade religiosa, ou qualquer outra, sobre a sua decisão; ou

ele pode querer a validade recíproca e a autonomia, relativa ao “por si mesmos”

adicionado por Tugendhat. Se as coisas se deixam descrever desse modo, então o que

diferenciaria um querer de outro querer? Para Tugendhat, a resposta é a possibilidade de

o indivíduo poder julgar por si mesmo se há razões para a aceitação ou negação da

norma. Não está claro o que esse julgar significa exatamente, ou em que ele tornaria os

dois casos realmente distintos. De qualquer modo, o ponto tem de ser exaurido pela

análise.

13. A pedra de toque para explicitar a distinção entre um querer dado e um querer

devido é a noção de “razões” (Gründe). Assim, na moral autoritária teríamos o

fundamento da justificação posto num querer dado, para o qual as razões do indivíduo

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14

para aderir não ultrapassariam as fronteiras da subjetividade. Já na moral autônoma, tais

razões iriam além dos limites privados. Ora, com a noção de “razões” revela-se uma

dimensão ainda não explorada da justificação, a saber: a linguagem. Este elemento é

fundamental para a caracterização do específico do humano segundo Tugendhat. Diz ele:

Os homens têm, em virtude de sua linguagem, a capacidade de refletir e quemreflete pergunta-se por razões (Gründe)… Que nos homens [à diferença paracom os animais]… haja uma separação entre desejo e opinião é conseqüênciade que cada um desses se deixa exprimir separadamente na linguagem. Oespecial na linguagem humana precisa ser visto em sua estruturaproposicional. (Tugendhat, 2001d, p. 207)

A estrutura proposicional humana permitiria aos homem não apenas expressarem

seus desejos e opiniões, mas confrontarem-se com elas —também com os desejos e

opiniões dos demais— e sobre elas refletir. Ora, diz Tugendhat, “o objeto da reflexão são

razões (Gründe)” (Tugendhat, 2001d, p. 208). Contudo, o elemento predicativo da nossa

linguagem, se é suficiente para agudizar no homem o problema da tomada de decisão, já

que ao desconectar desejo e opinião amplia o leque de opções disponíveis, não é

suficiente para resolver a questão da distinção qualitativa entre os quereres que sustentam

uma deliberação. Confrontado com suas opções, expostas em frases frente às quais o

indivíduo pode assentir ou negar, resta ainda totalmente em aberto a questão de por que

optar por uma ou outra destas possibilidades: assentimento ou negação. Voltando ao caso

da opção por uma moral autoritária ou autônoma, na medida em que as razões que o

indivíduo puder dar para tomar um ou outro caminho (heteronomia ou autonomia) forem

meramente subjetivas, não será possível separar os quereres que estão na base de sua

deliberação. Logo, na medida em que, considerando o seu conceito de moral, Tugendhat

privilegia uma moral autônoma, ao querer correspondente devem subjazer razões não

meramente subjetivas. Mas que razões podem ser essas?

14. Tugendhat remete explicitamente o seu uso de “razões” (Gründe) a Scanlon

(Scanlon, 1998)16, um contratualista da estirpe de Rawls, e nos dá a seguinte definição:

O objeto da reflexão são razões (Gründe). … Por “razão” (Grund) deve-seentender o que fala a favor ou contra alguma coisa, a favor ou contra uma

16 Para a referência de Tugendhat a Scanlon, cf. Tugendhat, 2001d, p.208.

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15

afirmação assertórica ou prática, uma opinião ou desejo. A isso vincula-se ofato de que, na medida em que o indivíduo tenha a consciência para tomaruma posição —a favor ou contra— frente a uma afirmação teórica ou prática,ou mesmo a consciência para fazer uma Epoché, ele é consciente de um lequede opções. Ele tem, nesse sentido, uma consciência da liberdade. Esse aspectode que o indivíduo tem opções porque ele pode tomar posição frente a suasopiniões e intenções, deixa-se exprimir pela metáfora de que o homem não éde “arame rígido”. Isto significa que ao nível do comportamento não existenenhuma determinação causal, quer dizer, o comportamento humano não sedeixa compreender pelo esquema estímulo-reação, seja ele nato ou aprendido.(Tugendhat, 2001d, p. 208)

O fato da linguagem proposicional levar o homem ao confronto consigo mesmo,

seus desejos e intenções abre-lhe o horizonte para a pergunta por razões para a

deliberação. Nesse sentido, e somente nesse sentido, emendaria Tugendhat, o homem é

livre. A liberdade ganha um lugar em sua filosofia. Um lugar numa clareira aberta pela

linguagem. A base sobre a qual edifica Tugendhat suas convicções aqui é a tese

Aristotélica de que o que diferencia o homem dos outros animais é a linguagem

predicativa. Sua intuição é de que, mediante a teoria aristotélica da predicação, é possível

encontrar uma brecha em que emerja a liberdade humana sem, contudo, fazer concessões

à transcendência. Essa brecha é a deliberação. No texto sobre o problema da

“transcendência imanente” em Nietzsche, problema que não é outro senão o do

compatibilismo entre necessidade natural e liberdade moral, a ligação entre deliberação e

liberdade é explícita. Cito Tugendhat:

Confrontar-se com algo dito ou pensado na modalidade da deliberaçãosignifica perguntar por razões (o conceito de dar razões surge aqui) e issosignifica perguntar-se pelo que se pode dizer a favor ou contra a asserção ou oimperativo, e nessa tomada de distância, nesse poder de tomar posição a favorou contra, o homem está livre, tem opções. Deste modo, junto com alinguagem proposicional, aparece, necessariamente, vários aspectos querepresentam diferentes lados da mesma coisa: pergunta, deliberação, razões,liberdade. Quando Aristóteles diz que para o entendimento humano alinguagem proposicional (Aristóteles usa a palavra lógos) é essencial, issosignifica que o homem é o animal que pode perguntar por razões, o animalracional, ou seja, o ente deliberativo, livre. (Tugendhat, 2002, p. 83).

E o que significa tudo isso? Significa que o comportamento humano escapa, de

algum modo, à causalidade natural. De que modo? A ligação do querer humano com os

elementos meramente naturais e subjetivos —seus desejos e inclinações— não é direta,

mas mediada por uma reflexão, uma deliberação e, por conseguinte, por razões. Esse é o

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16

sentido da expressão “não somos de arame rígido”, a qual aponta para uma liberdade cujo

fundamento é uma abertura para a deliberação orientada pela pergunta por razões.17

Assevera Tugendhat, “Para Aristóteles, tem que se entender a motivação para o bom em

contraste com a motivação para o prazer. O que distingue a perspectiva do bom da do

prazer é a deliberação.” (Tugendhat, 2002, p. 83). Fica claro que o distintivo do querer

devido, o querer justificado frente a outros quereres, é que ele não é um querer

determinado pela cadeia causal dos instintos que operam no homem como em qualquer

outro animal, mas é um querer de ordem superior, um querer refletido e deliberado.

Estabelecidos esses termos, no caso da escolha entre uma moral autônoma e uma

moral heterônoma a única opção compatível com o especificamente humano seria então a

escolha pela primeira, já que tal escolha se fundaria na própria condição de possibilidade

de uma escolha propriamente humana, em cujas peculiaridades estariam encrustados

tanto o universalismo quanto o igualitarismo. A escolha pela moral heterônoma, ao

contrário, seria uma opção determinada por inclinações irrefletidas, como o medo, a

tradição ou uma autoridade. Todavia, dispostas assim as coisas, andamos com Tugendhat

perigosamente perto de Kant. O círculo do querer é quebrado, mas mediante um querer

que escapa da causalidade natural. O querer justificado —o querer devido— encontra-se

agora sobre uma base superior para a qual o levou a linguagem predicativa e a partir da

qual todo um campo de investigação se abre, a saber: a campo dos princípios gerais da

deliberação refletida. Esse, no entanto, é o campo próprio a Kant, e também a Habermas

e a Apel. Tugendhat tem de recuar. E de fato recua. Mas recua o suficiente? Tugendhat,

na seqüência do texto citado logo acima, depois de ir até o limite em que o naturalismo

lhe escapa, volta, mas não fecha a abertura para a transcendência:

Não se pode dizer [no tocante à ação do agir humano] que o indivíduo teria deagir de um ou de outro modo porque percebe a situação assim ou assado, ou

17 Num trecho de outro texto de Tugendhat (2001e) já aqui referido, ele dá a seguinte definição daexpressão “não somos de arame rígido”: “Com o não-ser-de-arame-rígido quer-se dizer que ocomportamento não deve ser entendido como “imediatamente” (geradezu) causal” (Tugendhat, 2001e, p143). Já aqui, Tugendhat desenvolvia os mesmos argumentos apresentados em “Moral inevolutionstheoretischer Sicht”, escrito um ano depois, e via-se confrontado com a mesma dificuldade, qualseja, a de compatibilizar essa liberdade frente à determinação causal com a nossa condição de seresnaturais.

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porque quer isso ou aquilo. E não se pode dizer isso porque entre a percepçãoe a intenção, de um lado, e a ação, de outro, a reflexão pode entrar. Nareflexão, pesa-se diferentes opções. Mas isso não significa que a ação humananão seja determinada causalmente. Ela apenas não o é ao nível docomportamento. Nós apenas ainda não sabemos hoje de que modo reflexão erazões se relacionam com causas. (Tugendhat, 2001d, p. 208).

A ação humana é determinada causalmente, mas não ao nível do

comportamento18. Pois bem, se não ao nível do comportamento, então ao nível da

deliberação, como Tugendhat deixa entrever no final da citação. Com isso, voltamos ao

ponto de partida. Que razões podem ser aquelas que, não sendo meramente subjetivas,

podem fundar uma ação deliberada? O ponto foi posto por Kant com toda a gravidade: ou

bem temos um querer que pode ser determinado pela razão, ou bem agimos apenas por

inclinações. Feito o recuo, o círculo do querer fecha-se novamente e apenas sobre si

mesmo. Se não ao nível do comportamento, então ao nível da deliberação é que o homem

é determinado causalmente por suas inclinações. Na base de uma deliberação encontra-se

um eu quero e apenas um eu quero, não um eu quero devido, pois trata-se de um eu quero

diretamente referido às preferências mais profundas do indivíduo. Vista por esta

perspectiva, a justificação nada pode acrescentar a um querer que o distinga

substantivamente de qualquer outro. Ou Tugendhat aceita esse resultado, ou capitula

frente à transcendência.

Parte III

18 A questão, como mencionei há pouco, já havia sido tocada no texto escrito em 1999 (Tugendhat, 2001e),a propósito então da nossa condição de não sermos de arame rígido. Como aqui, a tensão não havia sidodesfeita lá, mas apenas justificada pela deficiência do atual estágio do conhecimento sobre a relação entrerazões e causas. A versão de 1999 para o trecho em questão é a seguinte: “mas ainda que uma ação, na quala deliberação possa desempenhar um papel, não seja “imediatamente” (geradezu) causal (e isso quer dizerapenas que não há nenhuma relação necessária entre, de um lado, os fatores externos e internos da situaçãoda ação e, de outro, a própria ação), isso não quer dizer que essa ação não seja determinada causalmente.Sobre como a deliberação é causal, disso simplesmente ainda não sabemos. Nós também não sabemos,suponho, pelo menos não o suficiente, como razões e causas se comportam uma frente a outra.”(Tugendhat, 2001e, p.143)

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18

15. No texto “Wir sind nicht fest verdrahet”: Heideggers “Man” und die

Tiefdimensionen der Gründe” (2001e), Tugendhat discute longamente o problema da

escolha humana sob o conceito de “dimensões de profundidade de razões”

(Tiefendimensionen der Gründe)19. O ponto aqui é que o tipo de linguagem que tem o

homem, e que o diferencia de todos os demais animais, joga-o no espaço da deliberação

e, por conseguinte, numa situação de indecisão. Conquanto o homem, graças à estrutura

predicativa da linguagem, pode distanciar-se dos objetos, das situações em que deve agir

e até de si mesmo —suas intenções—, ele é levado à dúvida tanto sobre o que é, quanto

sobre o que deve ser. Nos termos de Tugendhat:

Porque não somos de arame rígido, encontramo-nos permanentemente emdois âmbitos de possível insegurança. Primeiro, a maneira como conheço omundo é correta? As coisas são realmente assim? E, segundo, o que eu queroé certo? Ou, em outros termos, como eu deveria ver as coisas?; e o que devofazer (querer)? (Tugendhat, 2001e, p.144)

A abertura em que é posto o homem que toma distância e pergunta, não se fecha

completamente com nenhuma resposta. Afinal, de qualquer resposta também se pode

tomar distância para perguntar se as coisas são mesmo assim como propõe. Contudo, o

hiato que separa o homem de uma decisão é suscetível a gradações: do mais aberto, em

que nenhuma deliberação ocorre, ao mais estreito, no qual, mesmo em meio a alguma

incerteza, delibera-se. Tem-se aqui as dimensões de profundidade de Tugendhat. Mas o

que leva o homem de uma ponta a outra do hiato da deliberação? Fossem as inclinações,

não se poderia falar de hiato, e tão pouco de liberdade, pois a abertura estaria coberta por

uma determinação causal. Ora, numa linguagem predicativa, o que apoia a aceitação de

uma sentença são outras sentenças, e, assim, as dimensões de profundidade em que se vê

o homem o orientam para a pergunta por razões para aceitar ou não as respostas que

formula20. O que permite o trânsito entre os graus de abertura do campo de deliberações

são, pois, na concepção de Tugendhat, perguntas por razões. Falta ainda aqui, contudo,

uma direção, um eixo para as perguntas por razões. Essa direção é ela mesma um critério 19 Sobre esse texto, mas também a cerca do tema das dimensões de profundidade, o leitor interessadoencontrará no trabalho de Róbson Reis, publicado neste volume, uma minuciosa análise.20 Como anota Tugendhat: “Razões são essencialmente razões para sentenças, assertóricas e práticas, isto é,razões para o que com elas se quer dizer.” (Tugendhat, 2001d, p. 209)

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19

para escolher entre razões melhores e razões piores. Pelo que, então, se orienta a pergunta

por razões? Pelo interesse subjetivo ou por um interesse mais alargado, e, senão objetivo,

pelo menos intersubjetivo? Tugendhat responde com Aristóteles:

Para Aristóteles, tem que se entender a motivação para o bom em contrastecom a motivação para o prazer. O que distingue a perspectiva do bom da doprazer é a deliberação. O objeto formal da deliberação prática é o bom,enquanto que o objeto da deliberação teórica é o verdadeiro. A característicado homem é que ele fala e pensa em proposições teóricas e práticas e é, porisso, um ente deliberativo que se relaciona com o bom e o verdadeiro.(Tugendhat, 2002, p. 83).

Por meio dessa interpretação de Aristóteles, Tugendhat coloca a deliberação,

assim como havia posto a justificação que lhe é decorrente, num patamar superior, no

patamar da relação com o bom e com o verdadeiro. Trata-se, é certo, apenas de uma

disposição, uma orientação para o bom e verdadeiro, já que não temos com eles nenhum

trânsito direto. Afinal, como ficou claro, o hiato da deliberação, uma vez aberto, não pode

mais ser fechado completamente. Entretanto, se tal orientação tem algum sentido

relevante, é que ela não se pauta pelo prazer, quer dizer, não se pauta por inclinações e,

nesse sentido, aponta para algo que transcende o natural. Tugendhat anda aqui no fio da

navalha e lança mão de um conceito intencionalmente ambíguo: a transcendência

imanente. Em suas palavras:

Finalmente, também o conceito de uma transcendência imanente pode agoraadquirir um sentido mais claro. … Trata-se agora da tensão entre aparência everdade ou, na deliberação prática, entre o bem aparente e o bem verdadeiro.A mera opinião seria a aparência, e, ao invés dessa, se podemos dar razões, esempre melhores razões, passamos de um nível a outro. Nisso consiste, então,a transcendência imanente, que parece ser constitutiva do entendimentohumano. (Tugendhat, 2002, p.84)

Para não capitular frente à transcendência, Tugendhat a insere na imanência, e

isso mediante uma antropologia filosófica de cunho aristotélico que encontra o distintivo

do homem frente aos outros animais na linguagem e no modo como ela apreende os

objetos. É interessante notar que Tugendhat fala do entendimento como aquilo que no

homem é constituído pela transcendência imanente. A dimensão teórica ganha

precedência na caracterização do homem. As conseqüências dessa abordagem são

substantivas para a filosofia de Tugendhat, notadamente, para a sua filosofia prática. Mas

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20

não me devo adiantar. Considerando que a teoria antropológica esboçada seja

internamente consistente, e não encontro razões para duvidar de que seja, ela tem ainda

de resistir a uma conciliação com a teoria evolutiva, o que, com efeito, é um modo de

testar a sua capacidade de descrever os fatos, neste caso, os fatos humanos. Se ela não se

provar capaz desse feito, então prevalecerá o transcendental (teórico) e perecerá o

naturalismo.

16. Pois bem, e como esse resultado pode ser compatível com uma teoria da

evolução? Contesta Tugendhat:

Agora pode-se entender também porque razão uma espécie com estacaracterística desenvolveu-se na evolução biológica. Ser livre seria algo semfunção biológica compreensível. Mas se dissermos que esta espécie tem acapacidade de perguntar por razões, esta é claramente uma vantagem dentroda evolução, pois implica num novo nível cognoscitivo que permitiu odesenvolvimento do pensamento instrumental em grande escala. Entende-seque a linguagem instrumental tem tido uma função biológica e, uma vez quetenha surgido, esta estrutura estendeu-se por toda a vida humana. (Tugendhat,2002, p.84). [Grifo meu.]

A pedra de toque para o cruzamento da antropologia tugendhateana com a teoria

da evolução é o pensamento instrumental. Tugendhat não está só nessa abordagem. Pelo

contrário, a filosofia ocidental carrega desde o sua origem grega este traço característico:

a compreensão do homem pelo viés teórico21. A capacidade intelectual humana, propõe

essa perspectiva, está fundada na linguagem. Essa, graças à sua estrutura predicativa,

torna o pensamento independente da materialidade ou atualidade do objeto e por isso abre

o horizonte para a sua apreensão instrumental. Sobre essa base, abre-se também a

possibilidade de o homem fazer de si mesmo objeto de sua reflexão, de perguntar pelo

como de sua própria existência, e, por conseguinte, pelo fundamento das regras sociais

21 Um exemplo desta abordagem, e também uma boa fonte para as referências de suas raízes, é o texto deA. Pinzani publicado nesta coletânea. Sua tese é de que a debilidade do homem, que lhe faria incapaz desobreviver na natureza sem a tecnologia, levou-o ao desenvolvimento técnico. Por sua vez, “odesenvolvimento da técnica é decisivo, pois ele abre uma cesura que nunca mais será desfeita” (Pinzani, p11 (parte 4)). Pinzani, usando o vocabulário de Apel, fala então da abertura em relação ao Wirkwelt eMerkwelt. O mundo resultado da criação técnica do homem e o mundo como ele o apreende pelos sentidos.Como fica claro, a abertura (ou a “cesura” como prefere) é, em sua concepção, obra do pensamentoinstrumental. De minha parte, julgo que as objeções que farei a Tugendhat a propósito da prioridade dopensamento instrumental na antropologia, aplicam-se igualmente a toda essa tradição e a Pinzani inclusive.

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21

que a constrangem. O espaço da liberdade sustenta-se, neste modo de ver o homem, em

sua habilidade de objetivação instrumental do mundo. Tugendhat é claro a esse respeito:

Disse que me parecia provável que o poder de perguntar por razõesdesenvolveu-se nos homens a partir do poder perguntar por razõesinstrumentais e isso se pode sustentar igualmente a respeito da extensão doconceito de deliberação sobre o que é melhor. Esta maneira de relacionar-secom o mundo e consigo mesmo pode ter surgido com a pergunta pelo que éinstrumentalmente melhor e, uma vez que surgiu, esta capacidade tinha que seestender às outras atividades humanas. (Tugendhat, 2002, p.91).

Uma vez que a base última do essencialmente humano tenha sido posta em sua

capacidade deliberativa instrumental, todos os demais aspectos de sua existência

propriamente humana estarão conspurcados por suas características. Com a vida em

sociedade —a vida política do homem— não é diferente. Tugendhat concorda e diz:

“Aristóteles conclui que os homens podem formar agrupamentos políticos só porque

podem entender mutuamente que algo é bom para eles.” (Tugendhat, 2002, p.82). Ora, o

modelo de moral que pode conviver com essa abordagem está predestinado, já por sua

origem, a algum tipo de contratualismo. O homem, para o qual se abriu com a linguagem

predicativa, e o conseqüente pensamento instrumental, o espaço para a deliberação,

distancia-se de seu modo de vida e pergunta por razões para permanecer nele. A

associação de caráter tipicamente humana, está pois calcada na autonomia e na liberdade

que nascem dessa possibilidade sempre disponível de aceitar ou não as razões que sopeja

o indivíduo a fim de associar-se. No mesmo diapasão, igualdade e universalidade se

fundam como valores. Razões, no sentido argumentativo, devem valer tendencialmente

para todos, e, na medida em que cada um se pergunta por razões para assentir à vida em

comunidade, para todos igualmente. O estado associativo prévio à associação deliberada,

embora um fato, terá sido apenas um fato natural, não um fato moral. Para a moral, essa

teoria vê o momento deliberativo como imprescindível.

17. Pode-se entender que o pensamento instrumental tenha representado uma

possibilidade sem par na história natural de desenvolvimento de uma espécie. Aceita essa

asserção, tem-se de aceitar que ele tenha constituído uma grande vantagem evolutiva?

Não creio; e essa negação abrirá um espaço mais condigno para um elemento da

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22

constituição humana que, embora seja destacado na moral de Tugendhat, desempenha, ao

fim e ao cabo, papel meramente secundário. Refiro-me aos sentimentos.

O nascimento da linguagem na espécie homo é tema controverso. É certo que

espécies ancestrais ao homo sapiens sapiens, provavelmente já a partir do homo erectus a

mais de 400.000 mil anos, dispunham de estruturas tanto cerebrais quando locucionais

para o manejo da linguagem e, notadamente, de uma linguagem baseada na referência de

nomes a objetos, logo, de uma linguagem predicativa22. Assim, a tese de que o domínio

desse tipo de linguagem teria constituído uma vantagem evolutiva decisiva é insuficiente

para explicar porque, de tantos ramos do gênero homo, somente o nosso alcançou o

desenvolvimento que conhecemos. Por essa razão, não parece razoável tomar essa

característica como uma vantagem fundamental. Além disso, a evolução humana, no

sentido biológico do termo, recua até um período entre 150 e 100 mil anos e avança até

mais ou menos 20 mil anos (Cf. Foley, 1995, p. 146), quando já não apenas os traços

biológicos do homem estavam definidos, mas também a maior parte de seu arsenal de

comportamentos. Ora, sob as duríssimas condições de vida dos primeiros homens

modernos até o desenvolvimento da agricultura e, por conseqüência, de grupamentos

humanos mais numerosos, é implausível pensar numa estrutura social baseada na

possibilidade de o indivíduo decidir aderir ou não ao clã. Por conseguinte, embora se

possa sustentar que uma moral calcada na deliberação tenha representado um avanço na

organização dos grupos humanos, certamente esse avanço não garantiu nenhuma

vantagem evolutiva, no sentido próprio do termo. Ao contrário, ele somente pode ocorrer

quando a evolução humana, no sentido da seleção natural, já se tinha completado.

18. A própria pergunta pelo fator fundamental que garantiu a evolução humana

parece equivocada, pois ela é por certo fruto de diversos fatores, muitos deles incidentais

e outros meramente circunstanciais. Não obstante isso, a inteligência é sem dúvida um

22 Essa discussão vai certamente além dos limites da filosofia e muito além dos limites deste texto. Minhasobservações a respeito baseiam-se em dois livros. O primeiro de M. Kuckenburg, Wer sprach das esrteWort?(2004). E o segundo de R. Foley, Menschen vor Homo sapiens.(1995) Minha intenção é apenasmostrar que é razoável tanto duvidar de que o pensamento instrumental esteja na base de uma grandevantagem evolutiva, quanto apostar que o que está nesse lugar é a vida em comunidade para o que ossentimentos são o fundamento.

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elemento distintivo fundamental para a espécie e a pergunta por que ela se teria

desenvolvido, já não é tão abrangente como a anterior. As dificuldades com as quais

confrontei a tese da teoria antropológica de Tugendhat, que relaciona este

desenvolvimento com o caráter instrumental da linguagem, apontam, pelo menos, para o

fato de que a sociabilidade humana não pode estar ancorada no elemento predicativo da

linguagem. Nesse sentido, a distinção entre uma associação natural e uma associação

moral parece inteiramente inadequada quando pensamos em termos evolutivos. Quando

Tugendhat afirma que

não é impossível que na evolução biológica dos homens tivesse havido umafase em que eles não tinham ainda a capacidade de ter sentimentos morais;neste caso tudo o que se podia fazer era (como hoje entre as diferentes nações)um contrato normal. Não teria existido ainda a possibilidade de um contratomoral. (Tugendhat, 2002b, p.10),

ele não produz uma mera descrição do fenômeno da sociabilidade humana, mas parte de

uma distinção entre o moral e o natural (ou o normal), que pressupõe de antemão aquilo

que sua abordagem descritiva primeiro almejava, a saber, um conceito de moral. E seu

conceito de moral parte de que a justificação é essencial, e, logo, segundo vimos, também

o momento deliberativo. Nesse sentido, como apontei no início deste texto, Tugendhat

começa a formulação de seu conceito de moral com uma pretensão claramente descritiva

do fenômeno da moralidade, para o qual a base afetiva era essencial, e termina

estabelecendo uma condição para a classificação de fenômenos sociais com base num

conceito de justificação que, na melhor das hipóteses, descreve o que se passa em grupos

morais formados por acordos tácitos. Mas se pensamos o fenômeno moral como

primordial, no sentido de que a sociabilidade humana é um traço originário que a espécie

herdou por uma longa cadeia evolutiva que remonta aos primatas e antes deles aos

mamíferos, então temos de buscar não na justificação, mas em outro traço característico

da espécie, as bases sobre as quais a sociabilidade se assenta.

19. Minha crítica a Tugendhat no final da segunda parte deste trabalho era a de

que o peso na justificação distorcia a descrição do fenômeno moral. Acompanhamos a

justificação até onde ela pode ir e por fim ela se mostrou insuficiente para dar conta da

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moralidade como fenômeno humano. Mas se retirássemos a prioridade da justificação,

não poderíamos então resgatar o resto do conceito de moral que nos dá Tugendhat e

alcançar com ele uma melhor compreensão do fenômeno a que se aplica? Se, por

hipótese, estabelecemos a diferença entre normas sociais e normas —e, portanto, entre

um sistema moral e um sistema de convenções— mediante o fato de que, diferentemente

das demais normas sociais, exigimos com respeito às normas morais uma justificativa

porque elas não se apresentam como sujeitas à escolha, mas como um constrangimento

compulsório à nosso querer, então o tema da justificação aparecerá deslocado do primeiro

plano, isto é, aparecerá como um fenômeno derivado. Explico-me. O relevante nessa

verão da distinção entre o moral e o convencional não é mais o fato de que certas normas

peçam justificação, mas sim que frente a certas normas não nos é dada escolha e,

justamente por isso, resistimos a essa imposição de diferentes modos, inclusive,

eventualmente, pedindo uma explicação, uma justificativa para seguir a norma. A

exigência por justificação é, desde esse modo de por as coisas, um fenômeno derivado de

uma exigência que já se nos chega como obrigação. Mas se não se puder apoiar a

obrigação em justificativas, isso significa que o sistema rui? Quando consideramos

relações humanas tipicamente morais e que são fortemente determinadas por afetos, a

prioridade da justificação é evidentemente contestada. Se, numa relação entre amigos, por

exemplo, a reivindicação por uma justificação para que um deles se submeta a uma dada

obrigação não puder ser atendida, ou se não puder ser atendida na medida das

expectativas daquele que a reivindica, o sistema moral no qual construíram sua relação

amical nem por isso perde o seu fundamento. Enquanto um lado mantiver a exigência, ela

não perde a sua força, e nem a obrigação a sua vigência. No entanto, aquele que exigiu a

justificativa pode muito bem aceitar as limitações da justificação oferecida, ou mesmo a

falta dela por motivos meramente afetivos e, portanto, subjetivos. Ele poderá, por

exemplo, preferir ficar com o amigo a perdê-lo.

Essa abordagem é mais condizente com os sistemas morais existentes, já que não

pressupõem nem uma autonomia nem uma liberdade substantivas para que se

estabeleçam. Propriedades que, aliás, são muito mais pertinentes a relações contratuais do

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que a relações morais básicas. Deve ficar claro que o relevante aqui não é se o indivíduo

faz ou não ponderações a respeito da validade das normas morais. Não disputo a

distinção trazida à tona por Tugendhat entre desejo e opinião e que caracterizaria o ser

humano como espécie que usa uma linguagem cuja estrutura é predicativa e cuja função

vai além da mera comunicação (cf. Tugendhat, 2001d, 207). O que importa é em que

base se faz a escolha entre assentir ou negar um desejo, ou entre permanecer ou não em

uma comunidade moral. Se a moral não pode ser vista fora de uma perspectiva

naturalista, então essas decisões não podem ter por base outra coisa que um balanço entre

desejos.

Essa abordagem tem ainda outra vantagem, ela compatibiliza o conceito de moral

com sistemas frente aos quais os indivíduos não dispõem de um grande leque de

escolhas, mas que nem por isso deveriam ser excluídos do campo da moralidade. O

melhor exemplo é a família, sem a qual a própria sobrevivência do indivíduo estaria

ameaçada. É difícil pensar que, com respeito à família, o indivíduo, enquanto está a

crescer nela, tem uma escolha. Mas também parece artificial demais dizer que a família

só deveria contar como um sistema moral quando todos os seus membros pudessem

decidir livremente sobre a sua adesão ou não a ela. O essencial na descrição dos sistemas

morais não parece ser então o aspecto da justificação, mas o aspecto da sua sustentação

na base dos sentimentos, sobretudo nos sentimentos nos sustentam os laços humanos

mais íntimos.

Tugendhat distingue os sentimentos morais dos demais sentimentos pelo fato de

que estes últimos têm de estar referidos a um conceito de boa pessoa dominante no

sistema em que se coloca o indivíduo. Mas também isso parece artificial no caso da

família. Ao contrário, é justamente na observação dos sentimentos de indignação e culpa

nos círculos familiares que se pode pensar que eles parecem ter uma dinâmica muito

menos reflexiva e os homens uma liberdade muito menor frente a eles do que a nossa

capacidade de ponderação nos permite entrever.

20. Creio que podemos ganhar algo na direção da compreensão da dinâmica dos

sentimentos morais ou do tipo de relação que há entre esses sentimentos, as ponderações

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e, finalmente, as ações, se nos atermos por um momento a discutir dois dos diferentes

modos de justificação que Tugendhat identifica nas comunidades humanas. Refiro-me ao

particularismo e ao universalismo.

Tugendhat, que tratara da distinção entre particularismo e universalismo em

outros texto (como Diálogos em Letícia e “Partikularismus e Universalismus” (1995)),

declara em 2001 (Cf. Tugendhat, 2001d) a sua insatisfação com a caracterização que lhes

dá e creio que aponta na direção certa quando, numa nota de rodapé, afirma que se

deveria distinguir esses dois modos de justificação como ramos de um único modo

horizontal de justificar (2001c, p. 221). Mas se isso é correto, então, a identificação de

qualquer desse modos de justificação com sistemas políticos é equivocada, pois a moral,

cujo âmbito de existência — sobretudo se a queremos entender na perspectiva evolutiva

— são grupos pequenos, é, por meio dessas identificações políticas, alçada a um âmbito

muito mais vasto e no qual a força de determinação dos sentimentos morais parece muito

mais fraca. Com efeito, a caracterização, digamos, política, do universalismo e do

particularismo — o primeiro como um sistema francamente dominante no mundo, e o

segundo, identificado com os Estados facistas—, presta contas muito mais ao aspecto da

justificação, presente na definição de moral de Tugendhat, do que ao aspecto dos

sentimentos, ao qual me inclino a conferir muito maior importância.

Visto sob o prima dos sentimentos, a diferença entre particularismo e

universalismo fica esmaecida e parece corresponder a duas necessidades fundamentais

dos seres humanos, a saber: a necessidade de ser respeitado em sua integridade

individual, logo, o desejo de cada um por reconhecimento de si, o que aponta para a

simetria; e o desejo por integração com o grupo, que corresponde à necessidade de

pertencer a uma comunidade, o que aponta para a disposição para a assimilação.

Não é difícil ver que ambas as inclinações são perfeitamente compatíveis com

uma visão evolutiva e com o princípio das vantagens seletivas. O interesse de cada

indivíduo por auto preservar-se não se choca com o interesse da sobrevivência da espécie,

mas está para ele como uma condição. Esse interesse aponta para a simetria, já que cada

indivíduo o defende para si como se a ele fizesse jus sem a necessidade de justificar-se

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frente aos demais. A simetria aqui não se baseia, é claro, na reflexão de que cada um tem

o mesmo direito que eu, mas no fato de que cada um o considera naturalmente seu.

Poder-se-ia ver aqui uma base natural para o igualitarismo. Em contrapartida, a

sobrevivência e evolução de uma espécie com as características de desamparo (para usar

uma expressão de Freud) que têm a nossa, depende estreitamente da cooperação entre os

membros de um grupo (e, é claro, o tipo de grupo fundamental nesse contexto é, num

sentido lato, a família). A preservação do indivíduo depende, então, de sua integração e

assimilação ao grupo. Mas esse modo de colocar o problema, obnubila um aspecto

fundamental de nossa condição humana. Nosso desamparo é uma condição primordial,

logo, o fundamental para a sobrevivência do indivíduo não é apenas que ele queira

integrar-se ao grupo, o que corresponderia a uma ação autônoma. O fundamental é que o

indivíduo não seja excluído do grupo, não seja negligenciado. É segundo esse modo de

ver as coisas que se deixam ver com mais clareza os limites de nossa autonomia e

liberdade. Por seu turno, a situação de assimilação corresponde a um compromisso do

indivíduo com o grupo e seus valores e a isso corresponde uma direção precisa para a

reação a rupturas por parte dos membros desse grupo, ou por parte de qualquer outro

indivíduo, das normas vigentes na comunidade. A indignação, assimetricamente à culpa,

não conhece fronteiras e tende a aplicar-se a todos universalmente. Com isso, as bases

naturais para se entender o universalismo parecem estar dadas.

À guisa de conclusão

21. Deixe-me, para concluir, voltar ao conceito de moral de Tugendhat. Meu

ponto a esse respeito é o seguinte: a definição de Tugendhat corresponde a dois

fenômenos distintos. Por um lado, ela corresponde ao fenômeno da adesão justificada a

uma comunidade, uma adesão que se caracteriza pela disposição para reagir afetivamente

às transgressões dos acordos firmados e aos descompassos da pessoa frente ao conceito

de bom que a comunidade comunga. Por outro, corresponde ao fenômeno de nossa

condição como seres desamparados e já desde sempre integrados a uma comunidade com

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a qual nos relacionamos de maneira afetiva, também mediante nossa disposição recíproca

para a indignação e a culpa. O primeiro fenômeno relaciona-se a situações específicas da

vida humana, nas quais a nossa autonomia e liberdade de deliberação são significativas.

O modelo conforma-se à idéia de contrato. O segundo fenômeno refere-se à condição

humana primordial, decisiva para a evolução da espécie e que é, portanto, uma

característica natural de cada um ao nascer. O confronto com a teoria antropológica de

Tugendhat com a teoria da evolução desafia a sua capacidade descritiva e expõe seus

compromissos com valores específicos para a convivência humana. A crítica põe como

desafio para uma concepção naturalista da moral mostrar como, sem que se os

pressuponha de antemão, tais valores são imanentes ao homem.

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