bre a estrutura da demanda.

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1. Razões para o aumento da desigualdade; 2. Uma explicação concorrente para o aumento da desigualdade; 3. Fontes de dados; 4. Resultados e testes; 5. Problemas de interpretação; 6. A contribuição das diferenças intersetoriais e inter-regionais na desigualdade total; 7. Significado econômico. John Wells ** * O autor agradece as críticas, conselhos e encorajamentos de Marcelo Abreu, Prof. Albert Fishlow, Rodolfo Hoífmann, Pedro Malan e Dr. Brian Van Arkadie. Quaisquer erros que ainda permaneçam são de inteira responsabilidade do autor. Muito agradece também ao Prof. D. C. M. Platt e ao Centre of Latin-American studies em Cambridge por patrocinar sua estada no Brasil, o que lhe permitiu realizar o trabalho empírico necessário a este artigo. ** John Wells é graduado pelo Quen's College of Cambridge e obteve seu título de Master pela Universidade de Califórnia, Berkeley. Está presentemente fazendo pesquisas para sua tese de doutoramento em Cambridge, sendo ao mesmo tempo oficial de pesquisa no Centro de Estudos Latino-Americanos. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, Este artigo é uma tentativa de contribuição a um debate que se vem mostrando extremamen- te animado no Brasil, a questão da distribui- ção de renda. Trabalhos empíricos com os Censos Brasilei- ros de 1960 e 1970 indicam que entre estas duas datas ocorreu considerável aumento no grau de desigualdade na distribuição da renda pessoal. Apesar de estes resultados iniciais (Fishlow) terem sido recebidos com algum ceticismo pe- los porta-vozes do Governo brasileiro, uma com- paração dos dados censitários através de uma estimativa alternativa apresentou conclusão se- melhante (Langoni). 1 Agora que já se aceita geralmente a ocorrên- cia de uma deterioração na distribuição da ren- da pessoal, medida pelo Censo, iniciou-se o de- bate sobre o responsável por esta deterioração. Uma segunda discussão refere-se à relação en- tre mudanças na distribuição de renda e os pa- drões de crescimento econômico na década de 60 e no início dos anos 70. A organização deste artigo é a seguinte: o primeiro item apresenta uma discussão dos pontos de vista daqueles que atribuem a cres- cente desigualdade às políticas governamentais após 1964; o segundo expõe e discute os pontos de vista daqueles que explicam a crescente de- sigualdade em termos de modelos, baseados nu- ma visão neoclássica do processo de determina- ção de renda; o terceiro uma discussão sobre os dados relativos a rendimentos usados neste trabalho; o quarto contém os resultados de um teste simples para fazer discriminação entre as duas hipóteses apresentadas nos itens 1 e 2,ba~ seado numa análise dos subperíodos 64-67, 68-71; os dados são também usados para testar o poder preditívo do modelo de oferta e deman- da discutido no item 2 e para testar outras hi- póteses explicativas mostradas naquele item; aí também é apresentada uma visão alternativa da geração de diferenciais de renda e de rendi- mentos; o quinto item discute algumas obje- ções aos resultados, ligadas à variabilidade ob- servada das distribuições de rendimentos ao longo do ciclo econômico; o sexto quantifica a contribuição que as diferenças intersetoriais e inter-regionais nos rendimentos médios fazem à desigualdade total; finalmente, no item 7, ten- ta-se analisar os efeitos da desigualdade cres- cente sobre o comportamento da poupança e so- bre a estrutura da demanda. 14 (2) : 21-44, mar.Zabr. 1974 Distribuição de rendimentos crescimento e a estrutura de demanda no Brasil na década de 60

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1. Razões para o aumento dadesigualdade;

2. Uma explicação concorrentepara o aumento da desigualdade;

3. Fontes de dados;4. Resultados e testes;

5. Problemas de interpretação;6. A contribuição das diferenças

intersetoriais e inter-regionais nadesigualdade total;

7. Significado econômico.

John Wells **

* O autor agradece as críticas,conselhos e encorajamentos de

Marcelo Abreu, Prof. AlbertFishlow, Rodolfo Hoífmann,

Pedro Malan e Dr. Brian VanArkadie. Quaisquer erros que

ainda permaneçam são de inteiraresponsabilidade do autor. Muito

agradece também ao Prof.D. C. M. Platt e ao Centre of

Latin-American studies emCambridge por patrocinar sua

estada no Brasil, o que lhepermitiu realizar o trabalho

empírico necessário a este artigo.

** John Wells é graduado peloQuen's College of Cambridge e

obteve seu título de Master pelaUniversidade de Califórnia,

Berkeley. Está presentementefazendo pesquisas para sua tese de

doutoramento em Cambridge,sendo ao mesmo tempo oficial

de pesquisa no Centro de EstudosLatino-Americanos.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

Este artigo é uma tentativa de contribuição aum debate que se vem mostrando extremamen-te animado no Brasil, a questão da distribui-ção de renda.

Trabalhos empíricos com os Censos Brasilei-ros de 1960 e 1970 indicam que entre estas duasdatas ocorreu considerável aumento no grau dedesigualdade na distribuição da renda pessoal.

Apesar de estes resultados iniciais (Fishlow)terem sido recebidos com algum ceticismo pe-los porta-vozes do Governo brasileiro, uma com-paração dos dados censitários através de umaestimativa alternativa apresentou conclusão se-melhante (Langoni). 1

Agora que já se aceita geralmente a ocorrên-cia de uma deterioração na distribuição da ren-da pessoal, medida pelo Censo, iniciou-se o de-bate sobre o responsável por esta deterioração.Uma segunda discussão refere-se à relação en-tre mudanças na distribuição de renda e os pa-drões de crescimento econômico na década de60 e no início dos anos 70.

A organização deste artigo é a seguinte: oprimeiro item apresenta uma discussão dospontos de vista daqueles que atribuem a cres-cente desigualdade às políticas governamentaisapós 1964; o segundo expõe e discute os pontosde vista daqueles que explicam a crescente de-sigualdade em termos de modelos, baseados nu-ma visão neoclássica do processo de determina-ção de renda; o terceiro uma discussão sobreos dados relativos a rendimentos usados nestetrabalho; o quarto contém os resultados de umteste simples para fazer discriminação entre asduas hipóteses apresentadas nos itens 1 e 2,ba~seado numa análise dos subperíodos 64-67,68-71; os dados são também usados para testaro poder preditívo do modelo de oferta e deman-da discutido no item 2 e para testar outras hi-póteses explicativas mostradas naquele item;aí também é apresentada uma visão alternativada geração de diferenciais de renda e de rendi-mentos; o quinto item discute algumas obje-ções aos resultados, ligadas à variabilidade ob-servada das distribuições de rendimentos aolongo do ciclo econômico; o sexto quantifica acontribuição que as diferenças intersetoriais einter-regionais nos rendimentos médios fazemà desigualdade total; finalmente, no item 7, ten-ta-se analisar os efeitos da desigualdade cres-cente sobre o comportamento da poupança e so-bre a estrutura da demanda.14 (2) : 21-44, mar.Zabr. 1974

Distribuição de rendimentos crescimento e a estrutura de demanda no Brasil na década de 60

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1. RAZõES PARA O AUMENTODADESIGUALDADE

De modo geral, existem duas maneiras de en-carar o quesito da determinação dos fatores res-ponsáveis pelo aumento observado na desigual-dade.

A primeira é a que considera a crescente de-sigualdade como resultado das políticas eco-nômicas e sociais seguidas pelo Governo desde1964. O período que se inicia em 1964pode sercorretamente dividido em dois subperíodos: osanos 1964-67,marcados pela imposição de umprograma de estabilização pelo Governo, queresultou em baixas taxas de crescimento daprodução, e numa recessão especialmente for-te na produção industrial de 1965. A políticade estabilização caracterizou-se por severíssimocontrole salarial, sob o qual o valor real do salá-rio mínimo caiu violentamente: era menor em

1970 do que em 1964. Em 1967-68,a economiamostrou uma recuperação que vem sendo sus-tentada até agora; a taxa anual de crescimen-to do PNB vem-se situando em torno de 10%

. desde 1968.De acordo com este primeiro ponto de vista,

a maior desigualdade é o resultado da políticade estabilização e do processo de crescimentoeconômico muito rápido. Em particular, a que-da no valor real do salário mínimo é vista comoa principal causa desta crescente desigualda-de; no caso dos trabalhadores significou um ba-rateamento no custo de emprego de trabalhoe uma elevação na taxa de exploração do tra-balho. Isto resultou numa redistribuição darenda dentro do setor urbano, do trabalho parao capital. Aqui, depara-se-nos um problema: asconseqüências redistributivas dos chamados"reajustes" de preços após 1964 não são muitoclaras; os preços que o Governo permitiu que

Quadro 1

Salários médios, salários do pessoal ligado à produção e crescimento da produtividade naindústria de transformação brasileira (1969-1970)

(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7)Salários

monet. médiosSalário Salário Razão entre do pessoalmédio médio índices de crescim. da ligado à

Ano para o do pessoal Deflator de Salário produtivi- produtivid. e produção,total do real sal. reais deflacionadospessoal ligado à preços (1)/(3) (2/3) dade da do pessoal pelo índiceprodução industriais mão-de-obraempregado (Cr$ corren- 1959 = 100 1959 = 100 ligado à do custo de

(Cr$ corren- tes) produção vida nates) 1959 = 100 Guanabara

1959 = 100

1959 86 74 100 100 100 100 100 100196019611962 245 201 255 112 107 111 104 1041963 471 404 465 117 118 122 103 123

22 1964 838 751 857 114 119 124 105 1191965 1 340 1 124 1 382 113 109 120 110 1071966 2 040 1 647 1 830 130 122 127 105 1111967 2 601 2144 2 298 131 126 135 108 1111968 3 392 2 745 2 996 131 124 144 116 1161969 4 436 3 582 3 603 143 134 150 112 1241970 5 480 4 439 4 210 151 142 163 115 126

Fontes: (1) e (2) Censo Industrial de 1959; Registro Industrial de 1962; Inquérito« Econômicos de 1963-65; Produção Industrial de1966-69; Dados Gerais de 1970-71.(3) Conjuntura Econômica.(4) (1) / (3) e (2/3).(5) Calculado do quadro 2, Evolução do emprego na indústria de transformação, 1949-1970. Baeha, E. L. & Mata, M. da. Riode Janeiro, 1971 mimeogr.(6) Simplesmente (5)/(4).(7) O índice de custo de vida da Guanabara foi tirado de 25 Anos de Economia Brasileira, p. 45. In Conjuntura Econômica, novo1972.

Revista de Administração de Empresas

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se elevassem rapidamente após 1964 foram osde alimentos, combustível, transporte públicoe habitação. Em geral, as conseqüências redis-tributivas trazidas por estas mudanças nos pre-ços relativos implicam transferências da classetrabalhadora urbana para o setor público, pro-prietários urbanos etc. Não implicam necessa-riamente transferências da classe trabalhadoraurbana para os proprietários de capital indus-trial. Na verdade, o salário industrial médio(ou o salário médio dos trabalhadores ligadosà produção), deflacionado pelo índice de preçosda produção industrial, cai violentamente em1965, indicando barateamento do custo de tra-balho (ver quadro 1). Daí em diante o salárioreal do pessoal ligado à produção aumenta ra-pidamente, embora, como mostra a coluna 6,bem menos do que a taxa de crescimento daprodutividade. Este é especialmente rápidoapós a recuperação na produção industrial(1967-68). Tais dados dão-nos uma vaga indi-cação de deslocamento na distribuição funcio-nal - de salários para lucros - no interior dosetor industrial, devido à estabilização salariale à recuperação cíclica. Dados os rápidos au-mentos no custo da alimentação, habitação etransporte público, só em 1970 o salário mone-tário dos trabalhadores ligados à produção, de-flacionados pelo índice de custo de vida, voltoua seu valor de 1963; no mesmo período, a pro-dutividade industrial elevou-se em 34%. Exis-tem poucas evidências aqui para a recente afir-mação de que a deterioração na distribuição nadécada de 60 ocorreu anteriormente a 1964, jáque até 1963 os trabalhadores ligados à produ-ção pareciam gozar de todos os benefícios docrescimento da produtividade ocorrido no setorindustrial (comparem-se as colunas 5 e 7) .

Indicador mais claro das tendências na dis-tribuição nmcíonal é o da parcela dos saláriosno valor agregado. Se aceitamos os resultadosdo quadro 2, coluna 1, então a participação dossalários e ordenados no valor industrial agre-gado foi constante nos anos de 1964-67 e caiufortemente a partir daí. Esta constância (1964-67) pode ser enganadora, já que a experiênciade países industrializados avançados indicaque a participação dos salários tende a seelevar durante a recessão (Neild); ela é por-tanto consistente com o ponto de vista de quea estabilização salarial obteve sucesso na trans-ferência de renda dos salários para os lucros.A constância da participação da folha de sa-lários e ordenados no valor bruto da produção

industrial indica que o barateamento do tra-balho pode ter sido menos responsável pelo au-mento na participação dos lucros do que, porexemplo, a maior eficiência no uso de outrosinsumos, tais como o grau muito mais alto deutilização da capacidade instalada após 1967-68.

Quadro 2

Salários e ordenados (1) como proporção dovalor adicionado na indústria e (2) comoproporção do valor da produção industrial bruta

Ano (1) (2)

1959 0,29 0,091962 0,41 0,131963 0,37 0,131964 0,40 0,131965 0,41 0,121966 0,39 0,121966 0,39 0,131967 0,39 0,131968 0,36 0,111969 0,35 0,13

Fontes:(1) Dados sobre salários e ordenados e sobre o valor do pro-duto bruto:(a) 1959, Censo Industrial. Representa todo o universo dosestabelecimentos industriais; não é comparável com (b) e (c);(b) 1962, Registro Industrial; 1963-66, Inquéritos Econômicos;dados de estabelecimentos com cinco ou mais empregados, co-brindo 92% do valor da produção e 90% do emprego;(c) 1966-69; Produção Industrial; dados de estabelecimentosque produzem 90% do valor da produção.(b) e (c) são portanto mais ou menos comparáveis e 1966 ligaambas as séries.(2) Dados sobre valor agregado, de Conjuntura Econômica;quadro 10, p. 97, set. 71. O principal problema é que não conhe-cemos a base em que o quadro foi calculado, nem se a coberturaé consistente com a dos dados sobre salários e ordenados.

Assim, existem indicações de que a partir de1964 ocorreram deslocamentos importantes equantificáveis na distribuição entre salários elucros. Também a liberação parcial dos aluguéisdeve ter gerado uma transferência de rendapara os recebedores de aluguéis. Entretanto, es-tas transferências na distribuição funcional darenda só afetam a distribuição pessoaZ na me-dida em que estas rendas couberem a indiví-duos. Pareceria razoável que parte das trans-ferências para recebedores de aluguéis signifi-cassem renda pessoal, mas, em casos em queos crescentes lucros das sociedades anônimasusados para a acumulação de capital ou paraa criação de crédito ao consumidor não signifi-

Distribuição de rendimentos

(a)

(b)

(c)

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cam renda pessoal. Uma obsessão com a distri-buição funcional ignora as importantes mudan-ças na distribuição da renda de salários e or-denados, que podem ter ocorrido neste período.Como salários e ordenados representam cercade 80% da renda pessoal total no setor urbano,uma mudança em sua distribuição poderia terimportantes efeitos sobre a distribuição da ren-da pessoal total.

Críticos do Governo argumentaram (Singer)que a estabilização salarial teve um efeito des-proporcional sobre os salários mais baixos en-quanto as pessoas situadas mais alto na escalaconseguiam aumentos maiores, acentuando as-sim a diferença. Entretanto, este argumentorecebeu até agora uma base empírica bastantefraca, já que a principal evidência disponívelé a crescente dispersão entre o salário médio eo mínimo; existe muita discordância quantoà proporção da força de trabalho recebendo sa-lário mínimo, e assim não se pode tirar nenhu-ma conclusão não-ambígua.

2. UMA EXPLICAÇAO CONCORRENTEPARA O AUMENTO DA DESIGUALDADE

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Uma segunda e diferente explicação para o au-mento da desigualdade baseia-se ou na teoriado capital humano, ou na teoria neoclássica or-todoxa da determinação da taxa de salários ounuma combinação de ambos (Langoni).

A teoria do capital humano afirma que asdiferenças ínterpessoaís nos rendimentos estãoassociadas às diferenças na escolaridade: argu-menta que uma pessoa com mais anos de ins-trução tem uma produtividade marginal maisalta e portanto seu salário deverá ser maior.1: claro que no caso do Brasil observa-se umacorrelação muito forte entre renda e anos deinstrução formal; e é isto, juntamente commaior varíâncía nos resultados educacionais noperíodo 1960-70, que permite Langoni concluirque "de todas as variáveis consideradas, a mu-dança na composição educacional da força detrabalho foi a que teve o maior impacto sobreo aumento observado na desigualdade" (Lan-goni). Esta argumentação é completamenteenganosa por várias razões. Primeiro, é impos-sível mostrar diretamente qualquer relação en-tre educação, produtividade e rendimentos, pre-cisamente porque é impossível medir a produ-tividade da maior parte dos trabalhadores;Revista de Administração de Empresas

maior variação na escolaridade não pode servirde maneira alguma como explicação para acrescente variância da renda. A relação obser-vada entre educação - escolaridade - e a ca-pacidade da economia brasileira de absorverpessoas de alto nível de instrução a salários aci-ma da média apenas descreve a situação; emnenhum sentido-esta informação analisa-a. Emsegundo lugar, pelo menos na obra de Langoni,a "teoria" tem certas implicações normativas.Por trás está a idéia de que pessoas de escola-ridade mais alta dão maior contribuição à so-ciedade, "valem mais para a sociedade" e, por-tanto, merecem apropriar-se de uma parcelamais do que proporcional dos benefícios do cres-cimento econômico. Desta forma, ela provê umajustificativa ideológica para a desigualdadeexistente, ao invés de apresentar uma explica-ção científica para o que ocorreu. Em terceirolugar, no caso brasileiro, grande proporção davariação "explicada" pela educação deve-se àcrescente variação em rendas para um dadograu de escolaridade; e isto a teoria não expli-ca (Malan e Wells) .

Uma visão paralela de determinação da ren-da dá mais atenção à interação das curvas deoferta e demanda para vários tipos de traba-lho. O aumento da diferenciação é explicadopelo crescimento mais rápido da demanda detrabalho altamente qualificado, combinado comuma oferta mais inelástica de trabalho quali-ficado em relação a trabalho não-qualificado,a despeito da rápida expansão de pessoal commaior escolaridade na década de 60 (Langoni).Desta forma, a desigualdade crescente é o re-sultado de um desequilíbrio no mercado de tra-balho, que leva a um mecanismo autocorretorquando a oferta de trabalho qualificado torna-se mais elástica. Existe uma evidente circula-ridade nesta argumentação baseada na estru-tura de oferta e demanda, pois mesmo se acei-tássemos a existência de diferentes curvas deoferta para vários tipos de trabalho, a crescen-te desigualdade entre trabalho qualificado enão-qualificado é inferida da natureza das cur-vas de demanda, sobre as quais não existe in-formação independente. Entretanto, deveria serpossível testar as previsões do modelo em termosdo que ele tem a dizer sobre mudanças no em-prego de vários tipos de trabalho. Mais impor-tante ainda: devemo-nos lembrar de que, dadécada considerada, o período de 1962-67 foi delento crescimento e, portanto, a teoria deve es-

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colher 1968-70como os anos em que a desigual- 3. FONTES DE DADOSdade se fez mais acentuada.

Além do que, a maior diferenciação é vistacomo o resultado inevitável do processo de cres-cimento econômico (Langoni) ; quando o tra-balho é transferido de setores de baixa para osde alta remuneração (das atividades rurais paraas urbanas e, dentro do setor urbano, daquelestradicionais para os "modernos"), tende a au-mentar a diferenciação. Deveria ser possível tes-tar a hipótese de que uma proporção crescenteda desigualdade pode ser atribuída à cambianteestrutura de emprego entre os setores.

Todas as três abordagens percebem a distri-buição de renda como se de certa forma eladecorresse de forças sobrenaturais não sujeitasà escolha social. A primeira e a última, emparticular, vêem o resultado como conseqüên-cia de certas tendências de longo prazo; a se-gunda, como o resultado das leis de ferro daoferta e da demanda. A visão alternativa (item1) supõe que a distribuição da renda é sujeitaà escolha social e, em particular, às políticasgovernamentais.

Dobb argumentou recentemente que, por to-da a história do pensamento econômico, sempreexistiram estas duas maneiras distintas de vero processo de distribuição de renda. O objetivodeste artigo é tentar discriminar ao nível em-pírico entre estas duas explicações para a ex-periência brasileira: a deterioração pode seratribuída aos anos de lento crescimento e con-trole salarial extremamente rígido (1965-67),aos anos de rápido crescimento e continuadocontrole salarial (1968 em diante), ou a dete-rioração vem sendo uma característica contí-nua desde 1964? Até agora a discussão vem-serestringindo bastante pela estreiteza de sua es-trutura empírica. Chamou-se a atenção paraa comparação entre distribuições em dois pon-tos no tempo e para um exame das séries sobresalário mínimo. Para se poder fazer distinçãoentre os efeitos do período de estabilização e osde rápido crescimento, é necessariamente pre-ciso alguma indicação da distribuição da rendapara uma seqüência de anos entre os anos cen-sitários. Grande parte desde artigo preocupa-secom uma análise de tais dados, chamando aatenção para o problema da comparabilidadeano a ano das séries anuais discutidas; outrotrabalho recentemente publicado sobre a dis-tribuição de rendimentos ignorou este aspectoimportante, o que o levou a um sério erro deinterpretação (Hoffmann).

A principal fonte usada neste artigo são os da-dos coletados sobre a distribuição de rendimen-tos nas áreas urbanas para o setor industrial epara o de comércio e serviços, reunidos anual-mente pelo Ministério do Trabalho sob a cha-mada Lei dos 2/3. Os dados são primeiro apre-sentados para o ano de 1965.

De 1965 até 1970 o SEPT (um setor do Mi-nistério do Trabalho) publicou dados coletadosa 25 de abril de cada ano, apresentando a dis-tribuição de trabalhadores por rendimentos nomês de abril para cada um, de cerca de 20 seto-res manufatureiros e 30 de comércio e serviçosem todos os estados do Brasil, como também asdistribuições totais para todo o Brasil. Os resul-tados da pesquisa de 1971 foram mostrados noAnuário Estatístico de 1972 sob uma forma ex-tremamente agregada, que não permite o tipode análise realizada em outros anos.

Sob a Lei dos 2/3, os dados são coletados paratodo o universo de empregados urbanos. Exis-tem algumas falhas óbvias referentes à cober-tura e qualidade dos dados. Em primeiro lugar,são excluídos os trabalhadores de fora da cha-mada Consolidação das Leis do Trabalho, comoempregados públicos, por exemplo. Existemboas razões para se acreditar que nos últimosanos vem surgindo uma tendência definida nosentido de maior diferenciação entre os empre-gados governamentais: enquanto os salários dosescalões mais baixos vêm seguindo de pertoos movimentos do salário mínimo, os técnicosmais qualificados recebem o tipo de salários pa-gos anteriormente no setor privado. Em segun-do lugar, os dados de rendimentos são decla-rados pelos empregadores, enquanto que noCenso são os indivíduos que declaram suas pró-prias rendas; é mais do. que provável que osempregadores superestimem os salários pagosna parte inferior da distribuição, para não evi-denciar violações à legislação do salário míni-mo; apesar do registro de que 30 a 35% da forçade trabalho ganham menos do que o saláriomínimo mensal, isto, em grande parte, podeser explicado pela incidência de emprego emtempo parcial. O efeito do viés mencionado aquié mostrar uma dispersão de rendimentos me-nor do que a real. Em terceiro lugar, os dadosprovavelmente excluem pequenas oficinas e lo-jas que sempre empregam poucos trabalhado-

Distribuição de rendimentos

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res - mas, quase certamente, a salários meno-res do que o mínimo legal; mais uma vez, esteviés reduz o grau de dispersão. Entretanto, noque se refere às fontes do segundo e terceiroviés, não há nenhuma razão para que com otempo o grau de viés atribuído aos resultadosseja diferente; um aumento da cobertura leva-ria a um aumento da dispersão registrada, masnão existe nenhuma indicação forte de que acobertura tenha melhorado.

Do universo de empregados tomou-se umaamostra, cuja unidade é a firma; as proporções

, da amostra são inversas ao tamanho da firma,mas as ponderações de amostragem corrigemisto. 2 Pode-se mostrar que na indústria e nocomércio e serviços a distribuição intersetorialde empregados, obtida a partir da amostra,corresponde aproximadamente à distribuição douniverso. 3 Para os anos 1966-71,a amostra éinflada até corresponder ao universo, e com-porta 60 mil indivíduos, grande o bastante paranossos propósitos.

Um dos maiores problemas estatísticos en-contrados na análise das distribuições de 1959e 1970,obtidas dos Censos, é que para 1959,an-tes de proceder ao cálculo das várias medidasde desigualdade, é necessário estimar a rendamédia para cada classe de renda, já que nãose dispõe dos valores da renda total para cadauma delas. Mesmo que se suponha ser o pon-to médio uma estimativa razoável para as clas-ses de renda de limite fechado, surgemproblemas na estimativa da renda média dasclasses de limite aberto - na base e no cumeda distribuição. Quando, nas classes de limiteaberto, é grande a proporção da população re-cipiente de renda, as medidas de dispersão sãobastante sensíveis às estimativas de renda mé-dia adotada.

A vantagem dos dados do SEPT é que para osanos de 1965,e 1968-71,são apresentados os va-lores dos rendimentos totais de cada classe derenda. Em 1967, são dados os rendimentostotais para as classes na metade superiorda distribuição, bem como os rendimentostotais para a metade inferior; desta for-ma, podemos comparar nossa estimativados totais para cada classe de renda da meta-de inferior da distribuição com o total conhe-cido; é possível, portanto, obter uma estimati-va razoável da verdadeira distribuição. Apenaspara 1966 é necessário estimar os rendimentosRevista de Administração de Empresas

médios para cada classe; o procedimento esco-lhido foi tomar o ponto médio da classe comoestimativa razoável das rendas médias nas clas-ses fechadas. Para a classe com limite inferioraberto, adotou-se como renda média 0,8 do li-mite superior da classe; na parte superior dadistribuição, ajustou-se uma curva de Paretoaos dois últimos pontos da distribuição e ovalor médio da classe de limite aberto foi esti-mado com base no formato desta curva. Estemétodo é preferível a ajustar uma curva de Pa-reto à toda a distribuição (Fishlow e Meesook).Como uma boa estimativa empírica da médiada classe superior, tomou-se 0,8 do valor obtido,com base numa comparação entre este proce-dimento e os valores conhecidos para outrosanos. De qualquer forma, em 1966, apenas0,51% dos empregados em manufaturas e0,74% em comércio e serviços caem na classede limite superior aberto, de modo que a medi-da geral de desigualdade é bem pouco sensívela especificações alternativas razoáveís.> Por-tanto, para a maior parte dos anos é possívelproceder diretamente a um cálculo das váriasmedidas de dispersão sem ter de estimar os to-tais de renda para cada classe.

Para que estes dados possam ser usados paraobservar as variações intertemporais na distri-buição dos rendimentos, devem ser sujeitos atestes muito rigorosos quanto à sua comparabi-lidade.

Um ponto importante é determinar se 25 deabril pode ser considerado como data útil parauma comparação entre anos. Este problema re-laciona-se à velocidade de ajustamento do va-lor nominal do salário mínimo. Na década de50, quando os reajustamentos não são muitofreqüentes, é possível observar interessante re-lacionamento entre os salários mínimo e mé-dio do setor industrial (que, afinal de contas, éuma medida do grau de dispersão): imediata-mente após o ajustamento, a razão entre salá-rio mínimo e médio aproxima-se de um; com otempo, o valor da razão aumenta até o ajusta-mento seguinte. Isto ocorria porque com o tem-po os salários monetários dos trabalhadores re-munerados ao nível mínimo permaneciam fixos,enquanto os trabalhadores melhor remunera-dos conseguiam fazer seus salários subir com ainflação. Nos anos discutidos aqui, o ajusta-men era anual, de modo que parece razoável

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aceitar que a distribuição de rendimentos pas-se por um ciclo anual semelhante ao descrito -imediatamente após uma elevação no saláriomínimo a dispersão tende a se reduzir, mas como passar do tempo o grau de dispersão eleva-seem resultado de um aumento nos rendimentosdas pessoas com salários maiores do que o mí-nimo. Assim, para permitir a comparabilidade,é importante observar a distribuição de rendi-mentos no mesmo ponto do ciclo de salários.Em 1965, 1966, 1967 e 1968, observamos a dís-tribuição de rendimentos logo após um ajusta-mento; em 1969-71, entretanto, o ajustamentoveio a 1.0 de maio, e assim observamos o perfilde rendimentos num momento em que se deveesperar o grau máximo de variância. Assim, acomparação entre 1968 e 1969 com estes dadosnão é válida, o que é uma pena, pois é justa-mente este período de rápido crescimento queapresenta maior interesse. Será necessário pas-sar a outras fontes de informação para umaanálise deste período.

o número e tipo de setores incluídos na dís-tribuição de 1965 tanto para indústria de trans-formação como para comércio e serviços dife-rem dos de 1966 (após 1966 os setores são per-feitamente comparáveis em termos de conteúdoe número). Entretanto, realizou-se um ajusta-mento que tornou as distribuições de 1965 e1966 completamente comparáveis a este respei-to. Sempre que possível, tentou-se utilizar osdados de rendimentos para manufaturas e paracomércio e serviços apresentados pelo Censo de1959.

4. RESULTADOS E TESTES

No quadro 3 são apresentados os valores doscoeficientes de Gini 5 que medem a variânciados rendimentos em manufatura e, mais am-plamente, no setor industrial. Os números sãocomparáveis verticalmente; entretanto, cadacoluna representa uma base diferente de cál-culo. Uma medida alternativa da variância, ocoeficiente de Theíl," é apresentada no quadro10.

Quadro 3

Medida do coeficiente de Gini da dispersão dos rendimentos no setor manufatureiro noBrasil (1)-(4) e no setor industrial (5)-(7)

Ano (1)

1959 0,3091965 0,3171966 0,37719671968196919701971

(2) (3) (4) (5) (6) (7)

0,3050,361 0,372

0,3800,378

0,3640,3650,370

0,4150,432

0,4070,421 0,412

0,410

Fontes e notas: 27(1) 1959: Censo Industrial; 1965 e 1966: Boletim do SEPT. Quanto à eornparabilidade: madeiras, minerais não-metálicos e mo-biliário são os setores excluídos dos dados de 1959; indústrias extrativas, horticultura, material de construção e vidros são os se-tores excluídos dos dados de 1965; indústrias extrativas, petróleo, energia elétrica, construção civil, minerais não-metálicos, ma-deiras e mobiliários são os setores excluídos dos dados de 1966.

(2) 1965 e 1966: dados do Boletim do SEPT. Quanto à comparabilidade: os setores intitulados indústria urbana, indústrias ex-trativas e agricultura foram excluídos em 1965, enquanto o setor de construção civil foi incluído em 1966 e o petróleo excluído.

(3) 1966, 1967 e 1968: dados do Boletim do SEPT. Em cada ano foram excluídos os seguintes setores: construção civil, energiaelétrica e extração mineral e vegetal.

(4) 1969 e 1970: dados do Boletim do SEPT. Excluem-se construção civil, energia elétrica e extração mineral e vegetal, mas nãosão comparáveis com 1968.

(5) e (6) 1966-1970: dados do Boletim do SEPT. O setor industrial inclui todos os setores de manufatura mais construção civil,energia elétrica e extração mineral e vegetal. As colunas (5) e (6) não são comparáveis.

(7) 1971: dados do Anuário Estatistico do Brasil (1972). Para 1970, foram apresentadas 17 classes de renda, enquanto em 1971havia apenas nove; como a aproximação de Gini para a área sob a curva de Lorenz contém pequenos erros, se o número de classesde renda diferir nos anos, as classes de 1970 foram reduzidas a apenas nove, para propósitos de comparação.

Distribuição de rendimentos

Page 8: bre a estrutura da demanda.

Os resultados indicam que entre 1959 e abrilde 1965, houve considerável estabilidade nadistribuição de rendimentos no setor de indús-trias de transformação (ver coluna 1). Entre-tanto, entre 1965e 1966 ocorreu aumento subs-tancial no grau de desigualdade na distribui-ção de rendimentos, medida pelo coeficiente deGirÍi (coluna 1): um gráfico da distribuiçãoconfirma este resultado. Entre 1966 e 1967, ocoeficiente de Gini (e especialmente o de Theil)indica algum aumento no grau de desigualda-de; uma representação gráfica das curvas deLorenz correspondentes a estes dados mostraque elas se cruzam na parte inferior da distri-buição, indicando uma leve redistribuição domeio da distribuição para sua parte inferior.Se comparamos 1967 e 1968 graficamente, nãohá nenhuma mudança na distribuição. Já sediscutiu porque 1968 e 1969 não são compará-veis. No entanto, entre 1969 e 1970 a distribui-ção de rendimentos torna-se consideravelmen-te mais desigual e isto é destacado pela repre-sentação gráfica.

No setor industrial, que acrescenta o empregoe rendimentos na construção, energia elétrica emineração ao emprego e rendimentos na indús-tria manufatureira (de transformação), o graude desigualdade não se modificou em 1966-68,

Quadro 4Medida do coeficienteno Brasil

Ano

1959196519661967

281968196919701971

aumentou entre 1969 e 1970 e não variou entre1970 e 1971. É surpreendente a semelhançacom o comportamento do setor manufatureirode 1966 a 1970, dado o crescimento muito rá-pido do emprego muito mal remunerado naconstrução, e indica que as mudanças no grauglobal de desigualdade refletem outras no dedesigualdade no interior de cada setor, muitomais do que mudanças na composição do em-prego entre setores.

O quadro 4 apresenta os coeficientes de Ginipara a distribuição dos rendimentos no comér-cio e nos serviços em 1959-71. Comparando1959 com abril de 1965, verifica-se uma leveredução na dispersão dos rendimentos em co-mércio e serviços, medida pelo coeficiente deGini (ver coluna 1). Em 1965-66 ocorre signi-ficativo aumento na desigualdade, paralelo àsobservações do setor manufatureiro (ver colu-nas 1 e 2). Entre 1966 e 1968 verifica-se lentoaumento na desigualdade, nada tão dramáticoquanto em 1965-66. Mais uma vez, os dadospara 1968 e 1969 não são estritamente compa-ráveis e não é possível aumentar o volume deinformações disponíveis. Entre 1969-70 aparecealgum aumento na desigualdade, enquanto en-tre 1970 e 1971 a distribuição tende a se esta-bilizar.

de Gini da dispersão dos rendimentos no comércio e serviços em 1959-71

(1) (2) (5)

0,3680,3630,388

0,3490,380

(3) (4)

0,3870,3940,409

0,4500,469 0,463

0,467

Fontes e notas:(1) 1959: Censo do comércio e dos serviços; 1965 e 1966: Boletim do SEPT. Quanto à comparabilidade: os seguintes setores foramincluídos, do Censo de 1959: comércio atacadista e varejista e serviços de habitação, de alimentação, de consertos, pessoais, comer-ciais e outros. Para 1965, foram incluídos os seguintes: comércio atacadista e varejista, agentes comerciais, armazéns, turismo,hotéis, comunicações e relações públicas, bancos e seguros. Para 1966, incluíram-se comércio atacadista e varejista, bancos e segu-ros, relações públicas, turismo e hotéis, hospitais, etc., escritórios comerciais, serviços pessoais e administração de edifícios.

(2) 1965 e 1966: Boletim do SEPT. Cobre 22 setores em comércio e serviços.

(3) 1966, 1967, 1968: dados do Boletim do SEPT. Cobre dados de 19 setores em cada um destes anos.

(4) 1969-1970: dados do Boletim do SEPT. Cobre 19 setores. Não são comparáveis com 1968, como foi mencionado anterior-mente.

(5) 1971: dados do Anuário Estatistico do Brasil (1972). Ver nota (7), quadro 3, para maiores detalhes.

Revista de Administração de Empresas

Page 9: bre a estrutura da demanda.

É possível concluir que a dispersão de rendi-mentos no comércio e serviços quase se igua-lou entre 1959 e 1965, aumentando portanto adesigualdade que caracterizou o período de es-tabilização e, num grau muito menor, o de rá-pido crescimento.

O quadro 5 apresenta a medida do coeficientede Gini para a dispersão das distribuições com-binadas de rendimentos em comércio e serviçose para o setor de manufaturas em 1959, 1965 e1966 (coluna 1); apresenta também, nas colu-nas 2, 3 e 4, o coeficiente de Gini para as dis-tribuições combinadas em comércio e serviçose o setor industrial - definido mais amplamen-te - de 1966 a 1971. Os resultados mostramclaramente a virtual constância na distribui-ção global dos rendimentos, se compararmos1959 e 1965; em 1965-66registrou-se marcadoaumento na desigualdade, previamente obser-vado para os subsetores. Entre 1966 e 1968,ocorreu um aumento gradual na desigualdade;entre 1969 e 1970, um aumento marcante nadiferenciação, que se manteve por todo o anode 1971. Este quadro parece dar um retratomuito sucinto das mudanças intercensitáriasna distribuição dos rendimentos.

Tais dados foram obtidos (1966-68) de umaamostra de firmas com cinco ou mais emprega-dos; em 1969 a base de amostragem mudou,passando a ser as firmas produtoras de cercade 90% do valor do produto industrial. Os da-dos para 1966 não são comparáveis com os de1966-70,pois foram coletados em abril, enquan-to os últimos, em novembro. Como o saláriomínimo foi ajustado em 1.0 de abril de 1966, adistribuição observada ao final do mês não écomparável com a observada no final de no-vembro do ano seguinte.

Outro problema com os dados é o fato de sernecessário estimar as rendas totais atribuídasa cada classe. Como indica o quadro 6 (coluna3), grande parte da população está contida naclasse de rendas de limite aberto. Assim, a me-dida global de distribuição é extremamente sen-sível à escolha da renda média atribuída à clas-se de limite superior aberto. O quadro 6 apre-senta o valor do coeficiente de Gini calculadosob as seguintes suposições: para as classesde renda de limite fechado, a renda média éestimada a partir do ponto médio da classe; de1967em diante, para estimar a renda média daclasse de limite superior aberto, a mesma ra-

Quadro 5

Medida do coeficiente de Gini da dispersão da distribuição de rendimentos no comércio eserviços e manufaturas para 1959, 1965 e 1966 (coluna 1); e da distribuição combinada derendimentos no comércio e serviços e setor industrial em 1966-71 (colunas 2 e 4)

Ano (1)

1959 0,3341965 0,3401966 0,38319671968196919701971

(2) (3) (4)

0,3760,3810,391

0,4290,448 0,439

0,441

Fontes e notas:Coluna (1) calculada em 1959 do Censo; em 1965 e 1966, do Boletim do SEPT. Colunas (2), (3) e (4) calculadas do Boletim do SEPT.e do Anuário Estatistico para aqueles anos.

É necessário aumentar o volume de informa-ções disponíveis, tanto para julgar o que acon-teceu à distribuição de rendimentos entre 1968-69 como também para testar os dados do SEPTde rendimentos industriais.

Inquéritos Econômicos (1966) e Indústriasde Transformação (1967-70) fornecem os da-dos sobre rendimentos no setor de manufaturas.

zão é aplicada em todos os anos para o limite daclasse inferior. Assim, tentou-se enviesar os da-dos em favor de maior igualdade; devido aoscrescentes rendimentos reais no topo da dis-tribuição, pode-se esperar que a razão entre osrendimentos médios e o limite da classe inferiortenha aumentado. Os resultados indicam con-tínuo aumento no grau de desigualdade entre

Distribuição de rendimentos

29

Page 10: bre a estrutura da demanda.

1967e 1970. Entretanto, também se pode argu-mentar que, devido à inflação, número cres-cente de pessoas passa para as classes de rendamais alta na base da distribuição, tendendo areduzir os rendimentos médios nas classes su-periores. Assim, os resultados podem estar en-viesados em favor de maior desigualdade no tem-po. Devido à extrema sensibilidade destes re-sultados à escolha da renda média na classe delimite superior aberto, somos obrigados a usarda máxima cautela em sua manipulação.

Quadro 6Estimativas do coeficiente de Gini para adispersão de rendimentos no setor industrialpelos dados do IBGE para 1966-70 (1)-(2) e aproporção de empregados na classe de limitesuperior aberto (3)

Ano (1) I (2) (3)

1966 0,355 1,341967 0,436 3,391968 0,448 5,421969 0,459 9,131970 0,465 6,92

Fontes e notas:(1) Dados de Inquérüoe Econômicos - 1966, Indústrias deTransjormaçã» (IBGE-GETEI), dez. 1967. Levantamento de21 setores cobrindo todo o Brasil em abril.(2) Dados de Indú.~tria de Transjormação _. Dados Mensais(IBGE-DEICOM), 1967-70. Levantamento de 21 setores co-brindo todo o Brasil em novembro.(3) Para fontes de dados, ver notas (1) e (2).

30

o quadro 7 resume os resultados do levanta-mento de rendimentos realizado como parte daPesquisa Nacional por Amostra de Domicílios,iniciada no primeiro trimestre de 1968. Os da-dos cobrem rendimentos agrícolas e não-agrí-colas apenas em São Paulo, mas não fortemen-te ponderados em favor do setor urbano. Maisuma vez, foi necessário estimar a renda médiaem cada classe de renda. Adotou-se o procedi-mento previamente usado. 7

Os resultados indicam que pelo menos emSão Paulo existem evidências de um ciclo anualda distribuição dos rendimentos. Não há si-nais de qualquer tendência se compararmos umtrimestre com o outro; entretanto, se compa-rarmos os primeiros trimestres de 1969 e 1970,aparece substancial aumento na desigualdade.

Este tipo de evidência é consistente com a su-posição de que em 1968-69não há aumento nograu de desigualdade na distribuição de rendi-mentos, enquanto que entre 1969 e 1970 existe.Revista de Administração de Empresas

Quadro 7Estimativas do coeficiente de Gini para adispersão de rendimentos nos setores agrícolae não-agrícola em São Paulo, do segundotrimestre de 1968ao primeiro trimestre de 1970

Trimestre e ano Coeficiente de Gini

2/68 0,468

3/68 0,454

4/68 0,462

1/69 0,452

2/69 0,457

3/69 0,446

4/69 0,459

1{70 0,467

Fonte: Pesquisa por Amostra de Domicílios (IBGE).

Usando estes dados para discriminar as duashipóteses concorrentes apresentadas nos itens1 e 2, percebemos certa contradição. Com basenos dados do SEPT, não há nenhuma dúvida deque o maior aumento na desigualdade pode seratribuído ao período de mais severa estabiliza-ção salarial, 1965-66. Os que dão ênfase ao pe-ríodo de expansão e ignoram totalmente o im-pacto da política de estabilização, como Lango-ni, estão gravemente em erro. No período deexpansão, enquanto três fontes de informaçãoconcordam em que ocorreu alguma deteriora-ção entre 1969-70 que, segundo os dados doSEPT, persistiu em 1971, existe alguma discor-dância quanto aos anos 1966-69. Se se deixa delado os dados do IBGE, por problemas de esti-mativa, aparece forte indicação em favor da es-tabilidade durante este período.É necessário examinar mais pormenorizada-

mente o período 1965-66e observar qual a na-tureza do processo de redistribuição. O quadro8 tenta resumir as mudanças apresentando adistribuição de renda em termos de cada decílda população; estes são calculados por umasimples interpolação linear entre pontos da cur-va de Lorenz. Apesar dos erros apresentados poreste método, fica bem claro que a maior partedos decis populacionais sofreram perdas, exce-to os 20% superiores. Os decis inferiores per-deram mais no processo, e fica patente que sãoos estratos mais altos de empregados - istoé, engenheiros e empregados administrativos -que ganharam com esta redistribuição. Outroexame das distribiuções em 1965 e 1966 revela

Page 11: bre a estrutura da demanda.

considerável aumento no número de pessoasempregadas com remuneração igualou inferiorao salário mínimo, de 17% para cerca de 36% .

Quadro 8A distribuição de rendimentos no setorindustrial em 1965 e 1966 por decispopulacionais

Decis Participação na renda Variaçãopopulacionais

I %1965 1966

10- 0,0525 0,0296 -43,710 0,0525 0,0496 -5,610 0,0571 0,0553 -3,210 0,0699 0,0710 +1,510 0,0718 0,0711 -1,010 0,0785 0,0740 -5,810 0,0927 0,0872 -6,010 0,1108 0,1068 -3,710 0,1309 0,1441 + 10,010+ 0,2832 0,3113 +9,9

Fonte: Calculado a partir do Boletim do SEPT.

Se fazemos o mesmo exercício para comércioe serviços, vemos que o processo redistributivoé bastante diferente (ver quadro 9). Nestes se-tores, a redistribuição tende a se dirigir no sen-tido dos 30% superiores da população; sua par-ticipação na renda total eleva-se de 55,39% para58,49%.

Quadro 9A distribuição de rendimentos em comércio eserviços em 1965 e 1966 por decis populacionais

Decis Participação na renda 1965/66populacionais Variação

1965 I 1966 %

10- 0,0444 0,0301 - 30,310 0,0444 0,0450 +1,310 0,0565 0,0574 + 1,510 0,0584 0,0574 1,810 0,0671 0,0623 - 7,210 0,0759 0,0740 --'- 2,610 0,0995 0,0888 -10,810 0,1039 0,1103 + 6,110 0,1471 0,1556 + 5,710+ 0,3029 0,3190 + 5,3

Fonte: Calculado do Boletim do SEPT.

É importante examinar o processo de redis-tribuição no interior da distribuição de renda,bem como examinar o processo total através doscoeficientes de Gini. O fato de o processo redis-tributivo ocorrer desta maneira - isto é, no

sentido do cume da distribuição - é consistentecom uma visão alternativa à abordagem do ti-po "escassez de fatores", da maneira pela qualos diferenciais de rendimentos são estabeleci-dos. Lembremo-nos de que 1965 foi um ano derecessão, e não é provável que fortes pressõesda demanda elevassem os rendimentos dos maisbem pagos em relação aos outros. É mais rea-lista supor-se que esses empregados mais bemremunerados, especialmente quando são execu-tivos, atribuem-se salários relativamente maisaltos, a despeito (e possivelmente como conse-qüência) de um controle estrito dos salários dostrabalhadores manuais.

Durante o período de recuperação e cresci-mento rápido, se deixarmos de lado os DadosMensais (IBGE), parece que, excetuando-se oano 1969-70, o grau de dispersão de rendimen-tos na manufatura não mostra nenhum au-mento anual. É esta descontinuidade no pro-cesso de mudança da desigualdade que é maisinteressante e que é completamente ignoradapela estrutura neoclássíca de análise. Uma. ex-plicação para a maior desigualdade em 1969-70é que no primeiro surto de expansão atribuiu-se aos empregados mais bem pagos - ou elesmesmos se atribuíram - rendimentos relativa-mente mais altos a partir de lucros crescentes.A medida que a expansão continuou por 1970 e1971, e aproximou-se da plena utilização dacapacidade, os lucros crescentes foram usadospara financiar a acumulação de capital, ao in-vés de financiar maior diferenciação de rendaentre os empregados. A constância no grau dedispersão entre 1970 e 1971 também pode-serelacionar ao leve relaxamento na política sa-larial, que se refletiu numa elevação do valorreal do salário mínimo em 1970 e 1971, compa-rados com 1969. Foi a primeira elevação no va-lor real do salário mínimo desde 1965; em 1965-69 ele caiu todos os anos.

Até que ponto a teoria da oferta e da deman-da é acurada ao retratar as mudanças ocorridasno mercado de trabalho?

Uma previsão da teoria é a de que, durante oprocesso de rápido crescimento, o mercado de-sempenha a função de atrair trabalho para asocupações e setores onde as taxas de crescimen-to dos rendimentos estejam acima da média.No comércio e serviços, após marcado aumentona desigualdade em 1965-66, ocorre outro, con-tínuo, em 1966-68 e 1969-70. Usando os dadosdo SEPT para comércio e serviços, e sob ampla

Distribuição de rendimentos

31

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32

variedade de especificações das hipóteses, é im-possível detectar qualquer relação entre mudan-ças no emprego por setor e salários médios outaxa de variação de salários por setor. A expan-são do emprego não está associada a rendimen-tos acima da média, nem o mercado está de-sempenhando a função alocativa que lhe é atri-buída pela teoria do desequilíbrio.

Outra previsão da estrutura de oferta e de-manda é a de que para o mesmo aumento nademanda de vários tipos de trabalho, as dife-renças na elasticidade de oferta de trabalhoqualificado e não-qualificado produzirão umaumento maior no emprego do não-qualificado,em relação ao qualificado. Apesar de Langoniter argumentado que durante a expansão a de-manda por trabalho qualificado aumentou re-lativamente à de não-qualificado, é preciso sermuito crédulo para acreditar que num períodotão curto, de dois ou três anos, pudesse ter ha-vido qualquer mudança substancial. Na verda-de, observando os dados de distribuição da for-ça de trabalho entre empregados manuais e ad-ministrativos de 1966 a 1970 na Produção In-dustrial e Dados Gerais do IBGE, não percebe-mos nenhuma mudança no emprego em favorde empregados manuais. Assim, a teoria é in-capaz de predizer as mudanças de emprego querealmente ocorreram, sem recorrer a desloca-mentos muito substanciais na curva de deman-da de trabalho qualificado, sobre as quais nãoexistem informações independentes.

O fracasso da estrutura de oferta e demandatanto para explicar a crescente desigualdade emqualquer sentido significativo como para prevero curso das mudanças no emprego, mostramque precisamos de uma explicação alternativaà abordagem via escassez de fatores. Ou seja,durante o período de recessão e estabilização,a compressão dos salários do trabalho não-qualificado permitiu que os situados no topoda distribuição melhorassem e subseqüente-mente mantivessem seus diferenciais de rendi-mentos. Durante a expansão, a crescente dife-renciação resultou de uma pressão contínua so-bre as taxas salariais mais baixas combinadacom lucros crescentes; o limite a este processoé estabelecido pelas exigências de acumulaçãode capital. Os indivíduos situados no topo dadistribuição são capazes de melhorar ou man-ter seus rendimentos e diferenciais de renda de-vido à sua posição estratégica dentro da firma.Além disso, apesar de parecer difícil acreditarque as exigências puramente tecnológicas deRevista de Administração de Empresas

produção resultaram no enorme deslocamentona demanda do trabalho altamente escolarizado- suposição da explicação via oferta e deman-da - o sistema parece ter criado mecanismospelos quais seus grandes excedentes são dis-tribuídos para outros além dos detentoresdos meios de produção. Os principais be-neficiários da política econômica e soctaldesde 1964 são as classes médias urbanasem rápida expansão, engajadas, em gran-de parte, em atividades improdutivas - e co-locadas entre os proprietários de um sistema al-tamente produtivo e os trabalhadores de pro-dução, mal remunerados. É preciso conhecermais sobre as origens destas classes médias, suarelação com o modo de produção e os mecanis-mos existentes que as tornam as principais be-neficiárias do crescimento econômico. A estru-tura neoclássica serve para obscurecer a im-portância da posição e hierarquia no interiorda firma (Simon) na explicação dos diferen-ciais de rendimentos, desviando nossa atençãodos mecanismos reais de apropriação e distri-buição do excedente, e dirigindo-a para os fan-tasmas da oferta e da demanda.

5. PROBLEMAS DE INTERPRETAÇAO

Existe mais um problema de interpretação quepode lançar alguma dúvida sobre a validadedestas conclusões referentes ao ritmo do cres-cimento da diferenciação: a distribuição darenda de trabalho parece ser extremamentesensível às flutuações cíclicas da atividade eco-nômica. Isto ocorre pelas seguintes razões:a) numa recessão, grande número de empre-gados em tempo parcial (particularmente mu-lheres) abandona a força de trabalho, o quetende a reduzir a dispersão de rendimentos. Si-milarmente, numa expansão observa-se o au-mento do trabalho em tempo parcial, o que temo efeito de ampliar a dispersão. Para corrigirtal desvio seriam necessárias informações sobreos rendimentos dos empregados em tempo com-pleto, separadamente, de que não dispomos.Opondo-se a esta tendência está a possibilidadede que durante uma recessão os trabalhadoresqualificados e semiqualificados sejam forçadosa trabalhar menos horas ou que a concorrênciaforce para baixo seus rendimentos; enquantoisso os executivos conseguem manter os diferen-ciais anteriores. Numa expansão pode ocorrer oinverso. Não está claro a priori qual destas ten-dências seria a mais importante. Mas permane-

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ce o fato de que as variações observadas na di-ferenciação de rendimentos pode ser um fenô-meno puramente cíclico.

No caso do Brasil, argumentou-se que o bara-teamento do trabalho não-qualificado em re-lação ao qualificado produziu uma substitui-ção no emprego em favor do não-qualificado.Apesar de estar claro que durante a recessão oefeito substituição não produziu nenhum efei-to favorável sobre o emprego, em meio à reces-são geral de demanda, pode-se argumentar quedurante a expansão o rápido crescimento do em-prego na base da escala de renda (parcialmenteum resultado dos efeitos de substituição) foiresponsável por qualquer aumento na desigual-dade que pudesse ter ocorrido durante a expan-são. Se isto for verdade, então as implicaçõesem bem-estar da crescente desigualdade nosrendimentos não são tão claras; neste caso exis-te uma troca de igualdade por crescimento doemprego, e isto poderia ser um forte argumen-to em favor de maior desigualdade. Na verda-de, quando a distribuição em 1967-71é padro-nizada segundo as classes de renda de 1966,nãoaparece nenhum sinal de crescimento mais rá-pido do emprego na parte inferior da escala derenda. Portanto, não é possível falar de umacontradição entre crescimento e igualdade. Aconstância na distribuição do emprego na par-te inferior do espectro de renda por classe derenda também vai contra a possibilidade de for-tes influências cíclicas, afetando a distribuiçãode rendimentos como resultado de mudançasno padrão de trabalho - mais trabalho emtempo parcial, mais emprego feminino etc. Istoé verdade, pelo menos, para o período "1966-71.

b) Evidências de vários países (EUA, Ingla-terra, Holanda) indicam (Schultz, :SeU,Dunlop,Wachter) que no século XX a dispersão de sa-lários e rendimentos (medida simplesmente pe-las diferenças salariais médias interindustriais)tende a seguir de perto o ciclo econômico. Naexpansão, diminui a dispersão, que na recessãotende a aumentar. No Japão, antes de 1945,esta observação é especialmente válida, esten-dendo-se a diferenciais interempresas e inter-qualificações da mão-de-obra (Taira). A hipó-tese explicativa é a de que na expansão, devidoà escassez generalizada de trabalho, os setoresque pagam salários menores do que o médio sãoobrigados a elevá-los para atrair e manter tra-balho; da mesma forma, na expansão, qualquer

firma individual é forçada a utilizar trabalhoque normalmente não é empregado e também apromover seus empregados não-qualificados esemíquallfícados (Reder) .

A hipótese simétrica explica porque a dis-persão aumenta numa recessão. Entretanto, es-tas evidências referem-se a economias não ca-racterizadas por ofertas abundantes de traba-lho não-qualificado; na verdade, a hipótese ex-plicativa baseia-se numa suposta escassez des-te tipo de trabalho durante a expansão. A ex-periência do Japão em 1945-1959pode ser maisrelevante para uma análise da experiência bra-sileira. No período imediatamente após a guer-ra o mercado de trabalho japonês caracteriza-va-se por abundantes ofertas de trabalho, à me-dida que prosseguia a desmobilização e milhõesde japoneses expatriados voltavam de antigascolônias. Subseqüentemente, a reforma agrá-ria e o processo de modernização agrícola ga-rantiram um fluxo contínuo de trabalho não-qualificado para o setor urbano. A dispersão derendimentos (ínteríndustríaís, interempresas,interqualificações da mão-de-oobra) mostrouum aumento contínuo nos períodos de cresci-mento, que foram tanto acima quanto abaixoda tendência histórica (Taira, Yamamura). Sóquando apareceram as condições de escassez ge-neralizada de trabalho, após 1959, que se redu-ziu a dispersão de salários e rendimentos.

O problema, então, resume-se em que apesarde a distribuição de rendimentos dar-nos infor-mações extras sobre os anos entre os Censos,as conclusões podem estar viciadas. Pode serimpossível distinguir os efeitos associados comestabilização salarial a partir de efeitos cíclicospuros. Por exemplo, a maior dispersão em 1965pode ser o resultado de influências do tipo men-cionado, não tendo nada a ver com estabiliza-ção salarial; o fato de a dispersão mostrar au-mento pequeno após a expansão (excetuando-sea observação para 1969-70) pode indicar queexistem forças fundamentais em ação num pe-ríodo em que, usando-se os argumentos expos-tos, seria de se esperar uma redução na desi-gualdade.

Argumentou-se que uma comparação dos anoscensítáríos faria mais sentido, já que tanto 1959como 1970foram anos de expansão; entretanto,não decorre necessariamente daí que as condi-ções no mercado de trabalho fossem semelhan-tes nestes períodos. As décadas de 1950 e 1960

Distribuição de rendimentos

33

Page 14: bre a estrutura da demanda.

caracterizaram-se por um rápido crescimentoda população e uma marcada expulsão do tra-balho da terra, que o setor urbano mostrava-sevisivelmente incapaz de empregar. Assim, umacomparação entre 1959e 1970não é necessaria-mente mais válida deste ponto de vista. Trataros anos entre 1959 e 1970 como um continuumtambém serve para obscurecer as importantesdescontinuidades existentes - essenciais parase compreender as causas do sugimento das di-ferentes distribuições de rendimentos.

Acreditamos que os fatores mencionados an-teriormente em a) e b) não são relevantespara uma discussão do mercado de trabalhobrasileiro. Desde 1966 não ocorreram modifi-cações na estrutura de emprego em favor dosmenos qualificados que sugerissem qualquermudança no volume de emprego de tempo par-cial, ou o feminino ou qualquer mudança naextensão da semana de trabalho. Assim, as mo-dificações cíclicas destes fatores não distorce-ram o quadro apresentado. 8 Nem as condiçõesdo mercado de trabalho brasileiro no momentoassemelham-se às dos países capitalistas avan-çados, que tornassem importantes as observa-ções feitas em b). Assim, pode-se supor que osdados representam modificações distribucionaisfundamentais.

6. A CONTRIBUIÇÃODAS DIFERENÇASINTERSETORIAIS E INTER-REGIONAISNA DESIGUALDADETOTAL

Uma parte essencial da explicação para ~ cres-cente desigualdade, apresentada no item 2, re-

lacionava-se à modernização da estrutura deemprego.

Na "explicação" do aumento observado na de-sigualdade, qual é a "importância do desloca-mento do emprego para setores modernos, taiscomo automóveis e eletrodomésticos, que nor-malmente pagam salários acima da média? Edo aumento dos rendimentos relativos dos seto-res modernos, em comparação aos tradicionais?Afirmou-se que o crescimento da desigualdadeé, de certa forma, inevitável - e benéfico, jáque significa que número cada vez maior depessoas passa a se empregar em setores maisbem remunerados.

Os quadros 10 e 11 apresentam - para in-dústria, comércio e serviços - a proporção davariância "explicada" por diferenças interseto-riais nos rendimentos médios, ponderadas peloemprego; mostram também a medida de Theil(6) da desigualdade total na população (paraque se compare com o coefiicente de Gini).Na indústria, é claro que uma proporção abso-lutamente baixa da variância total é explicadapelas diferenças intersetoriais nos salários mé-dios; de uma maneira geral, a parte explicadarefere-se a uma proporção crescente da variân-cia, mas no interior de cada coluna isto não émuito significativo. Em comércio e serviços, aproporção explicada é mais alta do que na in-dústria (devido a maior número de setores) eé também crescente. 9

Assim, pelo menos segundo estes dados, pa-rece que o deslocamento de emprego para seto-res mais modernos, que caracterizou o pro-cesso de crescimento economico no Bra-sil, foi parcialmente responsável pelo cres-

Quadro 10Medida de Theil da variância total dos rendimentos no setor industrial e percentagem da

34 variância total "explicada" por diferenças intersetoriais nos rendimentos médios ponderadospelo emprego (entre parênteses)

Ano (1) (4)(2) (3)

1959196519661967196819691970

Número de setores

0,180,220,29

0,21(7,6)0,27(7,4) 0,28(11,4)

0,35( 9,7)0,30(13,2)

11

0,35(12,0)0,36(15,5)

1919

Fonte: Os dados de cada. coluna. são compa.ráveis. Ver quadro 3, para fontes. Ver nota. 6, para método de cálculo.Coeficiente de Theil expresso em unidades de loga.ritmo natural.

Revista de Administração de Empresas

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Page 15: bre a estrutura da demanda.

Quadro 11Medida de Theil da variância total dos rendimentos no comércio e serviços e percentagem davariância total "explicada" por diferenças intersetoriais nos rendimentos médios ponderadospelo emprego (entre parênteses)

Ano (1) (4)(2) (3)

1959196519661967196819691970

Número de setores

0,250,260,29

0,24(13,7)0,28(14,3) 0,28(15,2)

0,30(19,4)0,33(19,3)

22

0,38(20,3)0,44(19,6)

29

Fonte: Os dados são comparáveis por coluna.Para fontes, ver quadro 4.

29

cimento da diferenciação. Entretanto, mesmoque as diferenças intersetoriais nos rendimen-tos médios e as mudanças na estrutura de em-prego sejam responsáveis por uma proporçãocrescente de desigualdade, isto explica apenasnum sentido puramente estatistico: o que real-mente temos de saber é por que os setores "mo-dernos" pagam mais do que os setores "tradicio-nais" e por que a dispersão de rendimentos émaior nos primeiros do que nos segundos. Co-mo os aumentos na razão entre rendimentosmédios nos setores "modernos" e os do setor"tradicional" vêm sendo acompanhados poruma crescente dispersão no primeiro, não estáclaro o que foi "explicado" - se é que algo ofoi.

Como os dados de rendimentos são apresen-tados por região, tentou-se, para 1968, avaliar acontribuição que as diferenças regionais narenda média fazem à desigualdade total e verse existiam quaisquer diferenças inter-regio-nais claras na maneira em que a renda eradistribuída em cada região. Os resultados sãoapresentados no quadro 12.

Estes dados confirmam outros trabalhos, aosugerir que as diferenças inter-regionais nosrendimentos médios são, em si, uma contribui-ção muito pequena à varíâncía total dos ren-dimentos.

Na indústria, a medida de igualdade de Giniindica que a dispersão é muito maior no Su-deste, altamente industrializado, e no Nordeste.Entretanto, esta semelhança entre Sudeste eNordeste é acompanhada por violenta dispari-dade nos rendi.mentos médios; o que se depre-ende daí, é que apesar de o sistema de íncentí-

Quadro 12

Diferenças regionais (1968)

Região Coeficientede Gini

Rendimentosmédios abril

de 1968(Cr$ correntes)

Indústria

Norte 0,25 141,35Nordeste 0,36 148,08Sudeste 0,37 253,75Sul 0,28 169,81Centro-Oeste 0,29 159,67Brasil 0,38 234,95

As diferenças inter-regionais nos rendimentos médios explicam4,8 % da desigualdade total.

Comércio e serviços

NorteNordesteSudesteSulCentro-Oes teBrasil

0,420,430,410,350,380,41

232,70228,25302,24228,02221,97284,98

As diferenças inter-regionais nos rendimentos médios explicam2,0% da desigualdade total.

Fonte: Boletim do SEPT, 1968.

vos regionais para atrair a indústria para oNordeste ter produzido uma réplica da estru-tura industrial de São Paulo, nesta região extre-mamente pobre o efeito desta industrializaçãosobre os rendimentos médios foi insignificante.

Por outro lado, para comércio e serviços exis-te maior homogeneidade no grau de dispersãoem cada região.

Distribuição de rendimentos

35

Page 16: bre a estrutura da demanda.

A conclusão geral é de que numa economiacaracterizada por oferta abundante de traba-lho não-qualificado, o salário mínimo desem-penha um papel crítico na determinação dadistribuição global dos rendimentos. Durante operíodo de estabilização, o Governo teve bastan-te sucesso em controlar os salários mais baixose foi, portanto, responsável pela deterioraçãoobservada na distribuição de rendimentos. Aexperiência dos países capitalistas avançados in-dica que uma redução na desigualdade dos ren-dimentos segue-se ou da formação de um mo-vimento sindical independente, ou de uma es-cassez geral de mão-de-obra numa situação emque seja fixa a distribuição estrutural de traba-lho entre os setores. Como nenhuma destas con-dições tende a aparecer no Brasil, a políticagovernamental é um determinante crucial dadistribuição.

7. SIGNIFICADO ECONOMICO

A medida da distribuição da renda e a discus-são referente às causas de sua deterioração sãoquestões interessantes em si mesmas; mas sãotambém importantes à medida que lançam luzsobre o caráter do processo de industrializaçãono Brasil. Um aspecto importante da discussãorefere-se à relação entre a distribuição de renda,por um lado, com a estrutura da demanda, e poroutro, com a propensão a poupar.

7 . 1 Distribuição da renda e propensão apoupar

36

Os porta-vozes governamentais argumentamque a deterioração na distribuição da rendapessoal é funcional ao processo de crescimentocapitalista, na suposição de que uma distribui-ção mais desigual produz uma propensão médiaa poupar mais alta; afirmam que a crescentedesigualdade combinada com mudanças insti-tucionais, designadas a elevar poupança pes-soal, são responsáveis pelo fato de uma econo-mia ter financiado uma elevação na razão in-vestimento-renda de pouco mais de 15% em1968-69 a cerca de 22% em 197210 aumentandoa proporção da poupança interna no PNB.

O último ano para o qual os dados de con-tas nacionais foram publicados é 1969; apesardisso, é possível chegar a dados aproximadospara 1972, para testar a afirmativa de que umcrescente coeficiente investimento-renda vemRevista de Administração de Empresas

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sendo financiado por poupanças internas, e suacontra-argumentação de que o investimentocrescente vem sendo obtido através dos emprés-timos estrangeiros. O quadro 13 apresenta esti-mativas do PNB em 1972 (cruzeiros correntes)juntamente com uma estimativa da contribui-ção de poupanças externas (medida como odeficit de conta-corrente) ao PNB daquele ano;tal contribuição elevou-se de 0,9% a 2,9% (esti-mativa) do PNB em 1972. No mesmo período, ocoeficiente investimento-renda elevou-se de cer-ca de 15% a 22% (estimativa), o que significaque a taxa de poupança interna elevou-se de14,1% do PNB em 1969 para 19,1% (estimativa)em 1972. Assim, a taxa de poupança internaelevou-se acima de sua média no pós-guerra,que foi de 14 a 16%.

Quadro 13

Estimativa do PNB e da contribuição dapoupança interna e externa em 1969 e 1972

1969 1972

PNB (cruzeiros correntes) 131 883,4 296 131,8"

Deficit de conta-corrente (cru-zeiros correntes) 1,124b 846O·Poupança externa como % doPNB 0,9% 2,9%Formação bruta de capital fixocomo % do PNB 15,0% 22,O%dPoupança interna 14,1% 19,1%"

Fontes e notas:• Usando as seguintes taxas de crescimento do produto -1970: 9,5%, 1\171: 11,3% e 1972: 10,4% e os deflatores - 1970:19,8%, 1971: 20,4% e 1972: 15,7%, obtidos da Conjuntura Eco-n6mica: 25 anos de Economia Brasileira, e Revista BOLSA,jun. 1973.b Conversão a Cr$ 4,00 = US$ 1,00e Conversão a Cr$ 6,00 = US$ 1,00d Publicado na imprensa.• Estimado como resíduo.

Entretanto, devemos ter sempre em menteque a poupança pessoal, objeto da hipótese re-ferente à distribuição, é apenas um componenteda poupança interna, juntamente com as dosetor de empresas privadas e do setor público.Não se pode dizer muita coisa sobre a composi-ção da poupança interna até o aparecimento dosdados de contas nacionais para o período maisrecente (1970-72); mesmo com os dados dosanos anteriores, é impossível determinar pre-cisamente a contribuição do setor público (tan-

Page 17: bre a estrutura da demanda.

to governamental como empresarial) à pou-pança interna total. 11

Apesar de existirem dados sobre a participa-ção do investimento do setor público no investi-mento total (que em 1960-69variou entre 25%e 33% ) , os dados sobre despesa e receita daque-le excluem a renda das empresas de economiamista. Outras fontes indicam que a participa-ção do setor público (definido de modo a in-cluir as empresas diretamente produtivas) noinvestimento total foi muito maior; de menosde 50% no inicio dos anos 60, estimou-se queem 1971 o setor público (incluindo empresaspúblicas) foi responsável por cerca de 70% doinvestimento total. Além disso, estimou-se queem 1971 ele respondeu por pelo menos 60% dapoupança interna. Além dos grandes lucros ge-rados pelas empresas públicas durante a ex-pansão, o Governo tornou-se poderoso geradorde poupança involuntária na economia, comoresultado da crescente elasticidade do sistematributário e dos grandes excedentes acumula-dos nos fundos de contribuição social. É neces-sário atentar para o papel fundamental do se-tor público em todo o processo poupança-inves-timento, e para a transformação do Estado nu-ma fonte substancial de poupança involuntá-ria, e não para a pretensa sensibilidade da pou-pança privada à desigualdade na distribuiçãopessoal de renda.

Não existem dados precisos sobre a distribui-ção de poupança privada entre os setores pes-soal e empresarial; as estimativas de Cline 12

apresentam um viés para cima na participaçãoda poupança pessoal. Segundo sua estimativa,a poupança pessoal representa 55% da poupan-ça interna total ..Se as estimativas da poupançado setor público citadas forem verdadeiras, en-tão a de Cline implica a mesma poupança nulado setor. empresarial privado, o que é extrema-mente improvável. A poupança pessoal líquidaé, no máximo, responsável por 20% da poupan-ça interna, e o deslocamento substancial na dis-tribuição funcional em favor dos lucros (verquadro 2) nos últimos anos pode ter reduzidoainda mais esta parcela.

Qualquer que seja a relação entre poupançapessoal e desigualdade, a primeira é um com-ponente muito pequeno do financiamento in-terno do investimento.

Os dispositivos institucionais responsáveis -como se afirmou - pela elevação da poupançapessoal consistiram em maiores incentivos à

propriedade de ações e à introdução de ativosfinanceiros de renda fixa, que oferecem um re-torno real substancial a seus proprietários. En-tretanto, pode muito bem ser que estas refor-mas financeiras não tenham elevado a contri-buição da poupança pessoal líquida pelas se-guintes razões:

a) ocorreram aumentos muito grandes nasubscrição em dinheiro de novos títulos sobreo capital no mercado de ações, especialmente apartir de 197013 (as subscrições em dinheirorepresentam agora cerca de 1/3 da expansãodos valores totais de capital, comparados com1/7 em meados da década de 60), e com o ní-vel extremamente baixo dos pagamentos dedividendos, o mercado de ações parece estaragindo como uma fonte muito importante deacumulação de capital para o setor empresarial.Entretanto, o mercado só pode afetar a distri-buição de fundos de poupadores privados nointerior do setor empresarial; e embora repre-sente algumas das maiores neste setor, o nú-mero real de empresas cadastradas é muito pe-queno; o volume total de fundos não é muitoafetado. É também possível que as novas insti-tuições e incentivos fiscais 14 estejam apenasfornecendo canais substitutos para as poupan-ças pessoais.

b) A partir dos orçamentos familiares brasi-leiros, pode-se perceber uma certa relação posi-tiva - embora bastante fraca - entre rendapessoal e poupança média; deixando de ladoa interpretação friedmaniana para os dadospode-se esperar que o aumento de 67% na ren-da real (recebidos pelo decil superior do espec-tro de renda entre 1960 e 1970) tenha-se tra-duzido num aumento da poupança pessoal mé-dia. Entretanto, estes dados do orçamento fa-miliar estão bastante desatualizados (1961-62);são necessárias pesquisas mais recentes para sedescobrir a extensão em que o decil superiordividiu o incremento na renda real entre pou-pança e consumo. O enorme afluxo de fundosprivados em ativos de renda fixa indica que es-te aumento acima da média na renda real foi"poupado". Entretanto, estes novos ativos es-tão em grande parte ligados ao sistema de cré-dito ao consumidor para a compra de bens do-mésticos de consumo durável; todo o mecanis-mo, na verdade, facilitou a transformação dapoupança dos membros do decil superior emconsumo de indivíduos localizados no mesmo

Distribuição de rendimentos

37

Page 18: bre a estrutura da demanda.

decil ou em decis inferiores. O efeito liquidodestes novos instrumentos financeiros nas pou-panças pessoais pode ser nulo. Se as poupançaspessoais de uns forem usadas para aumentar oconsumo de outros, então a maior desigual-dade de renda não pode ser justificada emtermos do crescimento da contribuição depoupanças pessoais às poupanças internastotais. Paradoxalmente, a maior dispersão derendas monetárias foi acompanhada por umadistribuição mais igualitária de um estilo par-ticular de consumo (bens de consumo domés-tico durável e automóveis); mas a orientaçãoquase total do crédito ao consumidor para ossetores mais "modernos" significa que a difusãodeste estilo de consumo provavelmente temsido realizada mais eficientemente do que seexistisse uma distribuição mais igualitária derenda monetária.c) Pelo menos até 1970-71, a expansão temsido liderada pelo consumo; e, mesmo desde en-tão, a taxa de crescimento da produção de bensde consumo durável vem-se mantendo acima damédia do setor industrial. Qualquer que tenhasido a base social desta onda de consumo, é di-fícil imaginar que ela pudesse ter sido acompa-nhada por uma elevação nas poupanças a par-tir da renda pessoal disponível.

d) Evidências de outros países capitalistassugerem que uma elevação da razão in-vestimento-renda, da ordem que se afirmater ocorrido no Brasil entre 1969 e 1972, éfinanciada pelos lucros do setor empresarial,tanto público como privado. No estágio pri-mário do ramo ascendente do ciclo de negócios,tende a ocorrer uma alta violenta da participa-ção dos lucros na renda nacional, o que per-mite uma expansão na capacidade. Dada a evi-dência de um deslocamento funcional em favordos lucros (quadro 2), parece provável que acrescente relação investimento-renda tenha si-do financiada com os lucros retidos das socieda-des anônimas bem como da poupança do setorpúblico.

Desta forma, parece difícil aceitar o argu-mento de que a crescente desigualdade nadistribuição da renda pessoal tenha sido respon-sável pela alta na participação das poupançasinternas. Mesmo que se verifique que se elevoua participação das poupanças pessoais líquidasno PNB, isto pode ser melhor explicado pelaelevação na renda média, e não pela redistri-buição ocorrida.

Revista de Administração de Empresas

38

7 .2 Distribuição da renda e estrutura dedemanda

Ao considerar a estrutura da demanda, impor-tante contribuição ao debate sobre o processo derecuperação industrial no Brasil foi feita poraqueles que consideram que a redistribuição derenda - que se diz ter sido uma característicada recessão - foi causa e condição necessáriada recuperação ocorrida subseqüentemente; se-ria precisamente esta redistribuição a responsá-vel pelo extremo dinamismo do sistema. Argu-menta-se que uma das razões pelas quais o sis-tema industrial perdeu impulso no início da dé-cada de 60 foram as dimensões bastante restri-tas do mercado de produtos do setor produtorde bens de consumo durável; a contribuiçãomais importante do período de estabilização foiredistribuir a renda em favor dos grupos derenda mais alta. Isto colocou mais renda nasmãos dos que tendiam a adquirir bens de con-sumo durável, e também incorporou mais pes-soas a esta categoria. Além disso, o dinamismodo setor produtor de bens de consumo duráveldeveu-se a uma contínua concentração e re-concentração de renda através da recessão e ex-pansão. Similarmente, a redução da renda realdos grupos de mais baixa renda trouxe uma re-cessão bem pronunciada nos setores produtoresde bens industrializados de salários (têxteis, sa-patos) da qual estes setores só se recuperaramaumentando as exportações (Furtado).

O trabalho empírico apresentado neste arti-go certamente parece apoiar a visão de que umaredistribuição dos rendimentos foi uma carac-terística marcante do período de estabilização,apesar dos dados sobre rendimentos não indi-carem claramente um processo redistributivocontinuado durante a expansão, mesmo consi-derando-se o forte aumento de desigualdade em1969-70. Naturalmente, é aqui que os dados so-bre rendimentos apenas mostram suas deficiên-cias mais graves; o aumento nas rendas pes-soais resultante de alterações na distribuiçãofuncional em favor de lucros, que pode ter sidouma característica da expansão, limita severa-mente nossa capacidade de inferir, apenas apartir dos rendimentos do trabalho, o compor-tamento neste período.

Tentou-se aqui medir o impacto preciso daredistribuição observada na estrutura de de-manda, em particular na demanda global debens de consumo durável. Ou seja, mantendo-seconstante a renda real per capita média, os pre-

Page 19: bre a estrutura da demanda.

ços relativos e os efeitos de substituição, qualfoi o impacto na demanda de automóveis, porexemplo, que teve a redistribuição de renda?Escolhemos automóveis porque, implicitamente,a hipótese foi estruturada de modo a responderpelo crescimento particularmente rápido destesetor.

~ possível analisar de maneira bastante sim-ples os efeitos de uma redistribuição de rendasobre a estrutura de demanda. Em primeiro lu-gar, como resultado da redistribuição, o dispên-dio médio da população com o bem i pode mu-dar como resultado de um deslocamento derenda para um grupo com propensão média agastar em i mais alta ou mais baixa. Para cal-cular a propensão média agregada a consumiri, é necessário obter informações sobre rendae despesa em i para cada grupo da população.~ também preciso fazer suposições sobre a pro-pensão pós-redistribuição a consumir em cadagrupo. Em segundo lugar, se existirem impor-tantes diferenças entre os grupos em sua elasti-cidade-renda da demanda de i, então, como re-sultado da redistribuição, pode ocorrer uma mu-dança na elasticidade-renda global da demandade i. Como os proponentes da hipótese subja-cente acreditam em descontinuidades marcadasnos padrões intersociais de classe do consumo, éimportante quantificar este efeito. Mesmo se aelasticidade-renda da demanda de i for cons-tante em todo o espectro de renda, e insensívelassim às mudanças na distribuição de renda,a propensão média pode mudar com a redistri-buição e causar assim uma alteração permanen-te na estrutura da demanda.

Já se fizeram várias tentativas de ajustar umauma função que relacione o dispêndio em auto-móveis e renda, com dados da Pesquisa sobreOrçamentos Familiares, englobando 3693 famí-lias em oito áreas urbanas, realizada entre ju-lho de 1961 e junho de 1962; apresenta dadossobre dispêndios familiares relacionados à com-pra direta de um veículo privado ou os paga-mentos de prestações. É assim possível disporgraficamente de cerca de 70 observações (já queos dados são agrupados por classes de renda)relacionando dispêndio em automóveis e rendalíquida, descontados os impostos (ver nota an-terior). O gráfico sugere fortemente uma rela-ção sigmóide, truncada na parte inferior; ouseja, existe algum limiar de renda abaixo doqual a compra de automóveis não é possível, en-quanto nos níveis intermediários de renda, ademanda cresce muito rapidamente. Entretan-

to, para rendas muito altas tende a existir umnível de saturação de despesas com carros. Tudoisso sugere a existência de diferenças substan-ciais na elasticidade interclasse de renda dademanda de automóveis, o que é consistente coma hipótese subjacente. Entretanto, o nivelamen-to definitivo da curva a níveis altos de rendaindica claramente que a redistribuição obser-vada entre 1960 e 1970, no sentido do cume dadistribuição, não foi tão racional em termos docrescimento da demanda, como se tem suge-rido.

Para todo um conjunto de funções lineares enão-lineares, o melhor ajustamento foi obtidocom uma função log-recíproca da forma:

blog, y. = a --t X,

onde Yi = dispêndio pela classe i, e Xi = rendada classe i.

Esta função é de formato sigmóide e possuium nível de saturação das despesas. Apesar dea curva passar pela origem, é possível ajustaros dados de modo a se obter um limiar de dis-pêndios; não se fez isso aqui, apesar de os da-dos o sugerirem. A função também implica umarelação comportamental em que a elasticidade-renda da demanda é inversamente correlacio-nada com o nível de renda; este aspecto, natu-ralmente, é bastante distinto da hipótese subja-cente.

A relação ajustada (ver nota 11) é da forma:

log, Y. = 5,237 - 1741,0 ~.•

coeficientes t: (17,70) (11,87)

R2 = 0,8011, Durbin-Watson: 2,086

e é uma das poucas relações não-lineares queem qualquer sentido descreve os dados e não foiperturbada por problemas de autocorrelação.

Usando a distribuição de rendas familiaresmédias da Pesquisa de 1961-62, foi possível es-timar a renda média de cada decil populacional;usando a função, calculou-se o dispêndio asso-ciado e a elasticidade-renda da demanda. A pro-pensão média a gastar em automóveis (Ai)pode ser descrita segundo

"Ai = 1: a; ~ii = 1

onde a. é a propensão média a consumir do de-cil populacional i, e À.o é sua participação na ren-

Di8tribuiçãode rendimentos

39

Page 20: bre a estrutura da demanda.

da total. A propensão estimada foi de 2,40%.Pode-se descrever a elasticidade-renda global dademanda de carros (ED) como a soma pondera-da das elasticidades para cada classe de popu-lação, medida à renda média para cada classe,onde os pesos correspondem às parcelas de ren-da recebida por cada classe. Portanto:

i = 1

onde Xi = I!arcelas de renda e

e, = elasticidade para a classepopulacional i.

40

A elasticidade-renda estimada da demandafoi 3,03. A isto compare-se a elasticidade obser-vada de 2,68, para o período 1964-67.15

Como medir o impacto das medidas redistri-butivas sobre a demanda de automóveis? O mé-todo adotado aqui consistiu em tomar as rendasmédias por decil populacional da distribuiçãode renda familiar de 1961-62, e aplicá-las às va-riações percentuais na renda por decil popula-cional entre 1960 e 1970 nas áreas urbanas pro-vocadas exclusivamente pela redistribuição derenda (isto é, descontados os aumentos da ren-da real no período). A principal objeção quese pode fazer a esse método é a de que os re-sultados do Censo são para indivíduos; entre-tanto, o procedimento é defensável, já que asdistribuições pessoais e familiares baseadas nosresultados do Censo de 1970 são idênticas. Comas novas estimativas das parcelas de renda cal-culou-se nova propensão média a consumir enova elasticidade-renda da demanda: a propen-são média eleva-se em 12,9%, para 2,71%, en-quanto a elasticidade cai para 2,73. Este últi-mo fato deve-se ao maior peso dado às classesde renda mais alta, com sua elasticidade-rendade demanda mais baixa. Tudo isto na suposi-ção de que o comportamento pós-redistribuiçãoseria caracterizado pelas propensões iniciais. Seusamos a função estimada para calcular a pro-pensão média e a elasticidade-renda da deman-da dos níveis de renda pós-redistribuição, o dis-pêndio médio é 2,45% e a elasticidade, 3,06 -aumentos insignificantes nas magnitudes dasrelações anteriores.

Obteve-se um bom ajustamento com outrafunção não-linear, da forma double-log. A for-ma estimada era:

IQg Yi = - 14,51 + 20'198 log X,

Revista de Administração de Empresas

coeficientes:

(10,25) (12,12)

R2 = 0,8077; DW = 1,993

A função implica uma elasticidade cons-tante de 2,50 que, naturalmente, decorre da hi-pótese subjacente: a elasticidade-renda da de-manda é invariante com respeito a mudançasdistribucionais. Entretanto, a propensão médiacomputada eleva-se de 2,06% para 2,47%, seusarmos as propensões pré-distribuição: istosignifica que os dispêndios poderiam ter-se ele-vado em quase 20% exclusivamente como resul-tado da redistribuição de renda.

Mesmo se todo o impacto redistributivo esti-vesse concentrado no período após 1965, quequase certamente é o caso, é bastante difícil ex-plicar completamente a elevação observada de31% na elasticidade-renda da demanda de au-tomóveis - de 2,68 entre 1964-67 a 3,47 entre1967-71 - com base nas relações dispêndio-renda estimadas aqui. Para obter a magnitudedesejada seria necessário supor uma funçãocom uma elasticidade sempre crescente e umdiferencial muito grande entre a elasticidade ea propensão média a consumir entre o decilsuperior e todos os outros. Isto não é consisten-te com os dados de orçamento revistos aqui. 16

Apesar de que freqüentemente as observaçõescross-sectum terem-se mostrado um pobre guiapara o consumo ao longo do tempo, a falha aquimostra a necessidade de se estudar todos os efei-tos de maior crédito e de uma substituição noorçamento dos consumidores em favor de bensduráveis. A hipótese também é bastante defi-ciente em sua explicação do ritmo da recupera-ção industrial, já que, de acordo com os dadosde rendimento, o impacto redistributivo máximoocorreu antes de 1966, enquanto a recuperaçãogeral sustentada não ocorreu antes de 1968-69.É claramente necessário introduzir defasagense outros artifícios para uma explicação maiscompleta.

Foram usados ainda estes dados orçamentá-rios para ajustar funções-dispêndio para bensnão-duráveis, como tecidos e alimentos, e parabens de consumo familiar. Os resultados, usan-do várias funções lineares e não-lineares, nãosão satisfatórios; a maior parte das funções nãocapta o grau necessário de curvatura da rela-ção nos grupos de renda mais alta. Para os trêsgrupos de dispêndios, existem tendências muitofortes de um nível de saturação de dispêndios

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aos níveis mais altos de renda. Entretanto, emgeral estes resultados tendem a confirmar a hi-pótese subjacente de que um deslocamento nadistribuição, em favor dos ricos, tem efeitos sé-rios sobre a produção de bens manutaturadosde consumo popular: a produção têxtil elevou-seem 17,7% entre 1965-69, vestuários em 10,9%e mobiliário em 6,0%, enquanto o índice geralde produção industrial elevou-se em 48,2% nomesmo período. 17 Apesar de ser impossível es-timar o impacto da redistribuição sobre o dis-pêndio médio e sobre a elasticidade-renda da de-manda desses bens, tal desempenho relativa-mente pobre destes setores não pode ser ex-plicado apenas, ou mesmo em sua maior parte,pelas mudanças distributivas. Outros fatores,tais como uma disponibilidade relativamentemaior de crédito para duráveis, e grandes subs-tituições nos dispêndios, provocada por mudan-ças publicitárias, agiram na mesma direção.Uma pesquisa sobre os orçamentos da classetrabalhadora em São Paulo, realizada em 1958e subseqüentemente em 1969-70,mostra um des-locamento considerável nos dispêndios no orça-mento familiar, diminuindo alimentos, e, espe-cialmente, vestuário, e aumentando bens deconsumo doméstico e automóveis particulares;e o relatório destaca que a existência de crédi-to para estes bens duráveis torna-os tambémdisponíveis para as famílias das classes traba-lhadoras. 18

Assim, em conclusão, pode-se afirmar tentati-vamente que mudanças na distribuição de ren-da não tiveram o importante efeito sobre a pro-dução e poupança que se vem afirmando. E osresultados da pesquisa orçamentária não suge-rem que maior concentração seja a maneiramais racional de sustentar a demanda; de fato,o inverso é verdadeiro. Se a presente expansãona produção de bens duráveis acabados for li-mitada aos 10% superiores na população, quefoi o único decil a aumentar sua renda relativaentre 1960 e 1970, então o processo tende a serlimitado; mas estas evidências sugerem que asvendas de bens duráveis foram muito menos li-mitadas do que alguns autores supõem. Isto exi-ge mais trabalho, examinando-se a maneira pe-la qual o crédito e os efeitos da substituiçãotrouxeram deslocamentos substanciais nas re-lações renda-dispêndio, medidas aqui e nos pa-drões de consumo ao longo de todo o espectrode renda. O

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1 o principal problema de estimação consiste em sedeterminar a renda média da classe de limite supe-rior aberto, antes de passar a uma estimativa dadistribuição de 1959. O problema não aparece em1970 porque Langoni teve acesso aos dados sobrerendas individuais. Como o procedimento implica es-timar uma quantidade desconhecida, a única maneirade comparar as estimativas é comparar os procedi-mentos. Langoni supõe que a relação entre rendamédia e o limite inferior da classe de limite superioraberto em 1970 é também válida para 1959. Trata-sede uma suposição delicada, já que sob a hipótese dedesigualdade crescente também se pode esperar quea razão aumente. Mesmo com este procedimento fa-vorável, o aumento na desígualdade é semelhante aoestimado por Fishlow. (Todos os nomes entre parên-teses que aparecem no decorrer do texto constam da.bibliografia, no fim do artigo.)

2 Uma discussão bastante completa do procedimentode amostragem encontra-se no Boletim do SEPT, n.17, p. 63-8.

Revista de Administração de Empresas

3 Em 1964, o SEPT coletou e publicou dados sobretodo o universo de empregados para o Estado da Gua-nabara. Em 1965, apesar de se terem coletados dadossobre todo o universo, só se pubücaram aqueles daamostra. Uma comparação entre a distribuição inter-setorial da força de trabalho no interior do comércioe serviços indica que a distribuição da amostra em1965 representava muito bem todo o universo (apre-sentado em 1964).

1964

Indústria

Agricultura 0,02Alimentação 9,38Vestuário 8,71Mobiliário 27,57Ind. urbanas 3,67Extrativas 0,63Fiação & tecelagem 10,45Couro 1,08Borracha 0,57Joalheria 0,42Farmacêuticas 7,75Papel 1,12Gráficas 3,11Vidros 4,51Ind. de metais 18,40Ind. de instr. musicais 0,17Diversos 2,44Comércio e serviçosCom. atacadista 9,95Com. varejista 27,77Auton. de com. 9,10Armazenador 0,30Turismo 8,45Navegação 0,85Aeroviárias 2,68Admin. de portos 0,02Ferroviárias 0,06Rodoviárias 8,83Carris urbanos 0,11Comunicação 0,91Publicidade 1,53Jornalísticas 2,60Bancários 14,18Seguros 2,61Crédito 0,26Ensino 2,77Artística 2,59Cult. física 1,09Diversos 3,31Prof. liberais 0,07

1965

0,049,548,51

28,213,840,769,751,080,640,338,321,253,4;32,88

19,480,161,78

9,1029,907,850,728,910,222,230,031,308,200,072,842,172,10

13,362,380,172,692,390,782,380,22

Entretanto como mencionado no texto a distribui-ção global não é tão sensível à intersetorial do em-prego. Tudo isto demonstra que o procedimento daamostragem usado representa bastante bem o uni-verso verdadeiro sob este aspecto, e, portanto pro-vavelmente também em outros que nos interessam.

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4 As estimativas são provavelmente enviesadas parabaixo, de modo que nos fornecem um limites inferiorao grau de redistribuição que, como será mostrado,ocorreu entre 1965 e 1966.

5 O coeficiente de Gini é uma medida resumida dadispersão. O gráfico da distribuição cumulativa dapopulação e rendimentos é normalmente chamado decurva de Lorenz; se esta curva se coloca sobre a li-nha de 450,então as rendas são distribuídas de ma-neira completamente igualitária. O coeficiente deGini é uma estimativa da área entre a curva de Lo-renz e a linha diagonal. Desta forma, um valor pró-ximo a zero indicaria completa igualdade; valoresmaiores significam desigualdade crescente. Entretan-to (ver Atkinson), quando as curvas de Lorenz secruzam, em comparações internacionais ou intertem-porais, distribuições bastante diferentes podem levarà mesma medida de desigualdade de Gini; devemos,portanto, tomar muito cuidado na interpretação dosresultados. Para parcelas cumulativas de populaçãoX. com rendimentos cumulativos Y. e n classes derenda, o coeficiente de Gini (G) =

..1 - ~ (Y. + Y.-I) (Xi - X._I) ;

i"'" 1

para expressá-lo como %, multipliquemo-lo por 100.1 ~ G ~ O.

6 Para a parcela populacional x, com participaçãonos rendimentos Y" a medida de desigualdade do ín-dice de TheU pode ser escrita sob a forma:

Índiee de Theil = I = i Y. log .J!.!.. , log n > I > Oi - 1 ,'1;,

Quando os rendimentos são distribuídos de maneiracompletamente igualitária, cada y,/x. - 1, de modoque I = O. Quando toda a renda cabe a poucaspessoas, seu valor é log n.

Para qualquer indústria 1 (estamos tratando comindústria, comércio e serviços), 1 também podeser expresso como a soma de diferenças interseto-riais na renda média ponderadas pelo emprego e pe-las diferenças setoriais internas em rendimentos. SeR é a variância "não explicada" devido a diferençassetoriais "internas" nos rendimentos, então:

t akR, = Ij - 2: ak log -b '

k -I k

onde a~é a parcela de renda que cabe ao setor k e b.é sua parcela de emprego para t setores.

7 Além disso, a classe de limite superior aberto nostrês trimestres de 1968 continham uma proporçãomui-to grande da população; usou-se a estrutura da po-pulação por classe de rendimentos no primeiro tri-mestre de 1969 para reduzir a proporção populacio-nal na classe de limite superior aberto em 1968.

8 Apesar da grande elevação no número de pessoasempregadas ao nível do salário mínimo entre 1965e 1966, que pode ser uma indicação de aumento notrabalho em tempo parcial devido aos efeitos da re-cessão, e que poderia ser responsável pela crescentediferenciação entre 1965 e 1966, a proporção em 1966de trablhadores empregados ao salário mínimo é sub-seqüentemente mantida durante a expansão.

9 Como a dispersão máxima dos diferenciais inter-setoriais é da ordem de 3:1, comparada com as ordensmuito maiores de magnitude na dispersão da rendatotal, não é de se surpreender que esta componentecontribua tão pouco para a desigualdade global.

10 Não existem dados publicados de contas nacionaisalém de 1969; entretanto, evidências dos índices deprodução industrial e do recente e forte aumentonos bens de capital importados indicam que desde1970 vem ocorrendo expansão nos investimentos noBrasil. A estimativa da razão investimento/renda de22% foi tirada dos discursos de vários funcionáriosgovernamentais.

11 Esta discussão baseia-se numa análise dos dadosde contas nacionais publicados em Conjuntura Eco-nômica, novo 1972 e do United Nations Yearbook otNational Accounts, 1970.

12 Cline, W. R. Potentia; eftects of income redistri-butions on economic growth: Latin American cases,p. 46, nota 26, e p. 29. Ele calcula as poupanças pes-soais como resíduo, após subtrair os lucros retidosdas empresas da poupança interna total menos for-mação de capital do setor público (definido de manei-ra estrita); entretanto, sua estimativa dos lucros re-tidos das empresas é uma subestimativa séria do dadoreal, já que ele considera apenas o dado para "in-corporação de reservas" das sociedades anônimas queaumentaram o capital, registrado anualmente emConjuntura Econômica. Trata-se de uma subestima-tiva porque em primeiro lugar as empresas podempreferir outros usos para suas reservas e, em segundo,os dados de Conjuntura Econômica não abrangemtodo o universo das empresas. Além disso, ele pareceincluir os lucros do setor empresarial público naspoupanças pessoais.

13 Conjuntura Econômica, p. 55, novo 1972. 43

14 Os dados são de cidades brasileiras e, portanto,devem ser ponderados pelas parcelas de populaçãona regressão. Isto não foi feito.

15 Os dados do orçamento familiar foram usadospara calcular a elasticidade-renda de demanda dedespesas de automóveis, enquanto a elasticidade"observada" foi calculada simplesmente com referên-cia ao número de carros vendidos. Na medida em quea distribuição destes carros muda com o tempo, ouna medida em que ocorram mudanças no custo docarro médio em termos de renda, a última medidadivergirá do primeiro conceito. Trabalha-se para le-var isso em consideração. Além disso, a elasticidade

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"observada" foi calculada com respeito ao cresci-mento real do PNB, devido à falta de dados sobrea renda pessoal disponível; não é um procedimentodesejável, já que há boa base para se supor que arazão entre renda pessoal disponível e PNB varioudurante o período considerado.

16 Recente trabalho de Albert Fishlow, usando umafonte diferente de dados e uma metodologia inteira-mente distinta, resultou numa estimativa cross-see-tion da elasticidade-renda da demanda de automó-veis de 3,34, utilizando pesos derivados da distribui-ção de 1960.e de 3,38 usando-os da distribuição de1970. Esta acentuada consistência com nossos resul-tados é bastante notável, tendo em vista os diferen-tes procedimentos adotados. Ver Fishlow, Albert.Brazilian size distribution of income - another look.1973. mimeogr.

17 Estou em dívida com Regis Bonelli, do IPEA pelouso destes dados revisados sobre produção industrial.Ver Bonelli, R. Produção industrial: sugestão meto-dológíca para a elaboração de índices e aplicações.PesquiSa e Planejamento, Rio. jun. 1973.

18 Um levantamento dos orçamentos familiares daclasse operária em São Paulo, realizado pelo Depar-tamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos(DIESE), cujos resultados parciais foram publicadosno Jornal do Brasil, 19.10.72,indica que "ocorreu umdeclínio relativo entre 1958 e 1968-70 na parcela dedespesas destinadas a vestuário. ( ... ) Ocorreu umgrande aumento na parcela de despesas destinadas abens domésticos duráveis ( ... ) refletindo uma gran-de preocupação, mesmo entre as famílias de rendabaixa, com a aquisição de bens domésticos, indicati-vo de sua Incorporação na sociedade de consumo."

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