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BRASILEIROSVINICIUS DE MORAES

POR NELSON MOTTA

ORGANIZAÇÃO: JOSÉ ROBERTO DE CASTRO NEVES

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Copyright da organização © 2020 by José Roberto de Castro Neves

Copyright © 2020 by Nelson Motta.

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Esta edição é parte do livro Brasileiros, organizado por José Roberto de Castro Neves e editado pela Nova Fronteira em março de 2020 sob o ISBN 978.85.209.3499-9.

Editora Nova Fronteira Participações S.A.Rua Candelária, 60 — 7o andar — Centro — 20091-020Rio de Janeiro — RJ — BrasilTel.: (21) 3882-8200

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VINICIUS DE MORAESNelson Motta

Quando conheci Vinicius, em 1960, ele tinha idade para ser meu pai. E de todos nós, garotos universitários do Rio e de São Paulo, que,

depois da bossa nova, queríamos fazer música popular. E Vinicius acabou sendo um pai artístico para uma geração de compositores que mudou o rumo da música brasileira.

Em 1956, quando o poeta e diplomata Vinicius de Moraes entrou de cabeça na música popular com o seu musical Orfeu da Conceição em parceria com Tom Jobim, já tinha dez livros de poesia publicados e elogiados pela crítica, mas foi aconselhado a não desperdiçar seu talento literário na música popular que, decididamente, era um gênero menor diante da sua grande poesia. Sabe como é, coisa de negros, de malandros e boêmios, poesia era coisa mais séria.

Se Vinicius tivesse acreditado nisso, não teríamos a bossa nova e nem centenas de músicas que alegraram, divertiram e emocionaram o Brasil e o mundo.

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N e l s o N M o t ta

Mais do que um grande poeta ou letrista de música popular, Vini-cius seria a ponte entre o mundo culto e acadêmico e o mundo alegre e popular da música, que tinha no Rio de Janeiro a sua melhor fonte.

Educado por jesuítas, formado em Oxford, moço de boa família, o sucesso e prestígio de Vinicius como letrista alforriavam as novas ge-rações que queriam se dedicar à música popular. Porque nos anos 1960, nenhuma família de classe média gostaria de ver um filho envolvido com o universo marginal da música popular. Era uma opção tão utópica e temida quanto a de ser jogador de futebol profissional. Coitados, se eles soubessem o que as estrelas da música e do futebol ganham hoje em dia…

Com raras exceções, o samba vem das classes populares, e as prin-cipais exceções certamente são o gênio de Noel Rosa, um universitário de Medicina de classe média dando um novo formato ao samba, e o espantoso caso do mauricinho de Ipanema, Mário Reis, que era de uma aristocrática família carioca, e se tornou um renovador do samba e o grande intérprete de Sinhô, Noel Rosa, Ismael Silva e dos grandes bambas do mundo negro do samba.

Pela história, este encontro entre o popular e o erudito na músi-ca começa em 1926, no Rio de Janeiro, quando Villa-Lobos, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, pai de Chico, vão a um sarau para conhecer a música de Pixinguinha e Donga. E o resto é história. Uma linda história de construção de uma das melhores e mais respeitadas músicas do mundo.

Mas é só depois de Vinicius, com as gerações que tiveram nele o seu pai artístico, que a música popular, além de virar uma profissão, ganhou um upgrade cultural, passou a ser estudada nas universidades, virou tese de mestrado, se tornou uma das mais influentes expressões artísticas dos anos 1970 e 1980, ganhou importância histórica e política, e revelou, além de Chico Buarque, letristas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Aldir Blanc, Abel Silva, Ronaldo Bastos, José Carlos Capinam, Fausto Nilo, Fernando Brant, chegando a Cazuza, Renato Russo e Arnaldo Antunes. A música popular não ficava nada a dever à poesia brasileira, não que fosse melhor ou pior, mas como uma expressão diferente dos

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sentimentos que fazem a trilha sonora de nossa vida. Foi com Vinicius que isso tudo começou.

Sem ele, talvez Chico tivesse continuado a estudar arquitetura. Mas felizmente Vinicius era amigo do seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, e desde garoto, Chico acompanhava fascinado as noitadas domésticas movidas a samba, uísque e alegria, ouvia Vinicius cantando e tocando violão e se apaixonava perdidamente pela música popular, e por aquele personagem tão charmoso e sedutor.

Para jovens compositores cariocas, como os amigos Edu Lobo, Marcos Valle, Francis Hime, Toquinho, Chico e Dori Caymmi, que começaram suas carreiras à volta ou à sombra generosa de Vinicius, encontravam nele não só uma referência de arte como de vida. Por seus incontáveis casamentos, por suas aventuras, pela atração que despertava nas mulheres, Vinicius era a voz da experiência, a quem todos recorriam em busca de conselhos musicais — ou amorosos. Mas às vezes era ele quem chorava suas mágoas e anunciava suas novas paixões, como um irmão mais novo que pede apoio.

Em 1966, quando Chico Buarque virou uma unanimidade nacional com “A banda”, Vinicius estava fora do Brasil. Quando voltou, pergun-tou a Tom Jobim o que havia de novo, e o maestro respondeu: Chico Buarque de Holanda.

O poeta ficou feliz com o sucesso do garoto do amigo Sérgio, mas, quando ouviu as músicas de Chico, logo ficou com uma pon-tinha de ciúme. Embora não fosse especialmente ciumento com as mulheres, com os amigos e principalmente com os parceiros, Vinicius era uma medeia.

Mas adorava novidades, e não sossegou enquanto não se tornou parceiro de Chico praticamente à força. Vinicius tinha feito uma letra para um lindíssimo — e tristíssimo — choro do violonista Garoto, que se tornaria um grande sucesso com o nome de “Gente humilde”. A letra estava praticamente pronta, faltavam pequenas palavras e ajeitar alguns versos, que Vinicius poderia fazer sozinho facilmente. Mas fez questão que Chico criasse alguns versos para tê-lo como parceiro.

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Quando Chico começou a compor com Tom Jobim, Vinicius teve uma crise de ciúmes, declarados, dos dois. E não sossegou enquanto não mostrou a Chico a sua bela melodia de “Valsinha” e pediu que ele fizesse uma letra. Imaginem, para um jovem fã, se tornar letrista do letrista que cultuava, que era também um músico, embora bissexto, muito inspirado — como prova a sua belíssima melodia de “Medo de amar” (“Vira essa folha do livro/ e se esqueça de mim”), que poderia ser perfeitamente assinada por Tom Jobim.

Em matéria de ciúmes, Vinicius levava suas parcerias com mais fideli-dade do que os seus casamentos. O seu enlace artístico com Tom Jobim foi um dos mais produtivos e bem-sucedidos da música brasileira. Enquanto estava apaixonado, Vinicius era completamente fiel a suas mulheres. Até se apaixonar por outra. O problema é que o poeta se apaixonava muito. Mas ao mesmo tempo, ele se alimentava de suas paixões para produzir sua obra. A cada novo amor, uma nova fase de sua poesia — que começava justamente pelo soneto escrito para sua primeira mulher, Tati de Moraes: “Que eu possa me dizer do amor (que tive):/ Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure.”

E na festa do meu (primeiro) casamento, na hora do casal cortar o bolo, começou o coro pedindo para Vinicius falar. Já de “pé queimado”, de copo na mão, o poeta levantou um brinde aos nubentes que provocou gargalhadas gerais: “Que eu possa me dizer do amor (que tive):/ Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto… duro!”

Voltando aos casamentos musicais. Quando Vinicius caiu nos braços e nas cordas dos violões de Carlos Lyra, com quem fez umas trinta músicas, e de Baden Powell, com quem escreveu mais de quarenta, Tom Jobim começou a fazer ele mesmo suas letras — e se revelou um excelente letrista —, tornando-se autossuficiente. Mas a maior influência de Tom Jobim foi Vinicius. E as parcerias eram parecidas com os seus casamentos, eternos enquanto durassem. Por justiça poética, as parcerias musicais estão durando até hoje… Mas só com a parte boa dessas relações nem sempre harmoniosas.

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No caso de Vinicius e Chico, a experiência e a juventude estavam acordes em harmonias e contrapontos. Dois poetas, ou letristas, dois mo-ços de família, que brilhavam tanto por escrito como de viva voz, com suas letras falando à cabeça e ao coração de multidões, harmonizando o rigor da forma culta com a espontaneidade e invenção das formas populares.

A relação de Vinicius com Chico foi quase de pai e filho, e de certa forma, Chico ia se tornando um Vinicius 2.0, aproximando a fluência e as cadências das palavras musicais de Noel Rosa da poesia moderna e rigorosa não só de Vinicius, mas de João Cabral, Drummond, Murilo Mendes e Bandeira. Finalmente, a massa oswaldiana comia os biscoitos finos que Vinicius e seus discípulos fabricavam.

Com a bossa nova, Vinicius introduzia uma linguagem coloquial nas letras de música, cheias de diminutivos, de abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. Cantada por João Gilberto, tudo em “Chega de Saudade” soava como se tivesse nascido ao mesmo tempo, tal a integração das palavras com a estranheza e o fraseado vertiginoso da melodia de Tom Jobim, e a batida do violão e a voz doce e delicada de João. A letra de Vinicius margeava sem medo a pieguice como o oposto da tradição de letras dramáticas, ou carnavalescas, ou de romantismo grandiloquen-te que predominavam na época das grandes vozes da Rádio Nacional. Vinicius trazia um romantismo moderno, uma nova linguagem para as novas gerações que se tornavam adultas nos anos JK.

Movido pela paixão, fez a transição da poesia para a música popular. Ajudado por seu ouvido musical, trabalhou com a regra de ouro das letras de música em qualquer tempo ou lugar: a integração da sonoridade das palavras às frases musicais, com seus próprios ritmos e cadências.

Como dizia Drummond, “Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado na-tural. Foi o único de nós que teve a vida de poeta”.1

Vinicius marcou seu estilo por letras apaixonadas, em que expressava seus amores e seus medos, encarnando como ninguém o poeta romântico torturado entre o amor e a morte. Para garotos de vinte e poucos anos que tinham o privilégio de conviver com ele e o chamavam de Vina,

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beber e cantar com ele, rir com ele, sempre cercado de moças bonitas, não poderia haver melhor modelo de vida e arte. Ele era o nosso polo de atração, e em um inesquecível verão em Petrópolis, tivemos incontáveis festas em volta dele, que ficaram conhecidas como “Viniçadas”. Meu pai morria de ciúmes do Vinicius, e meu avô, crítico literário, reconhecia seu valor poético, mas o considerava um devasso.

Chamava a todos carinhosamente por diminutivos, Chiquinho, Nelsinho, Eduzinho, Badenzinho, e nós brincávamos se ele chamaria o cantor Agostinho dos Santos de “Agostinhozinho”… E ele chamava.

Quando Chico se exilou em Roma, Vinicius apresentou-lhe todos os seus amigos italianos, a fina flor dos intelectuais, como o poeta Ungaretti, e letristas famosos, como Sergio Bardotti. Em 1970, orientou sabiamente a volta de Chico e sua família para o Brasil. Sugeriu que este chegasse fazendo barulho, e assim foi. Com toda a imprensa no aeroporto e o anúncio de que gravaria um especial para a TV Globo. Funcionou. Chico pôde voltar em relativa paz e recomeçar a trabalhar. Até que começassem outras aporrinhações — mas isto é outra história.

Em 1971, no aeroporto de Orly, em parceria com Chico e Toquinho, Vinicius fazia música e história nos tempos duros da ditadura: “Vai, meu irmão/ Pega esse avião/ Você tem razão/ de correr assim/ Desse frio, mas beija/ O meu Rio de Janeiro/ Antes que um aventureiro/ Lance mão.”

Vinicius gostava de beber, de cantar e de rir com amigos, era um caso de amor e poesia. Adorava fofocas e piadas com pessoas conhecidas, se divertia muito com papos escatológicos, e também tinha um espírito crítico apurado que expressava com muito humor.

Para se divertir, Vinicius não hesitava em esculachar sua própria obra. Ou a própria vida, como quando já estava muito doente e apre-sentava sua última mulher, quarenta anos mais nova do que ele: “Queria te apresentar a Gilda, minha viúva.”

Em quarenta anos, Vinicius se casou nove vezes, mas poucos can-taram os êxtases e as agonias do amor com sua poesia musical, como versões modernas de trovadores que criavam as canções que se tornariam a trilha sonora da nossa história amorosa.

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A partir de 1964 a preocupação política e social levou Vinicius a fazer com Carlos Lyra a “Marcha da quarta-feira de cinzas”, dando a primeira palavra de ordem artística depois do golpe militar: “E no en-tanto é preciso cantar/ mais que nunca é preciso cantar/ é preciso cantar e alegrar a cidade.”

Antes Vinicius já havia feito com Tom Jobim “O morro não tem vez”, para a peça A invasão, de Dias Gomes, além do próprio Orfeu da Conceição, que era ambientado na favela e representado por um elenco só de negros; depois com Carlos Lyra, quando escreveu “Maria Moita”, o “Engolidor de gilete”, o “Samba do carioca” e as outras canções do musical Pobre menina rica, que contava a história de amor entre um mendigo e uma patricinha numa Copacabana pós-revolução socialista. “Vou pedir ao meu babalorixá/ pra fazer uma oração pra Xangô/ pra pôr pra trabalhar/ gente que nunca trabalhou.”

Vinicius fez até o hino da União Nacional dos Estudantes (UNE), que apoiava o governo João Goulart, e nesse tempo era presidida pelo estudante José Serra. “Mocidade brasileira/ Nosso hino é nossa bandei-ra/ De pé a jovem guarda/ A classe estudantil/ Sempre na vanguarda/ Trabalha pelo Brasil.”

Além de patriótico, Vinicius foi profético: ainda não existia a Jovem Guarda de Roberto, Erasmo e Wanderléa na época, mas ele já a convocava para a luta pelo grande amanhã socialista.

Vinicius era o autor do poema “O operário em construção”:

Era ele que erguia casasOnde antes só havia chão.Como um pássaro sem asasEle subia com as casasQue lhe brotavam da mão.Mas tudo desconheciaDe sua grande missão:Não sabia, por exemploQue a casa de um homem é um templo

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Um templo sem religiãoComo tampouco sabiaQue a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão.

Nosso poeta Drummond, que em poesia não tinha ninguém para invejar, invejava Vinicius: “Eu queria ter sido Vinicius. Foi o único de nós que teve vida de poeta.” João Cabral também gostava, mas nem tanto, e aconselhava Vinicius: “Você precisa emagrecer a sua poesia.”

Há controvérsias. Talvez Vinicius não tenha sido o único, e nem o melhor, mas desde Castro Alves, que morreu com 24 anos, um poeta não era tão querido e popular, e nem tinha uma vida tão apaixonada quanto a sua poesia como ele.

Assim como Castro Alves, Vinicius viveu grandes paixões e escreveu versos candentes e libertários, que é a adjetivação clássica quando se fala de Castro Alves, mas Vinicius iria detestar. Enquanto um se celebrizava pelo “Navio negreiro”, o outro se declarava “o branco mais preto do Brasil” e fazia os Afro-sambas com Baden Powell, inspirados pelos cantos do candomblé, e provocava uma revolução na música brasileira.

Drummond dizia que Vinicius tinha “o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos e, finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença e o esplêndido cinismo dos modernos”.

Na verdade, Drummond também teve muitas paixões ardentes, só que vividas em segredo e em silêncio, como era o seu estilo recatado, enquanto Vinicius escancarava as suas. Em Vinicius, vida e obra se mis-turavam inseparavelmente.

Talvez por isso a sua obra em verso, prosa, teatro e letras de música se tornou extraordinariamente popular, embora não fosse sua intenção origi-nal de poeta culto, religioso, metafísico e atormentado pelo rigor da forma.

Depois do golpe militar, Vinicius foi aposentado do Itamaraty por um bilhete do general Costa e Silva ao chanceler Magalhães Pinto:

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“Demita-se esse vagabundo.”2 Vinicius chorou, ele gostava da vida de diplomata, que tinha lhe permitido viajar, comer e beber bem, e se tornar amigo de Orson Welles, Pablo Neruda e Marlene Dietrich.

Vinicius sabia muito bem as diferenças entre a poesia escrita e a letra de música. E também que é muito difícil que letras de música tenham a mesma qualidade só no papel.

Pois a maioria das letras de Vinicius, que funcionam maravilhosa-mente com melodias, quando apenas lidas podem soar piegas, superficiais, antiquadas. Como “Garota de Ipanema” ou “Ela é carioca”, clássicos absolutos com letras perfeitas para a leveza de suas melodias. No caso, é como o “vale o escrito” do jogo do bicho, “vale como soam”.

Com a música e o ritmo de suas palavras, e uma intensa humani-dade, ele construiu uma catedral profana e boêmia na música brasileira, não se sabendo de nenhum entre os grandes letristas brasileiros que vieram depois dele que não tenha bebido fartamente em sua fonte. De poesia e de uísque.

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Notas

1 PERNAMBUCO, Juscelino. Diálogos com a Gramática, Leitura e Escrita. Editora Appris.

2 “Vinicius de Moraes recebe homenagem do Itamaraty”. G1. Dis-ponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2010/08/vinicius-de-moraes-recebe-homenagem-do-itamaraty.html

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AUTORES

Nelson Motta é jornalista, escritor e compositor. Trabalhou com nomes de peso do cenário musical brasileiro, como Lulu Santos, Rita Lee, Eras-mo Carlos, Elis Regina, Marisa Monte e Gal Costa. Escreveu musicais bem-sucedidos e importantes livros que registram a memória cultural de nosso país.

José Roberto de Castro Neves é advogado, doutor em Direito Civil pela UERJ e mestre em direito pela Universidade de Cambridge, Inglaterra, tendo-se graduado na UERJ. É professor de Direito Civil na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Fundação Getúlio Vargas. Também é autor de diversos livros sobre história, direito e literatura.

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Direção editorial Daniele Cajueiro

Editor responsável Hugo Langone

Produção editorial Adriana TorresMariana Bard Nina Soares

Preparacão de originais Bárbara AnaissiStéphanie Roque

Revisão Carolina Rodrigues

Raquel CorreaRita Godoy

Diagramação Filigrana