Brasil Em Crise Praia Editora 2015

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1Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editora2Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraConselho editorialPraia EditoraGilberto MedeirosFlvio Marcelo PereiraFlvio BorgnethTarso BrennandVitor Cei Santos3Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraBrasil em crise4Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editora2015 Os autores livre a utilizao, duplicao, reproduo e distribuio desta edio, no todo ou em parte, por todo aquele que desejar, bastando citar a fonte. Diagramao Chau Studio Capa Annette PrferReviso Os autoresReviso fnal Os organizadoresEdio Gilberto MedeirosFale com a Praia Editoraemail: [email protected]: @praiaeditorafacebook/praiaeditorawww.praiaeditora.blogspot.com.brDados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)B823 Brasil em crise [recurso eletrnico] : o legado das jornadas de junho / Vitor Cei e David G. Borges (organizadores) ; autores, David G. Borges [et al.]. - Dados eletrnicos. - Vila Velha, ES : RCG Comunicao Total : Praia Ed., 2015.180 p. Inclui bibliografia.ISBN: 978-85-69497-00-1Modo de acesso: 1. Cincia poltica - Filosofia. 2. Movimentos sociais Brasil - 2013. 3. Manifestaes pblicas Brasil 2013. I. Santos, Vitor Cei, 1983-. II. Borges, David Gonalves, 1984-.CDU: 316.425Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraBrasil em Criseo legado das jornadas de junho1 edioVitor Cei e David G. BorgesorganizadoresAutoresDavid G. Borges, Davis Alvim, Guilherme Moreira Pires, Marcelo Martins Barreira, Paulo Edgar da Rocha Resende e Vitor Cei.2015RCG6Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraAGRADECEMOSAoscoorganizadoresdasduasediesdoSeminriode PesquisaSocial:Brasilemcrise:AdolfoOleareeMarcelo Martins Barreira.Aos palestrantes e debatedores: Adilson Vilaa, Attila Piovesan, Davis Alvim, Fabio Malini, Guilherme Moreira Pires, Humberto Ribeiro Junior, Jorge Luiz do Nascimento, Luis Eustquio Soares, Mauricio Abdalla,OtvioTavares,PauloResende,RafaelClaudioSimes, Rodrigo Cerqueira, Srgio da Fonseca Amaral, Thana Souza, Thiago Fabres de Carvalho, Tom Gil e Vinicius Lordes.Aosnossoscolaboradores: AllineGomesGarcia, AnaPaula Brasil,AndrLyrioJulio,AnnettePrfer,CarolineBravimUliana, Daniel Felipe Cardoso, Felipe de Aquino, Flvio Soeiro, Gabrielle Cruz, Iuri Galindo, Izabela Bravin, Joo Pandolf, Mdia Ninja, Moqueca Mdia,PauloRicardoFragaFonseca,SilviaAckermann, Whelligton Reise pessoal do IFES Linhares.sinstituiesquepromoveramoseventos:Universidade FederaldoEspritoSanto(DepartamentodeFilosofaeCentrode CinciasHumanaseNaturais),InstitutoFederaldoEspritoSanto (campus Linhares) e Faculdade Pitgoras (campus Linhares). E, fnalmente, ao nosso editor: Gilberto Medeiros.7Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraSUMRIOPrefcio ..........................................................................9David G. Borges e Vitor CeiApresentao................................................................13Que pas este?Seminrio sobre o ps junho de 2013Felipe de Aquino e Flvio SoeiroAs jornadas de junho de 2013: histrico e anlise.....19David G. BorgesBibliografa ....................................................................38Sem medo de ser... Megamanifestante feliz!...............45Marcelo Martins BarreiraReferncias.....................................................................61A palavra do poder que engole o poder das palavras .....63Guilherme Moreira PiresDestruir,parareconstruir:atticablackblocea pedagogia das vidraas ..............................................75Davis AlvimReferncias...................................................................1018Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraAtticablackblocealiberaoanrquicado dissenso ...................................................................107Paulo Edgar da Rocha ResendeReferncias .................................................................135Contra-isso-que-est-a:oniilismonasjornadasde junho ..........................................................................137Vitor Cei Referncias .................................................................165APNDICEO red scare no Brasil .............................................171David G. Borges9Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraPREFCIO A polissmica palavra crise, do grego kr-sis, originria da medicina hipocrtica, signifca omomentoquedefneopontoculminantede umadoenaeorientaoseuagravamentoou cura.Emsentidomaisamplo,refere-seamo-mento difcil, perodo de mudana, fase de tran-sioentreumsurtodeprosperidadeeoutro de depresso, estado de incerteza, situao de tenso, disputa e confito. O papel das crises se-ria, pois, ambivalente, numa tenso entre cons-truo e destruio, novidade e obsolescncia.As duas edies do Seminrio de Pesqui-saSocial:Brasilemcrise,realizadasentreos dias03e05dejunhode2014,naUniversida-de Federal do Esprito Santo, em Vitria, e nos dias 24 e 25 de junho, no auditrio da Faculdade Pitgoras, em Linhares (em coorganizao com oInstitutoFederaldoEspritoSanto),buscou atender a uma demanda por um amplo espao de debate sobre a crise poltica que se intensif-cou no Brasil depois dos protestos de junho de 10Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editora2013, onde pudemos observar a degradao do espao pblico de debate, a violncia, o autori-tarismodoEstadoeoaparecimentodenovos atores polticos, como os black blocs.As jornadas de junho de 2013, consideradas umdosmaioresmovimentospolticosdahistria do pas, apontam para a crise do espao pblico, onde se produzem e se enfrentam posies hete-rogneas. Em nome de que os brasileiros ocupa-ram as ruas do Brasil em junho de 2013? Que tipos de mudanas os brasileiros querem? As respostas possveis so muitas, como o leitor poder acom-panhar nas pginas a seguir, que apresentam uma seleta amostra dos debates.Embora, por diversos fatores, esta obra s es-teja sendo lanada em 2015, optamos por manter inalteradososartigosoriginaisdosautores,con-formeproferidosnosciclosdedebatesde2014 ou, em alguns casos, com alteraes mnimas, a pedido dos prprios articulistas dos ensaios. Tal decisofoitomadaparaofereceraoleitorapos-sibilidade de analisar por conta prpria o fenme-no futuramente, a partir de uma viso histrica. nossa obrigao ressaltar que, aps concludos os 11Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraprimeiros escritos, deu-se a eleio mais acirrada da histria brasileira at o momento presente. No-vas manifestaes eclodiram no pas (algumas, in-clusive, defendendo a volta do regime militar), com consequncias polticas ainda obscuras. Novascrisespolticassurgiram:noexatomo-mento em que escrevemos este prefcio, por exem-plo, o ministro da educao entrega Presidente da Repblica sua demisso. Tendo em vista a volatilida-de do cenrio poltico atual e a imensa difculdade de analisaromomentopresenteintelectivamente,o passado sempre mais facilmente compreendido , pedimos desculpas por no poder oferecer aos leito-res respostas simples que sejam capazes de exaurir o assunto. Acreditamos, porm, que esta coletnea de escritos seja capaz de lanar alguma luz sobre a crise, a despeito da possibilidade dela evoluir para a cura ou para o agravamento da doena em um futuro prximo.David G. Borges e Vitor Cei12Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editora13Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraAPRESENTAOQUE PAS ESTE? SEMINRIO SOBRE O PS JUNHO DE 20131Felipe de Aquino e Flvio Soeiro2Junhode2013jfcoumarcadonahist-ria da nao. Mais de um milho de brasileiros saramsruasdequase150cidadescomfai-xas,gritosevontadedemudana.Mobilidade urbana, sistema eleitoral, distribuio de terra e renda, direitos indgenas, violncia policial, cor-rupo. Estes e ainda mais temas motivaram os cidadosdastimamaioreconomiadomundo a protestar.Um ano aps toda esta mobilizao, as dis-cusses suscitadas no cessaram. Quem eram aquelas pessoas nas ruas? O que elas queriam? O gigante realmente chegou a acordar? Mani-1PublicadooriginalmentenojornallaboratrioUniversoUfes,em10de junho de 2014.2 Jornalistas.14Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorafestao pode ter vandalismo? Deve ter? O que vandalismo? O Brasil est em crise?Para tentar responder a estas e mais outras perguntas, um grupo de professores de diversas instituies de ensino se uniu na promoo do I Seminrio de Pesquisa Social: Brasil em Crise, que aconteceu entre os dias 03 a 05 de junho, noauditriodoICII,naUniversidadeFederal do Esprito Santo (UFES). O seminrio multidis-ciplinar contou com pesquisadores dos campos de Cincias Sociais, Comunicao Social, Direi-to, Educao Fsica, Filosofa, Histria, Letras e Relaes Internacionais, divididos em cinco me-sas de debates.Namesadeabertura,oniilismodealguns manifestantes(discursoscontratudoqueest a),ocenriointernacional(Primaverarabe, Occupy) e a multiplicidade de subjetividades que marcaram presena nas ruas (muitas vezes com slogans vagos e despolitizados) foram algumas das perspectivas debatidas. Seriam sintomas de uma noo maior de participao poltica, como sugerido no debate, e frutos de uma crise de re-presentatividade na Repblica?15Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraA mxima diz que as perguntas que mo-vemahumanidade.Odebatemostrou-se,en-to, um combustvel quase ilimitado: A demoni-zao da classe poltica torna romntica a viso da sociedade civil sobre si mesma? O discurso miditico-jornalstico pode ser imparcial? Como sopensadososgastosdoMinistriodasCo-municaes?Esteseoutrosquestionamentos incrementaram os debates sobre o papel da m-dia nos protestos.Semdvida,foiumbombardeiodeques-tes. Assim como as bombas de disperso dos manifestantes utilizadas pelas polcias militares, o estoque de perguntas foi ampliado no terceiro eltimodia:Oqueatticablackbloc?Uma vidraaquebradapodeensinaropoderdare-sistncia? Resistir consiste na reivindicao de direitos de forma radical? Resistir a qu? Ao po-der constitudo que governa em virtude do mer-cado?Hummodelodegestoondeacida-de se torna um negcio que deve gerar mais e mais lucro? Lucro para quem, afnal? A utopia da Copanopasdofutebolrevelou-sedistpica? Todasessasperguntasforamdeixadaspelos 16Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapalestrantes durante os trs dias de durao do seminrio, demonstrando que o novo momento sociopoltico brasileiro ainda deixa muitas dvi-das sobre o que est acontecendo com o pas.O professor David Borges, do Departamen-todeFilosofadaUfes,explicoucomoosemi-nrio tomou forma: O Vitor Cei, amigo de longa data, que atualmente faz doutorado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), deu a ideia de um evento no qual pudssemos discutir as manifestaes de 2013 e os rumos da polti-ca em 2014. Sentimos a necessidade de realizar esse tipo de debate por, at ento, no termos fcadosabendoarespeitodenenhumevento dessetipoemoutrasuniversidadesbrasileiras, especialmente aberto para o pblico, disse.Os temas abordados pelos palestrantes fo-ram: O Brasil em Crise, O papel desempenhado pela mdia na cobertura dos protestos, A estrat-gia black bloc, A Copa do Mundo, as Olimpadas e o que representam para o Brasil e Violncia e autoritarismo do Estado.Taisassuntosforamescolhidosdevido 17Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorarelevncia social, poltica, histrica e flosfca, destacou David. Pensamos em fazer uma anli-se completa da conjuntura, ento era importante debatermos os novos atores que surgiram com as manifestaes (como os black blocs), o papel damdia,aformacomooestadolidoucomas manifestaes,oseventosinternacionaisque esto para acontecer e tambm fazer uma an-lise geral da conjuntura, concluiu.As palestras e dilogos contaram com boa participaodopblicoqueocupouascadei-ras do auditrio, principalmente nas mesas que ocorreramapartirdas19h.Apresentaese perguntassobremltiplosaspectosestruturan-tes da sociedade brasileira, do momento poltico da nao e dos protestos, suas causas e efeitos, marcaram todos os debates.18Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editora19Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraAS JORNADAS DE JUNHO DE 2013: HISTRICO E ANLISEDavid G. Borges3Contexto/IntroduoMuitodoqueserditonesteensaioderivadaexpe-rincia direta e da observao pessoal. O autor esteve pre-sente em diversos protestos ao longo dos meses de junho e julho de 2013, tendo, inclusive, passado onze dias na ocu-pao da Assembleia Legislativa do Esprito Santo. Sero tecidas consideraes a respeito do que foi visto e vivencia-do, abordando as condies que levaram o Brasil onda de protestos do ano passado e o que eles possivelmente sig-nifcam para o momento presente. O que ser dito nestas linhas obviamente tem muita relao com as experincias e vises pessoais do autor; no entanto, haver a tentativa de universalizar a anlise de forma a lhe dar relevncia f-losfca.Asrefernciascitadasmuitasvezessodeveculos de imprensa; isso se deve s parcas publicaes acadmi-casarespeitodosassuntosabordadosaquique,embora tenhamatradoaatenodemuitosintelectuaispoca, 3 Mestre em Filosofa pela Universidade Federal do Esprito Santo e, poca do seminrio que deu origem a este livro, docente na mesma instituio. Atualmente professor da Universidade Federal do Piau.20Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorano foram amplamente registrados em peridicos especiali-zados e livros. Ressalte-se, no entanto, que as citaes aos veculos de imprensa foram feitas com o intuito de montar omosaicohistricodoqueocorreunasmanifestaesde 2013, e o autor no necessariamente concorda com as pon-deraes e posies polticas dos jornalistas citados.Histrico e relato das manifestaes de 2013No dia 02 de junho de 2013, quinta-feira, a prefei-tura de So Paulo anunciou que as passagens de nibus aumentariam de trs reais para trs reais e vinte centa-vos4. Insatisfeitos com o aumento, alguns cidados, mui-tos dos quais associados a movimentos populares, foram sruasemprotesto5.Comodecostume,asmanifesta-esforamreprimidaspelapolcia6.Issoprovocouuma escalada na tenso: o nmero de manifestantes aumen-tou, passando a incluir aqueles que nunca estiveram as-sociados a nenhum movimento poltico organizado7. Au-4 Tarifas de nibus, metr e trens em So Paulo sobem para R$ 3,20 a par-tir de hoje. R7 notcias. So Paulo, 02 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.5 SP: protesto contra aumento de passagens causa nova confuso. Jornal nacional.RiodeJaneiro,7jun.2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.6 Ao menos 105 civis e 12 PMs fcam feridos em protesto contra aumen-todaspassagens.R7notcias.SoPaulo,02jun.2013.Disponvelem: .Acesso em: 15 jan. 2015.7 Em resposta violncia, manifestantes preparam maior protesto em So Paulo. O dia. Rio de Janeiro, 17 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.8 Polcia Militar utiliza violncia para reprimir protesto em So Paulo. Bom dia Brasil. Rio de Janeiro, 14 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.9Pblicoemmanifestaochegaa12mil,dizpolcia.R7notcias.So Paulo,11jun.2013.Disponvelem:.Acesso em: 15 jan. 2015.10VandalismoameaaSoPaulonovamentenesta5.Veja.SoPaulo, 13jun.2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.11Movimentoconquistaasuspensodoaumentodastarifas.Centrode mdia independente. Florianpolis, 22 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015. Ver tambm: Passe Livre celebra 9 anos da Revolta da Catra-22Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraocorriam com certa regularidade tambm desde 200512. Em outros estados movimentos desse tipo igualmente j existiam, mas em carter pontual e sem uma regularidade cronolgica digna de nota.O papel da mdiaApesardamanifestaoemSoPaulonoter sidoaprimeirarevoltapopularcontraoaumentode preo no valor do transporte pblico, ela se tornou a mais relevante por ter ocorrido na cidade mais popu-losaemaisimportantedohemisfriosul.Houvere-percussointernacional13.Protestossimultneosde professores, investigadores da polcia, sem-teto e ser-vidores da sade, algumas vezes em outros estados, engrossaramocaldoetrouxeramsmanifestaes novasquestespolticasesociaisaseremdebati-das14. No entanto, apesar da heterogeneidade de gru-ca nesta sexta-feira. GGN. 22 out. 2013. Disponvel em: .Acesso em: 15 jan. 2015.12Oprimeirocasoaparentementeocorreuemjulhode2005,compro-testossimilaresrepetindo-seanualmente,semprequeumnovoreajuste anunciado. Sobre a primeira ocorrncia desse tipo de manifestao, ver: Estudantes invadem sede do governo do ES. Folha de S. Paulo. So Paulo, 22jul2005.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.13ProtestocontraaumentodepassagememSPganharepercussoin-ternacional. R7 notcias. So Paulo, 02 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.14 Policiais civis de So Paulo ameaam entrar em greve por aumento sa-larial. Rede Brasil atual. So Paulo, 23 mai. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015. Ver tam-bm:Professoresdaredeestadualanunciamgreveefazemmanifesta-o. R7 notcias. So Paulo, 04 jul. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015. Adicionalmen-te,ver:Almdetarifazero,protestosdesem-tetopedemcontroleso-brealuguis.RedeBrasilatual.SoPaulo,19jun.2013.Disponvelem: .Acessoem:15 jan. 2015. Por fm, ver: So Paulo tem maratona de protestos nesta tera-feira.ltimosegundo.SoPaulo,11jun.2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.15ArnaldoJaborfalasobreondadeprotestoscontraaumentonastari-fasdenibus.Jornaldaglobo.RiodeJaneiro,12jun.2013.Disponvel em:.Acessoem:15jan.2015.Vertambm:Secretriode Segurana do Rio quer vndalos infltrados presos. ltimo segundo. So Paulo, 21 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015. Adicionalmente, ver: Protes-tos pelo pas renem mais de 250 mil pessoas. G1 Brasil. Rio de Janeiro, 18 jun.2013.Disponvelem:.Acessoem: 15jan.2015.Porfm,ver:VndalosdeSP,RJeRSpodemestarinfl-trados nas manifestaes em BH, diz polcia. Estado de Minas. Belo Hori-zonte, 23 jun. 2013. Disponvel em: .Acesso em: 15 jan. 2015.24Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoranortedafricaentredezembrode2010efevereiro de 201116. Em setembro de 2011, surge nos Estados Unidos o movimento Occupy, no qual manifestantes passaram a ocupar espaos pblicos em protesto con-traosistemafnanceiroeasdesigualdadessociais. OmovimentoOccupyseespalhoupara951cida-des em 82 pases, alm de outras 600 comunidades dentro de seu pas de origem, e as ltimas ocupaes foram dispersadas pelas autoridades em fevereiro de 201217.Aspectos psicolgicos da participao popularAsinformaesquenoschegaramsobreestes fenmenosestrangeirosajudaramafomentarosur-gimentodeumaespciedeespritorevolucionrio napopulaobrasileira.Deveserlevadoemconsi-derao que a gerao que atualmente tem 35 anos ou menos no teve grandes causas pelas quais lutar sejaafavor,oucontra.Estesindivduosnoeram 16 Sobre a cronologia e as causas da assim chamada Primavera rabe, ver o artigo de JOFFE, George. A Primavera rabe no Norte de frica: ori-gens e perspectivas de futuro. Relaes internacionais, Lisboa, n. 30, 2011. Ressalte-se que as ponderaes e expectativas do autor citado no neces-sariamente correspondem s nossas.17 Sobre a cronologia e as causas do movimento Occupy, ver o artigo de LUBIN,Judy.TheOccupyMovement:EmergingProtestFormsandCon-tested Urban Spaces. Berkeley Planning Journal, Berkeley, n. 25(1), 2012. Ressalte-se, novamente, que as ponderaes e expectativas do autor citado no necessariamente correspondem s nossas.25Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorasequernascidosnapocadomodernismooudote-nentismo.NoviveramaSegundaGuerraMundial. No presenciaram o golpe militar ou lutaram contra a ditadura. No fzeram parte dos movimentos de con-tracultura das dcadas de 60 e 70. No estavam nas DiretasJ.Eramdemasiadamentejovensquando ocorreu o Fora, Collor!. No tiveram grandes heris, nemviles;nopresenciaramglriasenemfracas-sos. Quando os protestos de junho comearam a ga-nhar visibilidade, possivelmente viram neste fenme-no a oportunidade de deixar sua marca na histria; de abandonarem o papel de meros espectadores, passi-vos, e tornarem-se sujeitos atuantes. Uma oportunida-de de dizer, futuramente, aos seus netos: Eu fz parte de algo. Eu fui importante. Eu estava l. Eu vi e vivi.De junho a novembro de 2013, o Brasil teve ma-nifestaeseprotestospopularestodososdias,em diferentes cidades em algumas vezes, de forma si-multnea.Anlise das manifestaesCcero, o grande pensador e poltico romano, afrmou emumadesuasobras,DaRepblica,queaoconceder 26Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraalguns direitos ao povo, longe de saciar sua sede de liber-dade, acabamos por acend-la18. Quando esteve no Brasil, o flsofo esloveno Slavoj iek proferiu algo semelhante:Asrevoluesnoacontecemquandoas coisasestoemseupiormomento.No, elasacontecemquandoascoisasestose abrindoumpouco,eestaaberturagradual leva a expectativas que no so satisfeitas19.Nos ltimos 30 anos, os brasileiros efetiva-mentemelhoraramdevida:ganharamodireito ao voto direto, a infao galopante foi controla-da e a desigualdade social diminuiu, em especial nostrsltimosgovernosemboraasituao aindaestejalongedoquenormalmentecon-sideradoaceitvel.iektambmdestacaque todososmomentosdegrandecomoosocial revoluespossuemumperodoqueele chamadeorgsmico,comaparticipaode inmeros atores diferentes sem articulao entre 18 CCERO. Da Repblica. Traduo de Amador Cisneiros. So Paulo: Es-cala, s/d.19IEk,Slavoj.RodavivaSlavojiek.TVCultura,SoPaulo,08jul. 2013.EntrevistaconcedidaaoprogramaRodaViva.Disponvelem: .Acessoem:15 jan. 2015.27Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorasi,muitosdosquaisnopossuemhistricode militncia e nem pautas polticas bem defnidas, e a esse momento inicial sucede-se a verdadei-ra luta, feita pelos que no arrefeceram aps o perodoinicialeaprenderamasearticularpoli-ticamente20.Sehouverumlegadopositivonas manifestaespelasquaisoBrasilpassouem 2013, ser provavelmente esse: o de aproximar movimentos sociais e polticos que anteriormen-teatuavamdeformaisolada.Noentanto,in-certo se isso de fato ocorrer. de opinio do autor que esse conjunto de fatoresasrevoltaspopularesinternacionais, um histrico pregresso de manifestaes de me-nor impacto, a melhoria geral nas condies de vidadobrasileiroeaausnciadecausascom grandepoderdemobilizaonosltimos30 anosfundamentalparacompreendercomo osprotestosseespalharampelopasecomo foram gradualmente caindo em declnio, deixan-do um legado obscuro, mas que pode ainda se mostrar fecundo.Ao que parece, a adeso em massa da po-20 Idem.28Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapulao aos protestos de junho se deu, em gran-de parte, devido a uma imensa ingenuidade po-ltica. Muitos, se no a esmagadora maioria dos que foram s ruas, compartilhavam da crena de queoBrasilsetornariaalgosubstancialmente diferenteapsasmanifestaes,edevidos manifestaes. Em parte, esse clima otimista foi gerado pela nossa viso dos eventos que ocor-reram em outros pases, em especial na chama-da Primavera rabe. Ressalte-se que tal viso necessariamente distorcida, visto que enquan-to cidados brasileiros a maior parte do pblico esteve,necessariamente,distantedoseventos citadosesteveacessoainformaesincom-pletas e carregadas do vis daqueles que as re-latavam.Houvequemqualifcasseoestadode comoosocialemquenosencontrvamosde primavera brasileira21.Mas o bombardeio miditico de informaes a respeito dos pases rabes no parece ter sido o nico fator determinante para o surgimento de 21 Aqui, faz-se necessria uma mea culpa: o prprio autor incorreu neste erro, tendo produzido, para um portal de internet, um ensaio no qual falava sobre como a populao brasileira poderia transformar a mais recente re-volta da catraca em uma possvel primavera brasileira. Tal ensaio gerou uma pequena repercusso, tendo sido assunto de uma entrevista no rdio o que refora o argumento da ingenuidade poltica que contaminou todos, mesmo os mais experientes (como acadmicos, jornalistas e comentaristas de poltica).29Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoratamanha ingenuidade otimista em meio popu-lao. H uma sensvel falta de formao poltica napopulaobrasileira,sejanaeducaofor-mal, seja na educao informal, devido a fatores histricos22.Talfatopodeauxiliaraexplicaros fenmenos observados.Duranteasmanifestaesfoiobservado, porexemplo,osurgimentodeslogansvagose despolitizados.Muitaspessoasprotestaram as aspas so propositais contra a corrupo. Issonoumareivindicaopoltica,poisno possuicontedodefato.Comonenhumaexi-gncia precisa feita tais como solicitar o en-durecimento da lei X, o julgamento do poltico Y ouareformulaodanormaZnopodeser analisada, negociada e nem atendida. destitu-da de signifcado, pois no sugere nenhuma mu-dana real nas regras do jogo poltico. Portanto, um slogan despolitizado todos so contra a corrupo, contra a pedoflia e a favor da paz, e 22 Durante a Era Vargas a disciplina de sociologia deixou de ser obrigatria nos cursos secundrios. A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 reinstituiu o ensino de sociologia, como disciplina optativa. Na dcada de 1970, duran-te o regime militar, reformas nos currculos substituram as disciplinas de sociologia e flosofa pela disciplina de Organizao Social e Poltica Brasi-leira, frequentemente usada como doutrinao pr-regime. Em virtude da censura de livros e meios de comunicao, bem como da represso estatal aos crticos do regime militar, criou-se popularmente a noo de que polti-ca no se discute, prejudicando a formao poltica dos cidados brasileiros at mesmo na educao informal e familiar.30Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorasegurar um cartaz ou vestir uma camiseta dizen-do somente isso no altera em nada o estado de coisas em nossa sociedade, pois no reivindica nemsugerenenhumaalteraorealnaforma comoessasociedadefunciona.Reivindicaes polticas de fato possuem nome, endereo, ma-nual de instrues e prazo de entrega. No so feitas com slogans. Slogans no propem nada novo, no requerem nada, no exigem nada, no pode ser negociados, no podem ser atendidos.Tambm ocorreu a adeso apressada a cau-sas polticas de procedncia duvidosa. Milhares clamaram pelo uso dos 5 itens do grupo Anony-mouscomopautadereivindicaes23.Emne-nhummomentosequestionaram:quemsoos Anonymous? Como surgiram? De onde vieram? Quais seus objetivos? Quem lhes concedeu a le-gitimidade para falar em nome da populao bra-sileira? O que eles ganhariam caso suas reivin-dicaes fossem atendidas? Lucrariam de algum modo,aindaquenoemvaloresfnanceiros? 23 Grupo Anonymous Brasil divulga vdeo defendendo cinco causas para manifestaes.Otempo.BeloHorizonte,19jun.2013.Disponvelem: . Acesso em: 15 jan. 2015.31Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraO indivduo que aparece no vdeo de fato um membrodaquelegrupo? Algumasdascausas levantadas por eles foram obviamente redigidas s pressas ou com fns pouco louvveis o fm doforoprivilegiado,porexemplo,poderiavira benefciar a classe poltica, e no o contrrio; o foro privilegiado limita as possibilidades de ape-lao,fazendocomquepolticoscondenados nopossamrecorrerdojulgamentodamesma forma que fariam caso ele no existisse. Muitas pessoasseposicionaramcontraaPropostade EmendaConstitucional37/201124semsequer saberem do que de fato se tratava e sem anali-sarem cuidadosamente se poderia ser benfco ou prejudicial, enquanto outras alteraes poten-cialmente muito perigosas como a Proposta de Emenda Constitucional 215/200025, que trata de demarcao de terras indgenas passaram em branco durante os protestos. A adeso entusis-24BRASIL.Cmaradosdeputados.Propostadeemendaconstituio n 37 de 8 de junho de 2011. Acrescenta o 10 ao art. 144 da Constitui-o Federal para defnir a competncia para a investigao criminal pelas polciasfederalecivisdosEstadosedoDistritoFederal.Disponvelem: . Acesso em: 15 jan. 2015.25 BRASIL. Cmara dos deputados. Proposta de emenda constituio n 215 de 28 de maro de 2000. Acrescenta o inciso XVIII ao art. 49; modif-ca o 4 e acrescenta o 8 ambos no art. 231, da Constituio Federal. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.32Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoratica, como se fosse a ltima palavra em cincia poltica,aumpunhadoartifcialdecausaspro-pagadasnumvdeodeinternetfeitopordes-conhecidosdemonstrouoquantoapopulao brasileiracarecedeformaopolticaslidae continuadaquepermitaainterpretaodosfe-nmenos sociais do presente. Essa carncia de capacidadeinterpretativaaliadaaumufanismo vagofoioquelevoupartedosmanifestantesa exigirem coisas estapafrdias.Houve,claro,tentativadecooptaodos movimentosporumaparcelaconservadorada populao e por polticos oportunistas, como al-guns vereadores, deputados, senadores, prefei-toseex-prefeitos,eassimsucessivamente. Al-guns grupos chegaram a pedir o impeachment da presidente da repblica ou a volta da ditadura26. Felizmente estes segmentos no encontraram a fora necessria para impor suas agendas, em-bora tenham ganhado fora, tornando-se atores polticos relevantes. Tais grupos continuam ten-tando ampliar sua esfera de importncia como 26 SP: marcha em defesa da liberdade pede volta dos militares ao poder. Terra.PortoAlegre,10jul.2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015. 33Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapudemosvernarecentereedio,felizmente fracassada, da marcha da famlia27, bem como naspginasdeinternetqueatualmentedefen-demtotalitarismoseseopemnoodedi-reitos humanos estas, sim, bem mais raivosas e bem-sucedidas. Foi precisamente o ganho de forapolticadestesetordapopulaoquere-sultou no pleito presidencial acirrado do fnal de 2014.Demodogeral,asmesmasredessociais que engrossaram as fleiras dos protestos e per-mitiram que entrassem em evidncia novos ato-rescomoosanarquistas,osblackblocs,os reacionrios e vrios outros tambm contribu-ramparaaimbecilizaoedespolitizaodos movimentos. Mas as redes sociais talvez no te-nham sido a causa, e sim apenas um catalisador. As manifestaes de junho foram o retrato exato do que a sociedade brasileira em pleno sculo XXI:umamassadecorpossemidentidadeco-mum. Ao lado de uma pessoa segurando um car-tazexigindoalegalizaodoabortoestavaum 27MarchadaFamliarenenmeronfmodesimpatizantes.Veja.So Paulo,23mar.2014.Disponvelem:.Acessoem: 15 jan. 2015.34Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraauto-intituladoblackbloc,ejuntoaoblackbloc estavaalgumcomumacamisetabrancaafr-mando que todo protesto precisa ser pacfco, e prximo deste ltimo estava algum tirando uma selfe para postar nas redes sociais. imposs-vel no lembrar de Razes do Brasil, de Srgio Buarque de Holanda, e de como o autor descre-venossavisosocialassociadaapequenos grupos familiares ou semi-familiares, sem viso de conjunto; um apego quase que exclusivo aos valores da personalidade; uma confuso e mis-cigenao extrema entre pblico e privado28.Precariado e autoritarismoO professor Giovanni Alves, livre-docente da UniversidadeEstadualPaulista,recentemente proferiu uma palestra na Universidade Federal do Esprito Santo29, na qual o termo precariado cha-mou a ateno do pblico. Segundo ele, preca-riado a camada mdia do proletariado urbano, constitudabasicamenteporadultosjovenscom alto grau de escolarizao e precariamente inse-28 HOLANDA, Sergio Buarque de. Razes do Brasil. 26 edio. So Paulo: Companhia das Letras, 1995.29 O evento ocorreu em 29 de abril de 2014.35Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraridos nas relaes de trabalho e vida social30. Um proletariado precarizado, com altas expectativas devidosuaaltaescolarizaoejuventude mas pouca concretizao dessas expectativas: empregosdebaixossalrios(emrelaofor-mao que possuem), pouco acesso cultura e ao lazer, e assim sucessivamente. Aproveitando-nos do vocabulrio do prof. Alves, possvel afr-marqueasjornadasdejunhode2013foram umarevoltadoprecariado.Erapatentequeboa partedosqueestavamnasruasseencaixavam nessa defnio utilizada pelo acadmico, fossem militantes experientes acostumados a enfrentar a polcia ou recm-chegados que no tinham plena certeza do que estavam defendendo.precisoressaltarqueasmanifestaes foram,decertamaneira,bem-sucedidasmas essesucessodeveservistocomcautela.A auditoriaemrelaocobranadopedgiona PonteDeputadoDarcyCastellodeMendona31, 30 ALVES, Giovanni. Trabalho e neodesenvolvimentismo. Bauru: Canal 6, 2014.31 Conhecida como terceira ponte, a referida via liga o municpio de Vila Velha, o mais antigo do estado do Esprito Santo, capital, Vitria, que umailha.Opedgio,quecobradodesde1998,foialvodeconstantes protestosdapopulaocapixabaapartirde2005,eoexemplotorna-se relevante devido palestra que deu origem a este artigo ter sido proferida no estado em questo, em duas ocasies distintas a primeira em Vitria e a segunda no municpio de Linhares. A mencionada auditoria, realizada pelo TribunaldeContasdoEstado,encontrouirregularidadesnovalorde798 36Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapor exemplo, apenas foi instaurada pois era inevi-tvel em virtude do clima de instabilidade poltica da poca, e o governador somente suspendeu a cobranadopedgiotemporariamentepois no tinha outra sada em pleno ano eleitoral32. Me-didas emergenciais tomadas em mbito nacional paraapaziguarapopulao,comoadestinao de 75% dos royalties para a educao e 25% para a sade33, possivelmente se mostraro deletrias em futuro prximo visto que, nesse caso, exatos 0% dos royalties sero destinados mitigao de impactosambientais,quefatalmenteocorrero devido prpria natureza da atividade de explo-rao petrolfera.Algoquechamoubastanteaatenonos protestos de 2013 foi a rejeio, dos novos politiza-dos aqueles que pela primeira vez se manifesta-milhes de reais, resultando em suspenso temporria da cobrana o que pode ter afetado a tentativa de reeleio do governador do estado poca, RenatoCasagrande.Opedgiovoltouasercobradoem29/12/2014.Na data em que este artigo foi fnalizado, 15/01/2015, ainda no havia defni-o para o clima de incertezas em torno do contrato de concesso. Uma das principaisacusaesdosmanifestantesde2013eraadequeaempresa responsvel pela concesso viciava o processo de representatividade pol-tica ao fnanciar as campanhas de diversos homens e mulheres pblicos de grande renome no estado acusao que ainda tema de debates.32 Casagrande suspende pedgio na Terceira Ponte. Sculo dirio. Vitria, 22 abr. 2014. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.33Aprovadadestinaoderoyaltiesdopetrleoparaeducaoesade. Agncia senado. Braslia, 03 jul. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.37Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoravam politicamente na esfera pblica s bandeiras partidriaseaosmembrosdepartidosquecom-pareciamsmanifestaes34.Seaindafosseviva, Hannah Arendt teria visto nisso uma degradao do espao pblico de debate, e um arriscado compor-tamento de massa que poderia levar ao surgimento de um regime totalitrio35. Toramos, portanto, para que tal deteriorao seja apenas algo temporrio e para que as prprias tenses internas inerentes s sociedades democrticas recomponham as possibi-lidades de dilogo entre os diversos grupos que for-mam a sociedade brasileira, evitando uma escalada na tenso e uma irreparvel runa do discurso racio-nal no mbito poltico o que traria, obviamente, as mais nefastas consequncias para o pas.34 Entidades agredidas em Natal se uniro contra violncia em protesto. G1 Rio Grande do Norte. Natal, 25 jun. 2013. Disponvel em: .Acessoem:15jan. 2015. Ver tambm: SP: manifestantes expulsam equipe da Globo e hosti-lizam partidos. Terra. Porto Alegre, 17 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.35 A descrio feita por Hannah Arendt no captulo intitulado Uma socie-dade sem classes de Origens do totalitarismo assustadoramente similar conjuntura poltica e ao comportamento demonstrado pela multido nos protestos de 2013. Para maiores informaes, ver: ARENDT, Hannah. Ori-gens do totalitarismo. So Paulo: Companhia das letras, 2012. O trecho de maior interesse inicia-se na pgina 438 da edio citada.38Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraBibliografa consultada e refernciasTarifasdenibus,metretrensemSoPaulosobempara R$3,20apartirdehoje.R7notcias.SoPaulo,02jun.2013. Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.SP: protesto contra aumento de passagens causa nova con-fuso. Jornal nacional. Rio de Janeiro, 7 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.Ao menos 105 civis e 12 PMs fcam feridos em protesto con-tra aumento das passagens. R7 notcias. So Paulo, 02 jun. 2013. Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.Em resposta violncia, manifestantes preparam maior pro-testo em So Paulo. O dia. Rio de Janeiro, 17 jun. 2013. Disponvel em:. Acesso em: 15 jan. 2015.Polcia Militar utiliza violncia para reprimir protesto em So Paulo. Bom dia Brasil. Rio de Janeiro, 14 jun. 2013. Disponvel em: 39Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editora. Acesso em: 15 jan. 2015.Pblico em manifestao chega a 12 mil, diz polcia. R7 no-tcias.SoPaulo,11jun.2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.VandalismoameaaSoPaulonovamentenesta5.Veja. SoPaulo,13jun.2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.Movimentoconquistaasuspensodoaumentodasta-rifas.Centrodemdiaindependente.Florianpolis,22jun. 2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.Passe Livre celebra 9 anos da Revolta da Catraca nesta sexta-feira.GGN.22out.2013.Disponvelem:.Acesso em: 15 jan. 2015.Estudantes invadem sede do governo do ES. Folha de S. Pau-lo.SoPaulo,22jul2005.Disponvelem:.Acessoem:15jan. 2015.ProtestocontraaumentodepassagememSPganhare-40Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapercussointernacional.R7notcias.SoPaulo,02jun.2013. Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.Policiais civis de So Paulo ameaam entrar em greve por au-mento salarial. Rede Brasil atual. So Paulo, 23 mai. 2013. Disponvel em:. Acesso em: 15 jan. 2015.Professoresdaredeestadualanunciamgreveefazemma-nifestao.R7notcias.SoPaulo,04jul.2013.Disponvelem: . Acesso em: 15 jan. 2015.Alm de tarifa zero, protestos de sem-teto pedem controle so-bre aluguis. Rede Brasil atual. So Paulo, 19 jun. 2013. Disponvel em:. Acesso em: 15 jan. 2015.SoPaulotemmaratonadeprotestosnestatera-feira. ltimo segundo. So Paulo, 11 jun. 2013. Disponvel em: .Acessoem:15 jan. 2015.41Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraArnaldoJaborfalasobreondadeprotestoscontraaumen-tonastarifasdenibus.Jornaldaglobo.RiodeJaneiro,12jun. 2013.Disponvelem:.Acessoem:15jan. 2015.SecretriodeSeguranadoRioquervndalosinfltrados presos. ltimo segundo. So Paulo, 21 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.Protestos pelo pas renem mais de 250 mil pessoas. G1 Bra-sil. Rio de Janeiro, 18 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.VndalosdeSP,RJeRSpodemestarinfltradosnasmani-festaes em BH, diz polcia. Estado de Minas. Belo Horizonte, 23 jun.2013.Disponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.JOFFE,George.APrimaverarabenoNortedefrica:ori-gens e perspectivas de futuro. Relaes internacionais, Lisboa, n. 30, 2011.42Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraLUBIN,Judy.TheOccupyMovement:EmergingProtest FormsandContestedUrbanSpaces.BerkeleyPlanningJournal, Berkeley, n. 25(1), 2012.CCERO.DaRepblica.TraduodeAmadorCisneiros.So Paulo: Escala, s/d.IEk, Slavoj. Roda viva Slavoj iek. TV Cultura, So Paulo, 08 jul. 2013. Entrevista concedida ao programa Roda Viva. Dispo-nvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.GrupoAnonymousBrasildivulgavdeodefendendocinco causas para manifestaes. O tempo. Belo Horizonte, 19 jun. 2013. Disponvelem:.Acessoem:15 jan. 2015.BRASIL. Cmara dos deputados. Proposta de emenda cons-tituion37de8dejunhode2011.Acrescentao10aoart. 144 da Constituio Federal para defnir a competncia para a in-vestigao criminal pelas polcias federal e civis dos Estados e do DistritoFederal.Disponvelem:.Acesso em: 15 jan. 2015.BRASIL. Cmara dos deputados. Proposta de emenda cons-tituio n 215 de 28 de maro de 2000. Acrescenta o inciso XVIII 43Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraaoart.49;modifcao4eacrescentao8ambosnoart. 231, da Constituio Federal. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.SP: marcha em defesa da liberdade pede volta dos militares ao poder. Terra. Porto Alegre, 10 jul. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015. MarchadaFamliarenenmeronfmodesimpatizantes. Veja. So Paulo, 23 mar. 2014. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.HOLANDA, Sergio Buarque de. Razes do Brasil. 26 edio. So Paulo: Companhia das Letras, 1995.ALVES, Giovanni. Trabalho e neodesenvolvimentismo. Bauru: Canal 6, 2014.Casagrande suspende pedgio na Terceira Ponte. Sculo di-rio. Vitria, 22 abr. 2014. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.Aprovada destinao de royalties do petrleo para educao esade.Agnciasenado.Braslia,03jul.2013.Disponvelem: . Acesso em: 15 jan. 2015.EntidadesagredidasemNatalseunirocontraviolncia emprotesto.G1RioGrandedoNorte.Natal,25jun.2013.Dis-ponvelem:. Acesso em: 15 jan. 2015.SP:manifestantesexpulsamequipedaGloboehostilizam partidos. Terra. Porto Alegre, 17 jun. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2015.ARENDT,Hannah.Origensdototalitarismo.SoPaulo: Companhia das letras, 2012.45Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraSEM MEDO DE SER... MEGAMANIFESTANTE FELIZ!Marcelo Martins Barreira36Participeidosmovimentospolticosde massaespecialmenteDiretasJ(1984) eForaCollor(1992),masfoiespeciala participaocomminhaflha,esposaeamigos na megamanifestao ocorrida em Vitria/ES no dia20dejunhode2013,emquefomosmais trsquesomarams100milpessoasnum universo de 350 mil moradores de Vitria. Assim, minha abordagem versar sobre o novo desses eventos e seu valor politicamente positivo.Contextualizemosbrevementeasjornadas dejunhode2013emnossopas.Nobojodas polticas compensatrias do Governo Lula, elas sinalizaram o limite e a possibilidade dessas po-lticas. Ora, colocar curativo diante de doenas graves tem seu efeito, mas, em longo prazo, oca-36 Doutor em Filosofa pela Unicamp. Professor do Departamento de Filoso-fa e do Programa de Ps-Graduao em Filosofa da UFES.46Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorasiona um agravamento do quadro clnico. Da a ambiguidadedeumgovernoemdisputa.Ele incluiu grandes parcelas da sociedade brasileira no processo econmico, mas essa incluso no se tornou reestruturante dos eixos fundamentais das polticas pblicas e da economia em geral.Muitosenovossujeitossociaiseclodiram diante da sucessora de Lula. Dilma pautou seu governo numa continuidade infrtil e homologa-tria das conquistas cidads que lhe antecede-ram.Oneodesenvolvimentismonoteveporo-sidadediantedeno-empresrios:indgenas; negros;LGBT;mulheres;estudantes,ambien-talistas...Soessesgruposquedenunciavam oconsensoautoritrioeelitistadeumsupos-topresidencialismodecoalizo,quesetra-duzpeloinfelizmentefamosotomal-dc. Junte-seaisso,apercepo,maisoumenos vaga,dasubmissodogovernobrasileiro empresaFIFAeimposiodeseupadro, comosuperfaturamentonaconstruodas novas arenas para a Copa do Mundo de 2014; adespeitodosinvestimentosemeducao esade.Omotedosmegaprotestospoderia 47Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraserquantomelhor,melhor.Os20centavos representamisso:noqueremosapenas transportes pblicos, mas que no sejam caros, lentos, inseguros e desconfortveis. Contudo, a nosso ver, as novas tecnologias de informao e de comunicao foram fatores determinantes para a realizao das jornadas de junho de 2013. As tecnologias digitais permitiram afuireintensifcarnovassubjetividades,sejam pessoaissejamcoletivas.Vemosissocomas redes sociais, pois elas facilitam pessoas e gru-pos encontrarem outras pessoas e grupos com interesses semelhantes, mesmo que alheios ao main stream.Vattimofazumaleituradotermoheide-ggerianoGe-Stell,queaimposiotrazida pela tcnica em nossa modernidade tardia, que apontaasuaambiguidadecomooportunidade de superao da metafsica. A tcnica no tc-nica (VATTIMO, 2002, 36), pois ela permite afo-rarumanovapossibilidadedeconstituiode mundo. Atcnicaacontecimento-apropriao (Ereignis), realizando e aprofundando a imposi-o tcnica para alm dela, como fazer histrico, 48Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraaserviodohumano.Naesteiradacompreen-so heideggeriana de t, a essncia da tcnica noseesgotanomodeloinstrumentalemoderno de racionalidade. Heidegger no considera a tcni-caummeio,masumaformadedesvelamentodo real: Tcnica uma forma de desencobrimento. A tcnica vige e vigora no mbito onde se d descobri-mento e des-encobrimento, onde acontece , verdade. (HEIDEGGER, 2002,18).VattimoarticulaHeideggereBenjaminnuma compreensodaestticaemqueaoscilaoeo desenraizamento caracterizam o efeito de choque: Oshock-StossoWesen,aessncia,da artenosdoissentidosqueestaexpresso temnaterminologiadeHeidegger:ouseja, o modo em que se d a ns, a modernidade avanada,aexperinciaesttica;etam-bm,aquiloquenossurgecomoessencial para a arte tout court, isto , o seu acontecer como relao entre fundao e perda de fun-damento, na forma da oscilao e do desen-raizamento; afnal como exerccio da mortali-dade (VATTIMO, 1992, 64).49Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraAsobrasdeBenjaminAobradeartena pocadesuareprodutibilidadetcnica(1994) eadeHeideggerAorigemdaobrade arte (1999) foram publicadas inicialmente em 1936 e questionam a identifcao entre realida-deestticaevaloresabsolutos.Humdeslo-camentoeumefeitodechoquetrazidopelo cinemadiantedaartetradicional.Aoinvsde uma postura especulativa e contemplativa, o ci-nemaeoutrasmdiasexigemumaobservao dinmica de uma obra de arte.Tendoesseolharestticodofenmeno miditicodasredessociais,oimportanteno seria a converso a um bloco de ideias, mas sim aconexonosentidomaisamplodeconviver comadiversidade.Conexoumtermoque condiz tecnicamente com acontecimento: algo que se manifesta historicamente, em que pese a erudio histrica difculte se interpretar o novo desse acontecimento. Um acontecimento por-que uma ao poltica nova. Uma das novida-des sua composio social: redes de amigos, indivduossoltos(umtipoderedundncia), 50Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapequenos coletivos, que se multiplicaram antes, duranteedepoisdesseevento;almdemovi-mentossociaismaisinstitucionalizadosetradi-cionais. Todos juntos sem carro de som ou pa-lanque sob a tutela de uma agenda nica. Sigo de perto Rodrigo Nunes (2014) ao res-soar sua entrevista ao Instituto Humanitas Uni-sinos.Ossistemas-redequeeclodiramnas megamanifestaestrouxeramumnovotipo delideranaaseramadurecida.Umalideran-a contextualizada e, por isso, mais dinmica. O Movimento pelo Passe Livre, por exemplo, no sepretendehegemnico,masprocurasecon-solidarcomoumcoletivopequeno,horizontal e informal. Encontra-se a um novo protagonis-mo em que todos agem sobre todos (NUNES, 2014,s.p.).Osrolezinhosdealgumamaneira infuenciamouforaminfuenciadospeloBom SensoF.C.,mastambmpelaAldeiaMara-can,peloOndeestAmarildo?e,pornos-sas terras capixabas, tudo se desdobrou na luta contraopedgiodaTerceiraPonte,culminan-do no Ocupa Ales. Viva uma liderana rotativa com uma democratizante articulao entre virt 51Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraefortunadatradiopolticamodernaemMa-quiavel(SKINNER,1996,141-142),mascom umhorizontemuitomaisvastodoqueadela. Ler o momento poltico e saber us-lo a seu fa-vor,issosimumaformadecontextualizara ao poltica em defesa de uma democratizao da democracia.Essesprocessosnotiveramofamoso aparelhamento poltico-partidrio dos movimen-tostradicionais.Houve,ento,estratgiasque se abriram multiplicidade e ao dinamismo ve-loz das redes sociais. Essa foi uma grande dif-culdadeparaosmovimentostradicionaisacei-tarem o novo desses eventos. Movimentos que apresentammaiorunidadedeobjetivosemais defnida clareza de identidade o que permitiu Rodrigo Nunes qualifc-los precisamente com o uso de uma metfora digital, eles seriam de c-digo fechado e pretenderiam converter outros exclusividade de sua causa. Intelectuaistradicionaisdaesquerdabra-sileiracomoMarilenaChaueChicodeOli-veira no reconheceram a pujana inovadora doltimoacontecimentoporquesesubmete-52Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraram dogmaticamente s suas chaves de leitura doprocessosocial,fltrandoeimpedindoseus olhosdiantedoacontecimentoquesedava nas ruas, e que exigiram a pacincia do conceito para uma elaborao terica. Sistemas de pen-samentosocapazesdeenredarseusleitores nas teias da perfeio na lgica interna de seu raciocnioaxiomtico,impedindo-lhesdelidar com o caosmos trazido por novos ares, que os subvertem essa lgica. Presosnomodelodeparticipaopoltica surgido no contexto do processo de redemocra-tizao, da fase ps-ditadura, os autores acima tornaram-sevtimasdeseusherisedeseus paradigmaslivrescosetericos.Elesforam dosemmedodeserfelizparacommedo demegamanifestaes.Issolembraoque Nietzsche denominava como doena histrica. EmsuaobradejuventudeSobreautilidadee adesvantagemdaHistriaparaavida(2003), Nietzschedefendequeoexcessodesentido histricodaconscinciamodernaacabasef-xando no passado, deixando de perceber a his-tria ou o novo que acontece no presente. Da 53Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraomedodaesquerdatradicionaleburocrtica, obsessiva pelo Estado, diante do receio de per-da de seus referenciais tericos e, sobretudo, do surgimento de novos sujeitos sociais e suas ex-travagantes maneiras de sentir, pensar, viver e agir politicamente. Como sair do analfabetismo poltico? A po-litizaosurgenopormeiodelivros,revistas oujornais,mesmoaotrataremsobreFilosofa Poltica. Apenas a prxis, como participao ati-va e cidad na vida social e poltica, faz algum ouumgruposabercomofuncionamosmeca-nismosdemanuteno/construooudedes-tituio/desconstruodopoderestabelecido, alm de saber conviver com as divergncias de pontos-de-vista sobre assuntos e estratgias de ao.No entanto, nem tudo so fores. H de se reconhecer:afragilidadeefaltadecoesode lideranascontextuais,semdirigismoauma nicavozdecomando,permitiuatentativade apropriao/cooptaodessasaespolticas inovadoras.Tentativasquesedavampelaes-querdaoupeladireita.Lembremosdarevista 54Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraVeja,naEdio2328,publicadaem3dejulho de 2013, que, em suas Pginas Amarelas, que elegeuojovemMayconFreitas,presidenteda comunidadeUnioContraaCorrupoalm dedubldaRedeGlobocomoavozque emergiu das ruas, apesar de ele fazer a impac-tante declarao nessa entrevista: E vai tomar no c... quem a favor dos direitos humanos. Da se buscar uma representao, algumas vezes,atannima,comonocasodoOcupa Ales. No pretendi trabalhar neste artigo o con-ceitodemultidodeacordocomHardteNe-gri.Faomenoaeleapenasparatrazerum sentidopolticodeumatotalidadeaservioda singularidade,oumelhor,deumasingularida-dequecompeomosaicodeumatotalidade. Os mltiplos cartazes das jornadas de junho de 2013,emtodoopas,forambandeirasdeluta quetensionavamasingularidadenamultido annima e plural, expressando a diversidade de cosmovises e interesses que compem a vida dacoletividade.Amultidoquebrahierarquias fxas e substancialistascompreensvelquemovimentos 55Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoratradicionaisadquiramprotagonismoestratgico nas aes polticas de massa. Sua organizao lhesfacilitaumamaiorcapacidadeexecutiva, deconvocaoededefniodeprotocolos. Noentanto,osparticipantesdeaes coletivas no fcam passivamente refns desse protagonismo.Umadascausasdorefuxodo processoinsurrecionalpresentenelas,que foramgradativamenteminguandoaolongo dosprotestosposterioresajunhode2013at a presente data, foi o desgastado embate entre mascarados:atropadechoquedasPMseos black-blocs.Evidentementeoassuntoexigiria uma abordagem mais complexa do que o roteiro repetitivo e montado pelas corporaes miditi-cas.Osblack-blocssoumdosnovosgrupos queconquistaramvisibilidadecomasmega-manifestaes.Noentanto,jovensdasfavelas ou periferias j jogavam pedras na policia. Isso aconteciacomoumatoderesistnciaesem uma frmeza ideolgica: s vezes, como simples reao lgica militaresca e violenta pela qual alguns deles foram foradamente removidos de seus lares. 56Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraEm sintonia com a leitura de Rodrigo Nunes, osblack-blocsnososeencaixamnoperfl consolidado das ditas organizaes populares. Sepensarmosqueossindicatosconseguiram historicamente se compor como fora do sistema polticoatual,comtentculosnoEstado,ento eles participam do status quo, ao ponto de seus membros se situarem socioeconomicamente na classe mdia. Ressalta Boff (2000, 37): um luxo hoje ser explorado pelo sistema do capital; afnal,muitossosimplesmentezerossociais. Conforme Forrester:um desemprego, hoje, no mais objeto de umamarginalizaoprovisria,ocasional, queatingemapenasalgunssetores;agora, ele est s voltas como uma imploso geral, comumfenmenocomparvelatempesta-des, ciclones e tornados, que no visam nin-gum em particular, mas aos quais ningum pode resistir. Ele objeto de uma lgica pla-netriaquesupeasupressodaquiloque sechamatrabalho;valedizer,empregos (1997, 11).57Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraEsquecidospelasociedadeedescartados pelo sistema de explorao, os novos precariza-dos, porm, assumem a sua pequenez e a po-tencializam. Redes e ruas em dialticaOgrandedesafodosagentesdessasno-vas aes polticas de massa seria a articulao do digital com o analgico. O digital no anta-gnicomobilizaotradicional,masexpande acapacidade. Asredeseasruassedialetiza-ro de hoje para frente... Esse o ponto! Da o curioso slogan: Samos do Facebook. De uma conexoon-linesealcanouarua;contudo,a rua tambm lugar de se fcar plugado. Exem-plodissoooutrocoletivoqueadquiriuvisibi-lidadenoanopassado:amdiaNINJAeseus celularesesuasnarrativasemlivestreaming, pautando at o Jornal Nacional. Os meios de autocomunicao da massa (CASTELLS,2009,91)favorecemacadaum umaaopoltico-culturalnadefesadepontos de vistas em geral. Autocomunicao proporcio-58Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoranada pela queda no custo na organizao e pro-moodeaespoltica,comodeeventosem geral,pormeioderedessociais,notadamente oFacebook.Senopassadorecenteousode cartazes era imprescindvel para que um even-toacontecesse,agora,houveumafacilitao geral. Um exemplo disso foi a organizao do I Seminrio de Pesquisa Social: Brasil em Crise. Com a colaborao dos participantes, sua divul-gao foi exclusivamente virtual, com o uso de blog e de pgina no Facebook; mesmo assim, a participaofoidetalmontaqueencheuoau-ditriodaUFESondeserealizou.Cabefrisar, porm,queoSeminriofoiumatopoltico-pe-daggico que exigia dos participantes a capaci-dade de usar analogicamente o tempo para ou-vir e falar. Um tempo diferente do digital, ainda quenosejaantagnicoaele,vistoque,num segundo momento, o Seminrio tenha sido pos-tado no YouTube.Um novo passo a ser dado, a nosso ver, ser estabelecer novas mediaes institucionais. Um exemplo: a criao de um partido que permita a sada dos partidos. Partidos autofgicos e aber-59Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoratosparaquesejamaparelhadospelasocieda-de ou por movimentos sociais, no o contrrio, como na velha esquerda. Vemos isso na Espa-nha e Itlia. Talvez criar fruns coletivos e pauta-dos pela diversidade, em vrios sentidos. Seria umupgradeemmltiplosnveisdosencontros do Frum Social Mundial, restrito por sua anua-lidade, sua ampla abrangncia e seus movimen-tos tradicionais. Em que pese isso, dentre tantos grupos que de l participam, com suas respecti-vas causas, qual deles seria o mais importante? Diferentemente de uma Internacional Socialista edesuaagendamundialnicaparatodosos operriosdomundoe,melhor,porqueno dizer? para todo o mundo, a difculdade e at impossibilidade de uma resposta unvoca e uni-versalista para a pergunta acima aponta para a relevnciadessesespaosdeencontroparaa multido se articular local e globalmente.Consideraes fnaisAfamosadiscussosobrecrisederepre-sentatividade nos sistemas polticos modernos exigequeserepenseosmecanismosdere-60Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapresentaoemtodososnveis,tambmnos movimentossociais.Essacriseestruturalno oximorodaexpressoconceitualdemocracia representativa.Ademocraciamarcadapor uma maioria do todo; contudo, apenas uma mi-noria de poucos representa a totalidade da po-pulao. Eis a a fonte crescente de seu dilema e de sua tenso. Anecessriademocratizaodademocra-cia moderna, seja do modelo rousseauniano de umademocraciaunicntrica,sejanomodelo americanodosPaisFundadoresfederativo, republicano e presidencialista , no do conta dadinmicasocial.Noquerodizercomisso quecaberiaumarevoluocompletadosiste-ma, mas sim que so necessrias reformas po-lticas estruturais. Essa tradio ocidental preci-sa ser revista diante de uma representatividade mvelemaisdistribuda,emquemovimentos ssmicos sejam incorporados s estruturas pol-ticas institucionais.61Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraRefernciasBENJAMIN, W. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tc-nica. Magia e Tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e his-tria da cultura. Trad. Sergio Paulo Rouanet. So Paulo: Brasiliense, 1994, p. 90-107.BOFF, L. A voz do arco-ris. Brasilia: Letraviva, 2000.CASTELLS, M. Comunicacin y Poder. Trad. Mara Hernndez Daz. Madrid: Alianza Editorial, 2009.FORRESTER,V.Ohorroreconmico.Trad.lvaroLorencini So Paulo: Unesp, 1997.HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte. Trad. Maria da Con-ceio Costa. Lisboa: Edies 70, 1999.______. A questo da tcnica. Ensaios e Conferncias. Trad. Emmanuel Carneiro Leo. Petrpolis: Vozes, 2002.NIETZSCHE, F.. Da utilidade e desvantagem da histria para a vida. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Relume Du-mar, 2003.NUNES, R. As manifestaes renovaro os mecanismos exis-tentesoucriaronovos?EntrevistaespecialcomRodrigoNunes. Entrevistas do IHU, 17 de fev. de 2014. Disponvel em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/528306-as-manifes-tacoes-renovarao-os-mecanismos-existentes-ou-criarao-novos-en-trevista-especial-com-rodrigo-nunes- Acesso em: 18 fev. 201462Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraSkINNER, Q. As Fundaes do Pensamento Poltico Moder-no. Trad. Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. So Paulo: Companhia das Letras, 1996. VATTIMO,G.ASociedadeTransparente.Trad.CarlosAboim de Brito. Lisboa: Relgio dgua, 1992.______. O Fim da Modernidade: Niilismo e hermenutica na culturaps-moderna.Trad.EduardoBrando.SoPaulo:Martin Fontes, 2002.63Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraAPALAVRADOPODERQUEENGOLEO PODER DAS PALAVRASGuilherme Moreira Pires37Desorteaentenderofuncionamentodo nossoEstado,dentrevriasperspectivaspos-sveis, uma que me parece fundamental na des-crio de suas mecnicas a equivocada elei-o da ideia fundante segurana incorporada, o que infelizmente explica e traduz muita coisa acercadaprpriaconstruohumanadenomi-nada Estado.Segurana uma ideia fundante basilar de umEstado.Mas,noexatamenteasegurana detodos,esimdecertosvaloresestruturaise estruturantes,valoreshegemnicos,queno so refetidos por todos, mas por alguns. Evidentemente que essa mecnica repercu-te, por exemplo, (mas no s) no Direito Penal, que no deixa de ser uma tcnica planetria de 37Advogado,doutorandoemDireitoPenalpelaUniversidaddeBuenos Aires.64Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoracontrole social, uma violncia estatal legitimada e prpria desse sistema.Osincapazesdecontemplarocontedoa ser protegido, tornam-se, luz dessa lgica sis-tmico-unitria,peasdefeituosas,quenose encaixam muito bem na unidade edifcada, pois essaspeasnooperamemharmoniacoma ideiafundanteeleita,noreafrmamessaideia fundante, e consequentemente no so por ela validadas. Trata-se de uma lgica reducionista e exclu-dentedoquelheestranho,repelindooueje-tando elementos incapazes de reafrmar a ideia fundante do Estado, que no a felicidade ou a seguranadetodos,masumcontedodema-siado diverso.Da que nosso Direito Penal visceralmente infuenciado por certa viso estatal reducionista, imersa em paradigmas essencialmente discrimi-natrios, que, na busca por uma unidade coesa, to custosa s sociedades, oblitera os elemen-tos alheios unidade, voltando-se aos estereo-tipados alvos construdos, no abrangidos inte-gralmentenasprioridadesdoEstado,queso 65Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraoutras (para outros!), historicamente apostando no poder punitivo quando se trata de conter fs-surasssuasmecnicas,operacionalidades, tecnologias e racionalidades arbitrrias.O prprio crcere, racionalizado e planeta-rizado,constituiumadessastecnologiasarbi-trrias incumbidas de manter a coeso, atravs do sacrifcio poltico do outro, assim impedindo a desconstruo de sistemas desiguais e desu-manosque,semtantosdispositivosdegover-namentalidadeeauto-preservaosistmica, fatalmente seriam derrubados no transcorrer do tempo,comoemergirdeconscinciaslibert-rias, que enfrentam a triste tendncia de serem contidas,minimizadas,desqualifcadasemes-mo destrudas. Assim, o Direito Penal revela-se intimamen-te atrelado lgica excludente estatal. Depreen-de-se, duma anlise das presas verdadeiramen-te tpicas do sistema penal, os restos rejeitados peloarqutiposistmico,partesdefeituosas quenoseencaixammuitobemnaunidade, existnciasrotineiramentediscriminadas,cujos direitosefelicidadesodispensveislgica 66Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraexcludente do Estado.Existe, portanto, uma tendncia muito forte emnegardireitosaosgruposmaisvulnerveis edistantesdopoder;quemacompanhou,por exemplo, as greves dos garis, dos professores, dos metrovirios, etc., se deparou com toda sor-tedeartifciosparadeslegitimaressaluta;em suma,aconcessodedireitoseoedifcarde umavidamaisdignaparaaspessoascolide com interesses que no so a felicidade de to-dos, ou sequer coisa minimamente parecida.Essas pequenas concesses so feitas no porbenevolncia,masporque,casonoceda certoespao,ainsatisfaopodesetornar ao, obliterando a coeso e a unidade forjada, ento o sistema ruiria, se desconstruiria. Essas migalhasconcedidassoinstrumentalizadas comodiscursoslegitimantes,comoprovade que o sistema legtimo, assim impedindo uma ruptura radical desencadeada por seus elemen-tos confitantes, cujos objetivos so distintos da perpetuao e expanso do poder.E a lgica de um sistema no se descons-truir,masdeseautopreservar.Todosistema, 67Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraportanto,constrisuamoradanosdelineados lindesdaexistnciacomunicativadeseucam-po,semtranscend-losemsuaslimitaese contradies,casocontrrio,estariasedes-construindo. No adianta esperar que a prpria estruturasedesconstruaousuperesuascon-tradiessemnticas,porqueissonotendea ocorrer; a tendncia sistmica outra.Paraumasociedadequenoaprendeua conceder nada, qualquer mnima concesso se tornasinnimodumatorevolucionrio;mesmo otmidogarantismosetornaassustadoraos olhos dos mais conservadores. bonito afrmar quenosoconcesses,masconquistas, extremamente rduas e no raro sangrentas. Issoverdadeiroquandosepensanas pessoascomoreferencial:dizer,defato,em regra nada lhes foi dado, fora necessrio arran-car essas conquistas de um conjunto de estru-turasdirecionadasprecisamentenegaode direitos; verdadeiro esse campo de conquistas mediante lutas histricas e no raro sangrentas. Seugrandedefeitoignorarque,adotan-docomoreferencialoEstadoesistemasque 68Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapretendemseperpetuar,setratamaisdeuma concesso, para no ruir o que se tem, do que efetivamente qualquer outra coisa. Entregar um anel para preservar a mo, assim dissolvendo a oposio radical.Issodito,numEstadocomoonosso,em queono-funcionamentodoDireitoPenalen-quantoigualitrioejustonoumafalha,o prprio funcionamento do arqutipo; o no-fun-cionamentoprecisamenteofuncionamento; osistemapenalfatalmenteinfuenciadopelo contedo iluminado, da que a seletividade um dadodarealidade.ODireitoeespecialmen-te o Direito Penal , passa muito longe de uma tcnica neutra e ingnua, inclusive porque a me-cnica de funcionamento do Estado tampouco neutra e ingnua, o que refetido na operacio-nalidade real do sistema penal.bomlembrarque,pormaisdiscrepantes quealgunsEstadossejam,algumas peculiaridades permanecem idnticas, inclusive peloenormepoderemanadoporessaentida-deretrica,quesequestraoconfitoemesmo otempo,substituindoavtimareal,reduzidoa 69Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoradado poltico-sacrifcial, e massacrando seu su-posto ofensor. Algumas implicaes e peculiari-dades so vislumbradas na realidade de pratica-mente qualquer Estado.Emtempo,bomlembrarquenosprotes-tos iniciados em junho de 2013, houve mltiplos encarceramentos ilegais, sendo muitos manifes-tantesencarceradossemqualquerindividuali-zao ou razo especfca, foram simplesmente encaminhados s delegacias, violentados e pro-cessados por delitos forjados pelos intrpretes, geralmente desacato, desobedincia, formao dequadrilha,tamanhaafacilidadeeminstru-mentalizaressesdelitos,queserviramcomo delitos curingas sacados para validar, com uma roupagemtcnica,arbitrariedadessemgrande sentido, valendo-se de critrios de pouca racio-nalidade e elevado poder.Assim,magicamente,comportamentosor-dinriostornam-sedelitosgraassvarinhas decondodosintrpretes,que,sobasvestes do Direito e da Razo, instrumentalizam termos tcnicos para escamotear os motivos reais. Issonosremetenoacasosisoladosou 70Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraexcees: em todo o pas a conteno dos pro-testosobedeceustendnciasdeumalgica maior.Umfuncionamentodeautopreservao da unidade, que opera conforme a mecnica de funcionamento descrita. O delito no existe como um ente ontolgi-co, e nem pode ser equivalente ao pecado, tam-pouco ao mal, trata-se duma construo humana artifcial,poltico-social,forjadaluzdeideolo-giasemdeterminadosmomentosecontextos, nitidamentefavorveissordenshegemnicas egruposquedetmalgumgraudepoder,de modoaincidiremasconsequnciassobreos mais dbeis, as presas tpicas do sistema penal.Nesse sentido, o sistema penal refete a edi-fcao de suntuosas e honrosas construes a fmdelegitimarumpoderqueantecedeopr-prio saber. Mas o ncleo, longe de ser o saber legitimado, sempre residiu no prprio poder que lhe legitima, mas que precisa de motivos vlidos para impor-se.O poder e o desejo antecedem odiscurso,sopr-existentes,odiscursoem-pregado nesses encarceramentos ilegais to-somente um escudo retrico, um manto simbli-71Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraco, que refete uma mecnica de funcionamento maior, que as palavras no conseguem conter.A palavra do poder engole o poder das pa-lavras que supostamente nos protegem dessas arbitrariedades;poisquandopoliciaisjogam aleatoriamentedezenasdepessoasnumaes-pcie de camburo militarizado, criado para so-brepujareabaterinimigos,sobaalegaode serem uma quadrilha, de serem terroristas, pra-ticantes de desacato e outros delitos, se percebe a enorme difculdade das palavras efetivamente conterem o poder.Quandoummoradorderua(RafaelBraga Vieira), catador de latinhas e extremamente vul-nervel,condenadoa5anosnosprotestos semcometerqualquerdelito,porportarpinho sol e gua sanitria, passando o Natal encarce-rado enquanto comemos com nossas famlias e trocamos presentes, sinal de que as palavras noconseguiramconterasviolnciasdoEsta-do, que so legitimadas por um discurso rastei-ro, porm poderoso.EanossaConstituio,despidadetodos osrequintespoticosetcnicosquelheso 72Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraconferidas, ainda um amontoado de palavras. Palavras que so dribladas e engolidas por ou-tras palavras validadas por um poder maior. Nos protestos, manifestantes em ge-ral revestidos por certa blindagem revol-taram-se com uma truculncia policial que atentodesconheciam;denunciaram nas redes sociais o uso arbitrrio de meios ditos no letais: bombas de efeito moral e balas de borracha. Se revoltaram com a Polcia.Ocorre que no morro mundo em que essapalavratorna-severboasbalas nuncaforamdeborrachaeoextermnio dirio.Ablindagemsubstitudapela vulnerabilidade;aseletividademanifes-ta; procedimentos emergenciais de guerra ocorremdentrodanormalidade(soco-muns,rotineiros);oexcepcionaltorna-se normal, segurana pblica torna-se sinni-modeguerra,oquerefletenossascultu-ras, pautadas na violncia legitimada; um estado de exceo permanente.Um vis blico-repressivo, tendente ao 73Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraencarceramentomaciodamisria,que legitima inclusive o extermnio em geral dessesmesmospauprrimossobaal-cunhadeinimigos:umamatanaregida pelaretricadaurgncia,emergncia, necessidade,periculosidade,defesa dasociedade,dentreoutrasconstrues circulares salivados pelo feral discurso do risco,doperigo,daameaa,doinimigo a ser abatido.Em outras palavras... o que se vislum-brou nos protestos de 2013, em termos de violnciadoEstado,apesardeintoler-vel,brincadeiradecriana,umaamos-tra nfima frente ao que ocorre diariamente com os mais vulnerveis, em outros mun-dos no to distantes . Infelizmenteaseletividadedonosso inconformismo ainda no alcanou a mon-tanhademortosdopoderpunitivoeseu caldeirodeingredientespotencializado-resdemassacres;aindanoalcanoua relao crcere-tortura como referencial.E,ensanguentadas,mesmoaspala-74Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoravrasdosmortosparecemrepercutirem poucaspessoas;tornam-seosmortos estatsticassilenciosas,nmerosenga-vetadoscujasexistnciasforamesqueci-das,enquanto,tranquilos,dormimosfeli-zes aps termos jantado, bebido, aberto e trocado nossos presentes de Natal.75Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraDESTRUIR, PARA RECONSTRUIR: A TTICA BLACK BLOC E A PEDAGOGIA DAS VIDRAASDavis Alvim38Nos ltimos anos, protestos varreram o pas colocando em questo a geografa das relaes depoderereivindicandonovaspossibilidades de vida em comum. Refetindo no olho do fura-co,esseartigobuscapensarasresistncias enquanto espaos pedaggicos, examinando a potncia dos processos polticos colocados em jogo pelos atos de resistncia, enfocando a tti-ca black bloc. Ou seja, pergunta-se pelas possi-bilidades no s de mudana no funcionamento concreto da vida pblica que tais lutas compor-tam,maspelaspossveisaberturaseducativas que as aes resistentes permitem.38 Doutor em Filosofa pela PUC-SP, professor do Instituto Federal do Esp-rito Santo (IFES) e ativista. 76Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editora1. O que resistncia?Emprimeirolugardeve-secolocaraques-to:oqueresistncia?Fazendoalusoao mestredecapoeira Almirdas Areiasesuafr-mula(emtodososmovimentostudevesser comoacorrentedorioquecontornaoroche-do),indica-seaquestoparadoxaldasresis-tncias: no a obra de arte nem o jogador que se opem a uma ordem ou fora, inversamente, uma certa ordem do mundo ou uma estrutura social dada que, como o rochedo, constitui uma foraderesistnciacontraacorrentedavida (DUMOULI, 2007, p. 1). Ou seja, encontramos foras resistentes que tendem ao enfrentamento generalizado dos poderes e, ao mesmo tempo, criam modos de vida ou de estar junto. Nmade e microfsica, as resistncias no podem deixar decaptarumapotnciaqueenvolve,aums tempo, o enfrentamento e a destruio dos n-cleos duros e o fuxo da inveno.Nasltimasdcadas,umadiversidade depesquisadorestentoudemonstrarqueas resistncias no so bem compreendidas quando associadas exclusivamente ao desejo pelo poder. 77Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraOsocilogoMaurizioLazzarato,porexemplo, observaqueoschamadosnovosmovimentos sociais(oumovimentosps-socialistas)no operamcentralmentepeloconfito,maspela recusa das regras tradicionais da representao poltica, procurando criar novas formas de estar junto e de viver em comum, investindo na criao e atualizao de mundos (LAZZARATO, 2006. p. 204). No se trata de querer o poder ou desejar dominar, mas da inveno de novos afetos por meiodamultiplicaodeidentidadestnicas, daafrmaodacondiofemininaplena,do convvioharmoniosocomomeioambiente,da coexistncia entre as diferentes sexualidades e do direito cidade.Segundo Michel Foucault, os termos poder eresistncianoseencontramemrelaode exterioridade.Estamossemprenopodere, nessesentido,nohescapatria;oqueno querdizerqueopodersemprevenaouque as resistncias sejam inteis. Se o poder existe numaredevastaemultiformederelaesde dominao,ospontosderesistnciatambm se apresentam como multiplicidade de focos de 78Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoratenso.Assim,comonoexistesimplesmente um grande Poder, no existe um local nico de Recusa: a resistncia se move para a pluralidade. Torna-se,dessaforma,umamultiplicidade deacontecimentospossveis,improvveis, espontneos, planejados, irreconciliveis, o que em absoluto quer dizer que estejam fadadas ao fracasso ou sejam apenas subprodutos dessas relaes (FOUCAULT, 2008).GillesDeleuzeeFlixGuattarisugerem queresistirpoucotemavercomconservar, sofrer,suportarouopor-seaomovimento. Opodernooprincipalresponsvelpela aoconstituinte,poishumprimadodas resistnciassobreasrelaesdepoderque, naverdade,soformaessecundrias,ou melhor,reterritorizaes(DELEUZE,1993).Os poderesfuncionamdeformareativa,enquanto asresistnciasligam-sesmaneirascomoum campo social foge por todos os lados (DELEUZE, 1996).Nossistemassociaisexistemsempre linhasfugidias,mastambmendurecimentos para impedir essas fugas, ou, ainda, aparelhos queasintegram,desviamoudetm.Ouseja, 79Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraaoladodospontosqueopoderaprisiona, existem tambm pontos relativamente livres ou libertados,pontosdecriatividade,demutao, de resistncia (PELLEJERO, 2008). O desafo lanadoporDeleuzeeGuattariodepensar asresistnciascomofuxoscapazes,node fugiraomundo,masfazeromundofugirem direo a outros mundos possveis (DELEUZE, 2003);porisso,nopodemsertomadascomo simples enfrentamentos fragmentrios ou focos delutacontraosmecanismosdepoder,pois, em certo sentido, so os mecanismos de poder que oferecem resistncia s novas formas de existir e lutar propostas pelas resistncias.Emresumo,pode-seindicarqueasforas resistentes so sempre duplas: so destrutivas, umavezquecombatemerecusamdetermina-dasconfguraesdasrelaesdepoder,mas tambmcriativas,jqueincessantementepro-pem a reorganizao das sociedades, no so-mentedesafandoasnormasinstitudas,mas tambm propondo novas formas de convvio. A participao em aes de resistncia pode, em primeirolugar,levaraoreconhecimentovvido 80Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoradas relaes de poder que submetem as coleti-vidades e, em segundo lugar, instigar o contato com novas formas de estar junto, de organizar-sepoliticamenteouafetivamente.Sugerimos que os movimentos sociais e os protestos de rua apresentam-secomooportunidadespedaggi-casaosmanifestantesquandooquesebusca potencializar o pensamento crtico e construir democracia enquanto, ao mesmo tempo, solidi-fca-se a percepo da importncia das resistn-cias sociais perante a brutalidade e a corrupo dos poderes institudos.2.Ostrabalhadores,asminoriaseos autonomistasNoinciodosculoXX,anoode movimentossociaissugeriaprincipalmente organizaesdetrabalhadores,especialmente em sindicatos e partidos polticos de tendncias socialistas(GOSS,2014).Embasadosem aspectosdaflosofaanarquistaemarxista, especialmentenaimportnciadalutade classes,tratava-seespecialmenteparaos marxistas de promover entre os trabalhadores 81Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraodesenvolvimentodeumaconscinciaprpria (materialista), capaz de confrontar os interesses das classes dominantes e construir a revoluo operria.A partir da dcada de 1970, ganha fora no ocidente uma srie de movimentos heterogneos queresistemnomaisfocandoomundodo trabalho(HARDT;NEGRI,2005).Defnidos como organizaes civis que apareceram no fm dosculoXXequebuscamdiferenciar-sedas identidadesdeclasseconformeaspraticavam osmovimentosoperriosindicais;osnovos movimentos sociais passam a funcionar por meio de outras conexes, envolvendo homossexuais, ambientalistas,negros,feministas,pacifstas, veganistas,ateus,imigrantes,indgenas, trabalhadoressemtetoousem-terra,ativistas antiglobalizao,entreoutros(GOSS,2014). Soresistnciasquenocriticamapenaso acmulo de riqueza, mas o excesso de opresso polticaepreconceitoqueaconcentraode riquezaimplica;soresistnciasimediatas, poisnovisamnecessariamenteaoinimigo mor e a construo de uma utopia futura, mas 82Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraenfrentarospontoslocaisemqueospoderes atuam;inauguramumanovarelaocoma individualidadeeaeducao,poisenfatizam ovalordadiferenaereivindicamodireito singularidade.Colocam-se,enfm,contraas respostasfundamentalistas,pseudocientfcas ouburocrticasparaaperguntaquemsomos ns?, ou seja, reivindicam o direito de encontrar mecanismosprpriosdeidentifcaoede construo subjetiva (FOUCAULT, 2003).Sustentamosqueumaterceiratendncia parecetersedelineadocomalgumaclareza, movendo-separaalmdasburocrticas associaessindicaisedoscoloridosnovos movimentossociais,soaslutasoucoletivos autonomistas.Seufuncionamento,ainda incipiente, sugere novas particularidades. Entre elas,pode-secitarodesgasteemrelaos lutasporincluso,consideradasimportantes, masinsufcientesparaaconstruodeuma sociedadeigualitria.Almdisso,osnovos coletivosapostamcadavezmaisnaao diretacomomecanismodeproposiode mudanas.Entreseusmtodosesto,por 83Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraexemplo,osataquesdiretoscontrainstituies que promovem a morte de animais em risco de extino, no mesmo sentido, o resgate de animais emcondiesdesofrimento,adestruiode smbolosdegrandesmarcasempresariaisou apedrejamento de vitrines de bancos enquanto, nocampovirtual,promove-seaderrubadaou invaso de sites ligados ao Estado e s grandes corporaesouoescrachovirtualdehomens machistaseviolentos.Pode-seaindasugerir certainspiraoanarquistadessescoletivos ouaes.Aproximidadecomoanarquismo parece possibilitar uma dupla recusa da herana daslutasanteriores.Emprimeirolugar,recusa dosindicalismoburocrtico,entendidocomo fortementecentralizadoreautoritrio,almde promotordeestratgiasdelutaapoiadasna fguradoEstadoenalgicadospartidos.Em segundolugar,arecusadaestratgiapacifsta einclusivadosnovosmovimentossociais, queapostamprimeiramenteemumamudana culturaldospreconceitoscotidianos.Emuma reversottica,oscoletivosautonomistas respondemaossindicatosque,hoje,pouco 84Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraadiantareproduziralgicarepresentativa, corruptaeburocrticadoEstadoemmeio aostrabalhadores.Poroutrolado,aosnovos movimentossociais,osautonomistassugerem que a igualdade radical e o fm dos preconceitos sviropormeiodeestratgiascombativas (antifascistas,antimachistas,antirracistas,etc.) equandoaquiloqueasdesigualdadesruir:o capitalismo.3. Da proteo destruio e volta.A histria da ttica black bloc j contempla seusdoisgrandesvetores:aaopara proteodosespaosdeautonomiaea destruiodesmbolosdocapital.Boaparte daliteraturaindicaqueasprimeirasaes blackblocsocorreramna AlemanhaOcidental, noinciodosanos1980,noseiodochamado MovimentoAutonomista.Oautonomismo ummovimentooriginriodaItlia,fortemente inspirado pelo teor revolucionrio do marxismo, embora tambm se caracterize pela recusa das burocraciassindicaisepartidrias.Segundo Theblackblocpapers,obraorganizada 85Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditorapeloGreenMountainAnarchistCollectivee escrita por Van Deusen e Massot, o movimento autonomista, na Alemanha, centrou-se em dois pilares: primeiro, em acampamentos no interior dopasquevisavamimpediraconstruode usinasnuclearese,segundo,nasocupaes de imveis vazios na capital, transformados em espaos de sociabilidade contrrios aos valores das sociedades capitalistas, ou seja, ncleos de subversodasrelaesafetivaseprodutivas conformeasmoldaocapital(VANDEUSEN; MASSOT, 2010).Noanode1980umasriedeofensivas policiaisfoilanadapeloEstadoalemosobre esseslocais.Aorganizaodatticanasceu justamentedatentativadedefendertais espaos de autonomia. No entanto, foi durante amanifestaodePrimeirodeMaiode1980, emFrankfurt,queumgrupodemilitantes autonomistasdesfloucomroupaspretasos rostoscobertos,usandocapaceteseoutros equipamentos de proteo para se defender dos ataques da polcia. Por causa do visual do grupo, aimprensaalemobatizoudeSchwarzer 86Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraBlock (bloco negro) (FIUZA, 2014).Na origem j se percebe, portanto, a primeira grandecaractersticadattica:aproteo dosespaosdeautonomia.Quersetratede acampamentosouimveisocupados,querse trata do direito de reivindicar melhores condies devida,atticaaparececomoestratgiade defesa daqueles que discordam do modo de vida dominante e so impedidos de se organizar de maneiraautnoma.Ouseja,atticajnasceu comoautodefesacontraosataquespoliciais. Se quisermos utilizar a nomenclatura de Hakim Bey(2011),poderamosdefnirblackblocda seguinte forma: trata-se de uma ttica de defesa daszonasautnomastemporrias(asZATs), sejam elas os acampamentos ou ocupaes na Alemanha, os espaos de reivindicao nas ruas ou as reivindicaes dos professores cariocas e capixabas em greve.Outroelementoimportantedahistriada tticaochamadocaminhoparaSeattle. Duranteosanos1990,seusadeptosse organizaram nos Estados Unidos, embora tenham permanecido desconhecidos do grande pblico 87Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraat que alguns adeptos da ttica se organizaram paraparticipardasmanifestaescontraa OMC(OrganizaoMundialdeComrcio)em Seattle, em novembro de 1999. Nesse momento apareceu a segunda grande linha de ao black bloc:adestruiodesmbolosdocapitalismo. No contexto de consolidao da globalizao, a ttica passou a direcionar-se para a destruio material de smbolos das grandes corporaes.Foramrealizadosataquesalojasdo McDonalds ou da Gap, em busca de um efeito simblico, a saber: mostrar que aqueles cones no eram to poderosos e onipresentes assim, de que por trs da fachada divertida e amigvel dapublicidadecorporativahaviaummundode exploraoeviolnciamaterializadonaqueles logos(FIUZA,2014). Trata-sedomomentode umaviradattica:daestratgiadefensivadas zonasautnomasparaoataquesimblicoaos cones do capitalismo globalizado e neoliberal.NoBrasil,partedaliteraturaindicaqueos ncleosbrasileirosdaAoGlobaldosPovos soospioneirosdobloconegrobrasileiro.O primeiroDiadeAoGlobal,quecontoucom 88Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia EditoraaesnoBrasil,foi26desetembrode2000, dia da reunio do FMI em Praga. Neste dia, em SoPaulo,umgrupodemanifestantesatacou o prdio da Bovespa. Houve ainda um segundo Dia de Ao Global no dia 20 de abril de 2001, quando foi organizada uma manifestao como partedosprotestosconvocadosemtodoo mundocontraaCpuladas Amricas,naqual lderesdospasesdocontinentediscutirama criao da rea de Livre Comrcio das Amricas (Alca). Um grupo entre os manifestantes adotou amesmatticablackblocdeSeattleeatacou smbolos capitalistas na Avenida Paulista, como, por exemplo, uma loja do McDonalds.ApesardederivadadaEuropaedos EstadosUnidos,noBrasil,atticablackbloc possuisuasespecifcidades.Suaexpanso estligada,semdvida,aummovimentode reaoviolentaatuaodaPolciaMilitar brasileiranasJornadasdeJunhode2013, quando se expandiu o nmero de manifestantes, jornalistasecidadosagredidosouimpedidos de se manifestarem pelas foras repressivas do Estado.Ouseja,acrescenteviolnciapolicial 89Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoracontraasmanifestaesprovocouousomais intensodaaodiretanoBrasil.Noentanto,o amadurecimentodatticadeu-seefetivamente diante de uma relao indita com a educao. Nosprotestosocorridosduranteagrevedos professoresnoRiodeJaneirode2013as prpriasmsicasentoadasporprofessores eadeptosdatticadoprovadequeasruas tornaram-se espaos de interao e luta comum pelaeducao.Enquantoosmascarados cantavamoprofessormeuamigo,mexeu comele,mexeucomigoeagiamnaproteo doseducadorescontraaagressopolicial, osprofessores,porsuavez,respondiam:o black bloc meu aluno, mexeu com ele, mexeu comigo.4. A fragilidade da democracia.Osdiscursosdosadeptosdatticablack blocsugereminsistentementeausnciaou fragilidadedaliberdadenoBrasile,aomesmo tempo,defendemanecessidadedalutapela democracia.Aoflmardeclaraesparaum documentriotomamoscontatocomumafala 90Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraintensaeteatral:apssugerirquealiberdade demanifestaonofuncionasemaproteo dos blocs, um entrevistado chamou um de seus amigosparasentar-seaoseuladoeprops uma encenao para demonstrar como entende o papel da ttica nos protestos. Ele agarrou os braos do colega e os prendeu, em seguida, se voltou para a cmera e disse:EusouoGoverno,eleaSociedade (apontando para o amigo). Enquanto apertava com mais fora os pulsos do companheiro, ele continuou: Eu tiro seu direito de ir e vir, seu direito de moradia, seu direito de expresso. Oqueelevaiterquefazerparapoder conquistarseusobjetivos?Prairemfrente econseguirreivindicarseusdireitos?Euto segurando ele. O que ele vai ter que fazer?. O amigo ento responde reao e comea a tentar libertar suas mos e braos. Enquanto aSociedadeseesforaparaselivrardas mosgovernamentaisqueoseguram,o entrevistado(oGoverno),poroutrolado, foraoaprisionamento,oimobilismoe 91Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorarepete seguidamente sem vandalismo, sem vandalismo,semvandalismo!.maisou menosissodaqui.umareaodoblack bloc.Oblackbloctaalipralinhadefrente. Agentenotaliprabrincadeira,agente no t ali pra gritar, gritar a gente j grita h maisde500anos.(...)Entonoadianta, nosevaiconseguirmudarumasociedade sem tocar nela.Semelhantesensaodesufocamentoe de necessidade urgente da luta explodem ainda quando, em uma mesa redonda na Universidade FederaldoEspritoSanto,umadasadeptas dattica,com18anosdeidade,sesentaem uma mesa redonda ao lado de dois doutores e anunciasuaindignaoeraiva,quemerecem ser reproduzidos na ntegra:O nico julgamento que aceito o meu, pois souanicaquetempodersobmim.No souculpadapelaquebradevidraas,pois no h culpa. No sou culpada pelas pedras lanadas, pois no h culpa. No sou culpada 92Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorapelas barricadas, pois no h culpa. Poupe-me de suas acusaes, pois no h lei para os senhores que julgam, ento tambm no h lei para mim.Euentendiquetudoissoeraumalutade classesquando,enquantotirosvinhamem minhadireo,asmadamesdaburguesia jogavamgarrafasdeguadavarandade seusapartamentosparaqueeupudesse matar a minha sede. Valeu madame, mas a minha sede outra. Eu tenho sede de justia. Justia para os pobres que tem suas portas chutadasesuasgargantasrasgadastodas as madrugadas. Justia para os negros que ainda so feitos de escravos pelas indstrias. Justiaparaasvadiasevagabundasque tiverameaindatemseuscorposviolados pelos homens de farda. Justia para os gays e travestis que tem seus rostos apedrejados pelopreconceitoembecosescuros.Justia paraosndiosquesoexpulsosdesua terrapraqueelaspossamreceberum estacionamentoparaacopa.Justiapela 93Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoranossa cultura que foi roubada e trocada por uma bandeira verde e amarela. Justia para todososmeuscompanheirosquefcaram cegospelasbombasebalaslanadas pelamodapolcia.Justiaparaosque morreram com seus pulmes sufocados pelo gs lacrimogneo na guerra contra o Estado.Euentendiquetudoissoeraumalutade classesquandoviaburguesiasaindoem defesademanequinsevidraas,enquanto tudo que eu via era o Amarildo ser torturado e morto. Eu vi o sangue escorrer na Mar. Eu vi mulheres sendo espancadas por inmeros homensdefarda.Euvipessoassendo espancadas como se no passassem de lixo queprecisaserretiradodarua.Viamigos terem suas vidas ameaadas pelas milcias. Vi um jovem cheio de vida ser assassinado a sangue frio e vi os homens de farda dizerem que foi por engano. Por que que as pessoas s morrem por engano no Morro da Penha? Por que que eu nunca vi ningum ser morto porenganonaPraiadoCanto?Euviuma 94Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoraarma apontada pra minha cara e ouvi algum dizer vai pra casa, porque a partir de agora os tiros sero de verdade. Mas, coitadas das vidraasemanequins,elasnadatemaver com isso.Mestiveramseusflhosarrancadosdos seusbraosemortosamandodoEstado. Mestiveramqueconvivercomadorde teremseusflhostrancafadosempresdios de segurana mxima. Esposas no puderam verseusmaridoschegarememcasa.Mas pobrecoitadodospoliciaisquesoapenas trabalhadores e pais de famlia.Que se explodam as vidraas e os manequins. Quecaiamtodososmurosatqueno existam mais fronteiras. Ergam as bandeiras negras.Deemvidaparaasbarricadas.A revoluonovaichegaratravsdeum pedidodelicena.Peguemaspedras,os paus,asmscaras.Nsnoqueremos esconder nossas identidades, pelo contrrio, queremos ser reconhecidos como realmente somos, a fria de um povo. E por isso que 95Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editorausamosmascaras,poiscomelapodemos seroquesomos.Podemnosperseguir, tentarnoscalar.Quevenhamasbombas easbalas,enquantoqualquerumdens puder gritar, a nossa luta vai continuar.Talvezsejaapenascomumgestode desrespeitoearrognciaquenosatrevemosa comentar tais falas. Talvez devssemos apenas deix-las pairar, frente (como uma barricada) e acima (como uma pedra atirada). J houve e haveromomentoparaisso.Porhoracom delicadezaeprudnciaantesativistasque cientfcas que fazemos notar o sentimento de sufocamento,angstiaeimobilidadequetais jovensexpressamdiantedoEstadobrasileiro. No primeiro caso, o imobilismo das mos atadas torna-seaindamaisfortequando,aqualquer movimento,nosseforadodevolta posio de submisso, como tambm taxado de vndalo. No segundo caso, a mesma sensao desufocamentodiantedojulgamentopelas vidraas quebradas, mesclada ao silncio sobre aschacinasnaperiferia,amesmapercepo 96Brasil em crise: o legado das jornadas de junho. Praia Editoradequealeiestaserviodossenhorese senhoras da elite brasileira, portanto, contra as minoriasexploradas,sofridaseassassinadas. E, ainda, a mesma convico da importncia da lutaqueestilhaavitrines,derrubafronteiras, levantabandeirasnegraseprotegecompaus, pedras e mscaras.5. Uma pedagogia das vidraasTalvez devamos ir mais longe e indicar que umnovoparmetrodepensareagirinsurgea partir das novas lutas brasileiras: uma pedagogia dasvidraas.Seasresistncias/educao dostrabalhadoreslutamcontraailusoda neutralidadeereivindicamaorganizao sindical e a revoluo operria como solues; seasresistncias/educaoprop