Braga, Eliezer. Breve História Da Construção Misógina Do Ocidente Cristão
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ANAIS DO IV ENCONTRO NACIONAL DO GT HISTRIA DAS RELIGIES E DAS RELIGIOSIDADES ANPUH - Memria e Narrativas nas Religies e nas Religiosidades. Revista Brasileira de Histria
das Religies. Maring (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850. Disponvel em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html
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Breve histria da construo misgina do Ocidente Cristo
Elizer Serra Braga*
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Resumo. O cristianismo, de origem oriental e fenmeno social que toca a religiosidade, o
elemento mais determinante na construo da cultura ocidental. Resulta de numerosos de fatores
que incluem trocas sincrticas, elementos teolgicos, construes ideolgicas e interesses polticos, alguns pr-existentes por ocasio do seu surgimento na Palestina Romana, cuja
compreenso indispensvel para melhor entender a formao da moral nas sociedades crists.
Entre as caractersticas marcantes resultantes da constituio deste fenmeno religioso encontra-se a misoginia. Interessa a este artigo ressaltar a importncia da abordagem histrica em
conjunto com a anlise literria sobre narrativas religiosas ou historiogrficas dos componentes
que se constituram em fundamentos presentes no bero desta misoginia. Desde os processos de
culturalizao conduzidas pelos imprios grego e romano e suas diversas trocas com o ambiente judaico e por todo o mediterrneo que levou ao surgimento do que se chamou
helenismo, encontram-se elementos chaves na produo deste fenmeno social.
Palavras-chave: machismo, religio, gnero, helenismo, judeu cristianismo
Brief history of misogynist construction of the christian west
Abstract. Christianity, a social phenomenon that touches religiosity is the most decisive
element in the construction of Western culture and has its origins in the East as a result from a
number of factors including syncretism exchanges, theological elements, ideological constructions and political interests, some pre-existing to the occasion of its rise in Roman
Palestine. Understanding of these elements is imperative to a better comprehension of the moral
formation of Christian societies. Among the striking features resulting from the establishment of this religious phenomenon is misogyny. Looks this article to identifying by the instrumentality
of history and literary analysis on religious or historiographical narratives, some of the
components that were located in the foundations present in the cradle of this misogyny. Already
in the culturalization processes previous to Christianity that was conducted by the Greek and Roman Empires and its various exchanges with the Jewish environment and throughout the
Mediterranean that led to the rise of what is called Hellenism, are elements that produced this
social phenomenon. Keywords: machismo, religion, genre, Hellenism, Jewish Christianity
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Introduo
Nos estudos de gnero, posies feministas tm sido criticadas por anacronismo
* Elizer S. Braga ( [email protected] ) doutorando pela UNESP Assis, no curso de Histria e Sociedades, em Religies e Vises de Mundo, e Mestre pela USP/FFLCH pelo departamento de Letras Orientais, no curso de Lngua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas. Sua pesquisa centra-se na anlise
literria e historiogrfica de narrativas sobre mulheres na Bblia Hebraica e nos textos apcrifos
produzidos no ambiente formativo do cristianismo primitivo na Palestina Romana
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e por excesso de nfase dada a um pretenso matriarcado primitivo1. Sabe-se que
histrias como as das amazonas e outras que exemplificam especulaes quanto a haver
existido sociedades matriarcais na antiguidade distante so exageraes sem base
documental. O que est disponvel evidencia que o patriarcado tem sido o padro das
sociedades desde sempre a exceo de poucos exemplos literrios, como Sara e Abrao
em Gnesis, e algumas mulheres das histrias de aristocracias.
No entanto, no af de comprovar teses sobre supostos matriarcados, os estudos
feministas acabaram por despertar o interesse pela compreenso dos processos de
misoginizao da religiosidade que contriburam com a radicalizao das sociedades
patriarcais.
Misoginia o dio ou desprezo pelo sexo feminino. A palavra vem do grego e
paralela a misandria, e antnima a filoginia.
Por vezes se confunde com machismo e androcentrismo, fenmenos dos quais
faz parte, mas mais abrangentes, supraculturais, atemporais, e tm a ver com crenas na
inferioridade da mulher e com a desconsiderao das experincias femininas no ponto
de vista masculino.
Para o socilogo JOHNSON, Allan G. (2000) 2
a misoginia um aspecto central do preconceito sexista e ideolgico, e, como tal, uma base importante para a opresso
de mulheres em sociedades dominadas pelo homem. A
misoginia manifesta em vrias formas diferentes de piadas,
pornografia, violncia e autodesprezo que mulheres so ensinadas a sentir por seus corpos.
FLOOD (2007) 3 define a misoginia como o dio s mulheres e observa que:
Embora mais comum em homens, a misoginia tambm existe e
praticada por mulheres. Funciona como uma ideologia ou sistema de crena que tem acompanhado o patriarcado ou
sociedades dominadas pelo homem por milhares de anos e
continua colocando mulheres em posies subordinadas com acesso limitado ao poder e tomada de decises. Desde
Aristteles as mulheres em culturas ocidentais tem
internalizado seu papel como bodes expiatrios da sociedade,
1 BAMBERGER, Joan. O mito do matriarcado: porque os homens dominavam as sociedades primitivas? In: ROSALDO Z. Michelle., LAMPHERE, Louise (org.) A mulher, a cultura, a sociedade. Trad. Cila
Ankier e Rachel Gorenstein. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, 233-254, in ROCHA, Ivan Esperana, A
passagem do Deus Feminino para o Deus masculino: um olhar sobre a religio oriental primitiva, Artigo
apresentado durante a XXIX semana de Histria, Assis, UNESP, Outubro/2012. 2 JOHNSON, Allan G., Misoginy, In Blackwell Dictionary of Sociology: a Users guide to sociological
language. Oxford: Blackwell Publishing, 2000. 3 FLOOD, Michael, International encyclopedia of men and masculinities. ISBN 978-0-415-33343-6,
18/07/2007.
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influenciadas no sculo 21 pela sua objetificao e autodesprezo culturalmente sancionados.
Embora no seja claramente percebido, misoginia na forma como se apresenta
em nossos dias tem sido caracterizada como resultante de construes ideolgicas
originrias das mitologias do mundo antigo assim como de vrias construes religiosas
e ideolgicas. Alguns destes elementos antecedem e influenciam decisivamente o
cristianismo na sua interpretao dos papeis femininos.
Observem-se alguns elementos pr-cristos que geraram a misoginia e a forma
como os mesmos so adotados, ou inseridos no cristianismo a partir de processos
sincrticos e ideolgicos, nem sempre casuais.
O elemento grego
Vrios filsofos e escritores da antiguidade, influentes na construo da cultura
ocidental, tem sido descritos como misginos.
HOLLAND (2006)4 viu sinais de misoginia na mitologia do mundo antigo.
Segundo este, de acordo com Hesodo, a raa humana j existia antes da criao da
mulher, numa coexistncia pacifica com os deuses que foi quebrada pela
instrumentalidade da mulher (mito de Pandora).
Na tradio literria grega, segundo J. W. Roberts em City of Sokrates: An
Introduction to Classical Athenas, a misoginia mais antiga que a tragdia. A mais
antiga referncia pode datar de Antpater de Tarso, filsofo estoico, num tratado moral
Sobre O Casamento (150 a. e. c.), em que este faz referncia a Eurpedes como um
escritor misgino.
Outras referncias de autores gregos do perodo clssico podem levar
identificao de figuras literrias misginas como Jeronimus, Sofocles, Antipater, etc.,
ao sculo 2 ou 3 a. e. c. No que todos fossem escritores misginos, mas o stress
encontrado em suas literaturas ao tratar do assunto revela a existncia do tema em
debate nas sociedades gregas clssicas.
A literatura grega expressa evidentes sinais de intensificao da misoginia
durante os sculos em que este imprio entra em decadncia, momento em que a busca
por novas perspectivas e explicaes para suas vicissitudes leva a um abandono do culto
do corpo, e a um repdio ao prazer e s sensaes corpreas, elementos que passam a
4 HOLLAND, Jack, Misogyny: The Worlds Oldest Prejudice, Avalon Publishing Group, 2006.
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ser tratados como nocivos, e que trazem consigo a rejeio pelo feminino como fator de
corrupo da perfeio humana que leva ao desagrado da divindade. A ascese torna-se o
elemento de maior expresso de fidelidade religiosa e transforma-se em fonte de teorias
prejudiciais ao feminino que como se verificar, adotada pelo cristianismo sem muitas
modificaes em seus conceitos elementares.
O elemento judaico
Para o professor ROCHA (2012)5o processo que leva a maior compreenso
humana sobre a importncia do macho na fecundao faz transferir a importncia da
figura feminina como representao da fertilidade para a noo segundo a qual o
homem seria o elemento chave neste evento. Dele que saia a semente que fertilizava o
solo e no mais da mulher que at ento conceberia por si mesma e canalizaria os
favores divinos para a fertilidade da terra atravs de cultos em que a nudez feminina em
contato com o solo era uma das expresses rituais.
Esta noo trouxe maior nfase sobre a importncia do deus masculino e no
oriente prximo levou a um processo de substituio de divindades femininas por
masculinas.
Segundo Rocha6:
Com a descoberta da paternidade, comea a haver uma
profunda mudana na concepo da fertilidade. O princpio flico ir impregnar a arte e a religio, condicionando o modo
de viver da humanidade. A partir da descoberta de que o smen
masculino colocava vida no tero da mulher, o pnis tornou-se
o phallos, objeto de culto.
Sendo assim, nota-se um padro nos mitos de criao, caractersticos das
sociedades patriarcais, em que a figura masculina ganha destaque. No mito judaico da
criao, Ado criado por um Deus masculino (ou masculinizado j por ocasio da
estruturao das crenas religiosa de Israel) e a o masculino no apenas supera o
feminino, mas torna-se o seu criador (ROCHA, 2012).
Holland7, ao tratar da narrativa da queda do homem, em Genesis 3, concorda que
se trata de um mito que culpa a mulher pelos males e sofrimentos da raa humana.
Para ele, Eva uma verso israelita ou judaica de Pandora, e torna-se um reflexo do
5 Op cit. 6 Op. cit. 7 Op. cit. Ver tambm Pecado Original, do mesmo autor.
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processo cultural religioso e ideolgico que faz transitar da adorao de deusas para a
figura divina do sexo masculino.
A Tor compreendida por este autor como resultante do sincretismo de vrias
tradies judaicas que so apropriadas de um espao no tempo em que o processo de
transio para um deus macho estava acontecendo.
de entendimento comum nos meios acadmicos que a religiosidade israelita
resulta de sincretismo de vrias tradies provenientes de vrios grupos tribais que se
juntam a partir de peregrinaes de vrios cls e populaes em deslocamento desde o
norte da frica, at a Mesopotmia e vice-versa, passando pelo Egito e crescente frtil.
O ambiente era caracterizado por inmeras de tradies culturais e religiosas. A partir
disto, o que se tem a formao dos fundamentos da religio israelita e somente
posteriormente se faz sua reedio na forma de vrios judasmos que se manifestam a
partir do imprio babilnico e do estabelecimento da Judia como remanescente de
Israel.
Tudo isso explica parcialmente a existncia de aparentes contradies no antigo
testamento, entre elas a apropriao pelos escribas do judasmo de duas tradies
independentes da criao que se encontram expostas em Gnesis 1 e 2: na primeira,
homem e mulher so criados ao mesmo tempo pressupondo igualdade e coautoridade,
mas no segundo relato, o homem criado primeiramente e a mulher somente a partir de
um de seus lados.
Na tentativa de explicar estas tradies, rabinos judeus parecem piorar a
condio da mulher na tradio judaica explicando o mito de Lilit8, uma espcie de
primeira Eva. Esta primeira companheira para Ado nunca chega a proporcionar uma
relao exatamente adequada, pois tendo em vista a equivalncia hierrquica adquirida
pela criao concomitante com a do homem, vive a desafiar sua autoridade, e desta
relao acaba por surgir o demnio e seus anjos que seguem atormentando a criao.
No passo seguinte, Lilit substituda por Eva, de um dos lados de Ado, posterior, e
subordinada a este na continuao da narrativa que a coloca em segundo lugar e logo no
captulo 3 esta tambm se torna condenvel, pois veio a comer do fruto proibido.
8 O mito de Lilit tomado de maneira parcial e superficial neste artigo, somente objetivando mencionar
de que forma os primeiros os Rabinos Judeus que desenvolveram as literaturas bsicas desta crena
apropriaram aspectos do mesmo e o adaptaram a seus pressupostos fundamentais. A apropriao de
crenas e aspectos teolgicos, mitos e tradies comuns a outras culturas orientais e as posteriores
adaptaes ao monotesmo israelita e judaico um aspecto marcante na produo e interpretao da sua
literatura.
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O elemento romano
Em Ccero encontra-se o tema na referncia que faz a Aristteles quanto a ser
misgino ao escrever que mulheres so inferiores aos homens. E o tema se repete em
referncias a Plato e a Repblica em que PAPAS, N. (2003)9 descrevendo o problema da
misoginia afirma que na Apologia Scrates acusa queles que suplicam por suas vidas
no tribunal de no serem melhores que mulheres.
Timaeus adverte aos homens de que se no viverem adequadamente do ponto de
vista moral, reencarnaro como mulheres. A obra Repblica contm vrios comentrios
com a mesma tendncia.
H menes a misoginia em Apologia de Scrates, em que este sugere que a
mulher deve ser considerada entre as propriedades do homem. Em Plutarco o tema
usado para Heracles na histria de Phocion. E a questo se repete inmeras vezes em
outros exemplos.
O termo tambm pode ser encontrado em Menander, sobre o qual sabemos a
partir do livro sete de Strabo sobre Alexandria, 17 volumes sobre Geografia, e a partir
de citaes por Clemente de Alexandria e Stobaeus sobre casamento.
Ccero relata que os filsofos gregos consideravam que a misoginia era causada
pela ginofobia, ou ginecofobia (medo do feminino) sobre o que se ver mais adiante, e
considerada uma doena (Ccero, Tusculanae, Quaestiones, sc. I a. e. c.).
De fato, embora no de maneira comum, a literatura greco-romana considerava a
misoginia uma doena antissocial, contrria percepo do valor natural da mulher
como esposa, da famlia como fundamento da sociedade, como largamente apresentado
na literatura secundria.
Deve-se considerar ainda ao se tratar do Imprio Romano, as mudanas
institudas por ocasio das transformaes scio culturais iniciadas por Augusto ao
transitar da repblica para o imprio e aspectos como a exigncia de que mulheres
fossem representadas por homens como tutores os impactos que uma legislao
machista teve sobre a sociedade romana e sobre o mundo dominado por esta cultura.
9 PAPPAS, Nickolas, Routledge philosophy guidebook to Plato and the Republic. ISBN 978-0-415-
29996-1, 09/09/2003.
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O elemento cristo
Nos estudos sociais atribui-se ao cristianismo um papel preponderante entre os
elementos que forjaram o pensamento e o comportamento ocidentais. Considerando-se
que para esta cincia a religio como fenmeno social um importante ingrediente (se
no o mais importante) a compor as foras de construo de dada cultura, deve-se
entender em ampla perspectiva as motivaes que levaram ao estabelecimento de
paradigmas religiosos repressores ao comportamento social feminino.
Este fenmeno religioso tomado dentre as diversas seitas derivadas do judasmo
do primeiro sculo da nossa era recebe de sua fonte distintos elementos misginos que
por sua vez se manifestam e tomam contornos diferenciados medida que variadas
formas de cristianismos se proliferam e interpretam sua maneira os textos e tradies
de suas crenas.
No se deve esquecer que o cristianismo, embora inicialmente uma seita de
tradio judaica, deriva de um judasmo extremamente helenizado, o que traz consigo
uma atitude distinta do judasmo (os) mais tradicional, que embora misgino em
alguma medida, marcado por posturas mais favorveis com relao ao feminino,
segundo Boyarin10
.
ROGERS (1966)11
em The Troublesome Helpmate lista alguns elementos que
ela alega serem marcas da misoginia crist no novo testamento a partir dos escritos de
Paulo. Ela expressa que o legado da misoginia crist foi consolidado pelos chamados
Pais da Igreja, como Tertuliano que afirmava ser a mulher a porta da entrada do mal
e do diabo na histria do homem criado a imagem e semelhana de Deus.
Por outro lado, telogos e estudiosos das tradies crists tem aventado a
possibilidade de no ser o cristianismo original, enquanto movimento popular Galileu,
exageradamente misgino, assim como algumas correntes dos diversos judasmos do
primeiro sculo, baseados em textos como Glatas 3:20 em que a mulher considerada
igual ao homem, no havendo diferena entre um e outro na nova dimenso de f
deixada pelo messias dos cristos.
Isso pode ser verdadeiro se considerar-se que muito da misoginia da qual se
impregna o cristianismo seja resultante de uma construo patrstica e ps-patrstica. J
no perodo apostlico e especialmente para os pais ps-apostlicos da igreja, se torna
10 BOYARIN, Daniel, Israel Carnal, Lendo o Sexo na Cultura Talmdica, Rio de Janeiro, Ed. Imago,
1994. 11 ROGERS, Katharine M., The Troublesome Helpmate: A History of Misogyny in Literature, 1966.
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necessrio acomodar os preceitos da nova seita religiosa s exigncias polticas e
ideolgicas e aos interesses e cuidados do imprio. Esta novidade religiosa, que na
esteira da disperso judaica pelos romanos invade o ocidente aos finais do segundo
sculo da nossa era, transtorna vrios aspectos culturais, religiosos, esbarrando em
interesses dos poderes constitudos.
Do ponto de vista da abordagem histrica da formao do cristianismo, importa
observar por que os principais pensadores da teologia crist foram to acentuadamente
resistentes ao feminino a ponto de terem sido classificados por pesquisadores modernos
como instigadores de um fenmeno social de origem religiosa, designado como
ginecofobia 12
.
A princpio sustentou-se que sua atitude (dos pais da igreja) representava uma
herana do pensamento helenista, baseado na necessidade da ascese como elemento de
aproximao entre os cristos e sua divindade.13
A observao mais ntima das discusses apologticas e das controvrsias entre
as vrias correntes de cristianismos que disputavam espao em meio a muitas crenas
circulantes no imprio romano revela outros fatores que influenciaram a criao de leis
religiosas com vistas ao controle do comportamento feminino.
A simples leitura dos argumentos que nortearam personalidades como Jernimo,
Tertuliano, Gregrio e outros a escreverem sobre mulheres da forma como o fizeram
leva ao entendimento de que as elas, nos tempos da igreja primitiva e patrstico,
representavam mais que uma fonte de tentao e pecado.
LOPEZ, E E. (1997), em suas investigaes sobre a histria das mulheres no
cristianismo, sugere que baseadas em argumentos teolgicos como os de Paulo, de que
em Cristo no poderia haver acepo de pessoas, ... pois todos vs sois um em Cristo
Jesus (Gl. 3:28) muitas mulheres crists celibatrias se colocaram em p de igualdade
com homens em diversas posies de autoridade nas comunidades crists primitivas
espalhadas pelo mediterrneo.
Lopez sugere uma tese curiosa em que no somente do cristianismo, mas de
vrias religies orientais procediam mulheres reivindicando em suas condies de
virgens o direito de exercer autoridade em suas sociedades.
12 BOYARIN, D., op. cit. pg. 106 e 246. Sobre o termo genecofobia, ver tambm BRAGA, E. S., Santas
e Sedutoras, as heronas na Bblia Hebraica: a mulher entre as narrativas bblicas e a literatura patrstica,
SP, Humanitas, 2010, pg. 61. 13 BRAGA, E. S., op. Cit.
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das Religies. Maring (PR) v. V, n.15, jan/2013. ISSN 1983-2850. Disponvel em http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html
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Ela afirma que
A vinculao feminina ao judasmo, cristianismo, ou a outras
religies no oficiais um sinal de mulheres que usaram a religio como meio para negociar seu prprio lugar na
sociedade. Mesmo que os espaos ocupados por elas no
estivessem isentos de ambiguidades, elas souberam utiliz-los como marco de onde refletir seu valor pessoal e legitimar sua
conquista de autonomia....14
Referncias
BOYARIN, D., Israel Carnal, Lendo o Sexo na Cultura Talmdica, Rio de Janeiro, Ed.
Imago, 1994.
BRAGA, E. S., Santas e Sedutoras, as heronas na Bblia Hebraica: a mulher entre as
narrativas bblicas e a literatura patrstica, SP, Humanitas, 2010.
FLOOD, Michael, International encyclopedia of men and masculinities. ISBN 978-0-
415-33343-6, 18/07/2007.
HOLLAND, Jack, Misogyny: The Worlds Oldest Prejudice, Avalon Publishing Group,
2006.
JOHNSON, Allan G., Misoginy, In Blackwell Dictionary of Sociology: a Users guide to
sociological language. Oxford: Blackwell Publishing, 2000.
LOPEZ, E. E., El Poder de Significar de las Mujeres en las Comunidades de Pablo, in
UBIETA, Madri, 1977.
PAPPAS, Nickolas, Routledge philosophy guidebook to Plato and the Republic. ISBN
978-0-415-29996-1, 09/09/2003.
ROCHA, Ivan Esperana, A passagem do Deus Feminino para o Deus masculino: um
olhar sobre a religio oriental primitiva. Artigo apresentado durante a XXIX semana de
Histria, Assis, UNESP, Outubro/2012.
ROGERS, Katharine M., The Troublesome Helpmate: A History of Misogyny in
Literature, 1966.
ROSALDO Z. Michelle., LAMPHERE, Louise (org.) A mulher, a cultura, a sociedade.
Trad. Cila Ankier e Rachel Gorenstein. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
14 LOPEZ, E. E., El Poder de Significar de las Mujeres en las Comunidades de Pablo, in UBIETA, pg.
54-55.