BR376 - PR - Artigo_Samuel Mezzomo_COBRAE_2013_rev00
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COBRAE 2013 VI Conferência Brasileira de Encostas
Angra dos Reis, 04 a 06 de Outubro de 2013
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Rodovia BR 376/PR – Banco de Dados dos Parâmetros de
Resistência ao Cisalhamento Obtidos Através de Retroanálise.
Eng. Samuel Maggioni Mezzomo, MSc. Autopista Litoral Sul, Joinville, Santa Catarina, Brasil, [email protected]
Eng. Fabio Bertuol, Dr. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil, [email protected]
RESUMO: A BR 376/PR, na região que intercepta a Serra do Mar, está situada em um ambiente
com alta suscetibilidade a acidentes geotécnicos. Nos últimos 05 anos, especialmente em 2008 e
2011, ocorreram em torno de 90 acidentes geotécnicos. Para a recuperação dos deslizamentos foram
realizados projetos e obras de contenção, de onde se obteve um importante banco de dados
geotécnico, especialmente para as rupturas ocorridas nos taludes de corte em solo residual oriundo
de rochas metamórficas.
Este trabalho apresenta um compêndio dos parâmetros de resistência ao cisalhamento dos diversos
projetos desenvolvidos, obtidos através da técnica da retroanálise. Estes dados estão organizados em
gráfico e tabela, objetivando a divulgação de informações geotécnicas sobre a região, para auxiliar
na confecção de futuros estudos e projetos nesta região e também em regiões com características
semelhantes.
PALAVRAS-CHAVE: Escorregamentos, estabilidade de taludes, solos residuais, obras de
contenção, rodovias, parâmetros de resistência.
1 INTRODUÇÃO
A BR 376/PR é a principal rodovia que interliga
a região sudeste do Brasil e o estado do Paraná
com o estado de Santa Catarina. A rodovia é um
importante corredor comercial, que permite o
acesso a diversos portos situados no litoral norte
de Santa Catarina.
O trecho sul da BR 376/PR, sob concessão
da Autopista Litoral Sul, possui 68,9
quilômetros de extensão e tem início na cidade
de São José dos Pinhais/PR (município
pertencente à região metropolitana de
Curitiba/PR), seguindo até a divisa com o
Estado de Santa Catarina. A rodovia se
desenvolve em pista dupla (pistas Norte e Sul),
com 02 ou 03 faixas de rolamento por pista,
entre os quilômetros 613+600 e 682+500
(marcos quilométricos segundo o PNV 2009 –
Plano Nacional de Viação de 2009 do DNIT).
Na Figura 1 (adaptada de Mezzomo et al.,
2012) é apresentado o trecho sul da BR 376 no
estado do Paraná.
Figura 1. Trecho sul da BR376/PR, sob concessão da
Autopista Litoral Sul (linha na cor vermelha), entre a
região metropolitana de Curitiba/PR e a divisa dos
estados do Paraná e Santa Catarina (linha tracejada na cor
branca). O retângulo tracejado demarca o trecho de maior
suscetibilidade à ocorrência de deslizamentos (adaptado
de Mezzomo et al., 2012).
BR376/PR
Curitiba
BR277
BR101/SC
divisa
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Ao longo deste trecho, a BR376/PR perpassa
por diversas litologias geológicas, destacando o
Complexo Gnáissico-Migmatítico da região da
Serra do Mar do Paraná (Figura 02).
Figura 2. Fotografia aérea de um segmento da BR376 que
perpassa pela Serra do Mar. As setas em branco indicam
locais onde ocorreram deslizamentos.
Esta região historicamente é acometida por
volumosas e intensas chuvas, em especial
durante os meses do verão. Por se tratar de um
trecho em serra (com grande quantidade de
taludes de corte e aterro), aliado a geologia
local e as precipitações severas, o local é
bastante suscetível a problemas geotécnicos,
especialmente os relacionados à estabilidade de
taludes e encostas.
Nos últimos 05 anos, em especial nos anos
de 2008 e 2011, ocorreram em torno de 90
deslizamentos de taludes. Para a recuperação
destes, foram realizados projetos e obras de
contenção, de onde se obteve um volumoso
banco de dados.
O objetivo deste trabalho é apresentar um
compêndio dos parâmetros de resistência ao
cisalhamento dos diversos projetos
desenvolvidos, obtidos através da técnica da
retroanálise, em perfis de solo residual oriundos
de rochas metamórficas. Estas informações
foram organizadas em gráfico e tabela, para
disponibilizar um banco de dados de parâmetros
geotécnicos da região, de modo a auxiliar na
confecção de futuros estudos e projetos nesta
região e também em regiões com características
semelhantes.
2 CARACTERÍSTICAS GEOLÓGICAS E
GEOTÉCNICAS DO TRECHO SUL DA
BR376/PR
O trecho de maior suscetibilidade a acidentes
geotécnicos da BR376/PR está inserido no
Complexo Gnáissico-Migmatítico (Figura 3),
do Arqueano - Proterozóico Inferior, formado
tipicamente por migmatitos estromáticos, com
paleosoma de biotita-hornblenda gnaisse, mica-
quartzo xisto, ultrabasito, metabasito e
anfibolito (Mapa Geológico do Paraná, 2006).
Nas cotas mais baixas da Serra do Mar também
ocorrem depósitos de colúvios e sedimentos de
deposição fluvial (aluviões).
Figura 3. Unidades geológicas existentes no trecho sul da
BR376/PR (adaptado do Mapa Geológico do Paraná,
2006).
O subsolo das encostas adjacentes à rodovia
apresenta grandes espessuras de solo,
tipicamente superiores a 15 metros. Os taludes
são formados por solo residual, com
predominância do horizonte C (solo saprolítico)
e horizontes A e B pouco desenvolvidos.
Os problemas de estabilidade de taludes na
região são fortemente condicionados pelas
estruturas reliquiares e pela grande
heterogeneidade do solo saprolítico, aliados as
condições pluviométricas adversas da região e a
complexa rede de fluxo de água que se
estabelece no subsolo das encostas. Este cenário
favorece a ocorrência de escorregamentos
circulares, translacionais e mistos. Na Figura 4
são apresentados três deslizamentos ocorridos
na BR 376/PR, que exemplificam os tipos de
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ruptura que ocorrem nesta região.
Figura 4. Fotografias de escorregamentos na BR 376/PR:
(a) km 657+200 Norte – superfície de ruptura circular;
(b) km 667+300 Norte – superfície de ruptura mista
(translacional/rotacional); (c) km 669+790 Sul –
superfície de ruptura circular.
3 METODOLOGIA, ANÁLISE E
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Dentro dos acidentes geotécnicos cadastrados
entre 2008 e 2013, a maior parte das rupturas
podem ser classificadas como rotacionais,
translacionais e mistas, em taludes e encostas
com solo residual, com importante influência
das estruturas reliquiares (adaptado de Bertuol,
2013). Deslizamentos em aterros e movimentos
de rastejo e fluxo de detritos não são abordados
neste trabalho.
O banco de dados foi montado com as
informações oriundas de 21 projetos de
estabilização de taludes e encostas. Os projetos
foram desenvolvidos empregando a técnica da
retroanálise, baseados em levantamentos
planialtimétricos, sondagens (à percussão,
rotativas ou mistas) e na experiência acumulada
de cada projetista. Os projetos foram
confeccionados por diversas empresas
projetistas (APGEO, Azambuja Engenharia e
Geotecnia, Moretti Engenharia Consultiva,
Nouh Engenharia, Urbaniza Engenharia) e
fazem parte do acervo da concessionária
Autopista Litoral Sul.
A metodologia empregada nos projetos,
conforme prescrições da NBR 11682 (2009)
Estabilidade de Encostas, está exemplificada na
Figura 5, que apresenta o perfil geológico-
geotécnico do talude no km 670+950 da pista
sul. Este perfil foi inferido através de sondagens
e de levantamento topográfico, sendo que a
superfície de ruptura retroanalisada foi definida
através das ciatrizes da ruptura no talude.
Figura 5. (a) Perfil geológico-geotécnico, (b) Geometria
original do talude inferida e superfície de deslizamento
retroanalisada através do software GeoSlope (adaptado
do projeto executivo de contenção do km 670+950 pista
sul da BR 376, Autopista Litoral Sul).
(a)
(b)
(c)
(a)
(b)
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Os parâmetros de resistência ao cisalhamento
do solo foram organizados em tabela e gráfico,
de forma a verificar a faixa de variação dos
parâmetros ângulo de atrito efetivo (ϕ’),
intercepto coesivo efetivo (c’) e peso específico
natural (γnat).
A Tabela 01 apresenta a localização, a
descrição do solo e os parâmetros de resistência
ao cisalhamento das camadas de solo
interceptadas pela superfície de ruptura, obtidos
através da retroanálise (banco de dados da
Autopista Litoral Sul). Os dados foram
compilados e plotados em um gráfico (Figura
06), onde o eixo horizontal apresenta 21 locais
com rupturas e no eixo vertical são
apresentados os respectivos pares de valores:
ângulo de atrito efetivo ’ (°) e intercepto
coesivo efetivo c’ (kPa). Os triângulos na cor
verde representam o valor do ângulo de atrito
efetivo e as barras verticais, na cor azul,
representam o valor do intercepto coesivo.
Tabela 1. Listagem dos dados obtidos dos projetos de estabilização de taludes e encostas na BR 376/PR.
c' (kPa) Ø' (°)nat
(kN/m³)
1 654+790 Sul Solo residual 18,0 26,0 20
2 657+200 Norte Argila siltosa mole 3,5 26,0 18
657+890 Argila siltosa muito mole (camada superior) 2,0 25,0 18
657+890 Argila siltosa mole 6,0 27,0 18
4 658+100 Sul Argila siltosa muito mole 0,3 25,0 16
5 659+270 Norte Argila siltosa e arenosa marrom/amarela 12,0 27,0 18
660+570 Argila siltosa muito mole 3,0 26,0 18
660+570 Argila siltosa mole marrom 5,5 26,0 18
7 663+970 Sul Argila siltosa superior 5,0 26,0 18
8 667+040 Sul Argila siltosa variegada, mole (solo superficial) 8,0 20,0 18
9 667+120 Norte Argila siltosa marrom/vermelha mole 6,0 29,0 18
10 667+160 Norte Argila siltosa marrom/vermelha mole 3,0 29,0 18
667+300 Argila arenosa mole a média 15,0 20,0 18
667+300 Argila arenosa rija 30,0 25,0 18
667+900 Argila com areia média 12,0 28,0 18
667+900 Argila com a reia rija 25,0 28,0 18
13 668+910 Sul Solo residual 20,0 25,0 18
14 669+790 Sul Solo residual (silte arenoso com pedregulhos) 5,0 25,0 18
15 670+790 Sul Argila siltosa, mole (residual de xisto) sutrado/natural 8 23,0 18
16 670+950 Sul Argila siltosa, mole (residual de xisto) 8 23,0 19,5
17 671+230 Sul Solo de alteração de rocha (NSPT<6) 10,0 20,0 18
18 675+580 Norte Argila siltosa mole (solo residual) 9,0 20,0 18
19 675+760 Sul Argila siltosa 20,0 22,0 17
20 676+530 Sul Solo 10,0 29,0 18
21 677+000 Sul Argila siltosa mole (solo residual) 9,0 20,0 18,5
ItemKM
(PNV 2009)Pista
Localização
Descrição da camada de solo
(conforme projeto)
Parâmetros do solo
Dados obtidos dos projetos para a(s) camada(s)
de solo envolvida(s) na ruptura
3 Norte
6 Sul
11 Norte
Norte12
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Figura 6. Gráfico com os parâmetros de resistência efetivos (c’ e ’) obtidos através de retroanálise das rupturas. No
eixo horizontal é representado o marco quilométrico das rupturas e no eixo vertical estão representados os parâmetros c’
(colunas na cor azul) e ’ (triângulos na cor verde).
O peso específico natural do solo não é
apresentado no gráfico da Figura 6, pois os
valores adotados em praticamente todos os
projetos são iguais a 18 kN/m3, com uma faixa
de variação entre 17 e 20 kN/m3 (valor médio
de 18 kN/m3). O ângulo de atrito efetivo variou
de 20° a 29°, com valor médio de 24,8° e o
intercepto coesivo, que apresentou a maior
amplitude de variação, ficou compreendido
entre 0,3 kPa e 30 kPa, com valor médio de
10,1 kPa. As seguintes equações (1), (2) e (3)
apresentam o valor médio dos parâmetros c’, ’
e nat e os respectivos desvios padrões, obtidos a
partir da amostragem de dados da Tabela 01.
3,0324,8= ' (1)
7,5kPa10,1kPac' (2)
33
nat /7,0/18 mkNmkN (3)
4 CONCLUSÕES
A obtenção de parâmetros de resistência ao
cisalhamento em solo tropicais é um grande
desafio para os geotécnicos, em especial para os
horizontes de solo saprolítico oriundos de
rochas metamórficas. Esta dificuldade deve-se
principalmente pela heterogeneidade destes
solos e pelas estruturas reliquiares herdadas da
rocha de origem, Massad (2005) e Pinto et al.
(1993).
Dada a relevância das estruturas reliquiares
nos movimentos de massa citados ao longo do
trabalho, a utilização de retroánálise se mostra
fundamental, visto que essa fornece parâmetros
médios de resistência ao cisalhamento dos
taludes, o que muitas vezes não pode ser aferido
em ensaios de laboratório.
O compêndio dos parâmetros de resistência
ao cisalhamento aqui apresentados (gráfico e
tabela), obtidos através da técnica da
retroanálise nos taludes rompidos ao longo da
rodovia BR 376/PR, representa uma ferramenta
importante no auxílio de pesquisas na região
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0Â
ngu
lo d
e a
trit
o
' (°)
e In
terc
ep
to c
oe
sivo
c' (
Kp
a)
Km do local do escorregamento
c' (kPa)
Ø' (°)
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(ou locais com solos semelhantes) e pode
fornecer informações preliminares para futuros
projeto de engenharia.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à concessionária Autopista
Litoral Sul - Arteris por disponibilizar os
projetos e dados necessários para a confecção
deste trabalho.
REFERÊNCIAS
ABNT NBR11682 (2009) Estabilidade de encostas, Rio
de Janeiro, RJ, 33p.
Autopista Litoral Sul (2009 a 2012) Diversos Projetos
Executivos de Recuperação de Taludes na BR376/PR.
Bertuol, F. Minimização de Riscos, Mapeamento de
Deslizamentos e Modelagem Geotécnica: Estudo de
Caso BR 376/PR - Porto Alegre, 2013, 304p. Tese
(Doutorado em Engenharia) – Curso de Pós-
Graduação em Engenharia Civil da Escola de
Engenharia da UFRGS.
DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes. PNV 2009 – Plano Nacional de Viação
do ano de 2009.
Mapa Geológico do Paraná (2006) Carta de Curitiba -
Mapa Geológico do Paraná, disponível em
http://www.mineropar.pr.gov.br e acessado em
16/01/2012.
Massad, F. (2005) Escavações a Céu Aberto em Solos
Tropicais. Oficina de Textos, São Paulo, Brasil. p.96.
Mezzomo, S.M. et al. (2012) Ações emergenciais
adotadas nos acidentes geotécnicos ocorridos na
BR376/PR em março de 2011. Proc. XVI Congresso
Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia
Geotécnica – COBRAMSEG 2012, ABMS, Porto de
Galinhas, PE, Artigo 48.
Pinto, C.S. et al. (1993) Propriedades dos Solos
Residuais - Capítulo 5 do livro Solos do Interior de
São Paulo, ed. Cintra, J.C.A. e Albiero, J.H. São
Carlos, Brasil. p. 95-142.