BPN, Incongruências

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BPN, incongruências Fiz parte da equipa presidida por Miguel Cadilhe responsável pela administração do BPN, Banco Português de Negócios durante o curto período de Junho de 2008 a início de Novembro de 2008. Constatámos, em funções, que o banco tinha graves dificuldades de liquidez, fortes pressões na sua tesouraria, principalmente pelo ‘efeito contágio’ da situação muito difícil que então assolavam os mercados financeiros internacionais – falências de bancos na Europa e nos Estados Unidos da América – e também pela desadequação entre os prazos de vencimento dos créditos concedidos e dos depósitos dos clientes. O BPN defrontava-se, também, com enormes problemas de solvência, devido sobretudo a elevados valores de imparidades dos seus activos, irregular e ilegalmente omitidas por anteriores administrações. A serem, como deviam ter sido, reportadas contabilisticamente aquelas situações, o BPN não estaria em condições de poder exercer legalmente a actividade bancária: os seus capitais próprios, na prática, eram negativos, não sendo satisfeito o princípio geral legalmente exigido pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central Europeu, de mínimo de 8% para o rácio de solvabilidade. No sentido de se ultrapassar aquele impedimento legal, apresentámos e defendemos uma proposta de viabilização do banco – Plano BPN 23.X.2008 - que privilegiava uma solução híbrida de capitais privados e capitais públicos. Essa proposta viabilização do BPN foi, porém, recusada pelo Governo português suportado em parecer negativo – a nosso ver tecnicamente muito frágil - do Banco de Portugal, tendo sido decidido nacionalizar o banco em 02 de Novembro de 2008. Os últimos acontecimentos – negociação com a Troika, Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional – impelem-me a fazer este pequeno apontamento sobre o dossier ‘nacionalização do BPN’, que aliás merece destaque especial no ‘Memorando de entendimento’ assinado entre a Troika e o Governo português. Com efeito, o Banco de Portugal, tendo na altura como seu Governador Vítor Constâncio, foi incumbido pelo Ministro das Finanças Teixeira dos Santos de dar parecer sobre o Plano 23X2008 elaborado pela ‘administração Cadilhe’ com que se pretendia salvar o BPN dos problemas de liquidez e de insolvência. Nesse frouxo parecer, o Banco de Portugal considerava inaceitável o pedido de um reforço de 600 milhões de euros ao Governo português na subscrição de acções preferenciais no

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Artigo de opinião do nosso associado Meira Fernandes, publicado no jornal "Público"em 8 de Maio 2011.

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BPN, incongruências

Fiz parte da equipa presidida por Miguel Cadilhe responsável pela administração do

BPN, Banco Português de Negócios durante o curto período de Junho de 2008 a início

de Novembro de 2008.

Constatámos, em funções, que o banco tinha graves dificuldades de liquidez, fortes

pressões na sua tesouraria, principalmente pelo ‘efeito contágio’ da situação muito

difícil que então assolavam os mercados financeiros internacionais – falências de

bancos na Europa e nos Estados Unidos da América – e também pela desadequação

entre os prazos de vencimento dos créditos concedidos e dos depósitos dos clientes.

O BPN defrontava-se, também, com enormes problemas de solvência, devido

sobretudo a elevados valores de imparidades dos seus activos, irregular e

ilegalmente omitidas por anteriores administrações. A serem, como deviam ter sido,

reportadas contabilisticamente aquelas situações, o BPN não estaria em condições

de poder exercer legalmente a actividade bancária: os seus capitais próprios, na

prática, eram negativos, não sendo satisfeito o princípio geral legalmente exigido

pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central Europeu, de mínimo de 8% para o rácio

de solvabilidade.

No sentido de se ultrapassar aquele impedimento legal, apresentámos e defendemos

uma proposta de viabilização do banco – Plano BPN 23.X.2008 - que privilegiava uma

solução híbrida de capitais privados e capitais públicos.

Essa proposta viabilização do BPN foi, porém, recusada pelo Governo português

suportado em parecer negativo – a nosso ver tecnicamente muito frágil - do Banco

de Portugal, tendo sido decidido nacionalizar o banco em 02 de Novembro de 2008.

Os últimos acontecimentos – negociação com a Troika, Comissão Europeia, Banco

Central Europeu e Fundo Monetário Internacional – impelem-me a fazer este

pequeno apontamento sobre o dossier ‘nacionalização do BPN’, que aliás merece

destaque especial no ‘Memorando de entendimento’ assinado entre a Troika e o

Governo português.

Com efeito, o Banco de Portugal, tendo na altura como seu Governador Vítor

Constâncio, foi incumbido pelo Ministro das Finanças Teixeira dos Santos de dar

parecer sobre o Plano 23X2008 elaborado pela ‘administração Cadilhe’ com que se

pretendia salvar o BPN dos problemas de liquidez e de insolvência. Nesse frouxo

parecer, o Banco de Portugal considerava inaceitável o pedido de um reforço de 600

milhões de euros ao Governo português na subscrição de acções preferenciais no

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BPN, apesar de estar considerada a sua remuneração com rendimento equivalente à

taxa de juro do Tesouro acrescido de 1% e a possibilidade de se criarem opções de

transformação em acções ordinária e de recompra pelos accionistas privados. Por

outras razões, mas principalmente por discordar deste pedido, Vítor Constâncio

subscreveu a proposta do Banco de Portugal que recomendava a nacionalização do

banco. Agora, porém, é também Vítor Constâncio, mas na sua qualidade de Vice-

presidente do Banco Central Europeu que, conjuntamente com o Fundo Monetário

Internacional, aprova uma linha de 12 mil milhões de euros com o Governo

português, representado por Teixeira dos Santos, para que se possam recapitalizar

bancos portugueses sob a forma de subscrição de acções ordinárias (sem o privilégio

das preferenciais) e permitindo aos accionistas desses bancos privados o direito de

recompra das mesmas acções. Passa, assim, a ser possível recapitalizar bancos

privados com empréstimos obtidos pelo Estado Português.

Por outro lado, o Ministro das Finanças, a um pedido apresentado pelo BPN em 2008

para resolução dos seus problemas de liquidez, considerou inaceitável a concessão

de um aval do Estado português ao BPN para a obtenção de empréstimo sindicado

por 6 bancos portugueses no montante de 500 milhões de euros, devidamente

contragarantidos por activos do banco e escolhidos pelos financiadores. Mas foi

depois o Estado português que, já após a nacionalização do banco, avalizou à CGD

empréstimos de cerca de 4,5 mil milhões de euros para que esta financie o BPN para

resolução dos seus problemas de liquidez, isto é, para a mesma finalidade

inicialmente recusada.

Foi também o Ministro das Finanças, responsável por ter apresentado ao Governo a

proposta de nacionalização do BPN que, na conferência de imprensa que a anunciou

referiu, à exaustão, que «os contribuintes portugueses não teriam que suportar

qualquer encargo com a nacionalização do banco». Porém, depois da nacionalização

do banco, vem autorizar a criação de «3 veículos de investimento (3 empresas) para

“parqueamento de activos tóxicos do BPN” ou seja, afinal prejuízos no valor

estimado de cerca de 1,8 a 2 mil milhões de euro, a serem suportados pelos

contribuintes portugueses. Agora, como representante do Governo português nas

negociações com a ‘Troika’, aceitou a possibilidade de Portugal não só vir a assumir a

responsabilidade (pagamento) pelos créditos concedidos pela CGD (avalizados pelo

Estado), como a assumir suportar os prejuízos referidos decorrentes da

nacionalização do BPN.

A CGD, dependente do Ministério das Finanças, foi a entidade que ficou com a

responsabilidade de gerir o BPN nacionalizado e com a incumbência de proceder à

sua reprivatização. Não é conhecida a estratégia que o Ministério tenha definido à

CGD para a venda do BPN, mas já passaram 29 meses após a nacionalização e o

banco mantém-se na esfera pública. E pelo que se conhece através dos relatórios de

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actividade do banco este vem apresentando prejuízos anuais. Agora, a ser verdade

que a ‘Troika’ quer (ou queria) impor um prazo de 3 meses - até Julho - para a

reprivatização do banco sem definição de valor mínimo e a tal compromisso ser

aceite pelo Governo português, não deixa de ser, a meu ver, uma aceitação explícita

de incapacidade de toda a cadeia que tinha a responsabilidade na reprivatização do

BPN.

É, para mim, incompreensível que os mesmos responsáveis em momentos

diferentes, mas tão próximos, nas mesmíssimas funções ou muito equivalentes,

assumam posições tão antagónicas e incongruentes

Meira Fernandes, Economista

06 de Maio de 2011