BOLHA SONORA: A moda da cena eletrônica e suas raízes na contracultura
-
Upload
lorena-bezerra -
Category
Documents
-
view
218 -
download
3
description
Transcript of BOLHA SONORA: A moda da cena eletrônica e suas raízes na contracultura
FACULDADE CATÓLICA DO CEARÁ
CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM DESIGN DE MODA
LORENA ROGÉRIO BEZERRA
BOLHA SONORA: A MODA DA CENA ELETRÔNICA E SUAS RAÍZES NA CONTRACULTURA
FORTALEZA
2012
LORENA ROGÉRIO BEZERRA
BOLHA SONORA: A MODA DA CENA ELETRÔNICA E SUAS RAÍZES NA CONTRACULTURATrabalho apresentado no curso de Design de Moda da
Faculdade Católica do Ceará, como requisito para
obtenção do grau superior tecnológico em Design de
Moda.
Orientação: Prof. Me. Ricardo André Bessa.
___________________________________________
Professora Mestra Moema Braga (membro)
___________________________________________
Professor Mestre Humberto Pinheiro (membro)
___________________________________________
Professor Mestre Ricardo André Bessa (orientador)
FORTALEZA
2012
Uma coisa boa sobre a música é que, quando ela bate, você não sente dor. (Bob Marley)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO......................................................................102. LINEUP 1: MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS...................12
2.1– Beat Generation...........................................................142.2– Movimento Contracultural..........................................162.3-- Movimento Hippie.......................................................18
3. LINEUP 2: A MUSICA ELETRÔNICA E O NASCIMENTO DAS RAVES..................................................................;................253.1: A rave no cenário do mundo moderno.......................293.2: A cena eletrônica brasileira.........................................333.3 – Os freqüentadores.....................................................36
4. LINEUP 3: CORPO: COMPORTAMENTO E MODA............384.1 – O jovem da era globalizada.......................................424.2 – A realidade de Fortaleza............................................46
5. LINEUP 4: ANÁLISE ENTRANCE AQUARIUS 2012...........495.1 – Estampas.....................................................................495.2– Calças, shorts e saias.................................................545.3 – Adornos e acessórios................................................555.4- Cabelos..........................................................................585.5- Decoração......................................................................60
6. LINEUP 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................647. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................66
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1.1: Hippies e os cartazes............................................17FIGURA 1.2: Hippies e os cartazes.............................................17FIGURA 1.3:Moda Hippie I..........................................................18FIGURA 1.4: Moda Hippie II........................................................20FIGURA 1.5: Tropicalismo ………………………..….............……22FIGURA 1.6: Woodstock de cima…………………………………..23FIGURA 2.1:Kraftwerk..................................................................26FIGURA 2.2: Festa em Goa..........................................................27FIGURA 2.3: Rave em Ibiza.........................................................29FIGURA 2.4: Trainspotting........................................................32FIGURA 2.5:T-Angel ..................................................................36FIGURA 2.6: Tatuagem..............................................................37FIGURA 3.1: Pintura no rosto...................................................41FIGURA 3.2: Geração Y ............................................................43FIGURA 3.3: Efeito Bubble-Up ................................................45FIGURA 3.4: Efeito Trickle-Down.............................................45FIGURA 3.5: Festa Underground.............................................47FIGURA 3.6: Flyer Promocional...............................................48FIGURA 4.1: Estampa Hindu....................................................50FIGURA 4.2: Estampa Tie-Dye I................................................50FIGURA 4.3: Estampa Tie-Dye II...............................................50FIGURA 4.4: Estampa Neon......................................................51FIGURA 4.5: Óculos escuros I.................................................51FIGURA 4.6: Óculos escuros II................................................51FIGURA 4.7: Estampa frase.....................................................52FIGURA 4.8: Detalhes I............................................................52FIGURA 4.9: Detalhes II...........................................................52
FIGURA 4.10: Estampa tribal.....................................................53FIGURA 4.11: Estampa Yin-Yang..............................................53FIGURA 4.12: Estampa Floral.....................................................54FIGURA 4.13: Calças I..............................................................55FIGURA 4.14: Calças II.............................................................55
FIGURA 4.15: Vestido.................................................................55
FIGURA 4.16: Acessórios Orientais I.....................................56FIGURA 4.17: Acessórios Orientais II....................................56FIGURA 4.18: Tatuagens I......................................................56FIGURA 4.19: Tatuagens II.....................................................56FIGURA 4.20: Sorrisos I..........................................................57FIGURA 4.21: Sorrisos II..........................................................57FIGURA 4.22: Chapéu de Gnomo...........................................57FIGURA 4.23: Momento de Distração....................................58FIGURA 4.24: Dreads Femininos I..........................................58FIGURA 4.25: Dreads Femininos II.........................................58FIGURA 4.26: Dreads Masculinos I.......................................59FIGURA 4.27: Dreads Masculinos II......................................59FIGURA 4.28: Cabelos Soltos................................................59FIGURA 4.29: Cabelos I..........................................................59FIGURA 4.30: Cabelos II..........................................................60FIGURA 4.31: Proteção à cabeça I.........................................60FIGURA 4.32: Proteção à cabeça II........................................60FIGURA 4.33: Estátua Hindu..................................................61FIGURA 4.34: Exposição Camilla Albano..............................61FIGURA 4.35: Imagine Utopia.................................................61FIGURA 4.36: Palhaços...........................................................62FIGURA 4.37: Placa Amor........................................................63FIGURA 4.38: Placa II...............................................................63
RESUMO
Este estudo trata de uma análise da influência da contracultura e da cultura
alternativa na moda e no comportamento dos freqüentadores de festas de
música eletrônica, das raves, através de uma análise aprofundada de imagens
do evento Entrance Aquarius 2012, ocorrida em Fortaleza. O trabalho dedica-
se a explorar o nascimento da cultura hippie, a essência dos movimentos
socioculturais ocorridos na década de 60 e 70 e busca compreender a moda no
decorrer da história da juventude rebelde, passando pelo nascimento da cena
eletrônica e aprofundando-se no estudo do comportamento humano e seu
mecanismo de expressão através da arte, do corpo e do vestuário.
Palavras-chave: Contracultura, rave, hippie, moda, comportamento, cena.
ABSTRACT
This present study is about an analysis of the influence of counterculture and
alternative culture in fashion and electronic music parties’ goers’ behavior, the
so called raves, trough a deep photo analysis of Entrance Aquarius 2012 party
that happened in Fortaleza. This paperwork dedicates to explore the birth of
hippie culture, the essence of sociocultural movements occurred on the 60’s
and 70’s and looks to understand fashion during rebel youth times, passing by
the birth of electronic music and deepening on human behavior studies and his
expression mechanisms trough art, body and apparel.
Key-words: Counterculture, rave, hippie, fashion, behavior, scene.
À minha família, em especial minha mãe e meu pai, que
sempre me apoiaram e fizeram tudo que estavam em
seus limites para me proporcionar bons momentos, e à
minha irmã, que sem ela não teria conseguido. Dedico
também ao meu avô, que me olha de cima e sempre quis
me ver formada.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, quero agradecer à minha família, em especial a minha irmã
Larissa Rogério Bezerra, que me ajudou madrugadas à fio com correções do
trabalho.
Gostaria de agradecer também aos meninos da ShotUp, Mário, Dário e
Marcius, e à Camilla Albano, que me ajudaram cedendo de bom grado fotos
para a análise do meu trabalho; ao meu namorado Marcius, que mesmo me
mandando dormir todos os dias à meia-noite, me apoiou durante toda a fase de
pesquisas.
À todos os meus amigos que de alguma forma contribuíram para que este
trabalho fosse um sucesso e à todos os organizadores da Entrance, em
especial ao Paulo Thiago.
Aos meus professores, que de muitas formas me ensinaram muitos caminhos a
seguir no ramo da moda, ao meu mentor e orientador Ricardo Bessa, à minha
coordenadora Manu, que me tolerou todas as vezes que chegava em seu
escritório sem paciência,
e à minha chefinha querida Ivna, que me permitiu chegar atrasada por dias no
trabalho em conseqüência desta pesquisa.
Agradeço em especial aos cafés e redbulls que tomei, aos lanchinhos da
madrugada que me deram forças para continuar escrevendo e ao meu
notebook, que apesar de velhinho, nunca me deixou na mão. Obrigada!
10
INTRODUÇÃO
Este presente trabalho teve como objetivos analisar a influência da
cultura alternativa no modo de vestir do público que freqüenta raves e festivais;
observar as manifestações artísticas e culturais que ocorrem em raves através
da festa Entrance; explorar o reflexo da contracultura e do movimento hippie na
moda dentro da cena eletrônica ao longo dos anos.
As problemáticas encontradas pelo autor deste trabalho foram a
crescente deturpação da imagem e do conceito da festa rave no Estado do
Ceará; necessidade de explorar a cultura alternativa e compreender o real
significado das celebrações de música eletrônica e fazer, por fim, uma análise
aprofundada do comportamento do público frequentador e como ele se
expressa através do vestuário. A metodologia utilizada foi de observação e
análise de imagem.
A juventude dos anos 60 ficou marcada por fases de turbulência e
processos de mudanças. Com a incerteza de diversos acontecimentos
mundiais – o fim da guerra da Coréia e a intensa guerra do Vietnã, além da
tensão causada pela Guerra Fria -, nasceu uma geração de jovens que
ameaçavam a ordem social, com uma atitude de crítica à política e à ordem
moral.
Surgiram assim movimentos estudantis em oposição ao regime
autoritário e à toda forma de dominação, desencadeando assim no movimento
pacifista, hippie e na contracultura, movimento de contestação de caráter social
e cultural. Nasceu e ganhou força, principalmente entre os jovens desta
década, seguindo pelas décadas posteriores até os dias atuais.
Dentre as principais características dessa revolução contracultural,
os chamados beatniks – jovens precursores do movimento - promoviam a
valorização da natureza, sendo em sua maioria adeptos ao vegetarianismo, à
alimentação natural, lutavam pela paz, viviam em comunidade, tinham
experiência com drogas psicodélicas, promoviam a liberdade na vida sexual e
amorosa, discordavam dos princípios do capitalismo, entre outras.
A juventude, inconformada frente aos fatos históricos que estavam
ocorrendo, passou a ter liberdade e poder de transformação, utilizando
11
principalmente a música e a maneira de vestir como forma de protesto; nascia
assim a antimoda, movimento que ia contra as tendências ditadas pela
sociedade, uma atitude “marginal” frente ao estabelecido. O ciclo da moda, que
antes respeitava a tradicional vestimenta de uma sociedade conservadora,
encontrava-se desestabilizada em decorrência do nascimento de diferentes
grupos que possuíam maneiras de se vestir próprias, criando assim um novo
processo sociocultural.
Aos poucos, grupos menores buscavam seu espaço na sociedade e
a liberdade de expressão artística tomava gigantes proporções, refletindo
diretamente na moda daquela época. A propagação de paz e amor feita pelos
hippies nos anos 70 espalhava-se pelo globo em rápida velocidade, gerando
cada vez mais adeptos à essa filosofia de vida desprendida de riquezas
materiais.
Inspirados pelo desejo de experimentar novas idéias, em meados da
década de 80, em Goa – Índia - hippies, viajantes e espiritualistas utilizaram
das técnicas de produção de música para desenvolver um novo estilo de som,
integrando informações tribais e étnicas, resultando em uma música orgânica,
harmônica, associada muitas vezes aos mantras indianos religiosos. Nascia
então o Trance.
Diferente da música eletrônica remanescente da era disco do final
dos anos 70, o trance foi levado à Europa como um som carregado de
elementos naturais, oferecendo uma viagem introspectiva numa espécie de
transe místico, trazendo à tona os desejos e aspirações de uma geração livre,
dos beatniks, dos hippies e dos revolucionários da contracultura. As festas
eram oferecidas como um ambiente de liberdade, de danças sem regras e de
experiências espirituais ao som de batidas que percorriam cada célula do
corpo.
12
LINEUP 1: MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS
Uma série de explosões de expressões da juventude dos anos 60
começou a surgir, devido à realidade sócio-econômica-cultural em que a
sociedade se encontrava. Os movimentos que ocorreram na década de 60,
principalmente na Europa e nos Estados Unidos, sede das massas sociais,
segundo Alonso (2009), “não se baseavam em classe, mas, sobretudo em
etnia (o movimento pelos direitos civis), gênero (o feminismo) e estilo de vida (o
pacifismo e o ambientalismo), para ficar-nos mais proeminentes”. As
manifestações eram reflexos de uma era de contestações políticas e de
padrões sociais, advindas de jovens que buscavam a liberdade através de
ideais revolucionários. Não se tratava de uma revolução de indivíduos isolados,
mas sim de grupos que compartilhavam dos mesmos desejos, que se juntaram
para praticar a liberdade que a sociedade tanto defendia. Alonso (2009) fala
que os novos movimentos sociais
(...) seriam, então, formas particularistas de resistência, reativas aos
rumos do desenvolvimento socioeconômico e em busca da
reapropriação de tempo, espaço e relações cotidianas. Contestações
“pós-materialistas”, com motivações de ordem simbólica e voltadas
para a construção ou o reconhecimento de identidades coletivas.
Em um contexto histórico conturbado e abalado por uma série de
guerras - o fim da guerra da Coréia e a intensa guerra do Vietnã, além da
tensão causada pela Guerra Fria -, a juventude dos anos 60 viu a necessidade
de contestar a ordem social vigente, de ir contra valores pregados pela
sociedade conservadora e de revolucionar a forma de pensar e agir,
ameaçando o regime autoritário e oferecendo novos estilos de vida. Esses
jovens pregavam a valorização da natureza, da vida comunitária, buscavam
uma alimentação natural através do vegetarianismo, experimentavam a
liberdade dos relacionamentos sexuais (o amor livre), tinham experiências
também com drogas psicodélicas (como uma forma de escapar para uma
realidade diferente da qual viviam), eram contra o consumismo e discordavam
dos princípios do capitalismo, entre outros.
A imaginação e a identificação nacional não são somente produzidas centralmente pelos aparatos estatais como escolas, mídia, exército, moeda e estatísticas nacionais, mas também por aparatos culturais:
13
linguagem, roupas, comida, esportes, música, literatura, ciência, turismo, loterias, museus. (Saldanha, 2000, p.1)
No Brasil, os constantes confrontos entre a polícia e os estudantes
durante a ditadura levaram a implantação,em 1968, do Ato Institucional número
5 (AI-5), durante o governo do General Costa e Silva, instalando a rígida
censura no país e impondo a ditadura cada vez mais na vida dos cidadãos.
Rebeliões, protestos e revoluções constantemente aconteciam nas
universidades, em uma tentativa de conquistar a liberdade de expressão que
lhes havia sido tomada.
Os anos 60 assistiram a acontecimentos sociais marcantes nas histórias político-sociais em todo o mundo. O movimento global ficou conhecido como Contracultura. Nenhum governo caiu, não houve rebeldes derrubando Estados, mas a radicalidade na contestação a qualquer forma de autoritarismo e a presença maciça de jovens estiveram presentes em toda a década. Foi o movimento de anticonformismo exacerbado, de valores hedonistas de massa e do ideal individualista democrático que radicalizou maneiras de vestir de grupos. (CATOIRA, 2006, p. 79)
De acordo com Cidreira (2008, p.36), “uma sensação de
instabilidade e a conseqüente necessidade de escapismo – própria de
momentos de grande reviravolta de valores -, promovem, na grande maioria
dos jovens, a necessidade de uma vida mais saudável, simples, natural”.
Não apenas nos Estados Unidos, mas em todos os lugares onde floresceu, a cultura jovem dos anos 60 foi extremamente sensível e simpática a toda e qualquer movimentação de grupo étnicos ou culturais que se vissem nessa posição de marginalidade ou exclusão diante das vantagens e promessas da sociedade ocidental. Além disso, o tipo de luta que estes grupos se viam obrigados a levar adiante – fora dos espaços políticos tradicionais (...) – os aproximava da utopia revolucionária daquela juventude que, por suas idéias e também pela posição que ocupava naquela mesma sociedade, se via na contingência de ter que buscar saídas alternativas para expressar seu descontentamento e fazer valer suas crenças e sua voz. (PEREIRA, 1988, p.42)
Os precursores de grande parte das gerações rebeldes que surgiram
a partir dessa época, foram os Beats, jovens que nasceram em um ambiente
pós-guerra – nos anos 50 - e apresentaram rupturas nos padrões sociais,
adotando, segundo Catoira (2006, p.38), “novos códigos que foram
multiplicados pela cultura jovem anticonformista”.
14
1.1– Beat Generation
Nos Estados Unidos da década de 1950, mais precisamente em
Nova York, um grupo de jovens universitários reunia-se para discutir literatura,
música, política, moral e principalmente os rumos da sociedade americana,
após os horrores da Segunda Guerra Mundial. Tais jovens, que começaram a
conhecer-se no final da década de 40, resolveram tomar atitudes diferentes em
relação aos valores vigentes da época, visando uma nova consciência da
juventude em relação à música, família, sexo, drogas e política. Com
influências vindas dos enclaves boêmios, essa geração ficou conhecida como
Geração Beat.
As transformações ganhavam força principalmente pelo novo
modelo de mercado cultural, que lançava diferentes formas de fazer música,
poesia, literatura e filmes. O mundo agora voltava os olhos para a cultura
juvenil. Como Almeida (2007, p.2) citou em seu artigo, “esses jovens
americanos (...) encontravam no Jazz, nas drogas e nos becos da cidade, entre
vagabundos e prostitutas, um estilo de vida possível para tempos tão
sombrios”.
Os Beats tinham forte relação com o Jazz e as transformações que
este ritmo musical ia sofrendo, moldando-se a partir do improviso, da
espontaneidade – valores que influenciaram o estilo literário do escritor Jack
Kerouac, considerado uma das figuras mais importantes daquela juventude.
Era uma geração marcada pelos horrores da Segunda Guerra Mundial com
repúdio à zona de conforto e estagnação, bem como a rotina do sistema
capitalista industrial e o “American Way of Life1”.
Jovens que nadavam contra a corrente do consumismo exacerbado
e dos valores pregados pela sociedade burguesa, como: burocracia, disciplina,
planejamento e rotina. Eram entusiasmados pelos relacionamentos humanos e
desprendidos de valores materiais. Jovens entre 18 e 28 anos que mantinham
uma sede por vivências e experiências, num ritmo acelerado, aproximando-se
de valores espirituais, enriquecimento intelectual, o sexo livre, o uso de drogas
1 Expressão em inglês para “estilo de vida americano”, bastante utilizado durante a Guerra Fria para mostrar a diferença de vida dos blocos capitalistas e socialistas, alienando a população americana e induzindo-a a consumir produtos, principalmente eletrodomésticos e automóveis.
15
e a aproximação de setores marginalizados da sociedade americana,
sobretudo o jazz da cultura negra e a música folk.
No livro On the Road, de Jack Kerouac – considerada a bílbia da
geração beat -, o personagem-narrador Sal Paradise – baseado nas
experiências do próprio Kerouac -, segundo Almeida (2007), pensa encontrar
energia, intensidade, liberdade, originalidade, valores combativos à morosidade
do “way of life” americano. Essas constantes críticas à sociedade americana e
o evidente estilo de vanguarda literária levaram os valores pregados pelos
beats a serem comumente comparados aos princípios da cultura boêmia. A
cultura boêmia, segundo Mel Van Elteren (1999), é
caracterizada por um sentimento de comunidade e dinâmica de grupo, ativo e talvez irregular. Neste sentido, a subcultura boêmia pode também ser lida em termos de movimento, ou uma comunidade artística interligada. A contracultura dos beats, que certamente pode ser estudada como um mundo artístico era muito mais amplo do que aqueles de formas discretas tais como a literatura, o filme, a pintura, e a música. Envolveu também práticas significativas específicas, isto é, modos de ordenar e codificar as experiências do grupo em questão.
Portanto, a geração beat, ou os beats – como eram chamados os
jovens rebeldes adeptos às causas – foram marcados como a juventude que se
insurgia contra os valores baseados na acumulação de riqueza e no
supostamente correto, bem como contra a banalidade e o tédio do mundo
pequeno-burguês (Lehnert, 2001, p. 51). Lehnert ainda explica a rebelião da
juventude contra a geração mais velha como uma forma de reconstruir valores
perdidos na guerra, e cita a relação dos beats com o movimento existencialista
ocorrido desde os anos 40, na França:
O movimento existencialista formava um contrapeso intelectual de reação à uma sociedade que criticava duramente e considerava “saturada”. Os existencialistas insurgiam-se contra os valores burgueses, contrapondo-lhes uma concepção individualista da vida humana, segundo a qual o indivíduo está condenado a procurar dentro de si um sentido para sua existência, sem ser condicionado pelos valores herdados. (LEHNERT, Gertrud, 2001, p. 51)
Servindo de base para o nascimento do movimento contracultural,
os beats ficaram marcados pelo inconformismo com a realidade do final dos
anos 50 e começo dos anos 60, quando os jovens já formavam uma boa parte
da população americana, ganhando forças e voz para realizar diversos
16
movimentos e revoluções que iriam eternizar a década de 60 como a era das
revoluções.
1.2– Movimento Contracultural
A contracultura foi, também, um movimento de negação dos valores
impostos pela sociedade, principalmente nos Estados Unidos e contra a
supervalorização de bens materiais pelos indivíduos (como carros, casas,
emprego e dinheiro). O termo “contracultura” é devido a uma de suas
características básicas: o fato de se opor a cultura vigente e oficializada pelas
principais instituições das sociedades do Ocidente (PEREIRA, 1988). Os
jovens tinham anseio, como cita Cidreira (2008, p. 36) “de propor uma
transformação radical da sociedade e promover o surgimento de uma “nova
era”. Entendido como um movimento de contestação sociocultural, nasceu em
meio a juventude dos anos 60 e seus ideais expandiram-se por várias gerações
até os dias atuais.
Segundo Goffman e Joy (2007), “a contracultura é a crista crescente de
uma onda, uma região de incerteza em que a cultura se torna quântica.” É em
meio de tantos pensamentos não lineares, mas que estão em perfeita
harmonia, que o aparente caos se forma, impulsionando uma mudança radical
para mudar o que incomoda; a situação e o sistema vigente que causa
desconforto. Ainda de acordo com Goffman e Joy, (2007), “aqueles que fazem
parte dessa contracultura se desenvolvem nessa região de turbulências (...),
eles conhecem a corrente, são engenheiros do caos, migrando na crista da
onda da máxima mudança.”
A contracultura serviu para uma série de mudanças, principalmente
no comportamento da sociedade, que, mesmo em represália aos “rebeldes”,
viam ali oportunidades de mercado. Se não havia como ser ignorada, a
juventude virava alvo dos negócios.
O cinema, a música, a moda e as artes foram os principais setores
afetados pelas causas dos jovens inquietos. Nas telonas dos anos 50, Marlon
Brando e James Dean – este último sendo considerado mais tarde símbolo da
juventude rebelde – estrelavam filmes como “Rebelde Sem Causa”, “O
Selvagem” e “Fúria de Viver”, com James Dean na pele de um outsider que
17
questionava os reais valores da burguesia. A música foi marcada no começo
dos anos 50 por Elvis Presley e o nascimento do rock’n’roll, ritmo símbolo de
rebelião por ter uma batida livre e a forma de dançar irreverente e sem regras.
Para Lehnert (2001), “esta nova música provocante adquiria um carisma muito
especial (...), tendo-se tornado um meio de identificação para jovens de todas
as classes sociais”, e mais tarde firmando-se na história por sua explosão em
grandes festivais como Woodstock, em 1969. Na moda e nas artes na década
de 60, segundo Catoira (2006, p. 40)
(...) pela primeira vez, a moda se dirigia aos adolescentes (...). Com a incerteza dos acontecimentos mundiais – fim da guerra da Coréia e intensificação da Guerra do Vietnã, tudo aliado à tensão provocada pela Guerra Fria -, os filmes e as peças revolucionárias são carregados de críticas sociais, e a arte pop sai das telas e chega às estampas das roupas. É o tempo de geometria na moda e do desenvolvimento de novas fibras sintéticas (...).
Com o lema “Make Love, Not War” (faça amor, não guerra), milhares
de protestos estudantis tomaram de conta dos Estados Unidos, espalhando-se
com proporções astronômicas, chegando à Europa e até ao Japão,
adequando-se aos diferentes contextos de cada país. Utilizando da música e
da moda como principais meios de comunicação e de protesto, nasceu um
estilo de se vestir e de viver que representava esse manifesto, os chamados
hippies, fomentando uma tendência mundial e dando origem aos “freaks”,
grupo que expressava seus ideais e pensamentos através do modo de vestir,
da moda e dos adornos corporais.
Figura 1.1 e 1.2: Hippies e os cartazes com os dizeres: “Make Love, Not War” (Faça Amor, Não Guerra) em protesto à Guerra do Vietnã.
Fonte: http://www.tumblr.com/tagged/war?before=1338246520
18
1.3 - Movimento Hippie
Podemos dizer, de um modo geral, que os hippies foram os
representantes mais assíduos dessa nova atitude que caracterizava a
juventude anticonformista. Para Baudot (2002), a revolução dessa vez é
verdadeiramente cultural. Suas experiências acarretarão uma antimoda que
pertence somente a ela. Caracterizaram-se como um movimento que utilizava
principalmente do modo de vestir, da busca por novas experiências espirituais,
naturalistas e musicais para expressar seus princípios e para protestar contra
as imposições do governo americano – logo depois europeu, espalhando-se
pelo resto do mundo.
Isso causou, à longo prazo, mudanças de forma massiva nos
padrões da sociedade dos anos 60, a começar pelo estilo de vestir. Utilizavam
das roupas como uma forma de oposição à moda vigente da época, em
negação ao conservadorismo. Uma vez em que havia liberdade de vestir, “as
aparências desinibiram-se”, como cita Baudot (2002).
Em relação ao look hippie, Lehnert (2000, p. 59) explica que
tanto os homens como as mulheres andavam descalços, tinham os cabelos compridos e usavam bijuterias, calças de ganga e camisas com padrões de flores coloridas. Esta moda era uma forma de demonstrar uma oposição de suave pacifismo e de amor à natureza, bem como a convicção de que uma vida simples tinha mais sentido do que o consumismo desenfreado que se fazia notar na década. Esta antimoda era a expressão de uma nova visão do mundo.
Figura 1.3: Moda Hippie durante o festival de Woodstock, em 1969. Foto: LIFE
19
A antimoda caracterizava o final dos anos 60, da turbulência no
contexto sócio-econômico-cultural causado pelos manifestos estudantis e pela
constante influência da música na moda, com o gigante sucesso do grupo The
Beatles, que agredia a sociedade inglesa tradicional. A moda viu-se
desestabilizada e se destacam diferentes grupos, que faziam parte de uma
cultura anticonformista jovem, com maneiras de se vestir próprias definindo um
novo processo social (Catoira, 2007).
Com a explosão dos hippies em diversos países, não demorou-se
para influenciar também o mercado da moda, até aqueles que não seguiam
necessariamente seus ideais buscavam liberdade em roupas com inspiração
hippie. A tendência naturalista e com apelo pacifista dominou diversas classes
sociais; as saias compridas, os echarpes fluídos, o cabelo solto e a busca pelo
conforto foram rapidamente absorvidas pelo mercado e as vendas atingiram
seu ápice.
Via-se um efeito que mais tarde iria tornar-se bastante comum na
indústria da moda: o fenômeno bubble-up, que consistia em um grupo
minoritário da sociedade lançar tendências que acabam sendo adotadas pela
alta-costura. No passado, predominava o efeito trickle-down, Conceito que irá
ser abordado posteriormente neste trabalho.
Os hippies foram protagonistas de grande parte do movimento dos
filhos das flores (flower children), que consistia em um contingente de jovens
que acreditavam estarem alienados por valores impostos pela sociedade,
propondo uma vida baseada no amor e na liberdade. Essa parcela de jovens
trouxe de volta o trabalho manual, principalmente o artesanato, a composição
de músicas e o cultivo de plantas com efeitos alucinógenos, como a maconha –
sendo constante seu uso no círculo social. Também era bastante comum a
ingestão da droga LSD, alucinógeno que expandia a mente. De acordo com
Correia (1989, p. 80),
(...) ocorre que a droga desempenhava um papel de expressiva importância, como principal símbolo de ruptura com os padrões existentes. Isso porque devemos entender o movimento hippie a partir de três elementos: a droga, a música e aquilo que seriam as posturas ético-sociais, integradas por roupas, maneira de ser e de participar socialmente.
20
A proposta do movimento hippie era de criar uma nova maneira de
agir, bem como, de pensar, dando origem assim a um contexto social que
poderia ser chamado de “neotribal”. Esse movimento ganhou proporções
globais que, segundo Cidreira (2008, p. 36), “teria sido um marco de um
processo nascente batizado posteriormente de pós-modernidade. (...) Novo
modo de agregação social cujo vínculo se estabelece a partir do ponto de vista
afetivo”. Os jovens compartilhavam, portanto, sentimentos, ideologias, gostos,
interesses e valores, dissolvendo o sentimento de individualismo e fortalecendo
o de comunidade.
Figura 1.4: Moda hippie no festival de Woodstock. Fonte: http://www.culturamix.com/festas/eventos/woodstock
O princípio naturalista foi uma das principais tendências adotadas
pela tribo hippie. O retorno aos processos naturais, a valorização da
agricultura, do artesanato e do cultivo de plantas fortaleciam o desejo de estar
em contato direto com o meio ambiente e a natureza. A super valorização dos
produtos orgânicos contribuía para o desenvolvimento de comunidades auto-
sustentáveis, e a busca pelo maior contato com a terra, a natureza, era
constantemente praticada.
Arias (2009) comenta que pelas ruas dos bairros hippies era
possível ver os seres mais diversos, vestidos com roupas de malha
transparente, sem roupa íntima, túnicas romanas e sáris indianos, velhas
21
indumentárias de marinheiros e militares, encontrados em casa tipicamente
conhecidas como brechós, resultando em combinações excêntricas e
sobreposições, em algumas vezes, extravagantes, mas, sobretudo o blue
jeans, eternizado como elemento essencial da cultura juvenil.
No Brasil da década de 60, ocorria o movimento conhecido como
Tropicália, onde diferentes manifestações artísticas em vários setores da
produção cultural ganhavam seu espaço frente às fortes posições de esquerda
vigentes na época. As radicais contestações estendiam-se nos mais diversos
setores, da música à pintura, onde eram apresentados uma nova visão da
realidade brasileira, representando a luta por mudanças revolucionárias no
sistema vigente. Segundo Favaretto (1995 p.11),
“a Tropicália nasceu num país enrijecido por maniqueísmos que se infiltravam nos setores artísticos coibindo diversas formas de criação. (...) Foi concebida num Brasil democrático, heterogêneo e avançado sob certos aspectos (como o estético, por exemplo), mas incapaz de equacionar seus problemas e de conciliar suas diferenças num projeto de alcance internacional.”
Como disse Morais (1975, p. 98), “o Tropicalismo surgiu mais de
uma preocupação entusiasmada pela discussão do novo do que propriamente
como um movimento organizado”. Um dos principais precursores do
Tropicalismo foram os cantores de MPB (Música Popular Brasileira) Gilberto Gil
e Caetano Veloso. O público que assistiam às apresentações artísticas dos
tropicalistas eram preponderantemente jovens universitários. Assim, de acordo
com Favaretto (1975, p.25),
procurando articular uma nova linguagem da canção a partir da tradição da música popular brasileira e dos elementos que a modernização fornecia, o trabalho dos tropicalistas configurou-se como uma desarticulação das ideologias que, nas diversas áreas artísticas, visavam a interpretar a realidade nacional, sendo objeto de análises variadas – musical, literária, sociológica, política. Ao participar de um dos períodos mais criativos da sociedade, os tropicalistas assumiram as contradições da modernização, sem escamotear as ambigüidades implícitas em qualquer tomada de posição.
22
Figura 1.5: Principais representantes do Tropicalismo.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/em-dia/tropicalismo-resgatado
Um dos principais marcos da cultura hippie nos Estados Unidos foi,
talvez, o festival Woodstock. “Woodstock Music & Art Fair” foi um festival de
música que ocorreu na fazenda de Max Yasgur, na cidade rural de Bethel, em
Nova York, nos Estados Unidos, nos dias 15,16 e 17 de agosto de 1969.
Anunciado como “Uma Explosão Aquariana: 3 dias de paz e música”, o evento
extrapolou as fronteiras da música e marcou época na história do movimento
de rebelião da juventude daquela época. (Pereira, 1988).
32 artistas de diversos estilos musicais – principamente rock, folk e
blues - apresentaram-se durante os três chuvosos dias de festival. Dentre as
principais atrações, destacavam-se Janis Joplin, Jimi Hendrix, Richie Havens,
Joe Cocker, Santana, The Who, The Incredible String Band, entre outros. O
evento também serviu para fomentar o Rock como principal elemento de
expressão da identidade da juventude contracultural e, sobretudo, dos hippies.
Para Pereira (1988, p.42),
(...) o rock é um tipo de manifestação que está longe de ter um significado apenas musical. Por tudo que conseguiu expressar, por todo o envolvimento social que conseguiu provocar, é um fenômeno verdadeiramente cultural, no sentido mais amplo da palavra, constituindo-se num dos principais veículos da nova cultura (...).
O rock pode ser talvez considerado uma das formas culturais pós-
modernas mais representativas, pelo fato de possuir um alcance e influência
23
global unificadora, pela sua tolerância e pela criação de pluralidade de estilos,
mídia e identidades. O rock, desde seu surgimento, sempre foi capaz de se
conectar com a cultura juvenil e com a cultura das ruas, ligando-se
constantemente à moda e ao estilo de vida (CIDREIRA, 2008).
Figura 1.6: Woodstock visto de cima: quase meio milhão de espectadores. Fonte: http://www.aaanything.net/39965/pictorial/rock-pictorial/woodstock-concert-legendary-
lineup/
Woodstock ficou marcado pelo clima de amor e música que banhava
aquele local e a euforia pós-evento foi tão significativamente grande que os
anos 70 foram recebidos com uma onda de otimismo. (PEREIRA, 1988)
Já no final dos anos 70, dado o início da intensificação da globalização, observou-se um crescimento do fluxo de pessoas do ocidente para o oriente. (...) A informação da cultura indiana chegou até os músicos, e posteriormente os músicos levaram essa cultura oriental para sua audiência. Essa influência do oriente no ocidente pode ser também observada a partir da cultura hippie que, repleta de influências orientais, e tendo a música, neste caso o rock, como um de seus elementos centrais, se desenvolveu também na forma de festivais, como por exemplo, o notório Woodstock, de 1969. (MENDES, 2007, p. 21)
O festival serviu também como porta de abertura para outros
festivais de música, retratando a revolução cultural e o caráter contestador da
sociedade jovem. De fato, alguns dos maiores acontecimentos da contracultura
foram os festivais de música, pois reuniam grandes números de compositores,
artistas e revolucionários em um único ambiente para um encontro de idéias
daqueles que tentavam criar um novo modo de agir e pensar, fugindo dos
padrões impostos pelo sistema capitalista.
24
A música, no contexto sociocultural, tem um papel fundamental,
agregando grandes quantidades de pessoas numa experiência coletiva única,
como um show, uma apresentação ou um festival, por exemplo.
Segundo Arias (1979), o apogeu do movimento hippie é em 1967, no
chamado verão do amor e das flores, o que coincide com o auge da banda
inglesa The Beatles. Seus discos eram o maior sucesso e as músicas serviam
como hinos para os hippies. Em seguida, a banda Rolling Stones entra em
cena, compartilhando do sentimento dos hippies por sua luta pela
sobrevivência frente à hostilidade da sociedade; a banda fazia melodia com os
problemas de uma geração radical da contracultura.
Sendo assim, a música “converte-se numa religião elétrica em que
os músicos de rock revivem a função do xamã das antigas tribos, transmitindo
à comunidade o poder de suas experiências através do ritual da música”.
(ARIAS, 1979, p.118)
25
LINEUP 2: A MUSICA ELETRÔNICA E O NASCIMENTO DAS RAVES
“O coração que está em paz, vê uma festa em todas as aldeias”.
Provérbio Hindu
A música eletrônica, ritmo formado principalmente por sintetizadores
– que são dispositivos capazes de captar sinais eletrônicos através de
osciladores de freqüência e convertê-los em som -, nasceu em meados dos
anos 50, de uma conexão entre tecnologia e sons tribais, apresentando uma
estética que transcende o tempo presente e permite ao ouvinte experimentar a
sensibilidade musical e a expressão artística através de uma melodia – em sua
maioria – sem letra. Como explica Manoel (2001, p. 2),
A música eletrônica e seus instrumentos de produção democráticos – sampler, sintetizadores, vinis, md’s, pick ups, groove boxes... – dá poderes de importância e criação artística ao homem comum, sem teoria musical e resgata um dos melhores ideários do século findouro, o ideário punk: faça você mesmo (do it yourself). Sim, na música eletrônica cada um de nós é um átomo da teia, portanto fundamental o suficiente para ela, a música, não ter rosto, ser de todos, não ter dono e destruir aspectos de estrelismos (...).
Repleta de sons repetitivos, de batidas sonoras que se assemelham
ao som tribal dos índios, a música eletrônica é, como cita Manoel (2001, p.2),
“o nosso mantra tecnológico, disponível para promover a alegria” e libertar a
forma de dançar, de sentir.
O sintetizador, instrumento criado em meados dos anos 50, passa a
ser usado, no final da década de 60 e no começo dos anos 70, por várias
bandas de rock, como Pink Floyd, Ozric Tentacles e Hawkwing. Paralelamente,
surge o grupo alemão Kraftwerk, que utilizou dos sons eletrônicos para produzir
suas músicas e expressar a evolução tecnológica que se intensificava. Para
Rodrigues (apud Mendes, 2007, p.21), “a banda Kraftwerk ajudou a intensificar
a música eletrônica no contexto pop”.
26
Figura 2.1: Formação da banda Kraftwerk, na década de 80. Fonte: http://urania-
josegalisifilho.blogspot.com.br/2012/01/sound-and-industry-kraftwerk-and.html
Com a expansão da música eletrônica no contexto cultural dos anos
80, muitas bandas estavam focadas no desenvolvimento de música dançante
através de instrumentos eletrônicos, o que resultou em diversos estilos e
subdivisões específicas. As mais antigas e conhecidas eram o Techno, o
Trance, o Drum’n’Bass e o House, que se diferenciavam pela velocidade do
bpm (batidas por minuto) (Mendes, 2007).
Inspirados por esse crescente desejo de experimentar novas idéias
e em busca de tranqüilidade espiritual, em meados da década de 80, em Goa,
na Índia, um grupo de hippies, viajantes, naturalistas, revolucionários e
espiritualistas (em sua maioria, vindos da Europa) resolveram utilizar dos
conhecimentos técnicos de música para desenvolver um novo estilo de som,
recheado de sintetizadores. Esses sons experimentais eram apresentados ao
público em eventos na praia e nas montanhas indianas, com caixas de som,
luzes negras, drogas e pinturas de elementos da cultura hindu, como os
deuses Shiva e Ganesh.
Havia muitas festas em Goa, no início da década de 80, onde
tocavam principalmente rock e reggae, apresentado naquela época como Dub,
ritmo que unia reggae com elementos eletrônicos, produzidos por imigrantes
jamaicanos na Inglaterra e levados pelos viajantes até o oriente (Mendes,
2007).
Segundo Saldanha (1999), “a Índia era conhecida como a província
da espiritualidade e da autenticidade”. Foi então que o DJ Goa Gil, vindo da
27
Califórnia, trouxe um novo estilo que misturava música eletrônica,
espiritualidade e yoga. Nascia assim o Goa Trance, que mais tarde daria
origem ao Psy Trance (Neves, 2009).
Figura 2.2: Foto de uma festa em Goa, Índia, nos anos 80. Fonte:
http://gatelessgate.wordpress.com/category/dj-ma-faiza-goa-trance/
Diferente da música eletrônica remanescente da era disco do final
dos anos 70, o Trance foi levado à Europa como um som carregado de
elementos naturais, oferecendo uma viagem introspectiva numa espécie de
transe místico, trazendo à tona os desejos e aspirações de uma geração livre,
dos beatniks, dos hippies e dos revolucionários da contracultura. Para Mendes
(2007, p.23), “a música eletrônica e seus respectivos estilos vão criar culturas
específicas em diferentes locais e tempos”. É no contexto da expansão das
vertentes da música eletrônica que surgem as festas e os festivais.
As festas, mais tarde chamadas de Raves, eram oferecidas como
um ambiente de liberdade, de danças sem regras e de experiências espirituais
ao som de batidas sincopadas e ininterruptas que percorriam cada célula do
corpo, onde um jogo de luzes, sensações, pessoas e substâncias dispõem-se a
ter experiências individuais e ao mesmo tempo coletivas.
Elas podem ser consideradas reflexo das modificações culturais
ocorridas na década de 60 e 70: o movimento hippie, a transformação na
28
mentalidade e no estilo de vida das pessoas, o inconformismo da geração
rebelde, a criação de novas tecnologias, a liberdade sexual, a aproximação do
orgânico e do contato com a terra, o surgimento de novos rituais tribais, entre
outros. Todo esse consciente coletivo culminou em festas onde a esfera lúdica
sobrepunha a hostil realidade da época (NEVES, 2009).
Existe também a figura de indivíduo que comanda o som durante a
festa, o Disc-Jóquei, mas conhecido como DJ. Seu papel é fundamental na
cena eletrônica, principalmente por ser o responsável por mixar as faixas de
vários artistas, de maneira que crie um som constante (o set) capaz de
transmitir ao público sensações da música. Para Rodrigues (2005, p.84), “hoje,
no ambiente club, aflora um culto considerável ao DJ, pois ele entra numa
espécie de relação com o público, à medida que ele consegue captar o estado
de ânimo na pista e passar a combinar criteriosamente as faixas”. É uma
verdadeira arte desenvolvida por esses artistas, pois, de acordo com Neves
(2009, p.8),
o DJ é considerado o que Lévi-Strauss denominava de bricoleur2.São nessas misturas que o artesão cibernético ao produzir suas músicas, combina diferentes estilos musicais: mesclando MPB com batidas eletrônicas, samba com tribal eletrônico, música clássica com ritmos sincopados digitalizados.
A identidade das festas em Goa, na Índia, foi levada para Ibiza (ilha
do mediterrâneo), onde se tem registro das primeiras raves do modelo em que
se vê atualmente. De Ibiza, as festas foram importadas para a Inglaterra no
final da década de 80 e, logo depois, para o resto da Europa – principalmente
Alemanha, Bélgica, França e Holanda -, chegando mais tarde às Américas.
21- Em tradução livre para o português: Trabalhador manual, caseiro, que utiliza de artifícios manuais para criar o seu trabalho. No caso do DJ, é a sua percepção de sons e sua habilidade com os equipamentos que vão criar um som único.
29
Figura 2.3: Raves em Ibiza nos dias de hoje. Fonte:
http://www.thecampuscompanion.com/party-lab/2012/06/17/straight-to-ibiza/ibiza-rave/
2.1: A rave no cenário do mundo moderno
Com o início da era capitalista, as relações pessoais passaram a ser
cada vez mais objetivas e efêmeras. O homem corre contra o ponteiro do
relógio no dia-a-dia, afastando-o de contatos com outros e a necessidade de
algo que o fizesse escapar dessa realidade banal se torna mais ativa. Como
cita Neves (2009, p. 2), “a festa vai ocupar nesse conjunto um papel essencial:
ela permitirá um retorno ao arcaico e aos valores tribais de grupos nômades,
trazendo à tona sentimentos não valorizados na era moderna”. As festas
aconteciam para afastar a sociedade da cotidianidade e promover a
aproximação dos indivíduos através da lembrança dos sentidos e emoções,
exprimindo o retorno de festas e rituais antigos na modernidade (DURKHEIM,
1989).
Sugiro que as pressões culturais pós-modernas, enquanto intensificam a busca de “experiências máximas”, (...), da revelação, do êxtase, rompendo as fronteiras do ego e da transcendência total, outrora previlégio da seleta “aristocracia da cultura” – santos, eremitas, místicos - (...) foi posta pela cultura pós-moderna ao alcance de todo indivíduo, refundida como um alvo realístico e uma perspectiva de auto-aprendizado para cada indivíduo, e recolocada no produto de vida devotado à arte do comodismo do consumidor. (...) A estratégia pós-moderna da experiência máxima invoca o completo desenvolvimento dos recursos internos, psicológicos e fisiológicos do ser humano, e pressupõe infinita a potência humana. (BAUMAN, 1998, p. 223)
As raves surgem nesse cenário como exemplo de um ambiente
onde não existiam barreiras – sejam elas sexuais, raciais ou sociais - para o
compartilhamento de emoções e pensamentos. As celebrações permitiam, de
acordo com Neves (2009, p.3), “um estado de transe coletivo”, que permitia
que o indivíduo buscasse alcançar uma realidade alternativa através do uso de
drogas psicoativas ou das batidas hipnóticas da música ensurdecedora que
ecoava pelo ambiente.
O ato de fechar os olhos, de dançar horas a fio com o coração pulsando em sintonia com as batidas eletrônicas, o compartilhamento de emoções com os dançantes, o contato com a terra ou com o cimento de indústrias abandonadas, o transe anímico dos participantes, o gozo presenteísta que fecunda os vínculos sociais; configuram o panorama de uma festa de música eletrônica. (FONSECA E RODRIGUES, 2005)
30
Neves (2009, p.3) definiu a festa rave como um “tipo de expressão
cultural dos jovens metropolitanos, recheada de peculiaridades de outras
culturas”. São festas em que a música tocada é a eletrônica e suas vertentes,
“com o objetivo de conduzir a vibração entre os dançantes” (Neves, 2009, p. 3).
Geralmente duram em torno de doze a dezesseis horas, sempre começando à
noite e terminando pela manhã ou tarde. Algumas, como os festivais, chegam a
durar até sete dias consecutivos, com música, apresentações artísticas e
manifestações culturais, envolvendo a cultura alternativa, a mística, a
expressão da arte e promovendo a aproximação com a natureza – por
acontecerem em praias desertas ou sítios afastados da cidade.
São geralmente temáticas e tanto o nome da festa, como a
decoração, entram no tema, como Universo Paralello, Aquarius, Terra em
Transe, Ziohm – que na cultura rastafári significa a “terra prometida”, entre
outros. A decoração é recheada de elementos psicodélicos e coloridos, que
inspiram o freqüentador em sua viagem astral durante a festa.
Para compreender os conceitos destas celebrações eletrônicas, é
preciso antes entender como a contracultura se encaixa neste cenário e porque
elementos de diversas culturas é tão presente nos eventos, principalmente na
decoração. Laraia (1986, p. 49) define cultura como “um processo acumulativo,
resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este
processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo”, ou seja, o mundo
contemporâneo possui, em sua essência, traços das antigas civilizações, que
passam de geração em geração, acumulando conhecimentos e tradições. Para
Neves (2009, p.5), todo indivíduo carrega dentro de si uma parcela dos
costumes e tradições de tribos antigas. Exteriorizando “seu interior de diversas
formas e práticas diferenciadas: a pintura, a música, a dança (...). São todas
expressões culturais que até hoje permeiam o universo semântico dos
sujeitos”. Segundo Neves (2009, p.6),
as festas de música eletrônica carregam em sua essência um arsenal de signos polifônicos comunicantes, que representam o reflexo de uma verdadeira expressão cultural da contemporaneidade. O comportamento, o vestuário, a decoração dos lugares, a forma de dançar, a música transcendental, a ideologia do movimento rave, sua aproximação com algumas referências da religião hindu, sua filosofia. Tudo isso se constitui como sendo um retrato de uma cena rodeada de instâncias simbólicas significantes e cambiantes entre si.
31
O modelo de festa rave que se conhece hoje em dia é fruto das “all
night dance parties3”, eventos que aconteciam na cena underground da
Londres do final dos anos 80 – mais precisamente em confins de 1987 e 88 -,
em locais afastados e abandonados, geralmente em “warehouses” (armazéns,
em tradução livre).
O fenômeno espalhou-se pela Europa e chegou até os Estados
Unidos em 1991/92, que até a época só se produzia o som eletrônico
proveniente da era Disco dos anos 70. New York (com sua electro music),
Detroit (com o Techno) e Chicago (com seu house music) tornaram-se as
cidades pioneiras no advento da música eletrônica e suas vertentes, e DJs
como Larry Heard, Frankie Knuckles, Robert Owens, Ron Hardy, David
Morales, entre outros, foram responsáveis por difundir o som pelo país
(Manoel, 2001).
A cena eletrônica trás, principalmente nas raves, a política do
paz&amor herdada dos hippies e o conceito de PLUR (peace, love, unity and
respect) entre os indivíduos, onde a maioria vivia em união e comunidade e
praticava o amor livre, o respeito entre raças e pregavam a paz mundial.
Com o passar dos anos, o fluxo de informação da cena eletrônica
começava a alcançar diversos públicos, que por sua vez levavam o conceito da
festa para seu país de origem.
Nos anos 90, a febre da música eletrônica e das raves estava em
evidência na cultura de cada país em escala global. Bandas e DJs surgiam a
cada instante, filmes tinham música eletrônica como trilha sonora - como foi o
caso do “Trainspotting”, filme britânico de 1996 dirigido por Danny Boyle, que
consagrou a música “Born Slippy”, do grupo Underworld, considerada um dos
hinos da vertente techno -, e as raves eram cada vez mais freqüentadas por
espectadores de primeira viagem, que iam principalmente para observar os
espetáculos e manifestações artísticas que ocorriam durante o evento.
Como afirma Mendes (2007, p. 26), “o fluxo de pessoas e
informações vai levar essa nova possibilidade de interação para todo o globo,
modificando estruturas locais. Observa-se, assim, um movimento de re-
3 Em tradução livre para o português: “Festas que duram a noite toda”.
32
posicionamento. “Pessoas viajam, sons viajam. Ao viajar eles mudam
realidades locais” (Saldanha, 1999, p.1)”.
Essa variedade de público, de indivíduos compartilhando do mesmo
sentimento, cria o conceito de hibridação cultural dentro da festa, “resultado de
combinações de fontes plurais” (Neves, 2009, p.7)
Figura 2.4: Imagem de uma cena do filme “Trainspotting”, de 1996: Alcool, drogas e música
eletrônica. Fonte: http://www.thecleanslate.org/trainspotting-authors-addiction-ran-its-course/
No Brasil, a cultura das raves, comumente chamada de cultura
alternativa – pois advinha de uma comunidade underground, fora do sistema
tradicional - chegou em meados dos anos 90, com forte influência européia. Em
1992 a primeira rave urbana desembarca no Brasil, mais precisamente nas
cidades de São Paulo, Porto Alegre e Curitiba. A decoração a laser, DJs (disco-
jóqueis) que estavam em seu auge no cenário internacional e muitas horas de
festa marcaram o evento como um dos primeiros manifestos de rave no Brasil.
André Meyer pode ser considerado um dos precursores do
movimento da cena eletrônica no país. Em entrevista ao site PsyNation4, André
comenta como foi sua primeira experiência com raves: “A primeira festa que
organizamos rolou no ano 1994, em Atibaia, São Paulo, e lembro que tivemos
muita dificuldade para trazer o equipamento de som. A gente tirava cópias do
flyer para fazer a divulgação e fazia um rateio para bancar a gasolina do
gerador”.
4 Entrevista de André Meyer ao portal PsyNation, acessado em 17 de outubro de 2012 às 01:28. http://www.psynation.com/historia-das-raves/
33
Naquela época, não haviam as facilidades de hoje para conseguir
equipamentos de som e luz. As dificuldades pareciam ser imensos obstáculos,
mas a vontade de fazer crescer a cultura alternativa e de compartilhar com
outros as sensações únicas que a festa iria proporcionar, era maior do que
qualquer coisa.
2.2: A cena eletrônica brasileira
Atualmente, a cena eletrônica brasileira é forte, com um número
relevante de festivais e festas ocorrendo durante o ano em diversas cidades. O
festival mais conhecido do país é o Universo Paralello (ou UP#), que ocorre a
cada dois anos, durante a passagem de ano novo. Suas edições duram sete
dias consecutivos, e durante o evento ocorrem diversas manifestações
artísticas, como exposições de quadros, performances de danças,
apresentações culturais, mostra de filmes direcionados para determinados
assuntos, roda de conversas, tenda para relaxar, entre outros.
Fenômeno que apresenta crescimento mundial, os festivais de
música eletrônica movem milhares de pessoas de diferentes lugares para o
local “sagrado”, onde indivíduos vão em busca de paz de espírito, da
transcendência astral e da experiência com sensações que vão além do corpo.
Hoje, principalmente no Nordeste do Brasil, há uma notável
diferença entre festas de música eletrônica e raves. No Ceará, em festas de
música eletrônica, o público geralmente é mais distinto e menos seleto quanto
à qualidade musical. DJs comerciais e projetos de celebridades são as
atrações principais, fazendo os produtores da festa visarem somente o lucro, o
valor monetário. Muitos esquecem o real significado de apresentar a essência
da música eletrônica e de proporcionar ao público um estado de êxtase através
de uma festa conceitual, que traga uma carga cultural.
Em conseqüência disso, o público de primeira viagem, sem a
informação necessária, pratica o uso abusivo de drogas (muitas vezes por
erroneamente achar que só é possível experimentar das sensações da festa
através de substâncias psicodélicas), não recebe a assistência necessária e
acaba difamando a real imagem e o significado do evento.
34
Em entrevista ao site do fotógrafo Rodrigo Gomes, o DJ Pedro
Javier, mais conhecido como DJ PJ Yugar, fala sobre a dificuldade
conseqüente do crescimento de festas eletrônicas pelo país e principalmente
no Ceará:
“O problema são as novas produtoras ou produtoras que não oferecem isso [música boa, cultura e conhecimento] ao público, coloca um Mainstream ou não, junta todo mundo, sem mais (...), fazem uso abusivo de drogas, não oferecem nenhuma informação, cuidado e muitas nem tem ambulâncias, acontece algo sério e a mídia cai em cima e generaliza tudo! Aí é complicado!”5
Diferentes disso, as festas conceituais possuem a preocupação de
manter a tradição dos rituais tribais, da exposição da cultura alternativa e da
aproximação com a natureza e os poderes astrais. A abundância de cores, a
decoração repleta de símbolos culturais antigos, as intervenções artísticas
durante a festa, entre outros, evidenciam a busca pela viagem mística e pelo
estado de transe coletivo.
A importância da valorização da arte está intrínseca na cena
eletrônica. Para Coli (1983, p. 105), a arte “representa em nossa cultura um
espaço único onde as emoções e intuições do homem contemporâneo podem
desenvolver-se de modo privilegiado e específico”. Assim, é bastante comum,
durante eventos eletrônicos, acontecerem intervenções artísticas, manifestos,
performances e exposições, etc.
A produtora cearense NuACT (Núcleo de Arte e Cultura
Transcendental), está há mais de oito anos no mercado fomentando a cena
eletrônica no Nordeste. Responsável por uma das festas mais conceituais e
famosas da região, a Entrance, o núcleo faz questão de resgatar valores que
levaram os jovens da contracultura a unirem-se para celebrar a música, o
cinema, a arte, a cultura, a vida.
Durante a edição deste ano da Entrance, que teve como tema a Era
de Aquarius, diversas performances e exposições ocorreram em paralelo às
apresentações do DJs no palco principal. Em uma tenda, era possível observar
e prestigiar o trabalho de três fotógrafos renomados no Brasil e no mundo; em
5 Site do fotógrafo Rodrigo Gomes, acessado em 18 de outubro, 00:10. http://rcgomes.com.br/wordpress/entrevista-pj-yugar/
35
outra, durante um determinado período, era passado aos interessados o filme
“Cortina de Fumaça”, que abordava de uma maneira diferente o tema do uso
de cannabis; pela manhã, um ritual religioso de suspensão corporal6 foi
apresentado ao público pelo performista Thiago Soares, mais conhecido como
T-Angel.
Inspirado pela obra do pintor russo Mark Rothko, o performista
utilizou da união da dança com a suspensão em busca da abstração da
realidade para atingir estados superiores de transcendência. Afastado do palco
principal, há o palco alternativo, onde são apresentados DJs com diferentes
estilos musicais, abrindo o espaço para novos projetos e experimentos. O
projeto Ilumiar, que consiste num grupo de artistas que praticam a linguagem
da arte circense, apresenta-se, todos os anos, em diversas raves do Ceará,
bem como a Cia Luz, que apresentou neste evento específico a performance
“Vento”.
Figura 2.5: T-Angel durante sua apresentação na Entrance Aquarius 2012. Foto: Patricio Fotografia.
Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=368697536546117&set=a.254954561253749.59821.122210221194851&type=1
2.3 – Os freqüentadores 6 A suspensão corporal é parte de rituais sagrados de culturas milenares da Índia. A prática consiste em suspender um indivíduo apenas com ganchos cravados em sua pele, para atingir o transe místico através de substâncias que somente são liberadas pelo organismo em situações de extremo desconforto.
36
O público freqüentador é diversificado, por ser uma festa que
oferece principalmente a liberdade de expressão e o sentimento de amor
coletivo através de experiências únicas. No geral são pessoas de espírito livre,
que buscam novas experiências e que possuem uma maior aproximação com a
natureza. Muitos dos indivíduos que freqüentam rave possuem piercings e/ou
tatuagens, que também são, em sua essência, rituais praticados por
civilizações milenares. Para Siqueira e Queiroz (2012), em artigo publicado no
portal Pepsic7,
Ou seja, à vontade, mesmo que inconsciente, de encontrar
compatibilidade e estabilidade no campo do outro se conecta diretamente ao
desejo de compartilhar com o coletivo seus sentimentos e emoções,
proporcionados pelas festas.
Figura 2.6: Jovem com tatuagem durante a festa Entrance Aquarius 2012. Foto: Camilla Albano. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=444431595599580&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos
Para Nunes (2008, p. 12), ”os participantes das raves têm no corpo
uma das principais formas de apresentação de si aos demais freqüentadores
durante a festa”. O modo de vestir é, talvez, o que mais representa os hippies,
os naturalistas e os jovens da contracultura. No geral são roupas confortáveis e
leves, pois, por ser ao ar livre, os indivíduos estão expostos aos efeitos solares
durante a maior parte da festa.
7 Acesso em 18 de outubro de 2012, às 19:40. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382012000100003
37
Muitas peças desse vestuário assemelham-se ao vestuário dos
hippies. Muitos usam shorts jeans surrados, roupas de algodão, estampas
florais, saias longas, camisetas que trazem uma simbologia de antigas
civilizações, como o Yin-Yang, Om, ou qualquer elemento da cultura hindu,
headbands (acessório de cabeça), cartucheiras, acessórios artesanais, tie-dye
(técnica de estamparia que tinge o tecido com diferentes amarrações),
sandálias rasteiras, couro sintético, franjas e neon, entre outros.
Muitas vezes símbolos culturais são usados para expressar ‘verdades eternas’ – utilizados em muitas regiões – que, num longo processo mais ou menos consciente, tornam-se imagens coletivas, aceitas pelas sociedades civilizadas [...] Há um código e uma simbologia das roupas que não são desvinculados do psicológico, como uma verdadeira gramática de panos e cores, formas e identidades. Esse código posiciona-se no binômio indivíduo e indumentária e para isso invade as áreas de estética, psicologia, ética, artes plásticas, literatura, sociologia e economia (CATOIRA, 2006, p.60).
LINEUP 3: CORPO: COMPORTAMENTO E MODA
O corpo é o nosso maior veículo de representações simbólicas, seja
para ritos religiosos como para festivos e, em seu artigo no livro Fashion
Theory, Mesquita (2002, p.115) diz que “o que é a moda senão a grande
responsável pela apresentação estética dos corpos que varia através do
tempo”. A moda se insere nesse cenário como um vetor de mudança, criando
soluções – mesmo que passageiras – para o indivíduo emoldurar a sua
personalidade de acordo com seu modo de vestir.
A sensação de mudança gerada ao adquirir um novo produto
assemelha-se à sensação dos jovens revolucionários da década de 60, que
utilizavam de todos os recursos cabíveis em sua realidade para gerar a
mudança, inclusive o de modificar seu exterior – os adornos corporais como
tatuagens, piercings, cirurgias plásticas, cortes de cabelo, o ato de comprar
roupas, etc, foi rapidamente adotado pela geração rebelde.
A formação da identidade da juventude vem sendo modificada ao
longo dos tempos. A pós-modernidade difere da modernidade por seu caráter
racional de liberdade, pela ruptura do sistema de dominação. Ser diferente, de
repente, havia tornado-se “normal”. Segundo Mesquita (2002, p.117), “o
sentido de duração, de permanência, de constância já não é considerado um
38
valor nas dobras da subjetividade moderna [...]. Após a década de 60, aquilo
que é mutante ganha ainda mais esforços.”
Para Buenos e Camargo (2008, p. 157), “para compreender a
ligação entre a moda e seus públicos, é necessário examinar sua natureza, [...],
quem as segue e, por fim, como a moda e seus seguidores vêm se
modificando [...] particularmente no fim do século XX”. A moda possui diversas
definições, atribuídas ao longo do tempo e adaptadas a cada área específica. A
tentativa de construir um conceito único sempre fora em vão, pois cada época
se diferencia por seus aspectos e manifestações.
O vestuário acompanha o trajeto dos seres humanos desde o início
da sua existência. “O vestuário pode ser visto como uma “língua” que consiste
de imagens significativas em contextos sociais específicos” (BUENOS;
CAMARGO, 2008, p. 158).
A moda é o elemento primeiro que marca a mudança comportamental do corpo (especialmente na moda que dá ênfase ao conceito), mas também a difusão dessa mudança. [...] E ainda pode-se dizer que a moda introduz, através do elemento ‘novo’, mudança nos padrões do comportamento tradicional instituído há certo tempo e que aos poucos se tornou um hábito. (AVELAR, 2009 p. 27)
Para Avelar (2008, p.110), “a experimentação na moda pode advir
do material, das formas e das cores, através da exacerbação do conceito que
provoca e aguça a percepção”, fazendo o indivíduo pensar na moda como uma
maneira de expressar sua criatividade através do corpo, “que o individualiza e,
ao mesmo tempo, o coletiviza, numa dinâmica natural do indivíduo” (AVELAR,
2008, p.110).
Em um espaço onde o corpo é o principal mecanismo para exibir a
individualidade e pensamentos de um indivíduo, este se torna essencial no
processo de manifestação social, e a moda se insere nesse contexto por ser o
que está sobre ele, representando suas emoções, estilo e peculiaridades.
Entwistle (2000 apud Avelar 2008, p. 132) diz que “a moda articula o
corpo, produzindo discursos que são práticas corporais, como a maneira de
vestir, de se comportar com aquela roupa e os motivos que nos levam a
escolher tais peças”. Os freqüentadores de raves costumam ter um estilo de se
vestir semelhante. Uma vez que sua maioria pertence à geração jovem,
39
compartilha dos mesmos princípios e possui raízes nos anseios da juventude
da contracultura, tendo o jeans como uma de suas principais vestimentas.
O jeans é a roupa que revolucionou o século XX e consagrou-se
como a principal peça do vestuário da geração jovem, rebelde e ativa. Ao longo
dos tempos, tornou-se a roupa com caráter de manifestação individual no meio
coletivo, mas ao mesmo tempo diminuindo as distâncias sociais.
Catoira (2006, p.58) afirma que os jovens da atualidade que vestem
jeans, “são quase idênticos abaixo da cintura, mas, acima, diferenciam-se com
camisetas de malha ou camisas em cores e estampas”, onde há a
predominância de estampas psicodélicas, com emblemas orientais ou com
simbologias e amuletos. Isso é sinal de que em sua maioria são semelhantes,
por mais que o fator social e cultural seja diferente.
Moda essa advinda dos hippies, pois, segundo Catoira (2006, p. 87),
a moda une exotismo e folclore nos anos 70, com o uso de jeans e flores nas roupas, estampas psicodélicas e símbolos orientais. Tudo conseqüência do movimento ideológico ‘paz e amor’ que buscou a função de elementos mágicos da moda com simbologia de proteção, e os amuletos usados como acessórios. A cruz aparecia juntamente com o emblema oriental Yin-Yang. Penduricalhos de dentes de tubarão, estrelas e luas, cintos de conchas, braceletes de pêlo de elefante, pulseiras-talismãs de cobre atuavam como pensamentos mágicos e protetores.
O vestuário se insere no contexto social como principal ferramenta
de expressão individual e de comunicação com o mundo externo, e a moda,
utilizando-se da linguagem visual da vestimenta, segundo Catoira (2006, p.56),
“utiliza uma rede de sentidos, formas, imagens, signos e palavras que ficam
entre o objeto e seu usuário”. Não só o vestuário faz parte da linguagem
externa do corpo, da mensagem que queremos mostrar para o coletivo. As
decorações corporais, os adornos, acessórios e pinturas também têm sua
relevante participação na busca pela identidade e diferenciação dos “outros”.
O que vestimos e como vestimos ajuda a expressar individualidade; é uma forma visual de liberdade de expressão. A roupa pode associar quem a veste a um grupo específico com idéias, gostos, origens culturas e religiões semelhantes. Civilizações antigas e culturas da Ásia, da África e das Américas praticavam formas de adorno como tatuagem, body piercing e pintura corporal, além de vestir peles e plumagens de animais para expressar individualidade, associação e status. (MATHARU, 2011, p. 8)
40
Segundo Castilho (2004, p. 74), “O caráter mágico das decorações
corpóreas constitui a primeira motivação discursiva na qual o corpo é posto
como suporte de elementos simbólicos de caráter protetivo ou mágico”, ou
seja, a decoração corpórea constitui uma lembrança das origens tribais e dos
seus rituais sagrados. Tatuagens, piercings e pinturas corporais foram os
adornos mais adotados pela juventude neste cenário.
A prática da pintura corporal, segundo Castilho (2004, p. 77),
“contribui também para tornar o ser humano dessemelhante de si mesmo,
estabelecendo ritualmente comunicação com o heterogêneo”, numa tentativa
de atribuir ao corpo humano valores e crenças de povos antigos,
principalmente das tribos indígenas. Durante muitos eventos de música
eletrônica, é oferecido um serviço de pintura corporal, onde os participantes
podem ir à uma determinada tenda e receber pinturas semelhantes à de tribos
sagradas. A prática é uma tentativa de aproximação com o primitivo, pois,
como explica Castilho (2004, p.76), “a presença de traços distintivos
desencadeia essa transferência de valores, e o sincretismo de elementos faz-
nos pensar na convivência” com a nossa e com outras espécies.
3.1: Jovem sendo pintada no rosto durante a celebração Ziohm, ocorrida na Lagoa do Banana-Cumbuco, em 20/10/2012. Foto: Camilla AlbanoFonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=460468633995876&set=pb.209994839043258.-2207520000.1351110195&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-g-a.akamaihd.net%2
Em paralelo a isso, os freqüentadores dividem o corpo com
tatuagens e piercings. A dimensão do sagrado ganha seriedade e
comprometimento a partir do momento em que o indivíduo marca seu corpo,
41
seu templo, com desenhos definitivos. Segundo o site Whiplash8, a prática da
tatuagem existe há mais de 3500 anos, onde indivíduos de uma mesma tribo
costumavam marcar seus corpos com representações sociais e religiosas.
Hoje, o ato de se tatuar tornou-se arte, apesar do apelo estético, e significa
externalizar seus pensamentos, desejos, gostos e personalidade, exaltando a
individualidade.
Há diversas maneiras e ferramentas utilizadas ao longo dos anos
para fazer uma tatuagem. A mistura de cores, a infinita possibilidade de
desenhos, traços e formas, a aproximação com o que ou quem lhe faz falta, a
representação de valores e símbolos e os inúmeros significados de uma
tatuagem são fatores que mais encantam os praticantes dessa arte.
Assim como as decorações corporais, para Castilho (2004, p. 76), a
roupa é entendida como “revestimento e decoração estética, coloca o corpo
diante de uma possibilidade de representação que se funda e se estrutura em
diferentes objetos na busca de dotá-lo de uma significação”. Para Garcia e
Miranda (2005, p. 14), “as roupas dançam nos cabides e depois envolvem os
corpos humanos num balé que aproxima, afasta e se recria todos os dias para
embalar nosso modo de vida em direção ao futuro”.
O ato de se vestir todos os dias define como os indivíduos vão
apresentar-se para o mundo, seja para distinguir-se ou para assemelhar-se ao
público do cenário que habita. Para Garcia e Miranda (2005, p. 18),
moda é o conjunto atualizável dos modos de visibilidade que os seres humanos assumem em seu vestir com o intuito de gerenciar a aparência, mantendo-a ou alterando-a por meio de seus próprios corpos, dos adornos adicionados a eles e da atitude que integra ambos pela gestualidade, de forma a produzir sentido e assim interagir com o outro.
O corpo, para Garcia e Miranda (2005, p. 78), “procura divulgar
aspectos e características do que somos, do que podemos vir a ser, segundo o
que é valorizado diante de determinado grupo social”, caracterizando o corpo
como nossa “mídia primária”. A moda, o vestuário, vista como “mída
secundária”, representa no contexto as informações não-verbais que queremos
transmitir, através de simbologias que passam uma mensagem do emissor ao
receptor.
8 Acessado em 20 de outubro de 2012. http://whiplash.net/materias/biografias/000117.html
42
3.1 – O jovem na era globalizada
O ambiente influencia de todos os aspectos o modo de vestir do
indivíduo, bem como as pessoas que o rondam. Para Garcia e Miranda (2005,
p. 20), “o comportamento das pessoas em geral é freqüentemente afetado por
aqueles com quem convivem e pode ser influenciado por vários grupos”,
principalmente aqueles que o indivíduo possui um contato direto, diariamente.
Segundo Catoira (2006, p. 109), a necessidade de fazer parte de um grupo, de
uma tribo, está presente em todos os indivíduos, e “dentro de uma grande tribo,
a moda é uma arma comunicativa do grupo, é seu símbolo, seu emblema e seu
hino”.
O jovem da era globalizada, com todo o bombardeio de informações
e idéias a todo instante, sente a necessidade de encaixar-se cada vez mais em
diferentes tribos, conectar-se com diferentes pessoas e viver diferentes
realidades, todas ao mesmo tempo, transcendendo identidades e atitudes. O
consumo globalizado permitiu que as pessoas pudessem conectar-se com
velocidade, fazendo desaparecer barreiras sociais, culturais e geográficas.
Hoje, qualquer individuo é livre para compartilhar idéias,
experiências e sentimentos com outro ser humano de todos os lugares do
mundo. A devastadora onda de informações absorvida diariamente pela
geração Y permite que os indivíduos possam ministrar diversos assuntos
diferentes e expressar sua personalidade dentro de diversas tribos.
Figura 3.2: Exemplo de jovens da geraçãoY conectados ao mundo a todo instante através do celular e das redes sociais.
Fonte: http://www.csulb.edu/divisions/students2/intouch/archives/2007-08/vol16_no1/01.htm
43
Segundo Quaresma (2005, p.86), estamos vivendo um novo
paragidma cultural, e nele “o mundo estaria entrando numa fase tribal, uma
volta a valores que a modernidade julgava enterrados. Na pós-modernidade, os
homens estariam adotando um ponto de vista mais emotivo em relação ao
mundo. Eles estariam dando lugar ao prazer e à emoção, resgatando uma
sensibilidade diferente entre as novas gerações”. É nesse contexto que o
filósofo Maffesoli propõe que esse novo paradigma substitua o antigo, que
pregava o individualismo, chamando essa nova fase de tribalismo pós-moderno
ou neotribalismo.
O neotribalismo se encaixa neste cenário por possuir como
característica uma nova forma de coletivismo de caráter emocional, onde os
indivíduos, segundo Maffesoli (apud Escher, 2010) reúnem-se para
compartilhar de interesses e paixões em comum, sem nenhum outro objetivo. A
necessidade de encontrar semelhança no coletivo para suas características
individuais tornou-se uma das principais engrenagens para o despertar da
juventude globalizada. As festas de música eletrônica, por terem em sua
essência a busca do prazer individual através do transe coletivo, surgiram
como resposta para essa sociedade insaciável de experiências, cultura,
conhecimento.
Vivemos num mundo onde nunca estamos sozinhos, pois as memórias coletivas estabelecem uma relação entre o grupo e o indivíduo – um pensamento pessoal é aquele que segue a inclinação de um pensamento coletivo (da agregação social). São essas memórias que descrevem o sistema simbólico e o mecanismo social, pois são reveladores para as ações e experiências individuais. (CATOIRA, 2006, p. 106)
Para Escher (2010, p.20), na “era pós-moderna, a moda se
centraliza na personalização. O individualismo surgido na modernidade agora é
um pouco diferenciado”, permitindo o distanciamento de caminhos pré-
estabelecidos e a livre escolha em relação aos valores da sociedade. O ser
humano agora busca criar um diferencial no seu modo de vestir para, assim,
pertencer à uma tribo, onde seus gostos e interesses são compartilhados.
O ciclo da moda como conhecíamos até os anos 60 passou por
inúmeras modificações devido ao nascimento do prêt-a-porter9 a juventude da 9 Termo francês que em português significa “pronto para vestir”, define a democratização e difusão da moda, através de uma produção em larga escala de produtos nas indústrias e um
44
nova geração, que encontrou no vestuário uma das maiores fontes de
expressão social e cultural. As tendências, até o final da década de 40, eram
ditadas exclusivamente pelas grandes maisons e grifes de alta costura,
mostradas em desfiles fechados para a classe alta, que por sua vez iam
chegando a massa consumidora através de revistas de moda e formadores de
opinião, chegando somente depois um longo tempo nas ruas. Esse fenômeno
ficou conhecido como trickle-down (gotejamento, em livre tradução).
Devido às revoluções socio-culturais ocorridas na década de 60,
esse conceito inverteu-se. O mundo agora voltava os olhos para a juventude
que ia as ruas e vestiam o seu estilo. A indústria da moda viu nisso uma grande
oportunidade e então surgiu o bubble-up, efeito contrário ao trickle-down: as
principais fontes de pesquisa e de inspiração vinham agora das ruas, da cultura
underground, das tribos urbanas e alternativas, sendo traduzidas em
tendências e depois disseminadas para a massa consumidora. Fátima Lopes,
em um artigo para o site Colméia Biz10, afirma que
cada vez mais os jovens têm o poder de definir aquilo que as antigas gerações irão consumir e consomem. A característica do adolescente de sempre procurar ser diferente e, ao mesmo tempo, precisar fazer parte de algum grupo, encontrar pensamentos, gostos e atitudes em comum com outros jovens, ganha ainda mais evidência com o avanço da tecnologia. O espaço na Web veio para ser um meio de comunicação e socialização desses jovens; aquilo que antes só era visto na rua ganha um espaço virtual, gerando experiências em que a maneira de perceber o mundo e de se comunicar são afetados por aquilo que acontece dentro desse meio.
ciclo de vida menor de um produto de moda dentro de uma loja de departamento. 10 Site acessado em 29 de outubro de 2012, às 17:46. http://colmeia.biz/2012/06/jovens-no-consumo/
45
Figura 3.3: Efeito bubble-up demonstrado numa pirâmide: a inversão das fontes de pesquisa de tendências. Fonte: http://lucianaduarte.org/2012/01/18/governo-federal-moda-etica-politica-nacional-de-residuos-solidos-logistica-reversa-mudanca-de-comportamento-do-consumidor/
Figura 3.4: Explicação em pirâmide do efeito trickle-down.
Fonte: http://lucianaduarte.org/tag/efeito-trickle-down/
Matharu (2011,p.78) diz que na era globalizada, todos os seres
humanos estão “cercados por uma cultura de mídia high-tech baseada em
imagens visuais e interativas. As revistas e internet são portais de fácil acesso
para o passado, presente e futuro; para diferentes culturas, movimentos e
personas”, influenciando quem somos e o que queremos ser e seguir.
3.2 – A realidade de Fortaleza
Em Fortaleza ainda há uma grande resistência quanto à raves
conceituais por conta da falta de conhecimento da cultura alternativa da maioria
do público; predominando assim, as festas comerciais. A diferença se dá
através do vestuário, do público freqüentador, da decoração e dos DJs.
Geralmente, em festas comerciais, a maioria dos freqüentadores, são públicos
de “primeira viagem”, indivíduos que nunca freqüentaram uma rave e no geral
não sabem muito sobre o conceito da celebração, estão apenas em busca do
gozo e da experiência com substâncias ilícitas.
Em festas comerciais, as atrações principais são, em sua maioria,
DJs que possuem seu trabalho conhecido na mídia por produzirem um som
46
mais “aceitável” a diversos públicos, não se restringindo apenas aquela parcela
da população que segue a cultura da cena eletrônica. Nessas festas, os
freqüentadores se vestem com roupas de marca e possuem bastante cautela
quanto a sua aparência (o externo significa muito mais do que os valores
internos e os reais significados de uma celebração de música eletrônica).
Algumas mulheres chegam a usar salto alto como símbolo de status,
dificultando a liberdade de movimentos que a música busca conduzir. Não há
muita preocupação com a decoração, nem muitas referências às civilizações
antigas, o local é, em sua maioria, dentro da cidade – em barracas de praia,
como a Biruta, na Praia do Futuro, ou em mansões nas praias adjacentes -,
não existindo a conexão do individuo com a natureza e a terra, pois são locais
urbanos.
Segundo Chiaverini (2009, p.16), a maior parte desse grupo de
freqüentadores “não querem saber de religiões orientais e não pregam nada
além do culto ao corpo”. Em Fortaleza, festas realizadas por grandes
produtoras tendem a buscar apenas o lucro monetário, indo atrás de DJs
famosos que acabam tendo que vender sua real identidade de músico para
criar material comercial e, conseqüentemente, obter sucesso e fama. Músicos
como David Guetta, Astrix, Infected Mushroom, Felguk, Skazi, GMS, entre
outros, são exemplos de DJs considerados comerciais pela maioria dos
freqüentadores de raves conceituais.
Figura 3.5: Festa produzida pela Underground em 28/07/12, na barraca Biruta na Praia do Futuro: exemplo de festa de música eletrônica comercial. Quase não se vê decoração em
comparação às festas conceituais. Fonte: https://www.facebook.com/FestasdeFortaleza/photos_stream
47
Em festas conceituais há toda a preocupação com a decoração. É
bastante comum os freqüentadores andarem descalços, dançando livremente,
sentindo a música e deixando levar-se pelas batidas, com roupas confortáveis
e leves. O DJ tem a permissão de experimentar os sons, as batidas e conduzir
o público num estado de transe coletivo, em sua maioria, sem nenhuma adição
de substâncias alucinógenas.
Ao contrário do que muitos, infelizmente, ainda pensam, a festa rave
não se resume apenas em drogas e música alta. Chiaverini (2009, p.15) diz em
depoimento ao seu livro que, durante um festival de música eletrônica, as
“pancadas surdas que massageiam cada célula dos corpos dançantes [...]
fazem a pista explodir em energia e pular eufórica, definitivamente
transformada em um único organismo pulsante” expandindo-se em gritos,
pulos, assobios e sorrisos. Segundo Chiaverini (2009, p.16), muitas festas
raves pequenas
procuram manter um clima semelhante ao dos primeiros eventos do tipo e se autodenominam rave “conceito”, os participantes que mais se destacam como grupo são os que usam tranças dreadlocks, roupas com tie-dye (técnica de pintura sobre tecido), ponchos, echarpes de crochê, braceletes de material orgânico e tudo aquilo que seus inspiradores, os hippies, achariam esteticamente agradável. Vêm as raves como uma filosofia de vida e boa parte deles é vegetariana, trata-se com medicina alternativa e se apropria de trechos de várias doutrinas religiosas – principalmente as orientais – para compor a sua própria crença.
Diante do exposto, o presente trabalho propõe uma análise do
vestuário e da estética corporal da cena eletrônica através de uma celebração
conceitual ocorrida no Iguape – Ceará, no dia 07 de setembro de 2012,
chamada de Entrance Aquarius.
48
FIGURA 3.6: Flyer promocional da festa. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=345026565579881&set=pb.122210221194851.-
2207520000.1352743436&type=3&src=https%3A%2F%
LINEUP 4: ANÁLISE ENTRANCE AQUARIUS 2012
O objetivo do presente trabalho foi analisar a influência da
contracultura, da cultura dos hippies, no vestuário da cena eletrônica atual,
através do método de observação e análise de imagens colhidas na celebração
Entrance Aquarius, ocorrida no dia 07 de setembro deste ano. Para Cidreira
(2008, p. 42),
a sobrevivência das formas, gostos e padrões das roupas só se justifica em função de uma inteligência de mercado que vislumbrou a possibilidade de transformar o estilo hippie [...] em uma moda. Produtos tais como o disco e a roupa refletiam toda uma realidade associada ao movimento hippie, através da adoção de certos valores e símbolos. Assim, um elemento colhido ao acaso pode ser transformado em peça de consumo, com o atrativo de uma identidade artificial subtraída aos símbolos de origem.
As fotos a seguir foram coletadas durante o período da festa, por
mim e por fotógrafos profissionais contratados do evento. De acordo com o
material coletado foi possível analisar a influência da cultura dos jovens da
geração Y no vestuário dos freqüentadores da Entrance.
49
Para tal atividade, foi determinada a análise a partir da divisão de
possíveis macro tendências dentro do evento, todas inspiradas diretamente na
contracultura e expostas nas fotografias. Os direitos de imagem dos
freqüentadores da festa são públicos a partir do seu ingresso no evento e os
registros foram livres e espontâneos.
4.1 - Estampas
Uma das tendências mais utilizadas pelos freqüentadores é a
camiseta de algodão estampadas com referências à cultura hindu. Ganesha e
Shiva são os deuses mais retratados.
Figura 4.1: Exemplos de estampa de imagens localizadas e referências hindus. Foto: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445266088849464&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn
Outras estampas também utilizadas são as florais, tie-dye,
camisetas com frases de efeito e desenhos localizados, neon, forte referência
aos clubbers, psicodélicas, elementos tribais, transparência, crochê, entre
outros.
50
Figura 4.2 e 4.3: Estamparia tie-dye. Foto: ShotUp e Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=350874948334446&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&theater e https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445286162180790&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F
Figura 4.4: Exemplo de camisa neon em referência aos clubbers. Foto: ShotUp Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=350872751667999&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&theater
Também é comum o público feminino utilizar biquíni, por conta do
sol e do calor. A maior parte dos freqüentadores vai aos eventos portando
protetor solar e óculos escuros, aproximando ainda mais da realidade das
mulheres hippies, que muitas vezes usavam apenas biquínis ou nenhum traje
para ir às festas e encontros.
51
Figura 4.5 e 4.6: Óculos escuros e Biquini. Fotos: ShotUp. Fonte:
https://www.facebook.com/media/set/?set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3
As estampas com imagens divertidas estão, hoje, por todo lugar.
Brincadeiras, desenhos, frases de efeito e inspirações em elementos da cultura
pós-moderna fazem parte deste conjunto, atraindo o público jovem através da
relação emocional criada com a estampa. Isto está diretamente ligado à
questão de os jovens da contracultura tomarem a voz para si e “falarem”
através da roupa, expressarem-se pelo vestuário.
Figura 4.7: Camisa com a frase “Keep Calm e Chuta o Balde”, em referência à uma expressão da linguagem jovem. Foto: ShotUp. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=350879025000705&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn
Segundo Cidreira (2008, p. 41), “os hippies deixaram a marca de um
efervescer da juventude que se manifesta, sobretudo, nas formas, gostos e
padrões das roupas”.
52
Figuras 4.8 e 4.9: Detalhes. Foto: ShotUp e Camilla Albano Fonte:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=350883518333589&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&src=https
%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos e https://www.facebook.com/photo.php?fbid=444431505599589&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https
%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-g
Os padrões tribais também fazem parte desta cultura, por trazer à
tona elementos de rituais místicos de civilizações antigas e misturá-los com o
turbilhão de cores do universo moderno, assim como o tradicional Yin-Yang da
cultura chinesa.
Figura 4.10: Foto: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=445267968849276&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https
%3A%2F%2Ffbcdn
53
Figura 4.11: Yin-Yang estampa camisas e trás à tona referências da cultura antiga asiática.Foto: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445288605513879&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3
A estampa floral tornou-se um dos principais elementos que compõem a
cena eletrônica. As diferentes padronagens de flores se fixaram no vestuário da
cultura alternativa jovem por remeter a um lugar tropical, à natureza e ao
frescor do sol e da flora.
Figura 4.12: A estampa floral é uma das mais utilizadas pelo público feminino. Foto: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445266245516115&set=a.444430865599653.97214
4.2 – Calças, shorts e saias
54
Há uma grande presença da calça saruel, comumente conhecida
como calça Aladim, inspiradas nas calças johdpur e dhoti, do vestuário africano
e do oriente médio. O patchwork, técnica de unir diferentes retalhos de tecidos,
formando uma única peça, também se assemelha ao trabalho manual dos
povos da contracultura, que utilizavam da técnica para confeccionar suas
roupas.
Dentre o vestuário, destacam-se também os shorts, saias e calças
jeans, normalmente surradas e desestruturadas, saias longas de tecido,
vestidos e túnicas, entre outros. O jeans é apresentado nesse contexto como o
principal elemento de conexão entre as culturas, por ter ganhado valor com os
jovens rebeldes dos anos 60 e por ter se fixado como a roupa da juventude.
Figura 4.13 e 4.14: Calças. Foto:Camilla Albano e ShotUp Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445283312181075&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&theater e https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=350874948334446&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&theater
55
Figura 4.15: Vestido. Foto: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=445268155515924&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&
4.3 – Adornos e acessórios
Adornos corporais, como tatuagens e piercings, e acessórios que
fazem parte do universo feminino, como colares, pulseiras, óculos escuros,
anéis, sapatos e até objetos como guarda-chuvas e leques são elementos que
trazem uma carga cultural em abundância. Artesanatos e referências de
diversas civilizações predominam e destacam-se no meio da multidão
dançante. Guarda-chuva e leque como estes das fotos são oriundos da cultura
tradicional oriental, mostrando que existem muitas influências de diversas
culturas e civilizações no estilo dos frequentadores.
Figura 4.16 e 4.17: Elementos da cultura oriental. Foto: Camilla Albano. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445260312183375&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos e https://www.facebook.com/photo.php?
56
fbid=445272385515501&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F%2F
As tatuagens (e também piercings) estão presentes entre os
participantes, muitas delas com inspirações de elementos da cultura hindu, de
símbolos místicos e sagrados, tribais e maoris11, como também com desenhos
da cultura moderna e pós-moderna. É uma arte milenar que transpõe tempo e
espaço e se manifesta de forma livre até os dias atuais.
Figura 4.18 e 4.19: Tatuagens. Foto: ShotUp e Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=350874185001189&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn e https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445292235513516&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos
O óculos escuro é, de acordo com nossa observação, o acessório
que mais está presente na festa. A grande maioria dos frequentadores utilizam
óculos durante a festa, desde o momento em que o sol nasce até a hora em
que ele se põe. Ele se apresenta nos seus mais diversos formatos, tamanhos e
cores.
11 Forma de representação da cultura da civilização Maori, que habita as Ilhas da Polinésia e da Nova Zelândia e possui a tatuagem como símbolo de uma identidade familiar, de poder e respeito. A prática de pintar o corpo representava muito mais do que apenas um adorno; era o estilo de vida daquela tribo.
57
Figura 4.20 e 4.21: O sorriso das participantes. Fotos: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445273358848737&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F%2F e https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445279002181506&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&permPage=1
Adornos como chapéus e máscaras fazem referência a um mundo
de fantasia onde seres mágicos existem – alusão às sensações provocadas
pelo LSD – e realidades paralelas que estimulam o imaginário dos participantes
durante todo o evento, principalmente na decoração. Essa alusão ao mundo de
fantasia, criado ou não pelo consumo de entorpecentes, parte de uma
referência das vivências do movimento hippie, que acreditava que dessa forma
eles conseguiriam se conectar de forma mais verdadeira à natureza e a vida
como um todo.
Figura 4.22: Chapéu de Gnomo. Foto: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445280575514682&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2
Momento de descontração de participantes da festa com atenção
para os acessórios e o detalhe de crochê, um dos artifícios do vestuário dos
hippies na década de 70, na roupa da garota da direita.
58
Figura 4.23: Momento de distração. Foto: ShotUp fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=350878938334047&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&src
4.4 – Cabelos
O dreadlock é símbolo da cultura rastafári e sobrevive até os dias de
hoje por conta da sua simbologia, que foge dos padrões de beleza adotados
pela sociedade conservadora. Há muitos significados para quem possui
dreadlocks, ou simplesmente “rasta”: de razões religiosas e espirituais a
demonstrações de orgulho da diversidade étnica, ou simplesmente uma opção
de beleza.
Figura 4.24 e 4.25: Fotos: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/media/set/?set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type
Figura 4.26 e 4.27: Foto: ShotUp fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=350897164998891&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&src=https
%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-c-a.akamaihd.net% e https://www.facebook.com/photo.php?fbid=350870425001565&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&src=https
%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-a-a.akamaihd.net%2Fh
59
Apesar dos dreads destacarem-se em meio à multidão que pula e
vibra a cada virada do som, encontramos também cabelos soltos,
emaranhados, assanhados, lisos e de todas as cores, resgatando uma das
principais características do estilo hippie da década de 60, que nadou contra a
maré quando preferiu os cabelos soltos a milimetricamente penteados.
Figura 4.28 e 4.29: Cabelos soltos. Foto: ShotUp e Camilla Albano. Fonte:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=350870195001588&set=a.350869585001649.83122.224689710952971&type=3&src=https
%3A%2F%2Ffbcdn e https://www.facebook.com/photo.php?fbid=445265968849476&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&permPag
e=1
Figura 4.30: Cabelos. Foto: Camilla Albano Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=445260592183347&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https
%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-b-a.akamaihd.net%2Fhphotos
É possível ver também turbantes, em referência à cultura árabe, bonés e
chapéus para proteger do sol do meio dia, mostrando mais uma vez a
influência de culturas e costumes de diversas partes.
60
Figura 4.31 e 4.32: Proteção à cabeça. Foto: Camilla Albano e ShotUp. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445262078849865&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-f-a.akamaihd.net%2 e https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=350870045001603&set=a.350869585001649.83122.224689710952971
4.5- Decoração
A decoração da Entrance segue os padrões das decorações de festa
conceito: recheada de elementos de culturas orientais, de religiões como a
hindu, de referências tribais, da conexão com a natureza, entre outros, além
das diversas manifestações artísticas que ocorreram durante o evento:
exposição de fotos de fotógrafos nacionais e internacionais, mostra de produtos
da Imagine Utopia, loja conceito de produtos naturais e artesanatos.
Figura 4.33: Estátua de uma deusa da religião hindu em cima do palco: para abençoar o solo sagrado da dança. Foto: Camilla Albano. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=444431172266289&set=a.444430865599653.97214.209994839043258
As imagens clicadas por uma das mais talentosas fotógrafas
brasileiras, Camilla Albano, estava em exposição durante o evento em uma
tenda do lado contrário ao palco, para quem quisesse apreciar seu trabalho.
Dentre as fotos, registros de crianças indígenas e imagens do Alto Paraíso, em
Goiás.
61
Figura 4.34: Exposição de fotografias da fotógrafa Camilla Albano. Foto: Camilla Albano. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=444431222266284&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=https%3A
Figura 4.35: Amostra de produtos da loja conceito Imagine Utopia. Foto: Camilla Albano. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445273938848679&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&src=
Enquanto os DJs comandavam a pista principal com seus ritmos
alucinantes, a platéia dividia lugar com uma intervenção artística de palhaços
que brincavam com o imaginário criativo do público, fazendo uma brincadeira
com pirulitos. As intervenções são comuns em raves conceito, principalmente
nas edições da Entrance. As intervenções artísticas são praticadas em diversos
festivais e encontros desde a década de 60, e vão adaptando-se à realidade do
público freqüentador com o passar dos anos. Os palhaços fazem parte do
imaginário místico da juventude dos dias atuais, por remeterem à alegria, a
uma vida doce e colorida e sem preocupações.
62
Figura 4.36: Palhaços. Foto: Camilla Albano. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=445274572181949&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&0
Placas com mensagens positivas e de sabedoria são espalhadas
pela festa, numa tentativa de encher o local de sorrisos e felicidade. As frases
refletem o ideal da cultura alternativa e muitos dos valores que os jovens dessa
geração pós-modernista ainda cultivam.
Figura 4.37: O maior e mais puro ato praticado por toda a juventude da cultura alternativa. Foto: Camilla Albano. Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?
fbid=445273718848701&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&theater
63
Figura 4.38: Em relação à música eletrônica, que tem o poder de comunicar e transcender sentimentos e emoções sem uma letra. Foto: Camilla Albano. Fonte:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=445259865516753&set=a.444430865599653.97214.209994839043258&type=3&theater
LINEUP 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como principal objetivo analisar a influência da
contracultura e da cultura alternativa na moda da cena eletrônica, através da
análise de registros fotográficos da festa Entrance Aquarius, em Fortaleza, e
através do traçado histórico da cultura hippie e suas contribuições para a
formação do indivíduo e sua personalidade.
Diante das observações e análises, foi-se constatado que a
vestimenta dos indivíduos que freqüentam raves, principalmente em Fortaleza,
sofre uma influência direta da cultura dos povos alternativos, bem como de
seus costumes, tradições e religiões. Os dados e informações foram colhidos
por mim durante visita a festas rave, com foco na Entrance Aquarius, ocorrida
em setembro de 2012.
Da busca de caráter exploratório, pode-se concluir que os
freqüentadores de raves conceito, aquelas que mantêm uma relação com
culturas antigas, encontram no ambiente da festa um espaço social para
identificar-se com sua tribo através de seus gostos e expressões, em busca de
um transe coletivo e de transcendência espiritual.
O corpo é a expressão da nossa cultura individual, tornando único à
maneira que o individuo utiliza as cores, as formas e as texturas, e por mais
64
que haja uma uniformização dos elementos do vestuário, o corpo, e a maneira
como a cultura pode ser incorporada e ele, é o elemento que diferencia cada
ser humano, ainda que da mesma tribo, por isso o estudo deste trabalho focou
em compreender o comportamento do individuo na sociedade pós-moderna e a
maneira como a juventude externiza seus interesses e ambições. O estudo
também concluiu que o vestuário pode ser entendido como um processo
comunicativo que documenta e estrutura novos padrões e tradições de uma
determinada cultura.
Através de um paralelo entre as chamadas “raves conceito” e as
festas de música eletrônica, chamadas de “festas comerciais”, pode-se concluir
que, em Fortaleza, ainda há um grande conflito de significados e que é preciso
mais informação para o público.
A análise de imagens coletadas durante a festa permitiu a criação de
um traçado onde podem ser vistas macro tendências dentro da cena eletrônica,
como estampas, modelagens, formas e cores, além de um ambiente onde se é
possível encontrar afeição social. O conceito PLUR, de paz, amor, união e
respeito é bastante praticado dentre os indivíduos que se associam a esta
cultura alternativa e que encontram no próximo virtudes que se assemelham
com suas próprias.
A festa rave pode ser vista como o ambiente em que os jovens
metropolitanos, da geração Y, encontraram a oportunidade de escapar da
rotina do mundo globalizado para um mundo sem regras, de liberdade de
expressão e de vida em comunidade. Elas podem ser consideradas reflexo das
modificações culturais da década de 60 e 70 principalmente pelas
manifestações rebeldes que romperam com os valores da sociedade vigente.
Por fim, é possível concluir que o modo de vestir da geração
freqüentadora da comunidade eletrônica é diretamente influenciado pelo
movimento hippie, pela contracultura, por elementos da cultura oriental e
principalmente pela religião hindu, devido ao ritmo “trance” ter suas origens em
Goa, na Índia. Através desses símbolos, elementos tribais, da natureza, de
referências místicas e de novas configurações sociais é possível encontrar, no
solo sagrado da dança, embalado ao ritmo do bumbo eletrônico e de mantras
religiosos, a verdadeira transcendência espiritual coletiva, em busca da paz
interior e da conexão emocional de seu universo individual com o cosmo social.
65
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ABRAMO, Helena Wendel (1997). “Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil”, artigo publicado em Revista Brasileira de Educação, acessado em 02 de setembro de 2012. http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/n05-06/n05-06a04.pdf
ADELMAN, Mirian (2001). “O reencantamento do político: interpretações da contracultura”. Rev. Sociol. Polit. no.16 Curitiba June 2001. Acessado em 29 de agosto de 2012. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782001000100010%20&script=sci_arttext
ALMEIDA, Marcos Abreu Leitão de. “Uma Geração em debate: Beats ou Beatniks?”, artigo publicado em site, acessado em 26 de agosto de 2012. Disponível em: http://www.historiagora.com/dmdocuments/Geracao_Beat.pdf
ALONSO, Angela (2009). “As teorias dos movimentos sociais: um balanço do debate”. Artigo publicado em 2009,Lua Nova, São Paulo. Acessado em 30 de agosto de 2012. http://www.scielo.br/pdf/ln/n76/n76a03.pdf
ARIAS, Maria José. Os Movimentos do Pop. Rio de Janeiro: Salvat Editora do Brasil, 1979.
AVELAR, Suzana (2009). Moda: Globalização e novas tecnologias. São Paulo: Estação das Letras e Cores Editora.
CATOIRA, Lu, (2006). Jeans, a Roupa que Transcende a Moda/ Lu Catoira. – Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006.
CHIAVERINI, Tomás (2009). Festa Infinita – O entorpecente mundo das raves. São Paulo: Ediouro Publicações, 2009.
66
CIDREIRA, Renata Pitombo. “A moda nos anos 60/70 (comportamento, aparência e estilo)”. Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras. Vol. 2 (1), 2008. Disponível em: http://ufrb.edu.br/reconcavos/edicoes/n02/pdf/Renata.pdf
COHEN, Ronald D. Singing Subversion: Folk Music and the counterculture in the 1950’s. IN: BENT, Jaap Van Der, ELTEREN, Mel Van, MINNEN (orgs). Beat Culture: The 1950’s and beyond. Amsterdam: VU University Press, 1999 p 118.
“Contracultura: O que é contracultura, origem, princípios principais, movimento beatnik, crítica social e cultural”, texto publicado em site, acessado em 28 de agosto de 2012. http://www.suapesquisa.com/musicacultura/contracultura.html
CORDEIRO, Emilio. “Quando o homem domina o tempo: a geração beatnik e a gênese de mitos modernos”. Artigo publicado em site, acessado em 26 de agosto de 2012. (Graduando em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC). Disponível em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao16/materia03/texto03.pdf
CRUZ, Maria Aparecida Souza da, (2009). “A Guerra Fria e a Contracultura”, texto em site publicado em 29 de setembro de 2009. Disponível em: http://www.historia.uff.br/nec/materia/grandes-processos/guerra-fria-e-contracultura
DUARTE, Luciana. “Governo Federal + Moda Ética + Política Nacional de Resíduos Sólidos + Logística Reversa + mudança de comportamento do consumidor“. Texto publicado em site no dia 18 de janeiro de 2012, acessado em 15 de outubro de 2012. Disponível em: http://lucianaduarte.org/tag/efeito-trickle-down/
ELTEREN, Mel Van. The Culture of Subterraneans: a sociological view of the beats IN: BENT, Jaap van Der, ELTEREN, Mel Van, MINNEN (orgs.). Beat Culture: The 1950s and beyond. Amsterdam: VU University press, 1999.
ESCHER, Paula Souza. “Neotribalismo e Moda: o desejo do vir a ser”. (Trabalho de Conclusão de Curso, graduanda em Design de Moda e Tecnologia pela Universidade Feevale, Novo Hamburgo), 2010.
Fashion Theory – A revista da moda, corpo e cultura. Ed. Brasileira – numero 2, junho 2002, @Berg 2001 Editora Anhembi Morumbi
FORACCHI, Marialice, (1971). A juventude na sociedade moderna. São Paulo: Pioneira. (1976).
GARCIA, Carol; MIRANDA, Ana Paula de. Moda é Comunicação: Experiências, Memórias, Vínculos. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2005.
GUERRINHA, Silvio. “História do Goa Trance”, texto publicado em site, acessado em 28 de agosto de 2012. http://www.dj-alien.com/index-1.html#.UD1z0tZlTK0
67
GOFFMAN, Ken (2007). “Contracultura através dos tempos: do mito de Prometeu a cultura digital”/ Ken Goffman (R.U. Sirius) e Dan Joy; introdução de Timothy Leary; tradução Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. Acessado em 29 de agosto de 2012. http://books.google.com.br/books?id=THIce8_3GLgC&pg=PP5&hl=pt-BR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false
LARAIA, Roque de Barros, 1986. Cultura: um conceito antropológico / Roque 14º ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
LEHNERT, Gertrud (2001). História da Moda do Século XX. Edição Portuguesa, Konemann Verlagsgesellschaft mbH. Tradução: J.M. Consultores, S.A.
MANOEL, Cláudio. “Sobre a cultura da música eletrônica e a cibercultura”. Compilação de artigos do site Pragatecno, acessado de 04 de setembro a 20 de outubro de 2012. Disponível em: http://www.pragatecno.com.br/textos.html
MATHARU, gurmit, (2011). O que é Design de Moda? / Gurmit Matharu; tradução: Mariana Bandarra; revisão técnica: Camila Bisol Brum Scherer. – Porto Alegre: Bookman – div. ARTMED Editora, 2011. Ed. Brasileira.
MENDES, Rafael. "Os Festivais de Musica Eletrônica como Constituintes de Identidades Hibridas”. Artigo publicado em 2007, acessado em 20 de setembro de 2012. Disponível em: http://www.hippies.com.br/download/docs/Rafael_Mendes_monofinal_corr.pdf
NUNES, Jefferson Veras. “POR UMA ANÁLISE DOS LAÇOS SOCIAIS JUVENIS: afetos e resistências ao som da música eletrônica em Fortaleza”. (Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará e mestrando do Programa de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará.), 2008. Acessado em 28 de outubro de 2012. http://www.fafich.ufmg.br/atividadeseafetos/teste1/33/trabalho1.pdf
“O imaginário é uma realidade”. Entrevista concedida por Michel Maffesoli a Juremir Machado da Silva, em Paris, em 20/03/2001. Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 15. Agosto/2001. Disponível em: http://200.144.189.42/ojs/index.php/famecos/article/view/285/217
QUARESMA, Silvia Jurema. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC . Vol. 2 nº 1 (3), janeiro-julho/2005, p. 81-89 / http://www.emtese.ufsc.br/3_art6.pdf
RODRIGUES, Rodrigo. Música Eletrônica: a textura da máquina. São Paulo / Belo Horizonte: Annablume / FUMEC, 2005.
SALDANHA, Arun. Power, Nation and Postcolonial Resistence: Geographies of the Tourism Critique in Goa. Birmingham, 2000. (Paper apresentado no Third Crossroads in Cultural Studies Conference).
SANTOS, Jordana de Souza. “O papel dos movimentos sócio-culturais nos “anos de chumbo”. Revista Online do Grupo Pesquisa em Cinema e Literatura, vol.1, nº 6, ano VI, dez./2009. Acessado em 30 de agosto de 2012. Disponível em:
68
http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/BaleianaRede/Edicao06/6c_o_papel_dos_movimentos_culturais.pdf
SIQUEIRA,Elizabeth Regina Almeida de; QUEIROZ, Edilene Freire de. “O estatuto contemporâneo das identificações em sujeitos com marcas e alterações corporais”. Artigo publicado em Tempo psicanal., vol.44 nº1 - Rio de Janeiro, junho/2012. Acessado em 25 de outubro de 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382012000100003
“Tempos modernos: como os jovens que vivem a “Era da Descoberta” influenciam o consumo”, texto em site publicado em 27 de junho de 2012. http://colmeia.biz/2012/06/jovens-no-consumo/