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BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - JUNHO 2018 7 INTERNACIONAL Esta seção trata da política reacionária das grandes potências para os migrantes, do resul- tado das eleições na Colômbia e na Turquia e das perspectivas em relação ao pleito no México, que tem como favorito o candidato da esquerda Andrés Manoel López Obrador, pelo Movimento de Regeneração Nacional em português (Partido Morena) e o Partido do Trabalho (PT). As migrações e a política reacionária das grandes potências O mês de junho foi conturbado em relação ao tema das imigrações. Os áudios e vídeos de crian- ças presas em jaulas, chamando pelos seus pais nos Estados Unidos, chocaram o mundo. O sofri- mento dessas crianças foi consequência da política de “tolerância zero” contra os imigrantes aprovada por Donald Trump em abril, que determina a prisão das pessoas que entram ilegalmente pela fronteira, relegando os menores de idade a ficarem detidos em “abrigos”, separados de seus responsáveis. Por mais que os dois lados da política partidária es- tadunidense, Democratas e Republicanos, tenham aprovado medidas que atacam os imigrantes, o pa- tamar que esse discurso alcançou com a posse de Trump não deve ser desprezado. Toda a campanha eleitoral dele foi pautada em promessas xenófo- bas e nacionalistas. Depois de eleito, várias ações tomadas, além dessa discutida aqui, foram nesse sentido, como chamar de “países de merda” na- ções da América Latina e da África, ao se referir aos imigrantes dessas duas, e proibir a entrada nos Es- tados Unidos de pessoas provenientes de sete paí- ses de maioria muçulmana, entre eles a Síria e Irã. Além disso, no meio de toda polêmica da separa- ção das famílias, Trump decretou a saída do país do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse órgão foi criado em 2006 para ocupar o lugar da Comissão de Di- reitos Humanos e já, nessa ocasião, foi boicotado por outro presidente republicano, George W. Bush que, à época, tinha como representante na ONU John Bolton, atual assessor de segurança nacional. O país somente veio a fazer parte do Conselho em 2009, na presidência de Barack Obama. Os motivos alegados para a saída foram muito pa- recidos com os da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em 2017. Isto é, as supostas medidas anti-Israel adotadas pelo Conselho. Para o governo dos Estados Unidos, a maneira como Israel trata a população da Pales- tina com ataques com armas pesadas a palestinos “armados” com pedras, por exemplo, não configura desrespeito aos direitos humanos. Uma posição que não surpreende em se tratando de um governo que cruelmente separa crianças de seus pais. Com toda a repercussão negativa que gerou a políti- ca de tolerância zero, Trump voltou atrás ao assinar um decreto que acaba com a separação de pais e

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    INTERNACIONAL

    Esta seção trata da política reacionária das grandes potências para os migrantes, do resul-tado das eleições na Colômbia e na Turquia e das perspectivas em relação ao pleito no México, que tem como favorito o candidato da esquerda Andrés Manoel López Obrador, pelo Movimento de Regeneração Nacional em português (Partido Morena) e o Partido do Trabalho (PT).

    As migrações e a política reacionária das grandes potências

    O mês de junho foi conturbado em relação ao tema das imigrações. Os áudios e vídeos de crian-ças presas em jaulas, chamando pelos seus pais nos Estados Unidos, chocaram o mundo. O sofri-mento dessas crianças foi consequência da política de “tolerância zero” contra os imigrantes aprovada por Donald Trump em abril, que determina a prisão das pessoas que entram ilegalmente pela fronteira, relegando os menores de idade a ficarem detidos em “abrigos”, separados de seus responsáveis.

    Por mais que os dois lados da política partidária es-tadunidense, Democratas e Republicanos, tenham aprovado medidas que atacam os imigrantes, o pa-tamar que esse discurso alcançou com a posse de Trump não deve ser desprezado. Toda a campanha eleitoral dele foi pautada em promessas xenófo-bas e nacionalistas. Depois de eleito, várias ações tomadas, além dessa discutida aqui, foram nesse sentido, como chamar de “países de merda” na-ções da América Latina e da África, ao se referir aos imigrantes dessas duas, e proibir a entrada nos Es-tados Unidos de pessoas provenientes de sete paí-ses de maioria muçulmana, entre eles a Síria e Irã.

    Além disso, no meio de toda polêmica da separa-ção das famílias, Trump decretou a saída do país do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse órgão foi criado em 2006 para ocupar o lugar da Comissão de Di-reitos Humanos e já, nessa ocasião, foi boicotado por outro presidente republicano, George W. Bush que, à época, tinha como representante na ONU John Bolton, atual assessor de segurança nacional. O país somente veio a fazer parte do Conselho em 2009, na presidência de Barack Obama.

    Os motivos alegados para a saída foram muito pa-recidos com os da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em 2017. Isto é, as supostas medidas anti-Israel adotadas pelo Conselho. Para o governo dos Estados Unidos, a maneira como Israel trata a população da Pales-tina com ataques com armas pesadas a palestinos “armados” com pedras, por exemplo, não configura desrespeito aos direitos humanos. Uma posição que não surpreende em se tratando de um governo que cruelmente separa crianças de seus pais.

    Com toda a repercussão negativa que gerou a políti-ca de tolerância zero, Trump voltou atrás ao assinar um decreto que acaba com a separação de pais e

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    crianças. Porém, não se sabe ao certo como isso será feito, já que os menores, teoricamente, terão que fi-car detidos com seus responsáveis. Outro problema que surge é se as famílias que já foram separadas se-rão reunidas e, se sim, como isso será feito, pois em muitos casos não se sabe onde está cada membro.

    Do outro lado do Oceano Atlântico, a Europa tam-bém possui governos que aprovam medidas que atacam os imigrantes. O maior exemplo disso atual-mente é a Itália, governada pela aliança formada pe-los partidos nacionalistas e eurocéticos Liga Norte e Movimento 5 Estrelas (MS5), que somente nas últi-mas duas semanas do mês já fecharam os portos do país para duas embarcações contendo imigrantes.

    Dentro do governo, se destaca a posição extremista do ministro do Interior e líder da Liga, Matteo Salvini, que defende projetos como mandar embora cem mil imigrantes por ano e fazer recenseamento dos ciga-nos que moram no país e expulsar aqueles que não são italianos. A última foi bastante criticada por lem-brar as leis raciais em voga durante o governo fascista de Benito Mussolini, que enviaram para o campo de concentração oito mil judeus que viviam na Itália.

    Tais posturas vêm criando atritos entre os governos italiano e francês. Emmanuel Macron, represen-tante do último, criticou veementemente a atitude de não deixar os barcos atracarem e disse que “po-pulistas são a lepra da Europa”. A Itália, por outro lado, argumenta que a França não está aceitando imigrantes e coloca cada vez mais patrulhas no seu lado da fronteira entre os dois países, apesar da li-vre circulação ser permitida nos territórios mem-bros da União Europeia (UE), ou seja, Macron pare-ce estar mais preocupado em não ter que assumir responsabilidade sobre os imigrantes do que com os direitos básicos desses.

    Além disso, depois que o novo governo espanhol, liderado pelos socialistas, aceitou receber um dos barcos de refugiados proibido de atracar na Itália, Macron propôs uma resolução para ser discutida na União Europeia: refugiados aceitos por determinado país da UE não poderiam deixá-lo e circular livre-mente pela Europa. Ou seja, aqueles aos quais foi permitido ingressar na Espanha ali teriam que per-manecer ou regressar aos seus países de origem.

    Já na Alemanha as discussões acerca da imigração estão abalando internamente o país que é a “cabe-ça” da União Europeia. O partido aliado de Angela Merkel e que foi crucial para a formação de seu go-verno, a União Social-Cristã, deu quinze dias, a partir de 18 de junho, para que ela negocie com a União Europeia um acordo para limitar os imigrantes no país sob pena de romper a coalizão governamental CDU/CSU e SPD. O ultimato se deu no momento que o partido está perdendo terreno para a extre-ma-direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), nas eleições na Baviera no segundo semestre e que vem crescendo à partir do discurso xenófobo.

    Um balanço das eleições colombianas

    O primeiro semestre na Colômbia foi de intensa mobilização política com a realização de prévias para a definição de candidaturas presidenciais, elei-ções parlamentares e, finalmente, a realização de dois turnos das eleições presidenciais.

    Nas eleições parlamentares realizadas na Colômbia em 11 de março, os partidos da direita foram os vi-toriosos, embora a esquerda, ainda que fragmenta-da, tenha avançado um pouco. Estas eleições tam-bém foram utilizadas como primárias para definir os candidatos de algumas coalizões, no caso da direita disputada entre os postulantes dos partidos Centro Democrático (CD) do ex-presidente Álvaro Uribe, e do Conservador, onde o escolhido foi Ivan Duque, do CD, com aproximadamente quatro mi-lhões de votos. Na esquerda, houve também uma prévia entre o candidato da Aliança Verde, Gustavo Petro e Carlos Caicedo, do Fuerza Ciudadana, am-bos ex-prefeitos respectivamente das cidades de Bogotá e Santa Marta, vencida pelo primeiro com quase três milhões de votos contra quinhentos mil.

    As 108 cadeiras do Senado foram disputadas por dezesseis partidos e coalizões e dez deles estarão representados na legislatura que será inaugura-da em 20 de julho próximo. Destes, três partidos de direita somarão 53 senadores, os Liberais e o Partido da Unidade Nacional mais ao centro terão juntos 28 senadores e a esquerda somará 27 se-nadores, incluindo os cinco que caberão ao Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc), con-

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    forme definido nos Acordos de Havana, embora tenham obtido apenas cinquenta mil votos, o que não lhes daria nenhum assento. Este resultado foi importante, pois a soma dos votos da esquerda e do centro, em tese, permitem pelo menos barrar retrocessos propostos pela direita nos acordos de paz e pelo novo presidente, Ivan Duque, pois jun-tos somam 55 votos no Senado (50% mais um).

    As 172 vagas na Câmara foram disputadas por 27 partidos ou coalizões onde catorze deles elegeram representantes. A direita elegeu 83 deputados, o centro elegeu sessenta, a esquerda dezenove in-cluindo os cinco que cabem às Farc e algumas pe-quenas agremiações regionais ou independentes elegeram os deputados remanescentes.

    Oito candidatos presidenciais se apresentaram para disputar o primeiro turno em 27 de maio, dos quais os mais representativos da direita foram Ivan Duque do CD e Germán Vargas Lleras do Câmbio Radical. Pelo centro, veio Humberto de la Calle, que foi o coordenador do governo colombiano nas negocia-ções do acordo de paz com as Farc em Havana, pelo Partido Liberal, e a esquerda se apresentou dividida entre as candidaturas de Gustavo Petro, da Aliança Verde, e Sergio Fajardo, ex-governador do estado de Antioquia pelo Pólo Democrático Alternativo (PDA).

    O resultado, levou à realização de um segundo turno marcado para o dia 17 de junho. O voto não é obri-gatório na Colômbia e o comparecimento às urnas foi de 53% do eleitorado, quase 10% a mais do que na eleição passada em 2014. Os dois primeiros colo-cados foram o direitista Ivan Duque, do Centro De-mocrático, apoiado pelo ex-presidente Álvaro Uribe que obteve 39,1% dos votos e, pela primeira vez na história, um candidato de esquerda, Gustavo Petro, pela coalizão “Colômbia Humana”, alcançou 25,1% dos votos, superando Fajardo do Polo que obteve 23,8% dos votos e foi ao segundo turno.

    Neste, realizado no dia 17 de junho, sagrou-se vito-riosa a chapa Ivan Duque e Marta Lucia Ramirez, do Centro Democrático. Ele, um estreante na política, recebeu 53,9% dos votos contra 41,8% dados ao candidato de esquerda do Movimento Progressista, Gustavo Petro, ex–prefeito da cidade de Bogotá. Os votos brancos e nulos somaram 4,3% e o compa-

    recimento dos eleitores foi inferior a 50%.

    Ainda assim, Petro recebeu cerca de oito milhões de votos que não poderão ser desconsiderados pelo novo presidente que assumirá em 7 de agosto, mas não conseguiu transferir para si a totalidade de votos dados a Sergio Fajardo, do Polo Democrático Alternativo, e do liberal Humberto de la Calle. Fa-jardo declarou neutralidade no segundo turno, em-bora setores do PDA tenham apoiado Petro.

    De qualquer forma, os resultados eleitorais deste ano na Colômbia, tanto para o Parlamento, quanto para a presidência da República, foram os melhores para a esquerda desde que esta começou a partici-par dos processos eleitorais e apontam possibilida-des no médio prazo.

    O dramático é que a agenda econômica neoliberal radical adotada desde os governos de Álvaro Uribe e mantida por Manuel Santos prosseguirá com Ivan Duque. Ele tem também falado em rever itens do acordo de paz com as Farc e reconhece o apoio de Uribe para garantir sua vitória. No entanto, é sem-pre bom lembrar que governar é outra coisa. San-tos havia sido ministro de Defesa de Uribe e depois romperam. Ele foi o governante que conseguiu ne-gociar o acordo de paz, combatido pelo seu ante-cessor, que agora se tenta alcançar também com o ELN, o segundo maior grupo insurgente, embora de resultado ainda distante.

    O crucial para enfrentar este quadro será o de construir a unidade na esquerda e no progressismo na Colômbia.

    Eleições turcas

    Em 2017 houve um plebiscito na Turquia no qual a maioria da população aprovou a proposta do en-tão primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, de substituir o regime parlamentarista pelo presiden-cialismo que, em princípio, previa uma eleição sob o novo regime em novembro de 2019. Porém, no mês de abril passado, o governo Erdogan decidiu antecipá-la para 24 de junho de 2018, para ace-lerar a concentração de poder presidencial e tam-bém buscar a maioria no Parlamento de seiscentos membros. Para isso buscou se beneficiar do apoio popular de que ainda dispõe, principalmente nas

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    regiões mais conservadoras do interior do país de-pois de quinze anos à frente do governo turco.

    O resultado das eleições presidenciais foi 52% dos votos para Erdogan e 53,6% para os candidatos do partido Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) co-ligado com o Partido da Ação Nacionalista (MHP).

    O social-democrata Partido Republicano do Povo (CHP) obteve 30,7% dos votos para seu candida-to a presidente, Muharrem Ince, e 31,5% dos votos para o Parlamento em coligação com dois partidos menores. O último comício de campanha de Ince reuniu mais de um milhão de pessoas em Istambul, e a imprensa internacional avaliava que ele pode-ria até participar de uma disputa em segundo turno que, entretanto, não ocorreu. Denúncias de fraudes ocorreram, mas, no dia seguinte à eleição, Ince re-conheceu a vitória de Erdogan.

    O candidato à presidência pelo Partido Democrático do Povo (HDP), de esquerda e também dos curdos, Selahattin Demirtas, obteve 8,4% dos votos e 11,2% para os candidatos parlamentares do partido.

    As perspectivas das eleições mexicanas

    Previstas para 1º de julho, as eleições presidenciais no segundo maior país da América Latina, o Mé-xico, não têm dois turnos. Vence quem obtiver a maioria dos votos e tudo indica que desta vez será o candidato da esquerda Andrés Manoel López Obrador (AMLO) pelo Partido Morena (Movimen-to de Regeneração Nacional em português) e o

    Partido do Trabalho (PT), pois várias pesquisas de opinião o situam com aproximadamente 50% da preferência e 20% à frente do segundo colocado, Ricardo Anaya, candidato da coligação do Partido da Ação Nacional (PAN) com o Partido da Revolu-ção Democrática (PRD). O terceiro lugar cabe ao candidato da situação do Partido da Revolução Ins-titucional (PRI), José Meade, com menos de 20% da preferência, apesar do peso que sua máquina partidária possui.

    López Obrador foi prefeito da cidade do México até 2005, quando se candidatou à Presidência, em 2006, pelo PRD pela primeira vez e foi derrotado por poucos votos pelo candidato do PAN, Felipe Calderón, em uma eleição denunciada como frau-dulenta. Em 2012, candidatou-se novamente pelo PRD e perdeu para o atual presidente do PRI, En-rique Peña Nieto. Posteriormente, rompeu com o PRD e criou o Morena.

    A campanha se encerra no dia 27 de junho e embora a ameaça de fraude esteja presente, será difícil para a direita tirar uma diferença de 20% por esse meio.

    Uma vez vitorioso, o desafio de governar o país com a crise econômica, política e social em que vive, particularmente os problemas de segurança e do narcotráfico, que custaram a vida de mais de duzentas mil pessoas e trinta mil desaparecidos ao longo dos últimos anos, será grande. Porém, a vi-tória também será um alento para a esquerda no continente após a ascensão do conservadorismo e do golpismo a que temos assistido.

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