BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 668 · na hipótese inversa, isto é, transferência de bem...

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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 668 (Ano VIII) (02/8/2016) ISSN - - BRASÍLIA 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 668

(Ano VIII)

(02/8/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

doJu

rídico-ISSN

–1984-0454

 

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ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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Publicação

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

02/08/2016 Kiyoshi Harada 

» ITBI e desincorporação resultante de redução de capital

ARTIGOS  

02/08/2016 Fernando Caldas Bivar Neto » Recebo a denúncia, cite‐se o réu: superação de "pseudodecisões" à luz do art. 489, § 

1º, inciso III, do NCPC 

02/08/2016 Luiz Henrique Damasceno de Moura 

» Revogação da jurisprudência e segurança jurídica 

02/08/2016 Lucas Pepeu Galindo 

» Teoria das autolimitações e a vinculação da Administração Tributária a seus 

precedentes administrativos 

02/08/2016 Ticiano Marcel de Andrade Rodrigues 

» Reflexos causados pela fluidez do parâmetro de controle da arguição de 

descumprimento de preceito fundamental 

02/08/2016 Érica Izabel da Rocha Costa 

» Responsabilidade do empregador por assaltos ocorridos durante a prestação de 

serviços 

02/08/2016 Natalia Quezado Costa 

» Da terceirização na Administração Pública 

02/08/2016 Raphael Rodrigues Valença de Oliveira 

» A estabilidade do servidor público e o princípio da eficiência 

02/08/2016 Julio Cesar Araujo Monte 

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» Técnicas de controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro: interpretação 

conforme e declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. 

Diferenças e aproximações 

02/08/2016 Enio Gustavo Lopes Barros 

» A prova da embriaguez e as alterações trazidas pela Lei 12.760/2012 no Código de 

Trânsito brasileiro 

02/08/2016 Lucas Albuquerque Dias 

» (In)constitucionalidade do intervalo de 15 minutos para mulheres antes de hora 

extra. Análise crítica do Recurso Extraordinário 658.312 

02/08/2016 Alan Pinto Teixeira Alves 

» Código de Processo Civil de 2015 e tutelas de urgências 

02/08/2016 Jacqueline Dias de Freitas Schaefer 

» O menor infrator no Direito Penal: medidas socioeducativas, privação de liberdade e 

direitos humanos 

02/08/2016 Rosana Cabral Figueiredo 

» Benefício de Prestação Continuada ‐ BPC e suas atualidades segundo a Lei 

13.301/2016 e o Decreto 8.805/2016 

02/08/2016 Erotides Martins Reis Neto 

» Da necessidade de demonstração do elemento subjetivo do ato de improbidade 

administrativa 

02/08/2016 Priscila Maia Barreto 

» Extinção do crédito tributário 

MONOGRAFIA 

02/08/2016 Thiago Augusto Barbosa Ferreira » O estudo do princípio da seletividade no imposto sobre produtos industrializados 

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ITBI E DESINCORPORAÇÃO RESULTANTE DE REDUÇÃO DE CAPITAL

KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

A partir deste artigo passaremos a disponibilizar semanalmente um dos temas controvertidos em matéria de ITBI que foram objetos de exame na 2ª edição do nosso livro ITBI doutrina e prática lançado em 2016 pela Editora Atlas.

O tema em epígrafe não é pacífico e tem gerado dúvidas e incertezas porque não há no Código Tributário Nacional uma norma específica regulando essa matéria, pelo que se impõe uma interpretação sistemática dos dispositivos legais e constitucionais pertinentes.

Se não há incidência do imposto quando o bem imóvel é dado em pagamento para integralizar o capital subscrito, por expressa determinação constitucional, parece-nos lógico que na hipótese inversa, ou seja de sua devolução, também não deva incidir a tributação do ITBI.

Examinemos.

Dispõe o art. 36, do CTN:

“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a

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transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.”

Ocorre que o disposto no parágrafo único não é contemplado pela CF de forma expressa, que limita a imunidade às hipóteses de transferência de bens para integralização do capital subscrito pelo sócio, às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica (inciso I do § 2o do art. 156 da CF).

Como é sabido, a lei complementar é competente apenas para regular a imunidade prevista na CF, não podendo ampliá-la, nem restringi-la. Em sua interpretação literal, a regra do parágrafo único do art. 36 do CTN não tem apoio no texto constitucional.

Entretanto, aquele parágrafo único não deve ser interpretado isoladamente, porém de forma conjugada com o inciso I do § 2o do art. 156 da CF, que contempla a hipótese de extinção da pessoa jurídica que o CTN não prevê:

§ 2o O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa

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jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Ora, desincorporação de bens dados em conferência mediante redução de capital configura dissolução parcial da pessoa jurídica.

Portanto, o texto do parágrafo único do art. 36 do CTN acha-se recepcionado pelo inciso I do § 2o do art. 156 da CF.

A única exigência que se pode fazer para o registro da transferência do bem imóvel ao sócio que o recebe em pagamento do capital reduzido é a formalidade da escritura pública, pois o art. 64 da Lei no 9.934, de 18-11-1994, só dispensa a escritura pública na hipótese inversa, isto é, transferência de bem imóvel para formação ou aumento de capital social. Por versar sobre matéria excepcional, o referido art. 64 deve ser interpretado de forma restritiva, ou então de forma estrita sem qualquer ampliação.

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RECEBO A DENÚNCIA, CITE-SE O RÉU: SUPERAÇÃO DE "PSEUDODECISÕES" À LUZ DO ART. 489, § 1º, INCISO III, DO NCPC

FERNANDO CALDAS BIVAR NETO: Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, foi Delegado de Polícia Federal entre 2014 e 2016. Atualmente é Advogado em Pernambuco.

RESUMO: A ato de recebimento da denúncia sempre foi encarado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores como mero despacho de expediente que, por não possuir conteúdo decisório, prescindia de motivação, possibilitando, inclusive, a prolação de “pseudodecisões” - aquelas que nada decidem. Atualmente, o entendimento vem sendo superado por precedentes do Superior Tribunal de Justiça e, com o advento do Novo Código de Processo Civil, sobretudo à luz do art. 489, § 1º, inciso III, o cenário tende a ser cada vez mais refratário à prolação de “pseudodecsiões”.

PALAVRAS-CHAVE: recebimento da denúncia; motivação; pseudodecisão, Novo Código de Processo Civil.

1- Introdução

Não é de hoje que a doutrina processual penal, à luz do art. 800 do CPP, sustenta que, no curso da ação penal e antes de proferida a sentença, os atos dos juízes podem ser classificados como decisões interlocutórias mistas, decisões interlocutórias simples e despachos de mero expediente.

Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho, as decisões interlocutórias simples “são soluções dadas a certos temas, a certos assuntos, questões que sucedem, acontecem, no curso de um

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procedimento, sem, contudo, encerrá-lo”. Por outro lado, ainda segundo o autor, as decisões interlocutórias mistas “tem a força de trancar a relação processual, sem julgamento de mérito – e nesse caso são denominadas de terminativas -, ou, então, de encerrar uma fase do procedimento – decisão não-terminativa -, de que é exemplo a pronúncia” (TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 79).

Diversamente, os despachos de mero expediente diferenciam-se das decisões interlocutórias por não possuírem conteúdo decisório. São, assim, atos singelos relacionados à movimentação processual (TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. op. cit. p. 78), tal como a abertura de prazo para manifestação das partes ou a designação de audiência.

Nesse compasso, considerando que as decisões interlocutórias, diferentemente dos despachos, possuem nítido conteúdo decisório, sobre elas incide a regra do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, ao prescrever que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.

A motivação das decisões judiciais serve para o controle da racionalidade da decisão (LOPES JR., Aury.Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional. Vol. 1. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 195), possibilitando a análise da compatibilidade das premissas fáticas e jurídicas utilizadas pelo Estado-juiz com o ordenamento jurídico. Diz-se, ainda, que a regra possui uma função endoprocessual, permitindo o controle da decisão judicial pelas instâncias superiores, bem como uma função extraprocessual, elemento que confere a possibilidade de controle da decisão judicial por toda a sociedade (DIDIER, Fredie; BRAGA, Paula; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 322 e 333).

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Feitas essas pequenas digressões, parte-se para a análise da necessidade, ou não, de fundamentação do ato judicial que recebe a denúncia ou queixa.

2 – Recebimento da denúncia e fundamentação

Quem atua no âmbito criminal sabe que, normalmente, o ato de recebimento da denúncia limita-se à exposição de frases genéricas. Não é incomum que o aplicador do direito depare-se com “pseudodecisões”, tais como “Presentes os requisitos do art. 41 do CPP, recebo a denúncia. Cite-se o réu para apresentar resposta à acusação, nos termos do art. 396 do CPP”, ou, de forma ainda mais sucinta, com o brocado “recebo a denúncia. Cite-se o réu”.

Tais “pseudodecisões” foram, por muito tempo, consideradas válidas pelo Supremo Tribunal Federal, a exemplo da seguinte passagem extraída do voto proferido pelo Min. Celso de Mello no julgamento do HC nº 93.056/PE, oportunidade na qual afirmou que “o juízo positivo de admissibilidade da acusação penal, ainda que desejável e conveniente sua motivação, não reclama, contudo, fundamentação”. Diversos são os precedentes no Superior Tribunal de Justiça (v.g. HC n 16.380, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca) e do STF (v.g. RHC nº 97.598/SC, Rel. Min. Ellen Graice e HC nº 95.354/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes) que dispensam qualquer fundamentação no ato de recebimento da denúncia, embora haja precedente isolado da do Pretório Excelso em sentido contrário (RE nº 456.673/CE, Rel. Min. Cezar Peluso).

Ao assim decidir, as Cortes Superiores equiparavam, ainda que tacitamente, o ato de recebimento da denúncia a meros despachos de expediente, situação incompatível com a natureza jurídica do ato de recebimento da denúncia – verdadeira decisão interlocutória, como se verá adiante – e, ainda, com os efeitos que dela decorrem.

É que o recebimento da denúncia acarreta inúmeros efeitos, seja de ordem jurídica ou social.

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Num primeiro momento, o recebimento da denúncia constitui causa interruptiva da prescrição (art. 117, inciso I, do Código Penal). E assim o é porque significa o primeiro momento em que o Estado-juiz reconhece a existência de lastro-probatório mínimo da prática de um crime. Ou seja, é a partir do recebimento da denúncia – e não com o mero oferecimento da peça acusatória pelo Ministério Público – que passa o então acusado a figurar como réu.

Da mesma forma, o recebimento da denúncia serve como marco final para a incidência do instituto do arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal). Assim, uma vez recebida a denúncia, fica impossibilitada a redução da pena pela reparação espontânea do dano ou restituição da coisa.

No âmbito processual, o recebimento da denúncia é o momento de admissibilidade da pretensão acusatória, oportunidade na qual o juiz avalia a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação (com as críticas efetuadas por LOPES JR., Aury. op. cit. p. 339) e, “ausente qualquer uma delas, deve o magistrado rejeitar a peça acusatória, declarando o autor carecedor de ação, nos termos do art. 395, II e III, do CPP”. (BRASILEIRO, Renato. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 161). Dessa forma, o recebimento da denúncia significa um juízo positivo sobre a viabilidade da acusação, de modo que há efetivo conteúdo decisório.

Por outro lado, não se pode desprezar a estigmatização social que decorre da condição de réu. Se durante ambas as fases da persecução criminal (seja na fase investigativa ou na fase do processo propriamente dito) há uma gradativa modificação da condição do sujeito passivo (BRASILEIRO, Renato. op. cit. p. 1221), passando de investigado, indiciado (após a formalização do indiciamento), denunciado e réu, e sendo certo que cada uma dessas qualidades de sujeição trazem consigo cargas valorativas mais gravosas, é certo que a condição de réu pressupõe a existência de um gravame social mais elevado, gerando, portanto, maior estigmatização social.

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A doutrina também não destoa de tal entendimento. Fernando da Costa Tourinho Filho, ao dissertar sobre o conceito de decisão, afirma que“decisões, significando ato de decidir, são as soluções dadas pelos Órgãos Jurisdicionais às questões que surgem no transcorrer de um processo. Sua importância está na dependência do relevo da discussão suscitada. Basta dizer que o ato por meio do qual o Juiz recebe a denúncia é uma decisão”. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 78).

No mesmo sentido, Fernando Capez sustenta que“o recebimento da denúncia ou queixa implica escolha judicial entre a aceitação e a recusa da acusação, tendo, por essa razão, conteúdo decisório, a merecer adequada fundamentação”. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 159).

Como adverte Renato Brasileiro “considerando que essa decisão representa o marco deflagrador dapersecutio criminis in iudicio, além de ser causa de interrupção da prescrição e de fixação da competência pela prevenção, elevando o status do agente de indiciado a acusado, não há como negar que se trata de importante decisão judicial, e não de mero despacho, daí por que é indispensável a fundamentação por parte da autoridade judiciária competente, sob pena de violação ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal”(BRASILEIRO, Renato. op. cit. p. 1285).

Importante citar, ainda, as críticas muito bem abalizadas efetuadas por Alexandre Moraes da Rosa e Aury Lopes Jr. em artigo intitulado “Quando o acusado é VIP, o recebimento da denúncia é motivado” (disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-nov-14/limite-penal-quando-acusado-vip-recebimento-denuncia-motivado. Acesso em: 24 de julho de 2016).

Citados autores apontam, com razão, grande incongruência nas decisões do STF proferidas em relação a processos de competência originária, nos quais há extensa motivação acerca do recebimento da denúncia, e nos casos oriundos da justiça de

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primeira instância, quando o STF equipara o recebimento da denúncia a um despacho de mero expediente e, portanto, de motivação prescindível. Apenas a título de exemplo, o voto proferido pelo Min. Teori Zavascki quando do recebimento da denúncia contra o Deputado Federal Eduardo Cunha no bojo do Inquérito nº 4.146/DF possui cerca de 63 (sessenta e três) laudas e, em muitos trechos, estabelece contornos detalhados acerca da viabilidade da acusação, situação que demonstra a procedência das críticas efetuadas pelos autores.

3 - Jurisprudência atual e aplicação do NCPC

Atualmente, as críticas doutrinárias começam a reverberar nas Cortes Superiores, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça. Começam a surgir precedentes naquele Sodalício no sentido de que o ato de recebimento da denúncia possui efetivo caráter decisório. Contudo, por tratar-se de juízo de delibação, prescinde de fundamentação complexa, a exemplo do quanto decidido no bojo do AgRg no AREsp 440.087/SC, Rel. Min. Laurita Vaz e no AgRg no HC nº 345.976/SC, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro.

Sobre essa temática, inclusive no tema das “pseudodecisões”, emblemático o julgamento o HC nº 59.759/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca.

No caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, o acusado fora denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime de furto (art. 155 do Código Penal), pois teria supostamente subtraído dois celulares de duas vítimas numa lanchonete. A denúncia narrou exaustivamente a conduta do réu e, quando do recebimento da denúncia, foi proferida a seguinte decisão:

“R.h.

Recebo a denúncia, pois a peça acusatória preenche todos os requisitos do art. 41 do CPP.

Cite-se o acusado para responder a acusação no prazo de dez dias, por escrito, ciente de que não havendo

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protocolização em juízo da peça defensiva os autos serão remetidos ao Defensor Público.

Transcorrido o prazo sem manifestação, certificar e, após, intimar o Defensor Público, para apresentação da resposta.

Notifique-se o Ministério Público.

Cumpra-se.”

Atento a tudo o que exposto até o momento, ressaltou o Min. Reynaldo Soares da Fonseca que “o julgador, nem mesmo de forma concisa, ressaltou a presença dos requisitos viabilizadores da ação penal. Limitou-se a dizer: ‘Recebo a denúncia, pois a peça acusatória preenche todos os requisitos do art. 41 do CPP’”, sem demonstrar, nem minimamente, o que o teria levado a acolher a pretensão ministerial”. Ao fim, a turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para anular o processo desde o recebimento da denúncia.

Trata-se de julgamento louvável em que o STJ, superando o reducionismo de tratar o recebimento da denúncia como mero despacho de expediente desprovido de maior gravidade, enfrentou o problema das milhares de “pseudodecisões” de recebimento da denúncia que sequer apontam elementos concretos a autorizar o início da persecução penal em juízo.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, acredita-se que decisões do mesmo jaez daquela proferida pelo STJ no bojo do HC nº 59.759/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca serão cada vez mais recorrentes, sobretudo a teor do art. 489, § 1º, inciso III,do NCPC.

Primeiramente, apesar das procedentes críticas quanto à incorporação de institutos do processo civil ao processo penal, como o faz Aury Lopes Jr. (LOPES JR., Aury. op. cit. p. 27), prepondera na jurisprudência a possibilidade, à luz do art. 3º do CPP, da aplicação subsidiária de institutos previstos no Código de

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Processo Civil, valendo citar, a título de exemplo, o RHC nº 57.488/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, EREsp nº 1.218.726/RJ, Rel. Min. Felix Fischer e o HC nº 288.640/MG.

Assim, uma vez fixada a possibilidade, de acordo com a jurisprudência majoritária, de aplicação de institutos do Código de Processo Civil no âmbito do processo penal, o certo é que, agora com tanto mais razão, a motivação da decisão de recebimento da denúncia, afastando-se das chamadas “pseudodecisões”, é medida imprescindível à regularidade da marcha processual.

É que o art. 489, § 1º, inciso III, do NCPC estabelece que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão que invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão.

Sobre o dispositivo em comento, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael de Oliveira manifestam o seguinte:

“É bastante comum o operador do direito deparar-se, no seu dia-a-dia, com decisões do tipo ‘presentes os pressupostos legais, concedo a tutela provisória’, ou simplesmente ‘defiro o pedido do autor porque em conformidade com as provas produzidas nos autos’, ou ainda ‘indefiro o pedido, por falta de amparo legal’.

Essas decisões não atendem à exigência da motivação. Trata-se de tautologias ou, numa irreverente imagem trazida por Teresa Wambier, trata-se de decisão judicial tipo ‘vestidinho preto’ – que, exatamente por isso, não se pode considerar fundamentada.” (DIDIER, Fredie; BRAGA, Paula; OLIVEIRA, Rafael. op. cit. p. 342).

Embora a invalidade das chamadas “pseudodecisões” já pudesse ser extraída da regra constitucional da motivação inscrita no art. 93, inciso IX, da CF, como inclusive afirmam os autores acima citados, o dispositivo pode ser utilizado para inviabilizar, de maneira mais direta, a fundamentação de atos judiciais que, de tão

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genéricos, podem ser utilizados para qualquer situação fática, como infelizmente acontece diuturnamente em decisões de recebimento da denúncia.

4 - Conclusão

A inovação trazida pelo NCPC é salutar e, casa sua aplicação venha a corroborar os precedentes mais atuais do Superior Tribunal de Justiça, tudo isso significará um novo paradigma para o aperfeiçoamento da legitimidade do processo penal.

Espera-se, num futuro próximo, que os operadores do Direito que atuam na seara criminal não mais se deparem com “pseudodecisões” de recebimento de denúncias e que a inovação trazida pelo NCPC possa influenciar a atuação dos magistrados, de modo a emprestar cada vez mais eficácia ao comando do art. 93, inciso IX, da CF.

BIBLIOGRAFIA

BRASILEIRO, Renato. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

DIDIER, Fredie; BRAGA, Paula; OLIVEIRA, Rafael.Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional. Vol. 1. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

LOPES JR., Aury; ROSA, Alexandre Moraes.Quando o acusado é VIP, o recebimento da denúncia é motivado.

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Disponível em:http://www.conjur.com.br/2014-nov-14/limite-penal-quando-acusado-vip-recebimento-denuncia-motivado. Acesso em: 24 de julho de 2016.

TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3. 15ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1994.

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REVOGAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E SEGURANÇA JURÍDICA

LUIZ HENRIQUE DAMASCENO DE MOURA: Bacharel em Direito pela UnB; Técnico Judiciário no Tribunal Superior do Trabalho.

RESUMO: O presente artigo trata de técnicas desenvolvidas para enfrentar o impacto sobre os destinatários das normas da revogação de jurisprudência, em face da proteção da confiança legitima na estabilidade das decisões judiciais, corolário da segurança jurídica.

Introdução

As técnicas para atenuar o impacto sobre a sociedade das mudanças de entendimento consolidado pelo Poder Judiciário tem ganhado destaque no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo com uma perspectiva mais voltada para a segurança jurídica, fundamento axiológico do Direito.

2. Superação total e parcial do precedente (overruling e overriding)

No sistema do common law, que se desenvolveu com base na doutrina dos precedentes obrigatórios, há a figura do overruling, que consiste na revogação expressa do precedente, que pode ser implementada até mesmo pela corte que o fixou. A eficácia vinculante do precedente, portanto, não implica sua inalterabilidade, sob pena de obstar o desenvolvimento do direito. Contudo, o poder de revogar os seus próprios precedentes não deve ser exercido sem que existam circunstâncias especiais, na medida em que eles têm eficácia horizontal, isto é, o tribunal que o elaborou tem o dever de respeitá-lo, não podendo rediscutir a mesma questão jurídica a todo

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momento[1]. Para se ter uma ideia, ao longo das últimas décadas, enquanto teve atribuições para tanto, a House of Lords não revogou mais do que um precedente por ano[2].

Como requisitos básicos para a revogação do precedente, Marinoni aponta a perda de congruência social e o surgimento de inconsistência sistêmica. A primeira ocorre quando o precedente passa a negar proposições morais, políticas e de experiência na sociedade; já o segundo se dá quando o precedente deixa de guardar coerência com outras decisões, o que decorre de distinções inconsistentes[3]. Há outros fatores que, sem dúvida, influenciam a superação de uma orientação por determinado tribunal, como a alteração da sua composição ou até mesmo a mudança de entendimento dos membros, o que pode acontecer, desde que haja uma profunda discussão a respeito da matéria e seja resguardada a confiança dos jurisdicionados.

No modelo norte-americano, há também o anticipatory overruling, hipótese em que as cortes de apelação afastam a aplicação do precedente fixado pela Suprema Corte por considerar que este provavelmente será revogado. Tal possibilidade é motivo de polêmica quando examinada a sua compatibilidade do stare decisis[4]. Não obstante a discussão doutrinária envolvendo a matéria, a possibilidade do anticipatory overruling pode dar uma resposta aos críticos da doutrina dos precedentes vinculantes, que alegam que ela importaria engessamento do Poder Judiciário, tolhendo a liberdade dos juízes e tribunais inferiores. Note-se que não se trata de uma liberdade ampla dos tribunais de apelação, mas da possibilidade de se antecipar à Suprema Corte, afastando a aplicação do precedente, quando houver elementos convincentes indicando que este será revogado em breve.

Tal qual ocorre no anticipatory overruling, quando o tribunal superior deu sinais de que uma súmula será revogada ou alterada, os juízes e tribunais inferiores têm o poder-dever de não aplicá-la nos julgamentos que conduzirem. É o que ensina Marinoni,in verbis:

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De lado a diferença entre precedente e súmula, o mesmo raciocínio, a demonstrar a necessidade de anticipatory overruling, deve ser utilizado quando se está diante de súmula. Quando o tribunal superior já deu sérias mostras de que está prestes a revogar ou cancelar súmula, ou mesmo quando as decisões do tribunal evidenciam que a súmula não mais será aplicada – tendo ocorrido revogação implícita –, os tribunais de justiça ou regionais federais devem deixar de aplicá-la.

Não, como é obvio, por discordarem da súmula, mas sim por terem de estar em sintonia com o pensamento dos tribunais superiores. A não aplicação da súmula obsoleta ou em vias de revogação, antes de constituir quebra de autoridade das decisões judiciais, representa postura necessária para a afirmação da própria lógica do respeito aos precedentes das Cortes superiores. Na verdade, quando uma súmula não é mais aplicada ou não será mais aplicada, a sua adoção é, evidentemente, muito mais nociva do que a sua negação[5].

Os efeitos da revogação do precedente também podem ser limitados a partir determinado marco temporal. Trata-se do prospective overruling. Nocommon law, a revogação do precedente, em regra, opera efeitos retroativos, pois significa admitir que a tese nele enunciada estava equivocada ou incompatível com novos valores ou o próprio direito[6]. Contudo, a prática judicial norte-americana tem demonstrado a necessidade de se atribuir efeitos prospectivos a algumas decisões que revoguem um precedente, com fulcro no princípio da segurança e da proteção da confiança dos jurisdicionados[7]. Para que a revogação do precedente não opere efeitos retroativos, a confiança dos jurisdicionados deve ser justificável, isto é, o tribunal não pode ter dado sinais de que a tese adotada no precedente está prestes a ser

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revogada[8]. Disso pode-se concluir que a confiança que justifica a atribuição de efeitos prospectivos à revogação dos precedentes é marcada por certo grau de objetividade, uma vez que não considera a situação de um jurisdicionado específico, mas, sim, a confiança em geral dos cidadãos e o comportamento dos tribunais.

Com a aplicação do prospective overruling, é possível que os efeitos da revogação do precedente não se apliquem sequer ao caso sob julgamento, de modo que toda a energia despendida pela parte não lhe traz nenhum benefício concreto, o que poderia gerar uma sensação de injustiça e desestimular a provocação dos tribunais para a revisão dos precedentes. Ocorre que, como destacado alhures, os precedentes desempenham múltiplas funções, dentre as quais está a de orientar comportamentos dos cidadãos, de modo que a decisão que revoga um precedente não produzir efeitos no caso concreto não compromete as consequências externas daí decorrentes. Ademais, a impressão de injustiça é apenas aparente, pois a atribuição de efeitos prospectivos visa a tutelar a segurança, a igualdade e a confiança justificável[9].

Há situações, ainda, em que o tribunal apenas limita a incidência do precedente, sem revogá-lo ou sinalizar uma revogação futura. É o overriding. Celso Albuquerque da Silva assevera que “nada mais seria do que um caso de uma revogação parcial de uma doutrina precedente geral”[10], contudo, Marinoni rechaça essa afirmação, defendendo que não se trata de revogação nem mesmo parcial, mas do afastamento de um precedente em princípio aplicável ao caso sob julgamento, com a discussão de uma situação que não foi envolvida na formação do precedente, aproximando-se mais do distinguishing[11]. O overriding pressupõe que sob a perspectiva da nova situação, o resultado do julgamento do litígio anterior teria sido outro.

3. Técnica da sinalização (technique of signaling)

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Também nos Estados Unidos foi desenvolvida a technique of signaling (técnica da sinalização), hipótese em que o tribunal, apesar de concluir que a tese adotada no precedente deve ser superada, deixa de revogá-lo, em atenção à segurança jurídica, mas sinaliza que ele provavelmente será revogado quando a questão for novamente submetida à apreciação da corte[12]. Trata-se de um prenúncio do overruling para a sociedade, a partir de quando, em regra, não pode o cidadão alegar que um comportamento foi orientado por uma confiança justificável.

A doutrina dos precedentes obrigatórios está intimamente ligada à segurança jurídica e, por conseguinte, à previsibilidade das decisões judiciais. Isso justifica a manutenção do precedente em determinadas hipóteses, mesmo que o tribunal chegue à conclusão de que ele está em desacordo com o direito.

Marinoni adverte que, no sistema de precedentes obrigatórios, torna-se indispensável avaliar o grau de autoridade do precedente no momento histórico[13]. Por exemplo: quando a doutrina mais abalizada faz críticas consistentes à tese adotada num precedente, não é possível argumentar que ele possui a mesma autoridade e confiabilidade que outro aceito pela maioria dos doutrinadores e julgadores. Não se está aqui a dizer que a sociedade não deve adequar seu comportamento a este precedente, mas que a sua confiabilidade é menor, podendo sujeitar os cidadãos aos efeitos retroativos do overruling. Já quando o precedente não é contestado de forma veemente pela doutrina e pelos tribunais, “não há como desamparar o jurisdicionado que lhe devotou confiança”[14]. Nesses casos pode ser aplicada a técnica da sinalização e os efeitos do overruling limitar-se-ão ao período posterior à decisão que o prenunciou.

A essa altura, torna-se inevitável a comparação entre a técnica da sinalização e o prospective overruling. Celso Albuquerque da Silva afirma que a primeira é de uma espécie de refinamento do segundo, diferenciando-se deste apenas por que está sujeita a uma condição, que é o ajuizamento de nova ação

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envolvendo a matéria[15]. De fato as duas medidas têm por objetivo evitar a aplicação retroativa dos efeitos da revogação do precedente. A sinalização dá ciência aos advogados e à sociedade de que o precedente deverá ser revogado, de modo a considerarem esse fato nos seus comportamentos; já o overruling é a efetiva revogação expressa do entendimento[16], não redundando num juízo de probabilidade. Em outras palavras, com overruling, os jurisdicionados não podem mais depositar confiança no entendimento que até então prevalecia; já com a sinalização, devem considerar que a tese poderá ser revogada, mas ainda não o foi. Com a aplicação da técnica da sinalização, o overruling posterior pode considerar o impacto daquela na realidade social e não alcançar todo o período após a sinalização[17]. O que determina qual é a medida mais adequada é a análise do caso concreto, não sendo possível comparar os institutos em abstrato.

4. Overstatement

Ao contrário dos outros institutos examinados neste capítulo, o overstatement não implica revogação ou aviso de revogação do precedente, mas, sim, sua correção ou reforma, adaptando-o para sua aplicação a casos futuros[18].

A princípio, o distinguishing é a declaração de que a tese exposta no precedente não deve regular o caso em análise. Na lição de Cruz e Tucci, consiste no método de confronto “pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”[19]. É possível, contudo, estender a aplicação do precedente a outra hipótese, abrangendo circunstâncias que não foram consideradas na sua formação, mas que se agregam aos elementos nele discutidos, produzindo-se o mesmo resultado[20]. Marinoni, exemplificando tal situação, assevera que, se na formação de um precedente, o tribunal, reputando presentes os elementos a, b e c chegou ao resultado x, em outra ocasião a corte pode decidir que e também é condição necessária para se produzir o mesmo resultado, havendo, assim, alteração da ratio decidendi, com a adequação do precedente[21].

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Frise-se que o elemento fático novo não pode ser incompatível com o resultado do precedente, pois, do contrário, seria inviável o seu incremento.

No exemplo utilizado por Marinoni, uma possível vulneração da confiança justificável dos jurisdicionados surge não com a extensão do precedente ao novo caso, que envolve circunstância não considerada que se agrega às anteriores, mas, sim, com a não aplicação do mesmo resultado aos casos que não contemplam o elemento novo e os atos foram consolidados antes dessa decisão, isto é: a aplicação do resultado x às hipóteses em que estiverem presentes os elementos a, b, c e e, em princípio, não atenta contra a segurança e a proteção da confiança, porém, o resultado não pode deixar de ser o mesmo para as situações que não abrangem o elemento novo e e foram consolidadas antes da decisão que alterou a ratio decidendi.

A extensão ou limitação do precedente a partir da submissão de novos casos ao tribunal é essencial para o desenvolvimento do direito, contudo, não pode se sobrepor às situações aperfeiçoadas com base no entendimento anteriormente preconizado pela corte. Tal possibilidade agrega um elemento de racionalidade à doutrina, na medida em que não exige a submissão cega ao precedente, mas preserva a segurança jurídica e a confiança dos jurisdicionados.

5. Modulação de efeitos das decisões judiciais

A essência do instituto já foi abordada ao longo do presente trabalho. Trata-se da limitação temporal dos efeitos das decisões judiciais, em atenção à segurança jurídica, à proteção da confiança e ao interesse público, ou seja: em determinadas situações pode-se atribuir eficácia prospectiva às decisões judiciais.

No Brasil, a técnica da modulação de efeitos ganhou destaque pela expressa previsão legal no modelo de controle de constitucionalidade adotado. Contudo, vale ressaltar que a aplicação do instituto não se restringe aos julgamentos das ações

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de controle de constitucionalidade, como leciona Luís Roberto Barroso, mas pode ocorrer também nas hipóteses de mudança de jurisprudência[22]. Não se trata de aplicação analógica do art. 27 da Lei nº 9.868/99, uma vez que para a modulação de efeitos da decisão que vá de encontro à jurisprudência consolidada não se exige o quorum qualificado previsto no referido dispositivo[23].

O Supremo Tribunal Federal muitas vezes tem hesitado quanto à aplicação da técnica, reservando-a para casos excepcionais. Em 2008, no julgamento dos Recursos Extraordinários nos377457/PR e 381964/MG, a Corte adotou o entendimento de que as prestadoras de serviços profissionais devem recolher a COFINS, em razão da revogação da isenção concedida pelo art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91. Ocorre que tal decisão se contrapôs ao entendimento consolidado do STJ ao longo de anos, consubstanciada no enunciado nº 276 da jurisprudência deste Tribunal. Em razão disso, os ministros da Suprema Corte deliberaram sobre a modulação de efeitos da decisão, que contou com 5 votos favoráveis e 5 contrários, uma vez que a Ministra Ellen Gracie não estava presente. Apesar do empate, o STF concluiu que a modulação havia sido rejeitada, sob o fundamento de que o seu deferimento deve ser aprovado por 2/3 dos membros, tal como disposto no art. 27 da Lei nº 9.868/99.

A modulação de efeitos das decisões no caso de câmbio de jurisprudência, como já visto, não está adstrita à exigência de maioria qualificada, tal qual previsto na Lei nº 9.868/99. Aliás, foi o que ressaltou o ministro Gilmar Mendes durante o julgamento do RE 370682/SC, in verbis:

Desde já gostaria de ressaltar que comungo das preocupações doutrinárias manifestadas pelo Ministro Ricardo Lewandowski, especialmente quanto à questão da prospectividade. E aí não se trata de aplicação do art. 27, conforme Sua Excelência deixou bem claro. O Tribunal tem dado mostras, em larguíssima jurisprudência, no caso de eventual

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revisão de interpretação constitucional ou, ocasionalmente, de revisão de interpretação de caráter legal.

É claro, Sua Excelência valeu-se do argumento do art. 27 – também os requerentes da questão de ordem o fizeram –, por se tratar, até de arrimo hoje auto-evidente, uma vez que vem sendo aceito e praticado pelo Tribunal. Mas Sua Excelência deixou bem claro que tratava de uma interpretação. E nesse sentido o Tribunal tem acolhido essa orientação.

... Entendo, portanto, legítimas as premissas

teóricas suscitadas no voto do eminente Ministro Ricardo Lewandowski que, como já se demonstrou, não cuidou de aplicar o art. 27, mas de aplicar, entendendo ele que existia, sim, uma mudança de entendimento, a prospectividade em nome da segurança jurídica[24].

Por outro lado, na ocasião em que a Corte discutiu a modulação de efeitos da decisão sobre a fidelidade partidária, que representou uma ruptura com o entendimento que prevalecia no âmbito do TSE, o STF optou por atribuir efeitos prospectivos à decisão. Confira-se o seguinte trecho da ementa da decisão:

A INDICAÇÃO DE MARCO TEMPORAL DEFINIDOR DO MOMENTO INICIAL DE EFICÁCIA DA NOVA ORIENTAÇÃO PRETORIANA. - Os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham múltiplas e relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide e em decorrência deles, gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos

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praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado. - Os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e, desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio Tribunal. Doutrina. Precedentes. - A ruptura de paradigma resultante de substancial revisão de padrões jurisprudenciais, com o reconhecimento do caráter partidário do mandato eletivo proporcional, impõe, em respeito à exigência de segurança jurídica e ao princípio da proteção da confiança dos cidadãos, que se defina o momento a partir do qual terá aplicabilidade a nova diretriz hermenêutica. - Marco temporal que o Supremo Tribunal Federal definiu na matéria ora em julgamento: data em que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF (27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi submetida[25]. (sem destaques no original)

Verifica-se que não existe um padrão de conduta da Corte Suprema no que se refere à proteção da confiança dos jurisdicionados frente aos câmbios de jurisprudência. A utilização da técnica é deixada a critério dos julgadores, tanto no atual sistema processual como naquele previsto no projeto do novo CPC em

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tramitação no Congresso Nacional, não havendo nenhum mecanismo de provocação do judiciário pelos jurisdicionados para adoção da medida.

Nas hipóteses de alteração da jurisprudência consolidada, sobretudo aquela que ensejou a edição de enunciado de súmula, a atribuição de efeitos prospectivos às decisões não deve ser tratada como exceção, mas, sim, como regra, a fim de resguardar a confiança dos jurisdicionados nos atos do Estado. Nesse sentido ensina Marinoni, in verbis:

a proteção da confiança justificada nos precedentes judiciais constitui dever dos Tribunais Superiores, pelo que a limitação dos efeitos das decisões que revogam precedentes ou jurisprudência consolidada não está sequer à discrição do Superior Tribunal de Justiça. Esse Tribunal, para dar cumprimento a sua missão constitucional de dar unidade ao direito federal, tem o dever de utilizar a técnica da limitação dos efeitos retroativos, como todo tribunal que, ao decidir, fixa normas que orientam a conduta dos jurisdicionados, dando-lhes previsibilidade para trabalhar e viver[26].

Deve ainda ser instituída alguma medida processual para viabilizar a invocação da aplicação da técnica pelo cidadão.

6. Conclusão

As técnicas que visam a atenuar a o impacto das mudanças de jurisprudência devem ser prestigiadas e não invocadas apenas em casos excepcionais, como forma de preservar a segurança jurídica e a confiança da sociedade nos comandos emanados do Estado. Essa estabilidade repercuti não somente nos direitos individuais, mas também nas relações econômicas, o que estimula o desenvolvimento nacional.

NOTAS:

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[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. Op. cit., p. 389.

[2] Ibidem.

[3] Ibidem, p. 390-392.

[4] Ibidem, p. 402-404.

[5] Ibidem, p. 418.

[6] Ibidem, p. 420.

[7] Ibidem.

[8] Ibidem, p. 421.

[9] SILVA, Celso Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 288-289.

[10] Ibidem, p. 297.

[11] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. Op. cit., p. 347.

[12] Ibidem, p. 335.

[13] Ibidem, p. 336.

[14] Ibidem, p. 337.

[15] SILVA, Celso Albuquerque. Op. cit., p. 295.

[16] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. Op. cit., p. 341.

[17] Ibidem, p. 342.

[18] NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 123 da versão digital.

[19] TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. cit., p. 174.

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[20] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. Op. cit., p. 328-329.

[21] Ibidem.

[22] BARROSO, Luís Roberto. Modulação dos efeitos temporais de decisão que altera jurisprudência

consolidada. Quorum de deliberação. Disponível em <http://www.oab.org.br/arquivos/pdf/Geral/Cofins.pdf> Acesso em 05/06/2014.

[23] Ibidem.

[24] RE 370682/SC. Redator designado Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/06/2007. DJe-165, DIVULG 18-12-2007, PUBLIC 19-12-2007

[25] MS 26603, Relator Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007, DJe-241 DIVULG 18-12-2008, PUBLIC 19/12/2008

[26] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. Op. cit., p. 445.

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TEORIA DAS AUTOLIMITAÇÕES E A VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA A SEUS PRECEDENTES ADMINISTRATIVOS

LUCAS PEPEU GALINDO: Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Asces.

Resumo: O presente artigo versa sobre a denominada teoria das autolimitações administrativas e sua possível aplicação em face da Administração Tributária, atuando como instrumento voltado à proteção dos cidadãos frente ao poder estatal, impondo a este o dever de respeito e manutenção de seus atos próprios, assim como o dever de observar, em situações futuras, seus precedentes administrativos já firmados

Palavras-chave: segurança jurídica, teoria das autolimitações; administração tributária; contencioso administrativo; precedentes; vinculação.

Sumário: 1. Introdução 2. O princípio da segurança jurídica e a proteção à confiança legítima 3. A teoria das autolimitações administrativas 4. A teoria das autolimitações aplicada à Administração Tributária: dever de observância de seus precedentes administrativos 5. Conclusão 6. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Em tempos de constantes e inevitáveis mudanças, a estabilidade e a previsibilidade transmudam-se em valores de complexo alcance. Não obstante, sua necessidade é indiscutível na busca do desenvolvimento almejado pela sociedade e pelo Estado, cujas relações devem fundar-se em estruturas seguras e coerentes.

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Sem tais alicerces, os vínculos e relações estabelecidas entre o Estado e os particulares seriam cercados de instabilidade e, consequentemente, fragilidade.

Desta forma, sob uma ótica publicística, a segurança jurídica constitui princípio que busca garantir certo grau de previsibilidade em relação às condutas da Administração Pública perante os cidadãos, garantindo que estes não sejam surpreendidos por eventuais mudanças de comportamento ou orientação do Estado, sobretudo quando estas lhes sejam prejudiciais.

Neste contexto, o presente artigo buscará abordar, sob a ótica da teoria das autolimitações, a temática da efetivação da segurança jurídica no âmbito da Administração Tributária, sobretudo por meio do dever de observância de seus precedentes administrativos, vedando-se, desta forma, a prática de comportamentos contraditórios.

Visando tal objetivo, o trabalho tecerá breves considerações acerca da noção de segurança jurídica, da proteção à confiança e da vedação à prática de comportamentos contraditórios. Em seguida, busca-se abordar a denominada teoria das autolimitações administrativas, analisando, sobretudo, seus efeitos em face da Administração Pública, para ao fim relacionar a citada teoria ao dever do Fisco em, visando proteger a legítima expectativa dos contribuintes e evitar a prática de atos contraditórios, observar os seus precedentes administrativo-tributários.

2. O princípio da segurança jurídica e a proteção à confiança legítima

Inicialmente, consigne-se que a análise de todos os aspectos do princípio da segurança jurídica exigiria uma exposição deveras aprofundada sobre o mesmo, objeto que, contudo, refoge ao proposto no presente trabalho, que pretende esboçar algumas

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ideias acerca da segurança jurídica para posteriormente relacioná-las com os demais temas ora abordados.

Feita tal consideração, cumpre salientar que o princípio da segurança jurídica não encontra fundamento específico em qualquer dispositivo constitucional, sendo, porém, decorrência direta da própria essência do Direito.

Em sua concepção tradicional, a segurança jurídica é tida como um princípio geral do ordenamento jurídico, que, embora não contando com previsão constitucional expressa, é figura inerente ao próprio Estado Democrático de Direito. Sua compreensão, antes de se atrelar ao regime jurídico de qualquer dos ramos do Direito, está submetida à concepção de Estado Democrático e do papel nele desempenhado pelos princípios jurídicos, como forma de garantir o exercício de direitos e liberdades fundamentais.[i]

Para Heleno Taveira Torres, a segurança jurídica configura uma garantia material de concretização de direitos e liberdades fundamentais, que se funda em um tripé: certeza, estabilidade do sistema jurídico e proteção às expectativas de confiança legítimas. Nesse sentido, referido autor conceitua o princípio em análise como:

Princípio-garantia constitucional que tem por finalidade proteger expectativas de confiança legítimas nos atos de criação ou de aplicação de normas, mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento e confiabilidade na efetividade de direitos e liberdades, assegurada como direito público fundamental.[ii]

Dentro deste contexto, a segurança jurídica apresenta-se como forma de orientação geral, devendo nortear a elaboração das normas jurídicas e sua efetiva aplicação, garantindo não apenas um grau de estabilidade e certeza nas relações jurídicas, como também o máximo de previsibilidade acerca das consequências dos atos jurídicos praticados.

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Esse conteúdo material da segurança jurídica, inicialmente, acaba por impor algumas regras para a Administração Pública, como o dever de reconhecer expectativas de direitos e direitos que foram incorporados ao patrimônio jurídico do cidadão a partir de uma dada posição administrativa; a aplicação de uma nova interpretação administrativa somente a novos fatos; a proibição de comportamentos contraditórios, entre outras regras.

Assim, afigura-se inerente ao Estado Democrático de Direito a diminuição do grau de incerteza quanto às consequências futuras dos atos do cidadão e do Estado, de tal sorte que se possa esperar, sobretudo da Administração Pública, a prática de condutas previsíveis, estáveis e adequadas aos padrões de comportamento já praticados.

Sobre o tema, válido transcrever as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

É sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se aensejar certa estabilidade, ummínimo de certeza na regência davida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica”, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos osprincípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos maisimportantes entre eles. Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vistado porvir e não apenas daimediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos

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repentinos ousurpresas desconcertantes, que haja certa estabilidade nas situações destarte constituídas.[iii]

Portanto, do princípio da segurança jurídica haverão de emanar regras de conformação do agir da Administração Pública, essencialmente limitativas de sua discricionariedade, destacando-se entre estas o dever de proteção à confiança, que configura valor inerente ao princípio da segurança jurídica, visando garantir que o Estado não frustrará as legítimas expectativas que depositam os indivíduos – e, neste estudo, mais especificamente, os contribuintes.

Como visto, a redução do grau de incerteza constitui objetivo inerente à própria ideia de Estado Democrático de Direito. Em decorrência de talfinalidade e da necessidade de estabilidade do próprio sistema jurídico, deve-se proteger a confiança que os cidadãos legitimamente depositam na atuação estatal.

Ressalte-se, contudo, que essa confiança afigura-se legítima não apenas em função do princípio da segurança jurídica, mas, também, em razão do princípio da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), que impõe à Administração Pública o dever de agir conforme a disciplina normativa preestabelecida, que confere à sua atuação um padrão de previsibilidade que não pode ser desconsiderado.

Assim, por consistir em dever do Estado agir em conformidade ao Direito, o cidadão encontra-se legitimado a depositar manifesta confiança em tal atuação, devendo, portanto, ser a mesma protegida, preservando-se os direitos dela decorrentes.[iv]

3. A teoria das autolimitações administrativas

Verificados os fundamentos do dever de proteção à confiança legítima, identificado, principalmente, nos princípios da

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segurança jurídica e da legalidade, chega-se à conclusão de que configura dever da Administração Pública pautar-se de forma a vedar a prática de condutas que, embora pautadas em uma suposta discricionariedade e aparente legalidade, apresentam-se substancialmente arbitrárias e incoerentes.

Visando a defesa da confiança depositada na Administração, entre outras limitações, veda-se à mesma que, em seu agir, proceda a práticas ou comportamentos que destoem dos já por ela praticados em situações idênticas, em manifesta aplicação da máxima nemo potest venire contra factum propium.

Tal cláusula, diretamente fundada no princípio da segurança jurídica, objetiva coibir que a Administração Pública, diante de uma mesma situação fática, venha a conferir tratamento prejudicial em relação ao conferido à situação semelhante já submetida à sua apreciação, violando desta forma o princípio que lhe fundamenta e o próprio princípio da isonomia.[v]

Nesse contexto apresenta-se a denominada teoria das autolimitações dministrativas, que constitui verdadeiro conjunto de instrumentos que visam a assegurar a razoabilidade, a coerência e a isonomia no tratamento conferido pela Administração Pública aos cidadãos, vedando toda e qualquer forma de iniquidade estatal. Assim, a citada teoria correlaciona-se com a própria essência do Estado Democrático de Direito, na medida em que garante dois de seus postulados fundamentais: a segurança e a liberdade.

É, portanto, visando conferir efetividade a esses imperativos do Estado Democrático que a teoria das autolimitações administrativas foi construída, englobando em seu âmbito instrumentos de proteção dos cidadãos frente ao poder estatal, tais como o dever de respeito, por parte do ente, de seus atos próprios e dos seus precedentes administrativos.[vi]

A incidência e relevância da teoria das autolimitações administrativas podem ser facilmente observáveis nos casos em que a Administração, modificando sua interpretação, pratica ato

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incompatívelcom o anterior sem que tenha havido modificação noplano fático. Em casos como esse se aplica a denominada teoria das autolimitações administrativas, que consubstancia a incidência do nemo potest venire contra factum propium no âmbito da Administração Pública, impedindo que o mesmo, quando diante dos mesmos elementos de fato, adote entendimentos contraditórios ou em desacordo com os precedentes anteriormente firmados em sede administrativa.[vii]

Para que referida teoria incida no âmbito das relações jurídico administrativas, deve-se apurar, em especial, a presença dos requisitos da identidade subjetiva e objetiva: (i) pelo requisito da identidade subjetiva, exigi-se que o emissor do ato anterior e doato posterior seja o mesmo ente administrativo ou qualquer dos órgãos integrantes de sua estrutura administrativa, cuidando-se assim que toda a estrutura administrativa atue de forma coordenada; (ii) já para atender ao requisito da identidade objetiva, é preciso que sejam similares as circunstâncias determinantes em que foram praticados os atos administrativos tidos por incoerentes. Se as circunstâncias são as mesmas e a Administração decide de forma diferente, o ato contraditório é inválido por vulnerar os princípios da confiança legítima e da vedação ao comportamento contraditório, princípios estes que a teoria das autolimitações administrativas visa preservar.

Dessa forma, ao dever de obediência aos atos administrativos anteriormente praticados corresponde à proibição de exercício arbitrário, incoerente e desigual por parte do Poder Público, garantia esta que a Teoria das Autolimitações Administrativas visa efetivar ao garantir a vigência dos atos anteriormente praticados pela Administração Pública bem como o dever desta de, diante de umamesma situação jurídica, atuar de forma a preservar asexpectativas nela depositadas em virtude de comportamentos por ela já apresentados.

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4. A teoria das autolimitações aplicada à Administração Tributária: dever de observância de seus precedentes administrativos

No tópico precedente restou delineado o conteúdo da denominada teoria das autolimitações administrativas, expondo-se seus principais efeitos em relação à Administração Pública, que diante de sua incidência vê-se no dever de agir em estrita observância e coerência em relação a seus atos próprios, assim como no dever de observância de seus precedentes administrativos.

Feitas tais considerações, desponta no presente tópico a necessidade de indagar- se acerca da aplicação da já citada teoria no âmbito da Administração Tributária, sobretudo no que toca ao dever desta de observar, quando do exercício de sua competência administrativa, os seus próprios precedentes.

O cerne de tal questão, que já fora anteriormente exposto, encontra-se no dever de coerência dos atos da Administração Pública, na qual a Administração Tributária encontra-se organicamente inserida, e no dever de previsibilidade das suas decisões, vedando-se, consequentemente, a prática de comportamentos contraditórios.

Desta forma, inevitável apresenta-se a aplicação da teoria das autolimitações em sede da Administração Tributária, despontando inclusive como um dos mais férteis campos para sua incidência, sobretudo no que toca ao dever de observância dos precedentes anteriormente firmados.

Assim, ao observar seus precedentes quando da análise de processos administrativos a Administração Tributária privilegia a coerência e a isonomia no tratamento conferido aos contribuintes, estimulando o desenvolvimento de um sistema dotado de elementos que auxiliam na concretização da tão almejada previsibilidade e segurança jurídica.

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5. Conclusão

A par de consistir em objetivo ínsito à própria noção de Direito, a segurança jurídica configura elemento de complexo alcance no atual contexto social, sobretudo quando se analisa a questão sobre o prisma da relação jurídica-tributária. Não obstante tal constatação, a busca pela segurança, estabilidade e coerência do sistema tributário configura objetivo que não pode ser relegado, sob pena de comprometimento da própria estrutura do Estado Democrático de Direito.

Assim, afigura-se inerente ao Estado Democrático de Direito a busca pela redução do grau de incerteza quanto às consequências futuras dos atos dos cidadãos e do Estado, de tal sorte que se possa esperar, sobretudo da Administração Pública, a prática de condutas previsíveis, estáveis e adequadas aos padrões de comportamento já praticados.

Em tal realidade é que desponta a aplicação da denominada teoria das autolimitações administrativas, atuando como instrumento voltado à proteção dos cidadãos frente ao poder estatal, impondo a este o dever de respeito e manutenção de seus atos próprios, assim como o dever de observar, em situações futuras, seus precedentes administrativos já firmados.

6. Referências bibliográficas

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Teoria das Autolimitações Administrativas: atos próprios, confiança legítima e contradição entre órgãos administrativos.Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, maio/junho/julho de 2008. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em 16 de novembro de 2014.

ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

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MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro: (administrativo e judicial). 6ª ed., São Paulo: Dialética, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

MODESTO, Paulo. Autovinculação da Administração Pública. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 24, outubro/novembro/dezembro de 2010. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-24-OUTUBRO-2010-PAULO- MODESTO.pdf>. Acesso em 16 de novembro de 2014.

TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Volume II – Valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

NOTAS:

[i] TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Volume II – Valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

[ii] TORRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, página 276.

[iii] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010, página 349.

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[iv] ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

[v] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

[vi] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Teoria das Autolimitações Administrativas: atos próprios, confiança legítima e contradição entre órgãos administrativos.Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 14, maio/junho/julho de 2008. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em 16 de novembro de 2014.

[vii] MODESTO, Paulo. Autovinculação da Administração Pública. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 24, outubro/novembro/dezembro de 2010. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-24-OUTUBRO-2010-PAULO- MODESTO.pdf>. Acesso em 16 de novembro de 2014.

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REFLEXOS CAUSADOS PELA FLUIDEZ DO PARÂMETRO DE CONTROLE DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

TICIANO MARCEL DE ANDRADE RODRIGUES: Advogado com experiência em Direito Público. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT

RESUMO: A arguição de descumprimento de preceito fundamental é um importante instrumento de controle de constitucionalidade. Inserida no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição Federal de 88, tem sido utilizada com mais frequência atualmente. Em razão disso, muitas deficiências surgiram, revelando a necessidade de se definir de forma mais objetiva o parâmetro de controle pela via legislativa.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade. Preceito Fundamental. Arguição de Descumprimento. Atualização Legislativa.

1 INTRODUÇÃO

O controle de constitucionalidade no direito brasileiro tem sido objeto de diversos e intensos debates doutrinários jurisprudenciais. A evolução do ordenamento constitucional trouxe alguns instrumentos e tentou aperfeiçoas os já existentes, considerando as consequências causadas pela declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo, seja em controle difuso ou em abstrato.

Inserida no Brasil pela Constituição de 1988, originariamente, essa ação tinha previsão no parágrafo único do art. 102 da CRFB/88. Contudo, em face da Emenda Constitucional nº 3/93, que eliminou tal parágrafo único, dividindo-se em dois parágrafos, a

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arguição passou a ter previsão no art. 102, §1º (CUNHA JR., 2011, p. 295), que dispõe que “a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo tribunal Federal, na forma da lei”.

Em razão da parte final do dispositivo, o Supremo Tribunal Federal entendeu que se caracteriza como uma norma de eficácia limitada, dependendo de regulamentação legal. Nesse sentido é o AgRegAI 145.860, da relatoria do Min. Marco Aurélio, julgado em 9.2.1993: “a previsão do parágrafo único do artigo 102 da Constituição Federal tem eficácia jungida à lei regulamentadora”. A lei 9.882/99 foi elaborada para regulamentar o referido comando constitucional, devendo-se destacar, desde já, que se trata de uma forma de controle concentrado de constitucionalidade.

No que se refere à legitimidade, nos termos do art. 2º, I, Lei 9.882/99, podem propor arguição de preceito fundamental os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade, que, por sua vez, são, consoante art. 103, CRFB/88: I- o Presidente da República; II- a Mesa do Senado Federal; III- a Mesa da Câmara dos Deputados; IV- a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V- o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI- o Procurador-Geral da República; VII- o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII- partido político com representação no Congresso Nacional; IX- confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

2 PARÂMETRO DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNAMENTAL

A redação do art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei 9.882/99 traz o objeto da ação em comento, ei-la:

Art. 1º A arguição prevista no §1º do artigo 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

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Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental: I- quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

Ao interpretar o artigo supracitado, a doutrina informa a existência de duas modalidades, quais sejam, a arguição autônoma (caput) e a arguição incidental (parágrafo único). Podendo, ainda, possuir caráter preventivo, evitando o dano, ou repressivo, devendo haver nexo de causalidade entre a lesão ao preceito fundamental e o ato do Poder Público, que não se restringe aos atos normativos. Merece destaque o fato de que poderá ser objeto da arguição ato editado antes da Constituição, que será utilizada como instrumento de análise em abstrato de recepção de lei ou ato normativo (LENZA, 2015, p. 440 e 441).

Vale destacar que a arguição de descumprimento de preceito fundamental possui caráter subsidiário, quer dizer, somente poderá ser utilizada se não houver outro meio apto a sanar a controvérsia. Em relação à subsidiariedade, após muita discussão, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento no sentido de que essa característica apenas deverá ser observada em face dos outros instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade. Isso porque, a resolução por outros meios tem que ocorrer com a mesma eficácia da arguição de descumprimento de preceito fundamental, in verbis:

O presente caso objetiva a desconstituição de decisões judiciais, dentre as quais muitas já transitadas em julgado, que aplicaram índice de reajuste coletivo de trabalho definido pelos Decretos Municipais 7.153/1985, 7.182/1985, 7.183/1985, 7.251/1985, 7.144/1985, 7.809/1988 e 7.853/1988, bem como pela Lei Municipal 6.090/86, todos do Município de Fortaleza/CE. Este instituto de controle concentrado de constitucionalidade não tem como função desconstituir coisa julgada. A arguição de descumprimento de preceito fundamental é

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regida pelo princípio da subsidiariedade a significar que a admissibilidade desta ação constitucional pressupõe a inexistência de qualquer outro meio juridicamente apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade do ato impugnado. A ação tem como objeto normas que não se encontram mais em vigência. A ofensa à Constituição Federal, consubstanciada na vinculação da remuneração ao salário mínimo, não persiste nas normas que estão atualmente em vigência. Precedentes. A admissão da presente ação afrontaria o princípio da segurança jurídica. (ADPF 134-AgR-terceiro, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 3-6-2009, Plenário, DJE de 7-8-2009.)

Outrossim, não se pode esquecer que se aplica também o princípio da fungibilidade nos casos em que, proposta arguição de descumprimento de preceito fundamental, em sendo preenchidos os requisitos da ação direita de inconstitucionalidade e ausente o caráter subsidiário, aquela poderá ser recebida como esta (STF, ADPF 72, QO/PA, Rel. Min. Ellen Gracie, 1.6.2005).

O tema relacionado ao parâmetro de controle, qual seja, o “descumprimento de preceito fundamental” tem despertado intensos debates. Isso porque, não há consenso na doutrina e jurisprudência pátrias acerca do seu alcance nem dos seus limites, ficando a cargo do casuísmo o estabelecimento de diretrizes.

Com efeito, há muita dificuldade em indicar, de pronto, o que pode ser considerado preceito fundamental contido na Constituição passível de grave lesão que dê origem ao processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (MENDES; BRANCO, 2012, p. 1306). Deve-se destacar, além disso, que “preceitos fundamentais” não é expressão sinônima de “princípios fundamentais”, haja vista ser mais ampla, abrangendo estes e todas as prescrições que conferem sentido ao regime constitucional, como, por exemplo, as que destacam a autonomia dos Estados, do

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Distrito Federal, e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais (SILVA, 2005, p. 562).

Em que pese não haja divisão clara sobre o parâmetro de controle, doutrina e jurisprudência acenam para algumas disposições que se enquadram no conceito de preceito fundamental, podendo-se citar (CUNHA JR., 2011, p. 306):

a) os princípios fundamentais do título I da Constituição Federal, que fixam as estruturas básicas de configuração política do Estado (arts. 1º ao 4º); b) os direitos e garantias fundamentais, que limitam a atuação dos poderes em favor da dignidade da pessoa humana (sejam os declarados no catálogo expressado no título II ou não, ante a abertura material proporcionada pelo §2º do art. 5º e, agora, pelo §3º do mesmo artigo); c) os princípios constitucionais sensíveis, cuja inobservância pelos Estados autoriza até a intervenção federal (art. 34, VII); e d) as cláusulas pétreas, que funcionam como limitações materiais ou substanciais ao poder de reforma constitucional, compreendendo as explícitas (art. 60, §4º, incisos I a IV) e as implícitas (ou inerentes, que são aquelas limitações não previstas expressamente no texto constitucional, mas que, sem embargo, são inerentes ao sistema consagrado na Constituição, como, por exemplo, a vedação de modificar o próprio titular do Poder Constituinte Originário e do Poder Reformador, bem assim a impossibilidade de alterar o processo constitucional de emenda).

Assim, o que se observa é que, por vezes, a ausência de contornos objetivos para o que pode ser considerado “preceito fundamental” acaba por originar decisões altamente discutíveis. Dessa forma, a mudança na legislação seria o meio mais adequado para que se estabeleça, com base na experiência jurisprudencial e doutrinária, de forma menos controvertida o parâmetro de controle na arguição de descumprimento de preceito fundamental.

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3 CONCLUSÃO

Com base no quanto até aqui disposto, pode-se concluir que a arguição de preceito fundamental necessita de maiores estudos legislativos, jurisprudências e doutrinários. Por se tratar de um instrumento que tem sido utilizado com mais frequência, a deficiência legislativa tem se mostrado de forma mais evidente.

Não é difícil encontrar na doutrina divergência em vários aspectos desse meio de controle abstrato de constitucionalidade, desde a sua origem. A fluidez da expressão “preceito fundamental”, ainda mais em um ordenamento jurídico tão plural como o brasileiro, acaba por deixar na mão dos julgadores uma função que seria atribuição do Legislativo. Aqui, não há falar-se em engessamento do Judiciário, mas sim em complementação de uma legislação deficitária.

Portanto, a melhor possibilidade para sanar a dificuldade encontrada quando do enfrentamento dessas questões é a que se refere à atualização legislativa para que se institua um modelo claro e objetivo do que pode ser enquadrado ou não no conceito de “preceito fundamental”, deixando apenas de forma subsidiária ao Judiciário a função de delimitar as linhas já previstas em lei.

BIBLIOGRAFIA:

CUNHA JR., Dirley da. Controle de Constitucionalidade: teoria e prática. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2011

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR POR ASSALTOS OCORRIDOS DURANTE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

ÉRICA IZABEL DA ROCHA COSTA: Formada em Direito pela Universidade Paulista - UNIP. Formada em Letras-Português pela Universidade de Brasília - UnB. Analista Processual / MPU/ Direito. Atualmente atua como Assessora jurídica na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região.

Resumo: O presente artigo envolve a análise da responsabilidade civil do empregador por assaltos ocorridos durante a prestação de serviços, investigando se a falta de segurança no ambiente do trabalho é hábil a ensejar a responsabilização do empregador ou se trata de dever exclusivo do Estado garantir a segurança pública.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do empregador. Segurança pública como dever do estado. Segurança no ambiente de trabalho.

1 INTRODUÇÃO

Como se sabe, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXVIII, prevê a possibilidade de responsabilização do empregador, nos casos de dolo ou culpa, por acidente de trabalho (ou doença profissional a ele equiparável) que o empregado venha a sofrer. Acidente de trabalho decorre do exercício da atividade a serviço do empregador, que resulte em lesão corporal ou perturbação funcional, que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, podendo decorrer de problemas físicos ou mentais.

No que tange ao acidente de trabalhou ou a doença profissional, a normatização jurídica baseia-se, para eventual indenização, na teoria subjetiva. Assim para ser reconhecida a

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indenização deve ser comprovado o dolo, a negligência, a imperícia ou a imprudência, ou seja, deve ser investigada a culpa no sentido amplo.

O presente trabalho busca debater se o empregador possui responsabilidade pelos danos causados aos empregados em razão de assaltos ocorridos durante a prestação de serviços, diferenciando-se os casos em que se adota a teoria objetiva ou a subjetiva de responsabilidade do empregador.

Deve-se ponderar que se de um lado encontra-se o dever do Estado em garantir a Segurança Pública, conforme o art. 144 da Constituição Federal, do outro também se encontra a obrigação do empregador em prover a segurança de seus empregados, sob pena de se entender que contribuiu indiretamente para o fatídico resultado.

2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR E DEVER DE SEGURANÇA DO ESTADO

De início, é importante destacar sobre a matéria posta em debate que não é todo e qualquer dano que contraria os interesses dos empregados que são passiveis de serem indenizados, sob pena de se vulgarizar a sua acepção.

O dano é o prejuízo sofrido por alguém em decorrência da violação de um de seu patrimônio econômico ou moral. No entanto, para a caracterização do dano, apto a gerar o consequente direito à reparação, é necessário que seja praticado um ato ou que se tenha deixado de praticá-lo; que haja o resultado lesivo deste ato e que tenha havido nexo causal entre ambos.

No caso em análise, os assaltos sofridos no curso da jornada de trabalho no estabelecimento do empregador é matéria afeta à segurança pública. No entanto, isso não quer dizer que a empregadora, caso tenha sido omissa no oferecimento de segurança para seus empregados, esteja isenta de qualquer responsabilidade.

A questão merece um maior esclarecimento. Sabe-se que a segurança pública é um dever do

Estado. Este fato, no entanto, não isenta a empresa em absoluto de

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arcar com as consequências, diante de terceiros, dos perigos oriundos de suas atividades.

Com efeito, é dever do empregador zelar por um ambiente de trabalho saudável, adotando práticas tendentes a coibir danos de natureza moral ou emocional aos seus empregados, passíveis de indenização.

No caso dos assaltos, como regra geral, tem-se que se trata de fato estranho aos contratos de trabalho, consistindo em uma forma de excludente da responsabilidade civil, consoante o art. 398 do Código Civil:

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”

No entanto, não se trata somente de uma análise da letra fria da lei, uma vez que, tratando-se de atividades de risco, como a atividade bancária, majoritariamente entende-se que neste caso adota-se a responsabilidade objetiva do empregador, consubstanciada na teoria do risco.

Nesse contexto, vale destacar queparágrafo único do artigo 927 do Código Civil, versa que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Nestes casos de atividades de risco, deve responder o empregador pelos danos e traumas causados aos empregados, independentemente da análise da culpa em sentindo amplo. Isso porque, caso se entendesse de forma diversa, estariam os empregados entregues à sua própria sorte, sem segurança contra os riscos que estão submetidos diariamente. Há, portanto, o nexo de causalidade entre o trabalho de risco realizado e o assalto ocorrido. Afinal, quem se propõe a

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desenvolver uma empresa, assume o risco do negócio (CLT, art. 2°).

Assim, a medida que os assaltos se tornam frequentes e podem ser, de certo modo, “previsíveis” em razão da própria atividade de risco do empregador, tal possibilidade incorpora-se como risco do negócio e deixa de ser considerado como um “fortuito externo”, passando a ser entendido como um “fortuito interno”, consoante os ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho.

Por outro lado, caso o empregador não exerça atividades de risco, para se imputar culpa ao empregador pelos assaltos ocorridos, é necessário analisar, no caso concreto, se há omissão na adoção das cautelas devidas para evitar a sua ocorrência. Assim, se restar comprovado que o empregador adotou medidas de segurança, ou seja, diligenciou de forma a evitar ou diminuir os riscos à segurança de seus empregados, não se pode imputar ao empregador a responsabilidade por ato lesivo aos empregados em virtude de assaltos ocorridos durante a execução dos serviços. Neste caso, trata-se de fato delituoso imputado a terceiro, não havendo o nexo de causalidade entre os assaltos ocorridos e qualquer ação ou omissão do empregador.

Tratando-se de responsabilidade subjetiva, faz-se necessário investigar se o fato ilícito (assalto) guarda alguma conexão com a atividade empresarial desenvolvida e se o empregador agiu com culpa.

Desse modo, deve-se investigar, primeiramente, se a atividade normal da empresa oferece risco acentuado aos empregados. Caso se vislumbre situações em que a atividade dos empregados exponha o empregado a situações cotidianas de riscos, é recomendável a aplicação da responsabilidade objetiva, não havendo que se perquirir se a empresa adotou ou não medidas de segurança aptas a impedir ou coibir o assalto, sendo a responsabilidade da empresa a medida que se impõe.

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Lado outro, não se tratando de empresa que realize atividades de risco, como regra geral, aplica-se a responsabilidade civil subjetiva do empregador pela reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho (art. 7º, XXVIII, da CF), devendo ser este responsabilizado apenas no caso de restar comprovada a sua negligência em diligenciar um ambiente de trabalho seguro aos seus empregados.

2.1 IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO DO SALÁRIO DO VALOR SUBTRAÍDO EM RAZÃO DO ASSALTO

No âmbito do Direito do Trabalho vigora o princípio da intangibilidade salarial, conforme previsão no artigo 462, § 1º, da CLT. Confira-se:

“Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)"

De acordo com o referido artigo, para o reconhecimento da licitude dos descontos realizados no salário, é necessária a comprovação de que o dano sofrido pelo empregador foi, de fato, decorrente da conduta dolosa ou culposa do trabalhador, desde que previamente prevista em ajuste.

Ora, para que se admita descontos salariais do empregado em razão de assaltos ocorridos é necessário que se comprove a sua contribuição para o evento danoso, sob pena de se imputar a assunção dos riscos da atividade econômica ao empregado.

Tem-se, portanto, que os riscos da atividade econômica devem ser assumidos pelo empregador, sendo vedada a sua transferência, pura e simples, ao empregado. Deve, nessa linha de

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intelecção, a empresa provar que o dano decorrente do assalto foi causado pelo empregado. Caso não comprove a atuação culposa do empregado para o evento danoso, é considerado ilícito o desconto salarial realizado.

3 CONCLUSÃO

Diante do exposto, tem-se que a ocorrência de assaltos durante a prestação de serviços é considerada acidente de trabalho. Nesse passo, segundo o texto constitucional, o empregador é responsabilizado, nos casos de dolo ou culpa, por acidente de trabalho (ou doença profissional a ele equiparável) que o empregado venha a sofrer, o que caracteriza a responsabilidade subjetiva do empregador, como regra geral.

Incumbe ao empregador, que se beneficia do trabalho prestado, proporcionar medidas de segurança no ambiente de trabalho, pois é o responsável por zelar pela integridade física e mental dos empregados, devendo adotar todas as medidas preventivas de segurança aptas a propiciar um ambiente de trabalho seguro e saudável.

Adotando-se a teoria clássica da responsabilidade civil, não havendo culpa não há obrigação de reparar o dano. Assim, caso os assaltos atinjam os empregados durante a prestação de serviços provocando danos morais e materiais, caso não seja comprovado o nexo de causalidade entre o evento ocorrido e a responsabilidade do empregador por proporcionar um ambiente de trabalho seguro, não haverá elementos para estabelecer a responsabilidade do empregador. Nestes casos, cabe a analisar a questão sob o prisma da responsabilidade civil subjetiva do empregador, entendendo-se o assalto como caso de fortuito interno, derivado de ato de terceiro. Portanto, a culpa do empregador pela violência sofrida por seus empregados só emerge quando se verifica a sua negligência no cuidado com a segurança.

No entanto, será caso de aplicação da responsabilidade civil objetiva – segundo a qual a obrigação de reparar o dano existe independentemente da culpa que possa ser atribuída ao responsável pela reparação – quando a atividade normal da empresa for perigosa. Nesta hipótese, não é necessária analise da

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culpa para responsabilização do empregador, pois ele deve adotar as cautelas necessárias para amenizar o risco de sua atividade, com a finalidade de garantir um ambiente mínimo de segurança. Portanto, provado o dano (ofensa a integridade física ou moral do obreiro) e o nexo causal, deve a empresa ser responsabilizada pelo mal sofrido pelo empregado, pois nesses casos o infortúnio ocorrido pelo assalto não é apenas responsabilidade do Estado.

4 REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 Julho de 2016.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 10 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 Julho de 2016.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010

DELGADO, Maurício. Godinho Curso de Direito do Trabalho. 2011.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 4ª edição.RJ

MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 2012.

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DA TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

NATALIA QUEZADO COSTA: Advogada. Graduada pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR.

RESUMO: O presente artigo aborda o instituto da terceirização como um novo método de contratação, que ao longo dos anos, passou a ser utilizado pelo Poder Público como uma forma de aprimorar a prestação dos serviços públicos. Analisa-se a controvérsia que existia acerca da responsabilidade da Administração Pública, enquanto tomadora de serviços, em relação aos débitos trabalhistas, inadimplidos pela empresa prestadora. Nesse contexto, é exposta a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 16, proposta pelo governo do Distrito Federal, que teve como objetivo finalizar esse conflito de interpretações, gerador de enorme insegurança jurídica para os trabalhadores. Por fim, expõe-se como a declaração de constitucionalidade do artigo 71 da Lei de Licitações pelo Supremo Tribunal Federal repercutiu na jurisprudência trabalhista.

Palavras-chave: Terceirização. Licitude. Responsabilidade pelos débitos trabalhistas. Administração Pública.

INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, a doutrina e a jurisprudência trabalhistas travaram discussões acerca da responsabilidade do Poder Público em relação aos débitos trabalhistas decorrentes do contrato de trabalho, quando da utilização da terceirização de serviços, caso a empresa prestadora deixasse de honrar com suas obrigações.

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Uma primeira corrente defendia que a Administração Pública deveria adimplir subsidiariamente as verbas trabalhistas reivindicadas pelo trabalhador, sempre que não fossem pagas pelo prestador de serviços. Para justificar esse posicionamento, adotava-se o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado na redação original de sua súmula nº 331.

Contudo, defendendo a supremacia do interesse público frente ao interesse privado, uma segunda corrente entendia que a Administração Pública não poderia ser responsabilizada, devendo o empregado demandar, tão somente, contra a empresa com a qual tinha o vínculo laboral, posicionamento fundamentado no artigo 71, §1º da Lei Federal nº 8.666/93 e no princípio constitucional da legalidade, pelo qual ninguém é obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei. Para seus defensores, a atividade de uniformização da jurisprudência não poderia prevalecer sobre um dispositivo legal, sendo apenas uma fonte mediata ou indireta do Direito. Caso contrário, haveria ofensa e violação ao princípio constitucional da separação dos poderes.

Pondo fim a essa grave insegurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal julgou, em 24 de novembro de 2010, a Ação Declaratória de Constitucionalidade n º 16, cujas repercussões no âmbito da Justiça trabalhista serão explanadas no presente artigo.

1. ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO

O conceito de terceirização encontra-se pacificado na doutrina trabalhista. Lauro Ribeiro Pinto Júnior (2006, p. 31) explica que: “Denomina-se terceirização o liame que liga uma empresa a um terceiro, mediante contrato regulado pelo direito Civil, comercial ou administrativo, com a finalidade de realizar tarefas coadjuvantes da atividade-fim da tomadora”. Olphir Cavalcante Junior (1996, p. 183) esclarece que: “[...] é um processo pelo qual a empresa, objetivando alcançar maior qualidade, produtividade e redução de custos, repassa a terceiros um determinado serviço ou a produção de um determinado bem”. Seguindo o mesmo raciocínio, Cristiana Fortini e Virginia Kirchmeyer Vieira (2009, p. 27) entendem que:

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A terceirização costuma ser definida como o processo de gestão empresarial que consiste na transferência para terceiros de serviços que, originalmente, seriam executados dentro da própria empresa. Com a terceirização, libera-se a empresa da realização de atividades, permitindo a concentração de esforços em segmentos considerados mais relevantes. A terceirização ampara-se na ideia de eficiência, permitindo, ainda, em tese, a redução de custos.

O Tribunal Superior do Trabalho, com o objetivo de evitar fraudes de empresas inescrupulosas aos direitos dos trabalhadores, editou a Súmula 331, na qual se estabeleceu alguns critérios indispensáveis para a averiguação da licitude desse novo tipo de contratação:

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos

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serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

Analisando-se o entendimento desse Colendo Tribunal, depreende-se que somente é considerada lícita a terceirização que importe: na contratação de trabalho temporário, regida pela Lei nº 6.019/1974, desde que não sejam excedidos os três meses de prestação de serviços na empresa tomadora; na contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102/1983), de conservação e limpeza; e na de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, ausentes os elementos da pessoalidade e da subordinação direta.

Desta feita, percebe-se, portanto, que, em princípio, tem-se como lícita apenas a terceirização de atividade-meio, ou seja, aquela que não está ligada diretamente ao núcleo da atividade empresarial, servindo, apenas, como um suporte, um caminho para alcançar a atividade final (finalidade precípua da empresa), como os serviços de vigilância, limpeza, digitação e conservação. A jurisprudência brasileira, com o apoio da maioria dos estudiosos sobre o assunto, sustenta esse posicionamento, como se infere no seguinte julgado:

TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADES. SERVIÇOS DE PANFLETAGEM. LICITUDE. A Súmula n.º 331, III, estabelece que "Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102 de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta". Assim,regular a contratação de empregado para labor na atividade-meio, via empresa interposta, não formando o vínculo diretamente com o tomador de serviços, nos

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termos da mencionada súmula. (TRT10. RO - 850200802010003 DF 00850-2008-020-10-00-3. Publicado em: 05.06.09. 1 Turma. Relator: DESEMBARGADOR PEDRO LUIS VIVENTIN FOLTRAN). (grifos nossos)

Portanto, se, ao contrário, a empresa tomadora de serviços contratar a prestadora para o desempenho de sua atividade-fim, a terceirização será considerada ilícita, formando-se o vínculo empregatício do trabalhador diretamente com a empresa contratante, como prescreve o julgado abaixo:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - ATIVIDADE-FIM - FORMAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. Sendo ilícita a contratação de trabalhador para exercer as funções de emendador de cabos telefônicos, através de empresa prestadora de serviços interposta, o vínculo se estabelece diretamente com a tomadora, em razão da inserção do empregado em sua atividade-fim (inteligência da Súmula 331, I, do colendo TST). Nesse caso, faz jus o empregado à percepção das vantagens previstas nos instrumentos normativos das quais é signatária a empregadora. (MINAS GERAIS, 2009).

2. TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O fenômeno da terceirização surgiu, primeiramente, na iniciativa privada, com o intuito de reduzir os custos da produção e melhorar a eficiência e a qualidade da atividade produtiva desempenhada.

No entanto, principalmente com a Reforma Administrativa Brasileira, trazida pela Emenda Constitucional nº19/98, cujo objetivo principal foi aumentar a eficiência dos serviços prestados pelo Poder Público e diminuir sua morosidade, a terceirização surge no

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âmbito da Administração Pública como uma alternativa para que o Estado pudesse focalizar seus esforços em suas atividades próprias e essenciais, aumentando sua capacidade administrativa, deixando, portanto, a execução de funções não nucleares nas mãos da iniciativa privada.

Hely Lopes Meirelles (2000, p.708, grifo original) já tratava sobre esse assunto:

A finalidade do Estado é a prestação de serviços à coletividade, visando a promover obem-estar geral. Mas, para atingi-la, necessita de meios adequados, materiais e humanos, que, em seu conjunto, constituem a máquina administrativa […]. Daí, vê-se que o Estado, ou melhor, a Administração, exercita duas espécies de atividades: as atividades-fins e as atividades-meios, aquelas empregadas na consecução de seu objetivo específico, e estas, na organização, acionamento e manutenção da infra-estrutura administrativa, sem a qual as primeiras não podem ser realizadas. [...]

Desde a década de 1960, com a edição do Decreto-Lei nº 200/67, que dispunha sobre a Organização da Administração Federal e estabelecia diretrizes para a reforma administrativa, o Poder Público descentraliza a execução de suas atividades. Com a leitura do artigo 10, § 7º, pode-se perceber que, nessa época, o legislador já explicitava a sua preferência em terceirizar as atividades-meio do Estado:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina

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administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

O mesmo diploma legal exemplificou, em seu artigo 30, algumas atividades-meio dos órgãos da Administração, denominadas de auxiliares, que poderiam ser terceirizadas, como as de pessoal, orçamento, estatística, administração financeira, contabilidade e auditoria, serviços gerais, dentre outras.

Em 10 de dezembro de 1970, surge a Lei nº 5.645, que permitiu, em seu artigo 3º, parágrafo único, que as atividades relacionadas com transporte, conservação e operação de elevadores fossem, preferencialmente, objeto de execução indireta, por meio de celebração de contrato. No entanto, o mencionado artigo foi revogado pela Lei 9.527 de 1997.

Em 1986, editou-se o Decreto-Lei 2.300 que ampliou e complementou o Decreto-Lei 200/67, no que se refere aos contratos administrativos.

Já em 1993, nasce a Lei 8.666, regulamentando o artigo 37, da Constituição Federal, e instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública. Seu artigo 10 possibilitou que os serviços e obras fossem prestados por execução indireta, sob os regimes de empreitada ou tarefa. O conceito de serviço foi dado pelo seu artigo 6º, II:

[…] toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte,

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locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.

Seguindo o mesmo raciocínio, posteriormente, o Presidente da República baixou, em 7 de julho de 1997, o Decreto 2.271, que dispôs sobre a contratação de serviços pela Administração Pública direta, autárquica e fundacional. Seu artigo 1º afirmava que:

Art. 1º. No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.

Como se pode observar, esta modalidade de prestação de serviços realizada pelo Estado se apresenta legítima perante o ordenamento jurídico brasileiro, e como será exposto a seguir, o fenômeno vem se tornando cada vez mais presente nos órgãos da Administração.

Relevante, ao tema, a explicação de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2000, p. 15):

A terceirização no serviço público constitui tema novo e desafiador, exigindo dos que almejam alcançar essa fronteira uma visão integrada da legislação e da jurisprudência, além de um esforço coordenado de diversos segmentos da Administração.

Os caminhos estão abertos e insinuados desde o Decreto-Lei 200/67, mas agora

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fortalecidos e aclarados pela evolução jurisprudencial, constituindo em etapa inexorável de uma longa linha evolutiva que encontrará um perfeito equilíbrio entre o verdadeiro papel do Estado e da iniciativa privada na concretização do interesse público.

Leonardo Alberto Ribeiro (2009, on line) apresenta importantes dados, que demonstram essa evolução:

A Pesquisa de Emprego e Desemprego (2007) realizada pelo DIEESE em Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife e Distrito Federal revela que, enquanto na iniciativa privada a terceirização sofreu um pequeno recuo entre os anos de 2002 e 2005 (fato atribuído à queda da qualidade de produção), no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal o fenômeno vem tomando ainda maior impulso. No Distrito Federal, por exemplo, o índice de trabalhadores terceirizados no Poder Público saltou de 7,1% para 26,6%, entre 1996 a 2005; na região metropolitana de Belo Horizonte, a proporção de terceirizados no Poder Público dobrou, no mesmo período, de 12% para 23%, ultrapassando, inclusive, o ramo da construção civil (21,9%), um dos setores nos quais a terceirização sempre teve uma presença orgânica.

No que concerne à conceituação do processo de terceirização quando aplicado à Administração Pública, faz-se imperiosa a leitura da definição de Lívia Maria Silva Meireles (2007, on line).

[…] a terceirização é uma das formas de inserção do particular na prestação do serviço

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público, que se faz por meio de um contrato administrativo. O terceiro é um mero executor material, destituído de qualquer prerrogativa do Poder Público. Portanto é importante frisar que não se trata de gestão do serviço público, mas sim de uma mera prestação de serviços.

O termo “terceirização” vem sendo amplamente utilizado pelo ramo do Direito Administrativo, dentro do contexto da reforma do Estado na busca de instrumentos de Direito privado que possam permitir a redução da marca estatal na consecução dos seus fins.

A autora continua sua explicação:

[…] o conceito de terceirização aplicado à Administração Pública é o mesmo aplicado no âmbito do Direito Privado, vez que este celebra, com muita frequência, contratos de empreitada (de obras e de serviços) e de fornecimento, mas sempre com fundamento no art. 37, XXI, da Constituição Federal, e com observância das normas da Lei 8.666/93, que regulamenta os contratos administrativos. (MEIRELES, 2007, on line).

É importante destacar que, como dito, o Estado não está impedido de celebrar contratos de terceirização. No entanto, para que isso seja possível, devem ser observadas algumas condições.

Neste ponto, Cristiana Fortini e Virginia Kirchmeyer Vieira (2009, p. 28) registram que: “[...] a febre da terceirização precisa ser controlada, já que seu emprego não pode se operar indistintamente. Alguns administradores públicos, seduzidos pela agilidade e informalidade do setor privado, têm se valido da terceirização em descompasso com o ordenamento jurídico”.

José dos Santos Carvalho Filho (2016, p. 268, grifo original) explicita que:

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[…] é inteiramente legítimo que o Estado delegue a terceiros algumas de suas atividades-meio, contratando diretamente com a sociedade empresária, à qual os empregados pertencem. É o caso dos serviços de conservação e limpeza e de vigilância. Aqui, trata-se de terceirização lícita. Vedado se afigura, entretanto, que delegue atividades-fim, como é o caso de funções institucionais e próprias dos órgãos públicos. Nesse caso, a Administração simula a intermediação de mão de obra, numa evidente contratação de locação de serviços individuais e, com isso, procede a recrutamento ilegal de servidores (terceirização ilícita). Em várias ocasiões, esse tipo de contratação tem sido anulado pelos órgãos de controle, inclusive pelos Tribunais de Contas.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 69), conceitua o que seria terceirização sob forma de fornecimento de mão de obra:

Tanto na empresa privada quanto na Administração Pública, a terceirização sob forma de fornecimento de mão-de-obra ocorre quando o tomador de serviço contrata uma empresa para que esta forneça pessoal para trabalhar dentro da empresa tomadora. No caso da Administração Pública, seriam pessoas que viriam trabalhar para ela, embora sem vínculo empregatício.

A renomada doutrinadora também demonstra ser contra esse tipo de contratação, ao declarar que:

[…] Acho realmente que esses contratos burlam as normas relativas aos servidores públicos; não adianta existir um capítulo na Constituição sobre servidor público, exigindo concurso público para que o servidor ocupe

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cargo ou emprego, se depois deixarmos tudo isso de lado e contratarmos pessoal por meio de empresa intermediária. Essa forma de contratação burla também o limite da despesa com pessoal e esse tipo de contrato não cria vínculo de emprego com a Administração Pública. Logo, esse pessoal não pode ser considerado servidor público.

Eles são considerados funcionários de fato e, em consequência, não podem assinar documento nenhum, não podem praticar nenhum ato administrativo, não podem celebrar um contrato, não podem aplicar uma penalidade. […] porque eles não estão investidos em cargo, emprego ou função […].

Penso que esse tipo de contrato favorece o apadrinhamento político, pois se o político não pode indicar a pessoa para um determinado cargo, porque ela tem que prestar concurso público, ele indica para a empresa intermediária, e a pessoa entra pela via indireta, […]. (DI PIETRO, 2009, p. 71).

Diante do exposto, conclui-se que somente é considerada lícita a terceirização pelo Estado quando se tratar de transferência de prestação de serviços, e não de mão de obra. A maioria dos doutrinadores pacificou esse entendimento em respeito ao princípio do concurso público, elencado no artigo 37, II da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37- A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

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[…]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Vale ressaltar que o parágrafo segundo do mencionado artigo afirma que a não observância do inciso II implica na nulidade do ato e na punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

Com efeito, Sérgio Pinto Martins (2001, p. 131) estabelece que:

A Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade, devendo observar a regra constitucional. O princípio da primazia da realidade não pode prevalecer diante da regra de ordem pública contida no inciso II do art. 37 da Constituição. A norma está acima das regras ordinárias da CLT e dos princípios do Direito do Trabalho […]. O objetivo, portanto, do concurso público é evitar escopos politiqueiros, perseguições eleitorais em razão da conveniência política.

É por todo o exposto que o Tribunal Superior do Trabalho, em sua súmula 331, inciso II afirma que “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional”, fazendo referência ao supracitado artigo 37, II da Constituição Federal, ou seja, mesmo que o inciso I do enunciado preconize que, no caso de terceirização ilegal, haverá formação de vínculo empregatício com a empresa tomadora de serviços, se esta for da Administração Pública, esse vínculo permanecerá com a

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prestadora, sob pena de se ferir o princípio constitucional do concurso público.

Outro importante aspecto a ser analisado é o da ilicitude da terceirização realizada pelo Poder Público de suas atividades-fim.

Lívia Maria Silva Meireles (2007, on line) dispõe que:

[…] é possível identificar atividade essenciais que devem ser geridas pelo próprio Poder Público, sob pena de seu perecimento, que são justamente aquelas voltadas para o atendimento da sua missão de caráter jurídico. Essas atividades, em paralelo com o setor privado, constituiriam as denominadas atividades-fim do Estado, não sendo passíveis de terceirização, podendo tão-somente ocorrer o repasse de tarefas tidas como acessórias para a consecução do objetivo principal. Como exemplo, pode-se admitir a contratação de serviço de limpeza por uma empresa terceirizada dentro de uma repartição policial, mas nunca a contratação de uma empresa com o fim de realizar a execução direta do serviço de polícia.

[…]

É notório, portanto, perceber-se que, para se falar em terceirização na Administração Pública, é necessário, antes de tudo, adotar como parâmetro as totalidades das funções do Estado a fim de definir quais são as suas atividades-meio e atividades-fim, para que sejam identificadas quais as possibilidades de serviços terceirizáveis. Ou seja, a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, no âmbito do Direito Administrativo e do Estado, vai além da satisfação dos direitos dos trabalhadores envolvidos no contrato; deve-se discutir, além

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disso, se a terceirização poderá atingir as atividades que constituem o cerne de sua existência e permanecerem ao amparo de seus princípios regedores.

Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 68) é enfática ao declarar que: “[...] terceirizar a atividade-fim não é possível, a menos que se queira acabar com a Administração Pública, acabar com o próprio Estado. No dia em que o Estado terceirizar sua atividade-fim, ele perderá grande parte de sua utilidade”.

3. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELOS DÉBITOS TRABALHISTAS pelos

Durante muito tempo, houve uma grande divergência entre os doutrinadores em relação à responsabilidade da Administração Pública, enquanto tomadora de serviços, pelas verbas trabalhistas reivindicadas pelo empregado e não pagas pela empresa prestadora.

A antiga redação da Súmula 331 do TST, em seu inciso IV, estabelecia que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implicava na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que houvesse participado também do título executivo judicial. Contudo, defendendo a supremacia do interesse público

frente ao interesse privado e do princípio da legalidade, uma segunda corrente, trilhando sentido oposto, entendia que a Administração não podia ser responsabilizada, devendo o empregado demandar, tão somente, contra a empresa com a qual tinha o vínculo laboral, já que o Estado não estava prestando serviço

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público propriamente dito, mas sim atuando, simplesmente, como tomador de serviços.

Ademais, refutava-se o entendimento do TST, que responsabilizava o Poder Público com base na teoria do risco integral, tendo em vista que não se possibilitava que a Administração demonstrasse que agiu sem culpa. Defendia-se que a Carta Magna havia adotado a teoria do risco administrativo, e que, no caso da terceirização, essa responsabilidade seria por ato omissivo, necessitando-se, portanto, conforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores, analisar a existência do elemento subjetivo.

Esse posicionamento também levava em consideração o texto do artigo 71, caput e §1º da Lei Federal 8.666/1993, que estabelece que:

Art 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. §1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.

Diante deste cenário jurídico, com o objetivo de dirimir essa controvérsia e afastar a incerteza criada na Justiça brasileira, o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, em 5 de março de 2007, ingressou com uma ação declaratória de constitucionalidade, a ADC nº 16, perante o Supremo Tribunal Federal, pugnando pelo reconhecimento da constitucionalidade do supracitado artigo 71, §1º, da Lei 8.666/1993, e, consequentemente, pela não adoção da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

Por meio da Procuradoria Geral do Distrito Federal, Roberto Arruda, ao defender a aplicação da Lei de Licitações, na mencionada ADC nº 16 (2008, p. 352), foi enfático ao explicar que:

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A norma objeto da presente ação declaratória de constitucionalidade, a despeito de sua constitucionalidade evidente e manifesta, tem sofrido ampla retaliação por parte de órgãos do Poder Judiciário, em especial do Tribunal Superior do Trabalho, que diuturnamente nega vigência ao comando normativo expresso no art. 71, §1º, da Lei Federal nº 8.66693. Nesse sentido, o TST fez editar enunciado de súmula da jurisprudência dominante, em entendimento diametralmente oposto ao da norma transcrita, responsabilizando subsidiariamente tanto a Administração direta quanto a indireta em relação aos débitos trabalhistas, quando atuar como contratante de qualquer serviço de terceiro especializado […].

Em 24 de novembro de 2010, a Suprema Corte pôs fim a esta celeuma. No mérito, a maioria dos ministros se pronunciou pela constitucionalidade do dispositivo legal objeto da ADC nº 16, contando a decisão com a seguinte ementa:

Responsabilidade contratual. Subsidiária. Contrato com a Administração Pública. Inadimplência negocial do outro contratante. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, §1º, da Lei Federal nº 8.6661993. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, §1º, da Lei Federal nº 8.666, de 26 de junho de1993, com a redação

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dada pela Lei nº 9.032, de 1995 (ADC 16/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 24.11.2010).

Além disso, houve consenso no sentido de que o TST não poderia generalizar os casos de responsabilidade do ente público contratante. Para tanto, deveria ser feita uma investigação rigorosa para se averiguar se a inadimplência da prestadora de serviços teve como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público tomador.

Por esta razão, a Corte trabalhista, reportando-se à decisão proferida pelo STF, entendeu por bem reformar seu entendimento sobre o assunto. Conforme publicado no sítio do Tribunal Superior do Trabalho em 24/05/2011, os ministros do Tribunal Pleno alteraram a Súmula nº 331, passando o seu inciso IV, por unanimidade, a ter a seguinte redação:

“IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.

Ainda, por votação unânime, foi inserido o inciso VI à referida Súmula, nos seguintes termos:

“VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.

No entanto, ainda existem debates em curso, notadamente em relação a quem compete demonstrar a existência da culpa “in eligendo” ou “in vigilando” do Poder Público ao celebrar o contrato de terceirização, e em como deve ser feita tal demonstração.

CONCLUSÃO

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O presente artigo objetivou analisar o surgimento da terceirização no Brasil, enfocando sua licitude no âmbito da Administração Pública e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca da responsabilidade do Poder Público, enquanto tomador de serviços, em relação ao inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa prestadora.

Após analisar-se a evolução jurisprudencial acerca do tema, demonstrou-se que a responsabilidade subsidiária automática da Administração Pública pelo pagamento de tais verbas inadimplidas pela empresa contratada constitui ofensa ao artigo 71, §1º, da Lei 8.666/1993, declarado constitucional pela Suprema Corte, sendo indispensável, para tanto, a demonstração da omissão culposa do Poder Público, no que tange ao cumprimento das normas estabelecidas na Lei de Licitações, notadamente, do dever de fiscalizar a execução de seus contratos administrativos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.

_______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 de junho de 1993. Disponível em: <http\www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 de junho de 2016.

_______. Decreto-Lei nº 2.300, de 22 de novembro de 1986. Dispõe sobre licitações e contratos da Administração federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de novembro de 1986. Disponível em: <http\www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 de junho de 2016.

_______. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 de

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fevereiro de 1967. Disponível em: <http\www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 de junho de 2016 .

_______. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.Diário Oficial da União, Brasília, DF, 09 de agosto de 1943. Disponível em: <http\www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 de junho de 2016.

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A ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO E O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

RAPHAEL RODRIGUES VALENÇA DE OLIVEIRA: Graduado e Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado. Autor de obras jurídicas.

RESUMO: O presente trabalho propõe analisar o surgimento, o desenvolvimento e a atual concepção do instituto da estabilidade, responsável por garantir ao servidor público a possibilidade de desempenhar a sua função de forma autônoma, segura e eficaz em face do princípio da eficiência. Inicialmente oriundo do direito norte-americano possui vestígios no ordenamento jurídico brasileiro desde os tempos imperiais. Modificado aos poucos, assumiu papel de forte relevo na Constituição Federal de 1988, muito em virtude do contexto histórico-social existente à época. Fundamentada, dentre outros, pelos princípios da segurança jurídica, da isonomia, da continuidade do serviço público, da impessoalidade e da própria eficiência, a estabilidade apresenta-se como basilar instrumento de proteção do servidor contra arbitrariedades que possam ser cometidas pelo Estado ou terceiros, garantindo segurança e harmonia aos responsáveis por materializá-lo. Apesar de ter adquirido sua última roupagem a mais de uma década, com o advento da Emenda Constitucional n. 19, de 1998, muita polêmica ainda paira sobre o tema, de maneira que um estudo mais aprofundado do instituto se mostra imprescindível, justamente para evitar que, sob o pretexto de coibir abusos estatais, seja ele aplicado sem qualquer parâmetro, causando o oposto, ou seja, acomodações, ineficiência, incerteza e insegurança jurídica. Estabelecidas as condições necessárias para a aplicação do direito à estabilidade, este poderá ser ponderado à luz dos princípios da eficiência, da legalidade e da supremacia do interesse público nas

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mais diversas situações, com o intuito sempre de que a Administração Pública busque ser justa, eficiente e transparente.

Palavras-chave: administração pública, servidor estatutário, estabilidade, eficiência.

1 INTRODUÇÃO

Oriundo da América do Norte, conforme magistério de Paulo de Matos Ferreira Diniz, o instituto da estabilidade do servidor estatal foi concebido, inicialmente, para combater os malefícios causados em razão da periódica alternância partidária no comando do Estado[1], uma vez que somente duas classes políticas polarizavam o Governo, a saber, o Partido Democrata e o Partido Republicano.

Ao atingirem o comando máximo Estatal, após cada pleito eleitoral, o partido legitimado eleito efetuava as alterações necessárias, a fim de organizar seu corpo pessoal para o próximo quadriênio ou qüinqüênio governamental.

Esta prática antidemocrática, bastante usual até os dias atuais, proporcionava demissões em massa daqueles que eram conhecidos adversários políticos, ideológicos e até mesmo pessoais do partido ou de lideranças deste.

Tão logo realizada a "faxina" dos oposicionistas do quadro de pessoal da Administração Pública, a máquina estatal via-se ás voltas com situações oriundas da incapacidade operacional, tornando-se lenta, precária e ineficaz, onde muitos dos serviços até então oferecidos à população eram paralisados.

Os servidores recém convocados pelo partido vencedor para suprir as vagas dos adversários demitidos, em geral, não possuíam treinamento, experiência e em muitas vezes vontade, para o desempenho da função confiada. E em outros casos, mesmo com

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iniciativa, necessitavam de certo tempo para se familiarizar com o novo ofício.

Dessa forma, a máquina estatal não poderia ficar à mercê de oscilações tão corriqueiras e profundas a cada período eleitoral.

O conceito do Estado contemporâneo não permitia uma passividade como a apresentada, pois que por poder afetar de forma tão intensa a vida do cidadão, ao passo que agia a todo instante fomentando e desestimulando a economia, seu papel exigia uma atuação mais constante e eficaz.

Além disso, não é justo para com o homem, o contribuinte, o servidor, ficarem condicionados a tais instabilidades e incertezas, posto que uma das basilares funções do trabalho é a de servir de alicerce para que o trabalhador guie seus rumos com o escopo de alcançar seus objetivos pessoais e profissionais. Necessita, assim, de segurança para poder viver e vislumbrar um sentido na sua caminhada.

Desta forma, inegável que a atuação estatal influi diretamente no cotidiano do cidadão. Especialmente, para o cidadão que é remunerado pelos cofres públicos, porque não poderá planejar qualquer tipo de atividade, sem antes ter a certeza que o próximo mês ainda será um agente público. Como realizar seu mister de forma plena, impessoal e independente se do outro lado do balcão o outrora “interessado” pode ser seu próximo patrão e detentor do poder de desempregá-lo?

Assim, a partir destas situações, tornou-se necessária a criação de um mecanismo capaz de proporcionar a segurança para o servidor exercer o seu labor da melhor forma possível, com o fim de amenizar as influências de circunstâncias alheias à rotina e vontade do agente público.

É neste contexto que a estabilidade ganha importância. Tem como objetivo não só proteger o agente público contra arbitrariedades perpetradas pelo Estado, mas também proporcionar

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um ambiente seguro no qual imperem a harmonia e a previsibilidade, possibilitando credibilidade à atuação estatal.

O problema, entretanto, surge quando uma conquista secular é utilizada como justificativa superficial para o comodismo e a mediocridade. Quando de uma solução cria-se um problema, reflexões e mudanças tornam-se imprescindíveis.

Assim, neste cenário, a busca por fundamentos teóricos que embasem esta proteção às expectativas, quando legítimas, configura-se um dever. O Estado não pode abandonar o agente que nele confiou, ainda mais quando a confiança dos cidadãos deve ser um objetivo da administração pública.

O presente trabalho busca, portanto, estabelecer os fundamentos teóricos da conquista do direito à estabilidade, analisando a maneira como vem sendo tratado ao longo das últimas décadas, seu surgimento nas Constituições anteriores, sua consolidação na Constituição de 1998, e sua recente roupagem com o advento da Emenda Constitucional nº. 19 de 1998, a fim de justificar sua aplicação no cenário atual.

É necessário, portanto, inicialmente, indagar o conceito de Administração Pública, pois é neste complexo de relações jurídicas, órgãos e pessoas[2]que é delineada a figura do servidor público. Em seguida, trata-se da identificação do agente público: destrinchando suas espécies, características e peculiaridades, subsídio necessário para aferir-se o contexto inserido e a contribuição de tais conceitos para a fundamentação teórica e aplicabilidade do instituto da estabilidade. Adiante, destaca-se o servidor público estatutário, objeto central desta monografia, esmiuçando-se os requisitos para a conquista desse direito constitucionalmente garantido à essa espécie de agente público. Ao final, o foco é concentrado nas hipóteses que se forem registradas irão ensejar a perda da estabilidade e do cargo público.

Reconhecidas as linhas gerais e a importância da estabilidade do servidor público no ordenamento jurídico brasileiro,

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esta poderá contribuir de forma mais eficaz e segura. É de suma importância estabelecer este estudo, vez que em muitos casos o instituto em tela entrará em aparente conflito com outras conquistas fundamentais ao Direito e de igual importância, como o princípio da legalidade, o postulado do interesse público e, especialmente, para os fins do presente trabalho, o princípio da eficiência.

Desta forma, somente com uma base sólida, é que a garantia[3] da estabilidade poderá ser devidamente ponderada com estes outros pilares jurídicos para se encontrar a solução mais justa para os interesses do cidadão e do Estado.

2 ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO 2.1 ALCANCE HISTÓRICO DO INSTITUTO À LUZ DA

EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

A expressão “estabilidade” é originária do latim, tendo por significado etimológico aquilo que é “estável”, “firme”, “inteiro”.[4] Está insculpida a algum tempo em nosso ordenamento. Os primeiros vestígios remontam à época do Brasil Império[5].

Na data de 1º de outubro de 1828, foi instituída Lei regulamentando, a nível de município (cidades ou vilas), o funcionamento das Câmaras de Vereadores. Possuíam a incumbência da administração local, com organização e poderes de arrecadação de tributos e sua aplicação, consoante determinação expressa dos artigos 167 a 169, da Constituição de 1824[6].

A Câmara, por sua vez, detinha em seus quadros funcionais "empregados" nomeados pela mesma, tais como: um secretário (de livre nomeação e exoneração), um procurador com mandato pré-definido de 4 (quatro) anos, um porteiro e seus ajudantes, e por fim, fiscais e seus suplentes com mandato também estabelecido para 4 (quatro) anos, temporalidade estabelecida nos artigos 79, 80, 82 e 83 da CF/1824. [7]

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Somente os servidores das capitais das províncias eram remunerados, porém, poderiam ser multados por negligência no desempenho de suas funções.[8]

Desta feita, há o destaque para o registro do princípio da figura da estabilidade, concedido às categorias do procurador e dos fiscais, vez que não poderiam ser destituídos como o secretário da câmara, por exemplo, e possuíam a garantia de permanecer no seu posto, pelo prazo do mandato de 4 (quatro) anos.

Em 12 de agosto de 1834, a Lei nº 16, alterou e complementou a Constituição de 1824. Com esta alteração, as Assembleias Legislativas Provinciais receberam autonomia para legislar acerca de matérias que versassem sobre empregos municipais e provinciais (art. 10, § 7º), excluindo-se os servidores que: desempenhavam funções correlatas à arrecadação, administração e contabilidade da Fazenda Nacional; administração da guerra, marinha e dos correios gerais; Presidentes de Província, Bispos, servidores das faculdades e outros de alto escalão.

Analisando o plano constitucional, as primeiras duas Constituições de nossa história não relacionavam o instituto ao servidores em geral, à exceção de algumas categorias específicas.

A Constituição de 16 de julho de 1934, a terceira de nossa história, foi a primeira a dedicar um título aos "funcionários públicos", organizando o serviço público com preceitos, que quase em sua totalidade, foram reproduzidos até hoje. E, neste sentido, apesar da mesma não utilizar o termo estabilidade,foi a primeira a instituir este direito ao servidor público:

Art. 169. Os funccionarios publicos, depois de dois annos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez annos de effectivo exercicio, só poderão ser destituidos em virtude de sentença judiciaria ou mediante

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processo administrativo, regulado por lei, e no qual lhes será assegurada plena defesa.

Paragrapho unico. Os funccionarios que contarem menos de dez annos de serviço effetivo não poderão ser destituidos dos seus cargos, senão por justa causa ou motivo de interesse público.

Garantia esta, que, com a "mão" do autoritarismo, foi logo burlada com a Emenda Constitucional nº 3, de 18 de dezembro de 1935:

O funccionario civil, activo ou inactivo, que praticar acto ou participar de movimento subversivo das instituições políticas e sociaes, será demittido, por decreto do Poder Executivo, sem prejuízo de outras penalidades e resalvados os effeitos da decisão judicial que no caso couber.

Seguindo o caminho de conquistas, a Constituição datada de 10 de novembro de 1937, restabeleceu praticamente os mesmos direitos aos "funcionários públicos":

Art. 156. O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor:

c) os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em todos os casos, depois de dez anos de exercício, só poderão ser exonerados em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, em que sejam ouvidos e possam defender-se;

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Assim, desta maneira, o Decreto-Lei nº 1.202 de 8.4.39, em seu art. 48, estendeu estas mesmas garantias aos funcionários dos Estados e Municípios.

A Constituição Federal de 18 de setembro de 1946 dispôs acerca estabilidade da mesma forma e garantiu os mesmos direitos, esclarecendo ainda, que o direito de estabilidade não abrangeria os cargos de confiança e, nem os de livre nomeação e demissão.

Art. 188. São estáveis:

I - depois de dois anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados por concurso;

II - depois de cinco anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados sem concurso.

Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica aos cargos de confiança nem aos que a lei declare de livre nomeação e demissão.

Na vigência desta Constituição, surgiram inúmeras normas infraconstitucionais, que alargaram o instituto, estabelecendo condições mais favoráveis à obtenção da estabilidade.[9]

Sendo que, no artigo seguinte desta Constituição, a exemplo da atual, a mesma tratou de disciplinar, também, as situações em que estes "funcionários públicos" poderiam perder o cargo e suas conseqüências, assim como, constitucionalizou a disponibilidade remunerada.

Art. 189. Os funcionários públicos perderão o cargo:

I - quando vitalícios, sómente em virtude de sentença judiciária;

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II - quando estáveis, no caso do número anterior, no de se extinguir o cargo ou no de serem demitidos mediante processo administrativo em que se lhes tenha assegurado ampla defesa.

Parágrafo único. Extinguindo-se o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada até o seu obrigatório aproveitamento em outro cargo de natureza e vencimentos compatíveis com o que se ocupava.

A Constituição de 24 de janeiro de 1967 manteve o instituto da estabilidade, porém, sob a influência da propugnada reforma administrativa nos moldes liberais, impulsionada por Helio Beltrão, foi mais radical, dando direito à estabilidade somente mediante prévio concurso.

Art. 99. São estáveis, após dois anos, os funcionários, quando nomeados por concurso.

§ 1º Ninguém pode ser efetivado ou adquirir estabilidade, como funcionário, se não prestar concurso público.

§ 2º Extinto o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade remunerada, com vencimentos integrais, até o seu obrigatório aproveitamento em cargo equivalente.

Conforme apontado, a disponibilidade passou a ter redação mais precisa em relação a remuneração, pois, na Constituição anterior era omissa, e nesta, passou a expressar a sua integralidade.

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Nas disposições transitórias, a mesma estabilizou todos os servidores, sob qualquer regime, que contassem com pelo menos cinco anos de exercício

2.2 DA ESTABILIDADE EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

O instituto da estabilidade, conforme visto, não foi insculpido na Constituição de 1988 pela primeira vez. Apesar disso, a forma atual de sua aplicação ainda causa muita polêmica.

Consagrada no artigo 41 da Constituição Federal de 1988[10], consiste em garantia contra a exoneração discricionária, submetendo a extinção da relação estatutária a processo administrativo ou judicial destinado a apurar a prática de infração a que seja cominada a pena de demissão, ressalvada a hipótese específica de perda do cargo para redução das despesas com pessoal (autorizada constitucionalmente nos artigos 169, parágrafos 4º a 7º, e 247).

2.2.1. O conteúdo da garantia da estabilidade

A estabilidade, segundo o artigo 41, § 1º, da Constituição, significa que o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo apenas perderá essa condição mediante sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo com garantia de ampla defesa ou procedimento de avaliação periódica de desempenho.

O artigo 169, § 4º, da Constituição admite a perda do cargo do servidor estável para assegurar a observância do limite máximo de despesas com pessoal, tal como será mais bem examinado adiante.

A redação constitucional do artigo 41, § 1º, é deficiente e exige interpretação adequada. É evidente que a alternativa de avaliação periódica corresponde a uma modalidade de processo

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administrativo. A relevância do dispositivo reside em estabelecer que a demissão poderá fundar-se não apenas na prática de infrações graves, mas também na ausência de aptidão ou capacidade para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo. A avaliação periódica destina-se não propriamente a verificar se o sujeito infringiu seus deveres, mas a apurar se dispõe de condições para cumpri-los.

Depois, a demissão do ocupante de um cargo público de provimento efetivo, em virtude da imputação de falta pessoal, depende de processo administrativo com observância da ampla defesa. Um equívoco muito grave seria supor que um servidor público titular de cargo de provimento efetivo, mas não estável, poderia ser demitido sem a imputação de falta pessoal ou exonerado sem ausência de capacidade ou aptidão. Em qualquer dos casos, caberá respeitar o devido processo legal.

Embora hoje seja atacado por muitos, tem como fim principal assegurar aos ocupantes de cargos públicos de provimento efetivo uma expectativa de permanência no serviço público, desde que adequadamente cumpridas suas atribuições. A preocupação que justificou a criação do instituto, e sua elevação a patamar constitucional, é a de que os servidores públicos sofram pressões e ingerências de natureza política visando a favorecer este ou aquele “amigo do príncipe”, em evidente detrimento do interesse público. É incontroverso que servidores nomeados com base em critérios políticos para cargos de livre exoneração são extremamente vulneráveis a toda sorte de pressões, agindo praticamente a mando daqueles que têm poder para nomeá-los ou exonerá-los.

Outro motivo importante para explicar a existência da estabilidade é a necessidade de profissionalização dos quadros funcionais do serviço público, o que se torna inviável se a cada mudança de governo puderem ser promovidas grandes “degolas”, com a substituição dos apadrinhados da administração anterior pelos apadrinhados da vez.

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Em um sistema pautado em princípios como o da impessoalidade, moralidade, eficiência, a estabilidade do servidor muito contribuiu e poderá contribuir, desde que encarada enquanto conquista para um serviço público atuante e eficaz e não, como escudo para a mediocridade, acomodações e ineficiência na persecução do interesse coletivo.

2.2.2. A efetividade e a estabilidade

A efetividade consiste numa característica vinculada ao cargo em si mesmo. Alude-se a cargo de provimento efetivo para estabelecer diferença em vista dos cargos em confiança.

Assim, um cargo de provimento efetivo é aquele cujo provimento depende de um concurso e que apresenta um regime jurídico destinado a permanecer ao longo do tempo, podendo produzir a aposentadoria do seu titular. Sob esse ângulo, é tecnicamente incorreto aludir à efetividade do servidor, a não ser como forma de expressão. A efetividade reside na característica do cargo.

No passado, antes da Constituição de 1988, o servidor provido no cargo efetivo podia ser demitido sem maiores formalidades enquanto não adquirisse a estabilidade. A garantia pessoal contra a exoneração discricionária era produzida pela estabilidade.

A Constituição de 1988 generalizou a garantia do devido processo legal, por força do disposto no artigo 5º, LIV, LV e LXXVIII.

O primeiro ponto diferencial entre a titularidade de cargo de provimento efetivo e a estabilidade reside em que o titular do cargo efetivo poderá ser exonerado, sem adquirir estabilidade, por meio de uma avaliação discricionária a propósito da ausência de capacidade ou aptidão para o desempenho do cargo. Já o servidor estável não pode ser exonerado em virtude de avaliação discricionária da Administração. Ressalte-se que a avaliação discricionária, exercitada para a exoneração do servidor efetivo

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(mas não estável), não significa liberação da observância do devido processo legal nem da indicação precisa e exata dos motivos que conduzem à sua exoneração.

O segundo ponto diferencial reside em que a estabilidade assegura ao servidor a manutenção do vínculo com o Estado se o cargo de que é titular vier a ser extinto. É o que estabelece o artigo 41, § 3º, da Constituição, ao determinar que extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade. O mesmo não ocorre com o servidor não estável. Se houver a extinção do cargo ou for declarada a sua desnecessidade, o efeito será a extinção do vínculo com o servidor.

Em suma, a efetividade é uma característica do cargo ocupado. A estabilidade é uma garantia pessoal do servidor público.

2.2.3 A aquisição da estabilidade mediante a avaliação prévia

Ao artigo 41 (com a redação da Emenda nº 19/98) estabeleceu que os servidores nomeados para cargos de provimento efetivo adquirem a estabilidade depois de três anos de efetivo exercício, mas sempre mediante indispensável avaliação prévia.

É evidente, no entanto, que a desídia da Administração não poderá recair sobre o servidor. Decorrido o prazo de três anos e inexistente uma manifestação formal positiva, o servidor adquirirá a estabilidade. Nesse caso, ter-se-á infringido um comando constitucional dirigido à atividade administrativa e se imporá a abertura de processo administrativo para apurar a responsabilidade pela omissão.

2.2.4. A vitaliciedade e a efetividade

A vitaliciedade significa que a demissão do sujeito depende de sentença judicial que reconheça a comprovação de infração a que seja cominada a sanção dessa ordem. A vitaliciedade não

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significa a garantia de titularidade do cargo por toda a vida, uma vez que o servidor vitalício está sujeito à aposentadoria compulsória, e não há impedimento à extinção do cargo.

A Constituição atribui o regime de vitaliciedade aos magistrados (artigo 95, I), aos membros dos Tribunais de Contas (artigo 73, § 3º) e do Ministério Público (artigo 128, § 5º, “a”).

A vitaliciedade não impede a extinção do cargo, ficando o funcionário em disponibilidade, com todos os vencimentos. (STF. Súmula nº 11)

Servidor vitalício está sujeito a aposentadoria compulsória, em razão da idade (STF. Súmula nº 36)

A vitaliciedade e a efetividade são institutos jurídicos similares. Como ensina José dos Santos Carvalho Filho[11]:

Na verdade, a vitaliciedade dos servidores vitalícios em muito se assemelha à estabilidade dos servidores efetivos, sendo comum em ambas o direito do servidor de continuar inserido no respectivo quadro funcional. Mas, enquanto a perda da vitaliciedade só pode derivar de sentença judicial transitada em julgada, como resulta daqueles dispositivos, a da estabilidade pode originar-se também de processo administrativo, embora assegurando-se o direito de ampla defesa ao servidor (artigo 41, II e III, CF). Por conseguinte, será forçoso reconhecer que os efetivos da vitaliciedade são mais benéficos para o titular do cargo que os advindos da estabilidade”

Talvez seja possível agregar um comentário à questão. A diferenciação entre estabilidade e vitaliciedade resulta não propriamente de uma preocupação em proteger os interesses dos ocupantes dos cargos, mas se relaciona com a defesa dos interesses dos cidadãos. O regime da vitaliciedade é reservado para certos cargos porque os seus ocupantes desempenham funções que exigem a mais ampla e intensa proteção jurídica possível. Já a estabilidade é reservada para hipóteses em que a função própria do

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cargo pode ser desempenhada adequadamente com uma proteção menos intensa.

Consoante demonstrado, nossa LEI MAIOR elenca os requisitos para a conquista deste direito do servidor público, titular de cargo de provimento efetivo, que serão agora melhor debruçados.

3 REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DA ESTABILIDADE

3.1. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO

Requisito presente no final da redação docaput, a aprovação em concurso público ganha importância por ser o primeiro passo na busca pela estabilidade, vez que o servidor somente poderá ser nomeado em virtude do êxito no processo seletivo.

Nos dizeres de Justen Filho[12] o concurso público é um procedimento conduzido por autoridade específica, especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio, norteado pelos princípios da objetividade, da isonomia, da impessoalidade, da legalidade, da publicidade e do controle público, destinado a selecionar os indivíduos mais capacitados para serem providos em cargos públicos.

O concurso público deve respeitar os princípios inerentes ao conceito de procedimento. Isso significa a necessidade de observância das etapas sucessivas, destinadas a evitar decisões infundadas, apressadas ou insuscetíveis de controle.

Além disso, o concurso deve ser conduzido por autoridade pública especificamente constituída para esse fim. A comissão de concurso deve ser integrada por sujeitos dotados de poderes próprios para a seleção dos candidatos.

Não é válido o concurso conduzido por comissão integrada por sujeitos destituídos de conhecimento especializado sobre o tema objeto do concurso. Não basta o sujeito ser integrante da

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carreira, haver feito concurso anteriormente ou estar habilitado para o exercício da profissão. A condição de membro de comissão de concurso depende da titularidade de conhecimento especializado, evidenciado de modo objetivo e inquestionável.

Os membros da comissão de concurso devem ser dotados de requisitos de imparcialidade objetiva. Assim, é inválido o concurso em que o membro da comissão de concurso é ocupante de cargo em comissão e subordinado hierarquicamente ao pai de um candidato. Nessa hipótese, não há requisito objetivo de imparcialidade do membro da comissão.

A disciplina constitucional do concurso público exige a eleição predeterminada de requisitos de participação e de critérios de julgamento, que deverão constar de ato administrativo prévio. Esse ato contemplará o regulamento do concurso e traduzirá o exercício de competências administrativas discricionárias, de modo a impedir o julgamento fundado em critérios puramente subjetivos, na medida em que tal se afigura possível.

Ou seja, a discricionariedade administrativa se exercita muito mais fortemente no momento da elaboração do regulamento do que quando de sua aplicação. O procedimento de seleção se vincula ao edital, sob pena de nulidade da decisão. Se houver contradição entre o regulamento e a decisão, prevalecerá o regulamento.

Ressalta-se ainda que o concurso deve fundar-se em princípios como a objetividade, isonomia, impessoalidade, legalidade, publicidade, controle público, entre outros.

Tão importante quanto os princípios já mencionados, encontra-se o da impessoalidade, pois encarrega-se de vedar qualquer preferência de cunho subjetivo, vinculada à identidade do candidato e aos vínculos que ele apresente com autoridades, agentes estatais, partidos políticos e assim por diante.

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Já o princípio da legalidade sustenta que somente é possível estabelecer critérios de discriminação quando compatíveis com a Constituição e autorizados por Lei. Essa regra tem especial relevância no tocante a cláusulas restritivas da participação, desde que norteada pelos princípios da objetividade, isonomia e da publicidade, devendo, em todo caso, respeitar as formalidades necessárias à imposição de discriminação

Como adverte Diogo de Figueiredo Moreira Neto[13], não é permitido “ao regulamento, ao edital ou a qualquer ato administrativo criar outras condições de acesso que não essas definidas em lei”.

Para assegurar a objetividade e a isonomia, é imprescindível respeitar a publicidade. Isso significa a necessidade de o concurso público ser antecedido de ato convocatório ao qual se reconheça a mais ampla publicidade, nele se estabelecendo todas as condições de participação, os critérios de julgamento e o modo de sua produção.

De modo genérico, todos os atos do concurso deverão ser públicos, impondo-se o sigilo somente como exigência inerente à isonomia. É evidente que nenhum dos candidatos pode ter acesso ao conteúdo das questões antes de iniciadas as provas.

O controle público é da essência do concurso público. Significa que a realização do concurso público envolve o interesse coletivo, e todos os integrantes da comunidade tem interesse na condução ilibada e perfeita do concurso. Por isso, estão autorizados a acompanhar todos os atos pertinentes ao concurso, inclusive formulando pedidos de esclarecimento quanto a fatos relevantes.

Como visto, o concurso público visa a selecionar os indivíduos titulares de maior capacitação para o desempenho das funções públicas inerentes ais cargos ou empregos públicos.

Isso impõe um vínculo de pertinência e adequação entre as provas realizadas e as qualidades reputadas indispensáveis para o

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exercício das funções inerentes ao cargo ou emprego. Nesse sentido, tem-se reputado que somente se admitem provas de capacitação física em concurso públicos quando as atribuições do cargo exigirem do servidor atuação que demande esforços físicos diferenciados.

Em vista dos mesmos pressupostos, o conteúdo das provas de conhecimento também deve obrigatoriamente ser vinculado às atividades e atribuições pertinentes ao cargo a ser provido. Essa orientação se aplica não só no tocante aos testes de conhecimento técnico-científico, mas também àqueles de natureza prática ou quanto a conhecimentos gerais.

Como o certame destina-se a selecionar as pessoas mais capacitadas, o Estado tem o dever de formular testes e exames aptos e adequados a assegurar que o concurso atinja os seus fins, promovendo a seleção dos mais capacitados. Isso envolve uma margem de discricionariedade, mas que é controlável segundo os parâmetros genéricos pertinentes. A competência discricionária para elaborar os testes de um concurso público não autoriza o Estado a produzir questões inúteis, desarrazoadas, impertinentes – precisamente porque a discricionariedade não se justifica quando se traduz em decisão administrativa que não seja potencialmente apta a assegurar a melhor solução.

Superada a fase do concurso com êxito, o outrora candidato agora tornou-se aprovado. Com a nomeação, ato unilateral estatal inicial de designação para ocupar um cargo público de provimento efetivo, o aprovado assumiu a condição de titular de um cargo público.

Importante destacar que embora tenha sido nomeado, o provimento não é ato jurídico suficiente para o sujeito adquirir a condição de agente estatal.

Para o aperfeiçoamento da condição de agente, temos a posse, que é o ato de aceitação do cargo e compromisso de bem servir, precedida por inspeção médica, em geral. Com a posse

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ocorre a investidura do servidor, ou seja, a aquisição da titularidade do cargo.

Uma vez provido e investido no cargo, o sujeito deverá assumir o seu exercício, que consiste no efetivo desempenho das atribuições correspondentes. O prazo para o servidor entrar em exercício é de quinze dias, consoante disciplina do artigo 18 da Lei 8.112, de 1990, contados da data da posse.

Assim sendo, após a realização do concurso, aprovação, nomeação, posse e exercício, o agora servidor cumpriu o primeiro requisito em busca do direito à estabilidade. Vamos aos seguintes.

3.2 DO ESTÁGIO PROBATÓRIO

Denomina-se tradicionalmente estágio probatório, ou estágio de confirmação, o período de avaliação, adaptação e treinamento em efetivo exercício a que estão submetidos os que ingressam em cargos públicos em virtude de aprovação em concurso público.

Trata-se de período de experiência, supervisionado pela Administração, destinado a verificar a real adequação de agentes públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo ou de provimento vitalício na primeira fase da relação funcional que encetam com o Estado. Neste lapso de tempo, atualmente limitado para os agentes civis ao máximo de três anos, busca-se avaliar a retidão moral, a aptidão para a função, a disciplina, a responsabilidade, a assiduidade, a dedicação e a eficiência dos agentes empossados e em exercício, mediante observações e inspeções regulares. Neste período, além disso, deve a Administração velar pelo treinamento e adaptação dos novos integrantes da organização pública, selecionados a partir de concurso público.

Os agentes aprovados ao final do período de estágio probatório adquirem, conforme o caso, a estabilidade ou vitaliciedade nos quadros de pessoal dos órgãos e entidades estatais. Mas já iniciam o período de estágio probatório detendo o

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status de agentes públicos. Os agentes reprovados no estágio probatório, respeitado o contraditório e a ampla defesa, são exonerados dos cargos que exerciam.

É verdade que, não faz muito tempo, diversos autores consideravam o estágio probatório uma simples fase do processo de seleção ou concurso, uma oportunidade para a autoridade completar o processo de seleção.

À vista destas noções, discutiu-se largamente a respeito da situação jurídica do pessoal em estágio probatório, afirmando alguns a sua condição de “quase funcionário”, “Um agente administrativo em condição sui generis, com todos os deveres e responsabilidades impostos pelo regime jurídico a que se acha submetido, mas sem os direitos integralmente conferidos aos efetivos, em situação de maior segurança”.

Esta orientação doutrinária, entretanto, merece reparos, pois confunde o estágio probatório com o estágio experimental previsto em alguns concursos públicos como uma das etapas do processo seletivo. O estágio probatório não é etapa do concurso público, não colhe candidatos a cargos públicos, pois tem vez apenas com a finalização dos processos de seleção, após a nomeação dos aprovados, a posse e o ingresso em exercício dos novos agentes públicos. O estágio probatório não se qualifica como processo concorrencial, eliminatório, de índole coletiva, mas como processo de verificação da adaptação individual dos agentes recém ingressos no serviço público. Além disso, a condição de “quase-funcionários” é incompatível com a situação jurídica de agentes no pleno exercício de suas funções, pois a lei não ressalva a estes as prerrogativas e sujeições reconhecidas aos demais agentes públicos, salvo unicamente as vantagens ou garantias incompatíveis com a sua situação precária

O agente em estágio probatório não é um interino, um ocupante transitório do cargo, ou um agente instável, temporário, investido em cargo de confiança, dispensável ao arbítrio da

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administração, mas o titular de um plexo de atribuições e deveres públicos. A precariedade de sua condição diz respeito apenas a sua plena integração no cargo isolado ou de carreira (efetivação), pois esta integração depende de sua confirmação ao final do estágio probatório. Mas a investidura do agente em cargo de provimento efetivo ou vitalício, completada com a posse, preenche o cargo, provê o cargo, que deixa de estar vago. É dizer: o agente em estágio probatório é titular provisório do cargo público que exercita, com as prerrogativas e sujeições inerentes ao cargo, ressalvadas apenas aquelas que decorram da ausência de estabilidade ou vitaliciedade no serviço público. Não foi ainda efetivado, integrado em caráter definitivo no complexo de funções que exercita, o que vem ocorrer apenas com a aquisição da estabilidade ou vitaliciedade. Nada obstante, o agente em estágio probatório não pode acumular cargos públicos, nem exercer atividade incompatível com o cargo que titulariza, pois ocupa o cargo em que foi investido, ainda que sem estabilidade, assumindo os encargos desta condição.

A dificuldade inicia quando é necessário precisar quais são as vantagens, garantias e prerrogativas compatíveis com a peculiar situação dos agentes em estágio probatório. Esses agentes são disciplinados por normas especiais e podem usufruir apenas parcialmente do regime jurídico comum dos demais agentes públicos. Mas as normas especiais são freqüentemente limitadas, restringindo-se quase inteiramente a disciplinar o processo de avaliação do servidor em estágio. A lacuna normativa que remanesce é significativa e deixa em situação de indefinição uma parte relevante do regime jurídico a aplicar aos agentes em estágio probatório.

Em termos interrogativos, fica-se a indagar: Quais as normas do regime jurídico comum dos agentes públicos são compatíveis com a peculiar situação dos agentes em período de estágio probatório? Como deve ser computado o período de efetivo exercício durante o estágio probatório? Quais as licenças, os afastamentos, as hipóteses de provimento derivado e de afastamentos do serviço, previstas no regime geral, compatíveis

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com a exigência constitucional de avaliação em efetivo exercício dos novos agentes públicos? Quais as garantias dos agentes em estágio no período de avaliação?

A consequência desse estado de coisas é um expressivo número de questões controvertidas a respeito do estágio probatório. Muitas não são questões novas, mas apenas agora ganharam urgência, depois das alterações produzidas no regime jurídico do estágio probatório pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998. Antes da Emenda Constitucional, o estágio probatório era considerado na prática um simples lapso de tempo, dissociado de qualquer avaliação efetiva ou da análise de sua eficácia jurídica específica, transcorrendo quase sempre sem qualquer repercussão na vida funcional dos agentes públicos. Era um simples obstáculo burocrático, uma etapa da vida funcional dos agentes, vencida freqüentemente pelo mero decurso de prazo.

A Emenda Constitucional nº 19 alterou essa situação mediante diversas providências normativas: a) ampliou o estágio probatório dos servidores públicos para três anos; b) tornou evidente a aplicação restrita do estágio probatório e da garantia da estabilidade unicamente aos ocupantes de cargos efetivos nomeados após concurso público; c) impôs como condição para aquisição da estabilidade, pelo servidor em exercício de cargo efetivo, a concreta realização de avaliação especial de desempenho durante o estágio probatório por comissão instituída para essa finalidade.

A Emenda Constitucional nº 19 não dispensou de avaliação especial de desempenho nem mesmo os servidores com estágio probatório em curso na data da promulgação da alteração constitucional (art.28 da Emenda)[14].

Essas providências buscaram impedir que o estágio probatório continuasse a ser uma simples exigência formal, sem efetividade como processo de avaliação e adaptação dos agentes públicos à atividade normal do Estado. Mas as alterações somente

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serão concretizadas se forem bem compreendidas e se houver vontade política e administrativa de implementá-las em termos apropriados.

3.3 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO E DEVER DE

EFICIÊNCIA 3.3.1. O princípio da eficiência à luz da Constituição Federal

A eficiência adquiriu grande importância no Direito, especialmente após o advento da Emenda Constitucional n.º 19, posto que a acrescentou como princípio expresso, regente da Administração Pública, no caput do artigo 37 da Constituição Federal[15]. Sua origem é a Mensagem Presidencial 886/95, que restou convertida na Proposta de Emenda Constitucional 173/95, cuja conclusão foi a EC 19/98. Apareceu também como princípio no caput do artigo 2º da Lei 9.784, de 29.1.1999 (Lei do Processo Administrativo Federal). A própria Lei 8.987, que é de 1995, ou seja, anterior à EC 19/09, já fazia referência ao mencionado princípio.

A literatura jurídica faz uma distinção entre eficiência e eficácia. Por exemplo, na visão de Marcelo Douglas de Figueiredo Torres [16], eficácia é a concreção dos objetivos desejados por determinada ação do Estado, não sendo levados em consideração os meios e os mecanismos utilizados para tanto. Assim, o Estado pode ser eficaz em resolver o problema do analfabetismo no Brasil, mas pode estar fazendo isso com mais recursos do que necessitaria. Já na eficiência há uma clara preocupação com os mecanismos que foram usados para a obtenção do êxito na atividade do Estado. Assim, procura-se buscar os meios mais econômicos e viáveis para maximizar os resultados e minimizar os custos. Em suma: é atingir o objetivo com o menor custo e o melhor resultado possíveis.

No mesmo diapasão, Rachel Sztajn [17] define eficiência como a aptidão para obter o máximo, o melhor resultado ou rendimento, com a menor perda ou o menor dispêndio de esforços:

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“associa-se à noção de rendimento, de produtividade; de adequação à função”. Ressalta-se, por fim, que a eficácia, por sua vez, é a aptidão para produzir efeitos.

Esta mesma linha de raciocínio é compartilhada por Dinorá Adelaide Musetti Grotti [18]. Além de distingui-la da eficácia, a jurista paulista faz também um liame da eficiência com a qualidade na prestação do serviço público. Salienta desta forma:

É um conceito econômico, que introduz, no mundo jurídico parâmetros relativos de aproveitamento ótimo de recursos escassos disponíveis para a realização máxima de resultados desejados. Não se cuida apenas de exigir que o Estado alcance resultados com os meios que lhe são colocados à disposição pela sociedade (eficácia), mas de que os efetue o melhor possível (eficiência), tendo, assim, uma dimensão qualitativa.

(...)

A eficiência diz respeito ao cumprimento das finalidades do serviço público, de molde a satisfazer necessidades dos usuários, do modo menos oneroso possível, extraindo-se dos recursos empregados a maior qualidade na sua prestação.

Nos posicionamentos expostos acima, percebe-se uma diferenciação entre eficácia e eficiência, sendo a primeira referente à capacidade de produção de resultados, enquanto a segunda está associada à busca pelo melhor resultado aliada ao menor gasto de forças possíveis. Preserva-se, desse modo, a origem econômica de eficiência constitucional e com isso se abre um importante espaço de diálogo entre Direito e Economia.

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Juarez Freitas [19]sustenta que “o administrador público está obrigado a obrar tendo como parâmetro o ótimo”. Cabe ao mesmo procurar encontrar a solução que seja a melhor possível sob o ponto de vista econômico.

Seguindo essa linha de raciocínio, Marcelo Harger entende que[20] até mesmo nos casos nos quais o gestor público tenha certa margem de discricionariedade, é sua obrigação constitucional procurar encontrar a melhor solução possível para que o interesse público seja corretamente atendido. Seria nos atos administrativos discricionários que o Princípio da Eficiência teria sido efetivamente sobrevalorizado pelo constituinte, pois embasaria a atuação do administrador público. Aliás, num primeiro momento, o Princípio da Eficiência poderia ser até confundido, inclusive, com os Princípios da Moralidade e da Razoabilidade da Administração. Harger, todavia, descarta esta hipótese no mesmo trecho:

Apesar disso, possui conteúdo próprio. Traduz o dever de administrar, não só de modo razoável e conforme a moral, mas utilizando as melhores opções disponíveis. É o dever de alcançar a solução que seja ótima ao atendimento das finalidades públicas. Não basta que seja uma solução possível. Deve, isto sim, ser a melhor solução. Há um dever jurídico de boa administração para o atendimento da finalidade legal[21]

É certo que a inserção do Princípio da Eficiência no caput do artigo 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n.º 19/98 decorreu de clara intenção de se reformar o Estado. Tal postulado, em verdade, passou a se constituir numa verdadeira diretriz para a Administração Pública. Pretendia-se acabar com a “administração burocrática” e instalar a “Administração Pública Gerencial no Brasil”.

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A reforma do Estado buscava melhorar sua organização, seus servidores, suas finanças e seu sistema institucional-legal, proporcionando uma relação mais harmoniosa com a sociedade civil. A partir do advento da Reforma, consoante lição de Marcelo Douglas de Figueiredo Torres[22], o núcleo estratégico do Estado tomaria decisões mais adequadas e ofereceria serviços públicos que operassem com maior eficiência. Nesse diapasão, houve a idealização de contratos de gestão, agências autônomas e organizações.

O magistério do Prof. Vladimir da Rocha França[23] destaca que “há respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e, por vias lícitas.” Quando o administrado se sente amparado e satisfeito na resolução dos problemas que rotineiramente o assolam e que o fazem clamar à Administração.

O princípio da eficiência administrativa estabelece que toda ação administrativa deve estar orientada para a concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo[24].

A ânsia de se alcançar as metas legalmente estipuladas pode, não raras vezes, induzir ao administrador à indevida “flexibilização” das normas que regulam o procedimento administrativo previsto para o caso concreto.

Somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante de finalidade legal efetivamente atingida. Por mais que esteja bem intencionado o administrador, este não pode afastar os preceitos do regime jurídico-administrativo sob o argumento de que os mesmos atrapalham o próprio interesse público.

Alexandre de Morais[25] o define do seguinte modo:

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é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços públicos sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum.

Aceitação do princípio da eficiência encontra resistência na doutrina, talvez porque uma das razões apontadas para sua indicação expressa no texto constitucional reformado tenha sido a de tornar a estabilidade dos servidores públicos mais frágil. Maurício Antonio Ribeiro Lopes[26] se opõe ao caráter principiológico e jurídico da eficiência administrativa, afirmando:

Inicialmente cabe referir que eficiência, ao contrário do que são capazes de supor os próceres do Poder Executivo federal, jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido – salvo se deixou de ser em recente gestão pública – finalidade da mesma Administração Pública. Nada é eficiente por princípio, mas por conseqüência (...) Trata-se de princípio retórico imaginado e ousado

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legislativamente pelo constituinte reformador, sem qualquer critério e sem nenhuma relevância jurídica no apêndice ao elenco dos princípios constitucionais já consagrados sobre Administração Pública.

Celso Antônio Bandeira de Mello ratifica a corrente dos céticos de seu viés prático, provocando reflexão acerca das contribuições oriundas da manifestação do mesmo, vez que não vislumbra maiores modificações a curto e médio prazo[27]:

Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao artigo 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto.

Visão compartilhada por muitos outros, como Lúcia Valle Figueiredo[28]:

É de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência administrativa para seus cometimentos.

A eficiência constitui sim princípio jurídico da Administração Púbica, que, junto aos demais princípios constitucionais do regime jurídico-administrativo, impõe o dever da boa administração. Não se pode conceber uma administração pública que não tenha a obrigação de ser diligente e criteriosa na busca e efetivação do interesse público consagrado em lei.

3.3.2. Avaliação periódica de desempenho e eficiência

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A Avaliação periódica de desempenho surgiu no ordenamento constitucional como uma forma de representação do princípio da eficiência, sendo este o principal elemento de fundamentação da sua existência.

É novidade trazida ao nosso ordenamento por meio da já mencionada Emenda Constitucional n.º 19.

No plano teórico, caracteriza-se como uma importante ferramenta de aprimoramento dos recursos humanos da Administração Pública, pois é responsável por medir o grau de preenchimento dos requisitos do seu trabalho. Trata-se de uma apreciação sistemática do desempenho de cada pessoa, das metas e resultados a serem alcançados e do seu potencial de desenvolvimento.

Podem ser destacados enquanto objetivos da avaliação: aferir a aptidão do servidor para o efetivo desempenho de suas funções; identificar necessidades de capacitação do servidor; fornecer subsídios à gestão da política de recursos humanos; aprimorar o desempenho do servidor e dos órgãos e entidades do Poder Executivo; promover a adequação funcional do servidor; contribuir para a implementação do princípio da eficiência na Administração Pública; conferir estabilidade ao servidor público considerado apto, em consonância com o § 4º do art. 41 da Constituição Federal; exonerar o servidor público considerado inapto ou ineficiente.[29]

A assiduidade é um dos mais importantes fatores avaliados, pois que a presença do servidor no local de trabalho dentro do horário estabelecido para o expediente em muito contribui para uma prestação eficiente.

Outro importante aspecto considerado pela avaliação é a disciplina, ou seja, observância sistemática aos regulamentos e às normas emanadas das autoridades competentes.

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A capacidade de iniciativa também consta em vários instrumentos de avaliação, dado que a habilidade do servidor em adotar providências em situações não definidas pela chefia ou não previstas nos manuais ou normas de serviço pode ser determinante para a resolução de conflitos e imbróglios.

A produtividade está associada diretamente a quantidade de trabalhos realizados num intervalo de tempo razoável que atenda satisfatoriamente à demanda do serviço, sendo um fiel parâmetro da eficiência do agente público. É utilizada como referência na maior parte das avaliações.

Por fim, mas tão importante quanto, encontra-se a responsabilidade, que pode ser resumida como a dedicação e comprometimento do servidor com suas tarefas, com as metas estabelecidas pelo órgão ou entidade e com o bom conceito da Administração Pública.

Importa ressaltar que as intenções, quando da edição do referido instituto da avaliação, foram as melhores possíveis, contudo, vários reflexos foram causados com a sua efetiva aplicação no cotidiano da seara administrativa deveras destoantes do modelo original. Essas ramificações serão abordadas mais adiante.

É certo, entretanto, que muita polêmica paira sobre a matéria, dividindo bastante renomados juristas e apreciadores do direito administrativo.

4 HIPÓTESES DE PERDA DA ESTABILIDADE 4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A estabilidade é uma conquista do servidor, como demonstrado acima, contudo, não pode ser utilizada como justificativa para atitudes que não se coadunam com a ética e moral exigidas à prestação do serviço público. Assim sendo, existem situações em que mesmo o servidor tendo preenchido os requisitos

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elencados no capítulo 03, poderá perder o seu cargo. São quatro hipóteses no total, tendo em vista que a última é excepcional e pode causar a extinção do vínculo entre o agente e o Estado independente da ação do primeiro.

O artigo 41 da Constituição Federal é o responsável por elencar 03 das aludidas situações ensejadoras da quebra do direito à estabilidade, a saber: a) em virtude de sentença judicial transitada em julgado; b) mediante processo administrativo em que seja assegurada ampla defesa e contraditório; c) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. A última hipótese está cristalizada na previsão extraída de perda da garantia para fins de contenção de despesas com gastos com pessoal, nos termos do preconizado no artigo 169 da Constituição de 1988.

O presente trabalho irá debruçar-se sobre a chamada inaptidão no controle de desempenho, em razão de sua íntima conexão com o princípio da eficiência.

4.2. PERDA DA ESTABILIDADE E O PRINCÍPIO DA

EFICIÊNCIA

A terceira hipótese de perda do direito à estabilidade decorre da insuficiência na performance da prestação da função administrativa, constatada através da polêmica avaliação de desempenho.

Declarado insuficiente no desempenho de suas funções, o servidor passará por um processo administrativo, com todas as características que lhe são inerentes, como o direito ao contraditório e a ampla defesa como pontuados no tópico acima.

Note-se que o servidor passará por um processo administrativo, ou seja, não será exonerado de logo, como na hipótese do § 4º do art. 169 da CF, outra forma de flexibilização da estabilidade trazida pela EC 19/98. Sendo assim, ratifica-se o

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entendimento, ainda que sem previsão legal, mas que leva a visualizar o caráter punitivo de tal desligamento do servidor da Administração.

Apesar de que em tese, esta medida estaria em confluência com o princípio exigido constitucionalmente, que é o princípio da eficiência, a medida em análise tem suscitado um viés drástico e muitas vezes prejudicial ao Estado. Visualizando-se os desligamentos em massa de servidores que foram declarados ineficientes, por avaliação periódica de desempenho, outro princípio seria afetado, qual seja: o princípio da continuidade do serviço público.

É evidente que com o desligamento de um servidor da Administração, a mesma sai perdendo em quantidade. Às vezes, a execução de um ato administrativo não depende da sua qualidade, mas da quantidade de envolvidos para a sua realização.

Ainda assim, a Administração terá que promover de maneira periódica concursos públicos, fazendo com que a máquina estatal nunca se estabilize, atuando em plena rotatividade, o que às vezes não é interessante pela própria estrutura estatal, que se caracteriza pela estabilidade e pela continuidade dos seus serviços. Essa dinâmica encaixa-se perfeitamente no setor privado, em que num determinado dia a empresa existe, mas no dia seguinte, ela pode vir a entrar em processo de falência, podendo deixar de existir. Em contraposição, a menos que haja fusão entre Estados ou uma guerra de grandes proporções, o Estado deixa de existir.

Desta forma, entende-se que a avaliação periódica de desempenho, a ser desenvolvida desta maneira, surgiu como um instituto que além de ter afastado a estabilidade do servidor público, pode ocasionar a própria instabilidade do serviço público, sendo este um reflexo da avaliação em caso negativo.

Além disso, observa-se que a ineficiência do serviço público prestado por seus servidores pode decorrer de medidas dos administradores que ao invés de aperfeiçoar, qualificar e retribuir

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condignamente os servidores de carreira, oriundos de concurso público, empenham esforços em aumentar e criar cargos comissionados, os quais não detêm responsabilidade de continuidade do serviço público.

Agravando ainda mais a situação, a maioria dos cargos comissionados estão vinculados ao cenário político-partidário, onde tais agremiações dividem literalmente o número de cargos dispostos em um órgão ou até mesmo em um ente público, ou seja, são cargos ocupados pelo período de quatro anos. Com o ingresso de um novo chefe do Poder Executivo, por exemplo, todas essas cadeiras são entregues à nova situação.

Isso ocasiona uma inconstância nos órgãos públicos e, por consequência, uma grande instabilidade na realização dos serviços públicos, visto que projetos, ações, planos de estratégia administrativa, que porventura estejam em curso, muitas vezes são abandonados, para que haja a nova “roupagem” de acordo com os novos representantes da Administração Pública.

Desta forma, depreende-se que, o princípio da eficiência é abalado de períodos em períodos, muito mais por esse fator externo à Administração, é bem verdade, mas que acaba influenciando internamente, visto que é por intermédio do cenário político, da negociação partidária, que esses cargos são ocupados, logo após a realização das eleições.

Vale ressaltar também que a noção de eficiência que foi instituída pela Emenda Constitucional nº 19/98 não se limita à qualidade do serviço prestado pela administração direta e indireta, mas também dos serviços que possam ser operacionalizados por terceiros mediante concessão ou permissão.

E como ocorre esse controle? Será que as agências reguladoras atuam com o devido controle de eficiência às empresas que estejam realizando serviços públicos?

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Na realidade, o dever de eficiência era uma exigência para que a máquina estatal fosse afastada, por ser caracterizada como ineficiente, para a partir daí, institucionalizar as privatizações, bem como as contratações de empresas terceirizadas de recursos humanos, muitas vezes vinculadas ao cenário político, outrora mencionado, na conjuntura da política de desestatização ocorrida em meados da década de noventa, do século passado.

Tal dever de eficiência situa a produtividade como o principal fator na determinação do desempenho de um ente público. O legislador reconheceu que o melhor método para alcançar o incremento da produtividade passa pela promoção da melhoria permanente da qualidade.

A busca pela melhoria permanente do serviço público passou a ser elemento primordial, para que houvesse a satisfação das necessidades dos administrados.

Contudo, tal dever de eficiência não poderia estar totalmente vinculado à produtividade, uma vez que excede a atuação do servidor público, necessitando dos direcionamentos efetuados pelos ocupantes dos cargos de cúpula, ou seja, os administradores, gestores públicos.

Não se lembrou o legislador de que a produtividade está ligada a aspectos quantitativos, em que os aspectos qualitativos pouco importam para que se chegue ao fim esperado, que é a boa prestação do serviço destinado aos administrados.

Deve-se verificar se a atuação ineficiente do serviço público é mesmo em decorrência da própria estrutura de recursos humanos ou dos direcionamentos equivocados em se prestar o serviço à sociedade. E isso pode ser notado com maior clareza, visto que como tais gestores geralmente são ocupantes de cargos comissionados, ou seja, demissíveis ad nutum, não possuem vínculo efetivo, contínuo e estável com a Administração, características últimas inerentes ao servidor público propriamente

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dito, mas que pela flexibilização, presencia sua garantia constitucional ser ameaçada em determinadas situações.

A própria exigência do dever de eficiência, pregado pela mesma Emenda, pode gerar pontos de contradição, quando confrontado com a realidade fática. Desta forma, pode-se entender que a eficiência então buscada não era para os administrados, mas sim, para a “máquina” e as demais para as parcerias privadas que ocorreriam em grande quantidade dali em diante.

Há aqui a necessidade de se fazer uma defesa: a estabilidade não é determinante para que haja a insuficiência das atividades públicas, sendo que, o servidor para adquiri-la, precisa submeter-se a um concurso público, ser nomeado para cargo de provimento efetivo, cumprir três anos de efetivo exercício e obter êxito em avaliação especial de desempenho, prevista no § 4º, do art. 41 da Constituição.

A avaliação periódica de desempenho surgiu como uma opção para evitar que o servidor depois de superado o período do estágio probatório de três anos, previstos no caput do art. 41, da Constituição Federal, acomodasse no conforto e na certeza de não ser demitido, caso negligencie suas funções, acobertado pela estabilidade, havendo, pois, que atender ao requisito imposto pelo inciso III, §1º do mesmo artigo.

Já que o princípio da eficiência passou a ser explicitado, idealizações de como a sua aplicabilidade poderia ocorrer passaram a nortear o legislador, o que certamente, embasou a redação do inciso supracitado, com a possibilidade de afastamento de uma garantia do servidor público que é a estabilidade.

Observa-se que, a depender do olhar, há choque entre a estabilidade, que é garantia dada ao servidor público e o princípio da eficiência, que é exigência da sociedade em relação ao Estado. Verificando esse choque, qual deles há de preponderar? De pronto a resposta seria o princípio da eficiência, que nesse caso, faria coro

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ao princípio da supremacia do interesse público, tratando como “privado” a estabilidade do servidor público.

Contudo, fazendo-se uma análise mais aprofundada, o servidor instável passaria a partir de então, a ser um servidor ineficiente. Edimur Ferreira de Faria manifestou-se nesse sentido:

A estabilidade do servidor público, modernamente criticada por alguns segmentos da sociedade, principalmente pelos governos nos três níveis da Administração Pública, é de fundamental importância para respaldar decisão de servidor de não cumprir ordem superior em desacordo com a lei ou com a moralidade administrativa. O servidor instável pode ser levado a praticar atos ilegais, embora em desacordo com a sua consciência, mas cumprindo ordem superior, por medo de perder o cargo. A instabilidade do servidor pode fragilizar a própria Administração e resultar em prejuízo para a sociedade. A estabilidade do servidor público é garantia do cidadão e não privilégio daquele.[30]

Percebe-se, pois, que há prejuízo expresso para os administrados, a existência da flexibilização da estabilidade e, esta, é formalizada a partir da avaliação periódica de desempenho. Havendo a previsão de ordem constitucional de um instituto que afasta nitidamente a estabilidade, não é só o servidor que será instável, mas a própria Administração, visto que os gestores poderão utilizar-se de interesses particulares para a prática de seus atos, havendo forte receio de sofrerem represálias na própria avaliação de desempenho, cujo termo é avaliado e analisado por aqueles.

Por outro lado, e quando o servidor for, sem sombra de dúvidas, ineficiente? Afastada qualquer hipótese de perseguição, ou

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ingerência dos superiores de forma negativa no desempenho de suas funções? E quando ele for responsável unicamente por sua ineficiência? For omisso, irresponsável e publicamente desinteressado?

Essa é a típica situação em que a avaliação de desempenho será espécie do gênero “procedimento administrativo”. Como bem defende Marçal Justen Filho[31], a redação constitucional do art. 41, §1º exige interpretação adequada e cautelosa. A relevância do dispositivo reside em estabelecer que a demissão poderá fundar-se não apenas na prática de infrações graves, mas também na ausência de aptidão ou capacidade para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo.

Dessa forma, a avaliação periódica destinar-se-ia não propriamente a verificar se o sujeito infringiu seus deveres, mas a apurar se dispõe de condições para cumpri-los.

Com o devido respeito às magistrais lições expostas, divergimos daqueles que entendem o controle de desempenho como forma de retirar a garantia da estabilidade dos servidores públicos.

A prática pública, expressão que traduz o cotidiano nas repartições públicas, demonstra que pouquíssimos foram os casos de inaptidão na avaliação de desempenho, e os que assim foram avaliados, em regra, eram servidores que pautavam suas condutas em preceitos notoriamente destoantes dos princípios elencados e inerentes a uma digna prestação.

5 CONCLUSÃO O instituto da estabilidade revela-se, portanto, importante

instrumento de proteção do indivíduo em face das ações estatais em uma sociedade cada vez mais dinâmica e complexa.

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Além disso, ganha especial destaque em razão do modelo de serviço público adotado em nosso país até pouco tempo, vez que ingerências externas e inexplicáveis tornavam o cotidiano do servidor e o seu futuro marcados por inseguranças e incertezas.

Embora ainda muito criticada, é inegável que a estabilidade tem como fim principal assegurar aos ocupantes de cargos públicos uma expectativa de permanência no serviço público, desde que adequadamente cumpridas suas atribuições.

É bem verdade que em muitos casos, a sua conquista tem sido utilizada como fundamento para a perpetuação do comodismo e da ineficiência.

Contudo, a exceção não deve fazer sombra à regra. Existem instrumentos que prevêem formas de controle e aferição da eficiência ou iniciativa do servidor. Agora se os responsáveis por acompanhar e verificar sua ocorrência não o fazem com o zelo e responsabilidade atinentes à qualquer prestação de serviço público, estes últimos é que incorrem em faltas ou ofensas.

No direito penal vigora o princípio da inocência, responsável por garantir que até que se comprove o contrário, todos são inocentes. A presunção, portanto, é a de não culpabilidade.

No direito administrativo, guardadas as devidas proporções, registra-se a aplicação do princípio supra mencionado da mesma forma. A estabilidade é prova viva do afirmado. Se temos vários servidores que são ineficientes, não podemos colocar a culpa na garantia da estabilidade que lhes foi conferida, mas sim, nos responsáveis por acompanhar e verificar os requisitos para a conquista desse direito. Dessa forma, deve-se abrir procedimento específico para apurar a conduta do servidor, independente ou não de ser agente estável.

A presunção será sempre a de que o servidor está desempenhando as suas funções em conformidade com o preceituado pela Constituição e demais atos que regulem a sua

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atividade, e se, por acaso, o contrário for a verdade que impera, existem meios e instrumentos previstos para puni-lo.

A desídia da Administração não pode recair sobre o servidor. Decorrido o prazo de três anos e inexistente uma manifestação formal positiva ou negativa, o servidor adquirirá a estabilidade, em razão ainda mais de outro fato: na dúvida, beneficia-se a sociedade, prestigia-se o ser humano, o servidor.

O aparato estatal por si só já possui uma posição de superioridade quando confrontado com o agente, por isso a necessidade da efetiva aplicação de um mecanismo que viesse a equilibrar esse abismo.

Importante ressaltar que o alvo central da construção e afirmação do direito à estabilidade é o servidor comum, o servidor responsável e obediente, e não àqueles que o deturpam, pois para estes existem as hipóteses elencadas no capítulo 04.

A instabilidade do servidor, como visto, pode ser responsável por um prejuízo muito maior à Administração.

Não existe aqui defesa exacerbada e imprudente do instituto em apreço, mas tão somente de seus fundamentos, em especial, o da observância da tão importante segurança jurídica.

Três décadas atrás, vivenciava-se um período marcado pelo Regime Militar. O seu legado, infelizmente, ainda contamina inúmeras repartições públicas, alimentando “a troca de favores” e “abusos”, travestidos sob a justificativa de “interesse público”.

Essa realidade não pode ser esquecida. É fato que o fortalecimento de um mecanismo como o em comento não irá eliminar essa prática, pois a solução para essa mazela envolve um amadurecimento coletivo, isto é, um complexo de relações bem maior e profundo.

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Para muitos, quanto mais direitos o servidor possuir, mais ineficiente será. Para outros, a culpa da ineficiência do agente público reside na falta de estrutura para agir, vez que sua atuação fica condicionada aos limites da atuação estatal.

Independente da posição adotada é certo que presenciamos um momento de fortalecimento e evidência do serviço público, verificado claramente através da enorme procura dos indivíduos por instrumentos de acesso às carreiras públicas, ou seja, os famosos concursos.

Milhões de brasileiros acordam sonhando em fazer parte dessa categoria de agentes públicos e gozar de sua mais famosa garantia.

Destaca-se, entretanto, que não o farão com o escopo de acomodarem-se, mas sim por saberem que se agirem com zelo, responsabilidade e eficiência, as principais dificuldades, barreiras e desafios da iniciativa privada não irão acometer a sua vida profissional e pessoal.

A estabilidade é e ainda será utilizada por muitos anos como argumento de defesa do servidor ineficiente, irresponsável e negligente, contudo, se aplicada e conferida aos que, de fato, a merecem, a justiça e a legalidade farão com que esses que desempenhem seu labor de forma tão eficaz expurguem os mal intencionados.

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NOTAS:

[1] Tudo Sobre a Reforma Administrativa e as Mudanças Constitucionais. cap. 02.

[2] A respeito do tema, consultar: CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.

[3] Neste trabalho os vocábulos direitos e garantias, quando relacionados ao instituto da estabilidade, serão tratados de forma similar, a despeito da discussão existente entre importantes juristas.

[4] Significados extraídos de: FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 13. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p.388

[5] De acordo com recorte historiográfico realizado por Mauro João Matte em seu “A Reforma Administrativa e a Estabilidade do Servidor Público”, 1999.

[6] Constituição Política do Império do Brazil, de 1824. Art. 167. Em todas as Cidades, e Villas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se crearem haverá Camaras, ás quaes compete o Governo economico, e municipal das mesmas Cidades, e Villas.Art. 168. As

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Camaras serão electivas, e compostas do numero de Vereadores, que a Lei designar, e o que obtiver maior numero de votos, será Presidente. Art. 169. O exercicio de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e uteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar.

[7] BRASIL, Constituição. Constituição Política do Império do Brazil. Elaborada em 25 de março de 1824.

[8] MATTÉ, op. cit.

[9] Adilson Abreu Dallari. Regime Constitucional dos Servidores Públicos. p. 80.

[10] Artigo 41, da Constituição Federal, caput: São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado; II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III – mediante procedimento de avaliação de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

[11] José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo.

[12] Curso de Direito Administrativo. p.852-869

[13] Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral, parte especial. p. 332.

[14] Redação da Emenda Constitucional nº. 19 de 1998, artigo 28: É assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade aos atuais servidores em estágio probatório, sem prejuízo da avaliação a que se refere o § 4º do art. 41 da Constituição Federal.

[15] Constituição Federal de 1988, artigo 37, caput: A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eeficiência (...)

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[16] Estado, Democracia e Administração Pública no Brasil. p.175

[17] Direito & Economia.p.83.

[18] O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. p.298-299.

[19] O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. p.85.

[20] Reflexões iniciais sobre o princípio da eficiência. p.151-161.

[21] HARGER, op.cit.

[22] Estado, Democracia e Administração Pública no Brasil. p.172-174

[23] Eficiência administrativa na Constituição Federal.

[24] FRANÇA, op.cit.

[25] Administração Pública no Estado de Direito. p. 293.

[26] Comentários à Reforma Administrativa – De acordo com as Emendas Constitucionais 18, de 05.02.1998, e 19, 04.06.1998. p. 108-109

[27] Curso de Direito Administrativo. p. 630.

[28] Curso de Direito Administrativo. p. 60

[29] Objetivos extraídos do “Manual de orientação para avaliação de desempenho do servidor em estágio probatório”, 2009, PI.

[30] Curso de direito administrativo positivo. p.50.

[31] Curso de direito administrativo. p.892

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TÉCNICAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO: INTERPRETAÇÃO CONFORME E DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO. DIFERENÇAS E APROXIMAÇÕES

JULIO CESAR ARAUJO MONTE: Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Resumo: O Controle de Constitucionalidade é umas das maiores inovações jurídicas dos tempos modernos, calcado na supremacia formal da constituição, possui relevante papel de adequação das normas jurídicas aos preceitos fundamentais do Estado. O presente trabalho visa avaliar as técnicas decisórias utilizar para a realização do Controle de Constitucionalidade, em especial a utilização da técnica de interpretação conforme à constituição e a declaração de nulidade ou inconstitucionalidade sem redução de texto, descriminado critérios que aproxima e as diferencia. Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade; Interpretação conforme à constituição; declaração de nulidade parcial sem redução de texto.

1. Introdução. Controlar é sinônimo de cotejar, colocar em confronto,

contraprovar. Representa um procedimento e análise. A locução “controle de constitucionalidade” deve ser entendida, pois como uma verificação de compatibilidade, de adequação entre normas a lei e a Constituição[1].

Primeiramente, deve-se ter como premissa que o modelo de Controle de Constitucionalidade no sistema jurídico Brasileiro é multimodal. Sua origem remonta aos sistemas de controle de constitucionalidade alienígenas, notadamente o sistema americano (difuso), austríaco (concentrado), sem se esquecer do sistema político advindo da Constitucionalismo Francês.

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Se misturam no ordenamento jurídico brasileiro técnicas de controle de constitucionalidade, ora desenvolvidas para o caso concreto, ora para circunstância abrangentes, a exemplo do controle abstrato de constitucionalidade.

Diante disto, deve-se ressaltar a necessidade de se realizar a diferenciação entre as principais técnicas de controle, especialmente a sistemática de interpretação conforme à Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

2. Modelos de Controle de Constitucionalidade no sistema jurídico Brasileiro.

A possibilidade da existência de controle de constitucionalidade das normas jurídicas é consequência da existência do pressuposto denominado supremacia formal da Constituição. Apenas, é possível se conceber modelos de controle de constitucionalidade quando se verifica que existe entre a Constituição (paradigma) e a norma jurídica (objeto) controlada, relação de pertinência, capaz de permitir a verificação de compatibilidade.

A Constituição Federal Brasileira, por ser uma Constituição rígida, garantiu de forma clara, o desenvolvimento da tese de controle de constitucionalidade, especialmente pelo fato de se demonstrar, com isso, a supremacia formal da Constituição.

Por influencias dos modelos de controle constitucional Europeu e Americano, o Brasil possui um modelo misto de controle de constitucionalidade, com atuação visível do modelo austríaco (concentrado e abstrato), do americano (difuso e concreto) e por ora do Francês (preventivo e político).

O modelo de controle concentrado e abstrato adotado pelo Brasil é de base europeia, influenciado pelo Direito Austríaco, o qual possui como expoente Hans Kelsen. Tem-se nessa estrutura de controle a verificação da validade das normas constitucionais por um Tribunal Constitucional, papel assumido no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesta modalidade o controle é realizado de modo abstrato, isto é, independe da relação jurídica concreta. Visa controlar a

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norma em seu plano, unicamente normativo, abstrato, independentemente de esta ter se manifestado no plano fático. Dentre os instrumentos previstos para o exercício do controle abstrato de constitucionalidade se verifica a Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direita de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, como também a Arguição de Descumprimento de preceito fundamental.

Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: “Diferentemente do controle difuso, de origem norte-americana, que se limita, em um caso concreto, a subtrair alguém aos efeitos de uma lei, o controle abstrato é efetivado em tese, sem vinculação a uma situação concreta, com o objetivo de expelir do sistema a lei ou ato inconstitucionais. Diz-se que no controle abstrato a inconstitucionalidade é examinada “em tese” (in abstratcto) porque o controle é exercido em uma ação cuja finalidade é, unicamente, o exame da validade da lei em si; a aferição da constitucionalidade da lei não ocorre incidentalmente, em um processo comum”[2]

Afirmam, ainda, que: “Assim, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade é feita em tese, o que se busca não é a garantia de direitos subjetivos, liberando alguém do cumprimento de uma lei inconstitucional, mas sim extirpar do sistema jurídico a lei ou ato inconstitucional” [3]

Diz-se, portanto, abstrato por não se vincular a caso concreto, o que torna o processo de controle em um processo objetivo, afirma-se concentrado, haja vista ser realizado por meio de órgão de cúpula, Tribunal Constitucional, no caso do Brasil pelo Supremo.

Diferente do concentrado, o controle difuso tem suas origens no sistema de controle de constitucionalidade do direito norte-americano.

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Segundo Gilmar Mendes[4], o controle de constitucionalidade difuso ou americano assegura a qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto o poder-dever de afastar a sua aplicação se a considerar incompatível com a ordem constitucional. Esse modelo de controle de constitucionalidade desenvolve-se a parti da discussão encetada na Suprema Corte americana, especialmente no caso Marbury v. Madison, de 1803.

Nesta forma, as normas controláveis são apreciadas em seu plano concretas e afetas a Juízes de qualquer grau de jurisdição, sem qualquer vinculação obrigatória a órgão específico (como no caso do tribunal constitucional), específico do controle concentrado. É o controle do caso concreto evidenciado por uma efetiva lesão a um direito por meio de uma conduta ou norma inconstitucional. Nesta modalidade de controle, não há ação própria a efetivar o exercício do controle difuso de constitucionalidade especialmente pelo fato de que é possível seu exercício por diversos tipos de ações, desde que sejam o fundamento da própria e não o seu pedido principal.

Para Pedro Lenza, o controle difuso, é o realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário. É o que se verifica em uma caso concreto, onde a declaração de inconstitucionalidade se dar de forma incidental (incidenter tantum), prejudicialmente ao exame de mérito.[5]

Não há de se esquecer também dentre as modalidades de Controle de constitucionalidade é o modelo político e preventivo, derivado do Constitucionalismo Francês. Trata-se de controle a ser exercido, no Brasil, pelo poder legislativo por meio de suas comissões a exemplo da Comissão de Constituição e Justiça, as limitações ao poder regulamentar do poder executivo, como também a possibilidade de interposição de mandado de segurança em face de projeto de lei inconstitucional.

O controle preventivo, propriamente, não se refere a um modelo, mas sim o tempo em que é realizado pois se dá durante o desenvolvimento do processo legislativo de formação do ato normativo.

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3. Do Processo Objetivo de Controle Concentrado de Constitucionalidade e as técnicas processuais decisórias.

O controle concentrado de constitucionalidade, como já visto anteriormente, dá-se pela existência de Tribunal Constitucional capaz de dirimir a controvérsia acerca da validade constitucional da norma em seu grau abstrato.

Busca-se nesta modalidade de controle verificar a compatibilidade em tese ou abstrato da norma com o paradigma constitucional, denominado de Bloco de Constitucionalidade.

Segundo Lenza: “ Ao contrário da via de exceção ou defesa, pela qual o controle (difuso) se verificava em casos concretos e incidentalmente ao objeto principal da lide, no controle concentrado a representação de inconstitucionalidade, em virtude de ser em relação a um ato normativo em tese, tem por objeto principal a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado. O que se busca saber, portanto, é se a lei (lato sensu) é inconstitucional ou não, manifestando-se o Judiciário de forma específica sobre o aludido objeto.”[6]

Segundo Vicente Paulo, o controle abstrato foi introduzido no Direito brasileiro pela emenda 16/65, o qual tem como única finalidade a defesa do ordenamento constitucional contra as leis com ele incompatíveis. Teve origem na Europa, na Constituição da Áustria, de 1920, cuja elaboração se deve basicamente a Hans Kelsen. Foi com essa Constituição que surgiu o primeiro tribunal dedicado ao exercício específico da jurisdição constitucional, a Corte Constitucional austríaca. Trata-se do que é denominado sistema europeu continental[7].

Por se tratar, portanto, o controle de constitucionalidade concentrado de processo que não busca avaliar situações de casos concretos, a doutrina denomina se tratar de espécie de processo

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objetivo. O que visa a analisar a tese em abstrato acerca da constitucionalidade da norma jurídica.

Deve-se observar, contudo, que quando da análise do processo de controle concentrado não se consegue isolar por completo o objeto de controle das circunstâncias fáticas que o circundam.

Isto é, ainda que o controle concentrado de constitucionalidade se trate de um processo objetivo, sem análise do caso concreto para se alcançar a solução jurídica pretendida, esta avaliação terá de verificar situações em que a norma já agiu, teve sua aplicação efetivada, especialmente em nome de vetores constitucionais, a exemplo da segurança jurídica.

Em razão da necessidade de se validar essas garantias e compatibilizar a avaliação em abstrato da constitucionalidade da norma e as situações em concreto regidas pela norma objeto de controle, é utilizada pelas Cortes Constitucionais técnicas decisórias, especialmente com o fim de garantir a compatibilização destas decisões com os valores gerais constitucionais.

Dentre as técnicas utilizadas pelo STF no exercício do controle de constitucionalidade tem-se a declaração parcial de nulidade sem redução de texto, declaração de inconstitucionalidade sem a pronuncia de nulidade, aferição de lei ainda constitucional e o “apelo” ao legislador, sem esquecermos, também da interpretação conforme à constituição.

Nos ateremos, neste texto a avaliar duas técnicas de controle de Constitucionalidade, quais sejam: a interpretação conforme à constituição e a declaração de nulidade parcial sem redução de texto.

4. Da interpretação conforme à constituição. A interpretação conforme à Constituição é técnica de decisão

aplicada ao Processo Objetivo de controle de constitucionalidade que busca dentre as diversas interpretações que possa de dar à norma constitucional aquela que esteja conforme a Constituição Federal.

Segundo Gilmar Mendes, deve o juiz, na dúvida, reconhecer a constitucionalidade da lei, como também, no caso de duas

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interpretações possíveis de uma lei, há de se preferir aquela que se revele compatível com a Constituição. Os tribunais deveriam, portanto, partir do pressuposto de que o legislador busca positivar norma Constitucional[8].

Milita em favor da utilização da técnica de interpretação conforme à Constituição a noção de que as normas nascem constitucionais. Busca-se com isso adequar o sentido normativo com o fim de que dentre todas as possíveis interpretações dada a determinada norma, haverá uma que será adequada à Constituição, ou seja, será constitucional.

A interpretação conforme a constituição é a exclusão de outros sentidos possíveis para norma efetivando o que possuir significado constitucional sem prejudicar a estrutura do texto normativo.

A interpretação conforme à Constituição embora seja técnica fundamental a manutenção da presunção de constitucionalidade das normas jurídicas, encontrará limites na sua utilização.

De acordo com Gilmar Mendes: “ Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador”[9].

Este pensamento também é ratificado por Lenza, para quem: “a interpretação conforme só será admitida quando existir um espaço para a decisão do Judiciário, deixado pelo legislativo. A interpretação não cabe quando o sentido da norma é unívoco, mas somente quando o legislador deixou um campo com diversas interpretações, cabendo ao Judiciário

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dizer qual delas se coaduna com o sentido da Constituição”.[10]

O Supremo Tribunal Federal, como corte constitucional, contra majoritária, deve atuar como legislador negativo, não criando, portanto, a partir de sua interpretação novas normas jurídicas, pois isso se referiria a atuação de “legislador positivo”, tão condenável, em razão do déficit de legitimidade popular inexistente nos órgão judiciais.

5. Declaração de nulidade parcial sem redução de texto.

A doutrina e a jurisprudência brasileira admitem plenamente a teoria da divisibilidade da lei, de modo que, tal como assente, o Tribunal somente deve proferir a inconstitucionalidade daquelas normas viciadas, não devendo estender o juízo de censura às outras partes da lei, salvo se elas não puderem subsistir de forma autônoma. O mesmo se aplica aos vetos no controle político- preventivo, previsto no artigo 66 §2º da Constituição Federal.[11]

Na técnica decisória de declaração de nulidade parcial sem redução de texto, a Corte Constitucional limita-se a considerar inconstitucional apenas determinada hipótese de aplicação da lei, sem preceder à alteração do seu programa normativo.

Em decisão do Supremo Tribunal Federal utilizou-se da técnica de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, tal como se verifica da ADI 319, verbis:

“Exame das inconstitucionalidades alegadas com relação a cada um dos artigos da mencionada lei. Ofensa ao princípio da irretroatividade com relação à expressão ‘março’ contida no parágrafo 5º do artigo 2º da referida Lei. Interpretação conforme à Constituição aplicada ao ‘caput’ do artigo 2º, ao parágrafo 5º desse mesmo artigo e ao artigo 4º, todos da Lei em causa. Ação que se julga procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘março’, contida no parágrafo 5º do artigo 2º da lei n. 8039/90, e, parcialmente, ‘caput’ e o parágrafo 2º

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do artigo 2º, bem como o artigo 4º, os três em todos os sentidos que não qaquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipótese em que, no caso concreto, ocorra direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada”.[12]

Em outro julgado, o Supremo Tribunal Federal, também entendeu por bem declarar a inconstitucionalidade parcial da norma sem redução do texto, ao tratar de dispositivo constante na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual estipulava a exigência de lista tríplice para o preenchimento de cargos de direção superior das Universidades, que se aplicaria apenas, segundo o STF, às universidades Federais, com fundamento de que tal regra não se refere à normas gerais de sistema de ensino. Vejamos a ementa do julgado:

“Universidades e estabelecimentos oficiais de nível superior. A determinação do número dos componentes das listas destinadas à escolha dos seus dirigentes, não sendo matéria de diretriz e base, escapa à competência legislativa da União, em relação às entidades oficiais de ensino, situadas fora do âmbito federal (constituição, art.8º, XVII, q, e art.177), valendo, apenas, no que concerne às mantidas pela União. Representação julgada improcedente, desde que se interprete o §1º da Lei nº 5.540/68, com a redação dada pela de nº 6.420/77, como somente aplicável às Universidades e estabelecimentos superiores, no âmbito federal”.[13]

Discussão relevante se refere à equiparação existente por ora até em julgados do STF quanto à técnica de interpretação conforme à constituição e a declaração de parcial nulidade sem redução de texto.

Melhor explicação não há, quanto essa tensão e explicação das diferenças do que a realizada pelo Ministro do Supremo Gilmar Mendes, o qual deixa registrado em sua doutrina:

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“ Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição se tem dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressão exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal”.

Por fim, arremata: “ assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, a que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica, expressas na parte dispositiva da decisão ( a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro)”

Portanto, a diferença reside no fato de que enquanto a interpretação conforme à constituição tem-se a norma ainda por constitucional, desde que seja realizada apenas sua interpretação da forma X, na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, o que se retira da norma são hipóteses, casos concretos em que se ela fosse aplicada seria inconstitucional.

6. Conclusão. A interpretação conforme à Constituição e a declaração

parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto são técnicas processuais próprias para o controle e adequação das normas à Constituição.

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Embora tais técnicas possuam semelhanças próprias, o que faz que parte da doutrina as assemelhe, o Supremo Tribunal Federal, corte constitucional, responsável para pacificação da jurisprudência constitucional, as diferencia, conforme já exposto neste trabalho.

Entender a diferenciação entre as referidas técnicas é de fundamental importância, haja vista que permite que seja realizado o adequado controle abstrato de constitucionalidade da norma, garantido, em consequência, o devido respeito aos princípios da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.

REFERÊNCIAS

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva. Ed. 19. 2015. Pag. 318.

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Editora Juspodvim. 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Saraiva.9 Ed. 2014.

PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. Editora Método. 14º Edição

Notas:

[1] MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Editora Juspodvim. 2015.pag. 1051.

[2] PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. Editora Método. 14º Edição. Pag.836.

[3] PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. Editora Método. 14º Edição. Pag.836.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Saraiva.9 Ed. 2014. Pag. 1031.

[5] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva. Ed. 19. 2015. Pag. 318.

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[6] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva. Ed. 19. 2015. Pag. 318.

[7] PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. Editora Método. 14º Ed. Pag. 836.

[8] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Ed. Saraiva. Pag. 1289.

[9] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Ed. Saraiva. Pag. 1291

[10] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva. Ed. 19. 2015. Pag. 413

[11] MENDES, Gilma Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Ed. Saraiva. Pag. 1286

[12] ADI 319, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 30-4-1993. P 7563

[13] Rp.1454, Rel. Min. Octavio Gallotti, RTJ, 125 (3)/997.

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A PROVA DA EMBRIAGUEZ E AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 12.760/2012 NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

ENIO GUSTAVO LOPES BARROS: Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande. Servidor Público da Justiça Federal de Primeiro Grau na Seção Judiciária da Paraíba TRF da 5ª Região, onde ocupa o cargo efetivo de Técnico Judiciário - Área Administrativa. Especialista em Direito Penal pela FIS (Faculdades Internacional Signorelli).

RESUMO: O presente trabalho orientar-se-á no sentido da análise das provas no tocante à embriaguez na condução de veículo automotor, bem como sobre as respectivas alterações inseridas pela Lei nº. 12.760/2012. É fato público e notório que os meios de comunicação transmitem constantemente notícias de acidentes de trânsito ocorridos, em sua grande parte, em virtude de os condutores de veículos automotores estarem alcoolizados, o que acaba por aumentar progressivamente a estatística do número de mortes de pessoas em decorrência de tal hipótese fática. Nesse rumo, a própria população clamava pela criação e efetiva aplicação de leis que viesses a punir tais condutas de forma cada vez mais severa, de modo a reprimir tais condutas, sob pena de, não o fazendo, ver impunes pessoas alcoolizadas que insistem em conduzir veículos automotores, colocando em risco a vida e a integridade física das pessoas, Vislumbra-se, pois, que a Lei nº. 12.760/2012 surgiu como mecanismo de combate e prevenção aos acidentes de trânsitos relacionados à ingestão de bebida alcóolica ou substâncias análogas capazes que reduzem a capacidade psicomotora dos condutores. A época em que se deu sua publicação (final de dezembro/2012) torna patente a preocupação do legislador no tocante à aplicação e vigência imediata do referido dispositivo legal. A verdade é que a lei trouxe mudanças benéficas

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e que com certeza refletirá de forma positiva na postura dos aplicadores e estudiosos do direito, tendo em vista que trouxe consigo inovadoras diretrizes que dinamizarão principalmente o trabalho de fiscalização (da polícia), uma vez que concede uma maior quantidade de mecanismos de prova, bem como corrige alguns erros cometidos pelo legislador pretérito no que diz respeito aos tipos penais. Somado a isso, serve como medida de combate adotada pelo Estado, em conjunto com as diversas campanhas que estão sendo veiculadas nos meios de comunicação social, de sorte que possibilite uma significativa conscientização do condutor de veículo automotor. Com isso, com a implementação e alterações trazidas pela Lei nº 12.760/2012 busca-se cada vez mais conscientizar e educar os condutores de veículos motorizados para que tal meio de transporte que os deslocam para onde desejar com segurança, podem se utilizados sobre os efeitos do álcool ou substâncias análogas funcionar como uma verdadeira arma que põe em risco a integridade física de um número indeterminado de pessoas.

Palavras-chave: Provas. Embriaguez. Veículo automotor. Acidentes de trânsito. Alterações. Lei nº. 12.760/2012.

1. Introdução

A ciência do Direito deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade hodierna e, nesse sentido, o próprio ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos clamores sociais, como reza o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

É fato notório que o desenvolvimento da tecnologia aliada ao intenso processo de globalização fez com que nos últimos anos a sociedade se desenvolvesse com grande intensidade, o que acarretou num aumento significativo da produção veículos

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automotores em todas as localidades, desde a região metropolitana até as cidades menos desenvolvidas.

Nessa esteira, a legislação brasileira teve que se aperfeiçoar juntamente com a sociedade, oportunidade em que foram criadas normas para regulamentar esta evolução. Com isso, no ano de 1997 foi criado o Código de Trânsito Brasileiro, cuja finalidade precípua era regulamentar o trânsito em todo o território nacional, abarcando desde questões administrativas até sanções penais.

Com o transcorrer do tempo, diante do surgimento mais intenso de alguns comportamentos humanos, bem como do aumento da frota de veículos, foi necessária a criação de mecanismos para combater e inibir o ato de que pessoas sob o efeito do álcool pudessem conduzir qualquer tipo de veículo automotor, circunstâncias que levaram, de início, a criação da Lei nº. 11.705/2008, amplamente conhecida como “Lei Seca”, que alterou alguns dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro. Acontece que no ano de 2012 esta norma sofreu novas alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, sendo este o objeto do presente estudo.

O ordenamento jurídico pátrio é dotado de uma grande quantidade de normas, distribuídas por seus diversos ramos. Um dos pilares normativos e sociais que tem recebido grande atenção por parte da mídia e da própria sociedade diz respeito às novas regras estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro, conhecida pela população como “A nova Lei Seca”. No ano de 2008 foi promulgada a Lei nº. 11.705/2008, alterando pela primeira vez e aplicando sanções severas para os condutores de veículos automotores que estivessem sob a influência de qualquer substância alucinógena.

A norma destacada no parágrafo anterior ganhou significativa repercussão perante a mídia brasileira e na sociedade

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em geral, sendo assim formuladas diversas críticas em relação a mesma, tanto a favor quanto contrário a sua aplicação.

O fato é que ao longo dos anos a lei veio sendo aplicada de forma eficaz, porém, ainda era perceptível pelas autoridades competentes que a norma possuía pontos de impotência social. Destarte, o legislador ordinário teve que criar novos mecanismos de aplicação e que surtisse efeitos na sociedade brasileira, fato que se deu por intermédio da Lei nº. 12.760/2012.

Assim sendo, o presente trabalho concentrar-se-á na alteração legislativa perpetrada quanto ao crime de embriaguez ao volante, dando-se ênfase a análise das modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, com a finalidade de que se possibilite a real compreensão dos fins sociais almejados pela referida lei.

Na época da vigência da Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, a penalidade era considerada gravíssima, e o valor da multa que deveria ser pago para quem dirigia qualquer tipo de veículo automotor era de cinco vezes o valor desta multa gravíssima, totalizando assim um valor a ser pago de R$ 957,70 (novecentos e cinquenta e sete reais e setenta centavos).

Com o advento da Lei 12.760, de 20 de dezembro de 2012, a penalidade permaneceu com natureza de gravíssima, porém, a alteração existente neste tipo legal foi de que a multa não seria mais cinco vezes o valor da multa gravíssima, mas sim foi agravada para dez vezes este valor. Com isso, a multa para quem pratica a infração de dirigir qualquer tipo de veículo automotor sob influência de álcool ou qualquer substância que possa causar

dependência, com previsão no artigo 165, do Código de Trânsito brasileiro é de R$ 1915,40 (um mil e novecentos e quinze reais e quarenta centavos).

A medida administrativa presente no artigo 165, do Código de Trânsito brasileiro também sofreu alterações: no advento da Lei 11.705 a medida administrativa tinha como intuito a “retenção do

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veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação”

Analisando este trecho legal, o veículo permanecia retido até o momento que um condutor habilitado fosse até o pátio e o retirasse. Não vinha expresso nesta norma e nem fazia menção a qualquer artigo acerca do prazo que o veículo pudesse permanecer naquele pátio, até que o mesmo pudesse ser recolhido até o depósito.

Outra inovação importante trazida pela Lei nº. 12.760/2012, que não pode-se deixar de destacar foi a modificação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

Urge destacar, por oportuno, que a redação revogada do artigo acima elucidado previa que o crime de embriaguez ao volante estava caracterizado toda vez que fosse constatada a concentração de 6 decígramas de álcool por litro de sangue. Desse modo, era necessário que tal concentração numérica fosse devidamente comprovada. Para que isto fosse possível, apenas o exame de sangue e o bafômetro eram considerados meio de prova idôneo e adequado para alcançar a conclusão exigida pelo tipo penal, tendo sido esta a posição que prevaleceu na jurisprudência, superando a divergência inicial diante do entendimento de que a prova testemunhal também poderia demonstrar a embriaguez, prevalecendo, com isso, a interpretação restritiva do tipo penal e, efetivamente, os 6 decígramas de álcool por litro de sangue somente poderia ser constadado através do exame de sangue ou teste do etilômetro.

A nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro trazida pela Lei nº. 12.760/2012 retirou do caput a parte que previa, para tipificação do crime, a exigência da concentração de 6 decígramas de álcool por litro de sangue. Agora, exige que o condutor esteja com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

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Frise-se que, ao invés de um tipo penal engessado, que exigia a prova numérica e quantitativa da concentração de álcool no sangue, passou-se a admitir a influência do álcool afetando a capacidade psicomotora do condutor para que esteja configurado o delito.

Não bastasse isso, a alteração legislativa fez questão destacar o alargamento dos meios de prova que poderão ser utilizados para a comprovação da embriaguez ao volante, nos termos do § 2º do aludido dispositivo.

Ainda que desnecessário este dispositivo, uma vez que no sistema processual vigora o princípio da liberdade de provas, desde que lícitas e morais, a redundância demonstra preocupação do legislador não só em evitar dúvidas quanto às possibilidades probatórias, como indicar meios de prova que se revelam úteis para demonstrar situações de embriaguez. É o caso da previsão de admissão de vídeos para comprovação da alteração do estado psicomotor do condutor. De qualquer forma, peque-se por excesso e não por omissão. Bem vinda a previsão.

O fato é que não é mais necessária a realização do bafômetro ou exame de sangue para que haja a prisão em flagrante por crime de embriaguez ao volante. Se antes bastava a negativa pelo condutor em se submeter a tais exames, diante do principio de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, hoje basta a existência de prova testemunhal para que haja, no mínimo, a condução do indivíduo até a Delegacia de Polícia para deliberação pela Autoridade Policial.

A grande questão será apurar quando o conduzido está com a sua capacidade psicomotora alterada pelo uso de álcool ou de outra substância psicoativa que cause dependência.

Duas questões importantes devem ser colocadas. Senão vejamos.

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A primeira é que o norte orientador para a averiguação da alteração psicomotora está na Resolução 206 de 20 de outubro de 2006 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que, em seu anexo, elenca diversas diretivas para tal aferição. Citando algumas, exemplificativamente, estão aspectos quanto à aparência (sonolência, olhos vermelhos, vômitos, soluços, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito), atitude (agressividade, arrogância, exaltação, ironia, dispersão), orientação (se o condutor sabe onde está, sabe a data e a hora), dentre outros. Desta forma, já se tem diversos aspectos que devem ser sopesados para a aferição da alteração do estado psicomotor.

A segunda questão e que pode gerar polêmica foi a insistência legislativa em manter no dispositivo, ainda que num parágrafo (§1º, I, do art. 306, CTB), menção à concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar

Destaque-se que o parágrafo primeiro do artigo 306 do Código de Trânsito, expressamente, refere que as condutas previstas no caput serão constatadas por concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar.

Como as condutas previstas no caput são conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada, e o parágrafo 1º e seu inciso I dizem que esta conduta pode ser aferida quando constatada concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, surge algumas indagações: Uma vez realizado o exame de sangue ou teste do bafômetro e comprovadas as concentrações de álcool já mencionadas, estará automaticamente configurado o crime de embriaguez no volante? Ou seja: alcançados aqueles patamares de concentração etílica, há uma presunção de que a capacidade psicomotora está alterada? Esta presunção é relativa ou absoluta?

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Para se chegar a uma conclusão, singelas e objetivas considerações são imperiosas.

Em primeiro lugar, note-se que a exigência de concentração mínima de álcool no organismo do condutor foi retirada do caput do artigo 306, CTB. Logo, o legislador não quis mais lidar com este parâmetro para a caracterização do crime. Ao invés de um parâmetro rígido, engessado e enclausurado em números (teor alcoólico), adotou um parâmetro flexível e consentâneo com a realidade das ruas e que realmente desencadeia acidentes e mortes: a influência do álcool na direção de veículo automotor.

Nesta linha de raciocínio, trabalhar com a ideia de que, uma vez constatados 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, o crime estará caracterizado de plano, é desconstruir a alteração que o legislador fez no caput do artigo 306, CTB.

A opção legislativa foi de privilegiar a influência de álcool alteradora dos sentidos, e não números rígidos de concentração alcoólica. Isto porque haverá indivíduos com tolerância mais acentuada ou não ao álcool que poderão apresentar concentração etílica muito superior aos níveis previstos na lei e, nem assim, apresentarão comprometimento das atividades psicomotoras. Outros, com dois copos de cerveja, terão exaltação ou torpor suficiente para causar sensível alteração em suas habilidades mentais e físicas e, desde já, ficarem inaptos a guiar veículos automotores.

Dessa maneira, tem-se que a mera constatação dos níveis de 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar não constitui presunção absoluta de atividade psicomotora alterada pelo uso de álcool. Isto pode não se confirmar no mundo dos fatos e a lei não pode se dissociar desta realidade.

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Ademais, as regras mais elementares de hermenêutica determinam que o caput (cabeça do artigo) é o fio condutor para a interpretação de seus parágrafos e incisos. Neste contexto, se a cabeça do artigo fez uma escolha em privilegiar o critério da alteração da atividade psicomotora, presumir que concluída pela mera constatação dos níveis de álcool já mencionados seria ir contra a própria razão da alteração legislativa. A mens legis aponta para alteração dos sentidos comprovada no caso concreto e até mesmo quando a concentração de álcool seja inferior àquela estipulada no inciso I do parágrafo primeiro do artigo 306 do CTB.

Como se vê, foram significativas as modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, necessárias ao atendimento do clamor social que, muitas vezes, assiste a impunidade de pessoas que ainda insistiam em conduzir veículos automotores sob o efeito do álcool, pondo em risco a vida de outras pessoas.

Assim, o estudo das alterações trazidas pela lei acima destacada se faz de extrema importância, tendo em vista o acontecimento de diversos crimes de trânsito causados por embriaguez ao volante de veículos automotores, tão intensa e comumente noticiados pelos diversos meios de comunicações.

1.2. Justificativa

É público e notório que os meios de comunicação transmitem constantemente notícias de acidentes de trânsito ocorridos, em sua grande parte, em virtude de os condutores de veículos automotores estarem alcoolizados, o que acaba por aumentar progressivamente a estatística do número de mortes de pessoas em decorrência de tal hipótese fática.

Com isso, a própria sociedade clamava pela criação e efetiva aplicação de leis que viessem a punir tais condutas de forma cada vez mais severa, sob pena de se ver impunes pessoas alcoolizadas que insistem em conduzir veículos automotores, colocando em risco a vida das pessoas de uma forma geral.

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Daí é importante que se dê a interpretação correta e adequada as inovações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, haja vista que embora existam interpretações no sentido de que tais modificações afrontam direitos individuais do cidadão, há de se levar em consideração que se está diante de um crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico tutelado juridicamente pertence a toda coletividade.

Diante disso, pode-se concluir que a Lei nº. 12.760/2012 trouxe inovações mais severas, posto que relativiza alguns direitos individuais do cidadão em nome de um bem jurídico maior, isto é, a proteção da coletividade, eis que os acidentes com vítimas fatais, causados por condutores embriagados, têm se tornado cada vez mais frequente.

A análise detida de tais modificações trazidas pela legislação explicitada no parágrafo anterior, é primordial para o alcance real da interpretação sistemática e teleológica de tal norma jurídica, no sentido de que se possa compreender que direitos individuais não podem ser tomados como absolutos, devendo, portanto, serem relativizados em nome de um bem jurídico maior a ser protegido, qual seja, a vida de outrem.

Pensar diferente seria contrariar todo o ordenamento jurídico, vez que se protegeria interesses individuais do cidadão, mesmo que este viesse a cometer a repudiada conduta de dirigir sob o efeito de álcool, inclusive definida como crime à luz do CTB, mesmo que colocando em perigo de vida, indistintamente, toda a coletividade, como acontece nesses casos de delitos perpetrados por condutores embriagados.

Assim sendo, o estudo teórico das modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012 é imprescindível para uma correta compreensão da finalidade objetivada por tal legislação, notadamente o seu fim social.

Nessa esteira, destaque-se que, sob o ponto de vista delitivo da conduta em questão, a alteração do artigo 306 do CTB

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abandonou o critério fechado do índice de teor alcoólico, privilegiando o critério da alteração da atividade psicomotora. Neste contexto, o teor alcoólico verificado no exame de sangue e teste do bafômetro servirão, no máximo, como certeza da ingestão de bebida alcoólica, mas não prova cabal da alteração da atividade psicomotora.

Desse modo, os níveis de concentração etílica previstas no inciso I do parágrafo primeiro do artigo 306 do Código de Trânsito geram mera presunção relativa de alteração da atividade psicomotora, podendo ser desconfigurada quando demonstrado que o condutor está situado no tempo, espaço, local, não possui fala arrastadas, estado de sonolência ou qualquer outro sinal indicativo de alteração das suas habilidades motoras e mentais, nos termos da Resolução 206/2006 do Contran.

É esta uma interpretação que se acredita mais consentânea com o que é revelado pela praxis envolvendo crimes de trânsito, bem como garante elementos mais seguros para a aferição da culpabilidade do condutor. E isto, não há dúvidas, se revela vital no sistema processual penal, pois somente uma culpabilidade apurada com o máximo de segurança e garantias possíveis é que poderá relativizar a Presunção de Inocência de que é detentor todo indivíduo que interage num contexto social baseado no Estado Democrático de Direito.

A denominada “Nova Lei Seca” (Lei nº. 12.760/2012) resolveu a questão da quantificação de álcool por litro de sangue, exigida na redação anterior do artigo 306, caput, e com isso ampliou a possibilidade de responsabilização penal, o que é positivo.

Como dito, tais modificações trazidas pela lei em questão foram impulsionadas pelas elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, a pretexto de endurecer a resposta penal para tais situações típicas.

A ampliação de tal responsabilização penal tem o condão de inibir cada vez mais os crimes desta natureza.

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Destarte, o estudo teórico mais aprofundado sobre as alterações trazidas pela lei em questão é de extrema valia para sua correta interpretação e aplicabilidade.

1.2 Objetivo Geral

O objetivo geral do presente trabalho é analisar as modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, notadamente quanto ao ato de se conduzir veículos automotores sob o efeito de substâncias que comprometam a capacidade psicomotora, tendo em vista ser tal hipótese fática a causa das elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito.

1.3 Objetivos Específicos

Os objetivos específicos deste estudo consistem, basicamente, nos seguintes:

- Analisar a repercussão social trazida pelas alterações da Lei nº. 12.760/2012, enfatizando em geral seus pontos positivos e negativos perante a população;

- Explicitar como era a aplicação do Código de Trânsito Brasileiro no advento da Lei nº. 11.705/2008 e como está sendo a aplicação da norma após a promulgação da Lei nº. 12.760/2012, tanto na esfera administrativa quanto na esfera criminal;

- As possíveis circunstâncias sociais que levaram à criação, bem como as alterações legislativas trazidas pela Lei nº. 12.760/2012;

- Buscar uma interpretação sistemática e teleológica de tais modificações com o objetivo de melhor compreender o fim social almejado pela citada lei.

1.4 Metodologia da Pesquisa

A metodologia a ser utilizada na pesquisa será a dedutiva, buscando na lei, doutrina e jurisprudência, de forma sistemática, subsídios para uma melhor compreensão das alterações legislativas ora em análise. Para tanto, serão

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utilizados livros, artigos, periódicos e demais trabalhos científicos na área.

Quanto ao método de procedimento será o monográfico, tendo sido empregada como técnica a pesquisa bibliográfica e documental, buscando sempre uma abordagem multidisciplinar, caminhando entre as diversas searas do Direito.

Vale destacar, ainda, que a pesquisa será elaborada através de um estudo descritivo-analítico dos dispositivos trazidos pela Lei 12.760/2012, o que acabou por gerar significativas inovações no Código de Trânsito Brasileiro.

2. Aspectos históricos destacados do Código de Trânsito Brasileiro

A primeira legislação de trânsito no Brasil surgiu em 27 de outubro de 1910, dezessete anos após a chegada do primeiro automóvel no país. Esta legislação se deu através do Decreto nº. 8.324, que aprovou o regulamento para o serviço subvencionado de transporte por automóveis (LEITE, 2011, p. online).

Este Decreto, dentre outros aspectos inerentes à circulação de veículos, apresentava as medidas de segurança que os motoristas deveriam seguir na condução do automóvel, destacando-se a prevista em seu artigo 21, onde os motorneiros, assim chamados naquela época, mantivessem a todo tempo controle da velocidade de seu veículo, devendo vir a diminuir a marcha ou até mesmo parar toda vez que o veículo pudesse causar acidente (LEITE, LIMA; 2011, 2011; p. online, p. online).

Outros requisitos do Decreto nº 8.324/1910, exigidos na segurança dos veículos que transitariam nas vias, bem como dos próprios condutores, estariam elencados nos artigos 18 a 26, no capitulo intitulado como Material Rodante e Medidas de Segurança, in verbis:

“Art. 18. Nenhum automóvel poderá ser posto em serviço sem prévio exame do engenheiro fiscal, que deverá proceder ás experiências eme

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julgar convenientes, afim de verificar que não apresenta nenhuma causa de perigo, sendo empregado no trafego da estrada. A infracção deste artigo sujeita o concessionário á penalidade estatuída pelo art. 33

Art. 19. Os automóveis terão reservatórios, tubos e quaesquer peças destinadas a conter explosivos, ou inflamáveis, construídos de modo a não deixar escapar, nem cair matéria alguma que possa causar incêndio ou explosão, e bem assim :

a) aparelhos dispostos de modo tal, que seu emprego não apresente nenhuma causa de perigo, e não possa causar danos pelo desprendimento de gazes deletérios:

b) órgãos de manobras bem dispostos de modo que o motorneiro possa acioná-los sem deixar de prestar toda a atenção ao caminho que for percorrendo ;

c) o raio visual para frente do veículo deve ser completamente livre e o monômetro e outras aparelhos indicadores, que o motorneiro deve sempre ter á vista, devem ser colocados de modo a serem facilmente consultados. Durante a noite serão estes aparelhos bem iluminados;

d) o veículo deve ser disposto de modo a obedecer facilmente ao aparelho de direcção e a voltar com facilidade nas curvas de pequeno raio e os órgãos de direcção deverão oferecer todas as garantias de perfeita solidez.

Art. 20. Os automóveis devem ser providos de aparelhos aperfeiçoados que façam a inversão do movimento com rapidez, e serão providos de dois sistemas de freios distintos, bem aperfeiçoados e

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bastante eficazes, de modo a poderem, em dado momento, cada um de per si, suprimir automaticamente a acção propulsora do motor, ou neutralizá-la.

Art. 21 . O motorneiro deve estar constantemente senhor da velocidade de seu veículo, devendo diminuir a marcha ou mesmo parar o movimento, todas as vezes que o automóvel possa ser causa de acidentes. A velocidade deverá ser reduzida o mais possível nos pontos da estrada, onde, por qualquer obstáculos, não se possa estender á distancia o raio visual, ou quando atravessar caminhos ou ruas de povoados.

Art. 22. A velocidade comercial mínima para o transporte de mercadorias será de 6 kilometros por hora e a do transporte de viajantes, de 12 kilometros, devendo os automóveis empregados satisfazer a essas condições de serviços.

Art. 23. A aproximação dos automóveis deverá ser anunciada á distancia por uma buzina ou trompa.

Art. 24. Os automóveis, rebocando outros veículos não poderão circular sem que satisfaçam as exigências do art. 17, e cada veículo rebocado será provido do mesmo sistema de freios, suficientemente eficazes, suscetíveis de serem acionados, quer pelo mortoneiro, quer pelo guarda-freio especial.

Art. 25. O motorneiro ao deixar o veículo é obrigado a tomar todas as precauções para evitar acidentes e suprimir o ruído do motor.

Art. 26. O trafego será feito com automóveis e veículos, cujo numero será fixado nos contractos

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que forem celebrados, nos termos deste regulamento e, uma vez inaugurado, não poderá ser interrompido. (DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRÂNSITO, p. 21-22).”

Em 28 de janeiro de 1941, foi promulgado o Decreto-Lei nº 2.994/41, chamado de Código Nacional de Trânsito, o qual teve duração de apenas oito meses, sendo revogado pelo Decreto-Lei nº 3.651/41, Decreto-Lei este que atribuiu aos Estados à regulamentação do trânsito de veículos automotores, devendo a legislação se adaptar a Lei Nacional (LIMA, 2011, p. online).

Na data de 21 de setembro de 1966, foi criado pela Lei nº 5.108, o segundo Código Nacional de Trânsito, que tinha em seu contexto 131 artigos, sendo que antes mesmo de sua regulamentação sofreu a primeira alteração em 1967, pelo Decreto nº 237/1967. O Código Nacional de Trânsito de 1966, que durou por 31 anos, foi revogado na data de 23 de setembro de 1997, pela Lei nº 9.503/97, chamado então de Código de Trânsito Brasileiro, que apenas passou a vigorar em 22 de janeiro de 1998 (LEITE, 2011, p. online).

O Código de Trânsito brasileiro rege-se pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pela Convenção de VIENA e pelo Acordo do MERCOSUL (LEITE, 2011, p. online).

Atualmente, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) dispõe de 20 capítulos e 341 artigos, sendo apenas 17 artigos vetados, tendo o legislador inserido o capítulo XIX, intitulado como DOS CRIMES DE TRÂNSITO, que tipificavam os crimes praticados na condução de veículos automotores, então chamado de crimes de trânsito em espécie. A seção I, do capítulo XIX, é composta de 11 artigos, que vão do artigo 291 ao artigo 301, ficando revogados os artigos 299 e 300. Nesta seção são especificadas as regras dos crimes de trânsito em espécie, dispostos na seção II do mesmo capítulo. Nesta seção II, também composta de 11 artigos, tendo inicio no artigo 302 e finalizado no artigo 312, são

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determinadas as penas aplicadas aos condutores que cometerem os crimes de trânsito em espécie, ou seja, crimes praticados unicamente na direção de veículos automotores.

É cediço que a Ciência do Direito, que tem o condão de estabelecer regras jurídicas para adequada e harmoniosa convivência social, deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade hodierna e, nesse sentido, o próprio ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos clamores sociais, como estabelece o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

É público e notório que o desenvolvimento da tecnologia aliada ao intenso processo de globalização fez com que nos últimos anos a sociedade se desenvolvesse com grande intensidade, o que acarretou num aumento significativo da produção de veículos automotores em todas as localidades, desde a região metropolitana até as cidades menos desenvolvidas.

Com isso, diante de tais circunstâncias, a legislação brasileira teve que se aperfeiçoar para atender os anseios sociais oportunidade em que foram criadas normas para regulamentar esta evolução. Nesse contexto, foi criado, no ano de 1997, o Código de Trânsito Brasileiro, cuja finalidade precípua era regulamentar o trânsito em todo o território nacional, abarcando desde questões administrativas até sanções penais.

Com o passar do tempo, em virtude do aumento da prática de alguns comportamentos humanos, bem como do aumento da frota de veículos, foi necessária a criação de mecanismos para combater e inibir o ato de que pessoas sob o efeito do álcool pudessem conduzir qualquer tipo de veículo automotor, circunstâncias que levaram, de início, a criação da Lei nº. 11.705/2008, amplamente conhecida como “Lei Seca”, que alterou alguns dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro. Acontece que

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no ano de 2012 esta norma sofreu novas alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012.

Na verdade muito se discute no Brasil acerca da realidade do trânsito, porém, pouco efetivamente do que dali se extrai é efetivamente aplicado. Ainda assim, a implementação do que se discute em muitos casos não surte o efeito esperado, sendo em algumas ocasiões um contra-senso para com a realidade social brasileira.

Notícias sobre trágicos desastres envolvendo veículos automotores já perpassam nosso cotidiano, tornando-se uma infeliz normalidade.

Vislumbra-se que se diverge muito acerca do quantum referente a mortes em acidentes de trânsito. Os números variam entre 40,45 e 50 mil mortes/ano, tendo sido esse último dado divulgado em 02 de maio de 2007, após a palestra “Trânsito: uma questão de cidadania”, proferida em 26 de abril de 2007 pelo ex-diretor do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), José Roberto de Souza Dias, como atividade integrante do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, promovido pelo Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina.

Tal catastrófica estatística de uma morte em cada 11 minutos, acaba de superar o número de baixas totais de norte-americanos na Guerra do Vietnã, estimado em 47 mil. Adotando esse paradigma, percebe-se a realidade do trânsito no Brasil como uma Guerra não declarada, em tempo de paz e, o pior, cada vez mais intensa.

Urge destacar, por oportuno, que o número considerado de 50 mil mortes anuais em virtude de acidentes de trânsito no Brasil, leva em conta apenas as mortes no local do acidente (60%) e aquelas ocorridas no Hospital nas primeiras 24 horas após o evento desencadeador (40%), o que traz à discussão, sem sombra de dúvidas, uma cifra obscura que pode tornar esse já penoso dado

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ainda mais elevado, visto o número de óbitos que ocorrem após 24 horas do resgate e que não são aqui contabilizados.

Dessas mortes, 70% estão relacionadas ao consumo de álcool, sendo a maioria das vítimas jovens com idade entre 18 e 26 anos.

Ampliando os horizontes, ainda há que se considerar que, numa frota nacional de aproximadamente 27 milhões de veículos, 640 mil envolvem-se anualmente em acidentes, num complexo de um acidente para cada 31 segundos, vitimando, parcialmente, outras 300 mil pessoas.

O custo total derivado de acidentes de trânsito no Brasil supera a casa dos 5,3 bilhões de reais por ano3. Só o afastamento temporário ou definitivo para o trabalho – a perda de produção – significa 42,8% desse total. Os custos com os veículos representam 28,8%, e com o atendimento médico-hospitalar e reabilitação das vítimas outros 15,5%. A pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), só não contabilizou os acidentes ocorridos nos trechos não urbanos das rodovias, nem a dor de vítimas e parentes, tendo sido postos a “ponta do lápis” todos os outros componentes de custos, desde resgates a congestionamentos.

Diante dessa triste realidade, a legislação brasileira concernente ao uso das vias terrestres por pessoas e veículos vem ampliando-se com grande rapidez, porém, algumas vezes de forma desconexa e desorganizada, deixando uma série de lacunas e imprecisões.

A Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor há pouco mais de 8 anos, já foi alterada sete vezes. As Leis nº 9.602/98, 9.792/99, 10.350/01, 10.517/02, 10.830/03, 11.275/06, 11.334/06,11.705/2008 e a 12.760/2012 alteraram alguns artigos do CTB visando melhor adequar a legislação existente à realidade do trânsito.

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2.1. Conceito de Trânsito

O conceito de trânsito, consignado no art. 1º, § 1º, do CTB, é apresentado, de maneira mais sintética, no Anexo I do Código. Em ambas as definições, verifica-se que, diferentemente do que muitos imaginam, trânsito não traduz apenas a ideia de movimento, mas abrange também a imobilização na via pública. Vejamos:

Art. 1º.

[...]

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.”

[...]

TRÂNSITO - movimentação e imobilização de veículos, pessoas e

animais nas vias terrestres. (CTB, 1997, grifo nosso).

Comparando-se as duas definições apresentadas, inicialmente pode-se equiparar as expressões “circulação” e “movimentação”, dando-se a ideia de uma utilização dinâmica das vias. A mesma equivalência não se aplica no entanto quando se trata do uso de maneira estática, uma vez que o termo “imobilização”, utilizado no Anexo I, é mais abrangente do que as situações elencadas no § 1º do art. 1º do CTB.

Verifica-se de pronto a impropriedade de somar a operação de carga ou descarga ao final do texto legal, pois está se enquadra no conceito de estacionamento, por força legal. Vejamos:

Art. 47.

[...]

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Parágrafo único. A operação de carga ou descarga será regulamentada pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e é consideradaestacionamento. (CTB, 1997).

Analisando-se, portanto, as situações consideradas pelo CTB como exemplos de imobilização e considerando-se incorporada a operação de carga ou descarga ao conceito de estacionamento, teremos as seguintes espécies do gênero imobilização:

PARADA - imobilização do veículo com a finalidade e pelo tempo estritamente necessário para efetuar embarque ou desembarque de passageiros;

ESTACIONAMENTO - imobilização de veículos por tempo superior ao

necessário para embarque ou desembarque de passageiros;

INTERRUPÇÃO DE MARCHA - imobilização do veículo para atender

circunstância momentânea do trânsito. (CTB, 1997).

Percebe-se que tais conceitos, a começar por suas redações, contemplam apenas a imobilização de veículos, não havendo, na verdade, previsão no Código de Trânsito de situações que regulem a utilização estática da via pública por pessoas ou animais.

O Capítulo IV do CTB, que trata dos pedestres e condutores de veículos não motorizados, retrata, dos arts. 68 a 71, apenas a forma de utilização da via para circulação dos pedestres, fazendo uma única menção à parada (de forma genérica e não como sinônimo de embarque e desembarque, logicamente), quando

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proíbe a imobilização do pedestre sobre a pista, sem necessidade, uma vez iniciada sua travessia. A seguir:

Art. 69. Para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até cinquenta metros dele, observadas as seguintes disposições:

[...]

III - nas interseções e em suas proximidades, onde não existam faixas de travessia, os pedestres devem atravessar a via na continuação da calçada, observadas as seguintes normas:

[...]

b) uma vez iniciada a travessia de uma pista, os pedestres não deverão aumentar o seu percurso, demorar-se ou parar sobre ela sem necessidade.(CTB, 1997).

Quanto aos animais, embora a utilização das vias por eles esteja englobada no conceito de trânsito e, portanto, regulamentada pelo CTB, cabe ressaltar que, por razões óbvias, que impossibilitam a exigência de seu cumprimento por seres irracionais, as regras não se aplicam diretamente a esses, mas sim aos seus responsáveis, o que fica claro quando da análise do disposto no art. 53, que obriga a condução dos animais por um guia, norma esta que se complementa com a medida administrativa capitulada no artigo 269, inciso X, de recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação (restituindo-se aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos). Senão vejamos:

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Art. 53. Os animais isolados ou em grupos só podem circular nas viasquando conduzidos por um guia, observado o seguinte:

[...]

Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera dascompetências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição,deverá adotar as seguintes medidas administrativas: [...]

X - recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos. (CTB, 1997).

Sendo assim, há de se preferir o conceito de trânsito trazido pelo Anexo I do CTB, tendo em vista que as três formas de utilização da via, previstas no § 1º do artigo 1º, não atingem as pessoas e os animais, mas apenas os veículos, o que permite concluir, de maneira bem simplista, que trânsito significa, pura e simplesmente, “utilização da via pública” (não importa por quem, não importa para quê).

2.1 Embriaguez: Aspectos Introdutórios

É irrefutável dizer que a embriaguez constitui um dos maiores problemas sociais da atualidade, caracterizando-se, neste sentido, como a razão original de uma série de crimes, acidentes e fracassos pessoais de um número bastante significativo de indivíduos.

E no que diz respeito ao trânsito, tal constatação adquire contornos ainda mais preocupantes, conforme revela Pinheiro, in verbis:

“O problema da embriaguez em acidente de trânsito é realmente grave. As estatísticas não

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demonstram em que proporção real os acidentes são devidos em sua totalidade, ou em parte, ao efeitos do álcool sobre os motoristas e pedestres. Isso porque inúmeras circunstâncias ficam desconhecidas ou são escondidas, dadas as posições dos acidentados, dos indiciados, das partes enfim, denominado Roger Piret esse fato como a conspiração do silêncio.”

Desse modo, vale salientar alguns pontos básicos desse mal, iniciando pela conceituação do termo “embriaguez”, bem como de suas espécies em particular. Senão observemos.

2.1.1 Conceito de Embriaguez

Em síntese, a embriaguez consiste na intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos, cujas consequências variam desde uma ligeira excitação até o estado de paralisia e coma.

De acordo com Plácido e Silva, o vocábulo “embriaguez” é derivado de embriagar-se, do latim inebriare (embebedar-se, embriagar-se e, neste sentido, significa “(...) o estado em que se encontra a pessoa, que se embriagou ou está embriagada, pela absorção ou ingestão de bebidas alcoólicas ou de substâncias de efeitos análogos”.

2.2.2 Espécies de Embriaguez

De acordo com Masson, na legislação penal brasileira, a embriaguez pode ser: voluntária ou incidental, culposa, preordenada ou acidental.

É voluntária ou incidental aquela em que o indivíduo ingere bebidas alcoólicas com a intenção de embriagar-se, não querendo praticar infrações penais, pois sua vontade restringe-se a exceder os limites permitidos para a ingestão do álcool ou substâncias de efeitos análogos.

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A embriaguez culposa consiste na espécie em que a vontade do agente é somente beber, e não embriagar-se, ficando embriagado, todavia, pelo exagero no consumo do álcool.

Nos termos do art. 28, inciso II, do Código Penal Brasileiro as duas espécies de embriaguez acima citadas, não excluem a imputabilidade penal, sejam completas ou incompletas.

Já a embriaguez preordenada ou dolosa corresponde à espécie em que o sujeito propositadamente se embriaga para cometer uma infração penal, funcionando, neste caso, embriaguez como fator de encorajamento para a prática do crime ou da contravenção penal. Tal espécie, além de não excluir a imputabilidade penal, funcional como agravante genérica (art. 61, II, do CP), incidindo na segunda fase do critério trifásico para o fim de exasperar a pena.

A embriaguez acidental ou fortuita é a que resulta de caso fortuito ou força maior. No caso fortuito o indivíduo não percebe ser atingido pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ou desconhece uma condição fisiológica que o torna submisso às consequências da ingestão do álcool. No caso de força maior, o sujeito é obrigado a beber, ou então, por questões profissionais, necessita permanecer em recinto cercado pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos.

A embriaguez acidental ou fortuita, se completa, capaz de ao tempo da conduta tornar i agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, exclui a imputabilidade penal (art. 28, § 1º, CP).

De outra banda, a embriaguez acidental ou fortuita incompleta, ou seja, aquela que ao tempo da conduta retira do agente parte da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, autoriza a diminuição da pena de 1(um) a 2/3 (dois terços), equivalendo, portanto, à semi-imputabilidade (art. 28, § 2º, CP).

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3. Embriaguez ao volante sob a ótica da Lei nº. 11.705/2008

Em que pese não haver informações fidedignas acerca da quantidade real de vítimas, por estatísticas confiáveis, o que por si só é lamentável, sabe-se incontestavelmente que a cada ano o Brasil o número de acidentes automobilísticos envolvendo embriaguez aumenta substancialmente tolhendo vidas humanas, afora as sequelas físicas e psicológicas geradas pela combinação álcool + direção. Se esta conduta criminosa é censurável, justificada pelo Poder estatal no âmbito administrativo e penal, lamentável é a ausência de políticas de trânsito adequadas, perenes, cumpridas com a aspereza que o problema exige.

Nesta esteira, vislumbra-se que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em toda sua modesta vigência, já foi alvo de importantes alterações no que diz respeito a motoristas que conduzem veículo automotor sob influência etílica. As recentes e mais significativas alterações foram instituídas pela Lei nº. 11.705/08 e 12.760/12, sendo a análise das citadas alterações legislativas objeto deste trabalho.

Por questão de sequência lógica, neste capítulo analisar-se-á especificamente as alterações trazidas no âmbito administrativo e penal pela Lei nº. 11.705/08, notadamente no texto dos artigos 165, 276, 277 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

3.1 Embriaguez ao volante como Infração Administrativa

3.1.1 Alteração Parcial na Redação do Artigo 165, CTB

O artigo 165 do CTB, no seu texto original, já havia sido objeto de alteração por força da Lei 11. 275/06, que excluiu a taxa de alcoolemia contida na norma que era “superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue”, como pressuposto para a configuração desta infração administrativa. Com o advento da Lei 11.705/08, o preceito primário definidor da conduta passou vigorar

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“dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: infração – gravíssima”.

Analisando o texto anterior, verificamos que o caput do artigo foi alvo de singela modificação, apenas redacional, para adequá-lo à linguagem médico jurídica. Ao não mencionar “entorpecentes” e nem mesmo “drogas” em seu texto e sim “substância psicoativa que determine dependência”, esclarece que as substâncias que impedem o condutor de veículo automotor a dirigir não se restringem apenas ao álcool e às drogas ilícitas, mas abarca qualquer espécie de substâncias capazes de provocarem dependência física ou psíquica e que atuem sobre o sistema nervoso, provocando alterações em seu funcionamento e que possam ser prejudiciais à segurança viária. Por isso, a mudança, embora meramente formal, tinha fundada justificativa.

De outra banda, a nova redação atribuída ao artigo 165, do CTB, recebeu críticas por ter adotado a nomenclatura usada recentemente pela Lei Antidrogas – Lei 11.343/06 – que não emprega em seu texto o termo “substâncias psicoativas”, mas sim a expressão “drogas”, definidas por esta lei como “substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

Por sua vez o artigo 66 da aludida lei, é taxativo ao definir como “drogas as substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998”. Assim, o legislador perdeu a ideia de uniformização em termos de nomenclatura jurídica, a ser aplicado tanto na esfera administrativa, quanto penal.

3.1.2 Taxa de Alcoolemia

Analisando a redação atribuída ao caput do art. 165, nota-se que se manteve a expressão “sob a influência de álcool” [...], já contida no texto original do CTB. A mencionada lei, portanto, não exige um estado de embriaguez clinicamente comprovado, mas sim

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que o condutor esteja dirigindo veículo automotor “sob influência etílica”. Consoante preceitua Jesus (2008):

[...] dirigir veículo automotor, em via pública, ‘sob a influência’ de álcool ou substância similar significa, sofrendo seus efeitos, conduzi-lo de forma anormal, fazendo ziguezagues, ‘ costurando’ o trânsito, realizando ultrapassagem proibida, ‘colado’ ao veículo da frente, passando com o sinal vermelho, na contramão, com excesso de velocidade, etc.

Nesse sentido também leciona Gomes (2008):

O estar "sob influência" exige a exteriorização de um fato (de um plus) que vai além da embriaguez, mas derivado dela (nexo de causalidade). Ou seja: não basta a embriaguez (o estar alcoolizado),

impõe-se a comprovação de que o agente estava sob "sua influência", que se manifesta numa direção anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária). [...]. Basta que a direção tenha sido anormal (em zig-zag, v.g.): isso já é suficiente para se colocar em risco a segurança viária.

Dessa forma, de acordo com a Lei ora analisada, para que o delito se configure na seara administrativa, já não há mais necessidade de o motorista apresentar uma taxa mínima de alcoolemia, conforme prescrevia o texto original do dispositivo, o qual foi objeto de posterior alteração. Em consequência disto, de acordo com a norma, basta que o condutor tenha feito uso e se encontre sob a influência de qualquer tipo de bebida alcoólica para que infrinja a lei e possa ser punido com as rígidas sanções administrativas previstas no preceito secundário da norma em comento.

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Defendia a doutrina majoritária que o álcool reage de forma diferente, segundo o grau e a resistência de cada organismo. Discutia-se, por isso, se era razoável e até mesmo justo, punir de modo uniforme e isonômico, situações que, na prática, poderiam ser desiguais.

Percebe-se que o abandono da taxa de alcoolemia teve por escopo justamente apaziguar a polêmica doutrinária que se formava acerca do tema. A alteração teve, também, outro objetivo, de natureza mais prática: permitir a constatação da presença de álcool no sangue do motorista, por outros meios de prova, além dos exames periciais.

Na hipótese de recusa do condutor em se submeter a qualquer um destes exames médicos perícias técnicas, o texto legal, com sua reformulação, abrange possíveis casos de autuação de motorista alcoolizado por simples constatação do agente de trânsito.

Por esta ótica, nos parece que a intenção do legislador foi a de punir com “tolerância zero” quem for surpreendido na direção de veículo automotor em estado etílico. Em complemento, o artigo 276, CTB, em sua nova redação destaca que “qualquer concentração de álcool por litro de sangue” é suficiente para a caracterização da infração administrativa de embriaguez ao volante.

3.2 Penalidades Administrativas

As penalidades administrativas cominadas aos condutores que infrinjam a norma contida no artigo 165, CTB, foi mantida com o mesmo conteúdo repressivo, aprovado pela Lei 11.705/08. Desta forma, não houve alteração na natureza da infração administrativa. O texto do preceito secundário continua com a mesma redação:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

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Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por

12 (doze) meses;

A infração continua classificada como “gravíssima”, com a multa sendo majorada em cinco vezes. Além disso, a sanção pecuniária continua acompanhada da penalidade administrativa de suspensão do direito de dirigir e complementada pelas medidas de retenção do veículo e recolhimento do documento da Carteira Nacional de Habilitação.

Desta forma, a alteração ocorreu precisamente para ajustar a penalidade de suspensão do direito de dirigir ao Princípio da Temporalidade, cabível às sanções de natureza administrativa. Agora, vem expresso na norma o prazo máximo de doze meses de suspensão do direito de dirigir a que ficará sujeito o motorista infrator.

Como se observa esse conjunto de penalidades administrativas representa medidas bastante severas, haja vista que estamos lidando com normas de natureza administrativa e não criminal e a aplicação de forma cumulada destas sanções. Tal forma de resposta punitiva se revela ainda mais severa se considerarmos a incidência múltipla de sanções, aplicadas ao condutor que apresente mínima concentração de álcool no sangue. Tudo isto, no âmbito administrativo do Poder do Estado.

3.3 Margens de Tolerância

No artigo 276 do CTB, precisamente em seu Parágrafo Único, está previsto a possibilidade para “casos específicos” o estabelecimento excepcional de “margens de tolerância” de concentração de álcool no sangue.

O legislador reconhecendo que algumas substâncias contidas em medicamentos utilizam o álcool em sua composição

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delegou ao Poder Executivo a competência para disciplinar “as margens de tolerância para casos específicos”. Visando regular o tema, o Decreto 6488/08, reafirmou: A lei antiga falava em 6 decigramas para caracterizar infração. Segundo a nova redação do artigo 165 do CTB, dirigir sob a influência de álcool (qualquer índice) caracteriza infração de trânsito, no entanto, a própria lei trouxe a previsão de margens de tolerância visando garantir que condutores incluídos nos casos especiais não sejam prejudicados, além de considerar também uma possível margem de erro do equipamento.

Com relação ao tratamento excepcional para “casos específicos” com a utilização de “margens de tolerância”, determina o aludido Decreto que será definido por Resolução do CONTRAM a ser expedida de acordo com proposta formulada pelo Ministério da Saúde.

Portanto, até que não se regulamente a respeito, as “margens de tolerância” não poderia ficar em suspenso, de forma que o artigo 1°, §2°, do Decreto em comento, regulou provisoriamente, até a edição de tais normas, que a margem de tolerância será de “dois decigramas por litro de sangue para todos os casos” e no caso de aferição por meio do aparelho “etilômetro” será de “um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões”. Mas para aferir tão pequena quantidade de álcool é necessário que o motorista se submeta ao teste no aparelho etilômetro ou a outro exame capaz de comprovar com precisão a taxa de alcoolemia.

3.4 Procedimento para Apurar a Taxa de Alcoolemia

O legislador estabeleceu que o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo da fiscalização de trânsito sob a suspeita de dirigir alcoolizado, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícias, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos permitam certificar seu estado etílico, nos termos do artigo 277 e seus parágrafos, do CTB, com a vigência da Lei 11.705/08:

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Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.

§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.

§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

A Lei 11.705/08 não trouxe alterações no “caput” e §1° do citado artigo, desta forma, os testes para aferição da alcoolemia ou efeitos de substâncias psicoativas permanecem os mesmos (exame de sangue, exames clínicos, etilômetro, constatação pelo senso comum do agente de trânsito, dentre os demais admitidos em direito).

3.4.1 Abordagem pelo Agente Fiscalizador de Trânsito

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O artigo 165, CTB, prevê duas situações em que o agente de trânsito tomará a iniciativa de submeter o condutor de veículo a um dos exames capazes de indicar a taxa de álcool no sangue. A primeira refere-se ao condutor envolvido em acidente de trânsito. Neste caso, a realização do teste ou exame de alcoolemia se justifica pelo interesse público e, também, das partes envolvidas, de se produzir materialidade acerca da sobriedade etílica ou embriaguez de cada um dos motoristas, com a finalidade de fornecer elementos para a instrução criminal e responsabilização civil.

A segunda hipótese é a do motorista alvo de fiscalização de trânsito. São as fiscalizações de rotina, onde os agentes de trânsito verificam se o condutor e veículo trafegam em conformidade com as normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro e seus regulamentos promulgados pelos órgãos competentes.

Neste caso, a sujeição do condutor ao teste ou exame de alcoolemia possui caráter meramente preventivo e visa impedir que motoristas em estado etílico permaneçam ao volante de um veículo e venham a expor a risco a segurança dos demais usuários das vias de trânsito.

Pela leitura do texto legal, entende-se que é obrigatória a realização do exame de alcoolemia nos dois casos apontados. No caso de abordagem em blitze de trânsito, o procedimento só deverá ser adotado quando houver fundadas razões que evidenciarem ter o motorista ingerido bebida alcoólica ou estar conduzindo seu veículo automotor de maneira anormal.

E no caso de envolvimento em acidente de trânsito, por haver interesse público e das partes envolvidas, o teste ou exame de alcoolemia parece ser justificar-se.

3.4.2 Formas de Constatação da Alcoolemia

Quanto às formas de constatação de alcoolemia, com a redação anterior dada pela Lei nº. 11.705/2008 estabelecia no caput

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do artigo 277, CTB, que o condutor “será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame...” a fim de apurar seu grau etílico. O exame clínico entende-se aquele realizado por médico, que pela observação dos indicadores, irá mensurar o grau de embriaguez apresentado pelo agente infrator. Já a perícia é realizada em laboratórios especializados, que utiliza procedimentos técnicos e científicos, para constatar a taxa de álcool no sangue do motorista.

A embriaguez pode ser constatada também mediante teste realizado no aparelho de ar alveolar, denominado de etilômetro e conhecido popularmente como bafômetro. Seu uso está previsto no artigo 277, CTB, que complementa “outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN”, permitam mensurar a taxa alcoólica no sangue do condutor.

Todavia, o referido dispositivo teve significativa alteração, que será analisada no próximo capítulo que tratará das alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/12.

3.4.3 Recusa do Motorista em se Submeter a Testes ou Exames de Alcoolemia

Conforme ditames trazidos com o advento da Lei 11.705/08, o § 2° do art. 277, do CTB, aprimorou a redação do anterior, reiterando com melhor técnica a determinação de que a infração do artigo 165 do CTB poderá ser caracterizada pelos agentes de trânsito por todos os meios legais de prova em direito admitidos, acerca dos “notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor”(grifo nosso).

Acerca do tema ensinam (Leal; Leal, 2008):

Desta forma, quando houver suspeita de que o condutor tenha ingerido bebida alcoólica ou, no dizer da lei, esteja dirigindo “sob influência do álcool”, a primeira iniciativa da autoridade de

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trânsito é a de submetê-lo ao teste de alcoolemia por ser procedimento de maior funcionalidade e precisão científica e menos invasivo à

privacidade e à dignidade da pessoa humana, que se encontra na figura de cada condutor devidamente habilitado segundo as leis estabelecidas pelo Estado. Cremos que o teste do bafômetro é o que melhor atende a estes requisitos. Somente no caso de inexistência do bafômetro ou de recusa deste aparelho é que o condutor deverá

ser submetido a outro tipo de exame médico pericia.

Assim, a interpretação deve ser feita de forma sistemática, somente depois de verificada a recusa, cabe ao agente de trânsito relatar que o motorista estava conduzindo veículo automotor “sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa” e pormenorizar, os sinais objetivos e indicadores do uso destas substâncias, produzindo, assim, a materialidade necessária para a configuração da embriaguez no âmbito administrativo.

Nota-se, que às singelas modificações do § 2° do citado artigo, proporcionaram a manutenção do sistema anterior, aprimorando a semântica.

Refere-se ao fato de que o novo texto deixa mais cristalino o entendimento de que o campo de incidência é estritamente administrativo, não devendo extrapolar para a seara penal, com vistas ao artigo 306 do CTB.

Tal fato é verídico porque na nova redação o legislador diz expressamente que é “a infração do artigo 165 do CTB”, que pode ser comprovada por outros meios legais de prova. No que tange a parte criminal segue imprescindível a prova pericial ou ao menos a

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documentação formal do teste do etilômetro, a qual poderia ser equiparada à primeira.

Já o § 3° do artigo 277 do CTB, na redação dada pela Lei nº. 11.705/08, determina que o condutor que se negar a colaborar com os testes e exames previstos no “caput” será penalizado com as sanções previstas para a infração administrativa do artigo 165 do aludido codex. Nesse sentido leciona Marcão (2009):

§ 3o: “Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”. Pecou o legislador ordinário. Nada obstante a letra expressa da lei, que é taxativa ao impor que nas situações catalogadas no caput do art. 277 o condutor será submetido aos procedimentos que menciona, e que a recusa configura infração administrativa (§ 3.°), na verdade o condutor não está obrigado, e a autoridade nada poderá contra ele fazer no sentido submetê-lo, contra sua vontade, a determinados procedimentos visando apurar concentração de álcool por litro de sangue. [...] Pelas mesmas razões [...], também a infração administrativa prevista no § 3.° do art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, não subsiste.

Nesse sentido, Gomes (2008) apoia esta defesa dizendo “A prova da embriaguez se faz por meio de exame de sangue ou bafômetro ou exame clínico”.

Contudo, é cediço que ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo. O sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova.

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Importante ressaltar que este parágrafo aduz que o condutor sujeito à fiscalização pode, amparado por preceitos Constitucionais, negar-se tão somente ao teste no aparelho etilômetro e do exame de sangue, posto que diante da recusa ao exame clínico, pode ser submetido ao previsto no § 3°. Gomes (2008) acrescenta que:

O sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova. Em outras palavras: não está obrigado a ceder sangue, não está obrigado a soprar o bafômetro. Havendo recusa, resta o exame clínico (que é feito geralmente nos Institutos Médico-Legais) ou prova testemunhal. O motorista surpreendido, como se vê, pode recusar duas coisas: exame de sangue e bafômetro. Mas não pode recusar o exame clínico. E se houver recusas deste exame? Disso cuida o § 3.° abaixo. § 3.° Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer os procedimentos previstos no caput deste artigo.

Desta forma havendo a recusa do motorista embriagado em se submeter aos exames e testes que comprovem a alcoolemia, aí incluindo o teste do bafômetro, não restará outra opção se não a aplicação das penas contidas no artigo 165, CTB.

3.4.4 Autuação e Legitimidade

O artigo 277 do CTB, na redação dada pela Lei nº. 11.705/08, estabeleceu que o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo da fiscalização de trânsito sob a suspeita de dirigir alcoolizado, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícias, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos permitam certificar seu estado.

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No entanto, muitos condutores de veículo se recusam em submeter-se a tais testes, arguindo o princípio esculpido no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal, como também na falta de obrigatoriedade de permitir a produção de prova contra si mesmo, o que afrontaria o preceito da amplitude de defesa e igualmente previsto no artigo 5°, inciso LV, da Carta Magna.

Sobre o tema, colaciona-se trecho de um artigo no qual a situação foi muito bem abordada pelo Procurador da República Calabrich (2008):

É um princípio jurídico pacificamente aceito que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo (tradução do brocardo latino nemo tenetur se detegere). Lido o princípio de outra forma, diz que ninguém pode ser constrangido a contribuir para a própria acusação. Assim, o agente de trânsito ou qualquer outra autoridade não podem forçar ninguém a fazer o teste do bafômetro nem a se submeter a nenhum outro procedimento que possa resultar em uma prova contrária a seus interesses. Considerando esse princípio, a lei, como visto, tratou de prever sanções (precisamente as referidas penalidades e medidas administrativas) para aquele que se recuse a fazer o teste, de modo a tornar interessante para o motorista tal opção – para não ser punido administrativamente, o motorista pode arriscar o exame. O motorista, dessa forma, terá sempre a opção; jamais poderá ser "forçado" (coagido) a realizar o exame. A recusa a se submeter ao exame não é, a rigor, um "direito" do motorista, e sim uma obrigação, para cujo descumprimento a lei prevê sanções no âmbito administrativo. Mas, estando o condutor ciente de que pode ser punido

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administrativamente, a não submissão ao exame é, afinal, uma opção exclusivamente sua. As alternativas à sua frente, assim, são: (a) submeter-se ao exame e arriscar conseqüências penais mais gravosas, caso seja detectada uma concentração superior a 6 decigramas por litro de sangue; ou (b) não se submeter ao exame e sofrer as sanções administrativas previstas no art. 165 do CTB, a serem aplicadas de imediato (apreensão da habilitação e retenção provisória do veículo) e ao final de um processo administrativo regular (multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses). Claro que todas essas considerações, na prática, não valem para o motorista que não tem dúvidas quanto a seu estado de embriaguez. Aquele que não ingeriu nenhuma bebida alcoólica provavelmente não terá nenhuma objeção quanto a se submeter a qualquer exame.

Diante deste cenário, a recusa do motorista em se submeter-se aos testes ou exames que comprovem a alcoolemia implica na constatação pelo agente de trânsito dos sinais de embriaguez, uma vez que ninguém poderá ser coagido a se auto-incriminar.

Este procedimento é administrativamente viável e legítimo porque existe previsão legal para a adoção destas medidas, de forma excepcional, somente se admitindo em último caso, como derradeiro recurso probatório da ocorrência desta grave infração de trânsito, ou seja, quando é impossível a comprovação por qualquer outro exame técnico ou científico.

De outra banda, cabe frisar que a prova testemunhal é tida como idônea e capaz de sustentar a autuação em flagrante dos condutores que se encontrem “sob influência alcoólica”.

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É cediço que a lei exige mais que a prova testemunhal, pois o § 2° em estudo, preceitua que o agente fiscalizador de trânsito, indique os notórios sinais de embriaguez apresentados pelo motorista, mediante provas lícitas em direito admitidas. Desta forma, não bastaria a prova testemunhal isolada, mas corroborada por outros indícios, seria suficiente para a caracterização administrativa do delito em comento.

3.5 A Embriaguez ao volante na esfera criminal

Com o advento da Lei 11.705/08, a nova dicção do texto legal contido no artigo 306 do CTB, passou a ser objeto de grande discussão e questionamento por parte da comunidade jurídica. Ressaltamos que as impropriedades e contradições encontradas no aludido artigo, sugerem uma notável insegurança jurídica, que influenciará as futuras decisões dos Tribunais, de modo que a norma venha a se tornar inaplicável por conta das limitações que lhe são inerentes. Para embasar tal afirmação, vamos analisar o conteúdo textual do artigo 306, com a vigência da Lei 11.705/08:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.

Cabe ressaltar, que a dita “tolerância zero” atribuída a aludida lei, refere-se apenas às

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infrações de trânsito de caráter administrativo. O tipo penal contido no artigo 306 do CTB trouxe em seu bojo o índice de seis decigramas de álcool por litro de sangue: “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou sob influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” (grifo nosso).

Nota-se, que a nova dicção do tipo penal extinguiu a necessidade de potencialidade de dano decorrente da conduta do agente. O texto de lei anterior fazia menção a “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Acerca do tema acrescenta Brutti (2008):

Antes da reforma, a infração consumava-se no exato momento do cometimento do comportamento anormal à direção do veículo automotor, após ter o condutor ingerido substância alcoólica ou de efeitos análogos. Agora, basta a condução do veículo em estado de embriaguez alcoólica para a subsunção do comportamento ao tipo.

De acordo com a redação dada pela Lei nº. 11.705/08, para que haja tipicidade do delito encartado no artigo 306 do CTB, é necessário que o condutor, envolvido em acidente automobilístico ou alvo de fiscalização por agentes de trânsito, apresente a concentração alcoólica igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, seja tal concentração aferida por meio do aparelho etilômetro, seja por meio de exame clínico ou pericial.

A despeito disso, interpreta-se que o tipo subjetivo se perfaz no ato de conduzir veículo automotor em via pública estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a

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seis decigramas, ou ainda, sob a influência de qualquer outra substância psicoativa. No mesmo sentido é o entendimento de Marcão (2008):

Conduzir, [...] significa, dirigir, colocar em movimento mediante acionamento dos mecanismos do veículo. Veículo automotor: [...] ‘todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios [...]’. Via pública: superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central. [...] Para a conformação típica do art. 306 é imprescindível que o condutor se ponha a dirigir veículo automotor na via pública. O legislador passou a entender que conduzir o veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do Código de Trânsito nacional, é conduta que, pó si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal.

A fonte precípua do direito é a lei e, neste caso, o tipo penal exige que o condutor tenha em seu organismo uma concentração de álcool estipulada pelo artigo 306 CTB. A título de exemplo, imaginemos um caso hipotético, em que um condutor está dirigindo seu veículo automotor em estado de torpor etílico e é surpreendido por uma fiscalização, onde é convidado pelo agente de trânsito a realizar o teste no bafômetro. Ante a recusa do motorista em se submeter ao teste no etilômetro (bafômetro) e a ceder material sanguíneo, este será encaminhado à autoridade policial para as devidas apreciações e possíveis sanções no âmbito

administrativo (normas previstas nos artigos 165 c/c 277,§ 3°, com a redação da Lei nº. 11.705/08, CTB).

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Posto que, para a caracterização do delito de embriaguez na seara criminal, não basta a prova testemunhal de que o agente apresentava sinais de embriaguez (voz pastosa e odor etílico). A perícia médica, por sua vez, orientada pela Portaria de 05. 10.2009, do Instituto Médico Legal (IML), que regula o procedimento do exame clínico nos casos de embriaguez ao volante, não é capaz de aferir, isoladamente e de forma precisa, a taxa de alcoolemia apresentada pelo agente infrator.

Desse modo, a menos que condutor embriagado consinta em cooperar com os agentes de trânsito e se submeta ao teste no bafômetro ou ceda material sanguíneo, faltará à comprovação da materialidade do crime. Assim leciona Lima (2008):

Diante dessa exigência legal, o exame clínico de embriaguez e a prova testemunhal não tem mais valor probante, devido á exigência legal de 6 (seis) decigramas de concentração alcoólica por litro de sangue, que poderá ser aferida de plano pelo teste do etilômetro (ar alveolar pulmonar) ou pelo exame de sangue (alcoolemia), aos quais o infrator poderá recusar-se a fazer, diante da garantia Constitucional prevista no artigo 5°, LXIII, segundo a qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Sobre a obrigatoriedade do exame de sangue e do etilômetro é certo que ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Nessa esteira, verifica-se que o legislador foi demasiadamente rigoroso com a embriaguez ao volante como infração administrativa, já na seara criminal, criou uma celeuma jurídica, ante a dificuldade de colheita da materialidade do crime, ou seja, da efetiva comprovação por meios técnicos de que o motorista conduzia veículo automotor com seis decigramas de álcool por litro de sangue.

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3.6 Embriaguez ao volante sob o ponto de vista da Lei nº. 12.760/2012

Em meados de dezembro do ano de 2012 entrou em vigor a Lei nº 12.760 que alterou diversos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, notadamente os artigos 165, 262, 276, 277 e 306.

Referida lei tem como objetivo primordial sanar ou ao menos reduzir o significativo número de mortes e lesões corporais decorrentes de acidentes de trânsito, além de aperfeiçoar algumas falhas técnicas do legislador passado, de sorte que ao elaborar o tipo penal referente à Embriaguez ao volante foi demasiadamente brando, tendo acabado por deixar diversos casos de embriaguez no trânsito, sem solução, o que acabou por gerar uma certa sensação de impunidade em grande parte da sociedade.

Urge destacar, por oportuno, que a citada lei foi publicada, tendo eficácia plena desde logo, não havendo previsão de período de vacatio legis, o que comprova que a intenção do Poder Executivo ao sancioná-la era de que o referido diploma legal fosse utilizado com rigor com a maior brevidade possível, de modo que o objetivo precípuo era reduzir o grande número de homicídios e lesões corporais que vêm, hodiernamente, acontecendo na direção de veículo automotor, por conta do uso de álcool ou substâncias análogas, e que acomete toda população.

3.7 Alterações legislativas

3.7.1 O novo artigo 165 – demonstrativo inicial de intolerância com o motorista embriagado

No tocante às mudanças realizadas no texto legal, cumpre inicialmente destacar a ocorrida no artigo 165 do CTB, in verbis:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)

Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)

Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze)

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meses. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)

Medida administrativa -recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)

Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caputem caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.

Da análise do dispositivo legal, constata-se inicialmente que a inovação legislativa perceptivelmente aconteceu no sentido de dobrar a multa prevista como penalidade para o indivíduo que conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância que reduza sua capacidade psicomotora. Com a nova redação do artigo acima destacado, verifica-se que o condutor flagrado em tal situação descrita se submeterá, independentemente das medidas de polícia judiciária cabíveis, a multa de 10 (dez) vezes e suspensão do direito de dirigir por exatos 12 (doze) meses.

A antiga redação do supracitado dispositivo legal previa idêntico período de suspensão do direito de dirigir. Todavia, a multa era mais branda, isto é, de 05 (cinco) vezes, fato que, por si só, demonstra o objetivo do legislador em dispensar tratamento mais severo ao indivíduo que for flagrado sob efeito de álcool ou substância análoga na condução de veículo automotor.

Por último, ainda em relação ao aludido dispositivo legal, importa enfatizar a reprimenda ainda mais severa estabelecida no seu parágrafo único, que trata do caso de reincidência do condutor, no período de 12 (doze) meses. Nessa hipótese fática, deverá ser aplicada em dobro a multa estabelecida como penalidade no mencionado dispositivo.

3.7.2 Artigo 276 – Concentração de álcool ínfima sujeita o embriagado às medidas administrativas

O ora analisado dispositivo legal não abandonou o método de verificação do estado do condutor a que se reporta o art. 165 do

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CTB. Conforme dispõe o artigo 276 do Código de Trânsito Brasileiro, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº. 12.760/2012, e que segue abaixo destacada, vislumbra-se que qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar de condutor que dirige veículo automotor sob o efeito de tais substâncias, o sujeita às penalidades previstas naquele primeiro artigo.

Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)

Parágrafo único. O Contran disciplinará as margens de tolerância quando a infração for apurada por meio de aparelho de medição, observada a legislação metrológica.

A previsão legal acima destacada deixa nítido que não há necessidade de que o motorista apresente certa concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar, isto é, apenas se faz necessário que o indivíduo apresente qualquer nível de concentração de álcool em seu organismo, para que seja submetido às medidas indicadas no retrocitado diploma legal.

Conclui-se de tal dispositivo que, mesmo o indivíduo apresentando pequeno nível de álcool no organismo, o que o impediria, em tese, a sua sujeição às penas do artigo 306 do CTB, o qual se destina a reprimir a conduta de embriaguez ao volante, o cidadão terá que arcar com a multa de 10 (dez) vezes e se sujeitar à sanção correspondente à suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.

Nessa esteira, possivelmente o objetivo do legislador foi o de acabar com a sensação de impunidade no que tange à conduta ilícita do condutor embriagado, tendo em vista que o mesmo não ficará impune, de modo que se sujeitará primordialmente à suspensão do seu direito de dirigir, haja vista ter ingerido qualquer quantidade de álcool ou substância análoga que possa por em risco a incolumidade de outrem.

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3.7.3 Art. 277 – Métodos de aferição da embriaguez

No que se refere à redução da capacidade psicomotora do condutor, por conta da embriaguez, ou mesmo pelo próprio fato de tal sujeito estar dirigindo veículo motorizado sob a influência de substância psicoativa que determine sua dependência, o citado dispositivo legal, disciplina que esta poderá ser confirmada por teste, perícia, exame clínico, ou outro procedimento diverso, que serão devidamente regulamentados e disciplinados pelo Contran.

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)

§ 2o A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)

§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo

Porém, resta esclarecer sobre a dúvida que se instaura sobre a aplicabilidade imediata ou não do citado dispositivo legal, tendo em vista a sua clarividência ao revelar que o estado de embriaguez, bem como a influência de substância psicoativa que determine dependência, verbos nucleares do tipo penal correspondente ao crime de embriaguez ao volante, posto no artigo

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306 do CTB, e das demais penalidades e medidas administrativas, podem se constatar por intermédio de procedimentos a serem regulamentados pelo Contran.

Assim sendo, diversos profissionais da área jurídica estão optando pela não aplicação desta lei neste ponto, tendo em vista a ausência de regulamentação, de sorte que entendem ser esta uma norma penal em branco, pois dependente de regulamentação capaz de lhe proporcionar eficácia.

3.7.4 Art. 306 – Embriaguez ao volante

Passado essa primeira discussão verificada sobre as alterações advindas da Lei nº. 12.760/2012, chega-se ao ponto culminante do presente estudo, qual seja, o crime de Embriaguez ao volante, tipo penal bastante discutido, de forma geral, nos dias atuais, em especial pelo elevado índice de óbitos decorrentes de acidentes de trânsito causados por condutores de veículos automotores embriagados.

Nessa linha de raciocínio, destaque-se a redação primitiva do artigo 306 do CTB, em vigência desde meados de 1997 e que somente veio a ser alterado pela Lei 11.705, de 19 de Junho de 2008:

“Art. 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.

Registre-se que desde o início, a intenção original do legislador foi exatamente a de tipificar penalmente a conduta de dirigir sob o efeito de álcool ou substância de efeitos análogos.

3.7.4.1 Natureza do tipo penal Urge frisar, por oportuno, que o provável equívoco

ocorrido quando da redação do citado artigo tenha sido a submissão do ato consumativo do crime à exposição de perigo de dano a incolumidade de outrem, isto é, o delito era anteriormente na vigência da redação primitiva um delito de perigo concreto, portanto, de difícil comprovação, haja vista que obrigatoriamente deve-se demonstrar que a ação do agente expôs, no caso in concreto a incolumidade de terceiros a perigo.

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Por isso, vale salientar que o delito atinente ao crime de perigo concreto necessita da comprovaçãodo risco ao bem jurídico protegido, isto é, o tipo penal pugna pela exposição a perigo de vida ou da saúde de outrem.

Vislumbra-se, pois, um verdadeiro absurdo, eis que a conduta de uma pessoa que se embriagava, de forma volitiva, e conduzia veículo automotor, somente seria punido se fosse demonstrado que esta atitude colocou em risco a incolumidade física de terceiros, como se fosse tolerável o fato de pura e simplesmente um sujeito embriagado conduzir um veículo que pode vir a ceifar vidas inocentes, posto sua potencialidade letal..

Por tal razão, em virtude da integral inaplicabilidade do disposto com a redação primitiva do artigo 306 do CTB, entrou em vigência no ano de 2008 a nova redação do mencionado dispositivo de lei, cuja redação é a seguinte:

“Art. 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

Com isso, com a aludida modificação do tipo penal, este deixou de ser um delito de perigo concreto, passando a ser um crime de perigo abstrato, não exigindo, portanto, a comprovação do risco ao bem juridicamente protegido. Em assim sendo, pode-se afirmar que há uma presunção legal do perigo, que, por isso, não precisa ser necessariamente provado.

Além disso, analisando-se sob o ponto de vista prático o tipo penal, infere-se que o legislador se equivocou pelo cometimento de excesso. Fica claro até mesmo em uma leitura perfunctória que a exigência de certa dosagem alcóolica no sangue do motorista apenas seria confirmada com a utilização do aparelho etilômetro, ou mesmo com a doação de material sanguíneo para análise laboratorial, somente possível em caso de concordância do condutor.

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Porquanto, tal dispositivo legal muito embora corretamente desvincule o tipo penal no que tange a um crime de perigo concreto, fez surgir outro óbice quanto a sua aplicação, justamente a prova necessária à consumação do delito, que somente seria conseguida no caso de anuência por parte do condutor. Do contrário, o motorista aparentemente embriagado somente se submetia às penalidades estritamente administrativas, a exemplo da multa que, ao contrário do delito em questão, não exigia a ratificação de certo nível de álcool no sangue para sua aplicabilidade.

3.7.4.2 Tentativa de aplicação plena do tipo penal Nessa esteira, casos existiam em que o condutor se

encontrava em nítido estado de embriaguez, inúmeras vezes até flagrados por câmeras e presenciado por testemunhas, entretanto, tais provas se faziam inúteis em virtude da vinculação do tipo penalmente previsto a quantidade de dosagem alcoólica no sangue desses indivíduos.

Dessa maneira, ante a constatação de inúmeras hipóteses fáticas como a acima narrada, vislumbrou-se a ideia de que se necessitava de para sanar tais inconvenientes.

Foi aí que surgiu a Lei 12.760/2012, que estabeleceu a nova redação do artigo 306 do CTB. Senão vejamos:

“Art. 306 - Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”.

Apenas numa análise perfunctória já se percebe uma grande evolução no que se diz respeito ao disposto na redação anterior, eis que se retirou do caputdo tipo penal a exigência de certa quantidade (dosagem) alcóolica no organismo do indivíduo para consumação do delito.

No entanto, analisando-se o artigo 306 de uma forma sistemática, vislumbra-se que a exigência de certo nível de dosagem no sangue no organismo do indivíduo não foi excuída definitivamente do tipo, mas sim deslocada para a parte do

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parágrafo primeiro, servindo a partir de então como um dos meios para se constatar o estado de embriagues do condutor.

Destarte, é de suma importância o destaque de que a dosagem alcóolica no sangue apenas passou a servir como um dos meios possíveis de se constatar a embriaguez, juntamente com os mais variados meios de prova elencados no referido parágrafo, in verbis:

“As condutas previstas no caput serão constatadas por:

I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II – sinais que indiquem, na forma disciplinadas pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.”

Vislumbra-se, inicialmente, que um antigo problema enfrentado pelas autoridades policiais restou-se devidamente superado, haja vista que pelo fato de a antiga redação somente mencionar a concentração de álcool por litro de sangue e ser silente no tocante à concentração de álcool por litro de ar alveolar, atestável pelo aparelho etilômetro, não mais há que se questionar sobre a possibilidade de prisão quando o único meio de prova for o resultado obtido através do bafômetro.

Porquanto, pode-se concluir que o mencionado diploma legal trouxe inovação no tocante a tal questão, de sorte que prevê de forma clara e transparente que a concentração de álcool no ar dos pulmões, convertida pelo aparelho etilômetro, se faz suficiente para a prova da embriaguez.

Tal dispositivo legal destacado é complementado pelo parágrafo segundo que determina que a verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, perícia, vídeo, exame clínico e prova testemunhal ou outros meios de prova em admitidos em direito, ressalvado o direito a contraprova.

Destarte, verifica-se que ficou consagrando no texto do novo parágrafo segundo do art. 306 do CTB, o princípio da liberdade

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das provas, tão conhecido no ordenamento pátrio, que acaba por abri um leque diverso ao aplicador do direito, permitindo-se a produção de qualquer tipo de prova, desde que não se figure como prova ilegal, ilícita ou imoral. 4. Considerações finais

É público e notório que os meios de comunicação transmitem constantemente notícias de acidentes de trânsito ocorridos, em sua grande parte, em virtude de os condutores de veículos automotores estarem alcoolizados, o que acaba por aumentar progressivamente a estatística do número de mortes de pessoas em decorrência de tal hipótese fática.

Com isso, a própria sociedade clamava pela criação e efetiva aplicação de leis que viessem a punir tais condutas de forma cada vez mais severa, sob pena de se ver impunes pessoas alcoolizadas que insistem em conduzir veículos automotores, colocando em risco a vida das pessoas de uma forma geral.

Vislumbra-se, pois, que a Lei nº. 12.760/2012 surgiu como mecanismo de combate e prevenção aos acidentes de trânsitos relacionados à ingestão de bebida alcóolica ou substâncias análogas capazes que reduzem a capacidade psicomotora dos condutores. A época em que se deu sua publicação (final de dezembro/2012) torna patente a preocupação do legislador no tocante à aplicação e vigência imediata do referido dispositivo legal.

A verdade é que a lei trouxe mudanças benéficas e que com certeza refletirá de forma positiva na postura dos aplicadores e estudiosos do direito, tendo em vista que trouxe consigo inovadoras diretrizes que dinamizarão principalmente o trabalho de fiscalização (da polícia), uma vez que concede uma maior quantidade de mecanismos de prova, bem como corrige alguns erros cometidos pelo legislador pretérito no que diz respeito aos tipos penais. Somado a isso, serve como medida de combate adotada pelo Estado, em conjunto com as diversas campanhas que estão sendo veiculadas nos meios de comunicação social, de sorte que possibilite uma significativa conscientização do condutor de veículo automotor.

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Dessa forma, pretende-se com a implementação da Lei nº 12.760/2012 cada vez mais conscientizar e educar os condutores de veículos motorizados para que tal meio de transporte que os deslocam para onde desejar com segurança, podem se utilizados sobre os efeitos do álcool ou substâncias análogas funcionar como uma verdadeira arma que põe em risco a integridade física de um número indeterminado de pessoas.

Diante disso, pode-se concluir que a Lei nº. 12.760/2012 trouxe inovações mais severas, posto que relativiza alguns direitos individuais do cidadão em nome de um bem jurídico maior, isto é, a proteção da coletividade, eis que os acidentes com vítimas fatais, causados por condutores embriagados, têm se tornado cada vez mais frequente.

Com isso, inconteste é a conclusão no sentido de que a legislação acima citada trouxe diversas inovações, cujo objetivo precípuo é reprimir com maior severidade aquele que, sob o efeito do álcool ou de substâncias análogas que comprometa sua capacidade psicomotora, põe em risco não só sua vida como a de inúmeras pessoas inocentes.

Por fim, vislumbra-se que tais alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, busca, sobretudo, diminuir a hipótese fática acima narrada, que tem causado um aumento significativo das elevadas cifras de mortos e lesionados nos acidentes de trânsito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(IN)CONSTITUCIONALIDADE DO INTERVALO DE 15 MINUTOS PARA MULHERES ANTES DE HORA EXTRA. ANÁLISE CRÍTICA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 658.312

LUCAS ALBUQUERQUE DIAS: Advogado. Formado pela ASCES - Faculdade Associação Caruaruense de Ensino Superior.

RESUMO: Trata-se de uma análise crítica do Recurso Extraordinário 658312, em que o Supremo Tribunal Federal julga a constitucionalidade do art. 384 da Consolidação da Leis do Trabalho. Será exposto os motivos da decisão do STF no julgamento de tal recurso, bem como a crítica a este julgado.

PALAVRAS CHAVES: Proteção à mulher. Hora extra. 15 minutos de intervalo. Art. 384 da CLT. Inconstitucionalidade. RE 658.312. Críticas.

1. INTRODUÇÃO

O artigo 384 da Consolidação das leis do Trabalho (CTL), cujo texto faz parte da redação original da CLT de 1943, consagra o intervalo de 15 (quinze) minutos, no mínimo, antes da realização da hora extra em relação à jornada de trabalho das mulheres.

Diante desse dispositivo legal, surgiram basicamente duas teses: a tese da inconstitucionalidade do referido artigo; a tese da constitucionalidade do artigo.

Resta analisar, à luz do Recurso Extraordinário (RE) 658.312, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, qual tese foi vencedora perante a Corte Maior e seus motivos.

2. PRINCÍPIO DA ISONOMIA

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Primeiramente, é importante observar que o tema central do presente trabalho tem como fundamento o princípio da isonomia, o que torna imprescindível tecer breves considerações acerca de tal princípio. O art. 5°, caput e inciso I, da Constituição Federal de 1988 privilegia o princípio da igualdade e dispõe que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

Segundo Marcelo Novelino, igualdade mostra-se como valor jurídico fundamental unido de modo indissociável à dignidade da pessoa humana. Esta, enquanto qualidade intrínseca de todo e qualquer indivíduo, exige que todas as pessoas sejam tratadas com igual respeito e consideração. A igualdade é o instrumento pelo qual a obrigação de respeitar as demais pessoas deve ser distribuída de modo universal.

O mesmo autor ainda revela que os direitos de igualdade podem ser diferenciados em duas dimensões, conforme o fim ao qual se destinam. A igualdade jurídica visa a impedir que sejam adotados tratamentos diferenciados para situações essencialmente iguais ou tratamentos iguais para situações essencialmente diferentes sem uma razão legítima para tal. A igualdade fática, por seu turno, tem por objetivo central a redução de desigualdades existentes no plano fático, o que exige necessariamente a adoção de um tratamento jurídico diferenciado.

Nesse contexto, mostra-se imperioso trazer à tona a expressão “isonomia formal (ou horizontal)” e “isonomia material (ou vertical)”. Ricardo Alexandre explica que a acepção horizontal refere-se às pessoas que estão niveladas, na mesma situação e que, portanto, devem ser tratadas da mesma forma. A acepção vertical, por sua vez, refere-se às pessoas que se encontram em situações distintas e que, justamente por isso, devem ser tratadas de maneira diferenciadas na medida em se diferenciam.

A grande controvérsia é saber até que ponto o uso da isonomia material não gera inconstitucionalidade. Pedro Lenza, citando o eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Melo, demonstra três

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parâmetros a serem observados, a fim de se verificar a observância ao princípio da isonomia. São eles: (a) elemento a ser tomado como fator de desigualação; (b) correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; (c) consonância desta correção lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.

No plano infraconstitucional, a proteção do trabalho da mulher está inserida no capítulo III da CLT. Segundo Henrique Correia, os artigos constantes no capítulo referente à proteção à mulher apresentam diferenças justificáveis, uma vez que privilegiam o trabalho da mulher, sobretudo no tocante à proteção à maternidade e à condição física mais frágil das mulheres, se comparadas à dos homens.

Demonstrado breve apontamento acerca do princípio da isonomia, passa-se a análise das teses de inconstitucionalidade e de constitucionalidade do art. 384 da CLT.

2. TESE DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT.

Contextualizando o presente julgado em análise, tem-se que a empresa “A. Angeloni & Cia. Ltda.” interpôs recurso extraordinário contra acórdão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, assim ementado na parte que interessa:

“INTERVALO DE 15 MINUTOS PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. PARA MULHERES ANTES DO LABOR EM SOBREJORNADA. CONSTITUCIONALIDADE. O debate acerca da constitucionalidade do artigo 384 da CLT não suscita mais discussão no âmbito desta Corte, que, por intermédio do julgamento do TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, ocorrido na sessão do Tribunal Pleno no dia 17/11/2008, decidiu que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela

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Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido”.

Segundo a relatoria do Ministro Dias Toffoli, o dispositivo impugnado ingressou neste país na vida jurídica das mulheres com o Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, o qual foi sancionado pelo então presidente Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo, no qual não só se unificou toda a legislação trabalhista, como também se inseriram no mundo jurídico novos direitos dos trabalhadores. É importante relembrar que a cláusula geral da igualdade foi expressa em todas as Constituições brasileiras.

O autor do recurso invoca princípios e dispositivos constitucionais para sustentar sua tese de inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. O primeiro artigo citado é o art. 5°, inciso I, o qual revela que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. O segundo artigo invocado encontra-se no art. 7°, inciso XXX, o qual dispõe “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

Alega o recorrente que o art. 384 da CLT, cujo texto é originário, não foi recepcionado pela Carta Constitucional de 1988, o qual prevê a concessão de descanso de 15 minutos às mulheres entre a jornada de trabalho normal e o labor extraordinário, sob pena de violação ao princípio da isonomia, haja vista que não pode ser admitida a diferenciação apenas em razão do sexo.

Por fim, a empresa “A. Angeloni & Cia. Ltda.” também alega que se for considerado recepcionado o dispositivo impugnada haveria estímulo a discriminação no trabalho entre iguais.

3. TESE DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT. POSICIONAMENTO DO STF E DO TST.

A tese da constitucionalidade do art. 384 da CLT foi vencedora no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho. Abaixo será sintetizado e explicado as razões que

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motivaram esse entendimento, segundo o que foi exposto no Recurso Extraordinário RE 658312, sobretudo no voto do relator Dias Toffoli.

A Constituição Federal de 1988, sobre o tema, explicitou, em três mandamentos, a necessária garantia da igualdade, sob seus diversos aspectos. Assim: i) fixou a cláusula geral de igualdade, prescrevendo, em seu art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”; ii) estabeleceu uma cláusula específica de igualdade de gênero, declarando que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (art. 5º, inciso I, CF); e iii) ao mesmo tempo, deixou excepcionada a possibilidade de tratamento diferenciado, por opção do constituinte, na parte final desse dispositivo, salientando que isso se dará “nos termos [da] Constituição”.

As situações expressas de tratamento desigual, sobre as quais poderia ocorrer alguma dúvida, foram dispostas formalmente na própria Constituição, como verifica-se, por exemplo, nos arts. 7º, inciso XX, e 40, § 1º, inciso III, letras a e b.

Pela leitura esses dispositivos podemos concluir que a Constituição Federal veio a se utilizar de alguns critérios para esse tratamento diferenciado: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas ou meramente legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico, biológico, a justificar o tratamento diferenciado, inclusive pela menor resistência física da mulher; e iii) considerou haver, também, um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho – o que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma, como propõe a metódica concretista de Friedrich.

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Esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado, desde que a norma instituidora amplie direitos fundamentais das mulheres e atenda ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças. Essa é a tese em jogo e, ao se analisar o teor da regra atacada, podemos inferir que a norma trata de aspectos de evidente desigualdade de forma proporcional, garantindo o período de descanso de, no mínimo, quinze (15) minutos antes do início do período extraordinário de trabalho, à mulher trabalhadora.

É fato que houve, com o tempo, a supressão de alguns dispositivos protetores da mulher que cuidavam do trabalho noturno e da jornada de trabalho da empregada, previstos nos arts. 374 a 376, 378 a 380 e 387 da Consolidação das Leis do Trabalho. Ocorre que, quando da revogação desses dispositivos pela Lei nº 7.855, de 24/10/89, o legislador entendeu que deveria manter a regra do art. 384 da CLT, a fim de lhe garantir uma diferenciada proteção, dada a identidade biossocial peculiar da mulher e da sua potencial condição de mãe, gestante ou administradora do lar.

Em relação, ao posicionamento do TST, este tribunal vem reconhecendo a vigência do dispositivo ora impugnado. Destaca-se os seguintes trechos do voto do eminente Ministro Ives Gandra Martins Filho, Relator no julgamento do RR nº 121100- 07.2010.5.13.0026, da Sétima Turma, em 7/3/12, que acentuou a necessidade da manutenção da discriminação positiva em benefício da mulher:

“Ressalte-se que o maior desgaste natural da mulher trabalhadora, em comparação com o homem, dada a diferente compleição física, não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu, por exemplo, diferentes condições para a obtenção da aposentadoria para homens e mulheres, bem como previu períodos distintos de licenças maternidade e paternidade (CF, art.

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7º, XVIII e XIX; art. 201, § 7º, I e II; ADCT, art. 10, § 1º).

Assim é que a própria Constituição da República, tendo em mira o estabelecimento de uma igualdade material, em detrimento de uma igualdade meramente formal, estabeleceu algumas diferenças entre os sexos. Logo, com o objetivo precisamente de concretizar o princípio albergado no inciso I do art. 5º da CF, devem-se tratar desigualmente homens e mulheres, na medida das suas desigualdades.

É justamente dentro desse conceito de igualdade material que se insere a ideia de concessão de vantagens específicas às trabalhadoras do sexo feminino, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária de que trata o art. 384 da CLT.

Deve ser observado, por outro lado, que o Pleno desta Corte Superior, apreciando incidente de inconstitucionalidade (cfr. TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5), concluiu que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição de 1988, entendendo que a razão de ser do referido dispositivo legal é a proteção da trabalhadora mulher, fisicamente mais frágil que o homem e submetida a um maior desgaste natural em face da sua dupla jornada de trabalho, o que justifica o tratamento diferenciado da mulher em termos de jornada de trabalho e período de descanso” (DEJT, 9/3/12).

Não parece existir fundamento sociológico ou mesmo comprovação por dados estatísticos a amparar a tese de que o

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dispositivo em questão dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. Não há notícia da existência de levantamento técnico ou científico a demonstrar que o empregador prefira contratar homens, em vez de mulheres, em virtude da obrigação em comento.

Por sua vez, diante desses argumentos jurídicos, não há espaço para uma interpretação que amplie, sob a tese genérica da isonomia, a concessão da mesma proteção ao trabalhador do sexo masculino, pois além de os declinados raciocínios lógico e jurídico impedirem que se aplique a norma ao trabalhador homem, sob o prisma teleológico da norma, não haveria sentido em se resguardar a discriminação positiva diante das condicionantes constitucionais mencionadas. Adotar a tese ampliativa acabaria por mitigar a conquista obtida pelas mulheres.

O dispositivo atacado não viola o art. 7º, inciso XXX, da Constituição Federal, na medida em que não diz respeito a tratamento diferenciado quanto ao salário a ser pago a homens e mulheres, a critérios diferenciados de admissão, ou mesmo a exercício de funções diversas entre diversos gêneros. Essa norma, com o devido respeito àqueles que advogam a tese contrária, não gera, no plano de sua eficácia, prejuízos ao mercado de trabalho feminino. Aliás, o intervalo previsto no art. 384 da CLT só tem cabimento quando a trabalhadora labora, ordinariamente, com jornada superior ao limite permitido pela lei e o empregador exige, diante de uma necessidade, que se extrapole esse período.

Adotar-se a tese da prejudicialidade nos faria inferir, também, que o salário-maternidade, a licença-maternidade, o prazo reduzido para a aposentadoria, a norma do art. 391 da CLT, que proíbe a despedida da trabalhadora pelo fato de ter contraído matrimônio ou estar grávida, e outros benefícios assistenciais e previdenciários existentes em favor das mulheres acabariam por desvalorizar a mão de obra feminina.

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Portanto, há que se concluir que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela atual Constituição, visto que são legítimos os argumentos jurídicos a garantir o direito ao intervalo. O trabalho contínuo impõe à mulher o necessário período de descanso, a fim de que ela possa se recuperar e se manter apta a prosseguir com suas atividades laborais em regulares condições de segurança, ficando protegida, inclusive, contra eventuais riscos de acidentes e de doenças profissionais. Além disso, o período de descanso contribui para a melhoria do meio ambiente de trabalho, conforme exigências dos arts. 7º, inciso XXII e 200, incisos II e VIII, da Constituição Federal.

4. CRÍTICAS AO POSICIONAMENTO DO STF

Seguiram o voto do relator os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Entretanto, os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio divergiram.

Segundo os ministros divergentes, o dispositivo viola o princípio da igualdade, e, por isso, só poderia ser admitido nas atividades que demandem esforço físico. Nas palavras de Fux, há, no presente caso, efetiva distinção entre homens e mulheres, sendo uma proteção deficiente e uma violação da isonomia consagrar uma regra que dá tratamento diferenciado a homens e mulheres, que são iguais perante a lei.

No mesmo sentido, o ministro Marco Aurélio afirmou que o artigo 384 “é gerador de algo que a Carta afasta, que é a discriminação no mercado de trabalho”. Os dois ministros votaram no sentido de dar provimento ao recurso para reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 384.

5. CONCLUSÃO

Em suma, o entendimento que prevalece, atualmente, tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é de que o art. 384 da CLT é compatível com a Constituição Federal.

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O principal fundamento que sustenta a recepção do impugnado artigo reside no fato de que a Constituição de 1988 estabeleceu cláusula específica de igualdade de gênero e, ao mesmo tempo, admitiu a possibilidade de tratamento diferenciado, levando em conta a histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho; a existência de um componente orgânico, biológico, inclusive pela menor resistência física da mulher; e um componente social, pelo fato de ser comum a chamada dupla jornada – o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no trabalho – que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma.

Registre-se, também, que o posicionamento majoritário do STF não se encontra imune a críticas, haja vista posicionamentos acerca da inconstitucionalidade do art. 384 da CLT, em virtude do princípio da isonomia e da não discriminação entre sexos.

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CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 E TUTELAS DE URGÊNCIAS

ALAN PINTO TEIXEIRA ALVES: Graduado pela Universidade Federal do Ceará.

Resumo: O Código de Processo Civil de 2015 tem como principal finalidade a simplificação processual, a fim de garantir ao jurisdicionado uma prestação mais célere e eficaz. Em decorrência disso, as tutelas antecipada e cautelar passaram a integrar as tutelas de urgência, medidas que o juiz adotará sempre que verificar a presença do fummus boni iuris e dopericulum in mora. A busca por celeridade e simplicidade processual deve ser priorizada, tendo em vista a enorme demanda posta ao Judiciário.

Palavras-chave: Tutelas de urgência. Estabilização. Efetividade jurisdicional. Código de Processo Civil de 2015.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira, desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, vem passando por um processo de inserção contínua de novas tecnologias. Uma dessas inovações foi a internet, rede que propaga milhares de informações em intervalos mínimos de tempo.

Tais mudanças acarretaram uma nova dinâmica no meio social, a qual se caracteriza pela velocidade.

Ocorre que a codificação processual civil não acompanhou o desenvolvimento social em voga, fato que tem gerado enorme insatisfação popular, tendo em vista que o processo, por sua própria natureza, demanda certo lapso temporal para que

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se desenvolva. Esta duração, todavia, causa sérios obstáculos à efetividade jurisdicional.

Diante deste cenário, a doutrina tem buscado conferir um maior grau de instrumentalidade ao processo, a fim de que se adeque ao “modelo constitucional do processo civil” inserido pela Carta Magna de 1988.

2. TUTELAS DE URGÊNCIA NO NOVO CPC

A Constituição Cidadã previu, em seu artigo 5º, diversas garantias fundamentais que devem ser respeitadas, dentre as quais ganham especial destaque o acesso à justiça, o devido processo legal e a duração razoável do processo.

O Estado deve buscar meios para que tais princípios sejam respeitados, tendo em vista que sua observância implica na efetividade jurisdicional, constituindo-se em corolários do Estado Democrático de Direito.

Humberto Theodoro Júnior, neste ponto, assim dispõe: Durante quase duas décadas o Código de

Processo Civil de 1973 tem sofrido numerosas alterações, todas justificadas pela busca da efetividade da tutela jurisdicional, inspirando-se sempre nas garantias constitucionais do acesso à justiça, mediante observância do devido processo legal, da moderna visão da instrumentalidade e da duração razoável do processo, bem como do emprego de medidas tendentes a garantir a celeridade de sua tramitação.[1]

É de se ressaltar que a noção de instrumentalidade do processo ganhou especial relevo a partir do fortalecimento do princípio do acesso à justiça, ao qual foi conferido caráter fundamental, porquanto impôs que os cidadãos deveriam buscar o

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auxílio do Poder Judiciário para evitar lesões ou ameaças a direitos, não podendo o Estado se escusar do cumprimento de tal função.

Frise-se que tal “norma de otimização” deverá ser justa e efetiva, a fim de conferir a segurança prevista no ordenamento jurídico, como resta encartado no próprio preâmbulo da Carta Magna ao salientar que o Estado Democrático será destinado a assegurar a segurança como forma de solução pacífica das controvérsias.

É diante deste cenário que surge a ideia de uma nova codificação processual civil, a qual foi levada ao Senado Federal mediante o Projeto de Lei nº. 166/2010, que teria como objetivo principal simplificar o processo, tornando-o mais célere e justo, a fim de atender aos anseios da sociedade.

A simplificação do processo proposta pelo novo CPC se expressa em cinco pontos principais, os quais restaram expressos na exposição de motivos do PLS nº. 166/2010.

Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes,

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imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.[2]

Pela leitura do excerto acima, depreende-se que os membros competentes para a elaboração do projeto estão buscando reduzir as complexidades do processo, adequando-o ao modelo constitucional vigente.

O novo Código de Processo Civil, conforme salientado, tenta estreitar as relações entre o processo e a Constituição, adotando normas que expressem a feição processual dos direitos fundamentais.

Os pontos 2, 3 e 4 expressam a enorme preocupação que hodiernamente existe acerca da efetividade jurisdicional. O PLS nº. 166/2010 tenta possibilitar aos magistrados a oportunidade de julgar os processos de acordo com a realidade fática que o caso impõe. Para isso, preserva alguns institutos da codificação de 1973 que deram resultados positivos, estabelece novos mecanismos e prevê uma nova forma de aplicação de alguns meios de tutela.

Por fim, tem-se a organicidade do sistema, critério mais formal que foi propositadamente previsto como o último objetivo, a fim de passar a mensagem de que a nova codificação primará pela simplicidade das formas procedimentais do processo.

O seguinte excerto extraído da exposição de motivos do PLS nº. 166/2010, muito bem expressa essa intenção:

Não se deixou de lado, é claro, a necessidade de se construir um Código coerente e harmônico interna corporis, mas não se cultivou a obsessão em elaborar uma obra magistral, estética e tecnicamente perfeita, em detrimento de sua funcionalidade.

De fato, essa é uma preocupação presente, mas que já não ocupa o primeiro lugar na postura intelectual do processualista contemporâneo.[3]

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Portanto, para se chegar a um processo justo e célere, faz-se necessário que este não seja visto como uma estrutura rígida e absoluta, mas sim como um fenômeno maleável e relativo que sempre buscará as alternativas mais adequadas para a solução da situação in concretum.

Diante desta situação, ganha relevo a nova linha adotada pela doutrina de aproximação entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, prevendo o Código de Processo Civil de 2015, atualmente em vigor, a inclusão no sistema processual da tutela de urgência, trazendo normas procedimentais mais simplificadas e que integram as duas formas de tutela, cautelar e antecipada.

Nessa toada, Juvêncio Vasconcelos Viana destaca que o projeto de novo CPC trouxe um regime jurídico único para as tutelas de urgência, o qual terá como principal escopo uniformizar os procedimentos da tutela antecipada e da cautelar[4].

As aproximações entre a tutela cautelar e a antecipada já vinha sendo uma tendência na doutrina moderna, em decorrência da própria instrumentalidade.

Essa nova concepção de tutela de urgência (cautelar e antecipada) passou a ganhar forma na sistemática processual pátria a partir da introdução do § 7º ao artigo 273, o qual previu a fungibilidade entre ambas as formas de tutela.

O “regime jurídico único” das medidas de urgência poderá acarretar uma “evolução” e uma “involução” do sistema processual brasileiro.

“Evolução” pelo fato de que a concessão de medidas emergenciais se dará de forma mais simples, não devendo se ater a peculiaridades formais que somente dificultavam a prestação da tutela jurisdicional.

“Involução” pelo prisma de que a tutela cautelar poderá ser suprimida pela constante e, algumas vezes, inapropriada utilização

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da tutela antecipada, o que poderá gerar o desaparecimento das medidas cautelares.

É bom enfatizar que a preferência pela celeridade não pode se sobrepor aos princípios da duração razoável do processo e do devido processo legal, uma vez que a demanda necessita de tempo para que se estabeleça a dialeticidade que lhe é característica e para que o juiz possa analisar todos os fatos e fundamentos trazidos à lide, formando seu convencimento, para então proferir uma sentença justa e eficaz.

3. ESTABILIZAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

O Código de Processo Civil de 2015, ainda quanto à tutela de urgência, prevê um instituto que visa a estabilizar as medidas assecuratórias concedidas, ou seja, tais medidas ganhariam caráter satisfativo, fato que viria a desnaturar a natureza eminentemente provisória das mesmas.

Todavia, para que ocorra a estabilização é necessário o preenchimento de dois requisitos específicos, quais sejam: i) que a medida seja antecedente e ii) que o réu, quando citado, não impugne a concessão da medida.

Quanto a tal instituto, Juvêncio Vasconcelos Viana ressalta:

Sempre aprendemos que as medidas cautelares e antecipatórias seriam marcadas pela provisoriedade. Mas, a vingar a ideia de estabilização, uma decisão proferida em cognição sumária, antecedente à causa, trará em si própria a possibilidade - acaso não impugnada - de perpetuar seus efeitos. O pedido principal (posterior, de mérito) torna-se algo eventual. O juiz decidirá, extinguirá o processo, mas manterá a eficácia do provimento (sem que se fale aí em cois julgada). Trata-se de medida nova, inspirada em outras do Direito estrangeiro

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(em especial do francês), e que, sem dúvida, trará perplexidades.[5]

É interessante frisar que a estabilização da medida não faz coisa julgada, tendo em vista que o evento foi decidido mediante cognição sumária. Desta feita, poderá a parte ajuizar ação com o intuito de solidificar tal medida no cenário jurídico, isto é, tornar-lhe imutável[6].

Tal ideia está consagrada no texto do artigo 283 do Código de Processo Civil de 2015, vide:

Art. 293. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes.

Parágrafo único. Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no caput.[7]

Fundamental destacar uma contradição que se impõe com a aplicação do instituto da estabilização. As tutelas cautelar e antecipada, pela codificação de 1973, tinham como uma de suas características principais a provisoriedade, servindo como um “remédio” para neutralizar ou eliminar os efeitos dopericulum in mora. A partir do estudo dessa característica, a precariedade do provimento assecuratório era consequente lógico, uma vez que poderia ser alterado ou, até, extinto quando atingisse sua finalidade, resguardar o bem jurídico.

No entanto, com a estabilização, as tutelas de urgência perdem seu caráter provisório, passando a ser satisfativas. Ocorre que tal satisfatividade não é absoluta, mas sim relativa, ao passo que a medida estabilizada não poderá fazer coisa julgada. Contudo, a satisfatividade relativa impõe a provisoriedade, a qual não se coaduna com o fenômeno da estabilização.

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Posto isso, verifica-se que existem diversos pontos do Código de Processo Civil de 2015 que merecem ser profundamente debatidos, a fim de que não se instituam mecanismos contraditórios, os quais, em vez de simplificar o processo, irão torná-lo mais complexo.

4. CONCLUSÃO

O Código de Processo Civil de 2015, formalmente instituído pelo Projeto de Lei nº 166/2010, tem como principal objetivo tornar o processo mais simples e célere, mas sempre observando as garantias constitucionais individuais, trazendo como uma de suas inovações a exclusão do Livro IV, deslocando-se a tutela cautelar para a parte geral do Código.

Além disso, prevê o instituto da estabilização, o qual confere um caráter satisfativo às medidas urgentes concedidas de modo antecipado e não contestadas pela parte adversa.

Tal instituto guarda certa impropriedade, tendo em vista que afasta característica intrínseca das tutelas de urgência, a provisoriedade, no entanto estabelece que a medida estabilizada não faz coisa julgada.

Ora, as medidas satisfativas são conclusivas, posto que absolutas. No caso, portanto, ter-se-á uma satisfatividade relativa, que representa a provisoriedade.

Portanto, nota-se que os juristas encarregados pela elaboração do Código de Processo Civil de 2015, primando pela celeridade, buscaram alternativas para simplificar o processo, tornando-o mais flexível e conferindo-lhe uma noção cada vez mais instrumental, a fim de garantir, aos que buscam o Poder Judiciário, a efetividade jurisdicional.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

[1] JÚNIOR, Humberto Theodoro. O compromisso do Projeto de Novo Código de Processo Civil com o processo justo. Revista de Informação Legislativa. Vol. 48, n. 190, 2011, pp. 237-263.

[2] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.

[3] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.

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[4] “[...] um “regime jurídico único” para a tutela de urgência, ou seja, uma uniformização na forma de pugnar, obter e efetivar uma e outra. A tutela cautelar, hoje, nos leva a uma duplicação de processos (o cautelar e o principal); já a tutela antecipada é pedida nos próprios autos. É inegável que, de tempos para cá, tem se investido muito mais nas aproximações que nas diferenças entre as medidas de urgência. A futura disciplina consagrará isso, também revelando uma clara linha de simplificação.” VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Op. cit., p. 130.

[5] VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Op. cit., p. 130.

[6] “A tutela de urgência e de evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento em que se pleiteia a providência principal. Não tendo havido resistência à liminar concedida, o juiz, depois da efetivação da medida, extinguirá o processo, conservando-se a eficácia da medida concedida, sem que a situação fique protegida pela coisa julgada.” BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.

[7] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.

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O MENOR INFRATOR NO DIREITO PENAL: MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS, PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E DIREITOS HUMANOS

JACQUELINE DIAS DE FREITAS SCHAEFER: Oficial do Ministério Público. Bacharel em Direito . Pós-graduada pela FISIG- Faculdade Internacional Signorelli em Direito Constitucional e Direito Administrativo.

RESUMO: Este artigo trata do menor infrator diante do direito penal. Seus Direitos que são defendidos pelo Estatuto do Menor e do Adolescente (ECA), pelos direitos humanos previstos na Constituição Federal/88, e principalmente seus deveres, que só são ensinados pela família, escola e sociedade, já que as Leis Penais não se aplicam a eles. A importância desse artigo se baseia na sociedade atual que vive com medo e revoltada por ver crianças e adolescentes roubando, matando, espalhando horrores e barbáries e quase sempre voltam impunes pra sociedade, sentindo-se então poderosos e intocáveis. E quando são punidos com penas mais graves como a privação de liberdade também não recebe nenhum tipo de ressocialização, só mais barbáries. Portanto entram e saem das instituições feito exércitos de terroristas com carta branca para fazerem o que bem entenderem. O artigo busca estudar as medidas socioeducativas previstas no ECA na contramão dos direitos humanos previstos na Constituição. Direitos esses que muitas vezes absolvem infratores e desrespeitam o direito do cidadão à segurança e a liberdade. O Direito penal vem tratando essas questões de acordo com a forma do delito, porem crimes hediondos são cometidos por menores e totalmente ignorados pela lei. Na atualidade brasileira, muitas vezes são recolhidos por policiais e libertados alguns quarteirões depois. Já saem da viatura zombando e rindo de tudo, de todos e inclusive dos policiais. Ai fica a questão. Estamos formando exércitos de terroristas, cujas famílias a própria sociedade não sabem mais o que fazer. A Educação, o tratamento

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humano e com igualdade, a formação escolar e o respeito à vida humana é a única maneira de mudar essa situação, mas que muito depende das ações governamentais, para que não cheguem às penais.

Palavras-Chave: Menor Infrator. Direitos Humanos. Ações Governamentais

ABSTRACT: This article deals with the juvenile offender before the criminal law. Your rights are defended by the Statute of Children and Adolescents (ECA), the human rights enshrined in the Federal Constitution / 88 and above his duties, which are only taught by the family, school and society, as the Penal Laws do not apply to them. The importance of this article is based on the current society that lives in fear and angry to see children and teenagers stealing, killing, spreading horror and barbarity and almost always go unpunished back to society, feeling so powerful and untouchable. And when they are punished with severe penalties such as deprivation of liberty did not receive any rehabilitation, only more barbarities. So they come in and out of institutions made armies of terrorists with carte blanche to do what they please. The article seeks to study the socio-educational measures provided for in ACE against human rights under the Constitution. Rights that often acquit offenders and flout the citizen's right to security and freedom. The criminal law has dealt with these issues in accordance with the form of the crime, however heinous crimes are committed by minors and totally ignored by the law. In Brazil today, are often collected by police and released after a few blocks. Already out of jeering and laughing car everything from everyone and even the police. Ai is the question. We are building armies of terrorists whose families society itself does not know what to do. Education, humane treatment and equality, schooling and respect for human life is the only way to change this situation, but much depends on government actions, not to reach the criminal. Word-Key: Minor Offender . Human rights. Government actions.

1 INTRODUÇÃO

Segundo Cury (2005), a Constituição Federal de 1988 estabelece a condição de inimputável do menor, vez que a ele não pode ser aplicada penas, exigindo a criação de lei específica a fim de regularizar tal situação. A lei específica criada foi a Lei n°

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8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê vários direitos conferidos ao menor, dentre eles prevê a apuração de atos infracionais, seu procedimento, as medidas aplicadas na semiliberdade.

Ainda segundo o autor (op cit.), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê incontáveis providências socioeducativas contra o infrator: advertência, liberdade assistida, semiliberdade, entre outras. Até mesmo a internação é possível (e internação nada mais significa que prisão), embora regida pelos princípios da brevidade e da ultima ratio (última medida a ser pensada e adotada).

A lei concebe a privação da liberdade do menor, quando se apresenta absolutamente necessária. De qualquer modo, em se tratando de menor absolutamente desajustado, que revela grave defeito de personalidade inconciliável com a convivência social, não parece haver outro caminho senão o de colocá-lo em tratamento especializado, para sua recuperação.

Não é preciso, evidentemente, chegar à solução dada por alguns países no sentido de punir o menor como se fosse um maior. Não parece aceitável, de outro lado, remeter o menor para o Código Penal; muito menos transferi-lo para os cárceres destinados aos adultos quando completa 18 anos. Não basta ademais, para se adotar medidas mais contundentes, a mera grave ameaça à pessoa, que faz parte da essência do roubo. Para isso o ECA já prevê a internação. Moderação e equilíbrio são tudo o que se espera de toda medida legislativa.

Em nossos dias há um crescente envolvimento de menores em atos infracionais, em alguns casos apresentando condutas em muito semelhantes à de criminosos violentos; e em sua maioria, estes jovens e adolescentes são reincidentes. Surge então um questionamento sobre a eficácia da aplicabilidade das medidas socioeducativas, diante da necessidade urgente de reversão de tal realidade social, e diante do clamor da sociedade por práticas que visem solucionar esta problemática. Visando analisar as medidas

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socioeducativas previstas na legislação específica e sua aplicabilidade e avaliar diante do que tem sido feito quais os caminhos a serem percorridos na busca da recuperação do menor infrator e de sua reinserção na sociedade questiona-se nessa pesquisa: a aplicação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são realmente eficazes e chegam a atingir a finalidade para a qual foi criada?

A inspiração de reconhecer proteção especial para a criança e o adolescente não é nova. Já a Declaração de Genebra de 1924 determinava a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial.

Os direitos humanos é a dignidade do indivíduo, independentemente do seu pertencimento a uma nacionalidade específica. Quando falamos em direitos inalienáveis, estamos reconhecendo que os direitos não são atrelados à nacionalidade. Uma indicação disso é a crença de que os governos que historicamente privaram grupos inteiros de seus direitos, em primeiro lugar, negaram a humanidade e, em seguida, a sua cidadania (PIOVESAN, 1998).

Uma das barreiras enfrentadas pelas crianças foi a percepção de que estas eram seres humanos comparativamente inferiores, e que a elas poderiam ser negados direitos fundamentais até atingirem a maturidade, período no qual obteriam o status de seres humanos completos. A rejeição ao pensamento de que as crianças são desprovidas de certos direitos veio se aperfeiçoando ao longo dos tempos, em especial a partir da Declaração dos Direitos da Criança, em 1924, tendo sido eliminada por completo na Convenção dos Direitos de Criança em 1989.

Barroso Filho (2011), fala sobre os tratados sobre direitos humanos, incluindo-se a Convenção, tem sido questionados por refletir uma percepção ocidental a respeito das leis, negligenciando a riqueza legal e cultural de tradições não ocidentais. Embora se possa concordar em parte com essa ressalva, é importante

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assinalar que os tratados multilaterais sobre direitos humanos foram delineados por representantes oficiais dos distintos países, assim como por inúmeras organizações não governamentais.

Ainda segundo Barroso Filho (2011), além disso, ao longo do processo de criação desses tratados, são oferecidos oportunidades para que os participantes se manifestem. Dessa forma, uma análise cuidadosa para a criação dos tratados sobre cada termo e frase utilizados, considerando que o objetivo é traçar leis que possam ser aplicadas universalmente, mas que, ao mesmo tempo, sejam flexíveis.

O reconhecimento global dos direitos humanos é uma das dimensões mais importantes na construção de um sistema de valores compartilhados.

Para Amaral e Silva (2005), a extensão dos regimes de direitos humanos perpassa os cidadãos mais vulneráveis como as minorias éticas, raciais e religiosas, assim como mulheres e crianças, postulando que todos, segundo a lei, apresentam o mesmo direito à proteção. A criação de Alto Comissariado para os Direitos Humanos é um desenvolvimento mais recente, que sublinha a importância dos países em implementar e monitorar esse sistema de valores globais, compartilhados.

Justifica-se esse artigo supracitado, segundo Barroso e Filho (2005), a representação do rompimento com práticas arbitrárias e orientadas por critérios subjetivos e preconceituosos do Código de Menores que, apreendia adolescentes pelo simples fato de se encontrarem na rua sendo interpretados pela polícia como “infratores e delinquentes ou mesmo abandonados” os quais deveriam ser ajustados a ordem social por meio de privação de suas liberdades.

É mister, que se faça uma designação do que seja ato infracional, para assim compreendermos quais as situações pelas quais adolescentes são responsabilizados a cumprirem medidas que possibilitem sua reinserção na sociedade.

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Assim a ECA define em seu artigo 103 “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”, e que seja cometida por pessoas com idade entre 12 e 18 anos. Esta definição é de suma importância, haja vista, que adolescentes não serão mais privados de sua liberdade, sem haver comprovação fundamentada da autoria do ato infracional.

Vale ressaltar que, embora a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente dê respaldo a aplicação de medidas coercitivas para adolescentes que cometem ato infracional, a mesma acata princípios defendidos no artigo 40 da Convenção Internacional Sobre Direitos das Crianças; na regra 7 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Infância e da Juventude; na regra 2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de liberdade, bem como na Constituição Federal Brasileira de 1988. Este arcabouço jurídico-legal reconhece crianças e adolescentes como sujeitos dignos de terem um desenvolvimento humano, desfrutando de direitos inerentes à sua cidadania.

Assim, as medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei, devem oferecer respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, oferecendo os meios dignos necessários à sua ressocialização.

Porem destaca-se a importância desse trabalho para a realidade brasileira, onde, sabendo o menor dessa proteção, comete crimes de toda espécie e nada lhe acontece, isso causa um tipo de deseducação e desumanização. Adolescentes votam, tem direitos civis, mas dependendo da polícia são verdadeiros assassinos frios que em liberdade acabam prendendo o cidadão que nada pode fazer contra ele.

Objetivo Geral

Fazer valer os direitos e garantias previstos no ECA e na Constituição, aqui ressaltados sem portanto, fazer desse direito uma arma e guerra contra a sociedade.

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Entender a possibilidade, do adolescente menor de 18 anos, responder pela prática de crime ou de contravenção penal. Pois seria negligenciar a verdade e fechar os olhos à realidade não admitir que também os menores podem ser criminosos.

Objetivos específicos

a) Conceituar direitos e garantias previstos no ECA e na Constituição Federal, CF/88;

b) Conceituar atos infracionais;

c) Mostrar as ações penais cabíveis, e se são aplicadas com rigor necessário, principalmente aos atos hediondos;

d) Falar sobre as ações dos direitos humanos e a quem exatamente tem sido direcionada. Ao infrator ou à vítima;

e) Concluir mostrando a extrema importância do conhecimento e uso dos direitos e deveres de menores perante a sociedade;

A metodologia do estudo em questão será bibliográfica e documental.

Será bibliográfica porque serão estudados livros, artigos, textos de internet, jornais, revistas, mídias, com documentos já publicados, conforme define Gil (2002).

Será documental também porque alcançarão também textos não publicados, assuntos da mídia.

A metodologia científica será qualitativa, e em alguns pontos poderá ser também quantitativa, na apuração e levantamento de dados.

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Considerando tratar-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, a análise dos dados ocorre metodologicamente por meio da análise de conteúdo.

Esta análise compreende uma análise profunda sobre o Estatuto da criança e do adolescente (ECA), bem como os direitos humanos previstos na CF/1988.

Para tanto, utilizou-se a construção de categorias obtidas por meio de uma leitura mais atenta do conteúdo, identificando as semelhanças, os elementos e ideias agrupadas em temas significativos para o objetivo da pesquisa.

2 DESENVOLVIMENTO

Segundo Costa (2016), o Estatuto da criança e do adolescente (ECA), é a lei que cria condições de exigibilidade para os direitos da criança e do adolescente, que estão definidos no artigo 227 da Constituição Federal.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao lazer e à profissionalização, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão.

Ainda segundo Costa (2016), esse artigo assegura todos os direitos para todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, ao contrário do velho Código de Menores, que assegurava apenas a proteção e a vigilância para os menores em situação irregular, ou seja, aos abandonados, carentes, inadaptados e infratores.

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A doutrina da proteção integral se destina a todas as crianças e adolescentes.

A viabilização da proteção integral, isto é, da garantia da sobrevivência, do desenvolvimento e da integridade de todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, deverá ser feita através da política de atendimento.

"A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". (art. 86 ECA)

Como se pode ver, a articulação é um elemento constitutivo da definição da política de atendimento à criança e ao adolescente. Por isso, pode-se considerar a articulação como um dos princípios estruturadores dessa política.

Porém no Brasil, essa política não é eficaz, pois o governo não dá o devido atendimento às crianças e adolescentes que vivem na extrema pobreza, em situação de risco, e assim sendo, a política é uma teoria que se praticada realmente atenderia aos princípios da ECA.

Ainda segundo Costa (2016), Criar capital social, principalmente numa sociedade marcada pela exclusão, por desníveis sociais graves e antigos e pela falta de participação política genuína dos seus cidadãos, não é tarefa fácil, mas será fundamental para fazer a democracia funcionar. Trabalho em redes é compartilhamento, é transparência, é democracia. É um exercício constante de convivência democrática e sinérgica com a diversidade. As redes de atenção à criança e ao adolescente, como qualquer outro tipo de rede, são resultado de uma equação de corresponsabilidade, construída com diálogo, confiança, integração de recursos e preservação da autonomia das partes.

Sobre os atos infracionais Barroso Filho (2011), para tecermos um raciocínio acerca do assunto trataremos abaixo da

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qualificação do ato infracional, a legislação que o abrange, jurisprudência e assuntos correlatos.

Ainda segundo Barroso Filho (2011), o Ato infracional é o ato condenável, de desrespeito às leis, à ordem pública, aos direitos dos cidadãos ou ao patrimônio, cometido por crianças ou adolescentes. Só há ato infracional se àquela conduta corresponder a uma hipótese legal que determine sanções ao seu autor. No caso de ato infracional cometido por criança (até 12 anos), aplicam-se as medidas de proteção. Nesse caso, o órgão responsável pelo atendimento é o Conselho Tutelar.

Ainda, conforme Barroso Filho (2011), o ato infracional cometido por adolescente deve ser apurado pela Delegacia da Criança e do Adolescente a quem cabe encaminhar o caso ao Promotor de Justiça que poderá aplicar uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90 (doravante ECA) (Revista Jurídica Consulex, n° 193, p. 40, 31 de Janeiro/2005).

O ECA trata do ato infracional, conceituando-o em seu artigo 103 senão vejamos: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.

Segundo o ECA (art. 103) o ato infracional é a conduta da criança e do adolescente que pode ser descrita como crime ou contravenção penal. Se o infrator for pessoa com mais de 18 anos, o termo adotado é crime, delito ou contravenção penal.

Assim, considera-se ato infracional todo fato típico, descrito como crime ou contravenção penal. A doutrina se divide segundo qual teoria o ECA teria acolhido.

Assim, conforme estudos de Aquino (2012) o ECA segue a teoria tripartida do direito penal que aponta como elementos do delito a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. Já para o Prof. Válter Kenji Ishida o ECA adotou a teoria finalista onde o delito é fato típico e antijurídico. Independentemente da posição prescrita

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entende-se que este artigo está totalmente acordado com a Constituição Brasileira quando dispõe que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5, XXXIX, da CF).

No caso do art. 103, embora a prática do ato seja descrita como criminosa, o fato de não existir a culpa, em razão da imputabilidade penal, a qual somente se inicia aos 18 anos, não será aplicada a pena às crianças e aos adolescentes, mas apenas medidas socioeducativas. Dessa forma, a conduta delituosa da criança ou adolescente será denominada tecnicamente de ato infracional, abrangendo tanto o crime como as contravenções penais, as quais constituem um elenco de infrações penais de menor porte, a critério do legislador e se encontram elencadas na Lei das Contravenções Penais.

Diz Aquino (2012) que a Contravenção Penal é o ato ilícito de menos importância que o crime, e que só acarreta a seu autor a pena de multa ou prisão simples.

E, o ECA prevê, em seu art. 104, que o menor de 18 anos (dezoito) anos é inimputável, porém capaz, inclusive a criança, de cometer ato infracional, passíveis então de aplicação de medidas socioeducativas quais sejam: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços a comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional e, por fim, qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI, conforme o art. 105 do ECA.

Segundo o prof. Luiz Flávio Gomes já não existe a menor dúvida, como se percebe, que o inimputável no Brasil (assim considerados os menores de dezoito anos, conforme o art. 104 do ECA) pode praticar crime ou contravenção, observando a data do fato, conforme o art. 4º do Código Penal. O que se modifica (e cuida-se da mudança puramente formal) é o nome: legalmente tal infração chama-se ato infracional.

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Assim, a criança (pessoa até 12 anos incompletos), se praticar algum ato infracional, será encaminhada ao Conselho Tutelar e estará sujeita às medidas de proteção previstas no art. 101; o adolescente (entre 12 de 18 anos), ao praticar ato infracional, estará sujeito a processo contraditório, com ampla defesa. Após o devido processo legal, receberá ou não uma “sanção”, denominada medida socioeducativa, prevista no art. 112, do ECA.

Cabe aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente que complete 18 anos se à data do fato era menor de 18 anos.

Verifica-se então, como acima exposto, a conceituação de ato infracional e, quem é passível de cometê-lo. Passa-se agora a análise das sanções previstas no ECA.

O art. 112 do Estatuto estabelece as medidas socioeducativas inerentes, a prática de ato infracional, senão vejamos: “Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços a comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. §1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade em cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. §2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. §3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.”

Nesse sentido, respeitando, dentre outros princípios gerais do direito, o do devido processo legal, é perfeitamente cabível a aplicação de sanções a menores de 18 anos de idade que pratiquem crime ou contravenção penal, no caso denominados de ato infracional, desde que esta aplicação decorra da apreciação judicial e de competência exclusiva do Juiz (Súmula 108 do STJ),

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lembrando sempre que, tais medidas, não possuem natureza de pena e sim de medida socioeducativa.

Para Pereira (2011), quanto à internação do menor, É medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Esta medida é a mais severa de todas as medidas previstas no ECA, por privar o adolescente de sua liberdade. Deve ser aplicada somente aos casos mais graves, em caráter excepcional e com a observância do devido processo legal, conforme prescreve o ditame constitucional e o ECA.

O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios básicos:

1) O da Brevidade onde o adolescente deve ser privado de sua liberdade o menor tempo possível. Por isso, a medida comporta prazo máximo de 3 anos, com avaliação a cada 6 meses. Atingido o limite de 3 anos o adolescente será colocado em liberdade, e, dependendo do caso, sujeitar-se à medida de semiliberdade ou liberdade assistida.

Ocorrerá nas seguintes hipóteses: ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça; reincidência em infrações graves (punidas com reclusão) e descumprimento reiterado e injustificável de outra medida imposta (máximo de 3 meses). Nesse caso é obrigatória a observância do princípio do contraditório. Aos 21 anos a liberdade é compulsória.

Por estes motivos o ECA considera a Internação como a última ratio do sistema e procura incutir-lhe um caráter eminentemente socioeducativo, assegurando aos jovens privados de liberdade, cuidados especiais, como proteção, educação, formação profissional, esporte, lazer, etc., para permitir-lhes um papel construtivo na sociedade.

Muito se tem discutido sobre a inteligência do que vem a ser fato grave, entendendo alguns que o ato infracional de natureza

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grave é somente aquele cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, enquanto outros defendem que todos os atos infracionais análogos aos que cominam pena de reclusão também são susceptíveis de aplicação da medida extrema, erigidos que foram pelo legislador ao status de crimes graves (Conceição Mousnier).

Quanto aos direitos humanos, Velasquez (2016), Direitos humanos são os direitos fundamentais da pessoa humana, enunciados historicamente a partir do progressivo reconhecimento, pelas legislações nacionais e normas internacionais, da inerente dignidade de todo indivíduo, independentemente de raça, sexo, idade ou nacionalidade. A consagração de tais direitos constitui um traço marcante do processo civilizatório, e sua efetiva implementação, um indicador seguro do nível de desenvolvimento humano atingido por um povo ou nação.

Os direitos humanos são normalmente visualizados sobre duplo aspecto: por um lado, constituem restrições ao poder do Estado, e por outro, condições mínimas para uma existência digna assegurada a todo indivíduo.

Ainda segundo Velasquez (2016), De fato, às crianças e adolescentes são conferidos, além de todos os direitos fundamentais consagrados a qualquer pessoa humana, ainda outros direitos, igualmente fundamentais, que lhes são específicos, tais como o direito à inimputabilidade penal e o direito à convivência familiar e comunitária.

Além disso, todos os direitos fundamentais de que gozam as crianças e adolescentes são alcançados pelo princípio da prioridade, segundo o qual sua proteção e satisfação devem ser buscadas (e assegurados pelo Estado) antes de quaisquer outros. Ou seja, dentre os direitos fundamentais reconhecidos a todos os indivíduos, expressão de sua intrínseca dignidade, aqueles relativos a crianças e adolescentes hão de vir em primeiro lugar.

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Essa salvaguarda especial atribuída aos direitos humanos de crianças e adolescentes encontra-se consagrada em diversos diplomas internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, de 1959, e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989.

No plano nacional, todos os direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente às crianças e adolescentes foram assegurados pela Constituição Brasileira de 1988 , que em seu art. 227, caput.

A comissão de direitos humanos está mais focada na violência praticada contra a criança e o adolescente.

Já o ECA, está focado na correção dos atos infracionais cometidos pelos mesmos.

Segundo Amaral e Silva (2005), o reconhecimento global dos direitos humanos é uma das dimensões mais importantes na construção de um sistema de valores compartilhados. A extensão dos regimes de direitos humanos perpassa os cidadãos mais vulneráveis como as minorias éticas, raciais e religiosas, assim como mulheres e crianças, postulando que todos, segundo a lei, apresentam o mesmo direito à proteção. A criação de Alto Comissariado para os Direitos Humanos é um desenvolvimento mais recente, que sublinha a importância dos países em implementar e monitorar esse sistema de valores globais, compartilhados e consensual.

O tema menoridade penal voltou a ser discutido na sociedade brasileira com fortes argumentos entre aqueles que concordam com a redução e os que argumentam pela manutenção da menoridade aos dezoito anos.

Segundo escreve Pereira (2002,), diversas entidades e organizações vêm, cada vez mais, somando forças objetivando reduzir a idade penal, sob o argumento que mais encontra eco no meio jurídico e também junto à população decorre da excessiva

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elevação do número de crimes praticados por menores na faixa etária dos quatorze aos dezoito anos de idade.

Dentre os doutrinadores que defendem a redução da maioridade, leciona brilhantemente Cavallieri:

"[...] A manutenção da idade de 18 anos para o afastamento do menor, criança e adolescente, do Código Penal é uma bandeira de todos, menoristas e estatutistas. [...]. Quando lutamos pela conservação dessa idade, é comum ouvir-se, até de pessoas cultas, a afirmação de que ela é absurda, 'porque, mesmo com muito menos de 18 anos eles [sic] sabem o que fazem. ' Não lhes ocorre que o conhecimento está ligado à imputabilidade e que, quando os doutos afirmam que os menores de 18 são inimputáveis, querem dizer que se trata de presunção [sic] de inimputabilidade. Mas, porque falar-se em presunção, se temos a realidade? É obvio que a partir de tenra idade, eles sabem o que fazem. [...]. Toda esta dúvida tem sua origem na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, quando o Ministro Francisco Campos escreveu que os menores ficavam fora daquela lei, porque eram imaturos [sic]. [...]. Segundo ele, todos os menores de 18 anos no Brasil eram imaturos. Absurdo completo. E nós contaminamos toda a nação com esta insólita concepção. Espero que a importância prática de uma conceituação adequada tenha sido demonstrada. Os estatutistas merecem todos os encômios pela elevação à Lei Magna de uma aspiração comum, mas poderiam ter aproveitado para destruir um mito prejudicial. Eles [sic] sabem o que fazem, mas não vão para a cadeia, pois temos solução

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melhor para seus crimes." (CAVALLIERI, 1997, p. 54-56)

Pereira (2002) comenta que até o Yussef Cahali, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vem admitindo a tendência de se posicionar a favor da redução da menoridade penal para dezesseis anos, por motivos de política criminal, ou seja, por ser uma exigência social.

3 CONCLUSÃO

Em nossos dias há um crescente envolvimento de menores em atos infracionais, em alguns casos apresentando condutas em muito semelhantes à de criminosos violentos; e em sua maioria, estes jovens e adolescentes são reincidentes. Surge então um questionamento sobre a eficácia da aplicabilidade das medidas socioeducativas, diante da necessidade urgente de reversão de tal realidade social, e diante do clamor da sociedade por práticas que visem solucionar esta problemática.

O presente estudo tratou sobre alguns aspectos penais punitivos, previstos no Estatuto da Criança e adolescente, para os menores infratores e do Estatuto da Juventude. Com o estudo chegamos à conclusão que o ECA prevê punibilidade para os atos infracionais dos menores de dezoito anos, mas se sabe sobre a precariedade e lentidão do poder judiciário brasileiro, fazendo que alguns dos atos infracionais cometidos pelos menores, não sejam alvo de punibilidade, prescrevendo, por atingirem a idade limite para punição baseada no ECA, que são 21 anos de idade. Sobre o jovem, com idade entre 18 e 29 anos, vimos que ele respondera conforme previsão do Código Penal, caso não tenha cometido ato infracional antes de sua maioridade penal. Sobre a lei ser branda ou benevolente ao menor, cabe a cada um opinar. Mas se sabe é que o Estatuto da Criança e Adolescente é descumprido regularmente, como exemplo cita-se: a falta de estabelecimento apropriado para internação e atividades pedagógicas. Como toda lei penal, deve-se

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proteger e ressocializar o apenado, o que com as condições que atualmente se tem, isso acaba por não acontecer.

Esse estudo não se esgota aqui, tendo em vista a revolta da sociedade em se ver impotente diante de um adolescente criminoso, que sabe que pode roubar, matar, estuprar, enfim, praticar todos os atos infracionais que são chamados de crimes pelos maiores de 18 anos e não poder ser julgado de acordo com o código penal, ou seja, impunes, vão se formando legiões, facções e todo um território favorável para não ter limites.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do. Poder Judiciário e Rede de Atendimento. In MARQUES, Antônio Emílio Sendim; BRANCHER, Leoberto Narciso (coords.) – Encontros pela Justiça na Educação. Brasília: Fundescola/MEC, 2001

BARROSO FILHO, José. Do ato infracional. Jus Navegandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2011. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2012.

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso em 23.04.2015.

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 7.ed., revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2005.

GIL, Carlos Antônio. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4ª Edição. São Paulo. Atlas, 2002.

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BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - BPC E SUAS ATUALIDADES SEGUNDO A LEI 13.301/2016 E O DECRETO 8.805/2016

ROSANA CABRAL FIGUEIREDO: Bacharelada em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas, com atuação na área da saúde. Bacharelada em Direito pela Universidade Santa Úrsula do Rio de Janeiro.Especialista em Direito previdenciário. Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Barra da Tijuca/RJ. Membro da Comissão de Direito Previdenciário de Niterói/RJ.

RESUMO: Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC-LOAS ao idoso e à pessoa com deficiência, como é conhecido. Foi criado na Lei 8.742/93- Lei Orgânica da Assistência -LOAS. O Benefício de Prestação Continuada - BPC, integra a proteção social básica no âmbito do Sistema Único da Assistência Social - SUAS, instituído pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, em consonância com o estabelecido pela Política Nacional de Assistência Social- PNAS, Decreto 8.805, de 07 de julho de 2016. Sua operacionalização do reconhecimento do direito é de responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e assegurado por lei, que permite o acesso de idosos e pessoas com deficiência, às condições mínimas de uma vida digna. Tem como objetivo buscar garantir a sobrevivência das pessoas que não têm condições de se sustentar e que vivem em miserabilidade, pagando o valor de um salário mínimo (R$880,00) àqueles que preenchem os requisitos previstos na Lei.

PALAVRA CHAVE: Benefício de Prestação Continuada BPC; Revisão e Suspensão; CadÚnico; Miserabilidade.

INTRODUÇÃO:

O assunto teve como critério de escolha a perspectiva de que o acesso ao beneficio assistencial, prestado a quem dele necessitar, independe de contribuição à seguridade social. E que não esta atingindo a quem dele verdadeiramente necessita, pois o critério de condição de miserabilidade em nosso país ainda esta

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sendo visto ao cidadão que só recebe uma renda per capita inferior à ¼ do salário mínimo.

A assistência social ainda precisa evoluir em suas políticas públicas para um desenvolvimento integral, pois o assistencialismo ainda está enraizado na pratica, no poder público e no judiciário. A mudança dessa maneira de pensar e agir dependerá de um sistema jurídico que estabeleça mecanismos e instrumentos aptos a assegurar os direitos fundamentais dos idosos e das pessoas com deficiência, conferindo-lhes cidadania e possibilitando a sua inclusão social.

Vamos descrever de uma forma simples e elucidativa os requisitos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada que são: ser pessoa idosa ou portadora de deficiência e a miserabilidade.

Outro ponto de destaque é a demonstração dos avanços e retrocessos no processo de regulamentação legislativa do benefício assistencial no que se diz respeito ao conceito de grupo familiar e acumulação do benefício assistencial, com o objetivo de promover ou não a inclusão social dos idosos e das pessoas com deficiência, pois seus direitos sociais vêm sendo arbitrariamente cerceado pela letra fria da lei.

1 – O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - LOAS E SEUS AVANÇOS:

A origem do benefício assistencial é apontada como sendo a Lei 6.179/1974, o então chamado “amparo previdenciário”. Tal benefício era considerado uma prestação previdenciária e se distingue do benefício previsto na LOAS primordialmente porque pressupunha que o beneficiário já estivesse sido filiado ao Instituto da Previdência Social (INPS) , em algum momento da vida bem como era estabelecido no valor de meio salário mínimo. Tal prestação não era um benefício assistencial uma vez que dependia de anterior filiação.

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Já o benefício previsto no art. 203, inciso V da nossa Constituição é assistencial uma vez que independe de contribuição ou anterior filiação e visa garantir uma existência digna à parcela da população estigmatizada: os idosos e deficientes.

Art 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Assim surgiu a Lei 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência- LOAS, para regulamentar e garantir de direitos através do Benefício de Prestação Continuada, encontra-se regulamentado nos artigos 20 e 21:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º. Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

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§ 3º. Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

§ 4º. O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.

§ 5º. A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.

§ 6º. A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

§ 7º. Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.

§ 8º. A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

Na leitura do art. 20 da Lei 8.9742/93, a Lei detalhou os requisitos constitucionais para concessão do BPC, quais sejam: 1) a pessoa portadora de deficiência seja incapacitada para a vida independente e para o trabalho; 2) o idoso conte com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais; 3) a renda mensal per capita da família do requerente seja inferior a um quarto do salário mínimo; 4)

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o requerente não receba qualquer outro benefício da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica.

A Lei 13.301/2016, trás dispositivos de medidas de vigilância em saúde referente às crianças com microcefalia e ao salário maternidade, quando verificada situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika.

Art. 18. Fará jus ao benefício de prestação continuada temporário, a que se refere o art. 20 da Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, pelo prazo máximo de três anos, na condição de pessoa com deficiência, a criança vítima de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.

§ 1o (VETADO). § 2o O benefício será concedido após a

cessação do gozo do salário-maternidade originado pelo nascimento da criança vítima de microcefalia.

§ 3o A licença-maternidade prevista no art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, será de cento e oitenta dias no caso das mães de crianças acometidas por sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, assegurado, nesse período, o recebimento de salário-maternidade previsto no art. 71 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.

§ 4o O disposto no § 3o aplica-se, no que couber, à segurada especial, contribuinte individual, facultativa e trabalhadora avulsa.

O prazo de 3 (três) anos de manutenção do benefício não deve ser entendido como limite para a sua concessão no caso de criança

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vítima de microcefalia. Uma vez que o benefício assistencial devido à pessoa com deficiência deve ser mantido enquanto perdurarem os pressupostos que justificaram sua concessão, isto é, a condição de deficiência e a vulnerabilidade socioeconômica do grupo familiar.

O benefício será concedido após a cessação do gozo do salário-maternidade originado pelo nascimento da criança vítima de microcefalia. O período de gozo do salário maternidade nesses casos será de 180 (cento e oitenta dias) e alcança a segurada especial, contribuinte individual, facultativa e trabalhadora avulsa

A inovação há quanto à extensão do salário-maternidade, que passa a ser de seis meses para as mães de crianças acometidas por sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.

O Decreto 8.805, de 07 de julho de 2016, e suas alterações no BPC.

Art. 2º Compete atualmente ao Ministério do Desenvolvimento social e Agrário a implementação, a coordenação-geral, a regulação, o financiamento, o monitoramento e a avaliação da prestação do benefício, sem prejuízo das iniciativas compartilhadas com Estados, Distrito Federal e Municípios, em consonância com as diretrizes do SUAS e da descentralização político-administrativa, prevista no inciso I do caput do artigo 204 da Constituição Federal e no inciso I do caput do art. 5° da Lei 8.742/93.

Art. 5º O beneficiário não pode acumular o Benefício de Prestação Continuada com outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, inclusive o seguro-desemprego, ressalvados o de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória.

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Parágrafo único. A acumulação do benefício com a remuneração advinda do contrato de aprendizagem pela pessoa com deficiência é limitada ao prazo máximo de dois anos.

Art. 7º O Benefício de Prestação Continuada é devido ao brasileiro, nato ou naturalizado, e às pessoas de nacionalidade portuguesa, em consonância com o disposto no Decreto nº 7.999, de 8 de maio de 2013, desde que comprovem, em qualquer dos casos, residência no Brasil e atendam a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento.

O Decreto 8.805/16 surge como norma regulamentadora da política social desenvolvida na Secretária de Assistência de cada Município, através do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS, onde é uma unidade pública estatal localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada ao atendimento socioassistencial de famílias. Reforça sua não cumulatividade com outro benefício no âmbito da Seguridade Social.

2- DOS REQUESITOS PARA CONCESSÃO, INSCRIÇÃO NO CADÚNICO, MANUTENÇÃO E REVISÃO AO BPC-LOAS:

Há duas formas de requerer benefícios previdenciários, inclusive o BPC é através do processo administrativo e processo judicial.

O procedimento administrativo é realizado diretamente na Agência da Previdência Social (INSS) e não exige a postulação de ação judicial ou contratação de intermediários (advogado ou qualquer outra pessoa). Para requerer o BPC/LOAS, agendar pelo135 ou Agência do INSS. É preciso apresentar uma série de documentos e formulários devidamente preenchidos. Os formulários utilizados para o requerimento do benefício serão

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disponibilizados, por meio dos sítios eletrônicos, do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário ou pelo INSS.

Pessoa Idosa - IDOSO: deverá comprovar que possui 65 anos de idade ou mais, que não recebe nenhum benefício previdenciário, ou de outro regime de previdência e que a renda mensal familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo vigente.

Pessoa com Deficiência - PcD: deverá comprovar que a renda mensal do grupo familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo, deverá também ser avaliado se a sua deficiência o incapacita para a vida independente e para o trabalho, e esta avaliação é realizada pelo serviço de pericia médica do INSS.

São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. Basta o usuário ir á secretária de assistencia social do seu Município e realizar seu cadastro, no qual será fornecido seu número de indentificação social – NIS.

O usuário que não realizar a inscrição ou a atualização no CadÚnico, no prazo estabelecido em convocação a ser realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, terá o seu beneficio suspenso, conforme disciplinado em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Agrário. Decreto 8.805/16.

O Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) é um instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar todas as famílias de baixa renda existentes no país, afim de incluí-las nos programas sociais do Governo Federal como o Benefício de Prestação Continuada, Bolsa Família, Projovem, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Tarifa Social de Energia Elétrica, Programa Minha Casa Minha Vida e outros.

Por ocasião do requerimento do benefício, conforme disposto no § 1º do art. 15, do Decreto 8.805/16, o requerente ratificará as

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informações declaradas no CadÚnico, ficando sujeito às penas previstas em lei no caso de omissão de informação ou de declaração falsa.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e o INSS garantirão as condições necessárias para a realização da avaliação social e da avaliação médica necessária ao Benefício de Prestação Continuada.

3- DA MISERABILIDADE, RENDA PER CAPITA E DO GRUPO FAMILIAR:

A renda por pessoa do grupo familiar deve ser inferior a ¼ (25%) do salário mínimo (R$220,00). Para cálculo da renda familiar é considerado o número de pessoas que vivem na mesma casa: assim entendido: o requerente, cônjuge, companheiro (a), o filho não emancipado de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido, pais, e irmãos não emancipados, menores de 21 anos e inválidos. O enteado e menor tutelado equiparam-se ao filho mediante a comprovação de dependência econômica e desde que não possua bens suficientes para o próprio sustento e educação.

As informações para o cálculo da renda familiar mensal per capita serão declaradas no momento da inscrição da família do requerente no CadÚnico, ficando o declarante sujeito às penas previstas em lei no caso de omissão de informação ou de declaração falsa.

Na análise do requerimento do benefício, o INSS confrontará as informações do CadÚnico, referentes à renda, com outros cadastros ou bases de dados de órgãos da administração pública disponíveis, prevalecendo as informações que indiquem maior renda se comparadas àquelas declaradas no CadÚnico

Será computado para o cálculo da renda per capta familiar o salário, benefícios previdenciários, pensão alimentícia. O beneficiário não pode acumular o Benefício de Prestação Continuada com outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou

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de outro regime, inclusive o seguro-desemprego, ressalvados o de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória.

Atenção! Se a renda per capta da família ultrapassar ¼ do salário mínimo ainda é possível receber o benefício assistencial. O STF declarou a inconstitucionalidade do artigo da Lei que estabelece o parâmetro da renda familiar como fator de comprovação da miserabilidade. Portanto, se o seu benefício for negado pelo INSS com base nessa justificativa, procure um bom advogado para tentar provar na Justiça a sua necessidade social, pois há outros meios de comprová-la.

O critério de miserabilidade e o requisito de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo devem ser verificados com outro olhar e em conformidade com o texto constitucional e suas garantias sociais. E que o INSS também venha a acatar esta tese em âmbito administrativo, evitando que justamente aqueles que mais precisam do amparo do Estado necessitem recorrer à Justiça pela violação de princípios constitucionais.

4 – DA DEFICIÊNCIA

O conceito de deficiência ainda é muito discutido na doutrina e na jurisprudência, sobre se a incapacidade deve ser permanente ou temporária, se deveria ser para o trabalho ou para a vida independente, se é de forma cumulativa ou alternativa.

A partir a da interpretação do texto constitucional, pode-se concluir que o objetivo da assistência social no Brasil é atender o cidadão privado da dignidade humana. O real intuito constitucional não se resume na concessão de um salário mínimo ao portador de deficiência irreversível já consumada em 2 (dois) anos, mas à proteção ao deficiente que está em situação de miserabilidade e que pode ter sido vitimado em um dia antes da entrada do requerimento.

O requisito objetivo de 2 (dois) anos para aferição da incapacidade está fadado a várias discussões. Não podemos

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esquecer que a dignidade da pessoa humana jamais pode ser mensurada com critérios objetivos e matemáticos. Qualquer posicionamento diverso à CF/88 seria deixar o cidadão afastado da inserção social e do Estado Social de Direito.

Uma alteração benéfica às pessoas com deficiência é a inclusão do §3° do art. 21 da Lei 8.742/93, pela Lei n.12.435/2011, estabelecendo que o desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência, situações que antes deixava os deficientes sem benefício, por motivo de suspensão ou cessação do referido benefício.

Com a Lei n. 12.470/2011, outra mudança importante e significativa é em favor das pessoas com deficiência e uma grande diminuição nas barreiras trabalhistas com a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, retirando-as da marginalização e da exclusão social.

Inserindo os artigos acima na Lei Orgânica da Assistência, as pessoas com deficiência que já recebem o benefício, podem adentrarem no mercado de trabalho, porque o benefício não será canceladocomo ocorria anteriormente, agora o beneficiário ativo, ao ter um novo emprego, o benefício será apenassuspenso. (grifo nosso)

Garantias similares foram proporcionadas aos menores aprendizes, ao invés de os aprendizes perderem o benefício anteriormente concedido, passarão a acumular o benefício com sua remuneração, prestigiando-se assim a importância psicossocial da aprendizagem para essas pessoas ou até mesmo sua emancipação do benefício por sua efetivação no trabalho.

Por fim, podemos dizer que na questão da pessoa com deficiência, tivemos grandes avanços na regulamentação da LOAS, principalmente com a significativa mudança trazida pela Lei

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12.470/2011 que consistiu na diminuição das barreiras trabalhistas e na consequente promoção da inclusão delas no mercado de trabalho.

5- FATORES IMPORTANTANTES SOBRE O BPC/LOAS:

O benefício assistencial pode ser pago a mais de um membro da família desde que comprovadas todas as condições exigidas. Nesse caso, o valor do benefício concedido anteriormente será incluído no cálculo da renda familiar.

O benefício deixará de ser pago quando houver superação das condições que deram origem a concessão do benefício ou pelo falecimento do beneficiário. O benefício assistencial é intransferível e, portanto, não gera pensão aos dependentes.

Não receber nenhum benefício da Previdência Social (aposentadoria, auxílio-doença, pensão por morte, auxílio-reclusão etc.); Em regra, o benefício assistencial não pode ser acumulado com qualquer outro benefício da Previdência Social.

O benefício assistencial BPC/ LOAS não é uma aposentadoria e deve ser revisto a cada dois anos para verificar se os requisitos que deram origem ao benefício ainda estão presentes. O não comparecimento do beneficiário à perícia médica de revisão pode acarretar o cancelamento do benefício.

Os beneficiários do LOAS não têm direito a receber 13º salário.

O benefício assistencial será suspenso se a pessoa com deficiência exercer qualquer atividade remunerada, inclusive como microempreendedor individual. No entanto, a contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do benefício, podendo o deficiente receber o benefício e a remuneração sem problemas.

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O idoso esteja internado em casa de repouso, asilo, hospital ou instituições de longa permanência poderá receber o benefício. Entretanto, o preso, recolhido em instituição carcerária, não pode ser beneficiário.

O benefício assistencial recebido pelo deficiente integra a renda familiar e deve ser computado no cálculo da renda do grupo familiar – diferentemente do BPC/ LOAS pago ao idoso, que não integra a renda familiar.

CONCLUSÃO:

Considerado os aspectos positivos da reformulação legislativa no BPC/LOAS, podemos dizer que houve avanços e retrocessos. Ainda que algumas mudanças tenham aperfeiçoado o processo e facilitado o seu acesso ao benefício, o que pode aferir-se é uma seletividade em alguns pontos e consequentemente a exclusão social dos seus destinatários na via administrativa.

As restrições trazidas pela LOAS, ao disciplinar o BPC, não podem prevalecer diante do que foi objetivado pela Constituição, no tocante a finalidade do benefício que foi estender a proteção social a quem dele necessitar e assim promover o bem estar e a justiça social. Não podemos fazer uma interpretação de forma literal aos dispositivos da Lei 8.742/93, e esquecer os aspectos peculiares existentes em cada caso concreto, pois estaremos fazendo injustiças irreparáveis aos requerentes do benefício.

A comprovação de uma renda per capita inferior ou superior a ¼ do salário mínimo, não satisfaz as exigências constitucionais e em muitos casos não mostra a verdadeira realidade de miserabilidade de um indivíduo ou de sua família. Esse critério para avaliação do estado social de miserabilidade deve ser analisado por outros meios além dos previstos pela legislação infraconstitucional. Que as perícias para esse benefício tenha um critério inovador, com vista domiciliar.

REFERÊNCIAS:

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ANDRÉ, Oliveira. Legislação Previdenciária Remissiva – Consolidada. Regime Geral e Regimes Próprios da Previdência Social. 17 ed. Rio de janeiro. Lumen Juris, 2010.

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997. P. 12.

BRASIL. Decreto n. 6214 de 26 de setembro de 2007. Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei nº 8742, de 7 de dezembro de 1993, e a Lei nº 10741, de 1º de outubro de 2003, acresce parágrafo ao art. 162 do Decreto nº. 3048, de 6 de maio de 1999, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6214.htm>. Acesso em: 10 de julho de 2016. BRASIL.

Decreto n. 8.805 de 07 de julho de 2016. Altera o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, aprovado pelo Decreto n 6.214 de 26 de setembro de 2007. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8805.htm> Acesso em: 10 de julho de 2016.

BRASIL, Medida Provisória n.739 de 07 de julho de 2016. Altera a Lei n.8.213 de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos dos Benefícios da Previdência social, e institui o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica por Incapacidade. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv739.htm> Acesso em: 13 de julho de 2016.

BRASIL. Lei n. 8742 de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>. Acesso em 01 de julho de 2016.

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BRASIL. Lei n. 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o estatuto do idoso e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm>. Acesso em 01 de julho de 2016.

BRASIL. Lei n. 6179 de 11 de dezembro de 1974. Institui amparo previdenciário para maiores de setenta anos de idade e para inválidos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6179.htm>. Acesso em: 10 de julho de 2016.

BRASIL. Lei n. 9533 de 10 de dezembro de 1997. Autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associada a ações socioeducativas. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9533.htm>. Acesso em: 10 de julho de 2016.

BRASIL. Lei n. 10689 de 13 de junho de 2003. Cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.689.htm>. Acesso em: 10 de julho de 2016.

BRASIL. Lei n.12.435 de 06 de julho de 2011.Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm> Acesso em 13 de julho de 2016.

BRASIL. Lei n.12.470 de 31 de agosto de 2011. Regulamenta o Plano de Custeio da Previdência Social, para estabelecer alíquota diferenciada de contribuição para o microempreendedor individual e do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda; altera os arts. 16,72 e 77 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em:

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BRASIL, Lei n. 13.301, de 27 de junho de 2016.Dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância em saúde quando verificada situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13301.htm> Acesso em: 28 de junho de 2016.

MACIEL, Ludimila Pereira. Apontamentos sobre o benefício de prestação continuada (LOAS), com explicações a respeito dos requisitos necessários para se obtê-lo, de acordo com os entendimentos da doutrina e jurisprudência atualizados. Disponível em: < http: //WWW.direitonet.com.br/artigos/exibir/6268/ Benefício-de-prestação-continuada-LOAS>. Acesso em: 10 de julho de 2016.

MESQUITA, Maíra de Carvalho Pereira.Considerações acerca do requisito da renda familiar per capita para concessão do benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/97. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n 2696,18 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17861>. Acesso em: 13 de julho de 2016.

PEREIRA, Luciano Meneguetti. Análise Crítica do Benefício de Prestação Continuada e a sua Efetivação pelo Judiciário. Disponível em < http://www.fdv.br/sisbib/index.php/direitosegarantias/article/download/94/105 > Acesso em: 10 de julho de 2016.

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SPOSATI, Aldaíza (org.). Proteção social e cidadania; inclusão de idosos e pessoas com deficiência no Brasil, França e Portugal. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2008, p. 127.

 

   

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DA NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

EROTIDES MARTINS REIS NETO: Técnico do Ministério Público da União, Bacharel em Direito pela Faculdade Católica do Tocantins.

Resumo: Este trabalho discorre acerca da necessidade de demonstração, caracterização e comprovação, no âmbito de ação de improbidade administrativa, do elemento subjetivo dos autores do ato ímprobo, com ênfase na atuação do Ministério Público. Palavras-chave: ato de improbidade administrativa; elemento subjetivo; ação de improbidade administrativa.

A tipificação de atos de improbidade administrativa é mandado constitucional explícito gravado no § 4º do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, também mencionado no inciso V do art. 15. De ver-se, então, que o constituinte, inspirado pelos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, queria extirpar da Administração Pública a prática de atos contrários ao interesse público, com fins particulares e indevidos, prevendo sanções mínimas. No entanto, por se tratar o ato de improbidade administrativa, antes de tudo, de uma conduta humana, necessário se faz verificar a relevância do elemento subjetivo para a configuração do ato ímprobo e a aplicação das respectivas sanções. A ausência de demonstração e comprovação deste pode resultar na rejeição da inicial ou na improcedência da ação de improbidade administrativa.

O § 4º do art. 37 da Constituição estabelece que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Tal dispositivo estipula que a

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lei estabeleceria a forma de aplicação das sanções aos atos ímprobos, indicado as que obrigatoriamente deveriam constar do texto infraconstitucional, vale dizer, a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, não havendo impedimento para a previsão de outras. Impende destacar que, igualmente, a referida norma constitucional não definiu o que viria a ser “atos de improbidade administrativa”, deixando isso a cargo do legislador infraconstitucional.

Assim, em 1992, foi publicada a Lei nº 8.429, de 2 de junho do mesmo ano, ou Lei de Improbidade Administrativa, ou simplesmente LIA, que preencheu o conteúdo da expressão “atos de improbidade administrativa”, revelou os bens jurídicos protegidos, previu e disciplinou as sanções aplicáveis, bem como apontou os sujeitos que podem sofrer a incidência destas.

Sem adentrar muito no campo da conceituação, tendo em vista o limite de escrita do presente trabalho, os atos de improbidade administrativa foram delineados como: a) atos de improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao Erário (art. 10); e c) atos de improbidade administrativa que atentam contra os Princípios da Administração Pública (art. 11). Por sua vez, as respectivas sanções estão delineadas nos três incisos do art. 12 da LIA, as quais serão aplicadas isolada ou cumulativamente.

Os órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário estão abarrotados de inquéritos civis, os primeiros, e de processos judiciais, os segundos, em que se apura a responsabilidade de agentes públicos e terceiros que concorrera, induziram ou se beneficiaram em virtude de atos de improbidade administrativa. Ocorre que, assim como na esfera penal, a responsabilização com base na LIA deve estar amparada no elemento subjetivo do agente ímprobo e dos terceiros, sob pena de se constituir um instituto jurídico de responsabilidade objetiva. Nesse sentido, preleciona José Roberto Pimenta Oliveira (2009, p. 215):

com idêntica projeção material de limitação ao exercício do jus puniendi criminal e quaisquer

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outras formas de atividade estatal sancionatória ou punitiva, levada a efeito nos quadrantes do Estado de Direito, tem-se o império da responsabilidade subjetiva na repressão estatal dos atos de improbidade administrativa.

Igualmente, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2011, p. 327) aduzem que “no direito moderno, assume ares de dogma a concepção de que não é admissível a imputatio juris de um resultado danoso sem um fator de ligação psíquica que a ele vincule o agente”.

Assim, é necessário que o membro do Ministério Público cuide para colher elementos que demonstrem e argumentar a existência do elemento subjetivo na conduta de um agente que se amolde da figura típica prevista em algum ou alguns dos artigos 9º, 10 e 11 da LIA, sob pena de o agente ímprobo ver-se livre da sanção.

O mesmo se diga com relação ao terceiro, isto é, não basta provar o elemento subjetivo do agente público, é preciso fazer o mesmo também com relação ao terceiro não agente público que concorreu para a prática, induziu o agente público ou se beneficiou o ato de improbidade. Dentre essas, a que talvez seja a mais difícil de comprovar é o do terceiro que se beneficiou, pois, na maioria das vezes, alegam desconhecer, por exemplo, da necessidade de licitação para compras acima de determinado valor. José Roberto Pimenta de Oliveira (2009, p. 201) expressa que “mesmo a condição de beneficiário exige a demonstração do vínculo subjetivo a indicar que o terceiro beneficiário está consciente da prática da improbidade e do benefício gerado em seu favor”.

Desta feita, independentemente do elemento subjetivo necessário para a configuração do ato de improbidade administrativa, seja dolo ou seja culpa, o inquérito civil público que embasar a ação civil por ato de improbidade administrativa deve colher elementos suficientes para comprová-lo. Na petição inicial da ação de improbidade o dolo ou a culpa, conforme o caso, deve ser expressamente apontada. Do contrário, a defesa do réu poderá aproveitar-se disso para extinguir o processo e protelar ou mesmo

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inviabilizar sua punição, e por consequência a tutela do interesse difuso de probidade e moralidade administrativa.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 215.

GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6 ed., rev. atual. e ampl. e atualizada. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011.

BRASIL. Lei 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências Diário Oficial da União, Brasília, 03 jun. 1992. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm>. Acesso em: 09 out 15.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 09 out 15.

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EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

PRISCILA MAIA BARRETO: Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (2013). Especialista em direito e processo tributário. Possui duas Pós-Graduações. Atualmente é advogada e estudante. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Processual Civil, Empresarial, Tributário, Constitucional. Durante o graduação, foi monitora de Direito Constitucional por um ano. Lecionou aulas de direito constitucional durante 1 ano no Grupo de Estudo Dirigido da UNIFOR. Concluiu o curso com média global 9.12. Apresentação de trabalhos no Mundo Unifor e em Encontros de Iniciação à Pesquisa. Sempre atuante dentro da universidade. Experiências fora do campus: estágio na Justiça Federal, na Procuradoria Geral do Estado e no Tribunal de Justiça. Atualmente, é advogada da empresa Nutrine Nutrimentos Nordeste Ltda. Aprovações em concursos públicos: Procurador Autárquico do DER-CE, Analista Judiciária no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Técnico Judiciária no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Técnico Judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte e Oficial da Polícia Militar do Estado do Ceará.

1. INTRODUÇÃO

O trabalho visa analisar o elemento primordial do Direito Tributário, que é o crédito tributário. Não há obrigação tributária sem a existência de um crédito tributário anterior. Logo, é necessário o estudo do que é o crédito tributário e quais suas espécies de extinção. 2. CRÉDITO TRIBUTÁRIO

A conceituação de crédito tributário não foi trazida pelo Código Tributário Nacional, logo é tema que gera discussão da doutrina. Na terminologia dele, a expressão crédito tributário não é sinônima de obrigação tributária, embora tenha a mesma natureza. O artigo 139 desse diploma prevê “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.”

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Existem duas teorias sobre o nascimento do crédito tributário. A primeira é a Teoria Monista que afirma que o crédito tributário, por ser elemento da obrigação tributária e possuir sua mesma natureza, nasce no mesmo momento desta. Já a Teoria Dualista preconiza que a obrigação nasce com a ocorrência do fato gerador, e o crédito tributário irá nascer apenas com o lançamento. Baseado nessa teoria, até o momento do lançamento, a obrigação tributária é obrigação sem crédito. A Teoria Dualista é majoritariamente aceita na doutrina tributarista e foi adotado pelo Código Tributário Nacional. De acordo com Hugo de Brito Machado, podemos conceituar o instituto assim: “O crédito tributário, portanto, é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).” (2011, pag. 173, curso de direito tributário)

O crédito tributário nasce da obrigação e é consequência dela. A obrigação tributária é autônoma em relação ao crédito tributário que dela resulta. O artigo 140 do Código Tributário Nacional dispõe que: “As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem.”. Nesse caso, a modificação do crédito tributário não reflete na obrigação tributária, que lhe pode sobreviver. Com isso, se o lançamento for suspenso ou anulado, a obrigação principal irá subsistir. Eduardo Sabbag faz considerações acerca do tema:

“O crédito tributário representa o momento de exigibilidade da relação jurídico-tributária. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário, o que nos permite defini-lo como uma obrigação tributária “lançada” ou, com maior rigor terminológico, obrigação tributária em estado ativo.” (pag. 737, 2010, manual de direito tributário.)

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Nesse diapasão, o lançamento é o instrumento que confere à obrigação tributária sua exigibilidade, quantificando-as e qualificando-a. Se a obrigação tributária for ilíquida e inexigível, irá carecer dos atributos de certeza e liquidez, que se dão pela atuação do Fisco, através do lançamento. Com a formalização deste, não podemos mais falar em obrigação tributária, mas sim, em crédito tributário. Na definição do artigo 142 do Código Tributário Nacional,

“Lançamento tributário, portanto, é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando se for o caso, a aplicação cabível.”

Doutrinadores como Aliomar Baleeiro assim abordam o tema: “Na doutrina, o lançamento tem sido definido

como o ato, ou a série de atos, de competência vinculada, praticado por agente do Fisco, para verificar a realização do fato gerador em relação a determinado contribuinte, apurando qualitativa e quantitativamente o valor da matéria tributável; segundo a base de cálculo, e, em consequência, liquidando o quantum do tributo a ser cobrado.” (pag. 782, direito tributário brasileiro, 2007.)

Hugo de Brito Machado (2011, p. 175) ensina que o lançamento é constitutivo do crédito tributário e apenas declaratório da obrigação correspondente.

2.1. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Extinção do crédito tributário é o desaparecimento deste. As hipóteses de extinção do crédito tributário é matéria compreendida na reserva legal, portanto, só a lei pode estipular os casos em que se verifica. No entanto, pode haver causas extintivas em outros

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diplomas legais afora o Código Tributário Nacional, que se aplicam em matéria tributária.

O Código Tributário Nacional define as modalidades extintivas do crédito tributário. Essas modalidades podem ser subdividas em diretas, indiretas e de caráter processual. As modalidades diretas são aquelas que independem de lei autorizativa para se concretizar. Temos como exemplo o pagamento, a prescrição, a decadência e a homologação do pagamento antecipado. A previsão dessas hipóteses no Código Tributário Nacional já o suficiente para sua existência ser regulada. Dessa forma, embora não exista legislação referente a esse assunto no ordenamento do ente tributante, ainda assim, essa hipótese poderá ser aplicada.

Nas modalidades indiretas, o Código Tributário Nacional confere aos entes políticos liberdade para implementar políticas tributárias que prevejam a compensação, a transação, a remissão e a dação em pagamento em bens imóveis como modalidades de extinção do crédito tributário, desde que a previsão desses institutos seja feita por meio de lei autorizativa. Com isso, compreende-se que as modalidades indiretas dependem da vontade legislativa do ente tributante para ser concretizarem.

Finalmente, as modalidades de caráter processual são aquelas que necessitam de um litígio, pois só ocorrem no interior de um processo administrativo ou judicial. São as hipóteses de: conversão de depósito em renda, a consignação em pagamento, a decisão administrativa irreformável e a decisão judicial passada em julgado.

O artigo 156 do Código Tributário Nacional arrola doze formas de extinção do crédito tributário, a saber: a) o pagamento; b) a compensação; c) a transação; d) remissão; e) a decadência; f) a prescrição; g) a conversão do depósito em renda; h) o pagamento antecipado e a homologação do lançamento; i) a consignação em pagamento; j) a decisão administrativa irreformável; l) a decisão judicial passada em julgado; m) a dação em pagamento de bens

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móveis. Esse rol não é taxativo, conforme já mencionado. Podem decorrer de outras causas.

2.1.1. PAGAMENTO

É a forma ordinária, usual, de extinção do crédito tributário. O pagamento corresponde à entrega, pelo sujeito passivo ou qualquer outra pessoa em seu nome, ao sujeito ativo, de quantia referente ao objeto do crédito tributário. Em relação às penalidades, Luciano Amaro ensina que:

“A circunstância de o sujeito passivo sofrer imposição de penalidade (por descumprimento de obrigação acessória, ou por falta de recolhimento de tributo) não dispensa o pagamento integral do tributo devido, vale dizer, a penalidade é punitiva da infração à lei; ela não subsiste ao tributo, acresce-se a ele, quando seja o caso. O art. 157 diz que a penalidade não ilide o pagamento integral do “crédito tributário”, mas como, na conceituação dos arts. 113, §1º, e 142, a obrigação principal e o crédito tributário englobariam a penalidade pecuniária, o que o Código teria de ter dito, se tivesse a preocupação de manter sua coerência interna, é que a penalidade não ilide o pagamento integral “do tributo”, pois não haveria sequer possibilidade lógica de uma penalidade excluir o pagamento de quantia correspondente a ela mesma.” (pagina 417, 2011, direito tributário brasileiro, Luciano amaro)

Assim, compreende-se que, o fato de o sujeito passivo sofrer uma penalidade não o desobriga de pagar o tributo. Quando uma infração é cometida, o valor da penalidade deverá ser acrescido ao valor do tributo devido. Vale dizer, não há substituição do tributo pela multa, elas devem ser somadas.

2.1.2. COMPENSAÇÃO

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Compensação é o encontro de débitos e créditos. Ela é conceituada no Código Civil de 2002. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra, as duas obrigações se extinguem, até onde se compensarem. No direito tributário, também tem aplicação, mas será restrita aos casos em que a lei expressamente preveja. Assim, se o sujeito passivo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma compensação pela qual será extinta sua obrigação, isto é, o crédito tributário.

2.1.3. TRANSAÇÃO

Transação é sinônimo de acordo. Esse instituto também tem previsão no Código Civil, que afirma que é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígio mediante concessões mútuas. Assim, cada parte irá ceder o que entende ser o seu direito para conseguirem alcançar um acordo, podendo assim, evitar um conflito ou pondo fim se já um iniciado. De acordo com o CTN, em seu artigo 171, a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mutuas, importe em terminação de litígio e consequente extinção do crédito tributário.

2.1.4. REMISSÃO

Remissão é perdão, dispensa de débito. Deve ser concedida pela autoridade administrativa que a lei expressamente prevê. Pode também ser concedida pela lei. Assim, só é possível remissão mediante autorização legal expressa e específica.

2.1.5. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO

A prescrição e a decadência buscam realizar o princípio da segurança jurídica, pois não é razoável a permanência das relações jurídicas por tempo indeterminado. Em razão disso, a lei prevê a extinção das relações jurídicas pelo decurso do tempo. A distinção existente entre a decadência e a prescrição é que na primeira a extinção da relação jurídica tributária ocorre antes do lançamento, já a prescrição extingue a relação jurídica tributária após a formalização do lançamento. Hugo de Brito Machado distingue assim,

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“A distinção entre prescrição e decadência na Teoria Geral do Direito fica mais clara quando partimos da distinção entre o direito potestativo e o direito a uma prestação. Direito potestativo é aquele cuja satisfação depende apenas do credor; enquanto direito a uma prestação é aquele cuja satisfação ocorre com uma prestação que depende do devedor. Decadência é a extinção, pelo decurso do tempo, de um direito a uma prestação – ou, como preferem alguns, a extinção da ação que o protege porque se destina a assegurar sua satisfação.” (pagina 220, 2011, hugo de brito machado, curso de direito tributário)

Prescrição é o fato jurídico que determina a perda do direito subjetivo de ajuizamento da ação de execução fiscal do valor do tributo. Vale dizer que a prescrição, veiculando a perda do direito à ação, atribuída a proteção de um direito subjetivo e, por isso mesmo, desfazendo a força executória do credor em razão de sua inoperância, apresenta-se como figura de direito processual. Ocorrendo a prescrição, o direito de pleitear a intervenção do Poder Judiciário desaparece, em virtude da ausência de capacidade defensiva, pois ela perdeu pelo esgotamento do lapso temporal. Portanto, ocorrendo a prescrição, nula será a ação executiva e o crédito tributário será extinto. O Supremo Tribunal Federal adota esse entendimento, como foi explanado no acórdão extraído do ERE n. 94.462-1/SP, de lavra do Ministro Moreira Alves, em 6 de outubro de 1982:

EMENTA: Com a lavratura do auto de infração, consuma-se o lançamento do crédito tributário (art. 142 do CTN). Por outro lado, a decadência só é admissível no período anterior a essa lavratura; depois, entre a ocorrência dela e até que flua o prazo para interposição do recurso administrativo, ou enquanto não for decidido o recurso dessa natureza de que tenha

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se valido o contribuinte, há a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude o artigo 174, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do fisco. (RE 94.462/SP-1982, Pleno, rel. Min. Moreira Alves, j. 06-10-1982).

Vale mencionar a Súmula n. 153 do TRF: “Constituído, no quinquênio, através de auto de infração ou notificação do lançamento, o crédito tributário, não há que se falar em decadência, fluindo, a partir daí, em princípio, o prazo prescricional, que, todavia, fica em suspenso, até que sejam decididos os recursos administrativos”.

A ação de cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva. Com isso, a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar judicialmente aquele crédito tributário. Esse prazo começa a transcorrer da constituição definitiva do crédito, que é da data em que a Fazenda Pública não possa mais discutir aquele crédito em procedimento administrativo. Se a Fazenda Pública se mantiver inerte durante esse prazo, não poderá mais efetuar a cobrança do crédito devido. De acordo com Hugo de Brito Machado (pag. 223, 2011), “Na Teoria Geral do Direito a prescrição é a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas sem proteção.”

2.1.6. CONVERSÃO DE DEPÓSITO EM RENDA

Quando o contribuinte quiser discutir em juízo a exigência de um tributo, ele pode efetuar o depósito do valor correspondente. Nesse caso, ocorrerá a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. E ao final da ação, ocorrendo o trânsito em julgado, caso a decisão seja favorável à Fazenda Pública, o juiz mandará converter o depósito em renda. Consequentemente, ocasionará a extinção do crédito tributário.

2.1.7. PAGAMENTO ANTECIPADO E HOMOLOGAÇÃO DO LANÇAMENTO

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Ocorre um tipo de lançamento que é conhecido por lançamento por homologação. Nesse caso, o sujeito passivo efetua o pagamento do tributo com base na apuração que ele próprio faz. Diz-se, portanto, que o pagamento foi antecipado, porque ele ocorre antes do lançamento ser feito.

No referido tipo de lançamento, a extinção do crédito do tributário não ocorre apenas com o pagamento, pois é necessário que haja a homologação do pagamento, que pode ser expressa ou tácita.

2.1.8. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO

Com base no artigo 164 do Código Tributário Nacional, a ação de consignação em pagamento pode ser proposta nos casos de: a) recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; b) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamente legal; c) exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre o mesmo fato gerador.

João Marcelo Rocha (2008, pag. 473) traz algumas distinções entre os institutos da consignação em pagamento com o depósito do montante integral,

“A ação de consignação se exerce através de um processo, cujo procedimento é especial e regulado pelo Código de Processo Civil. Em outras palavras, a ação de consignação materializa-se num procedimento, que significa um conjunto de atos praticados segundo a ordem prevista em lei: oferecimento da petição inicial, depósito, citação, resposta da ré (ou rés), produção de provas (se for o caso), sentença, etc. O depósito do montante integral é um mero ato processual, que pode ocorrer em processo administrativo ou judicial, em que se discute

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aspectos relacionados à certeza ou à liquidez do crédito.”

Outra distinção existente é que a consignação em pagamento é hipótese de extinção do crédito tributário, já o depósito do montante integral é suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Logo, nota-se que esses institutos não se confundem.

2.1.9. DECISÃO ADMINISTRATIVA IRREFORMÁVEL

Trata-se da decisão em que a própria Administração confirma que, em última instância, a exigência feita ao contribuinte não é juridicamente procedente, pois aquele crédito tributário não tem fundamento jurídico para ser questionado. A decisão deve ser irreformável, ou seja, será definitiva na esfera administrativa. Assim, a decisão está impossibilitada de ser reexaminada pela Administração e que não pode ser mais objeto de ação anulatória.

2.1.10. DECISÃO JUDICIAL PASSADA EM JULGADO

A decisão judicial que disponha que o lançamento é inválido extingue o crédito tributário, necessitando do seu trânsito em julgado. O trânsito em julgado ocorre quando aquela decisão não é mais passível de recurso.

Hugo de Brito Machado (2011, pag. 228) preleciona que, “Na verdade a decisão judicial, como a

administrativa, o que faz é anular o lançamento. Já feito, ou em elaboração. É notável a diferença entre a extinção de um crédito tributário validamente constituído e o desfazimento do procedimento de constituição de um crédito tributário sem efetivo suporte legal. No primeiro caso, há extinção da respectiva obrigação tributária. No segundo, extingue-se apenas o crédito, como realidade formal.”

2.1.11. DAÇÃO EM PAGAMENTO

A dação em pagamento ocorre, quando o credor, no caso o Estado, aceitar receber algo distinto de dinheiro, para solver a dívida

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que lhe é devida. É o pagamento que é feito através da entrega de algum bem ou direito, que não seja dinheiro em espécie.

De acordo com Leandro Paulsen (2013,, pag. 1109), “A dação em pagamento implica a entrega de bens pelo contribuinte para a quitação dos débitos tributários. Tendo em conta que a obrigação tributária é sempre em dinheiro, faz-se a avaliação do bem para fins de imputação na dívida do contribuinte.”

Alguns doutrinadores entendem que houve um retrocesso nesse dispositivo do Código Tributário Nacional, pois o Estado precisa de dinheiro em pecúnia para solver suas despesas. Assim dispõe João Marcelo Rocha (2008, pag. 475),

“A nossa ver, o tributo deve ser, na economia moderna, uma prestação exclusivamente pecuniária, eis que, para sustentar as despesas decorrentes das atribuições estatais (educação, saúde, infra-estrutura, segurança, etc.), o Estado carece de dinheiro em espécie. Pensamos que tal mudança no CTN significa um retrocesso.”

De toda sorte, esse novo dispositivo traz um impacto na definição de tributo. Pois, trata-se, então, de uma prestação pecuniária, mas que, em algumas situações, pode ser paga em bens imóveis. 3. CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que o crédito tributário é essencial para o Direito Tributário, uma vez que, é por meio dele que o Estado pode realizar a cobrança da obrigação tributária. No caso da prática de um fato gerador, nasce a obrigação tributária. E existem várias formas de extinção do crédito tributário.

REFERÊNCIAS

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; COMPARATO, Fábio Konder. Teoria geral do processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA. Ano 2015.

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 ‐ 1984‐0454 

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e STJ comentados 2013. Manaus: Dizer o direito, 2014.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. Ano 2011.

_____, Hugo de Britto. Crimes contra a ordem tributária. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

ROCHA, João Marcelo. Direito Tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Ferreira. Ano 2008.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora. Ano 2013.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva. Ano 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2013.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: . Acesso em setembro de 2014.

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A SELETIVIDADE NO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS

THIAGO AUGUSTO BARBOSA FERREIRA

PATOS DE MINAS / MINAS GERAIS

2015

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THIAGO AUGUSTO BARBOSA FERREIRA

O ESTUDO DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE NO IMPOSTO SOBRE

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS

Monografia apresentada ao Curso de Pós-

Graduação lato sensu TeleVirtual em Direito

Tributário, na modalidade Formação para o

Magistério Superior/ Formação para

Mercado de Trabalho, como requisito

parcial à obtenção do grau de especialista

em Direito Tributário.

Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

Orientador: Professor Filipi Moratelli Knauer

PATOS DE MINAS / MINAS GERAIS

2015

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RESUMO

O presente estudo visa conceituar, analisar, bem como destacar os fatores determinantes que revestem o principio da seletividade, demonstrar como o referido imposto influência na situação econômica da administração pública e dos administrados. Delimitar o campo de atuação da seletividade e sua incidência no imposto sobre produtos industrializados vinculada à essencialidade que cada produto possui. Demonstrar esta pertinente esquematização sobre a valoração da essencialidade em correspondência à alíquota incidente no tributo, que, em breve análise, verifica-se que quanto maior a essencialidade do produto, proporcionalmente menor será sua alíquota. Por fim, destacar que o princípio da seletividade se apresenta como forte instrumento de um dos objetivos fundamentais da administração pública, qual seja, a consecução do bem comum, justiça fiscal e social.

Palavras-chave: Princípio da seletividade, alíquota, essencialidade.

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ABSTRACT

This study aims to conceptualize, analyze and highlight the factors that line the principle of selectivity, to demonstrate how the tax impact of the economic situation of citizens and public administration. Define the playing field of selectivity and its impact on the tax on industrialized products linked to the essence that each product has. Demonstrate that appropriate layout on the valuation of essentiality in correspondence to the incident rate in the tribute, which, in brief analysis, it appears that the higher the essentiality of the product, its rate will be proportionately smaller. Finally, note that the principle of selectivity is presented as a powerful tool for the fundamental objectives of public administration, namely, the achievement of the common good, justice and social tax.

Key words: Principle of the selectivity, aliquot, essentiality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1.1. Definição de Tributo 07

1.2. Os impostos 08

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS 10

3. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE 14

3.1. Previsão legal nas Constituições de 1946, 1988 e no Código

Tributário Nacional 14

3.2. As cláusulas pétreas e o Princípio da Seletividade 18

3.3. A seletividade em razão da essencialidade 19

4. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS 24

4.1. Competência do sujeito ativo 25

4.2. Função extrafiscal 25

4.3. Fato gerador 26

4.4. Alíquotas 29

4.4.1. Isenção e alíquota zero 30

4.5. Base de cálculo 33

4.6. Não cumulatividade 34

4.7. Contribuinte 37

4.8. Lançamento 38

5. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE NO IPI 40

6. CONCLUSÃO 44

TERMO DE RESPONSABILIDADE 46

REFERÊNCIAS

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6

INTRODUÇÃO

O sistema tributário brasileiro tem a base de suas diretrizes estabelecidas

em nossa Carta Magna, onde o constituinte originário trouxe entre seus artigos 145

e 162 os princípios constitucionais tributários, impondo limites ao poder de tributar

do Estado, conferindo garantias ao contribuinte e estabelecendo a repartição de

suas receitas entre os entes políticos.

Neste sentido, o presente trabalho se propõe a inicialmente discorrer em

breves notas sobre as noções introdutórias de tributo, a criação dos impostos e

sobre o norteador princípio da capacidade contributiva.

Outrossim, aspira-se demonstrar a importância genuína dos princípios

constitucionais tributários no delineamento do estudo desenvolvido, visto que, os

princípios constitucionais tributários atuam de forma a blindar a fúria arrecadatória

do Estado.

Dentre tais princípios, destaca-se o da Seletividade e sua incidência no

Imposto sobre Produtos Industrializados, sua previsão legal nas Constituições de

1946, 1988 e ainda junto ao Código Tributário Nacional. Analisa-se ainda, a relação

existente entre as cláusulas “pétreas” e a seletividade em razão de sua

essencialidade.

É dever do legislador ordinário observar a aplicação de tal princípio, que

está consubstanciado na essencialidade que cada produto tem na vida do homem

médio.

Neste cotejo, a aplicação da seletividade se configura com potente

instrumento para vários objetivos discriminados e perseguidos pela nossa

Constituição Federal, como por exemplo, a justiça fiscal, tida como indissociável do

referido tributo. Produtos indiscutivelmente essenciais terão suas alíquotas

diferenciadas daqueles produtos classificados como supérfluos, ou de luxo, fazendo

com que os produtos necessários sejam de fácil acesso à grande massa, e tornando

os artigos de luxo, que são alcançáveis apenas por uma pequena parcela da

sociedade, sejam mais onerados tributariamente.

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Estuda-se no presente trabalho as principais peculiaridades do Imposto

Sobre Produtos Industrializados, sua competência, o sujeito ativo, sua função

extrafiscal, seu fato gerador, suas alíquotas, diferenciação entre a alíquota zero e

isenção, suas bases de cálculo, etc.

Embora o IPI seja imposto de função fundamentalmente extrafiscal, suas

alíquotas poderão variar não somente em razão da essencialidade dos produtos,

mas também de acordo com o interesse do Estado em estimular ou desestimular

determinados comportamentos do contribuinte.

1.1. DEFINIÇÃO DE TRIBUTO

Nossa doutrina é composta pelas mais variadas definições de tributo.

Vale ressaltar que a definição de tributo tem sede legal, conforme se vislumbra no

artigo 3° do Código Tributário Nacional, onde ensina que tributo é toda prestação

pecuniária paga de maneira obrigatória, em moeda ou em cujo valor nela possa se

traduzir, que não constitua pena por ato ilícito, cobrado mediante atividade

administrativa vinculada.

Conforme ensina Ruy Barbosa Nogueira:

“os tributos (...) são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, às vezes consorciado com o pode de regular), mas disciplinado por normas de direito público que constituem o Direito Tributário1”.

Na peculiar lição de Sabbag2, esclarece que: (...) detalhando: o tributo: é

prestação pecuniária, é compulsório; é instituído por lei; não é multa; é cobrado

mediante lançamento.

E ainda na Lição de Luciano Amaro:

1 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário, 14. ed., p.155. 2 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário, 2ª ed., p.369.

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“O tributo, portanto, resulta de uma exigência do Estado, que, nos primórdios da história fiscal, decorria da vontade do soberano, então identificada com a lei, e hoje se funda na lei, como expressão da vontade coletiva” 3. Nesse sentido, “o tributo é uma prestação que deve ser exigida nos temos previamente definidos pela lei, contribuindo dessa forma os indivíduos para o custeio das despesas coletivas” 4.

Dentre outros fatores relevantes, podemos dizer que se tributa porque há

a necessidade de recursos para manter as atividades a cargo do Poder Público,

mesmo que desenvolvidas por outros entes.

1.2. OS IMPOSTOS

Os impostos são, por definição, tributos não vinculados (ou seja, que não

necessitam de qualquer contra prestação estatal em troca do tributo arrecadado),

que apenas incidem na manifestação de riqueza do sujeito passivo. Impulssionado

por tal argumento é que se afirma a idéia de justiça social do imposto, pois, as

pessoas que manifestam suas riquezas ficam obrigadas a contribuir para o Estado,

onde nas palavras de Ricardo Alexandre “o estado passa sua sacolinha” recolhendo

de todos os valores devidos tão importantes para a consecução do bem comum.

Neste sentido, aqueles que obtêm rendimentos, vendem mercadorias, são

proprietários de imóveis seja em área urbana ou rural, devem contribuir seja com a

União, Estado ou Município a depender da competência de cada ente. Os impostos

têm caráter meramente contributivo, chamados historicamente pela doutrina de

tributo “Hobbin Hood”, onde quem tem mais paga mais, e que tem menos, paga

menos ou nada.

A Constituição Federal não cria tributos, apenas atribui competência para

que os entes federativos o façam. Como nas palavras de Ricardo Alexandre5: “(...)

3 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 14. ed., p.17. 4 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 14. ed., p.16.. 5 ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado, 5ª. ed., p.59.

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da mesma forma que os penalistas dizem que não há crime sem lei anterior que o

defina, pode-se afirmar que não há tributo sem lei anterior que o defina”.

Portanto, para que sejam criados tributos, os entes tributantes devem

editar leis instituindo-os abstratamente, ou seja, definindo seus fatos geradores,

bases de cálculo, alíquotas e contribuintes.

Porém, no que concerne à esfera dos impostos, a Constituição Federal

exige que a Lei Complementar de caráter nacional defina os respectivos fatos

geradores, bases de cálculo e contribuintes (art.146, III, a).

Consoante ao que se vislumbra no artigo. 145, §1º da Constituição

Federal, os impostos (embora em alguns julgados o STF tenha admitido que seja

extensivo a qualquer espécie tributária) sempre que possível terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à

administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,

identificar respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os

rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Indubitavelmente, a finalidade de tal dispositivo é dar efetiva validade ao

princípio da isonomia, tratando diferentemente os diferentes nas medidas das suas

diferenças/desigualdades existentes. Uma efetiva maneira de se buscar a justiça

social, redistribuindo a renda, utilizando-se da perseguida justiça fiscal.

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2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

Antes de adentrar aos princípios constitucionais, reputa-se importante

transcrever o pensamento de CANOTILHO6:

(...) a Constituição é, (...) uma lei, configurando a forma típica de qualquer lei, compartilhando com as leis em geral um certo número de características (forma escrita, redação articulada, publicação oficial etc.). Mas também, é uma lei diferente das outras: é uma lei específica, já que o poder que a gera e o processo que a veicula são tidos como constituintes, assim como o poder e os processos que a reformam são tidos como constituídos, por ela mesma; é uma lei necessária, no sentido de que não pode ser dispensada ou revogada, mas apenas modificada; é uma lei hierarquicamente superior – a lei fundamental, a lei básica – que se encontra no vértice da ordem jurídica, à qual todas as leis têm de submeter-se; é uma lei constitucional, pois, em princípio, ela detém o monopólio das normas constitucionais.

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores

fundamentais da ordem jurídica.

Nesta esteira, os princípios tributários elencados na Constituição

federal revelam-se como mecanismos de “defesa” do contribuinte contra a fúria

arrecadatória do Estado. Neste sentido Hugo de Britto Machado ensina: “Tais

princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do

elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência dessa finalidade,

busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte.”7

Então, como forma de garantir a harmonia necessária ao ordenamento

jurídico, elenca-se uma estrutura hierárquica, de modo que a norma constitucional

surge no topo, servindo como verdadeiro farol irradiante para as demais normas,

princípios e tratados de natureza jurídica.

6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Fundamentos da Constituição. Coimbra: Alemdina, 1991, p. 40, apoud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 100.

7 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p.52 e 58.

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A constitucionalidade de um tributo deve estar coadunada aos princípios

dispostos na Constituição sob pena de serem tidos como inconstitucionais pelo

Supremo Tribunal Federal, ademais, a Constituição Federal é a lei máxima em um

Estado Democrático de Direito, submetendo e obrigando a todos, indistintamente,

dentro dos limites fixados pelo legislador constituinte às normas constitucionais, bem

como nos princípios, seja de maneira expressa ou implícita.

A ciência jurídica, como ciência do espírito (ou cultural), não é matemática

(não é uma ciência exata) mas mesmo assim não está isenta de fixar, sempre que

possível e com precisão, os seus conceitos.

Pode-se afirmar que as normas são o gênero do qual derivam os

princípios, as regras e suas espécies, cada uma com sua distinção em seus efeitos

e aplicabilidade.

O Direito se expressa por meio de normas. As normas se exprimem por

meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma determinada situação;

quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem

incidência. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada. Quando duas regras

colidem, fala-se em "conflito"; ao caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a

aplicação da outra).

O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de

interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc..

Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele).

Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode

haver "colisão", não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de

otimização" que são, sempre podem ter incidência em casos concretos (às vezes,

concomitantemente dois ou mais deles).

A palavra princípio nos dizeres de Miguel Reale Júnior8:

“são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e

orientam a compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e

8 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, ISBN 85-020-4126-6.

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integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. Os princípios

gerais do direito são os alicerces do ordenamento jurídico, informando o

sistema independentemente de estarem positivados em norma legal.”

Em outras palavras, o princípio nos remete a idéia de começo, origem,

raiz que exercem dentre outros papéis, o de vetor axiológico para a compreensão e

interpretação das normas jurídicas que compõem o seu ordenamento.

Os princípios esclarecerão os limites da eficácia das normas

constitucionais, as quais têm que se harmonizar com ele, servindo de fator de

agregação, como também de colmatação de possíveis lacunas para outras regras

positivadas no sistema.

Neste diapasão Roque Antonio Carrazza, disserta que:

(...) Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.9

A lei não é capaz de prever todas as situações e casos concretos

passíveis de ocorrer no cotidiano das pessoas, por isso, os princípios visam colmatar

ou suprir possíveis lacunas com fundamentos nos valores essenciais resguardados

pela sociedade.

Nos princípios constitucionais, condensam-se bens e valores

considerados fundamentos de validade de todo o sistema jurídico.

Na concepção de CELSO BASTOS:

(...) Os princípios constituem idéias gerais e abstratas, que expressam em menor ou maior escala todas as normas que compõem a seara do direito. Poderíamos mesmo dizer que cada área do direito não é senão a concretização de certo número de princípios, que constituem o seu núcleo central. Eles possuem uma força que permeia todo o campo sob seu alcance. Daí por que todas as normas que compõem o direito constitucional devem ser estudadas, interpretadas, compreendidas à luz desses princípios. Quanto os princípios consagrados constitucionalmente, servem, a um só tempo, como objeto da interpretação constitucional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção de interpretação. (...)10

9 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 33 10 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. Cit., p. 57

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Na seara do Direito Tributário, a outorga de competência da União, dos

Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios, para que cada um destes

entes políticos dotados de autonomia criem e legislem acerca dos tributos a eles

devidos, está prevista na Constituição Federal, em seus artigos 150 a 152, Seção II,

“Das Limitações do Poder de Tributar”, ressalvadas as demais previsões acerca do

assunto, que encontram-se em outros dispositivos constitucionais, além das leis

infraconstitucionais, como leis complementares e resoluções do Senado.

A Constituição em seu texto, aborda os princípios constitucionais

tributários que demarcam os limites do exercício do poder de tributar dos entes

federados, fixando as situações que podem ser tributadas e qual sua forma de fazê-

lo. Estes princípios são considerados os limitadores do poder de tributar,

representando a mais fidedigna proteção do contribuinte contra qualquer

arbitrariedade estatal no exercício do seu múnus arrecadatório.

Na lição de Eduardo Sabbag:

(...) O poder de tributar (ius imperium) não é, assim, absoluto. Encontra regramentos que vêm refrear o exercício arbitrário da tributação, amoldando-o de acordo com a carga valorativa ínsita ao texto constitucional. De modo reflexo, a Constituição Federal define o modus operandi do exercício desse poder, que deverá se dar de forma justa e equilibrada, sem provocar danos à liberdade e à propriedade dos contribuintes.11

Assim, os parâmetros de atuação do Estado no exercício da atividade de

tributação, são obstados pelos direitos dos contribuintes, consubstanciados nas

regras impostas ao poder tributador, que demandam observância obrigatória pelos

poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.

11 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p.21

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3. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE

3.1. PREVISÃO NAS CONSTITUIÇÕES DE 1946, 1969, 1988 E NO CÓDIGO

TRIBUTÁRIO NACIONAL

O princípio da seletividade já contido na Emenda Constitucional nº 1, de

1969, foi também contemplado pelo constituinte originário de 1988. No mesmo

sentido, o Código Tributário Nacional, anterior à Constituição de 1988, também já

trazia, em seu art. 48, esta previsão. Princípio semelhante também se podia

encontrar na Constituição de 1946.

A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, ao tratar do sistema tributário,

estabelecia que o imposto sobre os produtos industrializados deveria levar em conta

a seletividade. Assim, estava nela previsto: Art. 21. Compete à União instituir

imposto sobre: § 3º - O imposto sobre produtos industrializados será seletivo em

função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendo-se, em cada

operação, o montante cobrado nas anteriores.

Já na Carta da República de 1988, observam-se dois dispositivos que

traduzem este princípio, os artigos 153 e 155, no qual aduzem que compete à União

instituir impostos sobre o imposto previsto no inciso IV, e que será seletivo, em

função da essencialidade do produto, e ainda que compete aos Estados e ao Distrito

Federal instituir impostos sobre o imposto previsto no inciso II atenderá que poderá

ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

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Também no Código Tributário Nacional, está expressamente previsto que

o imposto será seletivo, devendo variar de acordo com a essencialidade do produto:

Art. 48. O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos.

Interessante registrar que a Carta Magna de 1946 tinha com o título de

isenção, quando na verdade se tratava de imunidade, um conceito mais abrangente,

que buscava salvaguardar, no dizer de Ricardo Lobo Torres, os “bens necessários à

sobrevivência biológica e social do cidadão em condições mínimas de dignidade

humana”. O art. 15, § 1º, determinava que seriam imunes do imposto de consumo os

artigos que a lei classificasse como absolutamente “indispensáveis à habitação,

vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade

econômica”, completa o autor.

Consideração importante a ser feita é sobre o caráter obrigatório ou não

do princípio da seletividade. Constitui uma faculdade ou é um dever a aplicação do

princípio? A doutrina pátria, de modo geral, defende que ela deve ser facultativa,

cabendo ao legislador a decisão. Todavia, não é esse o nosso entendimento, pelas

razões que vamos expor.

O princípio está previsto na Constituição, no seu art. 155, e tem por

finalidade atender ao princípio da igualdade e garantir ao contribuinte uma proteção

contra o abuso do poder estatal.

Em conseqüência, não se pode considerar sua aplicação uma mera

faculdade. Desde que ele é o corolário do princípio da igualdade e o objetivo

colimado é a justiça fiscal, o princípio da seletividade não poderá submeter-se ao

alvedrio do legislador infraconstitucional.

Corroborando, Roque Antonio Carrazza defende que:

[...] a Constituição não é mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional. [...] Convém salientarmos, desde logo, que, a nosso ver, este singelo “poderá” equivale, na verdade, a um peremptório “deverá”. Não se

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está aí, diante de uma mera faculdade do legislador, mas de uma norma cogente, de observância obrigatória.

Tal posicionamento se justifica perfeitamente, pois quando a Constituição

confere a uma pessoa política um poder, ela está, na verdade, lhe impondo um

dever. A doutrina ensina que, nos sistemas jurídicos em que se consagra o princípio

da igualdade e da capacidade econômica, a seletividade impõe-se. É que nos

impostos que repercutem no consumidor, como é caso do ICMS, tornar-se-ia muito

difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre

operações de circulação de mercadorias de acordo com a capacidade econômica da

pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o consumo (que afinal é quem

suporta o encargo tributário).

A própria ordem econômica social, a proteção à família, a valorização do

trabalho humano, a função social da propriedade, a harmonia entre as categorias

sociais da produção e a expansão da oportunidade de empregos produtivos

constituem valores prestigiados pela Constituição, razão pela qual deve ocorrer

graduação de alíquotas do IPI, de forma a reduzir ou eliminar os respectivos ônus

dos produtos essenciais.

A aplicabilidade do princípio da seletividade, portanto, é mandatória, vez

que se trata de um poder-dever; em outras palavras, o poder público, ao atuar em

seu mister, deverá observar de maneira compulsória a sua aplicação.

3.2. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE E CLÁUSULAS PÉTREAS

A igualdade é um dos princípios fundamentais de nosso Estado. Seus

fundamentos afirmam que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

espécie, salvo as expressamente trazidas pelo constituinte originário. Tal princípio é

de extrema importância em nosso ordenamento, conforme se verifica no art. 60 da

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Carta Maior: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais.

Tais direitos são conhecidos como cláusulas pétreas e não podem ser

restringidos (o que não impedem de serem ampliados) pelo constituinte derivado,

com o objetivo de tornar efetivo o princípio da igualdade que vários institutos

jurídicos são utilizados, a exemplo do Princípio da Seletividade.

Para melhor elucidação com da relação entre o princípio da seletividade e

as chamadas cláusulas pétreas, é necessário definir tanto a natureza jurídica de

princípio como a de cláusulas pétreas.

Ruy Samuel Espíndola sustenta que princípio é:

(...) a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas de uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas, se reconduzem e/ou se subordinam (...)12.

De outra banda, Ivo Dantas, considera o princípio como sendo categoria

lógica e, tanto quanto possível, universal, alertando, entretanto que: “Quando

incorporados a um sistema jurídico-constitucional positivo, reflete a própria estrutura

ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma

determinada sociedade” 13.

A lei, não pode prever, por seu caráter universal, como já dissemos

alhures, prever todas as situações específicas. No que se concerne às clausulas

pétreas, valer ressaltar alguns conceitos de Direito Constitucional.

Conforme ensina Pedro Lenza14, a nossa atual Constituição brasileira é tia

como “promulgada, escrita, analítica, dogmática, formal e rídiga”, caso em que

somente pode ser alterada pelos meios previstos na própria Constituição.

12 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: RT, 1999. p. 47-48. 13 DANTAS, Ivo. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1995. p. 59. 14 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 14ª edição, 2010, p. 46.

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Um dos meios disponibilizados pelo constituinte originário para que se

pudesse mudar a Carta Magna foi através do mecanismo chamando Emenda

Constitucional, no qual seu poder sofre limitações de natureza material e formal.

No que se refere às cláusulas pétreas, estamos diante de uma limitação

expressa material. Isto porque a Constituição proíbe de maneira peremptória a

restrição ou supressão de direitos denominados de “intocáveis, intangíveis no

ordenamento jurídico”. São matérias que, por sua relevância, não podem ser

alcançadas pelo poder derivado.

Posto tais definições passamos a esclarecer relação material entre os

princípios da seletividade e das cláusulas pétreas.

O princípio da seletividade é um dos meios para que se busque assegurar

a capacidade dos contribuintes, a justiça social e fiscal. Visa determinar que o

gravame tributário recaia sobre fatos que inspiram riqueza, visa efetivar o princípio

da igualdade no campo tributário, descartando privilégios de uns em detrimentos de

outros, pelo fato de impor igual tratamento para aqueles que estejam em situação

equiparada.

Portanto, na esfera tributária, se tenta alcançar, dentro do possível, a

igualdade respeitando a capacidade contributiva de cada cidadão, que se ramifica

no sistema por meio do princípio da seletividade, quando se verifica a

essencialidade dos tributos, com carga tributária maior ou menor, na exata inversão

de sua necessidade.

Desta feita, conclui-se que o princípio da seletividade, busca o princípio

da capacidade contributiva, que por sua vez, enseja observância do princípio

fundamental da igualdade, positivado em nossa Constituição e elevada à cláusula

pétrea, não podendo ser suprimida ou restringida (ressalvada a hipótese de uma

nova Constituição).

Se o princípio da seletividade é a manifestação da capacidade

contributiva, que irradia seus valores de igualdade, direito fundamental, cláusula

pétrea, logo, o princípio da seletividade é cláusula pétrea também.

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3.3. A SELETIVIDADE EM RAZÃO DA ESSENCIALIDADE

O Pretório Excelso assim preleciona a despeito do tema:

“(...) não há violação do dever fundamental de prestação de serviços de saúde. O princípio da <seletividade> impõe que o Poder Público gradue a carga tributária conforme a <essencialidade> da operação ou do produto. Isto não significa haver imunidade, ainda que as operações ou os bens sejam essenciais ao ser humano. Em especial há que ser considerado o princípio da capacidade contributiva, da concorrência e da livre iniciativa, considerado o postulado da solidariedade no custeio das atividades estatais.” (RE 429.306, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 1º-2-2011, Segunda Turma, DJE de 16-3-2011.)15

Nas palavras de Maria Helena Diniz: “Seletividade é a qualidade de ser

seletivo”16, e seletivo é a alusão ao ato de selecionar, de eleger, de escolher

determinados objetos.

Tratar de imposto seletivo, portanto, é tratar daquele que onera de

maneira de maneira diferente as variadas situações sobre as quais recai,

obedecendo aos critérios previstos em lei para tal mister.

Segundo as regras contidas na Constituição Federal e no Código

Tributário Nacional, o imposto será seletivo em função da essencialidade dos bens e

serviços.

Aliomar Baleeiro, iscorre sobre essencialidade:

A palavra (...) refere-se à adequação do produto à vida do maior número de habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente, são os artigos mais raros e, por isso, mais caros. Do ponto de vista econômico, a norma inspira-se na utilidade marginal. Do ponto de vista político, reflete as tendências democráticas e, até mesmo socialistas, do mundo contemporâneo, no qual os países civilizados seguem orientação idêntica.17

No que tange ao conceito de essencialidade, sua interpretação não se

deve dar de maneira fechada ou estrita, ao contrário, deve-se abrange abarcando

todas as necessidades que de uma maneira ou de outra compõem o padrão mínimo

15 Site: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1. Acessado em 10/08/11 16 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 990. 17 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 347-348.

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de vida do homem médio, garantido acesso, a saúde, trabalho, esporte, lazer,

educação, etc.

A essencialidade deve caminhar ao lado das constantes mutações da

sociedade, pois bens que outrora era tido como supérfluos, hoje podem ser tidos

como de primeira necessidade, e o legislador neste contexto, deve revisar as

alíquotas aplicadas àquilo que se considera como essencial em determinado

momento histórico. Esse é o soluto capaz de garantir que a acepção semântica

atribuída ao princípio da seletividade pela Constituição Federal de 1988, continua a

ser observada com o passar dos anos, haja vista que o preceito é o mesmo desde a

inserção do princípio no sistema jurídico.

Neste sentido, Ricardo Lobo Torres:

(...) Uma penúltima averbação deve ser feita quanto ao princípio constitucional da seletividade em função da essencialidade do produto. É que a noção de produto essencial varia segundo as condições de tempo e lugar. Certos artigos da indústria podem ter conotações de bens de luxo na fase inicial de sua produção; mas, depois de generalizados, passam a ocupar lugar de necessidade no consumo da população em geral, independentemente de a pessoa ser rica ou pobre (...).18

Na prática a seletividade se resumirá na distinção de alíquotas entre os

produtos, o que significa dizer que se irão tributar com alíquotas mais altas os

produtos de consumo supérfluo ou não essenciais, e com alíquotas mais brandas os

produtos considerados como imprescindíveis ao consumo da população, com o

escopo de atenuar o impacto tributário a ser suportado pelas classes mais

desfavorecidas.

Misabel Abreu Machado Derzi, em seus comentários na obra de Aliomar

Baleeiro, certifica:

(...) Desde que a lei isente os gêneros de primeira necessidade (pois, com relação a eles não há liberdade de escolha), não existe empecilho constitucional em que se eleve substancialmente a carga tributária que caia sobre os produtos e serviços suntuários, de luxo ou supérfluos. Os efeitos são de mera redução de mercado e do campo de abrangência dos consumidores (...).19

18 TORRES, Ricardo Lobo. O IPI e o princípio da seletividade. Revista Dialética de Direito Tributário nº 18. São Paulo: Dialética, 1997, p. 97 19 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 390.

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Desta forma, temos que a tributação do IPI e do ICMS por exemplo, será

inversamente proporcional à essencialidade dos bens ou serviços, assegurando que

o imperioso às necessidades básicas da população não sofra tributação capaz de

vedar o consumo ou que desrespeite a capacidade contributiva do consumidor.

Já no caso do IPTU, a acepção da seletividade não é a mesma da

incidente sobre o consumo, aqui adota-se alíquotas diferenciadas em razão do uso e

da localização de bens imóveis, também levando-se em consideração a capacidade

econômica do contribuinte, o qual estará sujeito a tributação maior se o uso do

imóvel se der para fins comerciais ou industriais ou se estiver localizado em área

economicamente mais valorizada.

O objetivo do princípio da seletividade é atingir: os consumidores finais; e,

os proprietários, os titulares de domínio útil e os possuidores a qualquer título de

imóveis urbanos (art. 34, CTN); que são, de fato, os contribuintes dos impostos

sujeitos à seletividade, quais sejam, IPI, ICMS, e, IPTU, respectivamente.

4. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS

O Imposto sobre Produtos Industrializados, através da Emenda

Constitucional nº. 18 de 1965 substituiu o antigo Imposto de Consumo, previsto na

Constituição de 1946.

A nova Constituição trouxe raras alterações, conservando a estrutura e

peculiaridades do IPI previsto na Constituição anterior. Atualmente, o IPI tem

previsão legal no artigo 153, IV da Constituição Federal, no artigo 46 e seguintes do

Código Tributário Nacional e no Decreto n°. 4544/2002.

Oportuno ressaltar que o referido imposto representa o segundo lugar em

importância e volume de arrecadação dos recursos da União, destacando-se o

montante proveniente de cigarros, bebidas, perfumes, veículos, dentre outros.

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Conforme dispõe a competente legislação, considera-se industrializado

todo produto que tenha sofrido qualquer operação, realizada por industrial ou

equiparado, importador, arrematante, em âmbito nacional, e que lhe modifique a

natureza ou a finalidade, aperfeiçoe para consumo, seja submetido à

beneficiamento, transformação, recondicionamento, renovação.

O produto anterior perde, através da transformação, a individualidade por

processo automático, mecânico ou manual, com a transformação da matéria prima

ou do produto anterior, há o surgimento de um novo produto, o qual passa a ter nova

classificação na Tabela do IPI.

Já o beneficiamento consiste no processo de modificação,

aperfeiçoamento, embelezamento ou alteração de funcionamento de um produto já

existente, o qual continua tendo a mesma classificação na Tabela do IPI.

No acondicionamento ou reacondicionamento, ocorre a alteração da

embalagem do produto, garantindo-lhe um novo visual e um novo estímulo à sua

aquisição, neste caso, será adotada a alíquota do maior produto utilizado no

acondicionamento.

Na renovação ou recondicionamento o produto usado ou inutilizado é

restaurado, tendo resgatadas as suas características iniciais, continuando com a

classificação originária.

4.1. COMPETÊNCIA DO SUJEITO ATIVO

O Imposto sobre Produtos Industrializados pertence à competência

tributária privativa da União, conforme rezam os artigos 153, IV, da Constituição

Federal, e, 46 do Código Tributário Nacional.

A competência para instituir e cobrar este imposto constitui significativa

parcela de poder político que se concentra nas mãos do Governo Federal, mesmo

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que considerável parcela de sua arrecadação seja destinada aos Estados, Distrito

Federal e Municípios, por força do artigo 159, I e II da Constituição de 1988.

4.2. FUNÇÃO EXTRAFISCAL

Como sabemos, função primordial dos tributos é a de gerar receita aos

cofres públicos, na consecução do bem comum, com o desígnio de atender às

necessidades da coletividade.

Porém, existem impostos que exercem o papel de estimular ou

desestimular determinados comportamentos do contribuinte (embora alguns

doutrinadores afirmem que, na verdade todo e qualquer tributo direta ou

indiretamente tem sua função extrafiscal). Tais impostos, que afetam diretamente a

economia do país, representam instrumentos tributários com objetivos políticos e

não fiscais, em outras palavras, não possuem finalidades financeiras, mas

regulatórias dos comportamentos sociais.

O Imposto sobre Produtos Industrializados está inserido no rol dos

tributos cuja função fundamental é a extrafiscal, pois dependendo do que se busca

alcançar, a tributação de determinados produtos poderá ser mais ou menos elevada,

chegando até mesmo em patamares de alíquota zero (0%) por exemplo.

Por se tratar de um instrumento destinado a atingir finalidades

econômicas, sociais e políticas, existem dispositivos constitucionais que

consubstanciam técnicas extrafiscais.

O IPI pode ter suas alíquotas elevadas ou reduzidas, dentro dos limites

fixados em lei, por ato do Poder Executivo, a fim de ajustá-las aos objetivos da

política cambial e do comércio exterior (artigo 26 do Código Tributário Nacional).

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. A extrafiscalidade das normas volta-se ao desenvolvimento econômico,

bem como também realização da justiça social e fiscal. A exemplo do uso do IPI na

política de desenvolvimento econômico nacional temos a imunidade garantida aos

produtos industrializados destinados ao exterior (artigo 153, § 3º, III, da Constituição

Federal), e, na busca pela justiça social/fiscal, temos a própria seletividade do

imposto quanto à essencialidade do produto (artigo 153, § 3º, I, da Constituição

Federal).

O IPI representa grande fonte de arrecadação de receita para a União,

Estados, Distrito Federal e Municípios, fato que também atribui ao imposto, função

fiscal, ainda que em segundo plano.

4.3. FATO GERADOR

Conforme disposto na Constituição Federal de 1988, cabe à lei

complementar estabelecer normas gerais sobre a definição dos fatos geradores dos

impostos nela previstos (artigo 146, III, “a”, CF/88). Evidentemente, não compete à

lei complementar definir os fatos geradores dos impostos, mas sim estabelecer

normas gerais sobre estas definições.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 46, incisos I a III, define o

fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados, disponde que imposto terá

como fato gerador o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência

estrangeira, a sua saída dos estabelecimentos conforme referido no art. 51 do

mesmo diploma legal, ou ainda na sua arrematação, quando apreendido ou

abandonado e levado a leilão.

O Código Tributário Nacional, contudo, enquanto lei complementar, não

lança as hipóteses de incidência dos tributos, pois isto é atribuição da pessoa

jurídica titular da competência tributária, in casu ele apenas delimita as normas

gerais a serem seguidas pelo legislador ordinário.

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Leandro Paulsen compreende o IPI como sendo o imposto que:

(...) incide sobre a “operação” com “produtos industrializados”, ou seja, sobre o negócio jurídico que tenha por objeto bem, ainda que não necessariamente destinado ao comércio (mercadoria), submetido por um dos contratantes a processo de industrialização. Pressupõe, pois, a industrialização e a saída do produto do estabelecimento industrial.20

Para que se configure a incidência do IPI, é imprescindível a presença de

três elementos: a ocorrência de uma “operação” com um “produto” que tenha sido

“industrializado”.

Na explicação de Leandro Paulsen:

Operação (...) é um negócio jurídico. (...) a Constituição coloca como base econômica a ser tributada os negócios jurídicos com produtos industrializados, mas não, necessariamente, negócios que impliquem a transferência do bem, admitindo outros que tenham o produto industrializado como objeto. (...) O conceito de produto, pois, diferencia-se do conceito de mercadoria. Esta é apenas o bem destinado ao comércio; aquele, o produto, é tanto o bem destinado ao comércio como ao consumo ou a qualquer outra utilização. (...) o termo industrializado, na norma de competência do art.153, IV, está no sentido de produto industrializado por um dos contratantes da respectiva operação.21

Para que o IPI seja devido, não basta ocorrer a industrialização de um

produto, é necessário que ele seja objeto de uma operação que implique na

transferência de sua posse ou propriedade, ou seja, a obrigação de pagar o IPI se

apura quando a saída do produto industrializado é causada por um negócio jurídico.

Os artigos 34, 35 e 36 do Decreto 4.544 de 2002, estabelecem as

situações que configuram o fato gerador, bem como o momento de dua ocorrência.

No artigo 34 onde se define fato gerador, ensina-se que o mesmo ocorre com o

desembaraço aduaneiro do produto de procedência estrangeira ou também na

hipótese da saída do produto do estabelecimento industrial, ou considerado

industrial.

Já em seu artigo 35, considera-se o fato gerador ocorrido em várias

oportunidades quais sejam: na entrega ao comprador, quanto aos produtos vendidos

por intermédio de ambulantes; na saída de armazém-geral ou outro depositário do

estabelecimento industrial ou equiparado a industrial depositante, quanto aos

produtos entregues diretamente a outro estabelecimento; na saída da repartição que 20 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 80 21 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 81/82

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promoveu o desembaraço aduaneiro, quanto aos produtos que, por ordem do

importador, forem remetidos diretamente a terceiros; na saída do estabelecimento

industrial diretamente para estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, por

ordem do encomendante, quanto aos produtos mandados industrializar por

encomenda; na saída de bens de produção dos associados para as suas

cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; no quarto dia da

data da emissão da respectiva nota fiscal, quanto aos produtos que até o dia anterior

não tiverem deixado o estabelecimento do contribuinte; no momento em que ficar

concluída a operação industrial, quando a industrialização se der no próprio local de

consumo ou de utilização do produto, fora do estabelecimento industrial; no início do

consumo ou da utilização do papel destinado à impressão de livros, jornais e

periódicos, em finalidade diferente da que lhe é prevista na imunidade de que trata o

inciso I do art. 18, ou na saída do fabricante, do importador ou de seus

estabelecimentos distribuidores, para pessoas que não sejam empresas jornalísticas

ou editoras; na aquisição ou, se a venda tiver sido feita antes de concluída a

operação industrial, na conclusão desta, quanto aos produtos que, antes de sair do

estabelecimento que os tenha industrializado por encomenda, sejam por este

adquiridos; na data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento industrial,

quando da ocorrência de qualquer das hipóteses enumeradas no inciso VII do art.

25; no momento da sua venda, quanto aos produtos objeto de operação de venda

que forem consumidos ou utilizados dentro do estabelecimento industrial; na saída

simbólica de álcool das usinas produtoras para as suas cooperativas, equiparadas,

por opção, a estabelecimento industrial; e - na data do vencimento do prazo de

permanência da mercadoria no recinto alfandegado, antes de aplicada a pena de

perdimento, quando as mercadorias importadas forem consideradas abandonadas

pelo decurso do referido prazo.

Na hipótese do inciso VII, considera-se concluída a operação industrial e

ocorrido o fato gerador na data da entrega do produto ao adquirente ou na data em

que se iniciar o seu consumo ou a sua utilização, se anterior à formalização da

entrega.

Já o Art. 36, relata que na hipótese de venda, exposição à venda, ou

consumo no Território Nacional, de produtos destinados ao exterior, ou na hipótese

de descumprimento das condições estabelecidas para a isenção ou a suspensão do

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imposto, considerar-se-á ocorrido o fato gerador na data da saída dos produtos do

estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.

A legislação do IPI amplia o conceito de produto industrializado, nele

incluindo operações que não lhe modificam a natureza ou a finalidade e também não

o aperfeiçoam para o consumo, como por exemplo, o simples acondicionamento.

4.4. ALÍQUOTAS

Obrigatoriamente, segundo o que reza o artigo 153, § 3°, I, CF/88, as

alíquotas do IPI são variáveis em razão da essencialidade dos produtos sobre os

quais incide.

A legislação adotou uma tabela oficial de classificação dos produtos,

denominada Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI,

que possui alíquotas que variam de 0 (zero) a mais de 300 (trezentos) por cento.

A TIPI também possui alíquotas fixas, estabelecidas em razão da

quantidade e não do valor do produto, como no caso das alíquotas incidentes sobre

águas minerais, cervejas e refrigerantes, dentre outros. A maior parte das alíquotas

costumam estar abaixo de 20% (vinte por cento). A alíquota mais elevada, incide

sobre cigarros.

Conforme a regra estabelecida pela Lei n°. 10.451/2002, a alíquota a ser

observada para o IPI é a constante da TIPI (Tabela de Incidência do Imposto sobre

Produtos Industrializados), no artigo 130 do Código Tributário Nacional se diz que o

imposto será calculado mediante aplicação das alíquotas, constantes da referida

tabela, sobre o valor tributável dos produtos.

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4.4.1. ISENÇÃO E ALÍQUOTA ZERO

Conforme salientado, qualificar um imposto como seletivo, é assegurar

que ele incide de maneira diferenciada sobre determinadas situações, com alíquotas

reduzidas para os gêneros de primeira necessidade e com alíquotas mais severas

para os produtos supérfluos. Seletividade, portanto, é a fundamentação para a

ocorrência dessa diferenciação tributária.

Desse modo, para os bens e serviços absolutamente essenciais às

necessidades vitais dos contribuintes, a alíquota poderá ser zero, em contrapartida,

será fixada em escala ascendente em razão de sua menor utilidade social. Dito isso,

presume-se que o fator de exteriorização do princípio da seletividade é a alíquota.

Pode-se definir alíquota como o percentual definido em lei que se aplica

sobre a base de cálculo para determinar o valor do tributo devido.

Seguindo Roque Antonio Carrazza: “a alíquota é o critério legal,

normalmente expresso em percentagem (%), que, conjuntado à base de cálculo,

permite discernir o quantum debeatur (quantia devida, a título de tributo)”.22

Pela identidade entre os institutos jurídicos da alíquota zero e da isenção

tributária, parte da doutrina afirma se tratar de espécies do mesmo gênero. Partindo

da premissa que em ambos os casos, o contribuinte não disporá de seu patrimônio

para custear a tributação.

Neste sentido, temos Ives Gandra da Silva Martins:

A alíquota não é senão uma das formas de isenção, pois expressa, claramente, em lei e com as mesmas conseqüências jurídicas. Dizer o legislador que um produto é isento do IPI ou que a alíquota é zero é dizer, de forma clara e inequívoca, que por força de um favor legal, o produto referido não sofre qualquer incidência tributária. Os termos se equivalem, e, por conseqüência o que aplicado for para as leis de exclusão de exigência tributária quanto à isenção, aplicado deveria ser para a alíquota zero.23

Comungando deste pensamento, Paulo de Barros Carvalho:

22 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 77 23 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Alíquota. Repertório enciclopédico Carvalho Santos, Tereza Alvim e Arruda Alvim. São Paulo: RT

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É o caso da alíquota zero. Que experiência legislativa será essa que, reduzindo a alíquota à zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra matriz do IPI? A conjuntura se repete: um preceito é dirigido à norma padrão, investindo contra o critério quantitativo do conseqüente. Qualquer que seja a base de cálculo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação. Que diferença faz em inutilizar a regra de incidência, atacando-a num critério ou noutro, se todos são imprescindíveis à dinâmica da repercussão tributária nenhuma. No entanto, o legislador designa de isenção alguns casos, porém, em outros utiliza fórmulas estranhas, como se não se tratasse do mesmo fenômeno jurídico.24

É temerário igualar isenção e alíquota zero. Aquela, segundo disposto no

Código Tributário Nacional, é hipótese de exclusão do crédito tributário, que resulta

na dispensa do pagamento do tributo, cuja obrigação surge concomitantemente a

ocorrência do fato gerador. Ressalta-se ainda que a isenção só pode ser deferida

mediante lei, por força do artigo 150, § 6º da Constituição Federal e mesmo do artigo

97, VI do Código Tributário Nacional.

Já a alíquota zero, não possui qualquer relação com a exclusão do crédito

tributário, nas palavras de Albino Carlos Martins Vieira: “a alíquota zero não se

relaciona com a exclusão do crédito tributário porque esse não surgiu por falta de

expressão numérica”.25

Sacha Calmon Navarro Coelho ensina: “a alíquota zero tem o sentido de

‘produto não aliquotado’, o que, de modo algum, significa ausência de fato gerador,

mas sim de medida para cálculo do dever tributário”.26

Também comunga com a diferenciação entre os institutos, Albino Carlos

Martins Vieira: “ao contrário da isenção, a tributação com alíquota zero pode ser

produzida a partir de ato infralegal, emanado do Presidente, conforme autorização

constitucional (artigo 153, § 1º, da CF/1988)”.27 Prossegue:

Igualar os institutos, a partir de seus resultados, corresponde a uma forma grosseira de estudo do fenômeno jurídico, no qual, em diversas situações, mecanismos completamente díspares entre si produzem resultados idênticos, não obstante manterem suas especificidades científicas. Como exemplo da tese ora defendida, podem ser mencionadas a elisão e a evasão tributárias, cuja ocorrência implica redução de tributos devidos, mas

24 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 304 25 VIEIRA, Albino Carlos Martins. O creditamento do IPI. Olinda: Editora do Autor, 2005, p. 116 26 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. Belo Horizonte: Del Rey, p. 175-177 27 VIEIRA, Albino Carlos Martins. O creditamento do IPI. Olinda: Editora do Autor, 2005, p. 116

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que, malgrado essa semelhança de resultado, possuem tratamento distintos.28

Não se pode deduzir da simples obtenção de resultados igualitários, que

os processos ou mecanismos utilizados na produção daqueles também sejam

iguais, sob pena de incorrer em grave erro de interpretação dos preceitos jurídicos.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito da diferenciação

entre a isenção tributária e a alíquota zero, no julgamento do RE 109.047-2/SP,

Relator Ministro Octávio Gallotti, conforme acórdão publicado em 26 de setembro de

1986, no qual relata que nos autos em exame, consistiria na controvérsia em saber

se a recorrente tinha, ou não, direito ao crédito do IPI, referente às embalagens de

produtos beneficiados pela alíquota zero.

Na esteira dos pronunciamentos da Corte, que deram causa à edição da

súmula 576, restou consagrado o entendimento segundo o qual os institutos da

isenção e da alíquota zero não se confundem, possuindo características que o

diferenciam, a despeito da similitude de efeitos práticos que, em princípio, os

assemelha. Nesse sentido, o relator no julgado supracitado ensina:

(...) É de ver que a circunstância de ser a alíquota igual a zero não significa que não há fato gerador, enquanto acontecimento fático capaz de constituir a relação jurídico-tributária, mas sim a falta do elemento de determinação quantitativa do próprio dever tributário(...)

Assim, a despeito de resultarem em situações semelhantes, a isenção e a

alíquota zero, são institutos jurídicos distintos, de modo que não é possível afirmar

que se tratam de espécies do mesmo gênero.

4.5. BASE DE CÁLCULO

A base de cálculo do IPI é variável de acordo com a hipótese de

incidência:

28 VIEIRA, Albino Carlos Martins. O creditamento do IPI. Olinda: Editora do Autor, 2005, p. 116

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Para produtos importados, a base de cálculo é a mesma do imposto de

importação, acrescida do próprio imposto de importação, das taxas exigidas para

entrada do produto no país e ainda dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo

importador ou dele exigíveis (artigo 47, I, CTN);

Para produtos industrializados nacionais, a base de cálculo será o valor

da operação de saída do produto do estabelecimento do contribuinte. Não tendo

valor a operação ou em caso de omissão dos respectivos documentos, a base de

cálculo será o preço corrente da mercadoria ou de sua similar no mercado

atacadista da praça do contribuinte (artigo 47, II); e,

Em se tratando de produto leiloado, a base de cálculo será o preço da

respectiva arrematação (artigo 47, III, CTN).

A legislação infraconstitucional, na tentativa de impedir práticas

fraudulentas, traz em sua coletânea, normas relativas à base de cálculo do IPI.

A Constituição Federal vigente já não permite que por ato do Poder

Executivo, haja alteração da base de cálculo do IPI. Conseqüentemente, será

inconstitucional qualquer disposição de lei ordinária que permita ao Poder Executivo

alterar a base de cálculo do imposto em tela.

4.6. NÃO CUMULATIVIDADE

Por força do disposto no artigo 153, § 3°, II, da CRFB/88, o IPI “será não-

cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante

cobrado nas anteriores”. O Código Tributário Nacional, sobre o mesmo tema, dispõe

em seu artigo 49, que o imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o

montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o

imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente

aos produtos nele entrados.

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Acrescenta ainda em seu parágrafo único que o saldo verificado, em

determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou

períodos seguintes.

Garantir a não-cumulatividade do IPI é garantir que não haja uma elevada

tributação por meio deste imposto, tendo em vista que sua incidência ocorre em

cada operação realizada com o produto industrializado.

A não-cumulatividade existe para garantir que o ônus do imposto não vá

se acumulando em cada operação. Se o imposto incidiu sobre o insumo, não deverá

reproduzir esse ônus no produto final. Para isso existe o crédito, através do qual é

possível bloquear a acumulação das duas incidências do imposto.

Nas palavras de Leandro Paulsen:

A não-cumulatividade constitui uma técnica de tributação que visa a impedir que as incidências sucessivas nas diversas operações da cadeia econômica de um produto impliquem um ônus tributário muito elevado, decorrente da múltipla tributação da mesma base econômica, ora como insumo, ora como integrante de outro insumo ou de um produto final.29

Com a não-cumulatividade, torna-se possível compensar o que for devido

em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. O saldo verificado, em

determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou

períodos seguintes. Registra-se como crédito do IPI o valor referente à entrada de

uma mercadoria e, como débito, o valor dos produtos que saírem. Ao final do

período são feitos os cálculos sobre o que foi pago de crédito do IPI com aquilo que

representa débito, ou seja, aquilo que deveria ser pago de IPI. Sendo o crédito maior

que o débito, transfere-se a diferença para uso no período seguinte ou nos períodos

seguintes. Nisto consiste a compensação.

Hugo de Brito Machado exemplifica:

Em uma empresa industrial, por exemplo, isto significa dizer o seguinte: a) faz-se o registro, como crédito, do valor do IPI relativo às entradas de matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, e outros insumos que tenham sofrido a incidência do imposto ao saírem do estabelecimento de onde vieram; b) faz-se o registro, como débito, do valor do IPI calculado sobre os produtos que saírem. No fim do mês é feita a apuração. Se o débito é maior, o saldo devedor corresponde ao valor a ser

29 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 87

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recolhido. Se o crédito é maior, o saldo credor é transferido para o mês seguinte30

O Decreto 4.542/2002, que regulamenta o IPI, assim dispõe em seu artigo

163, que a não-cumulatividade do imposto é efetivada pelo sistema de crédito,

atribuído ao contribuinte, do imposto relativo a produtos entrados no seu

estabelecimento, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos,

num mesmo período.

No parágrafo primeiro e segundo do artigo supra, relata-se que o direito

ao crédito é também atribuído para anular o débito do imposto referente a produtos

saídos do estabelecimento e a estes devolvidos ou retornados, bem como se regem

pelo sistema de crédito os valores escriturados a título de incentivo, bem assim os

resultantes das situações indicadas no art. 178.

E no artigo 195, também do referido decreto, ensina que os créditos do

imposto escriturados pelos estabelecimentos industriais, ou equiparados a industrial,

serão utilizados mediante dedução do imposto devido pelas saídas de produtos dos

mesmos estabelecimentos (Constituição, art. 153, § 3º, inciso II, e Lei nº 5.172, de

1966, art. 49).

Questão importante decorrente do princípio da não-cumulatividade, é a

referente aos produtos isentos, não tributados ou sujeitos a alíquota zero. A questão

é saber se no caso de isenção, não-incidência ou alíquota zero, o contribuinte terá

direito ao crédito do IPI.

Hugo de Brito Machado defende que:

Pode ocorrer que um produto seja não tributado, ou submetido a alíquota zero, por ser essencial. Esse produto presta-se como insumo para fabricação de produtos diversos. Muitos deles de grande essencialidade – como remédios, por exemplo. Outros menos essenciais, ou até supérfluos – como perfumes. A única forma de preservar o princípio da seletividade, fazendo com que o ônus do IPI sobre cada produto seja o efetivamente resultante da aplicação da alíquota respectiva, é restringir os créditos do imposto às entradas efetivamente oneradas. Assim, as aquisições de insumos não tributados ou com alíquota zero não devem ensejar os créditos, porque estes viriam amesquinhar o princípio da seletividade.31

No mesmo sentido, Leandro Paulsen:

30 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 345 31 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 347

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Efetivamente, no caso da não-incidência, não se pode falar em transferência do ônus fiscal (inexistente) nem em cumulatividade (trata-se da primeira operação tributada). Na hipótese da alíquota zero, por sua vez, não há como imaginar creditamento possível, na medida em que não há representação econômica do IPI incidente na compra do insumo. Até mesmo no caso de isenção, tal não se viabilizaria. Isso porque o art.175 do CTN exclui o crédito tributário. Ou seja, nos casos de isenção, a operação implica fato gerador do IPI, há a incidência por força da lei tributária impositiva, mas, em face de outro dispositivo legal instituidor de benefício, o respectivo crédito tributário é excluído. Com a exclusão do crédito, exclui-se o ônus de pagar o tributo e, portanto, não há que se falar em montante “cobrado”. Cabe referirmos, ainda, que, se, em nenhuma dessas operações, houve cobrança de IPI, não houve tal ônus a pressionar o preço do insumo (lembre-se que o IPI é calculado por fora), de maneira que a empresa adquirente pagou menos pelo produto do que pagaria se houvesse a tributação. A par disso, o IPI devido na saída do produto final é repassado ao comerciante, de modo que o industrial acabou não suportando os respectivos ônus. 32

Diferentemente do que ocorre com o ICMS, imposto sobre o qual a

Constituição Federal dispõe expressamente que: “a isenção ou não-incidência, salvo

determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação

com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a

anulação do crédito relativo às operações anteriores” (artigo 155, § 2º, II, “a” e “b”,

CF/88). Nenhuma limitação constitucional foi imposta em relação ao IPI e ao direito

de crédito do contribuinte, o legislador constituinte não fez qualquer ressalva em

relação a este imposto, nos casos de não-incidência, isenção ou alíquota zero.

Embora controvertida seja esta questão, o Supremo Tribunal Federal já

se posicionou a este respeito, no julgamento do RE nº 353657/PR, Relator Ministro

Marco Aurélio, conforme consta do acórdão publicado em 07 de março de 2008.

No referido acórdão o Ministro Relator assevera que conforme disposto

no inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal, observa-se o princípio da

não-cumulatividade compensando-se o que for devido em cada operação com o

montante cobrado nas anteriores, ante o que não se pode cogitar de direito a crédito

quando o insumo entra na indústria considerada a alíquota zero.

E neste sentido o Ministro ainda aduz que descabe em face do texto

constitucional regedor do Imposto sobre Produtos Industrializados e do sistema

jurisdicional brasileiro, a modulação de efeitos do pronunciamento do Supremo, com

32 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 94

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isso sendo emprestada à Carta da República a maior eficácia possível,

consagrando-se o princípio da segurança jurídica.

Comungando de mesmo sentido, temos a decisão do Ministro Carlos

Britto, quando do julgamento do RE nº 578853/RS, publicado em 13 de abril de

2009, afirma que a mencionada utilização de créditos afronta o inciso II do § 3º do

art. 153 da Constituição Federal, isso porque a não-cumulatividade pressupõe, salvo

previsão expressa da própria Carta Magna, tributo devido e já recolhido e, nos casos

de isenção, alíquota zero e não-tributação, não há parâmetro normativo para se

definir a quantia a compensar. Ao ser admitida a apropriação dos créditos, o produto

menos essencial proporcionaria uma compensação maior, sendo o ônus decorrente

dessa operação suportado indevidamente pelo Estado.

Em se tratando de produtos não tributados, tributados com alíquota zero

ou beneficiados pela isenção, o contribuinte não terá direito a compensação de

créditos do IPI. Se contrário fosse, incorreria em ofensa ao princípio da não-

cumulatividade, pelo qual compensa-se o que for devido em cada operação com o

montante cobrado nas anteriores. Como nestes casos, nada foi cobrado na

operação anterior, não há que se falar em crédito a ser compensado.

4.7. CONTRIBUINTE

O contribuinte do IPI segundo a regra do artigo 51 e seu parágrafo único

do CTN é o importador ou quem a lei a ele equiparar, o industrial ou quem a lei a ele

equiparar o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos

industriais ou aos a estes equiparados, o arrematante de produtos apreendidos ou

abandonados, levados a leilão, para os efeitos do IPI, considera-se contribuinte

autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou

arrematante.

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Hugo de Brito Machado, esclarece a última hipótese:

Embora o estabelecimento seja na realidade apenas um objeto e não um sujeito de direitos, para os fins do IPI, como também do ICMS, assim não é. Por ficção legal, cada estabelecimento se considera um contribuinte autônomo. Trata-se de solução prática, pois em muitos casos a empresa possui mais de um estabelecimento, e algumas vezes até estabelecimentos destinados ao exercício de atividades diversas. Uma única empresa pode ter estabelecimentos industriais, outros comerciais, outros de prestação de serviço, e assim por diante. Assim, para os efeitos do IPI, considera-se cada estabelecimento como um contribuinte autônomo.33

A autonomia dos estabelecimentos apenas prevalece para verificação da

ocorrência do fato gerador do IPI. O respectivo recolhimento do imposto, por sua

vez, é responsabilidade da empresa.

4.8. LANÇAMENTO

O imposto sobre produtos industrializados é objeto de lançamento por

homologação, ou seja, o contribuinte escritura os livros de entrada e saída dos

produtos, anotando, como crédito, o valor do IPI relativo às entradas de matérias-

primas e outros insumos, e, como débito, o valor relativo às saídas dos produtos.

Calcula-se o saldo escriturando o livro específico, e, se restar como credor, transfere

o respectivo saldo para o período seguinte, e, quando devedor, recolhe o valor

correspondente.

O lançamento estará realizado no momento em que a autoridade

administrativa homologar a apuração realizada pelo contribuinte.

Quando houver omissão por parte do contribuinte, deixando de

apresentar no período específico as informações a que está legalmente obrigado, o

IPI poderá ser lançado de ofício pela autoridade administrativa. Se o contribuinte

deixar de efetuar o pagamento devido, mas apresentar regularmente as

33 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 347/348

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informações, a autoridade administrativa poderá homologar a atividade apuratória e

notificá-lo a fazer o pagamento do imposto, acrescido de justo e multa moratória.

O correndo ou não o pagamento do imposto, quando a apuração feita

pelo contribuinte estiver incorreta, tendo declarado um valor menor do que o

efetivamente devido, a autoridade administrativa poderá lançar de ofício a diferença

a ser recolhida.

Em qualquer das hipóteses, se a autoridade administrativa não se

manifestar no prazo de cinco anos, contado do fato gerador do imposto, operam-se,

simultaneamente, o lançamento por homologação e a decadência do direito da

Fazenda Pública de fazer o lançamento de possíveis diferenças.

5. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE NO IMPOSTO SOBRE

PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI

Como é sabido, a seletividade atribuída ao imposto sobre produtos

industrializados em função de sua essencialidade, está prevista no artigo 153, § 3º, I,

da Constituição Federal de 1988.

No brilhantismo que lhe é peculiar, o Professor Eduardo Sabbag ensina

que:

(...) seletividade do IPI: técnica de incidência de alíquotas, cuja variação dar-se-á em função da essencialidade do produto. Os produtos de primeira necessidade devem ter baixa tributação, e os produtos supérfluos devem receber tributação mais elevada. Tal disciplinamento vem ao encontro dos valores prestigiados pela Constituição Federal, como a proteção à família, a valorização do trabalho etc. É instrumento idôneo a frenar o consumo de produtos indesejáveis, alcançando metas de redistribuição de rendas e

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maior aproximação da justiça fiscal. A imposição de alíquotas mais elevadas ocorrerá na razão inversa da essencialidade dos produtos”. 34

Para se reger o processo da seletividade é imprescindível o elemento

“essencialidade”, tal critério, consubstanciado a outros princípios (quais sejam:

capacidade, legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, entre outros) são

obrigatoriamente utilizados para que se chegue ao aspecto de aplicação que e

elementar e seletivo no tributo em tela.

A incompatibilidade prevista entre a valoração da essencialidade em

relação com a alíquota atribuída ao IPI, consiste em quanto maior o grau de

necessidade do produto, menor deverá ser a alíquota do tributo incidente sobre ele.

Nos dizeres de Ricardo Lobo Torres,

(...) seletividade em função da essencialidade é o único critério para a incidência do IPI e significa que o tributo recai sobre os bens na razão inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua superfluidade. A essencialidade admite graduação, de modo que a alíquota ou não existirá, quando o produto se tornar absolutamente essencial para atender às necessidades primárias, ou será fixada em escala ascendente na proporção em que menor for a sua utilidade social.35

No escólio da essencialidade devem-se utilizar os elementos temporais e

espaciais, porquanto as sociedades estão em pujante evolução, mudando com

freqüência o leque de produtos considerados como primordiais.

Cada sociedade tem diferentes necessidades de produtos que são

peculiares a cada cultura. Ante tais fatos, decorre a necessidade de revisão

periódica das alíquotas, de modo a assegurar que estejam sempre atendendo aos

primados constitucionais.

Ocorre que estes elementos extrajurídicos não são tidos como critérios

norteadores das alíquotas em função do princípio da seletividade. Em verdade, são

apenas pontos secundários e auxiliares na formação do entendimento do intérprete

da lei, para que assim, se possa alcançar o equilíbrio, não ferindo o princípio da

isonomia.

34 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1006 35 TORRES, Ricardo Lobo. O IPI e o princípio da seletividade. Revista Dialética de Direito Tributário nº 18. São Paulo: Dialética, 1997, p. 94

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Existem várias técnicas que podem ser utilizadas pelo legislador ordinário

que para atenda ao princípio da seletividade, dentre as quais, a mais comum é a

diferenciação de alíquotas, por exemplo, a mudança (desde que seja por lei) da

base de cálculo, concessão de isenções, incentivos fiscais, dentre outros.

A respeito da alíquota zero anota-se que esta é um dos meios

encontrados para obedecer a desoneração tributária quanto ao IPI incidente sobre

produtos essenciais. Não obstante, ela se encontra no critério quantitativo da regra,

como já visto, não apresentando relação de identidade com a isenção, pois naquela

a alíquota continua a incidir sobre a base de cálculo, só que o seu número não

implica quantidade para pagamento.

Em Acórdão proferido pelo Ministro Paulo Távora do extinto Tribunal

Federal de Recursos, observa-se no que tange a alíquota zero que “frustra-se a

quantificação aritmética da incidência e nada vem à tona para ser excluído”.36 O que

não exprime dizer que a norma deixa de incidir, e sim ao contrário, pois, a norma

continua a ter incidência, porém não existe tributo a recolher, haja vista que em seu

critério quantitativo a alíquota é o número zero.

A variação das alíquotas do IPI em razão da essencialidade dos produtos

industrializados, tem como base inicial o número zero, e, neste caso, não se tem que

recolher o tributo.

Não é demais relembrar que o IPI é claramente utilizado como

instrumento de promoção de políticas econômicas e sociais, como sua função é

preponderantemente extrafiscal, consubstanciada com o critério da seletividade,

favorece tanto operações úteis e convenientes à sociedade, quanto desestimula

comportamentos que vão contra o interesse coletivo, através de pesadas

incidências.

Com isso, a seletividade se perfaz como um eficiente meio para a

efetivação da extrafiscalidade, dando ao Estado o poder de estimular obtenção de

bens essenciais aos contribuintes, e barrar ao mesmo tempo, a aquisição de bens

36 Acórdão proferido pelo Ministro Paulo Távora do extinto Tribunal Federal de Recursos. Publicado pela Revista Trimestral de Jurisprudência nº 119. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1987, p. 857-858

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tidos como desnecessário ou prejudicial à sociedade (exemplo: o fumo que possui

alíquota altíssima na tabela TIPI)

Um último apontamento importante sobre a seletividade em razão da

essencialidade do produto é a aplicação deste princípio no que diz respeito ao

universo do meio ambiente. É direito dos cidadãos, constitucionalmente previsto

(artigo 170, VI, CF/88), o meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim sendo, é

tema que também merece atenção na seara do direito tributário.

A corrente doutrinária adepta à tributação ecológica, defende com certa

prudência que dentro do campo da produção industrial de bens, tudo o que estiver

relacionado com os propósitos de preservação do meio ambiente, merece o

benefício da aplicação do princípio da seletividade, partindo da premissa que os

produtos conexos com a proteção do meio ambiente – equipamentos, máquinas,

bens de consumo – devem receber alíquotas mínimas para o IPI, ou até mesmo

zero.

A seletividade tributária em sede de preservação do meio ambiente,

também pode ser aplicada em outros impostos, desde que relacionados com

atividades que visem a conservação ambiental. Dentre estes impostos, podemos

destacar o imposto de renda, de importação, de exportação, ICMS, IPTU e IPVA.

O benefício da diferenciação de alíquotas pode ser considerado como

prêmio fiscal concedido pelo poder público e consubstanciado na redução dessas

alíquotas, com a finalidade de incentivar setores favorecidos a desenvolver novos

projetos e novas tecnologias que venham a contribuir para o crescimento econômico

de maneira sustentável.

A correta aplicação do princípio da seletividade é um importante escudo

assegurador dos direitos do contribuinte contra a força arrecadatória do Estado.

Quando bem empregado, este princípio é capaz de concretizar políticas sociais que

buscam a igualdade entre os contribuintes e a tão sonhada justiça fiscal, mantendo o

cidadão sob o seu manto protetor.

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CONCLUSÃO

O princípio da seletividade proporciona meios para se buscar a igualdade

entre os contribuintes, constituindo-se num poderoso instrumento que tem o Poder

Público para alcançar a justiça fiscal. Ele se concretiza pela aplicação de alíquotas

variáveis de impostos, em razão da essencialidade do produto fornecido ou do serviço

prestado.

Na atividade fiscal, o alcance da igualdade depende, em grande parte, dos

princípios da capacidade contributiva e da seletividade. Por essa razão, os impostos

devem ter caráter pessoal e serem graduados de acordo com a capacidade econômica

do contribuinte. Nessa linha, o princípio da seletividade tem como finalidade o

favorecimento e a proteção dos consumidores finais, os quais, em última instância, são

os que suportam a carga econômica dos tributos.

Tamanha é sua importância que o princípio da seletividade já estava previsto

na Emenda Constitucional nº 1, de 1969 e foi também contemplado pelo constituinte

originário de 1988. O Código Tributário Nacional, anterior à Constituição de 1988,

também já trazia, em seu art. 48, esta previsão. Princípio semelhante já se podia

encontrar na Constituição de 1946.

Pode-se afirmar que, em decorrência de seu significado, sua aplicabilidade é

obrigatória, pois se trata de um poder-dever do poder público, de grande eficácia, para

assegurar ao indivíduo tratamento equânime, com justo gravame tributário, respeitando-

se a capacidade contributiva de cada um dos onerados. Ao Estado cabe atuar no

sentido de corrigir as desigualdades sócio-econômicas existentes ou, quando pouco,

minimizá-las, de modo a garantir a todos a igualdade de possibilidades e o tratamento

igualitário diante da lei, direito fundamental de todos. É sua responsabilidade, por outro

lado, diligenciar para garantir o direito à vida e à saúde, para o que se vale também da

aplicação do princípio da seletividade nos negócios jurídicos relativos às mercadorias

básicas para a vida humana, nas quais se inclui, por exemplo, a energia elétrica. De tão

grande importância se reveste esse princípio que se pode, por via indireta, incluí-lo no

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rol das cláusulas pétreas, de vez ele enseja marcante deferência ao princípio

fundamental da igualdade, que por disposição constitucional é cláusula pétrea.

Os institutos da isenção e da alíquota zero são espécies de gêneros

diversos, apesar de resultarem na prática em situações bem próximas, sendo que, neste

trabalho eles são focados com o fito de mostrar a inter-relação com o princípio

estudado. A alíquota zero não se relaciona com a exclusão do crédito tributário, pois ao

contrário da isenção, ela expressa que o produto apenas deixou de receber alíquota, de

acordo com o princípio da seletividade, por disposição do Poder Público.

Embora a proteção do meio ambiente seja dever de todos, cabe ao Poder

Público, em primeira ordem, desenvolver estratégias de defesa do bem ambiental, o que

faz também pela aplicação do princípio da seletividade no desenvolvimento de

estratégias de defesa do bem ambiental, sejam as de natureza preventiva ou as que

tenham caráter repressivo, a fim de assegurar esse bem fundamental a todos os

cidadãos.

Como se buscou mostrar, o princípio da seletividade concede ao Poder

Judiciário os instrumentos para decidir, em cada caso concreto que for submetido ao

seu julgamento, sempre que restar constatada violação da razoabilidade e do bom

senso ou houver sido verificado efetivo desvio de poder ou de finalidade em sua

aplicação.

Na extrafiscalidade presente no IPI configura-se instrumento de

intervenção do desenvolvimento econômico, além de desempenhar importante papel

na realização de políticas sociais. Sua função fiscal fica em um plano secundário,

embora seja importante fonte de receita para os cofres públicos.

Possui tal princípio, aplicabilidade obrigatória, pois não se trata de uma

liberalidade do Estado, mas sim de um poder-dever, de grande eficácia, para

afiançar ao cidadão tratamento equânime, com justo gravame tributário. É função do

Estado atuar na correção das desigualdades sócio-econômicas existentes ou,

quando pouco, minimizá-las, garantindo a todos as mesmas possibilidades e a

tratativa igualitária diante da lei, direito fundamental de todos.

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Dentre todas as discussões, pôde-se concluir que o princípio da

seletividade, iluminador do Imposto sobre Produtos Industrializados, cumpre papel

fundamental na busca pela tão sonhada justiça fiscal.

REFERÊNCIAS

Acórdão proferido pelo Ministro Paulo Távora do extinto Tribunal Federal de Recursos. Publicado pela Revista Trimestral de Jurisprudência nº 119. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1987.

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