BOLETIM CONTEÚDO Boletim JURÍDICO N. 573 · Dissimular equivale a encobrir com astúcia,...

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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 573

(ano VIII)

(29/03/2016)

 

ISSN- -  

 

 

 

 

 

 

 

 

BRASÍLIA ‐ 2016 

Boletim

Conteú

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rídico-ISSN

–1984-0454

 

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Boletim Conteúdo Jurídico n. 573 de 29/03/2016 (ano VIII) ISSN

 ‐ 1984‐0454 

ConselhoEditorial 

COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.

Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário

Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.

Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.

Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR

   

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SUMÁRIO

COLUNISTA DO DIA

 

29/03/2016 Kiyoshi Harada 

» Cortes no orçamento do Judiciário e do Ministério Público

ARTIGOS 

29/03/2016 Denis Caramigo » A "lavagem de dinheiro" e suas peculiaridades 

29/03/2016 Jose Aldizio Pereira Junior 

» O novel Estatuto do Deficiente e seus impactos no regime civil das incapacidades: algumas 

indagações 

29/03/2016 Leandro Camargos Herculano 

» O agente infiltrado como forma de obtenção de provas de infrações penais praticadas no âmbito 

das organizações criminosas ‐ Lei 12.850/13 

29/03/2016 Vinícius Borges Meschick da Silva 

» Prescrição no Direito Penal: breves considerações 

29/03/2016 Fabiana Mendes Caldeira Brandão 

» A importância da perícia criminal para a comprovação da materialidade no crime de homicídio 

29/03/2016 Lara Caxico Martins Miranda 

» As prerrogativas da Fazenda em vistas do interesse público 

MONOGRAFIA

29/03/2016 Micheli Moraes Jardim » Os reflexos da Lei Maria da Penha no Direito do Trabalho, possibilitam as garantias à empregada 

vítima de violência doméstica e familiar? 

 

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CORTES NO ORÇAMENTO DO JUDICIÁRIO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

KIYOSHI  HARADA:  Advogado  em  São  Paulo  (SP). Especialista  em  Direito  Tributário  e  em  Direito Financeiro  pela  FADUSP.  Professor  de  Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex  Procurador‐Chefe  da  Consultoria  Jurídica  do Município de São Paulo.

Já é do conhecimento público que o Executivo está provendo cortes no orçamento em relação às verbas destinadas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pergunta-se, a medida é constitucional?

Enquanto em elaboração da Lei Orçamentária Anual – LOA – o governo pode promover os ajustes necessários com vistas à obtenção do equilíbrio orçamentário, isto é, as despesas devem ser fixadas no exato montante das receitas previstas. Não pode haver orçamento negativo, como aconteceu na primeira mensagem presidencial que acompanhou a proposta legislativa. A proposta foi refeita, mas, os efeitos práticos são idênticos, pois, incluiu-se na estimativa de receitas o produto da arrecadação de tributo inexistente no mundo jurídico, a CPMF, o que não é permitido pela ordem constitucional vigente.

Dissemos que o Executivo pode fazer ajustes em relação às propostas orçamentárias apresentadas pelo Judiciário e pelo Ministério Público, só que de conformidade com o que está na Constituição e não de forma arbitrária.

Compete ao Poder Judiciário elaborar a sua proposta orçamentária dentro dos limites previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 99 e § 1º da CF). No âmbito federal essa proposta é encaminhada pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, conforme prescrição do § 2º, do art. 99 da CF. O Ministério Público e as Defensorias Públicas, também gozam de autonomia orçamentária para elaboração e envio

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de suas propostas orçamentárias (arts. 127, § 3º e 134, § 2º). As propostas orçamentárias do Judiciário, do Poder Legislativo, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos demais órgãos ou entidades do Executivo são unificadas, sofrendo ajustes necessários antes do seu envio ao Parlamento Nacional (§ 4º, do art. 99 da CF), a fim de que as despesas a serem fixadas situem-se nos limites das estimativas de receitas. Contudo, esses ajustes só poderão ser feitos pelo Executivo se as propostas apresentadas excederem os limites fixados na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O grande problema é que a LDO raramente é aprovada no prazo constitucional. A de 2016, por exemplo, estava em tramitação conjunta com a proposta de Lei Orçamentária Anual, sendo que aquela tem a função de orientar a elaboração desta. Esses atrasos costumeiros é uma das formas de “melar” o orçamento anual que hoje já deveria estar sendo executado, mas estamos, na verdade, executando o que está no projeto de lei orçamentária, o que equivale dizer que estamos aplicando uma lei sob elaboração.

Uma vez aprovado o projeto de lei orçamentária anual pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, os recursos financeiros correspondentes às verbas fixadas nas dotações pertencentes aos Poderes Judiciário e Legislativo e ao Ministério Público e Defensoria Pública deverão ser repassados na forma do art. 168 da CF, in verbis:

“Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º”.

O descumprimento do preceito constitucional retrotranscrito acarreta crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, caput da CF:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e especificamente, contra:”

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Entretanto, nos termos do art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – “se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”, ressalvadas “as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias” (§ 2º, do art. 9º). Prescreve, ainda, o § 3º que “no caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.

Esse § 3º, de discutível constitucionalidade, foi inserido no pressuposto de que incumbe ao Executivo promover a realização das receitas públicas previstas na LOA, a fim de promover a repasse dos recursos financeiros correspondes aos demais Poderes e ao Ministério Público. Mas, a norma sob comento está em confronto aberto com o art. 168 da CF que determina a liberação dos recursos em forma de duodécimos, no dia 20 de cada mês. Ela ofende, às escâncaras, o princípio da separação dos Poderes. De qualquer forma a aplicação desse discutível § 3º, do art. 9º da LRF depende de observância pelo Executivo de todas as normas da LRF concernentes à fiscalização e controle da execução orçamentária. Cabe ao Supremo Tribunal Federal a palavra final sobre o assunto, lembrando que aquela Alta Corte de Justiça do País deferiu a liminar na ADI 2238MC/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, para suspender os efeitos do § 3º, do art. 9? da LRF (DJe 11-9-2008).

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A "LAVAGEM DE DINHEIRO" E SUAS PECULIARIDADES

DENIS CARAMIGO: Advogado criminalista; Graduado em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes - UMC; Consultor jurídico; Membro da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SP; Autor de diversos artigos jurídicos publicados em sites, revistas e jornais especializados; Membro voluntário responsável pelas matérias e orientações jurídicas do projeto Prodigs - Ação Pró-dignidade sexual; Palestrante.

Como o assunto vem tomando espaço no cenário jurídico atual, e fora

dele, importante termos o conhecimento, ainda que de forma não

aprofundada, sobre o que realmente é o delito em estudo.

A terminologia adotada no Brasil é muito similar àquela utilizada em

outros países, onde se fala deblanqueo de capitales, money laundering,

blanchiment d’argent, geldwashing e riciclaggio di denaro sporco.

Nossa legislação, entretanto, não menciona exatamente as palavras

“dinheiro” ou “capital”, optando por referir à lavagem de bens, direitos ou

valores o que confere maior abrangência ao conceito de lavagem, porém, o

termo que ficou nacionalmente conhecido foi “lavagem de dinheiro”.

O crime de “lavagem de dinheiro” consiste na conduta de quem oculta

ou dissimula a origem de bens, direitos ou valores provenientes de crime.

Haverá a infração penal na ocultação, localização, movimentação,

propriedade ou origem desses valores ou ainda na conduta de quem,

sabendo serem tais valores produto de crime, os transforma em ativos

lícitos, os negocia, movimenta, guarda ou transfere, ou mesmo os utiliza na

atividade econômica ou financeira.

Analisando o que diz o art. 1° da Lei 9.613/98, temos:

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Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores

provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Vale ressaltar que o dispositivo fala em infração penal. Infração Penal =

Crime ou Contravenção Penal.

CRIME: de acordo com o art. 1° da Lei de introdução ao Código Penal,

considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou

de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com

a pena de multa;

Os crimes estão previstos no Código Penal e nas Legislações Especiais

(como a Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas);

CONTRAVENÇÃO: de acordo com o art. 1° da Lei de introdução ao

Código Penal, 2° parte, considera-se contravenção a infração penal a que a

lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas,

alternativa ou cumulativamente.

As contravenções penais estão tipificadas na Lei das

Contravenções Penais (Decreto- Lei n° 3.688/41).

As condutas típicas descritas no art. 1°, caput, consistem

em ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,

movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes,

direta ou indiretamente, de infração penal.

Ocultar expressa o ato de esconder, encobrir, não revelar.

Dissimular equivale a encobrir com astúcia, disfarçar, esconder.

Nota-se que a distinção entre ocultar e dissimular está no fato de que

no primeiro há o mero encobrimento, enquanto no último há emprego de

astúcia, de engano, para encobrir, para tornar imperceptível, ou não visível.

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A ocultação ou dissimulação devem referir-se à: NATUREZA (essência,

condições, peculiaridades, especificidade) ou; ORIGEM (procedência ou

forma de obtenção) ou; LOCALIZAÇÃO (local onde se encontra ou situa) ou;

DISPOSIÇÃO (emprego, uso, utilização, seja gratuito ou oneroso) ou;

MOVIMENTAÇÃO (deslocamento, mobilização, mudança, circulação) ou;

PROPRIEDADE (titularidade, domínio, direito de gozar e dispor da coisa,

bem como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a detenha)

de bens, direitos ou valores.

Importantíssimo para o estudo elencado, definirmos os objetos

materiais do delito de “lavagem de dinheiro”. São eles:

Bem: vem a ser toda espécie de ativos, seja material, ou, ainda,

qualquer benefício que tenha valor econômico ou patrimonial; é tudo que

tem utilidade, podendo satisfazer uma necessidade ou suprir uma carência,

mas sempre com valor econômico;

Direito: é tudo que se atribui ou que pertence a determinado sujeito.

Valor: em sentido econômico, exprime o grau de utilidade das coisas ou

bens ou a importância que lhes concedemos para a satisfação de nossas

necessidades.

O valor é indicado pela soma pecuniária, que determina o preço das

coisas, ou pela qual se estima a sua valia, para efeito de troca, ou venda.

Indispensável que esses bens, direitos ou valores sejam oriundos, direta

ou indiretamente, da prática de uma infração penal anterior, sob pena de a

conduta ser atípica.

Com os termos “direta” diz-se de modo reto, imediato, sem

intermediações, e “indireta” significa de modo mediato, oblíquo, por

interposição ou intermediação.

IMPORTANTE: Não havendo uma infração penal anterior, não existirá

o crime de lavagem de capitais.

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São 3 (três) as fases (etapas) principais do delito:

1) Colocação ou Inserção > introduz-se o dinheiro líquido no

mercado financeiro (ex: banco, corretora);

2) Ocultação, Encobrimento ou Cobertura > escamoteia-se sua

origem ilícita (ex: paraíso fiscal, superfaturamento);

3) Integração, Conversão ou Reciclagem > objetiva-se a

reintrodução do dinheiro reciclado ou lavado na economia legal (ex:

aquisição de bem, empréstimo).

O tipo subjetivo é representado pelo dolo (direto ou eventual), ou seja,

a consciência do agente de que o bem, direito ou valor são provenientes,

direta ou indiretamente, de uma infração penal, e pela vontade de ocultar ou

dissimular sua natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou

propriedade.

Importante frisar que no crime de “lavagem de dinheiro” não se admite

a forma culposa (por imperícia, imprudência e/ou negligência).

Por mais que não se admita a forma culposa, considera-se

desnecessária a existência de um conhecimento exato, preciso ou detalhado

sobre a procedência criminosa dos bens, capitais ou valores, sendo que se

conforma com um mero conhecimento superficial ou vago, sobre a origem

delitiva do bem.

O erro versando sobre o elemento fático, como o erro de tipo, opera a

exclusão do dolo (art. 20, caput, do CP).

A consumação do delito se dá com a realização das condutas de ocultar

ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou

propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou

indiretamente, de uma infração penal.

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Consuma-se com a simples realização da conduta típica, sem a

necessidade de produção de um resultado ulterior, pois trata-se de delito de

mera atividade.

Suas formas equiparadas são:

§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a

utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração

penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - os converte em ativos lícitos - Transformar em patrimônio legítimo,

abrangendo quaisquer bens, valores, direitos, créditos e semelhantes que

formam o patrimônio de uma pessoa física ou jurídica.

Com essa conduta, busca-se a separação física entre o criminoso e o

produto do seu crime para assegurar uma aparência de legitimidade que

possibilite sua fruição sem riscos pelos autores dos crimes pressupostos.

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,

guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere - Adquire > obtém a

propriedade do bem, direito ou valor de forma onerosa (compra) ou gratuita

(doação); Recebe> implica a posse da coisa maculada pela prática de

qualquer dos crimes referidos neste artigo, sem o animus de proprietário;

Troca > permuta, consiste na recíproca transmissão de coisas ou objetos;

Negocia > comercializa, compra, vende, ajusta; Dá ou Recebe em garantia

> aceita ou entrega bem, direito ou valor para assegurar a satisfação de um

crédito se inadimplente o devedor; Guarda > tem consigo , sem ser,

entretanto, o proprietário da coisa; Tem em depósito > recebe bens , direitos

ou valores oriundos de tais crimes, para que os conservem e a retenham

consigo, em nome próprio ou de terceiro, podendo tratar-se de depósito a

título oneroso ou gratuito; Movimenta > diz respeito à circulação dos bens,

seja financeira, bancária etc; Transfere > transmite ou cede a outrem bens,

direitos ou valores, observadas as formalidades legais.

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Ressalta-se que as modalidades “guardar” e “ter em

depósito” são delitos permanentes, ou seja, a consumação se protrai no

tempo, o que possibilita a prisão em flagrante do agente enquanto perdurar

essa situação.

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos

verdadeiros - Incrimina-se aqui a conduta artificiosa daquele que subfatura

ou sobrefatura os bens, isto é, há uma discrepância (a menos ou a mais),

entre o valor nominal dos bens importados ou exportados e seu efetivo valor

de mercado.

Com essa conduta, visa o agente “encobrir o patrimônio ilícito para

depois utilizá-lo no mercado econômico e financeiro com aparência de

licitude”.

§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº

12.683, de 2012)

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou

valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683,

de 2012)

Isso quer dizer que os bens, direitos ou valores, aqui, devem proceder

diretamente de infração penal (forma direta).

Um ponto que merece atenção é diferenciar aatividade econômica da

atividade financeira.

A atividade econômica é aquela que diz respeito a produção,

distribuição, circulação e consumo de bens e serviços; A atividade financeira

refere-se a obtenção, gestão e aplicação de recursos financeiros.

Nesse particular aspecto, tem-se como suficiente a mera utilização, sem

ter o agente por objetivo a ocultação ou a dissimulação da origem dos bens,

direitos ou valores.

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A conduta aqui tipificada é independente das infrações precedentes,

isto é, o sujeito ativo não precisa haver participado da infração penal

antecedente para a configuração dessa modalidade delitiva.

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de

que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes

previstos nesta Lei.

Trata-se de uma forma especial de concorrência que permitirá a

imputação típica mesmo que o sujeito não esteja praticando os atos

característicos da lavagem ou de ocultação descritos pelo caput do art. 1° e

do respectivo § 1° (já descritos).

O delito em apreço consuma-se com a mera participação na

associação, grupo ou escritório; a simples associação é suficiente, ou seja,

pune-se o simples fato de se figurar como integrante de associação. O delito

em tela é permanente.

Ressalta-se, ainda, que por falta de técnica legislativa, o legislador não

especificou um número mínimo de agentes para que a associação fosse

tipificada.

Dessa forma, não há de se confundir com o número exigido no art. 288

(associação criminosa) do CP que estabelece um número mínimo de 3

agentes.

A associação deve apresentar estabilidade ou permanência, não sendo

suficiente um simples ajuste de vontades. Cada caso em específico deverá

ser analisado dentro de suas peculiaridades.

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O NOVEL ESTATUTO DO DEFICIENTE E SEUS IMPACTOS NO REGIME CIVIL DAS INCAPACIDADES: ALGUMAS INDAGAÇÕES

JOSE ALDIZIO PEREIRA JUNIOR: Procurador Federal. Ex-Defensor Público do Estado do Ceará. Especialista em Direito Processual Civil, DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS PELO IDP, ESPECIALISTA EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO PELA PUC/MINAS e em Direito Público pela UNB. Membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Trabalhista e Previdenciário. Mestrando em Direito.

1 - INTRODUÇÃO

A inclusão da Pessoa com deficiência é uma temática que vem merecendo grande atenção dos legisladores ao redor do mundo. A trajetória da população com deficiência ao longo da história foi marcada por estigma, pena, culpa e, principalmente, por exclusão e segregação. Entre os séculos XII e meados do século XX, disfarçada em meio a um discurso protecionista e de fortalecimento das pessoas com deficiência, a institucionalização foi a solução social “adequada” para satisfazer suas necessidades mínimas de alimentação, alojamento e saúde. É possível ver, ainda hoje, em diversos países, a retirada de pessoas com deficiência de suas comunidades de origem. Muitas vezes, elas são levadas para instituições isoladas ou para escolas especiais, frequentemente distantes de suas famílias.

A partir de meados do século XX, a integração passou a ser o modo de interação entre as pessoas com deficiência e a sociedade. Neste modelo, o processo referia-se à necessidade de modificar a pessoa com deficiência, de maneira que ela pudesse se assemelhar, o máximo possível, aos demais cidadãos. Só assim ela poderia ser inserida e integrada no convívio social.

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Na década de 90, assistimos à Conferência Mundial de Educação para Todos e à Declaração de Salamanca de Princípios, Políticas e Práticas para as Necessidades Educativas Especiais que possibilitaram uma nova perspectiva de tratamento mais digno das pessoas com deficiência: a inclusiva. Nela, as exigências não se referem apenas ao direito da pessoa com deficiência à integração social, mas também ao dever da sociedade como um todo de se adaptar às diferenças individuais. Além disso, nesta perspectiva, a limitação de uma pessoa não pode, naturalmente, incidir na diminuição de seus direitos.

Foi neste cenário que, em 1991, tivemos promulgada a famigerada Lei de Cotas, que reserva às pessoas com deficiência um percentual das vagas ocupadas nas empresas com cem ou mais funcionários e que tem propiciado a entrada no mercado de trabalho formal um contingente de cidadão historicamente excluídos. Instrumento grandioso no processo de inserção do deficiente no mercado de trabalho.

No Brasil, ainda que com certo atraso, numa procura de atender minimamente aos anseios e clamores dos indivíduos e à clara determinação da nossa ordem constitucional, notadamente ao princípio da dignidade humana, houve a adesão à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e a seu Protocolo Facultativo, que resultou no Decreto. 6.949, de 25 de agosto de 2009.

Nesse contexto, o primeiro impacto sentido em nossa legislação interna, por conta da aludida adoção, materializada pela Lei 12.470, foi a completa mudança no conceito de incapacidade que imperava, com claro fundamento no Direito Civil, no âmbito da Lei de Assistência Social – LOAS.

De conseguinte, houve enormes dificuldades no âmbito da operacionalização prática das medidas concebidas, para adequar o Instituto do Seguro Social, que é responsável pela

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administração do programa, à complexidade conceitual[1], uma vez que se trouxeram elementos metajurídicos e carecedores de intervenção de diversos profissionais, como médicos e assistentes sociais, por exemplo. Felizmente, aos poucos, vimos que já se deram alguns valorosos passos na direção esperada, ainda que persista uma série de questionamentos sobre a conturbada temática.

Pois bem. Seguindo-se na produção legislativa garantidora dos direitos dos deficientes, recentemente, com a Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, e vacatio legis de 180 dias, se consagrou, ainda em maior grau, uma série de direitos e garantias das pessoas com deficiência perante a sociedade e o Estado, o chamado Estatuto da Inclusão da Pessoa Portadora de Deficiência.

2 - DESENVOLVIMENTO – A PROBLEMÁTICA

Ainda que mereça aplausos a medida legislativa, não se pode negar o descompasso com outras realidades normativas, notadamente a do novel Código de Processo Civil, que concentra diversas colisões com o texto aprovado, gerando uma série de antinomias. Podemos citar o exemplo da conquista garantida ao deficiente com a possibilidade de ele mesmo provocar a deflagração do processo de curatela, afinal ninguém mais do que ele tem interesse na medida; no entanto, ela será revogada, por mais absurdo que pareça, por expressa previsão do Art. 1.072 do novo CPC, que passará a vigorar a partir de março do ano corrente, num brevíssimo período de vigência.

Percebe-se que o legislador, no afã de compensar o atraso nessa importante e destacada matéria, acabou “atropelando” a sua discussão e deixou de interagir com a comunidade acadêmica do Direito Civil, alterando institutos como capacidade civil, interdição, representação e a assistência, sem maior rigor técnico e científico.

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O legislador, simples e inadvertidamente, sobrepôs um regime de incapacidade de tradicional consolidação, por um ainda carecedor de maior aprofundamento e estudo, ainda que de extrema relevância para efetivação de normas constitucionais. Como se sabe, sob a ótica anterior, vigente por décadas, no Brasil, sempre se tratou a incapacidade como um consectário quase infestável da deficiência. Agora, repentinamente, os deficientes superaram a condição de incapaz, independentemente da sua restrição física ou mental.

No que diz respeito às particulares condições biológicas dos deficientes, ignoradas pelo legislador, mister se faz uma grande construção doutrinária e jurisprudencial de modo a não permitir que o texto legal gere absurdos práticos, como considerar todo e qualquer portador de transtorno mental, indistintamente, como plenamente capaz. Será preciso, a partir disso, enquadrar de alguma forma, nas hipóteses em que as condições do deficiente não lhe permitam usufruir da sua nova e automática condição de capaz, na previsão do art. 4, III, do NCC. É nessa senda que adverte o Professor Flávio Tartuce:

Todavia, pode ser feita uma crítica inicial em relação à mudança do sistema. Ela foi pensada para a inclusão das pessoas com deficiência, o que é um justo motivo, sem dúvidas. Porém, acabou por desconsiderar muitas outras situações concretas, como a dos psicopatas, que não serão mais enquadrados como absolutamente incapazes no sistema civil. Será necessário um grande esforço doutrinário e jurisprudencial para conseguir situá-los no inciso III do art. 4º do Código Civil, tratando-os como relativamente incapazes. Não sendo isso possível, os psicopatas serão considerados plenamente capazes para o Direito Civil.[2]

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Dessa sorte, para alcançar seus objetivos, é preciso que a lei supere as imprecisões e conflitos que já são facilmente visualizados antes mesmo da sua aplicação prática. Porém. A inovação legislativa, porém, pela sua recente inserção no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se ainda sem aprofundamento doutrinário, embora já se perceba em muitos autores a extremada preocupação pelas profundas repercussões jurídicas das mudanças concebidas.

Resumidamente, com o propósito de conceder independência e autoafirmação aos portadores de deficiência, o Estatuto os retirou da condição de incapaz. Eis a grande a grande pretensão do diploma legal, com a revogação de boa parte dos artigos 3º e 4º, do Código Civil, que passarão a ter a seguinte redação:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

I - (Revogado);

II - (Revogado);

III - (Revogado).

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

......................................................................

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

......................................................................

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Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

Como já se disse, as implicações na prática ainda não são percebidas com clareza, tendo em vista que o Estatuto só passou a produzir efeitos jurídicos em janeiro de 2016, em razão da sua vigência protraída.

Mas, ainda assim, de antemão, conseguem-se identificar situações que merecerão muito estudo e reflexão. Lembremos que a curatela, instituto tão utilizado até hoje para intervenção de pessoas portadores de alguma sorte de limitação física ou mental, passa, a partir de agora, a ser medida extraordinária e limitada à natureza patrimonial (at. 85). No direito matrimonial, percebe-se que há autorização para o deficiente casar sem restrições, podendo expressar sua vontade por seu responsável ou curador.

Sem falar que foi introduzido um novo modelo, até então inédito em nossa legislação, alternativo ao regime da curatela, que ante a sua originalidade, carece de grande base teórica, a chamada “tomada de decisão apoiada. O professor Maurício Requião[3]registra a existência de figuras semelhantes em outros ordenamentos:

A adoção de medidas diferentes da curatela é algo que pode ser encontrado na experiência estrangeira. Apresentam-se ora através da criação de novos modelos que excluem a curatela do sistema, como no caso da austríaca Sachwalterschaft e da alemã Betreuung; ora com a criação de modelos alternativos que não excluem a curatela do sistema mas esperam provocar o seu desuso, como se deu com a criação do “administrador” belga e da figura do amministrazione di sostegno italiana; e por vezes simplesmente como figura que conviverá

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com a curatela, como nas auvegarde de justice francesa. No caso brasileiro optou-se pela convivência entre a curatela e o novo regime, servindo inclusive as disposições gerais daquela para este, nos termos do artigo 1783-A, §11. Se na realidade brasileira a tomada de decisão apoiada levará ao desuso da curatela, é algo que somente o tempo dirá.

Quais seriam, finalmente, os problemas trazidos pela nova legislação. Ousamos, como a devida vênia, apontar os seguintes:

1. Como harmonizar a realidade biológica de muitas espécies de deficiência à condição de plenamente capaz?

2. Em que condições os deficientes poderão ter afastada a sua conquistada condição de capacidade, sem que isso ofenda aos termos do Estatuto?

3. Como enfrentar a antinomia entre o Estatuto do Deficiente (Lei 13.146/2015) e o art.1.072 do novo CPC?

4. Qual seria a base cientifica do instituto da “tomada de decisão apoiada” e sua natureza jurídica?

5. Ainda sobre este instituto, haveria contradição entre o fato de, na dúvida entre a vontade do deficiente e a dos apoiadores, caber a decisão ao juiz, uma vez que o primeiro é considerado plenamente capaz?

CONCLUSÃO – RESPOSTAS PROVISÓRIAS E PONTOS DE PARTIDA PARA UMA DISCUSSÃO MAIS APROFUNDADA.

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Diante da colocação dos problemas, respondemos a essas questões da seguinte forma:

1 - Em primeiro lugar, o exercício da plena capacidade em determinados indivíduos dependerá do grau de restrição da sua realidade biológica, sendo temerário entender que todo e qualquer deficiente, por mais que a lei diga o contrário, goza de aptidão de exercer, ainda que com suporte de outrem, todos os negócios jurídicos disponíveis.

2 - Em segundo, o afastamento da capacidade, conferida, indistintamente, pela Lei13.146/2015, deverá passar pelo crivo do princípio da dignidade humana, coluna mestre da nossa ordem constitucional, de modo a contornar a previsão legal, numa interpretação conforme[4] da nova redação do Código Civil, para, nas hipóteses de alto grau de comprometimento biológico da pessoa com deficiência, enquadrar essas espécies na condição de relativamente incapaz, previstas no art. 4, III, do CC.

3 – Diante da antinomia entre o Estatuto do Deficiente e o novo CPC, as regras deste deverão ser interpretadas em conformidade com as da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, pois esta tem força normativa superior àquele, relativamente à curatela especial, como medida protetiva e temporária, não sendo cabível a interpretação que retome o modelo superado de interdição, numa espécie de retrocesso social, apesar da terminologia inadequada utilizada pela lei processual, uma vez que foi a convenção atendeu ao previsto no § 3º do art. 5º da Constituição do Brasil.

4 – A “tomada de decisão apoiada”, a exemplo da curatela, parece ostentar a natureza jurídica de ação de jurisdição voluntária, uma vez que inexistiria lide propriamente dita;

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5 - Na hipótese do §6[5], do novo artigo 1.783-A, do Código Civil, em que há dissenso entre a vontade do deficiente e dos seus apoiadores, deve se preservar a autonomia da vontade do deficiente, tendo em conta que esse procedimento é de titularidade exclusiva do mesmo, não fazendo, portanto, sentido que funcione em seu desfavor. Ademais, reforça essa contradição o fato de a decisão apoiada não restringir, em nenhum grau, a capacidade do deficiente.

Como se disse, são respostas superficiais e imediatas, que carecem de aprofundamento e base científica, no que pretendemos contribuir em nossa dissertação de mestrado.

REFERÊNCIAS

BARROS, Gilda Naécia Maciel de. A loucura como castigo – Ájax e Hércules. Delírio suicida, delírio homicida. In: International studies on law and education, vol.12. Porto: Universidade do Porto, 2012, passim. Disponível em < http://www.hottopos.com/isle12/25-32gilda.pdf>. Acesso em 20 fev. 2016.

MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

LÔBO, Paulo. Direito Civil Constitucional. Disponível em: <http://www.oab.org.br>. Acesso em 20 fev. 2016.

________. Com avanços legais, pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Disponível em :< http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-sao-incapazes>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2016.

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REQUIÃO, Maurício. AUTONOMIA, INCAPACIDADE E TRANSTORNO MENTAL: PROPOSTAS PELA PROMOÇÃO DA DIGNIDADE. 2015. 1975 f.. Tese (Doutorado em Direito Civil) – Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia. 2015.

___________. Conheça a tomada de decisão apoiada, novo regime alternativo à curatela.Disponível em :http://www.conjur.com.br/2015-set-14/direito-civil-atual-conheca-tomada-decisao-apoiada-regime-alternativo-curatela. Acesso em 20 fev. 2016.

RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Autonomia da vontade, autonomia privada e autodeterminação: notas sobre a evolução de um conceito na modernidade e na pós-modernidade. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/982/R163-08.pdf?sequence=4. Acesso em: 22 fev. 2016.

STOLZE, Pablo. Estatuto da Pessoa com Deficiência e sistema de incapacidade civil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 2016, n. 4411, 30jul. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/41381>. Acesso em: 22 fev. 2016.

TARTUCE. Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte I.Disponível em:http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com.Acesso em: 20 fev. 2016.

VÍTOR, Paula Távora. A administração do património das pessoas com capacidade diminuída. Coimbra: Coimbra, 2008, p.175-176.

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NOTAS:

[1] § 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

[2] TARTUCE. Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte I. Disponível em:http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com.Acesso em: 20 fev. 2016.

[3] Requião, Maurício. Conheça a tomada de decisão apoiada, novo regime alternativo à curatela.Disponível em :http://www.conjur.com.br/2015-set-14/direito-civil-atual-conheca-tomada-decisao-apoiada-regime-alternativo-curatela. Acesso em 20 fev. 2016.

[4] A interpretação conforme a Constituição determina que, quando o aplicador de determinado texto legal se encontrar frente a normas de caráter polissêmico ou, até mesmo, plurissignificativo, deve priorizar a interpretação que possua um sentido em conformidade com a Constituição. Por conseguinte, uma lei não pode ser declarada nula quando puder ser interpretada em consonância com o texto constitucional.

[5] § 6o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.

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O AGENTE INFILTRADO COMO FORMA DE OBTENÇÃO DE PROVAS DE INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS NO ÂMBITO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS - LEI 12.850/13

LEANDRO CAMARGOS HERCULANO: Advogado Criminalista no escritório - Leandro Camargos Advocacia Criminal. Pós Graduando em Ciências Penais pela Prontifica Universidade Católica de Minas Gerais.

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo analisar o instituto do agente infiltrado como forma de obtenção de provas para apurar infrações penais praticadas por organizações criminosas. Esta análise consiste na observância dos direitos fundamentais, bem como nas garantias processuais e no respeito ao sistema acusatório, adotado pela constituição de 1988. A partir dessa análise, compreender a forma de atuação do agente infiltrado na atividade de investigação da organização criminosa, bem como das infrações por ela praticadas e sua eventual efetividade na atual conjuntura do estado brasileiro.

Palavras chaves: Agente infiltrado. Direitos fundamentais. Devido processo Legal. Sistema acusatório.

ABSTRACT: This work aims to analyze the institutethe undercover agent in order to obtain evidence toinvestigate criminal offenses committed by criminal organizations. This analysis is the observance of fundamental rights and the procedural guarantees and respect for the adversarial system, adopted by the constitution of 1988. From this analysis, understand theform of undercover operations in the research activity of the criminal organization, as well as the offensescommitted by it and its possible effectiveness at this juncture of the Brazilian state.

Key words: infiltration agent. Fundamental rights. Due legal process. Adversarial system.

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INTRODUÇÃO

A Lei 12.850/13, ainda recente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, dispõe sobre os meios de investigação da organização criminosa e as formas de obtenção de provas das infrações penais praticadas no âmbito das organizações criminosas.

Ab initio, cabe ressaltar que esta lei dispõe de vários mecanismos para que sejam levantadas provas, cujo objetivo é desmantelar e combater as infrações penais praticadas pelas organizações criminais.

O termo infrações penais aqui empregado, abrange tanto as contravenções penais, previstas no Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941, bem como os crimes em geral.

Decerto que na atual conjuntura brasileira, mormente os crimes conhecidos como de “colarinho branco”, que em regra são praticados por organizações que possuem as características previstas na Lei de Organização Criminosa, fez-se necessária uma legislação específica que tratasse do tema com suas particularidades.

Portanto, ainda que seja recente a legislação contra a organização criminosa, seu principal objetivo é conter e, sobretudo desmantelar as organizações criminosas.

II – AGENTE INFILTRADO

Conforme disposto no art. 3º, VII da Lei 12.850/13, em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção de provas: (i) infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11.

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Antes de se estabelecer o conceito de agente infiltrado é preciso refletir sobre o texto constitucional que cautela a incolumidade pública.

Nos termos do art. 144, IV, da Constituição Federal, a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos é, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (i) polícias civis.

O parágrafo 3º aduz que as polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvadas a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares.

Isso posto, se esclarece que a infiltração por policiais trata-se de agentes integrantes da polícia judiciária, a qual é incumbida da apuração de infrações penais.

Conforme leciona Eduardo Araújo da Silva:

A infiltração de agentes consiste numa técnica de investigação criminal ou de obtenção de provas, através da qual o Estado, mediante prévia autorização judicial, se infiltra numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito de seu funcionamento. Apresenta, segundo a doutrina, três características básicas: (i) a dissimulação, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções; (ii) o engano, posto que toda a operação de infiltração se apoia numa encenação que permite ao agente obter a confiança do suspeito; (iii) e finalmente a

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intenção, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor potencial (Silva. 2014, p. 92).

Decerto que o agente infiltrado invade a esfera da liberdade e privacidade dos eventuais integrantes da organização criminosa com o objetivo de obter provas da organização e das infrações por ela praticadas.

Essa conduta por si violaria os direitos fundamentais do sujeito passivo da relação processual, bem como as garantias processuais previstas dentro do sistema acusatório.

Na visão de Nucci:

O instituto da infiltração de agentes destina-se justamente a garantir que agentes de polícia, em tarefas de investigação, possam ingressar, legalmente, no âmbito da organização criminosa, como integrantes, mantendo identidades falsas, acompanhando as suas atividades e conhecendo a sua estrutura, divisão de tarefas e hierarquia interna. Nessa atividade, o agente infiltrado pode valar-se da ação controlada – descrita no capítulo anterior – para mais adequadamente desenvolver seus objetivos (NUCCI. 2013, p. 75).

Destarte, na infiltração do agente de polícia nos átrios da organização criminosa, certamente que há a mitigação de direitos fundamentais, assim, acentua-se um conflito entre esses direitos e a incolumidade pública, o que deve ser sopesado no momento em que o magistrado deferir a infiltração do agente.

III – MITIGAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

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É inegável que nesse cenário tem-se a mitigação de direitos fundamentais do indivíduo, todavia, por outro lado, a incolumidade pública também é um direito fundamental que deve ser acautelada. Destarte, tem-se um conflito de direitos fundamentais que precisa ser equalizado pelo aplicador da norma.

Conforme Alexandre de Moraes:

Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou conveniência das liberdades públicas).

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual

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(contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade recíproca (MORAES. 2015, p. 30-31).

Portanto, não há direito que seja absoluto dentro da democracia brasileira, dessa forma, a infiltração do agente nos átrios da organização criminosa não ofendem a Constituição Federal.

Ademais, nos termos da Convenção das Nações Unidas contra o crime Organizado Transacional, ratificada pelo Brasil (Decreto nº 5.015/04), art. 20, item 1: se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir: (i) as operações de infiltração, por parte de autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

Essa convenção foi recepcionada pela Lei 12.850//13, que dispõe especificamente sobre o combate as organizações criminosas, bem como a Lei 11.343/06, a qual prevê, no art. 53, I a figura do agente infiltrado com a seguinte redação: em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: (i) a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes.

Decerto que a previsão de agente infiltrado já foi recepcionada por várias leis dentro do ordenamento jurídico brasileiro, o que demonstra que a agência legiferante tem demonstrado estrita atenção para o crime de organização criminosa, bem como para as infrações praticadas por seus integrantes.

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IV – ATUAÇÃO DO AGENTE INFILTRADO

Tendo em vista a complexidade dessa forma de obtenção de provas, nos exatos termos do caput do art. 10 da Lei 12.850/13, a infiltração de agentes de polícia será possível apenas precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

Destarte, a autorização para que o agente policial possa infiltrar nos átrios da organização criminosa é concedida através de ordem judicial e esta ordem deve ser: (i) circunstanciada, ou seja, deve descrever minuciosamente as atividades praticadas pelo agente; (ii) motivada, isto é, deve ser precedida de motivação idônea, a fim de comprovar a real necessidade da medida; (iii) sigilosa, isto significa que este ato deve ser restrito às partes durante a investigação criminal, bem como durante a instrução processual, até que seja concluída.

Eduardo Araújo da Silva faz uma reflexão sobre o direito comparado:

No direito contemporâneo, é traço comum à operação de infiltração de agentes a exigência de prévia autorização judicial: na Espanha, a infiltração de agentes, tutelada pela LO 5/99, de 13 de janeiro, que introduziu o art. 282-bis LECr., exige como um dos pressupostos básicos a autorização concedida pelo Juiz Instrutor competente ou pelo Ministério Público, que deverá comunicar imediatamente o juiz; na Alemanha, dispõe o art. 110, alínea c, da lei processual penal que a autorização deve ser concedida por um membro do Ministério Público; porém, em casos de urgência, é dispensada tal ordem, devendo a operação ser cessada no

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terceiro dia se ainda não houver autorização; em Portugal, prevê o art. 3º, nº 3 da Lei nº 101/01 que a ação infiltrada no âmbito do inquérito depende de autorização do “magistrado” do Ministério Público, que comunicará obrigatoriamente o juiz de instrução (SILVA. 2014, p. 94).

Percebe-se que vários países têm voltado as suas atenções para o combate às organizações criminosas, haja vista que as infrações por elas praticadas alcançam toda a sociedade, atingindo, inclusive, as estruturas estatais em determinadas situações.

Nucci assevera que:

São requisitos para a infiltração de agentes (art. 10 da Lei 12.850/13): a) ser agente policial: a anterior Lei 9.034/95 permitia também a atuação de agentes de inteligência, advindos de órgãos diversos da polícia. Tal situação não é mais admitida; somente agentes de polícia, federais ou estaduais, podem infiltrar-se em organizações criminosas; b) estar em tarefa de investigação: demonstra a necessidade de não se elaborar investigação informal, especialmente infiltrada. É fundamental a instauração de inquérito, em caráter sigiloso, para que se faça a infiltração; c) autorização judicial motivada: cabe ao juiz, que acompanha o desenvolvimento da investigação criminal, autorizar a infiltração de agentes em organização criminosa. Poder-se-ia argumentar não ser ideal a participação ativa do magistrado nesta fase da investigação criminal, porque ele poderia comprometer a sua isenção (NUCCI. 2013, p.76).

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Além da autorização judicial, é necessária a observância de alguns requisitos previstos no art. 10, § 2º da Lei 12.850/14, quais sejam, a existência de indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

É necessário que exista indícios da infração penal prevista no art. 1º de referida lei, ou seja, deve existir indícios da existência de uma organização criminosa para que seja autorizada a infiltração de agentes de polícia.

Ademais, esta forma de meio de obtenção de provas tem caráter subsidiário, haja vista que a rigor do texto da lei, somente será possível obter a prova por meio de agente infiltrado quando não for possível obtê-la por outros meios de provas (art. 10, § 2º, Lei 12.850/13).

V – LIMITES À ATIVIDADE DO AGENTE INFILTRADO

A atividade probatória deve estar em sintonia com a Constituição Federal, aliás, conforme o art. 5º, LVI, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Essa garantia constitucional foi recepcionada pelo Código de Processo Penal, no art. 157 e seus parágrafos.

Conforme leciona o professor Eugênio Pacelli:

Mais que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, as aludidas normas, constitucional e legal, cumprem uma função ainda mais relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: a vedação das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal

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persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo em que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica.

A norma assecuratória da inadmissibilidade das provas obtidas com violação de direito, com efeito, presta-se, a um só tempo, a tutelar direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do material probatório a ser introduzido e valorado no processo.

Em relação aos direitos individuais, a vedação das provas ilícitas tem por destinatário imediato a proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem (art. 5º, X), à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), normalmente os mais atingidos durante as diligências investigatórias.

A vedação das provas obtidas ilicitamente também oferece repercussão no âmbito da igualdade processual, no ponto em que, ao impedir a produção probatória irregular pelos agentes do Estado – normalmente os responsáveis pela prova – equilibra-se a relação de forças relativamente à atividade instrutória desenvolvida pela defesa (OLIVEIRA. 2013, p.343).

Nessa diapasão, constata-se que não há a possibilidade de obtenção de provas senão aquelas previstas na legislação

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processual, ou seja, o rol é taxativo, assim, não se admite outros meios de provas.

No mesmo sentido assevera Paulo Rangel:

O direito à prova encontra limites nos direitos e garantias constitucionais, pois já dissemos acima (cf.item 1.3, supra) que a busca da verdade processual não passa por cima das liberdades públicas, e estas não são absolutas. Não. O juiz, embora tenha que dar a cada um o que é seu (ao pobre a pobreza e ao rico a riqueza), encontra limites à liberdade da prova.

O princípio da verdade processual tem que estar em harmonia com a liberdade da prova e esta encontra limites no campo da admissão das provas obtidas por infringência às normas legais.

Veda-se, destarte, o depoimento colhido através da utilização de lie detector, tortura ou qualquer outro meio desumano ou degradante (cf. art. 5º, III da CRFB), bem como a interceptação telefônica, colhendo informações comprovadoras da prática de crime, sem a devida autorização judicial.

No Estado Democrático de Direito, os fins não justificam os meios. Não há como se garantir a dignidade da pessoa humana admitindo uma prova obtida com violação às normas legais em vigor. Do contrário, estaríamos em um Estado opressor, totalitário e não Democrático de Direito (cf. art. 1º CRFB).

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A prova obtida por meios ilícitos enquadra-se na categoria da prova vedada, que, se admitida e valorada pelo juiz em sua sentença, acarreta a sua nulidade (RANGEL. 2012, p. 453).

De modo diferente aduz o professor Aury Lopes Júnior, quando assevera que:

Os sistemas processuais, ao longo de sua evolução, adotaram diferentes disciplinas em relação à taxatividade ou não dos meios de provas. Na sistemática atual, existe uma restrição inicial em relação aos limites da prova penal, que vem imposto pela lei civil, nos termos do art. 155 do Código de Processo penal.

Superada essa questão, a pergunta é: somente as provas previstas no CPP podem ser admitidas no processo penal? O rol é taxativo?

Como regra, o rol é taxativo. Entendemos que, excepcionalmente e com determinados cuidados, podem ser admitidos outros meios de prova que não previstos no CPP. Mas, atente-se: com todo o cuidado necessário para não violar os limites constitucionais e processuais da prova, sob pena de ilicitude ou ilegitimidade dessa prova (JÚNIOR. 2013, p. 581).

Isso posto, torna-se inequívoca a afirmação feita pelo professor Alexandre de Moraes (2015) de que não existe direito absoluto em nossa ordenamento jurídico. Evidentemente que, com as devidas ressalvas, outros meios de provas podem de fato integrar o ordenamento jurídico. Prova dessa premissa é os vários meios de

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obtenção de provas previstos na Lei 12.850/13, que objetivam desmantelar as organizações criminosas.

Seria uma ingerência a afirmação de que outros meios de provas, não previstos na legislação processual penal não poderiam ser admitidas. Não admitir provas obtidas por meios ilícitos, assim como as derivadas das ilícitas que de fato não devem ser admitidas dentro do ordenamento jurídico.

O sistema acusatório deve sempre ser observado, haja vista que o processo penal é uma forma de limitação do poder estatal.

O professor Aury Lopes aduz que:

Finalmente, no século XVIII, a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório.

Na atualidade, a forma acusatória caracteriza-se pela: (i) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; (ii) a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades); (iii) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio ao labor de investigação e passivo no que se refere à coleta de prova, tanto de imputação como de descargo; (iv) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); (v) procedimento é em regra oral (oi predominantemente); (vi) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); (vii) contraditório e possibilidade de resistência (ampla defesa); (ix) ausência de uma tarifa

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probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; (x) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; (xi) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição (JÚNIOR. 2013, p. 108-109).

Decerto que ignorar todas essas garantias seria um retrocesso na história da evolução processual. Volitar-se-iam ao arbítrio estatal em detrimento dos mais remotos direitos inerentes a pessoa humana.

Nesse cenário é possível visualizar uma relativização da liberdade probatória. A atuação do agente infiltrado pode ser, de fato, considerada uma relativização da plena liberdade de produção de provas.

Conforme Alexandre de Moraes:

Salienta-se, porém, que a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no princípio da proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização (MORAES. 2015, p. 117).

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Isso posto, tem-se que a afirmação de que o meio de obtenção de prova da prática de infrações penais através da infiltração de agentes de polícia é legítimo, portanto.

Tema que é de clara complexidade são os limites de atuação do agente infiltrado, haja vista que este, quando incorporado à estrutura da organização criminosa certamente irá praticar infrações penais. Nesse caso, como ficaria a punibilidade desse agente?

O professor Eduardo Araújo da Silva aduz que:

A punibilidade do agente que atua de forma infiltrada é uma das questões mais angustiantes do direito penal contemporâneo, pois para a total integração do agente numa organização criminosa, a hipótese de praticar alguns crimes não pode ser descartada. Como observa Muñoz Sanchez, ao buscar infiltrar-se no mundo da droga, o policial deve acostumar-se ao consumo e ao tráfico para se relacionar com aqueles que se dedicam a esses crimes; ao buscar relação com uma quadrilha de falsificadores, deverá possuir dinheiro ou documentos falsos e equipamentos destinados à falsificação de papéis (SILVA. 2014, p. 97).

Ponto de maior complexidade é a valoração das palavras do agente infiltrado. Quanto aos elementos de provas colhidos por ele, a discussão é mais pacificada, contudo, quando não há provas objetivas e deve ser valorado os seus depoimentos para elucidação dos fatos, bem como para sustentar uma eventual condenação que a situação fica delicada.

Conforme Eduardo Araújo:

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A valoração dos depoimentos de policiais sempre foi fonte de divergências na jurisprudência, ante o temor de que sua participação nas investigações que conduziram ao processo possa influenciar a imparcialidade de suas palavras. Todavia, assim como não há como se desprezar,a priori o depoimento do policial que, como qualquer pessoa, pode figurar como testemunha no processo penal (art. 202 do Código de Processo Penal), também não há como creditar valor absoluto às suas palavras, as quais devem ser recebidas com cautela, pois inegavelmente sua participação nas diligências pode exercer influência sobre o seu depoimento em juízo. Como resume Aranha, “se não são suspeitos, têm eles todo o interesse em demonstrar legitimidade do trabalho realizado” (SILVA. 2014, p. 104).

IV – CONCLUSÃO

Além de constitucional, a infiltração de agente de polícia para obter provas das infrações praticadas pelas organizações criminosas são de real valor para sociedade. As infrações penais praticadas pelas organizações criminosas geram um prejuízo social incalculável na sociedade.

Em geral, as organizações criminosas atuam como um estado paralelo, além de possuírem estrita organização, estrutura, inclusive hierarquizada, estrutura física, criminosos infiltrados dentro do governo e nos poderes que compõe o Estado.

Portanto, a infiltração de agentes de polícia nos átrios das organizações criminosas a fim de levantarem provas das infrações por elas praticadas, desde que observados os limites

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constitucionais e processuais, é legítima e de grande relevo para a sociedade.

Ademais, especificamente no Brasil, um dos objetivos da República é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Assim, desmantelar eventual organização criminosa é uma forma de colaborar para construção dessa sociedade modelo constitucional.

REFERÊNCIAS

CURY, Rogerio, Vade Mecum Penal. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2015.

JÚNIOR, Aury Lopes, Direito Processual Penal. 10ª ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional. 31ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza, Organização criminosa. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo Penal. 17ª ed. rev., ampl e atual. São Paulo: Atlas, 2013.

RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal. 20ª ed. rev., ampl. São Paulo: Atlas, 2012.

SILVA, Eduardo Araújo da, Organizações Criminosas, aspectos penais e processuais da Lei 12.850/14. São Paulo: Atlas, 2014.

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PRESCRIÇÃO NO DIREITO PENAL: BREVES CONSIDERAÇÕES

VINÍCIUS BORGES MESCHICK DA SILVA: Graduando em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves.

RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo elucidar questões da Extinção da Punibilidade no que tange à Prescrição no Direito Penal, tendo em vista, principalmente, como era a aplicabilidade e como é atualmente, dando ênfase para as expressões básicas: Prescrição em Abstrato, Prescrição Intercorrente, Prescrição Retroativa e Prescrição em Concreto. Cabe mencionar que a doutrina e parte da jurisprudência se encarregam em afirmar que existe mais um tipo de Prescrição, qual seja, a Prescrição Virtual. Nessa ótica buscou-se analisar todos os elementos da prescrição e como é o funcionamento desta antes da sentença transitado em julgado (Prescrição da Pretensão Punitiva) e depois da sentença transitado em julgado (Prescrição da Pretensão Executória), relacionando com a pena e os acessórios desta. Tomou-se nas jurisprudências, códigos e doutrinas o teor necessário para evidenciar a impossibilidade de punir o infrator depois de determinado tempo, pois existe forte inércia do Estado em agir e perseguir a necessidade de defender os interesses públicos da Sociedade.

Palavras-chave: Extinção da Punibilidade; Prescrição no Direito Penal; Estado.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é sobre prescrição no Direito Penal, um dos assuntos mais marcantes no mundo jurídico. Especificamente, também, sobre todos os elementos que a compõem. Dando ênfase à questões atuais, principalmente depois da Lei 12.234/2010 que

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alterou alguns mecanismos relativos à essa modalidade de extinção de punibilidade.

O objetivo é fazer um apanhado e verificar o que fora modificado, ou seja, como era e como é, recuperando, para tanto, a essência da prescrição e suas espécies definindo bem a pretensão e o poder de punir que o Estado possui.

O trabalho está organizado em quatro partes. Na primeira parte, há de se comentar a respeito da extinção de punibilidade fazendo um apanhado geral e dando amplitude para a segunda parte que é a prescrição. Após, na terceira parte, será abordado a prescrição da pretensão punitiva e tudo que a compõem. Já, na quarta parte, far-se-á pela não providência, em certo tempo, da execução de uma pena já aplicada (prescrição da pretensão executória), bem como todas as variáveis da prescrição.

A metodologia utilizada foram as doutrinas, códigos, artigos e jurisprudências, enriquecida de vídeo do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema da prescrição penal.

1. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

A punibilidade é uma consequência natural advinda da prática de um fato típico, ilícito e culpável pelo agente. Entretanto, o Estado, em determinadas situações expressamente previstas em seus diplomas legais, pode abrir mão ou mesmo perder o direito de punir. Por questões de política criminal, o estado pode entender por bem não fazer valer o seu ius puniendi, e nestas ocasiões ocorrerá o que a legislação penal denominou de extinção da punibilidade. (GRECO, 2009, p. 189).

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A punibilidade é a consequência do delito praticado. Por isso, ainda que extinta a punibilidade, isto não implica dizer que também o delito está extinto, salvo nas hipóteses de abolitio criminis e anistia.

O conceito de punibilidade é pertinente e faz-se necessário, assim, punibilidade significa que, com a prática de um crime, o direito de punir do Estado, que era abstrato (o Estado possui o direito de punir - além de abstrato, é genérico e impessoal), torna-se concreto que é a possibilidade jurídica de o Estado impor uma sanção. Ou seja, no momento que um crime é praticado, esse direito abstrato, genérico e impessoal de punir que existe como derivação do Estado soberano se concretiza e se volta especificamente contra o infrator. O direito se transforma em uma pretensão concreta de punir, esta é a pretensão punitiva. O estado passa a ter pretensão concreta em punir o infrator que é a possibilidade de impor uma pena.

Porém, é possível, não obstante pratique o sujeito uma infração penal, ocorra uma causa extintiva da punibilidade que estão arroladas no art. 107 do CP; em regra, podem ocorrer antes da sentença final ou depois da sentença condenatória irrecorrível.

Também, importante salientar as escusas absolutórias, causas de exclusão ou de isenção de pena que são causas que fazem com que um fato típico e antijurídico, não obstante a culpabilidade do sujeito, não se associe pena alguma por razões de utilidade pública; situam-se na Parte Especial do CP.

1.1. Efeitos da extinção da punibilidade

Em regra, as causas extintivas de punibilidade só alcançam o direito de punir do Estado, subsistindo o crime em todos os seus requisitos e a sentença condenatória irrecorrível. É o que ocorre,

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por exemplo, com a prescrição da pretensão executória, em que subsiste a condenação irrecorrível.

Excepcionalmente, a causa resolutiva do direito de punir apaga o fato praticado pelo agente e rescinde a sentença condenatória irrecorrível; é o que acontece com o abolitio criminis e a anistia; assim, os efeitos operam ex tunc ou ex nunc; no primeiro caso, têm efeito retroativo; no segundo, efeito para o futuro.

Em caso de concurso de agentes, as causas extintivas de punibilidade estendem-se a todos os participantes.

2. Prescrição

[...] Punibilidade é a possibilidade de efetivação concreta da pretensão punitiva. Para satisfazê-la, o Estado deve agir dentro de prazos determinados, sob pena de perdê-la. Há um prazo para satisfazer a pretensão punitiva e outro para executar a punição imposta. Prescrição é, justamente, a perda da pretensão concreta de punir o criminoso ou de executar a punição, devido à inércia do Estado durante determinado período de tempo. (CAPEZ, 2011, p. 614).

A prescrição é a perda do direito de punir, ou de executar a pena, por parte do Estado, em razão da inércia. Ou seja, é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício. O decurso do tempo possui efeitos relevantes no ordenamento jurídico, operando nascimento, alteração, transmissão ou perda de direitos; no campo penal o transcurso do tempo incide sobre a conveniência política de ser mantida a persecução criminal (sequência de atos oficiais do Estado tendentes a satisfazer a pretensão punitiva) contra o autor de uma

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infração ou de ser executada a sanção em face de lapso temporal minuciosamente determinado pela norma; com a prescrição o Estado limita o jus puniendi concreto e o jus punitionis a lapsos temporais, cujo decurso faz com que a aplicação da pena não atinja a finalidade que motivara sua cominação.

A prescrição pode se manifestar em relação ao direito de punir (prescrição da pretensão punitiva), e em relação ao direito de executar a pena (prescrição da pretensão executória).

2.1. Prescrição da Pretensão Punitiva

Nesta o decurso do tempo faz com que o Estado perca o direito de punir no tocante à pretensão do Poder Judiciário julgar a lide e aplicar a sanção abstrata. Ocorre antes da sentença final transitar em julgado e regula-se pela pena máxima abstratamente prevista para o crime, verificando-se:

a) Em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze);

b) Em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a 12 (doze);

c) Em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito);

d) Em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro);

e) Em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois);

f) Em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Quando se considera a pena abstratamente prevista para o crime, para o fim de calcular o prazo prescricional, se está diante da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita.

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Os prazos mencionados também se prestam ao cálculo da prescrição em relação a pena que já tenha sido aplicada em sentença condenatória.

E para o cômputo prescricional das penas restritivas de direitos aplicam-se os mesmos prazos utilizados para as penas privativas de liberdade (art. 109, parágrafo único, do CP).

2.1.1. Termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença condenatória

O termo inicial da contagem do prazo prescricional começa a correr:

a) Do dia em que o crime se consumou; b) No caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade

criminosa; c) Nos crimes permanentes, do dia em que cessou a

permanência; d) Nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de

assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.

2.2 Prescrição da Pretensão Executória

Nesta o decurso do tempo sem o seu exercício faz com que o Estado perca o direito de executar a sanção imposta na sentença condenatória; ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenatória, regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo 109, CP, os quais se aumentam de 1/3 (um terço) se o condenado for reincidente, conforme determina o caput do artigo 110 do CP.

Se já tiver sido proferida sentença condenatória, sem trânsito em julgado, é possível a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva intercorrente (ou superveniente). Essa modalidade visa

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evitar a utilização de recursos protelatórios por parte do réu e só tem início após o trânsito em julgado da sentença em relação ao Ministério Público, ou o julgamento pela improcedência do seu recurso.

Conforme atual redação do parágrafo primeiro do artigo 110, do Código Penal, a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

O termo inicial da prescrição da pretensão punitiva intercorrente é o dia da publicação da sentença condenatória com trânsito em julgado para o Ministério Público ou para o querelante, e o termo final é a data da sessão do julgamento do recurso pelo tribunal.

Já a prescrição retroativa, que é aquela que se conta para trás, antes prevista no artigo 110, parágrafo segundo, do Código Penal, foi revogada pela Lei n.º 12.234/2010. No entanto, conforme tem-se apontado, ela apenas foi extinta em relação à data do fato e a data do recebimento da denúncia ou queixa, mas subsiste em relação à data do recebimento da denúncia ou queixa e a data da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação.

2.2.1 Termo inicial da prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória

Após a sentença condenatória, a prescrição começa a correr:

a) Do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

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b) Do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.

Nesse caso, se está diante da hipótese de prescrição da pretensão executória, e seus prazos observam as regras do artigo 109 do Código Penal.

E conforme determina o artigo 113 do Código Penal, no caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição deve ser regulada pelo tempo que resta da pena.

2.3. Prescrição da Pena de Multa

Ocorre a prescrição da pena de multa:

a) Em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada;

b) No mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.

2.4. Redução dos Prazos de Prescrição

Conforme determinação legal do artigo 115 do Código Penal, são reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

2.5. Suspensão e Interrupção da Prescrição

Em se tratando de prescrição, o curso de seu prazo pode ser suspenso:

a) Enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;

b) Enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro;

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c) Durante o tempo em que o condenado permanecer preso por outro motivo.

Consabido, a suspensão motiva a paralisação da contagem do prazo, o qual tem seu prosseguimento tão logo cesse o motivo que determinou sua estagnação.

Em contrapartida, a interrupção gera o reinício da contagem completa do prazo prescricional. Segundo o artigo 117 do Código Penal, o curso da prescrição interrompe-se:

a) Pelo recebimento da denúncia ou da queixa; b) Pela pronúncia; c) Pela decisão confirmatória da pronúncia; d) Pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios

recorríveis; e) Pelo início ou continuação do cumprimento da pena; f) Pela reincidência.

Com exceção do marco interruptivo pelo início ou continuação do cumprimento da pena, ou pela reincidência, os demais casos produzem efeitos em relação a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles (art. 117, §1º, do CP).

Conforme determinação do artigo 118 do Código Penal, as penas mais leves prescrevem com as mais graves.

E havendo concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente (art. 119, do CP). Assim, no concurso de crimes, o prazo prescricional deve ser contado isoladamente, não sendo computado pela soma ou pelo acréscimo decorrente do concurso.

2.6. Imprescritibilidade

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Via de regra, todos os crimes estão sujeitos à prescrição, salvo o racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, ou seja, jamais serão prescritos, nem mesmo por Emenda à Constituição (EC). É assim que a Constituição Federal (CF) explicita, in verbis:

Artigo 5º, XLII: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.”

Artigo 5º, XLIV: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.”

Considerações Finais

Neste trabalho fora abordado a extinção da punibilidade e suas causas de acordo com o rol exemplificativo do artigo 107 do Código Penal e a prescrição penal que compõe o artigo supracitado em seu inciso IV. A prescrição é um excelente instrumento como causa extintiva de punibilidade e possui fundamento concreto na doutrina com base na inconveniência em punir o infrator muito tempo depois do crime, o que traz uma insegurança jurídica enorme. Outra base se encontra no combate a ineficiência do Estado, afinal este é moroso e necessita de movimentação.

Cumpre-se todos os objetivos propostos, vez que a extinção de punibilidade e a prescrição com suas variáveis foram bem elucidadas e abordadas.

Destaca-se a importância deste trabalho no aprofundamento dos institutos mencionados, pois permite aperfeiçoar competências de investigação e organização da informação.

REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal (parte geral). 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Código Penal (1940). Decreto-Lei nº 2.848, 1940. Rio de Janeiro: Congresso Nacional, 1940.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal (parte geral). 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Código Penal Comentado. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

ESTEFAM, André. Direito Penal Esquematizado (parte geral). São Paulo: Saraiva, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal (parte geral). 11 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

JESUS, Damásio de. Direito Penal, vol. 1 (parte geral). 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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PEIXE, Marildo. Prescrição penal: extinção da pretensão

punitiva e pretensão executória. Disponível em:

<http://jus.com.br/artigos/966/prescricao-penal-extincao-da-

pretensao-punitiva-e-pretensao-executoria>. Acesso em: 27

Nov. 2014.

YOSHINO, André. Prescrição sofreu importantes mudanças

com a Lei 12.234/2010. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2010-jun-24/prescricao-sofreu-

importantes-mudancas-lei-122342010>. Acesso em: 27 Nov.

2014.

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A IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA CRIMINAL PARA A COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE NO CRIME DE HOMICÍDIO

FABIANA MENDES CALDEIRA BRANDÃO: Graduanda do Curso de Direito da Uninorte Laureate International Universities - UNINORTE.

Mariana Faria Filard[1]

RESUMO: O presente trabalho tem o intuito de discorrer sobre a perícia criminal e sua importância no processo penal. É uma atividade, prevista no código em questão que é de fundamental importância e indispensável para a elucidação de crimes, desde que haja vestígios. É através da perícia que há a comprovação e averiguação dos fatos coletados, onde os testes são comprobatórios e as informações obscuras passam a ser detalhadas. A prova pericial tem sua importância tanto no processo civil como no processo criminal e quando não há mais vestígios para se coletar as evidencias a prova testemunhal, as filmagens, gravações e demais meios lícitos são considerados como provas. A prova pericial que comprova a materialidade do delito quando não é encontrado o corpo da vítima, está prevista na Constituição Federal e vem ganhando maior importância em relação às demais provas dando maior suporte à decisão, desde que bem realizada, e hoje está tendo uma maior aceitação nos tribunais, aplicando-se as jurisprudências como corrente majoritária nos julgamentos, desde que presentes alguns requisitos. Concluiu-se que, mesmo que não haja o corpo comprovando o delito de fato, as provas coletadas durante o processo, sejam elas testemunhais ou vestígios, tem o seu valor probatório, mesmo que o princípio da presunção de inocência seja devidamente respeitado.

PALAVRAS-CHAVE: Corpo. Homicídio. Materialidade. Perícia. Prova.

INTRODUÇÃO

A prova é o meio técnico pelo qual se demonstra a verdade real de um fato não sendo admitidas as provas obtidas contra a

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moral e os bons costumes violando as normas jurídicas estabelecidas.

A prova pericial, de acordo com Marques[2], é a “prova destinada a levar ao Juiz elementos instrutórios sobre normas técnicas e sobre os fatos que dependam de conhecimentos especiais; sendo realizada por um Perito que é auxiliar do Juízo”.

A perícia criminal tem sua importância, pois é através dela que se pode comprovar a existência de um crime mesmo não havendo o corpo material para se realizar o corpo de delito, utilizando-se da perícia criminal indireta para que possa sanar todas as dúvidas do juiz quanto ao delito cometido e possível autor do crime.

Possui como objetivo geral discorrer acerca da perícia indireta nos crimes de homicídio onde não há corpo para se comprovar a evidencia do motivo, os meios utilizados para matar e a autoria do crime.

Os objetivos específicos do presente trabalho são: a) explorar as provas admitidas no processo penal para se comprovar a materialidade do crime; b) discorrer acerca da materialidade e como comprovar a existência de um crime sem corpo; e c) explicar até que ponto a Perícia Criminal Indireta é aceita dentro do Sistema Processual atual em face do princípio de inocência como prova de existência de crime.

A presente pesquisa justifica-se pelo interesse em esclarecer como a justiça, através do Processo Penal, investiga os indícios criminais e a possível autoria quando não há corpo material que comprove o crime, sem ferir o princípio da presunção de inocência.

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A perícia criminal é uma atividade realizada por peritos que consiste em examinar os vestígios materiais deixados pela infração penal comprovando-se o crime. Pode ser realizada indiretamente, analisando-se manchas de sangue deixadas no local, vidros ou objetos cortantes quebrados; ou pode ser diretamente, realizando a perícia no próprio corpo da vítima, chamado de corpo de delito[3].

REFERENCIAL TEÓRICO

1 DIREITOS E GARANTIAS NO PROCESSO PENAL

As garantias estão previstas na Carta Magna de 1988 e dizem respeito aos diretos dos homens juridicamente constituídos, de caráter assecuratório com o objetivo de proporcionar proteção, reparação, pleito e reingresso desses direitos quando os mesmos forem violados pelo Estado. Tem como finalidade o bem comum e a proteção da coletividade através do direito à liberdade, à prestação social, às boas condições de vida através do lazer, da moradia, do trabalho e da alimentação, bem como na proteção de direitos pertinentes à terceiros e vedando a discriminação, pregando o que diz a própria constituição onde os iguais devem ser tratados como iguais e os desiguais como o mesmo.

Acerca dos diretos e das garantias fundamentais, discorre a nossa Carta Maior em seu art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

O processo penal tem como fundamento a garantia individual em relação ao Estado, influenciando tanto no processo quanto na aplicação das leis. É através do processo penal que se

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pode garantir aos indivíduos uma proteção contra eventuais abusos estatais, sejam eles cometidos através da força ou por conflitos inerentes a sociedade, seja ela em sua coletividade ou de forma individual.

Dentre as principais características contidas no processo penal, as mais importantes são a do juiz natural, da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência antes da sentença definitiva transitada em julgado.

O juiz natural diz respeito ao processo ser julgado apenas pelo magistrado competente conforme prega o art. 5º, LIII da CF, bem como a vedação constitucional à criação de juízos ou tribunais de exceção para apreciar determinados casos.

A ampla defesa são os recursos disponíveis previstos no art. 5º, LV da CF onde o Estado tem como dever prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Ou seja, a ampla defesa é o oferecimento da resposta às acusações e o rebate das imputações formuladas.

O contraditório é a garantia de adentrar na esfera jurídica com um processo independente do pólo de relação processual em que se encontre, produzindo provas, realizando alegações, manifestações fundamentadas, dentre outros.

Presunção de Inocência significa que todos são inocentes até o transito em julgado da sentença, ou conforme expressa o art. 8 do Decreto 678 de 1992, “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

As garantias aqui descritas são um direito de todos os cidadãos e devem ser respeitadas pelo Estado, garantindo assim a integridade moral e física do seu povo.

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2 PROVAS NO PROCESSO PENAL

As provas são os meios utilizados e coletados para se comprovar o que foi alegado no processo para formar o convencimento do juiz e jurados presentes no tribunal, buscando-se uma solução para a lide bem como o descobrimento da verdade.

Para que se convença o juiz ou os jurados, as partes interessadas no processo deverão produzir essas provas, de meio lícito, para que o litígio seja discutido.

2.1 As provas admitidas no processo penal para se comprovar a materialidade do crime

A prova é a demonstração real dos fatos da conduta do autor, e conforme expõe Noronha[4]:

É o conjunto de atos legalmente ordenados, para a apuração do fato, da autoria e a exata aplicação da lei. [...] É a descoberta da verdade, o meio. [...] Provar é fornecer o conhecimento de qualquer fato, adquirindo para si, e gerando em outrem, a convicção da substancia ou verdade do mesmo fato.

No Direito Processual Penal, todas as provas colhidas na investigação ou no inquérito policial estão aptas para formar uma opinião ou até mesmo a convicção do juiz acerca do homicídio praticado, mesmo sem a existência do corpo, sendo ele baseado apenas em circunstâncias e evidências[5].

As provas são hierarquicamente iguais, não havendo distinção de superioridade ou tipologia entre elas. Devido a este fator, as provas tornam-se mais eficazes dentro de um curto espaço de tempo para a comprovação do delito.

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Quando não se pode fazer a perícia criminal no corpo, pois este não há, vale-se da prova testemunhal para atestar a materialidade delitiva, conforme disposto no art. 167 do Código de Processo Penal. O CPP não se pode valer da confissão do suspeito, pois, de acordo com a Carta Magna, ninguém pode produzir prova contra si mesmo[6]. Na impossibilidade da materialidade do corpo, a prova testemunhal supre a omissão.

A natureza jurídica da prova é um direito subjetivo baseado na demonstração da verdade dos fatos.

2.2 Provas Inquisitoriais

As provas inquisitoriais são provas baseadas na investigação dos fatos do caso. O juiz, tem o arbítrio ou ao de participar na averiguação questionando as testemunhas e até mesmo em processos contraditórios. A admissibilidade deste tipo de prova permite que o juiz haja como um inquisidor, deixando de lado o seu arbitro da justiça.

As provas inquisitoriais são produzidas na fase do inquérito policial e é considerada a fase mais importante para a coleta de provas, pois, sua ação é imediata à suspeita de algum delito, então ao se chegar na fase da denúncia através da Ação Penal, essas provas já podem ter desaparecido.

2.3 Provas Judiciais

As provas judiciais são as mesmas obtidas durante o Inquérito Policial e que são levadas à julgamento. Recebem esse nome por serem provas licitas e por comprovarem a exatidão e autenticidade dos fatos que serão julgados.

Entende-se que a prova judicial é a resposta para a busca da verdade que tem como objetivo solucionar a lide pacificamente.

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Divide-se em verdade material e formal, onde a primeira é caracterizada como verdade real, dominando a verdade; e a segunda é apenas o resultado das provas produzidas pelas partes[7].

2.4 Provas cautelares

As provas cautelares são provas que podem desaparecer se houver demora em sua produção ou deferimento de aceitação.

Ou seja, quando se desconfia de alguém, mas não tem provas materiais, mas apenas indícios e é necessário pedir-se uma interceptação telefônica para que se consiga as provas judiciais. Como em todos os processos há que se conceder o direito da ampla defesa e do contraditório, estes são feitos em juízo, impugnando e oferecendo a contraprova.

3.5 Provas não repetíveis

Como o próprio nome diz, são provas que uma vez coletadas/realizadas, não podem mais ser produzidas em outra fase do processo. São provas produzidas para fundamentar uma decisão judicial e é realizada na fase do inquérito policial. Está previsto no art. 159, § 3o, CPP:

Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.

3.6 Provas antecipadas

As provas antecipadas também são produzidas na fase do inquérito policial em juízo e na presença das partes sob a fiscalização de autoridade judiciária tendo em vista a sua urgência

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e qual a relevância que terá para o processo. Está prevista no art. 255 do CPP, que diz:

Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.

3.7 Perícia

De acordo com a conceituação de Fernando Capez[8], o conceito de perícia é definido com base nas razões a seguir transcritas: “O termo ‘perícia’, originário do latim peritia(habilidade especial), é um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração científica, artística, contábil avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua área de conhecimento profissional”.

A legislação vigente do país discorre através de seus códigos e artigos acerca da importância da pericia médico-legal realizada pelos profissionais capacitados, como sendo um meio de prova indispensável e extremamente útil para a imposição da sentença acerca do delito cometido, submetido ao Poder Judiciário incumbido da função de solucionar o autor do fato, baseado nos dispositivos legais descritos: a) Código de Processo Penal – arts. 158 a 170, Capítulo 2 (Do Exame de Corpo de Delito e das Perícias em Geral); b) Código de Processo Civil – art.s 145 a 147 (Do Perito) e 420 a 439. c) CLT – art. 827; d) Lei n. 9.099, de 26.09.1.995 – art. 77, § 1º.

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3 JUDICIALIZAÇÃO DAS PROVAS INQUISITORIAIS: COMO COMPROVAR A EXISTENCIA DA MATERIALIDADE DE UM CRIME SEM CORPO?

Materialidade, segundo Silva[9], é a existência real das coisas, que se vê, se apalpam se tocam, porque se constituem de substância tangível. A materialidade seria então, a comprovação física e indispensável para a condenação do réu pelo delito que deixou vestígios, provando-se assim a existência do crime por elementos presentes no corpo.

Mas quando não há corpo que comprove a materialidade do crime ou o fato, pode-se haver processo? O promotor e ex-presidente do Conselho Nacional dos Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo, afirma que "é possível, juridicamente, processar o réu sem o corpo". Cosenzo explica que o crime exige dois pontos para a denúncia: "o indício de autoria e a materialidade", este último, seria o cadáver. Porém, o delegado pode prosseguir as investigações concentradas em elementos, por exemplo, "uma testemunha que viu o ocorrido, uma corrente, anel ou roupa que a pessoa estava usando no dia do crime"[10].

Acerca do crime, este só poder ser provado mediante a materialidade. Roberto Podval, advogado de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, é contrário ao entendimento de Cosenzo. Segundo ele, "sem o corpo, não tem crime". O advogado afirmou que em um inquérito policial, relacionado a homicídio, o corpo é a "materialidade" do que aconteceu e não encontrar o cadáver não só compromete como impossibilita provar que um sujeito é realmente autor do homicídio. No caso de Eliza, diz ele, há apenas indícios do paradeiro da estudante. "Sem o corpo, não há certeza de nada, o corpo é a principal prova de que ela está morta e não só desaparecida", disse Podval[11].

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Nucci[12] entende que não há a possibilidade legal de se comprovar a materialidade de um crime que deixa indícios, por meros indícios, como regra. Na falta do exame do corpo de delito indireto, a única saída viável seria a produção de prova testemunhal, que não pode ser larga o suficiente, de modo a esvaziar a garantia de que a existência de um delito fique realmente demonstrada no processo penal.

Acerca do tema, Aury Lopes Junior[13] discorre: Situação bastante complexa, e que

eventualmente ocupa os tribunais brasileiros, é a (im) possibilidade de condenação pelo crime de homicídio quando não se encontra o cadáver da vítima (corpo de delito). A ocultação do cadáver (muitas vezes levada a cabo pelo próprio autor do homicídio) impossibilita o exame direto. Contudo, é predominante a jurisprudência brasileira no sentido de admitir o exame de corpo de delito indireto, consubstanciado em prova testemunhal suficiente, aliada em alguns casos, à prova pericial feita em armas ou vestígios de sangue, cabelos, tecidos, etc., encontrados no local do crime ou até mesmo no carro utilizado pelo réu para transportar o corpo.

De acordo com Nazareno César Moreira Reis[14], acerca da prova pericial:

“[...] Há clara inspiração na regras de produção de prova pericial do processo civil. Quer isso dizer, em resumo, que a prova pericial-criminal definitivamente passou a ser produzida em contraditório pleno, e não mais como ato unilateral do Estado e de seus agentes, com a ressalva apenas deque o material probatório que

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serviu de base à perícia será disponibilizado, caso haja requerimento das partes (MP ou acusado), no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.”

3.1 Vestígios

Etimologicamente, o termo deriva da palavra latina vestigium que, por sua vez, possui significado bastante abrangente: planta ou sola dos pés (das pessoas e dos animais), pegada, pista, rastro, traço, sinal, marca. Em termos periciais, o conceito de vestígio mantém a característica abrangente do vocábulo que lhe deu origem, podendo ser definido como todo e qualquer sinal, marca, objeto, situação fática ou ente concreto sensível, potencialmente relacionado a uma pessoa ou a um evento de relevância penal, e/ou presente em um local de crime, seja este último mediato ou imediato, interno ou externo, direta ou indiretamente relacionado ao fato delituoso. Os vestígios seriam o produto de um agente ou evento provocador. Ou seja, pressupõe-se que algo provocou uma modificação no estado das coisas de forma a alterar a localização e o posicionamento de um corpo no espaço em relação a uma ou várias referências fora e ao redor do dele[15].

Para alguns autores, o exame de corpo de delito indireto é aquele constituído pelo depoimento de testemunhas sobre a materialidade do delito, em face da eventual impossibilidade da realização do exame direto ensejada pelo desaparecimento dos vestígios (art.167 do Código de Processo Penal). Outros entendem que o exame indireto é aquele feito pelos peritos com base em elementos diversos

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da prova testemunhal que constarem do processo[16].

A ausência do cadáver é sempre um problema para a polícia e para a justiça, já que o Código de Processo Penal afirma ser indispensável o exame de corpo de delito, mas deixa lacunas na própria lei para que se puna o autor quando existirem outras evidências. Caso assim não fosse, bastaria que se escondesse o corpo da vítima de forma a não deixar rastros, para que se escapasse impune do crime.

3.2 Decisões dos Tribunais

“CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE LAUDO COMPROBATÓRIO DA MATERIALIDADE. IRRELEVÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA. I. Havendo nos autos outros meios de provas capazes de levar ao convencimento do julgador, não há falar em nulidade processual por ausência do exame de corpo de delito. II. A impetração não conseguiu ilidir a prova da materialidade nem os indícios de autoria, não restando evidenciada qualquer ausência de suporte probatório para o oferecimento da exordial acusatória. III. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, só é possível quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a

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acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas no caso dos autos. IV. Ordem denegada.” (HC n.º 39788-ES. STJ) (grifou-se)“REVISÃO CRIMINAL. - O requerente busca o reexame da condenação sem apresentar prova nova, alegando a precariedade da prova que ensejou sua condenação. Não é possível tratar a Revisão Criminal como uma segunda apelação. Precedentes. - Do voto do eminente Desembargador MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS, quando do julgamento do apelo, se constata claramente que a manutenção da condenação tem apoio em elementos de prova que constam dos autos. - Lembramos, quanto ao tema (''Prova da materialidade do homicídio''), passagem das lições do mestre HUNGRIA (''Será possível o êxito de um processo penal por crime de homicídio sem que apareça o cadáver da vítima? Dizia CARRARA: "Não se pode afirmar que existe crime de homicídio, enquanto não esteja averiguado que um homem tenha sido morto por obra de outro. E não se pode dizer que um homem haja morrido, enquanto não se encontra o seu cadáver ou, pelo menos, os restos deste, devidamente reconhecidos." Tal critério é demasiadamente rigoroso, e poderia, na sua irrestrição, conduzir à impunidade de manifestos autores de homicídio. Haja vista o caso citado por IRURETA GOYENA: dois indivíduos, dentro de uma barca no rio Uruguai, foram vistos a lutar renhidamente, tendo sido um deles atirado pelo outro à correnteza, para não mais aparecer. Foram baldadas as pesquisas para o encontro

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do cadáver. Ora, se, não obstante a falta do cadáver, as circunstâncias eram de molde a excluir outra hipótese que não fosse a da morte da vítima, seria intolerável deixar-se de reconhecer, em tal caso, o crime de homicídio. Faltava a certeza física, mas havia a absoluta certeza moral da existência do homicídio. Conforme justamente observa GOYENA, não se deve confundir o "corpo de delito" com o "corpo da vítima", e para a comprovação do primeiro basta a certeza moral sobre a ocorrência do evento constitutivo do crime.''). - Por outro lado, a alegação de insuficiência de provas não dá ensejo a revisão. Precedentes. - Tratando-se de processo da competência do Júri, não podemos olvidar da posição defendida pelo eminente DESEMBARGADOR IVAIR NOGUEIRA ITAGIBA, apoiada pelo ilustrado DESEMBARGADOR NELSON HUNGRIA, quando da discussão que resultou na aprovação da Conclusão XLV, da Conferência dos Desembargadores (in CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO ANOTADO, EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, edição histórica, Tomo II, Vol VI, pág. 135, Editora Rio). REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE.” (Revisão Criminal Nº 70017801481, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 03/08/2007).

Conforme exposto, a comprovação da materialidade de um homicídio sem corpo é aceita no tribunal desde que não haja dúvida quanto o delito cometido. Precisa haver testemunhas acima de tudo

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idôneas e outros meios que comprovem que o réu tinha a intenção de cometer algum delito contra a vítima. Mas da mesma forma que o tribunal pode condenar, ele também pode absolver sem face de não haver provas suficientes, trocando o in dúbio pro societaté pelo in dúbio pro réu.

4 ATÉ QUE PONTO A PERÍCIA CRIMINAL INDIRETA É ACEITA DENTRO DO SISTEMA PROCESSUAL EM FACE DO PRINCÍPIO DE INOCÊNCIA COMO PROVA DE EXISTÊNCIA DO CRIME

A perícia indireta é definida pelo art. 158 do CPP, que assim diz: "Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-los a confissão do acusado".

A prova indireta é a coleta de vestígios que através do raciocínio, constrói-se uma lógica ao qual se chega aos fatos ou a circunstância que se tem intenção de provar. A prova indireta é baseada em indícios e presunções, sendo considerado o primeiro como circunstancias que permite verificar a existência de um fato.

Magalhães Noronha[17] explica que há uma diferença entre indicio e presunção, onde a presunção é um fato que não se tem prova, é fundado na experiência de um fato presumido; já o indicio é demonstrado por prova testemunhal ou documental formando assim uma convicção sobre o fato a se provar.

A condenação baseada em indícios é admitida no ordenamento jurídico brasileiro que possibilita a união dos dados até que se chegue ao autor do fato. A prova indiciária pode conduzir a uma condenação, porém, somente quando veemente sólida e induvidosa. Para o CPP, o laudo de exame de corpo de delito indireto realizado com base nos registros hospitalares do

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atendimento da vítima é apropriado e tem o mesmo valor probante que o exame direto.

A Perícia Indireta é uma necessidade e não uma alternativa e a sua previsão legal prezam por práticas éticas e responsáveis na prestação dos serviços. Mas a perícia indireta precisa além de provar, respeitar o princípio da presunção de inocência, conforme discorre Tourinho Filho[18]:

Cabe, pois, à parte acusadora provar a existência do fato e demonstrar sua autoria. Também lhe cabe demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou culpa. Se o réu goza da presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte objecti, quer a partesubjecti, deve ficar a cargo da Acusação.

Um exemplo de caso de grande repercussão nacional acerca da aceitação de prova pericial indireta que comprove a materialidade do crime sem corpo foi o da ex-namorada do jogador Bruno, goleiro do Flamengo, a Eliza Samudio.

Este crime deixou sangue, coletados pela perícia criminal, que possibilitou a produção de provas que houve homicídio. Os vestígios deixados, conforme expresso pelo art. 167 do Código de Processo Penal, estabelece que o corpo de delito pode ser suprido por um único meio de prova, no caso a testemunhal, principalmente quando os vestígios desaparecerem.

Art. 167, CPP – Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haver desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

Uma linha de pensamento seguida por alguns doutrinadores, como Tourinho Filho[19], deixa claro que somente a prova testemunhal não pode ser considerada válida para os fins do art.

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167 do CPP, pois além de não suprir a exigência legal, tal situação procura burlar o art. 158 do mesmo código. Ou seja, não basta que as testemunhas nada saibam de concreto sobre o fato ocorrido ou façam referência apenas à confissão, é preciso que a mesma tenha presenciado o fato, conforme expresso abaixo:

Se duas ou três pessoas viram, no Rio Amazonas, alguém decepar a cabeça de outrem, não há dúvida que ocorreu um homicídio. Mas como proceder ao exame, se as águas levaram o corpo de delito? Nesse caso, relatando as testemunhas o que viram, estará feito o exame indireto. É preciso, contudo, que elas tenham visto os vestígios. Se por um acaso não se fizer o exame direto ou indireto, a nulidade é tão grande que fulmina todo o processo, nos termos do art. 564, II, “b” do CPP. Mas se não houver nem um nem outro, a nulidade é absoluta. [...] . Quis e quer dizer o legislador que a ausência do exame direto de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios acarreta nulidade a menos que se proceda ao exame indireto [...] .

É necessariamente indispensável, a tal ponto que chega essa indispensabilidade, que o art. 564, II, “b” do CPP diz que haverá nulidade se não for feito, nesses crimes, o exame de corpo de delito, ou na impossibilidade deste, que se observe ao menos, o disposto no art. 167, o denominado exame indireto de corpo de delito, realizado por outros meios, notadamente pela prova testemunhal. Nesses casos é preciso que a testemunha informe sobre o que efetivamente viu, para que se possa assim, suprir o exame direto de corpo de delito. Não é o fato de dizer que viu a vítima entrando neste ou naquele local,

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onde possivelmente estava o acusado, não é o fato de afirmar ter sabido da própria vítima o que aconteceu que constitui o exame indireto. A autoridade não está investigando se a vítima foi ou não neste ou naquele local, se disse ou não o que com ela aconteceu. Simplesmente vai indagar da testemunha se ela viu o corpo de delito, isto é, os vestígios materiais deixados pelo crime [...], se viu a vítima ensanguentada ser jogada no mar ou situações semelhantes [...].

Com o exposto pelo referido autor, ficou evidente que basta apenas existir uma testemunha para os fins do art. 167 do CPP e sim impor que a prova testemunhal seja presencial aos fatos.

Pelo exposto descrito, é possível e aceitável no ordenamento jurídico que um processo criminal relativo a um homicídio possa ter seu prosseguimento sem um cadáver encontrado, mas é preciso também que a materialidade deste seja suprida por uma prova testemunhal desde que apta e concreta, ou seja, que a testemunha tenha de fato presenciado o ato, sob pena de desrespeito ao expresso mandamento legal dos arts. 158, 167 e 564, II, “b” do CPP; e faltar justa causa para a persecução penal expresso no art. 648, I também do referido código, sanável por meio de habeas corpus.

CONCLUSÃO

O presente artigo discorreu acerca da importância, da necessidade e da possibilidade de se admitir, no ordenamento jurídico, a prova indireta para comprovar crimes sem a materialidade do corpo.

Quando há indícios ou denúncias de crimes a perícia realiza a coleta de provas que, juntamente com os indícios, poderá ser feita

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a comprovação da existência do crime sem que seja realizado o exame de corpo de delito.

A existência da materialidade de um crime sem um corpo é expresso legalmente em nosso ordenamento jurídico, descritos nos arts. 158, 167 e 564, II, “b” do CPP. Mas para se comprovar é preciso que as testemunhas arroladas tenham de fato, participado do ato, observando-se o princípio da presunção de inocência.

Conforme exposto, alguns autores têm em seu conceito que a prova pericial indireta não deveria ser aceita, pois preza pelo conceito de que se não há corpo não há crime. Já outros prezam pela teoria que deve haver investigações minuciosas para realmente se provar a autoria de um crime, para depois julgar e condenar o suspeito.

Já outros doutrinadores prezam que o princípio da presunção da inocência deve ser absoluto, pois segundo o entendimento deste princípio, se não há corpo, não há crime.

A ausência do corpo sempre foi considerada como sendo uma lacuna nos processos de homicídios, mas segundo os entendimentos recentes dos tribunais, a ausência de corpo não é mais “desculpa” para se deixar impune um homicida. Um exemplo clássico e de grande repercussão nacional foi o caso do goleiro Bruno do Flamengo, acusado e julgado culpado pelo assassinato de sua ex-amante Elisa Samudio. O referido crime chocou o País pela sua brutalidade e pela malicia em esconder o corpo. A vítima foi esquartejada e seus membros foram jogados aos cachorros para serem devorados.

Mas conforme exposto, o crime só é caracterizado mediante provas e testemunhas devidamente fundamentadas e embasadas em nosso ordenamento jurídico, pois mesmo tendo-se que condenar um culpado, deve o ordenamento jurídico preservar o

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princípio da presunção de inocência, bem como os seus direitos de defesa e não produzir prova contra si mesmo.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum 20ª ed. 2015

BRASIL. Código de Processo Penal. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Vade Mecum, 20a ed. 2015.

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FILHO, Claudemir Rodrigues Dias. Cadeia Custódia: Do Local de Crime ao Trânsito em Julgado; do Vestígio à Evidência. artigo publicado na Revista dos Tribunais no. 883 em: 05 Mar 2010. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/27896611/Cadeia-de-custodia-do-local-de-crime-ao-transito-em-julgado-do-vestigio-a-evidencia>. Acesso em: 16 Set. 2015.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. Vol. I 5ª ed. Rev. E atual. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010.

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_________________. Manual de Processo Penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 16ªed., 2013.

NOTAS:

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[1] Professora Orientadora Mestre Ciência Jurídica Univale/SC; Professora de Direito Penal e Processual Penal da Uninorte - Laureate

[2] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 300.

[3] TÁVORA, Nestor.; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 2012, p. 407.

[4] NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 2003, pág. 87.

[5] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Manual de Processo Penal.2013, pág. 220.

[6]TÁVORA, Nestor.; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 2012, p. 408.

[7] TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1994. p. 37-38.

[8] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal.2010, p. 316

[9]SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 1973, p. 163.

[10] COSENZO, José Carlos. Lei Prevê Indiciamento por Homicídio sem Corpo. 07 de Julho de 2010. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/caso-bruno/lei-penal-preve-indiciamento-por-homicidio-sem-corpo,1248e9e72b7ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 16 Set. 2015.

[11] PODVAL, Roberto. Lei Prevê Indiciamento por Homicídio sem Corpo. 07 de Julho de 2010. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/caso-bruno/lei-penal-preve-indiciamento-por-homicidio-sem-corpo,1248e9e72b7ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 16 Set. 2015.

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[12]Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 2010, p. 507-510.

[13] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. 2010, p. 613.

[14] REIS, Nazareno César Moreira. Primeiras impressões sobre a Lei nº 11.690/2008. Jus Navegandi. Piauí, jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11414>. Acesso em: 27 Set. 2015.

[15] FILHO, Claudemir Rodrigues Dias. Cadeia Custódia: Do Local de Crime ao Trânsito em Julgado; do Vestígio à Evidência. artigo publicado na Revista dos Tribunais no. 883 em: 05 Mar 2010. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/27896611/Cadeia-de-custodia-do-local-de-crime-ao-transito-em-julgado-do-vestigio-a-evidencia>. Acesso em: 16 Set. 2015.

[16] BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2007. p. 315.

[17] MAGALHÃES NORONHA. E. Curso de Direito Processual Penal. 1978, pág. 130.

[18] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal, 2009, p. 236.

[19] TOURIHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 2009, p. 532-533 e 547-549.

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AS PRERROGATIVAS DA FAZENDA EM VISTAS DO INTERESSE PÚBLICO

LARA CAXICO MARTINS MIRANDA: : Advogada. Graduação pela Universidade Estadual de Londrina. Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Damásio de Jesus e em Direito Constitucional pela LFG.

Resumo: Conforme previsto no art.5º, inciso LV da Constituição Federal, a isonomia é um dos princípios alicerçadores do Estado Democrático Brasileiro, e, baseando-se nesse fundamento é que se mostram essenciais as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública, visto que ela tem por escopo a defesa do interesse público. Assim, configurar-se-ia uma ofensa ao princípio da isonomia se tais interesses fossem tutelados de maneira horizontal com relação ao particular. As prerrogativas processuais da Fazenda objetivam assegurar, efetivamente, a superioridade que o interesse coletivo e difuso tem sobre o mero interesse particular.

Palavras-chave: prerrogativas, Fazenda, interesse, público.

Abstract: Pursuant to article 5, paragraph LV Federal Constitution, the equality is one of the basic principles of Democratic Brazilian State, and, based on this warrant is that show essential prerogatives granted to the State, since it has the scope to the public interest. Thus, it would set an insult to the principle of equality if such interests are protected horizontally with respect to particular. The procedural prerogatives given the Attorney General of the Treasury aim to ensure the superiority that has diffuse and collective interest over simple interest in particular through the implementation of the tax foreclosure, which aims at collecting delinquent taxpayer's front meeting the public needs. The application of such prerogatives will give with all reasonableness and fairness it is for the State court, in other words, never be hit the particular interest any cost, so that the final decision will be always guided by the ultimate objective of the Brazilian State: promoting effective justice.

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Keywords: prerogatives, State, interest, public.

Introdução

A Procuradoria Geral da Fazenda Pública tomou a forma atualmente conhecida a partir da reorganização e denominação dada pela Lei nº 2.642, de 9 de novembro de 1955. Em seu artigo 1º, a referida lei incumbia à nova Procuradoria Geral da Fazenda Nacional o exame e fiscalização dos contratos que interessassem à receita da União, a apuração da dívida ativa federal e a sua inscrição para fins de cobrança judicial.

O Decreto-Lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967 deu nova lei orgânica à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), contudo manteve os direcionamentos estabelecidos pela Lei nº 2.642, de 1955, conforme se observa no artigo 1º de tal instituto. A subordinação de tal órgão ao Ministério da Fazenda foi mantida, não alterando, em essência, suas finalidades privativas.

Conforme destaca o artigo 1º do Decreto-Lei supra, cabia a PGFN: a) realizar o serviço jurídico, no Ministério da Fazenda; b) apurar e inscrever, para fins de cobrança judicial, a dívida ativa da União, tributária (artigo 201 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) ou de qualquer outra natureza; c) examinar, previamente, a legalidade dos contratos, acordos, ajustes ou convênios que interessassem à Fazenda Nacional; representar a Fazenda Nacional nos Conselhos de Contribuintes, Superior de Tarifa, de Terras na União e noutros órgãos de deliberação coletiva; e d) representar a União nas assembleias gerais das sociedades de economia mista e em outras entidades de cujo capital o Tesouro Nacional participasse.

Com o advento da Constituição Republicana de 1988, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional passou a ser vinculada

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não apenas ao Ministério da Fazenda, mas também a insurgente Advocacia-Geral da União (AGU). Esta instituição, criada para diretamente ou através de órgão vinculado representar a União, judicial e extrajudicialmente, assim como desempenhar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, passou a ser alicerce para a PGFN.

Contudo, foi a Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, que confirmou a subordinação técnica e jurídica da PGFN à AGU, instituindo aquele como órgão deste. A Lei orgânica da Advocacia-Geral da União instituiu ainda como competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a representação da União em causas de natureza fiscal. Juntamente com o determinado no artigo 131, § 3º da Carta Magna, tal instituto começa a delinear precisamente as áreas de atuação da PGFN.

Depois da cadeia legislativa enfrentada, a PGFN se tornou mais que um órgão subordinado ao Ministério da Fazenda e integrante da Advocacia-Geral da União. Sua importância reside na representação da União em causas fiscais, na cobrança judicial e administrativa dos créditos tributários e não-tributários e no assessoramento e consultoria no âmbito do Ministério da Fazenda.

Para o estudo em questão, cumpre destacar a competência para a execução em juízo dos débitos inscritos em dívida ativa. Tal procedimento, disciplinado pela Lei nº 6.830 de 1980, se destina não apenas ao cumprimento forçado da obrigação tributária não espontaneamente cumprida pelo contribuinte, como visto majoritariamente pela doutrina brasileira, mas principalmente à arrecadação efetivamente devida a fim de atender às necessidades públicas. Isso se dá porque créditos tributários não são meramente créditos públicos, mas créditos do público.

O ponto crucial para o início do estudo da execução fiscal é compreender que o dever de atendimento das necessidades

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públicas foi conferido ao Estado. Em decorrência do Estado Democrático de Direito a Constituição Federal impôs a participação do Estado nas mais diversas áreas e setores da sociedade. O atendimento dessas necessidades públicas constitucionais depende, essencialmente, da existência de recursos que façam frente às enormes despesas dali decorrentes.

É neste sentido que o estudo em tela afirma a necessidade das prerrogativas processuais da Fazenda Nacional na Execução Fiscal como meio de garantir a arrecadação Estatal em prol do interesse público. Dizer que nesse procedimento a União age sob interesses próprios é equívoco exorbitante e não logra permanecer nas concepções atuais.

1. Arrecadação fiscal e manutenção dos serviços públicos

O Estado Brasileiro, grandioso em dimensões geográficas e rico em diversidades culturais, necessita, para sua simples manutenção, de elevadíssima quantidade de recursos. Nesse âmbito tem-se não apenas a gestão estrutural, como pavimentação e iluminação de cidades, mas também a gerência das necessidades sociais, como saúde e educação. Nesse sentido já afirmou Eduardo Jardim:

(…) a simples existência do Estado requer um elevadíssimo custo, em face dos recursos humanos e materiais necessários à sua organização. (…) O cumprimento de seus desígnios, por outro lado, envolve, também, um expressivo dispêndio de recursos financeiros. (JARDIM, 2007, p.44)

A manutenção da Máquina Administrativa e todas as suas demais obrigações para com a sociedade são encargos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Tal instituto, ao estabelecer o Estado Democrático de Direito, buscou superar o

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simples Estado de Direito concebido pelo liberalismo e elevar a patamar proeminente um rol de garantias fundamentais baseadas no Princípio da Dignidade Humana.

Consoante supra, o ponto de partida para o estudo da execução fiscal é compreender que as necessidades sociais são custeadas pelo Estado. Decorre do artigo art. 6º da Carta Magna o dever do Estado de prestar com eficiência serviços relativos à educação, saúde, alimentação, acesso ao mercado de trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

A prestação de tais serviços pressupõe a existência de recursos que suportem as despesas dali decorrentes. É nesse sentido que se faz necessária a arrecadação de receitas por parte do Estado e o comprometimento tributário dos contribuintes. A Execução Fiscal, de incumbência da Fazenda Pública, é um dos mecanismos utilizados pela União para garantir o cumprimento das obrigações tributárias a fim de atender às necessidades públicas.

1.1 A Execução Fiscal em vistas do interesse público

Embora não haja referência específica, resta óbvia a adoção do princípio do interesse público no ordenamento jurídico pátrio. Ainda que não tenha sido objeto de catalogação por parte do legislador constituinte no artigo 37 da Constituição brasileira de 1988, sua adoção encontra-se constitucionalmente amparada por implícita recepção. Isto porque, como demonstrado, é objetivo maior do Estado manter a máquina administrativa em prol do benefício e melhoria social. Todas as ações adotadas pelas entidades que representam a União devem ter como motivação o interesse da coletividade.

O interesse público é tido como aquele atribuído à comunidade como um todo e não a cada indivíduo. Trata-se de um

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interesse difuso; como se fosse possível somar as necessidades individuais inerentes a todo e qualquer indivíduo, fazendo assim nascer um objetivo que interessa a absoluta totalidade. Nesse diapasão, as lições de Odete Medauar:

A expressão interesse públicopode ser associada a bem de toda a coletividade, à percepção geral das exigências da vida na sociedade. (…) à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício “a priori” de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. (MEDAUAR, 2001, p. 153)

Como se observa, o interesse público é máxima jurídica que atinge amplamente o desenvolvimento social. Dessa forma, quando este está em questão deve ser tratado com prevalência, dando titularidade de poder à Administração Pública. Tal outorga não deve competir em primazia ao particular porque o interesse público é conceito angular para a política, governo e principalmente para o alcance da democracia plena. Esta última, de responsabilidade eminente do poder Público.

Em muitas ocasiões, mesmo agindo em nome próprio, o Estado alcança vantagens para a população. Isso se dá em virtude do princípio basilar do regime jurídico administrativo ao qual entidades como a Fazenda Pública estão submetidas: o princípio da soberania do interesse público.

Assim o é na Execução Fiscal. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ao inscrever em dívida ativa débitos de contribuintes e buscar, através do procedimento executivo judicial, seus bens, age a fim de garantir a arrecadação tributária do Estado.

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Tal arrecadação, como visto anteriormente, é responsável pela manutenção dos cofres públicos que dão suporte às prestações de serviços sociais. A Execução Fiscal nada mais é do que a efetivação do interesse público: a prática cotidiana dos Procuradores em busca de suporte financeiro para o desenvolvimento e melhoria social.

É neste diapasão que o estudo em tela reconhece a necessidade das prerrogativas da Fazenda Pública. Tais faculdades têm fundamento no regime jurídico público ao qual este órgão está submetido. Ao atuar na defesa do interesse público, traduzido pela busca do bem comum, deve sempre preservar o interesse público em detrimento do interesse particular.

Mesmo quando atua na área da defesa, a Fazenda Pública visa, em essência, a satisfação das necessidades públicas. Isso porque, em verdade, constitui-se uma defesa do próprio erário, afinal, qualquer benefício advindo da sentença importará em um bem pertencente a toda a coletividade, já que a defesa é dirigida a política pública. Os danos ocasionados à Fazenda Pública não são individualizados, pois repercutirão diretamente na prestação estatal devida aos administrados.

Não há contra-senso maior em afirmar que as prerrogativas processuais dadas a Fazenda Pública se tratam, em verdade, de privilégios. Ao investir tal órgão com faculdades especiais, o legislador procurou tutelar determinados interesses que são eminentemente públicos e efetivar o princípio da isonomia: tratamento igual para os iguais e desigual para os diferentes.

Breve retrospectiva histórica referente ao surgimento princípio da isonomia é suficiente para consolidar tais argumentações.

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2. A igualdade na relação jurídica processual como sustentáculo das prerrogativas processuais da Fazenda Pública

Inicialmente o ser humano resolvia os conflitos com seus semelhantes à sua maneira, utilizando-se de instrumentos e tratamentos totalmente parciais e influenciados por emoções violentas, como a aplicação da Lei de Talião, por exemplo. Entretanto, diante da evolução da sociedade e da dinamização das relações entre as pessoas, evidenciou-se a necessidade de uma ferramenta que ordenasse os diversos interesses que se manifestassem na vida social. Para suprir tal carência surge o Direito.

Com o crescimento da população e das mais diversas atividades visando desenvolver todas as capacidades humanas, potencializaram-se os conflitos, visto a existência de inúmeros interesses antagônicos. A partir daí, o homem percebeu que não bastava a existência de um instrumento ordenador da vida em sociedade, mas também alguém com suficiente imparcialidade para solucionar os conflitos de forma justa, aplicando os ordenamentos previstos pelo insurgente Direito: o Estado-juiz. Nesse sentido ensina a doutrina brasileira:

A justiça – entendida a partir de uma visão amplíssima e absolutamente despretensiosa como a realização de um direito tal qual prescrito no plano material, uma “tutela material de direito, portanto” - passa a ser feita, com o surgimento e desenvolvimento do “Estado” como o conhecemos, pelo próprio Estado, emsubstituição aos destinatários das normas jurídicas. A “justiça” estatal, neste contexto, equivale à “tutela estatal dos direitos” conflituosos. (BUENO, 2007, p. 4-5)

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Assim, impôs-se ao Estado a responsabilidade de resolver o mais imparcialmente possível os conflitos de interesse surgidos na sociedade.

Até a evolução para um Estado Democrático de Direito, o Brasil percorreu um longo trajeto, passando por fases extremamente liberais até as mais autoritárias e que privilegiavam determinadas classes em detrimento de outras.

Como toda a evolução, após muito sofrimento e luta, alcançou-se um Estado que tem como um de seus alicerces a igualdade entre todos, independentemente de qualquer fator.

É exatamente nesse ponto que a tão almejada igualdade gera um imenso conflito: como tratar indivíduos de maneira igual diante da existência de inúmeros focos de desigualdade? Como tratar igualitariamente as mais diversas fragilidades humanas?

No início proclamava-se que todos, indistintamente, deveriam ser sujeitos de tratamento igual. A isso denominou-se igualdade formal. Entretanto, ante a percepção de que os seres humanos apresentam inúmeras necessidades diferenciadas, tornou-se claro que a igualdade formal não era suficiente para a consecução de um Estado verdadeiramente democrático. Assim, nasceu a igualdade material, que tem como enunciado maior: tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.

Diante disso, a Constituição de 1988, ápice do Estado Democrático de Direito, abarcou ambas igualdades: a formal, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e a material, ao reconhecer as desigualdades existentes na sociedade conferindo proteção aos grupos discriminados.

Postas essas considerações parte-se para a análise de que, sendo nosso Estado fundamentado no princípio da igualdade, todos

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têm o direito de recorrer ao Estado-juiz quando se sentirem lesados, visto que, segundo o art.5º, inciso XXXV, da Carta Magna: a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. E que, igualmente, tanto o autor quanto o réu tem o direito ao contraditório e ampla defesa nos moldes do inciso LV do mesmo artigo.

Assim, na relação jurídica processual deve o juiz valer-se do princípio da paridade de armas, oportunizando que ambas as partes demonstrem e provem sua versão dos fatos. Para Cassio Scarpinella Bueno tal princípio evidencia:

(…) necessidade de oferecimento de iguais oportunidades aos litigantes ao longo do processo. Não há como conceber, nestas condições, instrumentos processuais não uniformes, não iguais, não equivalentes para as partes. (BUENO, 2007, p. 128)

Diante desse preceito fundamental da igualdade é que surgem os problemas e críticas quanto as prerrogativas que a Fazenda Nacional detém. Sob uma perspectiva estanque, se os litigantes devem ser tratados de forma isonômica, não há necessidade de a Fazenda possuir inúmeras prerrogativas processuais. Tal visão, completamente ultrapassada, tem completo sustentáculo legal para cair por terra.

As prerrogativas da Fazenda Pública estão alicerçadas justamente sob o princípio da igualdade material, visto que, como dito anteriormente, tal órgão atua em nome do interesse público, ou seja, não busca defender um interesse individual, mas algo que é de toda a coletividade. Por isso mesmo é que a máxima “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual” é responsável pela existência das prerrogativas da Fazenda. Sua atuação é, cotidianamente, em nome de um direito coletivo e difuso

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que, por afetar um número indistinto de pessoas, merece maior respaldo e garantia pelo peso e superioridade de seu interesse.

Nesse sentido, o posicionamento de Lúcia Valle Figueiredo: A isonomia deve se entendida com cautela.

Com efeito, há de ser compreendida dentro do princípio da igualdade entre os iguais, não podendo ostentar abrangência que chegasse ao absurdo de promover o nivelamento de desiguais. (FIGUEIREDO, p.41, 2004)

2.1. Prerrogativas processuais da Fazenda Pública

As prerrogativas concernentes à Fazenda Pública encontram-se dispersas ao longo do Código de Processo Civil, na Constituição Federal e em legislações esparsas, merecendo destaque as elencadas abaixo.

O artigo 20, § 4º do CPC prevê a fixação diferenciada dos honorários advocatícios em caso de sucumbência da Fazenda Pública, mediante apreciação equitativa do juiz, visando assegurar uma análise mais criteriosa acerca do valor da sucumbência, a fim de que a Fazenda ressarça o vencedor de forma suficiente, de modo a não afetar mais gravosamente os cofres públicos do que o necessário. Com o mesmo viés, o artigo 27 do CPC estabelece que a Fazenda é dispensada do adiantamento das despesas dos atos processuais eventualmente requeridos por ela, as quais serão, ao final, pagas pelo vencido, a fim de que a máquina administrativa tenha o menor dispêndio financeiro possível, pois um gasto desnecessário, mesmo que reposto posteriormente, pode causar prejuízos a sociedade, conforme abaixo:

Art. 27. As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.

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O artigo 99 do CPC enuncia que a Fazenda goza de privilégio de foro na Capital do Estado ou do território quando em litígio, a fim de facilitar o deslocamento de seus representantes com o menor custo possível.

Consoante o artigo 188 do CPC, prevê-se o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer devido ao grande volume de causas em que a União é parte e do número reduzido de representantes judiciais, a fim de que nenhum prazo preclua temporalmente, conforme transcrito abaixo:

Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.

Segundo o artigo 475, inciso II, do CPC é assegurado o reexame necessário das sentenças proferidas em desfavor da Fazenda. Tais sentenças devem ser criteriosamente reanalisadas porque suas consequências atingem, reflexamente, a coletividade, conforme segue:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

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§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

O artigo 488, parágrafo único do CPC dispensa o depósito prévio da Fazenda para ajuizamento de ação rescisória, visto a confiança de que não será inadimplente em caso de sucumbência. Consoante o mesmo entendimento o artigo 511, §1º do CPC dispensa o preparo para interposição de recursos, visto que não faz sentido o Estado cobrar uma quantia de seu próprio órgão, conforme abaixo.

Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.

§ 1º São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

Conforme o artigo 649, incisos IX e XI do CPC assegura-se a impenhorabilidade dos bens públicos, mesmo os dominicais. Isso ocorre devido a existência da regra contida no artigo 100 da Constituição Federal a qual enuncia que, no caso de ser executada,

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a Fazenda Pública realizará o pagamento de valores através de um procedimento especial denominado precatórios, in verbis:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: IX - os recursos públicos recebidos por

instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Na mesma esteira tem-se o entendimento de Alexandre Mazza:

Como os bens do Estado não podem ser penhorados, é impossível aplicar à cobrança de créditos contra a Fazenda o sistema convencional de execução baseado na constrição judicial de bens do devedor. (MAZZA, p.522, 2011)

O artigo 928, parágrafo único do CPC exige a audiência prévia do representante judicial da Fazenda no caso da parte contrária requerer medida liminar em ação possessória. Tal prerrogativa decorre da impossibilidade da Fazenda sofrer danos desnecessários, caso posteriormente fique comprovado o não cabimento de medida aplicada, conforme abaixo:

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Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais.

Consoante as leis 9494/94 e 8437/82 são restritas a execução provisória de sentença e a concessão de liminar ou tutela antecipada em desfavor da Fazenda, tendo em vista que a materialização de tais condutas antes de uma solução definitiva da lide pode trazer prejuízos irreparáveis a coletividade.

Por ser um órgão da Administração Direta, a Fazenda Pública goza de. tais prerrogativas em decorrência do regime jurídico administrativo, frutos da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

Dentre tais prerrogativas pode-se destacar a competência que esse órgão especializado do Poder Executivo tem para executar as leis tributárias para efeito de cobrar e fiscalizar o pagamento dos tributos em nome do Estado, conforme supra.

Discorrendo acerca dos motivos determinantes da necessidade da Fazenda Pública ser detentora de inúmeras prerrogativas, o jurista paranaense Marçal Justen Filho aduz:

Quando se alude à supremacia do interesse público sobre o privado não se está pleiteando existir uma relação de ‘poder’. Ou seja, não se

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trata de relações acima ou fora do direito. Aliás, se diversamente fosse, inexistiriam relações jurídicas de direito público (expressão que constituiria uma contradição em termos). (...) No campo tributário, essa superioridade de interesse público externa-se no conteúdo da relação jurídica, que é orientada a favorecer e beneficiar o sujeito ativo, não por especial consideração a ele, mas por ser ele o veículo de potencialização do interesse público.(JUSTEN FILHO, apud RODRIGUES, p.144)

Mesmo que a doutrina majoritária, principalmente os tributaristas, enuncie que as prerrogativas concedidas a Fazenda Pública não passam de meros privilégios processuais que acabam por colocar o particular em situação de extrema desvantagem tal entendimento não merece acolhimento, visto que a Fazenda Pública, atuando em nome da União, logra defender o interesse de toda a coletividade.

Ademais, ante todo o exposto nos tópicos: a igualdade na relação jurídica processual e a execução fiscal em vistas do interesse público, evidencia-se que o fato da Fazenda Nacional possuir prerrogativas para a arrecadação fiscal não tem por escopo aumentar seu patrimônio como “pessoa jurídica”, mas sim garantir a efetiva aplicação do princípio da isonomia e assegurar o interesse da sociedade como um todo, uma vez que todo tributo arrecadado se reverte em prol da sociedade, como na construção de escolas, por exemplo.

Consoante entendimento de Hely Lopes Meirelles: Essa supremacia do interesse público é o

motivo da desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados (...) a Lei 9784/99, no inc. XIII do parágrafo único do art.2º,

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diz que se deve interpretar a “norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige.” (...) dada a prevalência do interesse geral sobre os individuais, inúmeros privilégios e prerrogativas são reconhecidos ao Poder Público. (MEIRELLES, 2010, p. 106)

Muitos ainda podem alegar que os representantes judiciais da Fazenda Nacional, além de serem muitos, possuem uma altíssima remuneração pelos serviços prestados e, portanto, esse seria mais um fator para que não existissem as prerrogativas. Tal postura, entretanto, é totalmente errônea pois o número de execuções fiscais que chegam, diariamente, até esses procuradores é incalculável, ou seja, além de possuirem a missão de defender o interesse público, a eles não é facultado selecionar sobre quais processos vão atuar, como um advogado particular, em respeito ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Tal realidade demonstra concretamente a importância do art.188 do CPC que concede prazos dilatados para a Fazenda Pública.

Novamente os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: (...) o princípio da indisponibilidade do

interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado (...) (MEIRELLES, 2010, p.105)

Outrossim, configuraria uma afronta ao princípio da isonomia o fato da União não poder cobrar rigorosamente os tributos dos inadimplentes quando muitas pessoas cumprem tal obrigação de acordo com o exigido pela lei.

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Ante todo o exposto, não é cabível considerar as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública como meros privilégios processuais.

O legislador quis, mediante o desequilíbrio entre as partes na relação jurídica processual, dar efetividade ao princípio da isonomia, mostrando que os instrumentos processuais devem ser tutelados de acordo com a relevância do interesse em litígio.

Nesse sentido, desde 1980 o Supremo Tribunal Federal vem decidindo se pautando por tal entendimento, conforme segue:

Não se equipara ao particular a Fazenda Pública. A Relevância do interesse público, por esta preservado, separa-a, na sua natureza, do particular. (STF, RE 83041, Rel. Min. Cordeiro Guerra, publicado no DJU de 15.08.80).

RECURSO. IGUALDADE PROCESSUAL. PRIVILÉGIO DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 74 DO DL 960/38. Não ofende o princípio da isonomia, aplicável a igualdade das partes no processo, o conferimento de tratamento especial à Fazenda Pública, o que se faz em atenção ao peso e superioridade dos seus interesses em jogo. (STF, RE 83432, Relator Min. Leitão de Abreu, publicado no DJU de 06.06.80).

Assim, só nos resta concluir que tais prerrogativas vêm solidificar ainda mais a base de um Estado fundado na democracia, pautado pela proporcionalidade e ponderação entre os diversos interesses, sempre dispensando a devida atenção àqueles bens jurídicos capazes de afetar mais intensa e gravosamente os indivíduos.

CONCLUSÃO

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Apesar de parte da doutrina brasileira entender que as prerrogativas processuais dadas a Fazenda Pública violam o princípio da isonomia, este conceito encontra-se equivocado, a medida em que tal máxima preceitua que os diferentes também devem ser vistos e tratados diferentemente. Ao preceituar, no artigo 5º, caput da Constituição Federal, que todos são iguais perante a lei, o legislador também precisou atuar em vistas de garantir tal igualdade. É neste sentido que prerrogativas processuais foram dadas a alguns órgãos da Administração Pública.

PGFN encontra-se, irrefutavelmente, em situação completamente diversa do particular no polo jurídico processual de modo que, para minimamente competirem com “paridade de armas”, necessita ser dado a este órgão diversas prerrogativas. Não há sentido em se tratar igualmente uma parte que recebe cotidianamente centenas de processos com outra que, em virtude de liberalidade, pode optar em quais e quantos processos atuará. Não se pode equiparar o particular a Fazenda Pública, pois a relevância do interesse público, por esta defendido e resguardado, a coloca diante de um abismo entre particular.

Mesmo os contratos administrativos adotantes de regime privado, sofrem a incidência dos princípios de direito público, como, por exemplo, os princípios do direito administrativo. Isso ocorre porque em essência, qualquer atividade administrativa possui fins de ordem pública. Qualquer ação em que a União atue como parte e que conceda a ela quantia pecuniária dada pela sucumbência da outra parte enriquecerá os cofres públicos. Este, por sua vez, será usado em prol de projetos públicos atinentes ao desenvolvimento social.

A postura do legislador constituinte e do infraconstitucional foi, em verdade, de diante do desequilíbrio, alcançar minimamente uma igualdade, ao menos processual, entre a União e o particular. Tal conduta é, em princípio, ação afirmativa

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do sentido de efetivação do princípio da isonomia e da supremacia do interesse público.

As prerrogativas dadas a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional são essenciais para a concretização da Execução Fical, que visa a arrecadação do contribuinte inadimplente frente o atendimento das necessidades públicas. Dizer que nesse procedimento a União age sob interesses próprios é equívoco exorbitante e, como demonstrado, não logra permanecer nas concepções atuais.

Ademais, tais prerrogativas serão aplicadas com toda a razoabilidade e imparcialidade que compete ao Estado-juiz, ou seja, jamais terão por escopo atropelar o interesse do particular a fim de beneficiar a Fazenda a qualquer custo. Assim a decisão final pautar-se-á sempre pelo objetivo máximo de nosso Estado: a promoção da efetiva justiça.

REFERÊNCIAS

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2007.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO

Micheli Moraes Jardim

OS REFLEXOS DA LEI MARIA DA PENHA NO DIREITO DO TRABALHO, POSSIBILITAM AS GARANTIAS À EMPREGADA

VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR?

Carazinho

2013

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Micheli Moraes Jardim

OS REFLEXOS DA LEI MARIA DA PENHA NO DIREITO DO TRABALHO, POSSIBILITAM AS GARANTIAS À EMPREGADA

VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR?

Monografia apresentada ao curso de Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, sob a orientação da professora Mestre Geni Fátima Phithan da Silveira.

Carazinho

2013

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“Mulher, não és só obra de Deus;

Os homens vão-te criando eternamente.

Com a formosura dos seus corações, e

os seus anseios vestiram de glória a tua

juventude.”.

Rabindranath Tagore

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Aos meus pais, meus irmãos e avós que contribuíram constantemente

para construção do meu caráter!

Ao meu amado esposo, Antonio Eloir da Silva Costa, por estar ao meu

lado em todos os momentos, me dando apoio e me incentivando na

busca por meus ideais!

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AGRADECIMENTOS

Nada foi tão fácil a ponto de relaxar, nem tão difícil a ponto de desistir. As lutas e dificuldades encontradas no caminho só me fortaleceram, dando-me a certeza que o fim de um novo começo está chegando e que tudo valerá a pena.

Agradeço a Deus, por todo o amparo e cuidado dispensados a mim durante essa caminhada, me fazendo forte, quando me sentia fraca, me dando sabedoria para realização deste trabalho.

A minha queria e admirável professora Geni Fátima Pithan da Silveira por quem tenho grande admiração, que não mediu esforços para me auxiliar, pela a paciência e toda dedicação em me orientar na elaboração deste trabalho.

Agradeço também a professora Maira Dal Conte Tonial, por quem tenho profundo carinho, que também me auxiliou em muitos momentos com seu conhecimento.

Aos meus pais, os quais são a razão da minha existência, meus exemplos de dignidade, perseverança e alicerce basilar de minha personalidade e meus princípios. Agradeço por todo o apoio, por acreditarem em mim, por abrirem mão de suas próprias ambições para me auxiliarem na conquista de mais um objetivo.

Aos meus irmãos e amigos, pelo apoio incondicional e pela torcida para que eu obtivesse êxito na elaboração deste trabalho.

Em especial às minhas amigas Cássia, Raquel e Geneci que estiveram comigo e contribuíram incansavelmente para que eu superasse mais essa etapa fundamental para minha formação.

Ao meu esposo Antonio e aos meus filhos Antony e Emilly, por todo carinho e compreensão durante todo o tempo. Por estarem ao meu lado me auxiliando em todos os sentidos e de todas as formas. Por superarem minha ausência e me incentivarem na busca por meus sonhos e ideais.

Por fim, todavia não menos importantes, agradeço aos meus amigos e familiares Cruzaltenses, Pejuçarenses, Catarinenses e Carazinhenses, que me auxiliaram e me incentivaram para a conclusão deste trabalho, me transmitindo segurança e confiança, mesmo distante pude sentir o pensamento positivo e apoio para que alcance mais um objetivo.

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RESUMO

A presente pesquisa consiste na análise da Lei 11.340/2006, a qual protege a mulher que sempre foi discriminada vista muitas vezes, como um objeto de propriedade e dominação masculina, que luta por reconhecimento e direito de igualdade. Nesse contexto, procura demonstrar que após tantas lutas, a mulher começa a conquistar seu espaço, despertando atenção por parte do Estado, com a elaboração da Lei Maria da Penha, bem como às garantias nas relações de trabalho, com tratamento especial à mulher. Diante disso, busca definir a previsão da Lei Maria da Penha, que dispõe em seu artigo 9º, §2º, II, que a mulher vítima de violência doméstica e familiar poderá ser afasta de seu local de trabalho por até seis meses, garantindo o juiz, de ofício, seu afastamento do local de trabalho, a fim de preservar sua integridade física e psicológica, bem como apresenta o Projeto de Lei do Senado nº 296/2013, para implementação do auxílio transitório para a mulher vítima de violência doméstica e familiar. PALAVRAS-CHAVE: Afastamento local do trabalho, Lei Maria da Penha, Manutenção do

vínculo Trabalhista, Vítima de Violência Doméstica e Familiar.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

1 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER.................................................. 10

1.1 A mulher na história......................................................................................... 10

1.2 O aparecimento da mulher na história............................................................. 12

1.3 A violência doméstica e familiar no Brasil.........................................................15

1.4 A lei Maria da Penha e suas origens.................................................................18

1.5 Breves relatos sobre a lei 11.340/06.................................................................20

2 O DIREITO DO TRABALHO............................................................................. 26

2.1 A história do direito do trabalho...................................................................... 26

2.2 Princípios do direito do trabalho..................................................................... 29

2.3 Aspectos gerais do direito do trabalho........................................................... 25

2.4 O contrato de trabalho da mulher................................................................... 25

3 A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA .......................................................... 43

3.1Compromissos internacionais.......................................................................... 43

3.2 Panorama da violência contra a mulher......................................................... 46

3.3 Garantia de trabalho à mulher vítima de violência ......................................... 50

3.4 Projeto de Lei do Senado nº 296/2013............................................................ 54

CONCLUSÃO........................................................................................................ 57

REFERÊNCIAS......................................................................................................59

ANEXO1- Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã...............................61

ANEXO2-Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra a Mulher .....................................................................64

ANEXO3- Convenção de Belém do Pará............................................................66

ANEXO4- Lei Maria da Penha..............................................................................67

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INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste em uma monografia jurídica destinada à obtenção, como

requisito parcial, do título de Bacharel em direito pela Universidade de Passo fundo e

tem por objeto a análise da Lei Maria da Penha e seus reflexos no direito do trabalho.

Nesse sentido, procura-se demonstrar que muito embora exista tal lei, ainda

vislumbra-se uma carência na sua aplicabilidade, posto que, há previsibilidade de

afastamento da mulher vítima de violência doméstica e familiar por até seis meses,

através de decisão judicial, não sendo porém, abarcada pela legislação trabalhista e

previdenciária.

Nesse contexto, a escolha do tema se justifica pela oportunidade de estudo que

se revela pertinente e atual, vez que tem gerado muitos embates no mundo jurídico.

Assim sendo, verifica-se que a mulher sempre foi o alvo vulnerável na relação de

gênero no recinto familiar.

Desse modo, evidencia-se que há ainda muitas injustiças praticadas contra a

mulher, apesar de todas as lutas vencidas. Como exemplo, tem-se a Organização das

Nações Unidas que cria no âmbito internacional, organismos que começaram elaborar

normas que garantissem alguns benefícios para a mulher vítima de algum ato

discriminatório cometido por parceiros ou quando decorrente do vínculo de emprego

pelo patrão. Os direitos eram para sua proteção no ambiente do lar para garantir

prevenção e no ambiente laboral para garantir a sua sustentabilidade, em situação

gestacional e por exploração sexual ambiente de trabalho.

Para tanto, o trabalho se alicerça em três capítulos concernentes à análise de

tais direitos.

No primeiro capítulo, analisa-se a evolução dos direitos da mulher, onde se

aborda sobre a mulher na história, bem como, a violência doméstica e familiar no

Brasil e a lei Maria da Penha e suas origens.

Já no segundo capítulo, faz-se o estudo em torno do Direito trabalho,

investigando-se acerca da história do direito do trabalho, averiguando-se também os

princípios do direito do trabalho, além dos aspectos gerais do mesmo, até chegar-se

ao contrato de trabalho da mulher.

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No terceiro e último capítulo, aborda-se a Lei Maria da Penha, enfocando-se os

compromissos internacionais, e alguns comentários relativos a violência contra a

mulher. Em seguida, passa-se a abordagem das garantias de trabalho à mulher vítima

de violência.

Ainda, nesse capítulo, analisa-se Projeto de Lei do Senado nº 296/2013.

Para o esclarecimento do referido trabalho será utilizado o método hipotético

dedutivo com conceitos sobre a história da mulher na sociedade, a evolução histórica

de seus direitos, as garantias da mulher no direito do trabalho, formas de violência

domésticas existente, quais os benefícios previdenciários existentes atualmente.

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1 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER

O presente trabalho visa discorrer sobre os reflexos da Lei Maria da Penha no

direito do trabalho, abordando inicialmente sobre a mulher que é submetida à

dominação masculina e sofre com imposições machistas até os dias de hoje, sendo

estas, muitas vezes forçadas a abrir mão de suas próprias ambições e dedicar-se

exclusivamente para garantir o bem-estar do marido e dos filhos.

Após muitas lutas travadas, a mulher deixa de ser um peso a ser carregado e

passa a ser vista como lutadora por seus direitos e de poder contribuir com o

crescimento social, não importando muitas vezes a sobrecarga imposta.

A mulher começa a ocupar espaço, mesmo de forma modesta, passa a lutar

por igualdade, por respeito e conquista a Lei que vem para protegê-la diante de tantas

discriminações e abusos contra a mulher.

1.1 A mulher na história

A desigualdade entre homens e mulheres é um fato histórico que advém desde

a criação da raça humana. Assim, imperioso destacar que a violência contra a mulher

não é fato recente, fazendo muitas vezes com que a mulher vítima de violência, se

sinta retraída e acabe não procurando ajuda, seja por medo do agressor, por

dependência econômica ou emocional, ou ainda por vergonha da família e amigos.

(Kraemer, 2008, p. 184)

Convém registrar, dessa forma, que geralmente essas mulheres se encontram

totalmente fragilizadas, não conseguindo perceber que são vítimas e que podem

conseguir ajuda para superar a violência sofrida, podendo romper com essa herança

de fragilidade, vulnerabilidade e com todas as formas de discriminação contra a

mulher. (Kraemer, 2008, p. 185)

Nesse enfoque, salienta-se que ambos os sexos eram criados de formas

diversas, em mundos diferentes, sendo o homem ensinado para trabalhar fora e trazer

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o sustendo para a família, enquanto a mulher era criada para realizar as tarefas

domésticas, cuidar da casa e dos filhos. (Kraemer, 2008, p. 185)

Os Homens eram ensinados para um mundo masculino, de dominação,

externo, produtor e público, enquanto as mulheres, ensinadas para um mundo de

submissão, interno, reprodutor e privado. (Kraemer, 2008, p. 186)

Mulheres não tinham direitos, viviam à sombra dos homens e eram

consideradas como incapazes de pensar, nesse sentido:

[...] a mulher era vista como o oposto da verdade e do conhecimento, sendo uma alma inferior, que se encontrava na escuridão, sendo as mulheres gregas despossuídas de seus direitos jurídicos e políticos, subordinadas socialmente aos homens, que considerados pelos pensadores como almas superiores. (Bastos, 2011, p. 21 e 22)

Nesse contexto, pensar e discutir sobre a violência contra a mulher necessita

de um olhar para a história, através de algumas particularidades multidisciplinares que

se demarcaram nas relações de gênero, sendo a violência, um problema social, se

manifestando de várias formas e crescendo alarmantemente no mundo. (Kraemer,

2008, p. 185 a 187)

Na Alexandria romanizada no século I d.C., o filósofo Filon unindo a filosofia de

Platão, reconhecia a mulher como um ser inferior, dotada de menos racionalidade que

o homem, lançou bases ideológicas para a subordinação da mulher no mundo

ocidental. (Bastos, 2011, p. 22)

Para Aristóteles, os homens eram considerados seres mais ativos e capazes

de obter êxito nas áreas mentais, superiores e mais divinos que as mulheres, estas

vistas como monstros, emocionais, espécie que guarda maior semelhança com os

animais. (Bastos, 2011, p. 23 e 24)

A mulher sempre foi afastada do cenário político e público, não tendo sua força

produtiva considerada, devendo ser subordinada ao marido e carregar o sobrenome

dele. (Dias, 2010, p. 97)

Assim, vislumbra-se que a mulher sempre foi discriminada e oprimida, ensinada

e cobrada a casar para constituir família, abdicando de suas ambições pessoais.

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1.2 O aparecimento da mulher na sociedade

Com a Revolução Francesa (1789), as mulheres passaram a atuar de forma

mais significativa na sociedade, mesmo sendo em posição inferior, marcada por

exploração e cerceamento de direitos. (Bastos, 2011, p. 24)

Nesse período, as principais reivindicações feministas foram por seus direitos

civis e políticos, que foram melhores interpretadas pela líder feminista Marie Olympe

de Gouges, que participou intensamente dos movimentos políticos e no auge de sua

militância política, com o intuito de sensibilizar os líderes revolucionários, restou por

publicar a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã1, com o objetivo de que

fosse aplicado às mulheres o princípio da igualdade jurídica proclamada pela

revolução. (Bastos, 2011, p. 25)

Embora toda a luta travada na revolução e pequenas vitórias, as mulheres não

alcançaram igualdade política. Para a maioria dos filósofos da antiguidade, a vocação

maternal e a sensibilidade feminina impediam a ascensão de um ser totalmente

emocional para racional, abastado de inteligência. (Bastos, 2011, p. 31 e 32)

Com a revolução industrial, em meados do séc. XVIII, a mulher foi

definitivamente inserida no mercado de trabalho, com objetivo de baratear a mão de

obra, sendo obrigada a trabalhar em condições subumanas. (Bastos, 2011, p. 37)

O trabalho da mulher foi explorado em grande escala, com baixos salários,

chegando a diminuir a contratação masculina. Com o tratado de Versailles,

estabeleceu-se o princípio da igualdade salarial para ambos os sexos, impedindo

assim, a exploração da mulher. (Nascimento, 2011, p. 908)

“[...] A indústria tirou a mulher do lar por 14, 15 ou 16 horas diárias, expondo-a

a uma atividade profissional em ambientes insalubres e cumprindo obrigações muitas

vezes superiores às suas possibilidades físicas.”. (Nascimento, 2011, p. 909)

Para ter o direito de trabalhar, igualmente aos homens, trouxe à mulher uma

dupla jornada, uma vez que elas exerciam apenas o papel de esposas, mães e donas

                                                            1 Texto no anexo 1. 

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de casa, enquanto o trabalho era uma função extremamente masculina. (Piovesan,

2010, p. 263)

Conquistado mais esse direito, começou, então, uma luta contra preconceitos

e discriminações que, com muito sacrifício e força de vontade, se transformaram, aos

poucos, em conquistas femininas. De forma compassada, as mulheres conseguiram

seus espaços e a igualdade entre os sexos. (Piovesan, 2010, p. 263 a 264)

Hoje, há muitas mulheres inseridas no mercado de trabalho como

colaboradoras, mas também, grande quantidade exercendo o papel de líder. Dessa

forma, desenvolveram suas habilidades para a liderança e provaram que são capazes

tanto quanto os homens na realização de qualquer que seja a tarefa. (Piovesan, 2010,

p. 264)

Com a Declaração Universal de 1948, iniciou-se a adoção de muitos tratados

internacionais relacionados aos direitos fundamentais, formando-se o sistema

normativo global de proteção dos direitos humanos, firmando o sistema global do

sistema geral (toda e qualquer pessoa) e sistema especial (mulheres, crianças e

grupos étnicos). (Piovesan, 2010, p. 264)

No ano de 1979, as Nações Unidas aprovaram a convenção de eliminação de

todas as formas de discriminação contra a mulher, distinções, exclusões e restrições

calcadas no gênero, com base na igualdade dos sexos, direitos humanos, liberdades

fundamentais em todas as esferas, garantindo o pleno exercício de seus direitos civis,

políticos, sociais, econômicos e culturais. (Piovesan, 2010, p. 264 a 265)

Ao ser ratificada a Convenção, os Estados-partes ficaram obrigados a eliminar

qualquer tipo de discriminação de gênero de forma gradual, assegurando à mulher,

políticas igualitárias. (Piovesan, 2010, p. 265)

Ficou estabelecido pela Convenção que qualquer pessoa pode apresentar

denúncias de violência contra a mulher à Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, desde que respeitado o requisito de esgotamento prévio de recursos

internos, ou seja, é necessário ter ocorrido esgotamento de todas as vias nacionais

existentes, comprovando que foram ineficientes, podendo a comunidade internacional

impor ao Estado violador um constrangimento, e até mesmo uma condenação política

e moral. (Piovesan, 2010, p.272)

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Desse modo, a convenção objetiva não só erradicar a discriminação contra a mulher e suas causas, como também estimular estratégias de promoção de igualdade. Combina a proibição de discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo. Para garantir a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. São essenciais estratégias capazes de incentivar a inserção e inclusão social de grupos historicamente vulneráveis (Piovesan, Flávia, 2010 p. 266)

Mesmo considerando o avanço internacional, em relação à Convenção sobre

todas as formas de discriminação contra as mulheres, o Brasil somente a subscreveu

no ano de 1984. (Piovesan, 2010, p. 268)

A relação de desigualdade entre homens e mulheres, proporciona a violência,

que geralmente, é manifestada através da força física, psicológica ou intelectual,

obrigando a mulher, em situação de inferioridade, a fazer algo que não quer. É

inconcebível que a violência doméstica não seja vista como uma afronta aos direitos

humanos, uma vez que se destaca uma disputa de poder com a inferioridade feminina.

(Piovesan, 2010 p. 271)

Embora toda a luta travada pelas mulheres, os avanços, as conquistas, a

mulher ainda continua sendo alvo de grande discriminação por aqueles que ainda

acreditam que “lugar de mulher é no tanque e fogão” e por isso, é preciso mostrar que

apesar de frágil é ainda forte, ousada e firme na tomada de decisões, quando

necessário.

1.3 A violência doméstica e familiar no Brasil

Destaca-se, inicialmente, que desde antes da descoberta do Brasil, a violência

já era exercida, havendo muitos indígenas escravizados e consumidos pelos

portugueses. Com o passar do tempo, o alvo passou a ser a população negra e as

várias formas de violência só aumentaram. (Cavalcanti, 2012, p. 34 e 36)

O Código Civil de 1916 compreendia a família como patriarcal incumbindo-se

ao marido a responsabilidade de chefe da casa, enquanto a mulher apenas o

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auxiliava, não tendo qualquer reconhecimento maior. Com a Constituição Federal de

1988, se reconheceu uma estrutura familiar, com igualdade e poderes compartilhados

entre os membros da família. E finalmente, com o novo Código Civil de 2002, o

reconhecimento de igualdade entre os cônjuges. (Bastos, 2011, p. 68 e 69)

Com o fim da ditadura militar, a Constituição Federal de 1988 destaca-se por

ter recepcionado direitos e garantias fundamentais em seu texto, primando pelo

respeito e igualdade entre os sexos e estabeleceu a dignidade da pessoa humana

como seu princípio supremo, bem como prevê que os tratados internacionais

ratificados são autoaplicáveis, obrigando o Brasil a cumprir determinação internacional

para erradicar a discriminação e violência contra a mulher. (Bastos, 2011, p. 69)

No ano de 2002, com a Lei 10.455, foi acrescentado o parágrafo único do art.

69 da Lei 9.099/95, que previa medida cautelar para afastamento do agressor do lar,

o que perdeu aplicabilidade após a previsão de novas medidas protetivas da Lei Maria

da Penha. (Bastos, 2011, p. 72)

Em 2005, foram revogados vários dispositivos do Código Penal, através da Lei

11.106, como o crime por rapto de mulher honesta, tipificação do adultério. (Bastos,

2011, p. 68, 69, 72 e 73)

A violência de gênero no Brasil não está ligada somente a questões de

desigualdades sociais, culturais e econômicas, mas pelo preconceito, discriminação e

abuso de poder contra pessoas em situação de vulnerabilidade, usando o poder que

tem o agressor contra a vítima, agredindo-a de qualquer forma. (Cavalcanti, 2012, p.

39)

Salienta-se que a violência contra a mulher na legislação penal brasileira

integra vários tipos praticado por qualquer um contra a mulher, atingindo a

incolumidade corporal, a saúde física ou mental. (Jesus, 2010, p. 54)

Na violência doméstica, o sujeito ativo pode ser homem ou mulher, sujeito

passivo somente a mulher, sendo possível então: marido contra a mulher, mulher

contra mulher, filho contra a mãe, mãe ou pai contra filha, neto ou neta contra a avó,

companheiro contra a companheira, no âmbito familiar, podendo ser a violência física,

moral, patrimonial, sexual e psicológica. (Jesus, 2010, p. 65)

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A definição de violência contra a mulher mais completa está expressa na conferência de Beijing: “qualquer ato de violência que tem por base o gênero e que resulta ou pode resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, inclusive ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, quer se produzem na vida pública ou privada”. Este conceito abarca as agressões de ordem física, sexual e psicológica, com os mais variados agentes perpetradores, incluindo os de relacionamento íntimo e familiar, pessoas da comunidade em geral, e aquelas exercidas e toleradas pelo Estado. (Cavalcanti, 2012, p. 43)

Desse modo, verifica-se que o agressor se vale de uma condição privilegiada,

de dependência, seja: casamento, convívio, confiança, namoro, hierarquia ou poder

que tenha sobre a vítima. Assim, entre membros da mesma família ou entre pessoas

que ocupem o mesmo espaço de habitação. (Cavalcanti, 2012, p. 55)

Nesse contexto, compreende-se que a violência doméstica é uma violação dos

direitos humanos fundamentais, e que tem o crescimento acelerado no Brasil, porém,

é mínimo o número de mulheres que denunciam os agressores, bem como menor

ainda, as mulheres que levam o processo até o fim perante a justiça. (Cavalcanti,

2012, p. 56 a 57)

A violência doméstica é aquela que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa). (Cavalcanti, 2012, p. 54)

Os motivos para essa quietação podem ser vários: vergonha, dependência

emocional ou econômica, por acharem que não ocorrerá novamente, por se sentirem

culpadas pela violência, em razão dos filhos, por medo do agressor, entre outros.

(Cavalcanti, 2012, p.58)

Mesmo com os avanços significativos (novas leis, proteções), as violências que

antes ocorriam de forma privada, não sendo amparadas pelo Estado, passam a ser

mais visíveis e frequentes, necessitando de imediata intervenção, precisando de

adoção de medidas, regras e Leis que garantam proteção à mulher vítima de violência

doméstica e familiar, possibilitando a segurança e coragem para que possa denunciar

e ter sua palavra levada a sério.

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1.3.1Formas de violência doméstica e familiar

A violência doméstica e familiar contra a mulher é exercida por qualquer ação

ou omissão baseada no gênero que lhe cause lesão, sofrimento físico, psicológico,

sexual, moral e patrimonial. (Cavalcanti, 2012, p. 62)

Dessa forma, a violência física é exercida através de qualquer conduta que

ofenda a integridade ou saúde corporal. Já a violência psicológica se exerce pela

humilhação, ameaças, discriminação, deixando marcas emocionais para toda a vida

da vítima. Quanto à violência sexual, esta ocorre quando a mulher é constrangida

mediante ameaça, intimidação ou coação, a presenciar, manter ou participar de

relação sexual não desejada. Em relação à violência moral, ocorre quando exercida

qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. E por fim, a violência

patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração ou

destruição total ou parcial de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais,

recursos econômicos, direitos ou bens da vítima. (Cavalcanti, 2012, p. 62 e 63)

Embora os números da violência doméstica sejam alarmantes no Brasil, os

níveis de condenações são baixos, tem o objetivo de preservar a família, o que acaba

por resultar em impunidade e invisibilidade da violência. (Dias, 2007, p. 24)

A violência traz consequências para a saúde que vão além dos traumas óbvios das agressões físicas. A violência conjugal tem sido associada com o aumento de diversos problemas de saúde como baixo peso dos filhos ao nascer, queixas ginecológicas, depressão, suicídio, entre outras. (Cavalcanti, 2012, p. 54)

A procura de ajuda por parte das vítimas de violências doméstica, assim como

por parte do agressor é um obstáculo a ser superado. No Brasil, não existe política

pública para tratamento do agressor em casos de violência doméstica e familiar.

(Cavalcanti, 2012, p. 80 e 82)

As várias formas de violência contra a mulher demonstram o quão vulneráveis

são, e o quanto suas escolhas pelo silêncio vão muito além de um simples comodismo

ou afeto pelo agressor. Em muitos casos, a mulher mesmo sabendo que está sendo

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vítima de violência doméstica não denuncia ou não leva o processo até o fim por se

sentir desamparada.

1.4 A Lei Maria da Penha e suas origens

Primeiramente, deve-se esclarecer, que a Lei Maria da Penha levou esse nome

em homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que no dia 29 de

maio de 1983, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, sofreu tentativa de

homicídio por um tiro desferido pelo marido Marco Antonio Heredia Viveiros, enquanto

dormia, deixando-a paraplégica. (Cunha, 2012, p. 25)

Após alguns dias, ao retornar para sua casa, Maria da Penha sofreu novo

ataque por parte do marido, com uma descarga elétrica enquanto tomava banho. Após

19 anos, o autor foi condenado e preso. (Cunha, 2012, p. 25 e 26)

Maria da Penha recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos,

órgão integrante da Organização dos Estados Americanos, que restou por condenar

o Estado Brasileiro pela demora no processo do agressor de Maria da Penha. (Porto,

2012, p. 09)

No relatório foi realizada uma análise aprofundada do fato denunciado,

demonstrando os erros produzidos pelo Brasil, por ser parte integrante da Comissão

Interamericana e Convenção de Belém do Pará “assumiu, perante a comunidade

internacional, o compromisso de implantar e cumprir os dispositivos constantes nestes

tratados”. (Cunha, 2012, p. 27)

Uma das conclusões ressaltada pela Comissão Interamericana de Direitos

Humanos foi:

[...]“a ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do compromisso [pelo Brasil] de reagir adequadamente ante a violência doméstica”. E nem poderia ser diferente: passados quase 19 anos desde a prática do crime até a elaboração do relatório pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a impunidade verificada por conta, principalmente, da lentidão da justiça e da utilização desenfreada de recursos, revela que o Estado brasileiro, de fato

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não aplicou internamente as normas constantes das convenções por ele ratificadas. (Cunha, 2012, p. 27)

A comissão recomendou que procedesse a uma investigação séria, neutra e

extenuante para responsabilidade penal do autor do crime contra Maria da Penha,

bem como que determinasse se havia outros fatos que impedissem o processamento

ágil e efetivo do responsável. Recomendou ainda, adoção de medidas para eliminar a

tolerância do Estado com a violência doméstica contra as mulheres. (Cunha, 2012, p.

28)

Maria da Penha manifestou sua satisfação em ver o quão importante foi

denunciar a agressão, uma vez que ficou registrado internacionalmente, através do

seu caso, já que havia muitas vítimas do machismo, bem como a falta de compromisso

do Estado em terminar com a impunidade. (Cunha, 2012, p.29)

A audaciosa atitude de Maria da Penha Maia Fernandes em recorrer à Corte

Internacional de Justiça foi um marco importante na luta feminina por uma legislação

penal mais rigorosa contra as diversas formas de violência doméstica e familiar contra

a mulher. (Porto, 2012, p. 09)

A violência doméstica normatizada pela Lei Maria da Penha não guarda correspondência com qualquer delito tipificado no Código Penal. A Lei primeiro identifica as ações que configuram violência doméstica ou familiar contra a mulher (art.5º): qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial. Depois define os espaços onde o agir configura violência doméstica (art. 5º, I, II, III): no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação de afeto. Finalmente, de modo didático e bastante minucioso, são descritas as condutas que configuram violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. (Dias, 2013, p. 45)

A Lei Maria da Penha institui mecanismos para frear a violência doméstica

contra a mulher perpetrada no âmbito doméstico e familiar. A violência passa a ser

doméstica quando praticada no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer

relação íntima de afeto, independente da orientação sexual. A ação ou omissão deve

ocorrer em tal unidade, não havendo, porém necessidade de coabitação. Assim, não

há obrigatoriedade de o ofensor e a vítima habitarem debaixo do mesmo teto,

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bastando que mantenham ou tenham mantido vínculo de natureza familiar. (Dias,

2013, p. 45)

Mesmo tendo o Brasil se comprometido internacionalmente em criar leis para

proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, foi necessário, em ato de

coragem de Maria da Penha que após sofrer tanto e não obter resultados positivos

por parte da justiça brasileira, recorrer à justiça internacional, tendo assim, além de

seu caso resolvido, uma lei protegendo a todas as mulheres brasileiras que sofrem

violência.

1.5 Breves relatos sobre a Lei 11.340/06

Nesse sentido, destaca-se ainda, que a lei Maria da Penha é uma Lei

multidisciplinar, que tem por objetivo a prevenção, proteção e assistência às mulheres

vítimas de violência doméstica e familiar. Ratifica as normas elencadas na nossa

Constituição Federal, e nas duas convenções das quais o Brasil é signatário,

proclamando a todas as mulheres os direitos inerentes à pessoa humana,

assegurando a oportunidade de viver sem violência. (Bastos, 2011, p. 89 a 90)

Devem ser interpretados todos os dispositivos da lei tendo em vista a

prevenção e o combate à violência doméstica, evitando qualquer reiteração. Para a

lei Maria da Penha, não importa se a ação ou omissão ocorreu no interior da residência

ou qualquer lugar público, apenas que o vínculo que existente entre a vítima e o

agressor seja doméstico, familiar ou afetivo, bem como que o nexo causal seja uma

relação de intimidade e confiança entre ambos. (Bastos, 2011, p. 91 a 93)

A violência de gênero não é apenas aquela cometida contra a mulher, mas

aquela que ocorre pelo fato de a vítima ser mulher, exercendo a discriminação e

opressão ao sexo feminino. A conduta praticada pelo agressor ocorre em uma

situação em que coloque a mulher em posição de inferioridade e vulnerabilidade.

(Bastos, 2011, p. 93 a 95)

O sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada à vítima,

podendo ser do sexo feminino ou masculino, independente da orientação sexual,

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basta que se caracterize o vínculo entre a vítima e o agressor. (Bastos, 2011, p. 96 a

98)

O sujeito passivo, sem qualquer dúvida é a mulher, surgindo duas correntes

doutrinárias: uma corrente conservadora defendendo que os transexuais não são

geneticamente mulheres, mesmo passando a ter o órgão genital feminino e a segunda

corrente moderna que reconhece a proteção da lei aos transexuais, pois suas

características possuem nova realidade física e morfológica. (Bastos, 2011, p. 103 a

104)

Os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher são de

competência da Justiça Estadual, bem como qualquer crime contra os direitos

humanos, tendo em conta que a competência da Justiça Federal foi afastada pela

procedência do incidente de deslocamento. (Bastos, 2011, p. 118)

Os tipos de violência doméstica e familiar são: violência física, psicológica,

sexual, patrimonial e moral. A lei prevê diretrizes em âmbito federal, estadual e

municipal, com o objetivo de se estruturarem, cada uma em sua esfera de

competência, uma rede de atendimento, encaminhamento da mulher vítima de

violência, o que possui aplicabilidade concreta. (Bastos, 2011, p. 118 a 119)

Há previsão de prioridade na remoção de servidora pública estadual vítima de

violência, o que não alcança as servidoras federais, em face da carência de jurisdição

federal ao juiz estadual e a servidora municipal terá apenas a possibilidade de troca

de setor. (Bastos, 2011, p. 119)

A outra medida de proteção é o objeto dessa pesquisa, manutenção do vínculo

trabalhista à mulher vítima de violência doméstica e familiar2, pelo prazo de até seis

meses do seu local de trabalho, não se especificando se esse afastamento será

                                                            2Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. § 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. § 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.  

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remunerado ou não, e se sim, quem pagará o salário dessa empregada, quando ela

retornar ao trabalho poderá ou não ser despedida. (Bastos, 2011, p. 119 a 120)

A autoridade policial e seus agentes devem atender de forma imediata a mulher

que estiver na eminência de sofrer qualquer violência doméstica e familiar,

procedendo diligências e outras medidas de segurança. Diante da ausência de

serviços policiais voltados a proteção da vítima em tempo integral, a polícia judiciária

precisa suprir essa carência, adotando medidas previstas em lei. O atendimento

policial deve atender todas as necessidades do caso concreto, garantindo total

segurança e proteção da vítima. (Bastos, 2011, p. 121 a 122)

A criação de uma instância judicial especializada teve por objetivo o acesso

célere e efetivo à justiça. As inovações de lei Maria da Penha são as medidas

protetivas de urgência, que possibilitam providencias jurisdicionais imediatas, antes

do início do processo. A participação do Ministério Público é indispensável. A vítima

deve estar acompanhada de advogado em todos os atos processuais. O juizado

especializado pode contar com o apoio de equipe multidisciplinar. (Bastos, 2011, p.

149 a 158)

A lei enfatiza a necessidade de aumento de casas de abrigos, atendimento e

reabilitação dos agressores para que sejam tratados e incentivados a modificar suas

atitudes violentas. As estatísticas sobre a violência devem estar em uma base de

dados para adoção de políticas públicas. A lei determina que não se aplique a lei

9.099/95 aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Por fim, a lei

prevê instauração de programas de reeducação e recuperação ao agressor. (Bastos,

2011, p. 164 a 165)

Com a promulgação da nova lei 11.340/06, surgiram algumas decisões judiciais

suscitando a inconstitucionalidade integral da lei ou alguns dispositivos, alegando que

a lei é direcionada exclusivamente à proteção da mulher, não podendo o homem ser

beneficiado por ela, afrontando o princípio da igualdade. (Dias, 2013, p. 107)

O propósito da lei foi justamente criar mecanismos de proteção à mulher vítima,

com dispositivos voltados a determinados grupos da população que se encontram em

situação de vulnerabilidade, ou seja, é exatamente para prática do princípio da

igualdade, tratando com desigualdade os desiguais. (Dias, 2013, p.108)

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Não faltam justificativas para o cabimento de atenção diferenciada para as

mulheres, uma vez que a sociedade tem por padrão um modelo conservador, que

coloca a mulher em situação de submissão e inferioridade. Por mais que o homem

pudesse ser vítimas de violência doméstica, não seria por razões de ordem social e

cultural. (Dias, 2013, p. 107 e 108)

Dessa forma, é necessário haver um equilíbrio por meio de discriminações

positivas, ou seja, medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens

históricas, resultado de um passado totalmente discriminatório. (Dias, 2013, p. 108)

“A Constituição permite discriminações positivas para, através de um

tratamento desigual, buscar igualar aquilo que sempre foi desigual”. (Dias, 2013, p.

108)

O princípio da igualdade consagrado pela Constituição Federal de 1988 tem

como prioridade o tratamento igualitário a todos os cidadãos, tratando de forma

desigual os desiguais na medida de suas desigualdades. (Moraes, 2002, p. 64)

Aplica-se o tratamento isonômico entre homens e mulheres quando a finalidade

pretendida for amenizar as diferenças em razão do sexo. (Moraes, 2002, p. 67)

A Lei Maria da Penha tem por objetivo a proteção das mulheres que são vítimas

de violência dentro de suas próprias residências, situações que sempre causaram a

impunidade do agressor. Um dos dispositivos rotulado como inconstitucional, é o art.

413, da Lei Maria da Penha, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, alegando afronta

a vários princípios constitucionais, quais sejam: razoabilidade, proporcionalidade e

intervenção mínima. É suscitada também a afronta à dignidade da pessoa humana,

liberdade individual, duração razoável do processo e celeridade de sua tramitação.

Outro dispositivo taxado de inconstitucional foi o art. 33, por versar matéria de

organização judiciária. Todavia, não há inconstitucionalidade no fato da lei federal

definir competência. (Dias, 2013, p. 108 a 110)

Tendo em conta as decisões esparsas pedindo a inconstitucionalidade da

referida lei, fez com que o então Presidente da República, por meio da Advocacia

                                                            3 Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

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24  

 

Geral da União, propôs Ação Direta de Constitucionalidade ADC19-3/610, em relação

aos artigos 1º4, 335 e 41. (Dias, 2013, p. 112)

A Procuradoria Geral da República também propôs Ação Direta de

Inconstitucionalidade ADI 4.424 em relação aos artigos 12, I6, 167 e 41 da mesma lei.

O Supremo Tribunal Federal, através do relator Ministro Marco Aurélio, por maioria,

acolheu ambas as ações. (Dias, 2013, p. 112)

Em março de 2011, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional o art.

41 da Lei Maria da Penha, foi afastada a competência do Juizado Especial Criminal.

(Dias, 2013, p.120)

Mesmo sendo motivo de muita crítica, a Lei Maria da Penha foi declarada

constitucional, tornando-se um precioso mecanismo de combate à violência doméstica

e familiar contra a mulher, necessitando a adoção de políticas públicas.

Fica clara a fragilidade e dependência afetiva ou financeira por parte da mulher,

facilitando a tolerância pelas manifestações violentas do parceiro, fazendo-se

necessária a colaboração da família e toda a sociedade.

Cumpre destacar que a Lei Maria da Penha veio em benefício da mulher vítima

de violência doméstica e familiar, trazendo garantias e humanização à mulher, porém,

tal lei mesmo possuindo muitas previsões benéficas, ostenta outras que são omissas

em seu texto.

                                                            4 Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 5 Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente. 6 Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; 7 Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

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2 O DIREITO DO TRABALHO

Neste capítulo faz-se importante abordar a história, os princípios, os aspectos

gerais do contrato de trabalho, a suspensão, a interrupção e a estabilidade. Também,

analisar-se-á neste capítulo, a modalidade de contrato de trabalho da mulher,

formando conhecimento basilar para compreensão da legislação trabalhista vigente

no Brasil.

2.1 A história do direito do trabalho

Na pré-história, o trabalho veio a existir com o homem, que é direcionado de

maneira dolorosa pela necessidade de saciar sua fome e garantir sua defesa. O

ambiente físico dificultava a caça e a pesca, e com sua mão lutava contra animais e

seus análogos. Com o passar do tempo, o homem primitivo foi descobrindo um novo

mundo, o início da civilização, pela fabricação de objetos que eram considerados a

extensão de suas mãos. (Russomano, 2010, p. 21)

O autor, ainda menciona que:

A partir desse instante, o homem está acima dos outros animais: ele tem um instrumento novo, criado por sua inteligência nascente, que é o prolongamento de seu braço, para obter os bens necessários à satisfação da fome e para ser usado como arma de defesa ou ataque. (Russomano, 2010, p. 21)

Na Antiguidade Clássica, nasceu em virtude dos gregos, e posteriormente às

armas e ao direito de Roma, o trabalho escravo. Era utilizada também, outra forma de

labor, que havia retribuição pelo serviço prestado, denominado como trabalho livre,

contudo, o trabalho não poderia ser exercido braçalmente, pois este competia aos

escravos. (Russomano, 2010, p. 21)

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O direito do trabalho antes da revolução industrial nada mais tinha que

predominância do trabalho escravo, sendo o trabalhador tratado como um objeto, sem

direitos e garantias. (Nascimento, 2005. P. 47)

Nesse sentido, refere-se Russomano:

Embora não pairem dúvidas sobre o fato de que o escravo é a mais expressiva representação do trabalho da Antiguidade, os historiadores apontam certos momentos em que as leis da época, mescladas a princípios e fórmulas religiosas, faziam um abrandamento do sistema rígido da <<coizificação>> do trabalhador. Na Babilônia, graças ao Código de Hamurabi, o trabalhador mereceu tratamento mais suave pelo reconhecimento, a seu favor, de certos direitos civis. Na legislação bíblica, postibíblica e talmúdica, os artesãos, na verdade eram trabalhadores livres e os escravos obreiros recebiam pagamento, gozavam de repousos obrigatórios, sua escravidão era condicionada a prazo certo. No talmud, inclusive, encontram-se regras de proteção do trabalhador, em caso de acidente do trabalho. (Russomano, 2010, p. 23)

Com esse entendimento, nota-se que os escravos eram a principal fonte de

trabalho da antiguidade, não se permitindo que desfrutassem de qualquer resultado

do seu labor. (Camino, 1999, p. 25)

Eram mantidos escravos para realizar os serviços mais pesados, mas os

romanos também se preocupavam em ter a seus serviços trabalhadores separados

por classes, desde ofícios braçais, até as atividades intelectuais, artísticas e

científicas. Alguns escravos eram libertados por gratidão ou por vontade de seus

proprietários, podendo somente trabalhar no seu ofício, mas tinham o direito de cobrar

por isso. (Camino, 1999, p. 25 e 26)

Na idade média, entre o império romano e o império Bizantino, o trabalho era

organizado em forma do regime do colonato, de um lado a hegemonia do trabalho

agrário e do outro a economia latifundiária. O trabalhador era representado pelo

camponês, que garantia sua subsistência com os frutos da terra em que plantava

sujeito a impostos, e nunca se tornava dono da terra. (Russomano, 2010, p. 23)

A escravidão com o passar do tempo se transforma num sistema de servidão,

o trabalhador, aos poucos, vai se personalizando. Portanto, somente com o resultado

do movimento liberal e graças a Revolução Francesa o trabalho se tornou livre, “[...]

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sem nenhuma subordinação pessoal, [...] a não ser aquela que resulta do dever de

cumprir as obrigações espontaneamente assumidas, dentro do esquema hierárquico

da empresa que participa.”. (Russomano, 2010, p. 23 e 26)

Outra relação de trabalho conhecida foi a servidão, onde o indivíduo, apesar de

não ser escravo, não tinha o direito à sua liberdade. Nesse tipo de relação a condição

de inferioridade do servo se justificava pela propriedade da terra, ou seja, os senhores

eram donos de tudo que estivesse em cima do solo. O servo podia ter seus próprios

animais, bens pessoais e até mesmo usar espaços de pastos, mas tinham de pagar

imposto que resultava na transferência de tudo o que ganhava para os donos da terra.

(Russomano, 2010, p. 24 e 25)

No Brasil os períodos, colonial e imperial, foram marcados pela escravidão de

negros traficados da África, que contribuíram de forma significativa para o crescimento

econômico e cultural do Brasil, sendo abolida a escravatura no Brasil no ano de 1888.

O direito do trabalho passou a fazer parte da Constituição do Brasil após a Revolução

de 1930, no ano de 1937 e no ano de 1943 surge a Consolidação das Leis do

Trabalho. Mas foi com a nova Constituição de 1988 que surgiram as garantias

fundamentais. (Camino, 1999, p. 33 a 35)

A evolução do direito do trabalho no Brasil, mesmo após o descobrimento, e

chegando até a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, teve pouca produção

normativa. Como a mão de obra não tinha qualquer custo, não havia o que ser

regulamentado. Ainda assim, alguma coisa acabou acontecendo, sendo disso notícia

uma lei de 1830, sobre locação de serviço de colonos. (Nascimento, 2011, p. 908)

Com a Revolução Industrial do século XVIII, a mão de obra feminina foi

usufruída em grande escala, chegando a ser desprezado o trabalho masculino, sendo

essa preferência determinada por menores salários pagos às mulheres, que eram

exploradas sem nenhuma intervenção do Estado. A indústria extraiu a mulher de seu

ambiente familiar por períodos de até 16 horas, não importando suas condições físicas

e pessoais, não havendo nenhuma limitação da jornada de trabalho. (Nascimento,

2011, p. 909)

O trabalho que antes era exercido apenas para suprir necessidades físicas do

homem passou a ser também exercido para suprir a necessidade industrial, fazendo

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com que aquele homem que antes caçava, plantava e pescava para seu sustento e

de sua família, passa a realizar atividades para terceiro e ser recompensado por isso.

Com o passar do tempo, mulher que até então apenas exercia atividades na

própria casa, viu na possibilidade de trabalhar fora de casa, à possibilidade de ajudar

no sustento da família e no seu crescimento profissional.

2.2 Princípios do direito do trabalho

Para elaboração de um contrato de trabalho que atenda as necessidades do

empregado, bem como aos interesses do empregador, é preciso que se tenha por

base princípios orientadores, os quais esclarecem e nivelam o contrato entre o

contratante e o contratado.

Para que o direito do trabalho se apresente como autônomo, é imprescindível

que ele esteja contido por princípios especiais a ele inerentes, como forma de ser

estabelecido o correspondente limite de sua abrangência. Essencial que outros

elementos devam corresponder a essa autonomia, especialmente a sua auto-

aplicação independente de vínculo a outro ramo que não seja o da subsidiariedade.

(Nascimento, 2011, p. 450)

Os princípios traduzem uma ideologia, é uma formação individual, a visão

particular de comportamento social e pessoal. Através dos princípios que se inspiram

direta ou indiretamente soluções que podem servir para embasar novas regras ou

orientar as normas que já existem. (Camino, 1999, p. 53 e 54)

Cumpre destacar que os princípios são aplicados na falta de disposições ou

para complementá-la, em face de lacunas da lei, mas caso exista uma norma jurídica

para solucionar um caso concreto, esta deve ser aplicada. (Nascimento, 2005, p. 145)

O direito do trabalho é reconhecido como uma conquista dos trabalhadores,

uma forma de garantir os direitos mínimos à classe trabalhadora, através de limites

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impostos para que não se exercesse a exploração da força do trabalho. (Camino,

1999, p. 56)

a) O princípio da Proteção, também chamado de princípio da tutela é uma ideia

basilar do direito do trabalho, onde a prioridade é proteger uma das partes na busca

da igualdade substancial, expressada na proteção do trabalhador. Esse princípio tem

por base a compensação, ou seja, compensa-se no plano jurídico a desigualdade no

plano econômico. (Camino, 1999, p. 56)

Esse princípio protetor subdivide-se em três:

Primeiro, o in dubio pro operário, significando que quando houver dúvida, deve-

se pender para o operário, é o princípio de interpretação que diante de uma norma

jurídica que deixe dúvidas, o intérprete deverá optar pela hipótese mais benéfica para

o trabalhador. (Nascimento 2005, p. 150)

Segundo, o da prevalência da norma favorável ao trabalhador, que é o princípio

da hierarquia para aplicação da norma trabalhista, quando houver mais de uma

tratando da mesma matéria, sendo prioritária a que favorecer o trabalhador.

(Nascimento 2005, p. 150)

O terceiro, o princípio da condição mais benéfica, tem o papel de resolver o

problema da aplicação da norma trabalhista no tempo, quando uma lei posterior

modificar direito previsto por norma revogada anteriormente. (Nascimento 2005, p.

150)

b) Princípio da indisponibilidade e irrenunciabilidade tem por finalidade

assegurar e fortalecer as conquistas obtidas pelo ordenamento jurídico, traduz a

indisponibilidade dos direitos trabalhistas, pois é uma garantia social, não podendo o

trabalhador abdicá-los. Os trabalhadores só poderão dispor de seus direitos

trabalhistas no estágio de relações entre capital e trabalho, em negociação coletiva.

(Camino, 1999, p. 57 e 58)

c) Princípio da continuidade trata da dependência recíproca dos sujeitos da

relação de trabalho, tanto o empregador tem a certeza de que poderá contar com a

força de trabalho do funcionário, como empregado sabe que receberá salário e força

de trabalho por parte do empregador. (Camino, 1999, p. 58 e 59)

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d) Princípio da primazia da realidade, o que resulta em uma relação de trabalho

é a prevalência dos fatos, sempre que forem de encontro com os registros em

documentos ou acordos. O princípio da primazia da realidade se torna um

desdobramento do princípio da proteção, uma vez que o trabalhador sai sempre

beneficiado pela simplificação de provas e alegações, bem como pela ineficácia dos

registros em desconformidade com a situação de fato mais favorável. (Camino, 1999,

p. 60 e 61)

Os princípios exercem um papel informativo, papel este, que vai levar ao

legislador os significados dos ideais sociais que os justificaram. Os princípios são a

segurança para elaboração de um contrato de trabalho justo.

2.3 Aspectos gerais do contrato de trabalho

Cumpre esclarecer que o contrato de trabalho não possui forma expressa na

adequação de suas condições. Como as regras de Direito de Trabalho são de ordem

pública e o princípio da primazia da realidade sobre os escritos trata de resolver o que

a ele esteja pendente. (Nascimento, 2011, 545)

Para isso, basta que estejam presentes os requisitos de empregado e

empregador, o que presta e o que recebe serviços. Evidentemente que a

subordinação se apresenta como elemento fundamental. No momento em que a lei

dispõe a relação de trabalho, se refere a contrato de trabalho. A relação de trabalho é

um gênero, não se confunde com relação de emprego ou contrato de emprego, que

se denomina modalidade. (Nascimento, 2011, 546)

A relação de trabalho é o gênero, do qual a relação de emprego é espécie. Por outras palavras: a relação de emprego, sempre, é relação de trabalho; mas, nem toda a relação de trabalho é relação de emprego, como ocorre, v. gr., com os trabalhadores autônomos (profissionais liberais, empreitadas, locações de serviços etc.). (Russomano, 2010, p. 70)

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Um requisito para conceituar uma relação de emprego é que exista a prestação

de serviços por uma pessoa física. A essencial obrigação assumida pelo empregado

é de prestar trabalho, e apenas ele, pode ser o prestador de serviços, sendo

inaceitável a representação ou a transferência da obrigação para outra pessoa.

(Nascimento, 2011, p. 547)

Outro elemento para se estabelecer uma relação de emprego é o da

Continuidade, que se dá pela não eventualidade e permanência da prestação de

serviços. Dessa forma, sendo uma relação que se mantém no dia a dia, que não sofre

interrupções voluntárias da prestação de serviços, constitui-se em um dos elementos

capazes de identificar uma relação de emprego. (Nascimento, 2011, p. 547 a 548)

Por fim, mais um elemento para identificar a existência de uma relação de

emprego é a subordinação, a qual se caracteriza pela dependência pessoal e

econômica. O empregador detém o comando do empreendimento ou da atividade e,

nesse comando, está inserido o seu poder de subordinar. (Nascimento, 2011, p. 547

a 548)

O contrato nas relações de trabalho divide em duas partes significativas o

trabalho humano, sendo um período de escravidão e outro de liberdade de trabalho.

O contrato é considerado como afirmação de liberdade, uma vez que modifica e

estabiliza as relações entre empregado e empregador, não permitindo o regime de

escravidão, servidão e outras formas de trabalho forçado. (Nascimento, 2011, p. 548)

É através da implementação do contrato de trabalho que o homem passa a ser

visto como capaz de conduzir sua própria vida, oferecendo seu trabalho a quem quiser

e ser valorizado por isso. (Nascimento, 2011, p. 547 a 548)

Conforme determinado no art. 4688 da CLT, o contrato de trabalho somente

pode ser alterado no caso de consentimento mútuo, desde que não resulte prejuízo

para o empregado, o qual não está obrigado a aceitar qualquer alteração em seu

contrato, mesmo que este lhe beneficie como é o caso de uma promoção proposta

pelo empregador, sendo vedado o rebaixamento do mesmo. (Camino, 1999, p. 241 e

242)

                                                            8 Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. 

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Para se estabelecer o mínimo de dignidade da trabalhadora, através de um

contrato de trabalho, com garantia de direitos, foi necessário que muitos tenham se

sacrificado para que hoje tivéssemos uma legislação específica, contemplando a

classe baixa, média e alta. (Russomano, 2010, p. 159)

O trabalho embora celebrado por prazo determinado, ou mesmo por prazo

indeterminado, pressupõe continuidade, mas que podem sofrer algumas quebras

dessa continuidade, que é denominado por suspensão ou interrupção do contrato de

trabalho. (Russomano, 2010, p. 159)

Na suspensão do contrato de trabalho todas as cláusulas do referido contrato

não produzem seus efeitos, contudo, o vínculo entre o empregado e empregador não

está desfeito. Nesta modalidade, tanto o empregado não exerce atividade laboral

durante o período de suspensão, quanto o empregador não precisa efetuar

pagamento do salário predeterminado. O contrato ainda existe, porém, permanece

imóvel em sua totalidade, até que cessem as causas de sua suspensão. (Russomano,

2010, p. 159 e 160)

[...] Na suspensão total, nenhum efeito se produz. Assim, Assim, o período em que esteve afastado do serviço não se incorpora no seu tempo de serviço, salvo os casos previstos em Lei. O desligamento da empresa esvazia inteiramente o conteúdo do contrato de trabalho. Apenas se lhe assegura o direito ao emprego com um reatamento da relação jurídica que foi paralisada. É verdade que se lhe asseguram vantagens a serem desfrutadas a partir da volta ao emprego (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 471), mas durante o período de suspensão a sinalagma do contrato não funciona [...]. (Gomes, 2012, p. 359 a 360)

Já na interrupção do contrato de trabalho, por algum tempo, determinadas

cláusulas perdem sua eficácia, outras, permanecem vigorando normalmente. Embora

o empregado não precise exercer suas atividades, o empregador deve efetuar o

pagamento de seu salário no todo ou em parte, conforme o caso concreto.

(Russomano, 2010, p. 160)

[...] Na suspensão parcial, produzem-se alguns efeitos e, conforme a causa

determinante podem continuar todos, exceto o que consiste na obrigação de trabalhar.

(Gomes, 2012, p. 360)

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A suspensão por fato alheio ao empregado pode ocorrer por ocasião da

obrigatoriedade da prestação do serviço militar. Dessa forma, não pode o empregador

alterar ou rescindir o contrato de trabalho. Nesse caso, o empregado é dispensado da

obrigação de trabalhar e o empregador não precisa efetuar o pagamento de seu

salário. Ao retornar o empregado, o empregador tem o dever de garantir todas as

vantagens que no período do afastamento, foram atribuídas à categoria. (Gomes,

2012, p. 361 a 362)

No caso de doença do empregado, o motivo independe de sua vontade, não

sendo justa a privação de seu meio de subsistência, bem como não seria viável atribuir

ao empregador esse ônus de sustentá-lo no período do afastamento. Esse pagamento

é efetuado pela previdência social, a partir do décimo sexto dia de afastamento. Assim,

há suspensão parcial até o décimo quinto dia, onde o empregador arca com o

pagamento do salário do empregado e a partir do décimo sexto dia a suspensão é

total, quando passa a receber do INSS o auxílio doença. (Gomes, 2012, p. 362)

No caso de suspensão por fato imputável ao empregado, cometendo ele ato de

indisciplina, uma das prerrogativas do empregador é o exercício do poder disciplinar,

lhe garantindo a Lei o direito de impor sanções, inclusive de suspensão. A pena

consiste no afastamento temporário do empregado com perda do salário

correspondente aos dias faltosos. No caso de cancelada a suspensão judicialmente,

a suspensão que antes era total, é revertida para suspensão parcial. (Gomes, 2012,

p. 364 a 365)

As formas de extinção do contrato de trabalho são: a resilição, resolução,

rescisão e caducidade. A resilição bilateral decorre da vontade recíproca das partes,

se a resilição ocorrer por uma das partes, se tem a resilição unilateral, se por parte do

empregado, ocorre à demissão, se por parte do empregador, o despedimento.

(Camino, 1999, p. 250 a 251)

A resolução acontece pela vontade das partes, nos contratos por prazo

determinado. No momento da contratação é estipulado o término do contrato,

podendo também ocorrer por falta grave de empregado estável, com a abertura de

inquérito para apuração da falta, ajuizada pelo empregador, ou também pelo

empregado em face de justa causa do empregador, por despedida indireta. Ocorre,

portanto, a resolução judicial do contrato de trabalho diante da impossibilidade de

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denúncia eficaz pelo empregado ou empregador, os quais buscam socorro do poder

judiciário para uma sentença judicial. (Camino, 1999, p 251 a 252)

Já a rescisão, esta ocorre em casos de vícios ou defeitos, quando resulta lesão

a um dos contratantes ou a terceiros. É possível rescindir um contrato de trabalho por

incapacidade das partes, ilicitude do objeto, objeto proibido, não observação de

requisitos essenciais legais, observado o princípio realístico que preside a relação de

trabalho. (Camino, 1999, p. 153)

Assim, a caducidade ocorre quando um evento determina a impossibilidade de

prosseguimento da sua execução. Na maioria das vezes esses eventos ocorrem

independente da vontade do empregador, nos casos de morte do empregado, do

empregador, falência da empresa ou indiretamente da vontade do empregado, nos

casos de aposentadoria. No caso de morte do empregador, se os sucessores do

empresário falecido continuarem a tocar o negócio, o contrato de trabalho continua a

ser executado. (Camino, 1999, p. 254 a 255)

O afastamento do local de trabalho é algo possível de ocorrer com qualquer

trabalhador, seja por motivos causados por ele mesmo, como por motivos avessos a

sua vontade. O que deve ficar estabelecido é a forma de suspensão desse contrato.

Conforme exposto, o empregado mesmo tendo seu contrato interrompido ou

suspenso, a ele é garantido o vínculo trabalhista. (Nascimento 2011, p. 1156)

A própria lei estabelece alguns critérios de afastamento do local de trabalho por

curto prazo. Nos casos de afastamento por maior período o empregado tem a garantia

da vigência do contrato até seu retorno. A suspensão do contrato de trabalho é a

paralisação temporária dos seus principais efeitos, e interrupção do contrato é a

paralisação durante a qual a empresa paga salários e conta o tempo de serviço.

(Nascimento 2011, p. 1156)

A estabilidade no emprego é o direito do empregado em manter seu emprego

mesmo contra a vontade do empregador, salvo causas previstas em lei. A estabilidade

pode ser definitiva ou transitória, no caso da estabilidade definitiva produz efeito para

toda a relação de emprego e a transitória prevalece enquanto houver um motivo para

que ela exista. (Nascimento 2011, p. 1156)

A raiz do sistema de estabilidade iniciou com a legislação relativa ao funcionário

público, o qual adquiria estabilidade após dez anos de efetivo exercício do cargo. Os

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primeiros beneficiários desta lei foram os ferroviários do Brasil. (Russomano, 2010, p.

236 a 237)

Através do decreto 24. 615/34 os empregados dos bancos, mesmo tendo sido

contratados ou prestado concurso, após dois anos adquiriam estabilidade. No ano de

1943, quando foi elaborada a Consolidação das Leis do Trabalho, a exceção dos

bancários foi estendida a todos os trabalhadores. (Russomano, 2010, p. 238)

Relativamente à estabilidade especial, informa-se que é a que protege o

empregado das dispensas sem justa causa ou despóticas, enquanto se mantiver a

situação que proíbe a rescisão do contrato de trabalho, podendo somente este

empregado ser demitido, a partir do momento em que houver justa a causa ou que

cesse a situação que o protegia, o que poderá ser realizado mesmo sem motivo.

(Nascimento, 2011, p. 1158)

É vedado pela Constituição a dispensa sem justa causa ou arbitrária do

empregado eleito para o cargo de direção da CIPA, desde o registro de sua

candidatura até um ano após o final de seu mandato; da empregada gestante, desde

a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto; O empregado que sofre

acidente de trabalho tem garantida a estabilidade no emprego, no mínimo de doze

meses, o qual inicia sua contagem da data do acidente ou do término do auxílio

doença acidentário. (Nascimento, 2011, p. 1160)

Nessa ótica, tem-se que os representantes dos empregados membros da

Comissão de Conciliação Prévia, tanto os titulares, quanto os suplentes sendo

proibida a dispensa até um ano após o término do mandato, salvo se cometerem falta

grave. O menor aprendiz não pode ter seu contrato interrompido antecipadamente,

salvo causas previstas em lei. (Nascimento, 2011, p. 1158)

Quanto ao processo judicial em torno da estabilidade pode ser instaurado pelo

empregado ou empregador. Se ocorrer por parte do empregador, recebe o nome de

inquérito judicial, obedecendo a rito especial referente à prova. Em sendo iniciativa do

empregado, o rito é ordinário das reclamações individuais, mas os efeitos da sentença

são diferentes. (Gomes, 2012, p. 423 e 424)

Contudo, a estabilidade traduz a segurança que o trabalhador necessita ter

para trabalhar, de não ser dispensado a qualquer momento sem justificativa por parte

do empregador. Tem por escopo, evitar dispensas arbitrárias, sem justificativas, por

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mera pirraça do empregador. A estabilidade implica na segurança no trabalho, a

continuidade no contrato de trabalho por prazo indeterminado, a manutenção do

percebimento de salário, para que o trabalhador possa sobreviver, juntamente com

sua família. A segurança no trabalho é a base para o bem-estar do trabalhador e da

paz social.

2.4 O contrato de trabalho da mulher

É pertinente destacar que a mulher merece tratamento diferenciado e particular

em todos os sistemas jurídicos. A partir da Revolução industrial, as mulheres

começam a ser contratadas em grande escala, a ponto de haver preferência do

trabalho feminino ao masculino. As mulheres recebiam os menores salários em

comparação aos salários pagos aos homens e não tinham limitação de carga horária,

sendo as mesmas esquecidas pelo Estado que não intervinha em nada para coibir a

exploração.

As mulheres passaram a ter proteção nas primeiras leis trabalhistas. Em 19 de

agosto de 1842, foi proibido o trabalho subterrâneo das mulheres na Inglaterra,

passando a ser limitada sua jornada de trabalho para 10 horas e 30 minutos diária e

ao sábado limitado às 16 horas e 30 minutos, na França a proteção para o trabalho

da mulher surgiu no ano de 1848 e na Alemanha no ano de 1891, o Código Industrial

fixou normas mínimas. (Nascimento, 2011, p. 908 e 909)

O emprego de mulheres e menores na indústria nascente representava uma sensível redução do custo de produção, a absorção de mão de obra barata, em suma, um meio eficiente e simples para enfrentar a concorrência. Nenhum preceito moral ou jurídico impedia o patrão de empregar em larga escala a Mao de obra feminina e infantil. (Gomes, 2012, p. 444)

A partir do ano de 1919, o trabalho da mulher passou a receber maior atenção

e regulamentação quanto ao horário, idade, condições de insalubridade,

periculosidade e condições fisiológicas da mulher com o Tratado de Versailles e com

as conferências Internacionais do Trabalho desempenhadas pela Organização

Internacional do Trabalho. (Gomes, 2012, p. 445)

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Assim, verifica-se que as mulheres trabalhadoras tiveram intervenção do direito

em suas defesas por questões fisiológicas e sociais, a primeira se justifica porque que

a mulher era tida como mais frágil fisicamente, com uma estrutura sensível e

resistência menor que a masculina, e a segunda pela questão de que a mulher

trabalhadora que tinha família e era mãe, precisava ter a segurança e garantia de

poder conciliar suas ocupações profissionais com a maternidade e exigências dela

decorrente. (Nascimento, 2011, p. 909)

Desse modo, registra-se que no momento em que a mulher deixou de ser

considerada um ser inferior e incapaz de exercer as mesmas funções que o homem,

que não precisava mais da proteção do Estado, iniciou-se a ideia de que o direito do

trabalho deveria garantir o livre acesso da mulher no mercado de trabalho, não

aceitando mais quaisquer proibições, a partir da Lei 7.855 de 1989. (Nascimento,

2011, p. 910)

Nesse aspecto, a presença da mulher em todas as áreas de trabalho deixa de

ser um fato isolado e passa a ser visto como cotidiano e normal, inclusive há certos

tipos de trabalho onde a mulher é considerada mais hábil para executar as tarefas que

exijam sensibilidade e delicadeza. (Russomano, 2002, p. 430 e 431)

O salário da mulher deve ser igual ao do homem, em caso do exercício da

mesma profissão, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade previsto no

art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho. (Nascimento, 2011, p. 911 e 912)

A jornada de trabalho da mulher deve ser igual a estabelecida para o homem,

ou seja, oito horas diárias ou no máximo quarenta e quatro horas semanais, podendo

haver a redução, no caso de algumas atividades profissionais prevista por lei, em

decorrência da natureza do trabalho. (Nascimento, 2011, p. 911 e 912)

No decorrer da jornada de trabalho, será concedido intervalo mínimo de uma

hora e no máximo de duas horas. Após 6 horas de trabalho é indispensável à

concessão do intervalo. No caso de a jornada de trabalho ser superior a quatro horas

e inferior a seis horas, deverá haver intervalo de quinze minutos após o tempo mínimo.

(Nascimento, 2011, p. 912)

Salienta-se, nessa linha de raciocínio que, havendo necessidade de horas

extraordinárias, é obrigatório intervalo mínimo de quinze minutos para dar início à

nova jornada de trabalho. O repouso semanal remunerado terá duração de 24 horas

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ininterruptas, coincidindo com o domingo, porém, em caso de conveniência pública ou

necessidade de serviço o descanso é autorizado em qualquer outro dia da semana,

sendo o mesmo princípio aplicado nos casos de feriados. (Nascimento, 2011, p. 912

e 913)

“A mulher não poder ser submetida a esforços superiores às possibilidades

físicas médias do organismo feminino”. (Nascimento, 2011, p. 914)

Evidencia-se, nesse contexto, que não pode a empregada mulher exercer

atividade que empregue força muscular superior a vinte quilos, quando o trabalho for

contínuo e vinte e cinco quilos, quando o trabalho for esporádico. No caso de

necessidade de movimentação de material por impulsão ou tração, poderá a mulher

exercer o trabalho com valores superiores aos estabelecidos, desde que seja exercido

com auxílio de outros métodos que suavizem a força empregada, preservando a

saúde da mulher. (Nascimento, 2011, p. 914 e 915)

Nesse viés, salienta-se que a maternidade tem proteção especial, mediante a

estabilidade e licença-maternidade. A mulher trabalhadora que engravida, tem direito

a licença antes e após o parto, mediante atestado médico que comprove a gravidez,

com data provável do parto. No caso de dispensa arbitrária ou sem justa causa da

empregada parturiente é nula e tem como consequência a reintegração no emprego

e os efeitos decorrentes do afastamento no período de estabilidade. (Nascimento,

2011, p. 914 e 915)

Assim sendo, importante destacar que a licença à gestante obteve

modificações a partir da Constituição de 1988 no seu art. 7º, XVIII9, ampliando de doze

semanas (previsto no art. 392 da CLT10), para cento e vinte dias, sem prejuízo do

salário e do emprego. No ano de 2008, foi criado o programa “Empresa Cidadã”, para

prorrogação da licença-maternidade por mais sessenta dias, com incentivo fiscal às

empresas que o concederem, sendo necessário a gestante solicitar até o final do

primeiro mês após o parto, para fruição após a licença. Cumpre esclarecer que a

prorrogação é garantida também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial

para fins de adoção. (Nascimento, 2011, p. 915 e 916)

                                                            9 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;. 10 Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário. (Redação dada pela Lei nº 10.421, 15.4.2002).

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No caso de aborto necessário, a CLT prevê em seu art. 39511 a licença de duas

semanas, sem prejuízo da remuneração. Para amamentação do filho até os seis

meses de idade, a mãe tem direito a dois intervalos especiais de meia hora cada,

conforme estabelecido pela CLT, art. 39612. (Nascimento, 2011, p. 915 e 916)

Ainda, necessário mencionar que o auxilio doença, originário da Alemanha, foi

o primeiro benefício implantado naquele país. No Brasil a CLT dispõe no art. 47613

que em caso de seguro doença ou auxílio enfermidade o empregado é considerado

em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício. Com a vigência da lei

3.807, seguro doença e auxilio enfermidade, descritos na CLT, no art. 476, passou a

ser chamado auxílio doença. (Martins, 2004, p. 339)

Dessa maneira, verifica-se que o mesmo ocorre quando o segurado é

incapacitado para suas atividades laborais por mais de quinze dias consecutivos,

segundo descreve o art. 59 da lei 8.213/9114. Quando há a relação de emprego, o

contrato de trabalho é suspenso, o empregador não é obrigado a contar o tempo de

serviço, a partir do décimo sexto dias de afastamento. Para que o segurado tenha

direito ao auxílio doença, deve obedecer, de regra, a uma carência de doze

contribuições mensais, descrito no art. 25, I, da Lei 8.213/9115. (Martins, 2004, p. 339

e 340)

O autor menciona:

Independe de carência o auxílio doença nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa de doença profissional ou de trabalho, como também nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos órgãos competentes, de acordo com critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado. (Martins, 2004, p. 340)

                                                            11 Art. 395 - Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico oficial, a mulher terá um repouso remunerado de 2 (duas) semanas, ficando-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento. 12 Art. 396 - Para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais, de meia hora cada um. 13 Art. 476 - Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício. 14 Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. 15 Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26: I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais. . 

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A contagem do direito ao auxílio doença se dá, a partir do décimo sexto dia do

afastamento do trabalho, porém, se o segurado requerer o benefício, após trinta dias

de afastamento, o benefício “será devido a contar da data da entrada do

requerimento”. (Martins, 2004, p. 340)

Foi ratificado pelo Brasil a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra a Mulher. No art. 11 da referida convenção, no nº 2,

estabelece que os Estados fossem responsáveis na implantação da licença

maternidade, sem prejuízo do salário antes recebido pela beneficiária, ainda dando

garantia de emprego com o fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões

de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar.

(Martins, 2004, p. 395)

A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher embasa a retirada de distinções aparentemente protetoras da mulher no âmbito de seu trabalho, igualando-a ao homem para frustrar a discriminação. (Süssekind, 2005, p. 982 e 983)

A constituição Federal, no seu art. 7º, XVIII, garante à gestante cento e vinte

dias de licença maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário. Com a edição da

Lei 6.136/74, o salário maternidade passou a ser uma prestação previdenciária,

tirando do empregador essa responsabilidade. A remuneração do salário maternidade

é paga pelo INSS assegurada à gestante durante seu afastamento. (Martins, 2004, p.

395 e 396)

A partir das grandes evoluções industriais e tecnológicas, a mulher começa a

aparecer no cenário trabalhista, mesmo com sua fragilidade física, ela passa a ser

indispensável a execução de determinadas atividades e tem proteção especial no

âmbito trabalhista.

A mulher que antes era vista somente trabalhando em casa, sem ganhar nada

por isso, passa a tomar um novo rumo, o da independência financeira. A mesma

mulher que era discriminada por sua condição sensível e delicada, nos dias de hoje

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ganha um novo estereótipo, de batalhadora, trabalhadora competente e capaz de

assumir qualquer atividade.

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3 A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA

Até o momento tratou-se da história da mulher, da luta por reconhecimento e

igualdade dentro de uma sociedade onde a maioria age de forma machista e

discriminatória. A maior conquista para a mulher é a lei que vem ao encontro de seus

interesses e traz proteção a ela.

Para ser possível entender a importância da questão do afastamento do

trabalho da mulher vítima de violência doméstica e familiar faz-se necessário

compreender a previsão do afastamento da lei Maria da Penha, como ocorre no direito

do trabalho, bem como a aplicabilidade do art. 9º, II, § 2º desta lei.

3.1 Compromissos internacionais

A Constituição Federal de 1988 assegura a assistência à família, na pessoa

de cada um dos que a integram, criando formas para prevenir a violência contra a

mulher no âmbito doméstico e familiar. A Lei Maria da Penha foi editada a fim de

atender à recomendação da Organização dos Estados Americanos, através de

condenação imposta ao Brasil. (Dias, 2013, p. 33)

A primeira Conferência Mundial sobre a mulher foi realizada pela Organização

das Nações Unidas no México, resultando na Convenção sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres16. A Conferência de Direitos

Humanos de 1993 realizada em Viena na Austrália definiu formalmente a violência

contra a mulher como uma violação aos direitos humanos. (Dias, 2013, p. 33 e 34)

A Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência

doméstica, mais conhecida como Convenção do Belém do Pará17, sendo adotada pela

OEA no ano de 1994. O Brasil só cumpriu com os compromissos internacionais

assumidos no combate à violência doméstica contra a mulher no ano de 2006. Os

                                                            16 Texto no anexo 2 17 Texto no anexo 3 

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tratados e convenções internacionais têm aplicabilidade imediata e natureza

constitucional. (Dias, 2013, p. 35 e 36)

Os atos e tratados internacionais para serem incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro necessitam de referendo do Congresso Nacional (CF, art. 49, I), via decreto legislativo e posterior edição de Decreto Presencial, promulgando e publicando o ato/tratado, dando-lhe executoriedade, conforme já analisado no capítulo destinado ao processo legislativo. (Moraes, 2012, p. 612 e 613)

A Emenda Constitucional 45/05 acrescentou o art. 5º, §3º da Constituição

Federal18 ensejando a constitucionalização dos tratados e convenções internacionais

sobre direitos humanos. Para que as regras se transformem em emenda

constitucional, necessário se faz que sejam aprovadas em cada uma das Casas do

Congresso Nacional em dois turnos e mediante três quintos dos votos dos seus

membros. (Dias, 2013, p. 36)

A Lei Maria da Penha foi instituída para regulamentar direitos assegurados em

nível internacional. Foi ratificado por meio de tratados sobre direitos humanos pelo

Brasil e tem natureza constitucional. (Dias, 2013, p. 37)

A violência contra a mulher teve omissão do Estado, baseado de forma

deturpada de inviolabilidade do espaço privado, permitindo que mulheres sofressem

as mais terríveis humilhações e agressões dentro de seus lares. Somente na

Conferência das Nações Unidas sobre direitos humanos, ocorrida no ano de 1993, em

Viena, que a violência contra a mulher foi definida como violação aos direitos

humanos. (Dias, 2013, p. 40)

Mesmo a Lei Maria da Penha especificando que a violência doméstica constitui

violação aos direitos humanos, os crimes praticados são de competência da Justiça

Estadual, posição esta que não é unânime. Rogério Sanches da Cunha e Ronaldo

Batista Pinto defendem que, como a Lei 11.340/06 foi editada para atender tratados

                                                            18 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)

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internacionais que preservam os direitos das mulheres, é possível, ao constatar

qualquer desrespeito aos propósitos da referida Lei, representar ao Procurador Geral

da República, para que realize a transferência da demanda à Justiça Federal. (Dias,

2013, p. 40 e 41)

O Brasil por ser signatário de vários tratados internacionais, está comprometido

com a promoção da igualdade entre os gêneros, a luta contra os preconceitos e a

discriminação contra as desigualdades sociais e violência doméstica. (Cavalcanti,

2012, p. 121)

Nesse sentido:

O Estado brasileiro é signatário de várias convenções e pactos de direitos humanos para as mulheres. Em razão disso, assumiu vários compromissos, entre eles: a) de que os direitos das mulheres são direitos humanos; b) garantir o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais à mulheres e meninas e adotar medidas efetivas contra a violação destes direitos e liberdade; c) adotar todas as medidas necessárias para eliminar todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas e remover todos os obstáculos à igualdade de gênero e aos avanços e fortalecimento das mulheres; d) encorajar os homens a participar plenamente de todas as ações orientadas à busca de equidade; e) promover a independência econômica das mulheres, incluindo o emprego e erradicar a persistente e crescente pobreza que recai sobre as mulheres, combatendo as causas estruturais da pobreza através de transformações nas estruturas econômicas, assegurando acesso igualitário a todas as mulheres, incluindo as mulheres da área rural, como agentes vitais do desenvolvimento, dos recursos produtivos, oportunidade de serviços públicos; f) promover um desenvolvimento sustentado centrado na pessoa, incluindo o crescimento econômico sustentado através da educação básica, educação durante toda a vida, alfabetização e atenção primária à saúde de meninas e das mulheres; g) prevenir e eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas; h) assegurar a igualdade de acesso e a igualdade de tratamento de mulheres e homens na educação e saúde e promover a saúde sexual e reprodutiva das mulheres e sua educação e; i) assegurar o respeito ao Direito Internacional, incluindo o Direito Humanitário, no sentido de proteger as mulheres e as meninas em particular. (Cavalcanti, 2012, p. 125 e 126)

Para as mulheres, seus direitos de liberdade e igualdade eram direitos apenas

consagrados na esfera privada. As mulheres foram excluídas do processo econômico

e cultural, sendo superado apenas no Iluminismo e Revolução Francesa, com

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igualdade natural entre os sexos. Nesse contexto, com o início de uma evolução, foi

exigido do sistema jurídico igualdade entre os homens, independente de sexo, raça,

idade, cor, religião, política, entre outras. (Cavalcanti, 2012, p. 123)

A violência doméstica deixa de ser um ato privado, muitas vezes ocultado pela

vítima, e ganha olhar internacional que exige do Brasil uma solução para afirmação

dos direitos humanos das mulheres.

3.2 Panorama da violência contra a mulher

Mesmo que a Lei Maria da Penha tenha se efetivado no Brasil, ainda há muito

que fazer para viabilizar sua aplicação. A mulher que é a principal protegida da lei,

muitas vezes não sabe o conteúdo dela, tampouco suas peculiaridades.

Em 1988, foi realizada pelo IBGE a primeira pesquisa sobre vitimização no

âmbito nacional, o que auxiliou em dados sobre a violência contra a mulher

especificamente. Esse levantamento demonstrou que 63% das vítimas de violência

doméstica eram mulheres e 70% dos casos a agressão era exercida pelo próprio

marido ou companheiro. (Bastos, 2011, p. 168 a 169)

Em novembro de 2003, a Lei nº 10.778 estabeleceu a notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher, constatados pelos serviços de saúde públicos e privados de todo o país. Essa Lei, no parágrafo 1º do art. 1º, adotou a mesma definição de violência contra a mulher da Convenção de Belém do Pará (1994). A notificação tem caráter sigiloso, obrigando nesse sentido as autoridades sanitárias que a tenham recebido. (Bastos, 2011, p. 170)

Repetiu-se a pesquisa no ano de 2007, após seis meses da vigência da Lei

Maria da Penha pela Data Senado, constando que 15% da mulheres entrevistadas

reconheceram já ter sofrido qualquer tipo de violência, sendo que na região norte, o

índice foi o mais elevado, sendo 1 a cada 5 mulheres, 35% das mulheres vítimas com

 

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menos de 19 anos, 87% dos agressores eram maridos ou companheiros das vítimas

e 40% das vítimas denunciaram os agressores. (Bastos, 2011, p. 173)

Em 2009, a pesquisa realizada pelo IBOPE/Instituto Avon demonstrou que as

mulheres não abandonam o agressor por medo de morrerem, 39% das pessoas que

conhecem uma vítima de violência tomam alguma atitude em favor da mesma, 48%

acreditam que o exemplo dos pais com os filhos pode prevenir a violência na relação

entre ambos os sexos. (Bastos, 2011, p. 173 a 174)

A pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em 10 capitais do Brasil,

com 3,2 mil adolescentes, demonstra que 90% deles, com idade entre 15 a 19 anos

sofrem ou praticam algum tipo de violência em seus relacionamentos íntimos. (Bastos,

2011, p. 174)

A violência doméstica geralmente se manifesta reiteradamente por motivo de

discriminação de gênero, por ciúmes, alcoolismo, e uso de drogas ilícitas. Os

agressores geralmente são homens, os quais acreditam exercer qualquer tipo de

domínio sobre a vítima. As vítimas possuem baixa autoestima, vivem em constante

estado de pânico e medo. (Cavalcanti, 2012, p. 264)

A violência contra a mulher pode ser exercida de várias formas, quais sejam: a

violência física que é exercida pelo meio da força, mediante qualquer agressão que

ofenda a integridade física da mulher, deixando, ou não marcas aparentes; violência

psicológica, quando ocorre agressão emocional, amedrontando, inferiorizando e

menosprezando a vítima; violência sexual acontece por meio de qualquer conduta que

constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não

desejada, usando de ameaça, coação ou uso da força para conseguir o intento; a

violência patrimonial ocorre por qualquer conduta que configure retenção, subtração,

destruição total ou parcial de bens, objetos, valores, documentos pessoais e

profissionais da mulher; e a violência moral, que acontece por qualquer conduta que

consista em calúnia, difamação, ou injúria. (Cunha, 2012, p. 63 a 66)

Cabe referir que o movimento feminista teve grande importância para que os

direitos das mulheres fossem vistos como especialização dos direitos humanos, uma

vez que não se pode falar em democracia sem que haja um real enfrentamento da

violência doméstica. (Cavalcanti, 2012, p. 264)

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Mesmo com toda a proteção aos direitos humanos no Brasil, as estatísticas

apontam que a igualdade suscitada pela Constituição Federal não tem se mostrado

suficiente para assegurar igualdade entre homens e mulheres, índios, brancos e

negros. (Cavalcanti, 2012, p. 264 a 267)

É nesse sentido que a revista Isto é publicou:

A ONU alerta: em todo o mundo, sete em cada dez mulheres serão vítimas de

agressões ao longo da vida. O Brasil, apesar de suas leis avançadas, é um dos países

com maior índice de violência. (Revista Isto é, 2013, p. 46)

Conforme mapa da violência 2012 da Secretaria de políticas para as mulheres,

entre o ano de 1980 a 2010, 92 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, 43,7 mil

na última década. No ano de 2011, 47 mil mulheres foram atendidas no Sistema

Público de Saúde e 13 mil foram vítimas de estupro. (Revista Isto é, 2013, p. 49)

O Ministério Púbico do Estado do Rio Grande do Sul divulga que a cada quatro

minutos, uma mulher é morta pela violência doméstica e familiar, sofridas por elas no

Brasil. Esta é a principal causa da morte de mulheres entre 16 a 44 anos. Desses

crimes, 99% são causados por ciúme e possessividade; 77% dos conflitos ocorrem

depois da separação. (Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul)

No Estado do Rio Grande do Sul, com uma população de 10.695.532 (IBGE,

Censo 2010), sendo que, 5.489.827 são mulheres, representando 51,33% do total da

população. Os municípios do Rio Grande do Sul incluídos entre os cem mais violentos

do País (Cebela, Mapa da Violência 2012), comportando o 19º lugar no ranking de

violência contra a mulher. (Senado Federal, dados da violência contra a mulher)

No ano de 2012, morreram 93 mulheres vítimas de violência doméstica.

Dessas, 15 tinham solicitado medida protetiva. São mais de duas mulheres mortas

por semana, 40% com idade entre 20 e 30 anos, 70% dentro de casa, 55% à noite.

Dos 90 autores, 40 foram presos, 29 estão em liberdade, 20 cometeram suicídio e um

está foragido. Os municípios com maior índice são Porto Alegre, São Leopoldo e

Alvorada. Das vítimas fatais, 40% haviam feito registro de ocorrência policial. O tempo

entre o último registro e a morte varia entre 30 e 90 dias. (Ministério Público do Estado

do Rio grande do Sul)

A Lei Maria da Penha prevê a criação de Juizados Especiais de Violência

Doméstica e Familiar Contra a Mulher (JVDFM), com competência tanto na esfera

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cível quanto criminal, porém, somente terá a criação dos respectivos juizados nas

comarcas que as justifiquem nas demais, a matéria é de competência da justiça

comum. (Porto, 2012, p. 75)

Antes da lei 11.340/06 a mulher vítima que se dirigia a uma Delegacia de

polícia, além de ser atendida inadequadamente, era ridicularizada e questionada

sobre uma possível atitude que tivesse tido para dar razão à reação do agressor,

sendo a vítima culpabilizada pela agressão. (Dias, 2013, p. 173)

Os primeiros a terem contato com a vítima de violência doméstica e familiar

será as polícias, seja ela civil ou militar, devendo ser treinadas para prevenção

cautelar da integridade física, moral, patrimonial e sexual da vítima. Dentre as

atribuições da polícia, a proteção a mulher vítima de violência é a mais importante e

com menor efetividade, uma vez que não há quadro de pessoal suficiente para tal.

(Porto, 2012, p. 77 e 78)

Uma das consequências mais comemoradas pela lei Maria da Penha, foi a

formação de uma polícia mais participativa e protetiva da mulher vítima, a qual vai até

o local dos fatos, podendo autuar em flagrante o agressor. (Dias, 2013, p. 174 e 175)

A autora ainda destaca:

Comparecendo a vítima à Delegacia, deve a autoridade policial (art, 11):quando necessário garantir-lhe proteção; encaminhá-la a atendimento médico; acompanhá-la para escolher seus pertences; e fornecer-lhe transporte para abrigo seguro, em havendo risco de vida. Também precisa adotar alguns outros procedimentos: a) lavrar o boletim de ocorrência; b) tomar a termo a representação, quando se tratar de ação pública condicionada; c) tomar a termo o pedido de medidas protetivas formulado pela vítima; e d) formar o expediente a ser remetido ao juízo (art. 12) (Dias, 2013, p. 175).

Nos casos de lesões leves, se possível for, que a polícia e peritos do IML

(Instituto Médico Legal) façam um levantamento fotográfico das lesões, se não for

viável, que façam o mapa anatômico, já que a tendência é de a vítima menosprezar

as lesões sofridas, fazendo parecer menos grave do que efetivamente foi. (Porto,

2012, p. 80)

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O afastamento da vítima de seu lar, para um albergue ou mesmo para

residência de um familiar, até que o agressor seja retirado do lar. A proteção a vitima

enquanto retira seus pertences da casa, caso a autoridade policial perceba risco de

novas agressões a ela. No caso de haver arma de fogo com o agressor, a polícia deve

apreendê-la, garantindo com isso, possível utilização contra a vítima. Mesmo havendo

autorização para o porte, se houver indícios de utilização da arma contra a vítima,

esta, deverá ser apreendida. (Porto, 2012, p. 84 e 85)

Assim, a Lei estabelece que a autoridade policial e seus agentes devam ter

condições de esclarecer todos os direitos pertinentes a mulher vítima, bem como os

serviços de proteções disponíveis. (Porto, 2012, p. 86)

A violência doméstica que até então era vista como um problema privado, com

a Constituição Federal de 1988, o Estado passa da condição de mero espectador,

para assumir o dever de promover ações preventivas e repressivas para o combate à

violência contra a mulher, o que a cada ano vem crescendo, mas ainda não dá à vítima

segurança devida.

3.3 Garantia de trabalho à mulher vítima de violência

A Lei nº 11.340/0619 criada, com a intenção de proteger e assegurar diversas

garantias à mulher vítima de agressões, dentre elas, o cuidado em manter o seu

próprio sustento e continuar com o seu emprego. Na ocorrência de violência

doméstica, quando o agressor se afasta do âmbito familiar, a família perde, na maioria

das vezes, o auxílio financeiro do homem, quando este é o principal provedor

financeiro do lar. (Dias, 2007, p. 93)

A autora menciona a importância da novidade trazida pela Lei Maria da Penha

em garantir o vínculo de trabalho da vítima de violência:

Por isso é bem vinda a absoluta novidade trazida pela Lei Maria da Penha ao assegurar a preservação do vínculo laboral da mulher vítima da violência doméstica, trabalhe ela no serviço público ou na iniciativa privada. É garantida

                                                            19 Texto no anexo 4 

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prioridade de remoção a funcionária pública (art. 9º, §2º, II) e manutenção do vínculo trabalhista por até seis meses (art, 9º, § 2º, I e II), sempre que tais providências se fizerem necessárias para preservar sua integridade física e psíquica. (Dias, 2007, p. 93)

No momento em que o juiz recebe o pedido de medida protetiva de urgência

ou o inquérito policial, bem como qualquer outra demanda intentada pela vítima ou

pelo Ministério Público, em vendo necessidade, pode o magistrado, de ofício

determinar o afastamento da vítima do local do trabalho, visando garantir sua

integridade física ou psíquica, garantindo a manutenção da relação de emprego.

(Dias, 2007, p. 93)

Ao preservar a manutenção do emprego da mulher vítima de violência, o

legislador acertou peremptoriamente, considerando que se assim não o fosse, seria

ela vítima por duas vezes, tanto por sofrer agressão, quanto por ter que deixar o

emprego por causa da violência sofrida. (Cunha, 2012, p. 79)

No caso de a vítima ser funcionária pública, o requerimento para remoção por

parte dela ou pelo Ministério Público é assegurado pelo juiz, o qual pode fazer de

ofício e não se limita ao procedimento em que há o pedido de medida protetiva. A

remoção da servidora se justifica independente da existência de cargo, abrangendo

todos os entes públicos das esferas federais, estaduais e municipais. (Dias, 2007, p.

94)

O juízo competente para a decisão sobre a remoção é da justiça estadual, mais

precisamente, cabe aos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher

(JVDFM), enquanto estes não forem criados serão analisados pelas varas criminais.

O mesmo direito à remoção poderá ser concedido na esfera cível. (Dias, 2007, p. 94)

Havendo a necessidade de a vítima ser afastada do trabalho, o juiz decidindo

pela remoção, será solicitado diretamente à administração pública. Em não sendo

cumprida a determinação do juiz, responde a administração por desobediência. Caso

a vítima queira, pode solicitar a remoção por vias administrativas e não havendo

aceitação, somente por via judicial. (Dias, 2007, p. 94 e 95)

Na iniciativa privada, havendo reconhecimento da necessidade de afastamento

da vítima de seu local de trabalho, o magistrado, de ofício, a pedido da parte ou do

Ministério Público comunica a decisão ao empregador. (Dias, 2007, p. 95)

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A competência para decidir sobre a manutenção do vínculo trabalhista da vítima

de violência doméstica é do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher

(JVDFM). Em não havendo ainda o JVDFM, compete ao juízo de família. O juiz da

vara de família é competente para conceder a medida. (Dias, 2007, p. 95)

Não sendo obedecida a determinação do juiz por parte do empregador, este

poderá responder pela desobediência. Na hipótese de a vítima ser demitida após o

empregador ter recebido a comunicação do juiz, poderá apresentar reclamatória

trabalhista com pedido de reintegração e restabelecimento do vínculo laboral que se

rompeu. (Dias, 2007, p. 96)

Embora a Lei 11.340/06 tenha previsto a possibilidade de afastamento da

mulher vítima de violência doméstica e familiar do emprego público e privado, não

menciona se o contrato de trabalho será suspenso ou interrompido, bem como se o

empregador deve ou não efetuar o pagamento dos salários à empregada. A referida

lei não menciona se após o retorno da empregada ao trabalho, se ela poderá ser

demitida imediatamente, o que é provável, uma vez que o empregador não quer correr

o risco de arcar com qualquer custo decorrente deste afastamento. (Dias, 2013, p.

163)

A Lei Maria da Penha não faz referência ao pagamento do salário e nem à natureza do licenciamento. O afastamento do trabalho por determinação judicial não se encontra ressalvada na Consolidação das Leis do Trabalho. Não há previsão de ser o empregador obrigado a proceder ao pagamento nos termos de que a ausência do empregado não é considerada falta ao serviço (CLT, arts. 131 e 474). Assim, cabe questionar se o afastamento determinado judicialmente é de suspensão ou interrupção do vínculo trabalhista. Caso se trate de suspensão do contrato de trabalho, sofre a mulher grave consequência em sua situação, pois deixará de receber salário quando, não raras vezes, já se encontra privada do auxílio do marido ou companheiro agressor. (Dias, 2007, p. 96)

Nesse sentido, surgem várias dúvidas: no caso de garantido o vínculo

trabalhista da mulher, esta continua recebendo seu salário, na forma de interrupção

do respectivo contrato? Ou não haverá salário e tampouco trabalho, estando diante

de uma suspensão do contrato trabalhista? (Cunha, 2012, p. 80)

Assim, depreende-se que se tratando de suspensão do contrato de trabalho, a

mulher sofrerá grave consequência, não receberá salários, e sendo caso interrupção,

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quem sofre é o empregador, uma vez que deverá arcar com o pagamento de salário

da empregada, sem que possa contar com a respectiva contraprestação. (Cunha,

2012, p. 80)

Segundo Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto sugerem como

solução mais adequada de suspensão do contrato de trabalho, podendo a mulher

manter seu vínculo laboral, porém, sem o recebimento de salário pago pelo

empregador, e sim, pelo órgão previdenciário, como ocorre com a gestante, como

previsto no art. 392 da CLT, ou como ocorre na ausência do empregado por doença

ou acidente de trabalho, conforme art. 476 da CLT e art. 75, §3º do Dec. 3.048/1999.

(Cunha, 2012, p. 80)

Assim, a mulher que retorna ao seu trabalho, tem asseguradas todas as

vantagens atribuídas à categoria, por ocasião de sua ausência, conforme o art.471 da

CLT. (Dias, 2007, p. 97)

Dessa forma, a Lei Maria da Penha fazendo a previsão de afastamento da

mulher que é vítima de violência doméstica e familiar de seu local de trabalho,

assegura à mulher, que ela possa ficar afastada das atividades laborais por até seis

meses, podendo, se ela quiser sair da cidade para evitar contato com o agressor,

procurar ajuda psicológica, familiar, entre outros.

A referida lei visa garantir que esta mulher que já foi vítima de violência, não o

seja novamente, uma vez que ao se afastar do trabalho sem previsão para isso,

poderia ser despedida, deixando de receber seu salário, quando, não raras vezes, já

se encontra privada do auxílio do marido ou companheiro agressor, não tendo ela,

recursos para subsistência, tampouco condições de procurar novo emprego.

3.4 Projeto de Lei do Senado 296/2013: Auxílio Transitório

Desde a sanção da Lei Maria da Penha em 08 de agosto de 2006 a mulher

recebe proteção especial, na qual lhe é garantida a inserção em programas

assistenciais do governo federal, garantindo em seu art. 9º, § 2º, II da referida lei, a

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manutenção do vínculo trabalhista da mulher vítima de violência doméstica e familiar

por até seis meses, caso seja necessário seu afastamento das atividades trabalhistas.

Após sete anos de implementação da Lei 11.340/06, a Lei 8.213/91 que trata

dos planos de benefícios da Previdência Social não obteve nenhuma modificação para

se ajustar ao benefício trazido as mulheres vítimas de violência. A grande brecha

normativa para concessão do afastamento do local de trabalho está em saber quem

arcará com o pagamento do salário e demais garantias da empregada. (Amaral, 2013,

artigos jurídicos)

Com toda essa omissão a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de

Violência Contra a Mulher no Brasil apresentou o Projeto de Lei do Senado nº

296/2013, que teve como relatora a senadora Ana Rita (PT-ES), buscando

implementar auxílio para a mulher vítima que necessita se afastar do trabalho por até

seis meses, chamado “auxílio transitório”. Para fins previdenciários toda a mulher que

sofrer violência doméstica e familiar não dependerá de carência para concessão,

sendo concedido o salário benefício na média dos maiores salários, correspondente

a oitenta por cento de todo o período de contribuição. Os homens quando vítimas, não

terão direito ao benefício, equiparando-se a acidente de trabalho. (Amaral, 2013,

artigos jurídicos)

O auxílio-transitório decorrente de risco social provocado pela violência

doméstica e familiar contra a mulher permite o acumulo com seguro-desemprego.

Toda a trabalhadora que for segurada terá direito ao auxílio-transitório a contar da

data do início do afastamento do local de trabalho, determinado pelo juiz. O auxílio-

transitório será devido enquanto durar o afastamento por até seis meses. A inovação

do PLS 296 vai muito além do estabelecido pela Lei Maria da Penha e estabelece que

a segurada, após o gozo do auxílio-transitório terá garantida a manutenção do

contrato de trabalho pelo prazo mínimo de doze meses. (Amaral, 2013, artigos

jurídicos)

Para concessão do auxílio-transitório, será necessário o afastamento da

empregada por prazo superior a quinze dias consecutivos, recebendo o auxílio após

o décimo sexto dia de afastamento. Os quinze primeiros dias, quem paga é o

empregador (salário integral) e somente a partir do décimo sexto é que será pago pela

previdência. Para a empresa, a empregada que for afastada será considerada como

licenciada. A empresa que garantir à segurada licença remunerada ficará obrigada a

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pagar a eventual diferença entre o valor do auxílio-transitório e a importância garantida

pela licença. (Amaral, 2013, artigos jurídicos)

Destaca-se que a perícia médica do INSS deverá considerar a decisão judicial

do Magistrado do Juizado de Violência Doméstica, bem como os laudos ou

prontuários médicos. Constatada a violência doméstica e familiar contra a mulher, o

juiz determinará ao agressor que recolha o valor correspondente a nove por cento de

contribuição da vítima, se ela estiver vinculada a algum regime previdenciário, através

de guia emitida pela autoridade do regime previdenciário, o qual será comunicado pelo

juiz, de ofício, para liberação do auxílio-transitório ou a requerimento do Ministério

Público ou da Defensoria Pública. (Amaral, 2013, artigos jurídicos)

Assim, foi estabelecido que o custeio do auxílio-transitório será decorrente do

recolhimento das contribuições previdenciárias regulares da segurada e pela receita

decorrente da medida, de recolhimento devido pelo agressor durante o período da

concessão do benefício. (Amaral, 2013, artigos jurídicos)

O PLS 296/2013 foi editado com o objetivo de garantir benefícios trazidos pela

Lei Maria da Penha que foram ocultados pela redação da lei que protege a mulher

vítima de violência doméstica e familiar.

Desde vigência da Lei Maria da Penha, a mulher tem previsto em seu auxílio a

assistência nos casos de violência doméstica e familiar, conforme previsto no art. 9º,

II, §2º, é determinado ao juiz que assegure à mulher em situação de violência, para

preservação de sua integridade física e psicológica, a manutenção do vínculo

trabalhista, quando necessário, por até seis meses.

Ocorre que a Lei 8.213/91, que dispõe sobre os planos previdenciários da

Previdência Social, não sofreu qualquer alteração para se adaptar ao benefício

concedido à empregada vítima, deixando uma grande lacuna para possível concessão

de afastamento da mulher vítima de seu local de trabalho, não ficando especificado

quem arcaria com o auxílio decorrente do afastamento, bem como suas

características.

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CONCLUSÃO

A realização da presente pesquisa bibliográfica, centrada na área do direito

penal e direito do trabalho, contribuiu para o aprimoramento do conhecimento na

medida em que se esclareceram dúvidas acerca da eficácia da lei 11.340/2006, eis

que se constatou que a mulher vem sendo prejudicada em decorrência da violência

sofrida em âmbito doméstico e familiar não tendo garantido seu afastamento do local

de trabalho, tampouco sendo preservados seus direitos trabalhistas.

Dessa forma, verificou-se que a mulher sempre sofreu violência, que se

materializavam em todas as suas formas, seja: física, psicológica, sexual e patrimonial

com reflexos no ambiente de trabalho.

Outrossim, compreende-se que com o passar dos anos, a mulher foi ganhando

voz e vez na sociedade, mesmo que de forma sutil, em relação aos homens, deixando

de ser vista pelo corpo social como um ser incapaz para a realização de tarefas que

antes eram atribuídas somente aos homens.

Nesse sentido, a violência sofrida pela mulher perante toda a sociedade foi

perdendo força, no entanto isso não ocorreu na esfera familiar, posto que, a mulher

era e continua sendo vitimizada.

Nesse diapasão, entram em cena todas as leis que de certa forma, asseguram

a integridade da mulher e de seus direitos, sendo a Lei Maria da Penha, até então, a

mais significativa, uma vez que foi criada com a finalidade exclusiva de proteger a

mulher de abusos sofridos no local em que mais deveria ser amparada, seu lar.

Todavia, referida lei por mais específica e ampla (no que tange aos cuidados

com a mulher vitimizada), possui algumas omissões, sendo uma delas no que diz

respeito ao art. 9º, §2º, II, que trata do afastamento da mulher vítima de violência

doméstica e familiar do seu local de trabalho por até seis meses, pois conforme se

estudou, não há na lei mencionada resposta a perguntas, tais como: quem efetuará o

pagamento de sua remuneração durante o período de seu afastamento e se, após

seu retorno, terá seu trabalho garantido.

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Importa ainda dizer que, de todos os doutrinadores estudados, percebe-se que

não há respostas concretas que efetivem a medida garantida pela Lei 11.340/06.

Enfim, não existe nenhum dispositivo legal que regulamente quem custeará o

afastamento da mulher vítima de violência doméstica e familiar de seu emprego, quiçá

se terá esta direito a estabilidade.

Porém, observa-se que os legisladores pátrios não estão omissos quanto a

busca da instituição desse direito, o qual é imprescindível ao cumprimento da norma

já existente e que trará benesses as trabalhadoras que integram o plano de

previdência social. Um exemplo disso é o Projeto de Lei do Senado nº 296/2013, que

está justamente abordando o assunto em apreço, qual seja, a regulamentação do art.

9º, §2º, II da Lei Maria da Penha.

Aliou-se a esse panorama, a verificação de que o projeto de lei supracitado traz

a figura do auxílio transitório, que consiste num benefício exclusivo as mulheres

vítimas de violência doméstica e familiar, que contribuem com a previdência social e

que necessitem afastar-se do labor habitual em decorrência da violência sofrida, cuja

violência já foi objeto de decisão judicial.

Nesse ínterim, percebe-se que a materialização da violência doméstica e

familiar, em decisões e laudos judiciais caberá aos peritos médicos da autarquia

previdenciária, acatarem-os, concedendo o benefício de forma compulsória, podendo

ser deferido por até seis meses, conforme previsto na Lei Maria da Penha.

Assim, percebe-se que o referido projeto de lei, traz resposta as duas perguntas

abordadas no presente trabalho, ou seja, se a mulher vítima de violência doméstica e

familiar poderá ser afastada do local de trabalho e por quem será efetuado tal

pagamento.

Diante disso, pôde-se compreender que será por meio do auxílio transitório,

que será pago pela autarquia previdenciária após o décimo sexto dia de afastamento.

Enfim, cumpre salientar, que referente a manutenção do vínculo empregatício

da mulher violentada, o projeto de lei prevê que nesses casos, a mulher terá

estabilidade de doze meses após o encerramento do auxílio transitório anteriormente

comentado.

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REFERÊNCIAS

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Transitório decorrente de risco social provocado por comprovada situação de violência

doméstica e familiar contra a mulher, disponível em:

http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=11755.

BASTOS, Tatiana Barreira, Violência Doméstica Contra a Mulher: análise da lei Maria

da Penha (lei nº11.340/2006), Porto Alegre: Verbo Jurídico 2011.

CAMINO, Carmen, Direito individual do trabalho, Porto Alegre: Síntese 1999.

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias, Violência Doméstica – análise da Lei

“Maria da Penha”, nº 11.340/06, Bahia: JusPODIVM 2012.

CUNHA, Rogério Sanches e Pinto, Ronaldo Batista, Violência Doméstica – Lei Maria

da Penha comentada artigo por artigo, São Paulo: Revista dos Tribunais 2012.

DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei

11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, São Paulo:

Revista do Tribunais 2013.

DIAS, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei

11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, São Paulo:

Revista do Tribunais 2007.

DIAS, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, São Paulo: Revista dos

Tribunais 2010.

GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson, Curso de direito do trabalho, Rio de

Janeiro: Forense 2012.

JESUS, Damásio,de Violência Contra a Mulher: aspectos criminais da Lei 11.340/06.

São Paulo: Saraiva 2012.

KRAEMER, Luciane e BIANQUINI, Neli Troin, Violência contra mulheres: a face oculta

do problema, expressões de violência e seu enfrentamento no CREAS.

MARTINS, Sergio Pinto, Direito da Seguridade Social, São Paulo: Atlas 2004.

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MINISTÉRIO PÚBLICO do Estado do Rio Grande do Sul, Painéis abordam panorama

da violência contra a mulher no RS e no Brasil, disponível em:

http://www.mprs.mp.br/noticias/id31363.htm.

MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, São Paulo: Atlas S.A. 2002.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: Saraiva

2011.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Iniciação ao direito do trabalho, São Paulo: LTr

2005.

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http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=130748&tp=1.

PIOVESAN, Flávia, Temas de direitos humanos, São Paulo: Saraiva 2010.

PORTO, Pedro Rui da Fontoura, Violência doméstica e familiar contra a mulher, Porto

Alegre: Livraria do Advogado 2012.

REVISTA ISTO É, Mulheres Agredidas, ano 37 – nº 2259, 6 mar/2013.

RUSSOMANO, Mozart Victor, Curso de direito do trabalho, Curitiba: Juruá 2010.

SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO Délio, VIANNA, Segadas, Teixeira Lima,

Instituições de direito do trabalho, São Paulo: LTr 2005.

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ANEXOS

Anexo 1- Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã – site disponível: feop.blogspot.com.br/2009/05/declaração-dos-direitos-da-mulher-e-da.html 1 Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em uma assembléia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus direitos e seus deveres; que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre respeitar a constituição, os bons costumes e o bem estar geral. Em conseqüência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher e da cidadã: Artigo 1º A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum. Artigo 2º O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da mulher e do homem Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão. Artigo 3º O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que é a união da mulher e do homem nenhum organismo, nenhum indivíduo, pode exercer autoridade que não provenha expressamente deles. Artigo 4º A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão. Artigo 5º As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade. Tudo aquilo que não é proibido pelas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer aquilo que elas não ordenam. Artigo 6º

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A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e cidadãos devem concorrer pessoalmente ou com seus representantes para sua formação; ela deve ser igual para todos. Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra distinção a não ser suas virtudes e seus talentos. Artigo 7º Dela não se exclui nenhuma mulher. Esta é acusada., presa e detida nos casos estabelecidos pela lei. As mulheres obedecem, como os homens, a esta lei rigorosa. Artigo 8º A lei só deve estabelecer penas estritamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres. Artigo 9º Sobre qualquer mulher declarada culpada a lei exerce todo o seu rigor. Artigo 10 Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo de princípio. A mulher tem o direito de subir ao patíbulo, deve ter também o de subir ao pódio desde que as suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei. Artigo 11 A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais preciosos da mulher, já que essa liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda cidadã pode então dizer livremente: "Sou a mãe de um filho seu", sem que um preconceito bárbaro a force a esconder a verdade; sob pena de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos estabelecidos pela lei. Artigo 12 É necessário garantir principalmente os direitos da mulher e da cidadã; essa garantia deve ser instituída em favor de todos e não só daqueles às quais é assegurada. Artigo 13 Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração, as contribuições da mulher e do homem serão iguais; ela participa de todos os trabalhos ingratos, de todas as fadigas, deve então participar também da distribuição dos postos, dos empregos, dos cargos, das dignidades e da indústria. Artigo 14 As cidadãs e os cidadãos têm o direito de constatar por si próprios ou por seus representantes a necessidade da contribuição pública. As cidadãs só podem aderir a ela com a aceitação de uma divisão igual, não só nos bens, mas também na administração pública, e determinar a quantia, o tributável, a cobrança e a duração do imposto. Artigo 15

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O conjunto de mulheres igualadas aos homens para a taxação tem o mesmo direito de pedir contas da sua administração a todo agente público. Artigo 16 Toda sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição. A Constituição é nula se a maioria dos indivíduos que compõem a nação não cooperou na sua redação. Artigo 17 As propriedades são de todos os sexos juntos ou separados; para cada um deles elas têm direito inviolável e sagrado. Ninguém pode ser privado delas como verdadeiro patrimônio da natureza, a não ser quando a necessidade pública, legalmente constatada o exija de modo evidente e com a condição de uma justa e preliminar indenização.

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Anexo 2

Convenção Sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as

Mulheres – site disponível: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4316.html

DECRETO Nº 4.316, DE 30 DE JULHO DE 2002.

Promulga o Protocolo Facultativo à

Convenção sobre a Eliminação de Todas

as Formas de Discriminação contra a

Mulher.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,

inciso VIII, da Constituição,

Considerando que o Congresso Nacional aprovou o texto do Protocolo Facultativo à

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a

Mulher, por meio do Decreto Legislativo no 107, de 6 de junho de 2002;

Considerando que o Protocolo entra em vigor, para o Brasil, em 28 de setembro de

2002, nos termos de seu art. 16, parágrafo 2;

DECRETA:

Art. 1o O Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas

de Discriminação contra a Mulher, apenso por cópia ao presente Decreto, será

executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.

Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam

resultar em revisão do referido Protocolo, assim como quaisquer ajustes

complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem

encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 3o Este Decreto entra em vigor em 28 de setembro de 2002.

Brasília, 30 de julho de 2002; 181o da Independência e 114o da República.

FERNANDOHENRIQUECARDOSO

Celso Lafer

Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminaçãode Todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher

A Assembléia Geral,

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Reafirmando a Declaração e Programa de Ação de Viena e a Declaração e Plataforma

de Ação de Pequim,Lembrando que a Plataforma de Ação de Pequim, em seguimento

à Declaração e Programa de Ação de Viena, apoiou o processo iniciado pela

Comissão sobre a Situação da Mulher com vistas à elaboração de minuta de protocolo

facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação

contra a Mulher que pudesse entrar em vigor tão logo possível, em procedimento de

direito a petição,

Observando que a Plataforma de Ação de Pequim exortou todos os Estados que não

haviam ainda ratificado ou aderido à Convenção a que o fizessem tão logo possível,

de modo que a ratificação universal da Convenção pudesse ser alcançada até o ano

2000,

1.Adota e abre a assinatura, ratificação e adesão o Protocolo Facultativo à

Convenção, cujo texto encontra-se anexo à presente resolução;

2.Exorta todos os Estados que assinaram, ratificaram ou aderiram à Convenção a

assinar e ratificar ou aderir ao Protocolo tão logo possível,

3.Enfatiza que os Estados Partes do Protocolo devem comprometer-se a respeitar os

direitos e procedimentos dispostos no Protocolo e cooperar com o Comitê para a

Eliminação da Discriminação contra a Mulher em todos os estágios de suas ações no

âmbito do Protocolo;

4.Enfatiza também que, em cumprimento de seu mandato, bem como de suas funções

no âmbito do Protocolo, o Comitê deve continuar a ser pautado pelos princípios de

não-seletividade, imparcialidade e objetividade;

5.Solicita ao Comitê que realize reuniões para exercer suas funções no âmbito do

Protocolo após sua entrada em vigor, além das reuniões realizadas segundo o Artigo

20 da Convenção; a duração dessas reuniões será determinada e, se necessário,

reexaminada, por reunião dos Estados Partes do Protocolo, sujeita à aprovação da

Assembléia Geral;

6.Solicita ao Secretário-Geral que forneça o pessoal e as instalações necessárias para

o desempenho efetivo das funções do Comitê segundo o Protocolo após sua entrada

em vigor ;

7. Solicita, ainda, ao Secretário-Geral que inclua informações sobre a situação do

Protocolo em seus relatórios regulares apresentados à Assembléia Geral sobre a

situação da Convenção.

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28ª Reunião Plenária, em 6 de outubro de 1999.

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Anexo 3

Convenção do Belém do Pará – disponível em:

www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973html

DECRETO Nº 1.973, DE 1º DE AGOSTO DE 1996.

Promulga a Convenção Interamericana

para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

contra a Mulher, concluída em Belém do

Pará, em 9 de junho de 1994.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o Art.

84, inciso VIII, da Constituição, e considerando que a Convenção Interamericana para

Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, foi concluída em Belém do

Pará, em 9 de junho de 1994;

Considerando que a Convenção ora promulgada foi oportunamente submetida ao

Congresso Nacional, que a aprovou por meio do Decreto Legislativo nº 107, de 31 de

agosto de 1995;

Considerando que a Convenção em tela entrou em vigor internacional em 3 de março

de 1995;

Considerando que o Governo brasileiro depositou a Carta de Ratificação do

instrumento multilateral em epígrafe em 27 de novembro de 1995, passando o mesmo

a vigorar, para o Brasil, em 27 de dezembro de 1995, na forma de seu artigo

21,DECRETA:

Art. 1º A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra

a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, apensa por cópia ao

presente Decreto, deverá ser executada e cumprida tão inteiramente como nela se

contém.

Art. 2º O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 1º de agosto de 1996; 175º da Independência e 108º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Luiz Felipe Lampreia

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Anexo 4

Lei Maria da Penha – Disponível em: www.planalto.gov.com.br/ccivil_03/ato2004-

2006/2006/lei/l11340.html

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Cria mecanismos para coibir a violência

doméstica e familiar contra a mulher, nos

termos do § 8o do art. 226 da Constituição

Federal, da Convenção sobre a Eliminação

de Todas as Formas de Discriminação

contra as Mulheres e da Convenção

Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência contra a Mulher;

dispõe sobre a criação dos Juizados de

Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher; altera o Código de Processo

Penal, o Código Penal e a Lei de Execução

Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e

eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar

contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do

Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra

a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação

de violência doméstica e familiar.

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,

renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais

inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades

para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento

moral, intelectual e social.

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Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos

direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia,

ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à

dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos

das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de

resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão.

§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias

para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se

destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de

violência doméstica e familiar.

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a

mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,

sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio

permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente

agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos

que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou

por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha

convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de

orientação sexual.

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de

violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

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CONTRA A MULHER

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou

saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano

emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno

desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,

crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,

isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,

ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que

lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a

presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante

intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a

utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método

contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,

mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o

exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção,

subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,

documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os

destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,

difamação ou injúria.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a

mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por

diretrizes:

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I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria

Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação,

trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes,

com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às

conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para

a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica

dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da

pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou

exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso

III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em

particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência

doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em

geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das

mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de

promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-

governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da

violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do

Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas

enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de

irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de

raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os

conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e

ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR

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Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será

prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei

Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de

Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e

emergencialmente quando for o caso.

§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência

doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal,

estadual e municipal.

§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para

preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração

direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de

trabalho, por até seis meses.

§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar

compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e

tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das

Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos

de violência sexual.

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar

contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará,

de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de

medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a

autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao

Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local

seguro, quando houver risco de vida;

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IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus

pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o

registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes

procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo,

se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas

circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com

o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar

outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de

antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de

outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério

Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá

conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de

ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos

fornecidos por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

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Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais

decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão

as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica

relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido

nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da

Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União,

no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento

e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar

contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno,

conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por

esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de

que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em

audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da

denúncia e ouvido o Ministério Público.

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a

substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo

de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de

urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária,

quando for o caso;

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III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a

requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,

independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público,

devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente,

e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que

os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida,

conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se

entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio,

ouvido o Ministério Público.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão

preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério

Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo,

verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se

sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor,

especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da

intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao

agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos

termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou

separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão

competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

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a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite

mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de

comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e

psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de

atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas

na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o

exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições

mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de

2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas

protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas,

ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da

determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de

desobediência, conforme o caso.

§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz

requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput

e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de

Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de

proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo

domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a

bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

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75  

 

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de

propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes

medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e

locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos

materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos

nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e

criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos

de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência

social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em

situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas

administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades

constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de

violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o

previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o

acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos

termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e

humanizado.

TÍTULO V

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DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a

ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser

integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições

que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz,

ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em

audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e

outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial

atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz

poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação

da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá

prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento

multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para

conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar

contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela

legislação processual pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o

processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço

de assistência judiciária.

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e

promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos

dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

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II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de

violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia

médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência

doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a

adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta

Lei.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá

ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação

na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação

civil.

Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz

quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o

ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão

incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança

a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito

Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do

Ministério da Justiça.

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas

competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão

estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a

implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos

princípios por ela adotados.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,

independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro

de 1995.

Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de

Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

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“Art. 313. .................................................

................................................................

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da

lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro

de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61. ..................................................

.................................................................

II - ............................................................

.................................................................

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de

coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei

específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código

Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129. ..................................................

..................................................................

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou

companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se

o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime

for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal),

passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152. ...................................................

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá

determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e

reeducação.” (NR)

Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

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Luiz Inácio Lula da Silva

Dilma Rousseff

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