Boletim CEIB 60

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BOLETIM DO CEIB Belo Horizonte, Volume 19, Número 60, março/2015 EDITORIAL AS RÉPLICAS EM GESSO DAS OBRAS DO MESTRE ALEIJADINHO: Um trabalho de conservação e restauração. As réplicas: histórico e técnica O Museu da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (MEA-UFMG), fundado em 1966, foi contemplado, no mês de novembro do ano passado, 2014, com a revitalização de seu espaço expositivo e a conservação- restauração das réplicas de gesso moldadas a partir de obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, ali expostas, em homenagem ao bicentenário de sua morte. Dois são os principais perso- nagens que se destacaram na confecção de moldes e moldagens das obras de Aleijadinho: Eduardo Benjarano Tecles e Aristocher Benjamim Meschessi (MASCARENHAS, 2013). O primeiro era funcionário do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), e foi responsável pela produção de um grande número de moldes de obras do mestre, encomendadas, em 1938, com o intuito de que integrassem o acervo do futuro Museu Nacional de Moldagens que teria por objetivo a disseminação de grande parte da obra de artistas nacionais. Nessa instituição, as cópias apresentariam caráter museológico: didático, histórico, social, cronológico, técnico e artístico (MASCARENHAS, 2014), mas esse Museu nunca foi construído . O segundo personagem era professor da disciplina de Modelagem, da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EA-UFMG), e foi responsável pela confecção das réplicas referentes ao legado de Aleijadinho, ainda hoje existentes na Escola, e outras enviadas a instituições educacionais e culturais de todo o país. As primeiras reproduções executadas na EA-UFMG foram encomen- dadas em meados da década de 50 pelo então diretor da Escola, professor Aníbal Mattos, com a intenção de apresentá-las ao público da instituição para instigar uma valorização e interesse pelo legado de Aleijadinho (PERET, 1964), patrono da Escola. De acordo com o arquiteto e restaurador Alexandre Mascarenhas (2013) em 1952 foi iniciada uma produção maior das réplicas pela EA-UFMG, realizadas tanto pelo escultor sozinho quanto em conjunto com os alunos da sua disciplina de Modelagem. Agesilau Neiva Almada, Raquel França Garcia Augustin, Vanessa Taveira de Souza, Juliana Cristina Silva* Figura 1: Limpeza química da réplica do Medalhão da portada da Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto, MG). Foto: Agesilau N. Almada, 2014. Este número 60 do Boletim do Ceib marca uma vitória do Centro de Estudos da Imaginária Brasileira. São dificuldade superadas com esforço, interesse e participação de todos vocês, associados. Agradecemos aos que têm enviado artigos para publicação e aos que colaboram conosco na divulgação das nossas atividades. O artigo, As réplicas das obras do Mestre Aleijadinho, é o resultado de trabalho desenvolvido por uma equipe de bacharéis em Conservação- Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2014, ano em que se celebrou 200 anos da morte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. O material das esculturas, gesso, até pouco tempo não valorizado e olhado até com certo desprezo, agora está sendo estudado, conservado, restaurado e apresentado ao público em igrejas, capelas e salas de exposição, mesmo tratando-se de réplicas, ou como documento da utilização desse material como suporte de várias obras, moldes e moldagens, como no caso em questão. Com muita satisfação para as autoras do livro Estudo da escultura policromada em madeira,Temos também uma resenha, feita pela associada do Ceib desde sua fundação, a professora, Dra. Adalgisa Arantes Campos, do Departamento de História, da Faculdade de Filosofia (Fafich), da Universidade Federal de Minas Gerais. Por último, comunicamos que o novo site do Ceib e a página da associação no Facebook estão sendo batante consultados, atingindo, assim, o número bem maior, dos que se interessam pelos estudos da escultura sacra em seus diversos aspectos: histórico, social, iconográfico, de autorias e atribuições, materiais, técnicas e sua preservação.

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AS RÉPLICAS EM GESSO DAS OBRAS DO MESTRE ALEIJADINHO:Um trabalho de conservação e restauração.Agesilau Neiva Almada, Raquel França Garcia Augustin, Vanessa Taveira de Souza, Juliana Cristina Silva

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BOLETIM DO CEIB Belo Horizonte, Volume 19, Número 60, março/2015

EDITORIAL AS RÉPLICAS EM GESSO DAS OBRAS DO MESTRE ALEIJADINHO:

Um trabalho de conservação e restauração.

As réplicas: histórico e técnica

O Museu da Escola deArquitetura da Universidade Federalde Minas Gerais (MEA-UFMG), fundadoem 1966, foi contemplado, no mês denovembro do ano passado, 2014, coma revital ização de seu espaçoexposit ivo e a conservação-restauração das réplicas de gessomoldadas a partir de obras de AntônioFrancisco Lisboa, o Alei jadinho, al iexpostas, em homenagem aobicentenário de sua morte.

Dois são os principais perso-nagens que se destacaram naconfecção de moldes e moldagens dasobras de Alei jadinho: EduardoBenjarano Tecles e AristocherBenjamim Meschessi (MASCARENHAS,2013). O primeiro era funcionário doSPHAN (Serviço do Patrimônio Históricoe Artístico Nacional), e foi responsávelpela produção de um grande númerode moldes de obras do mestre,encomendadas, em 1938, com ointuito de que integrassem o acervodo futuro Museu Nacional deMoldagens que teria por objetivo adisseminação de grande parte da obra

de artistas nacionais. Nessa instituição,as cópias apresentariam carátermuseológico: didático, histórico, social,cronológico, técnico e artístico(MASCARENHAS, 2014), mas esse Museununca foi construído.

O segundo personagem eraprofessor da disciplina de Modelagem, daEscola de Arquitetura da UniversidadeFederal de Minas Gerais (EA-UFMG), e foiresponsável pela confecção das réplicasreferentes ao legado de Alei jadinho,ainda hoje existentes na Escola, e outrasenviadas a instituições educacionais eculturais de todo o país.

As primeiras reproduçõesexecutadas na EA-UFMG foram encomen-dadas em meados da década de 50 peloentão diretor da Escola, professor AníbalMattos, com a intenção de apresentá-lasao público da instituição para instigaruma valorização e interesse pelo legadode Aleijadinho (PERET, 1964), patrono daEscola. De acordo com o arquiteto erestaurador Alexandre Mascarenhas(2013) em 1952 foi iniciada uma produçãomaior das réplicas pela EA-UFMG,realizadas tanto pelo escultor sozinhoquanto em conjunto com os alunos da suadiscipl ina de Modelagem.

Agesilau Neiva Almada, Raquel França Garcia Augustin,Vanessa Taveira de Souza, Juliana Cristina Silva*

Figura 1: Limpeza química da réplica do Medalhão da portada da Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto, MG).

Foto: Agesilau N. Almada, 2014.

Este número 60 do Boletim do Ceib

marca uma vitória do Centro de

Estudos da Imaginária Brasileira. São

dificuldade superadas com esforço,

interesse e participação de todos

vocês, associados. Agradecemos

aos que têm enviado artigos para

publicação e aos que colaboram

conosco na divulgação das nossas

atividades.

O artigo, As réplicas das obras do

Mestre Aleijadinho, é o resultado de

trabalho desenvolvido por uma

equipe de bacharéis em Conservação-

Restauração de Bens Culturais

Móveis da Escola de Belas Artes da

Universidade Federal de Minas

Gerais, em 2014, ano em que se

celebrou 200 anos da morte de

Antônio Francisco Lisboa, o

Aleijadinho. O material das esculturas,

gesso, até pouco tempo não

valorizado e olhado até com certo

desprezo, agora está sendo estudado,

conservado, restaurado e

apresentado ao público em igrejas,

capelas e salas de exposição,

mesmo tratando-se de réplicas, ou

como documento da utilização desse

material como suporte de várias

obras, moldes e moldagens, como no

caso em questão.

Com muita satisfação para as

autoras do livro Estudo da escultura

policromada em madeira,Temos

também uma resenha, feita pela

associada do Ceib desde sua

fundação, a professora, Dra. Adalgisa

Arantes Campos, do Departamento de

História, da Faculdade de Filosofia

(Fafich), da Universidade Federal de

Minas Gerais.

Por último, comunicamos que o novo

site do Ceib e a página da

associação no Facebook estão sendo

batante consultados, atingindo,

assim, o número bem maior, dos que

se interessam pelos estudos

da escultura sacra em seus diversos

aspectos: histórico, social,

iconográfico, de autorias e

atribuições, materiais, técnicas e sua

preservação.

BOLETIM DO CEIB2 Belo Horizonte, Volume 19, Número 60, março/2015

Cabe salientar que o acervo doMEA-UFMG é formado também porcópias de obras conhecidas interna-cionalmente, adquiridas em lei lões.Atualmente nas f ichas patrimoniaisinventariadas pelo MEA-UFMG háinformações de peças pertencentes àprodução francesa, como por exemplo,Maison Bonnet, que permitem oestabelecimento da relação das réplicascom suas matrizes originaisestrangeiras; sendo que, algumas delasremetem ao Museu de Louvre, localizadoem Paris, França (SOUZA, 2013).

Atualmente, existem quinzecópias em gesso de obras doAleijadinho expostas no Museu: atlante,putti e tambor do púlpito da Igreja deNossa Senhora do Carmo (Sabará, MG);Fonte da Samaritana do MuseuArquidiocesano de Arte Sacra (Mariana,MG); lavabo da Sacristia da Igreja deNossa Senhora do Carmo, busto deAfrodite do Chafariz do Alto da Cruz,espelhos laterais do púlpito (Epístola eEvangelho) e medalhão da Igreja de SãoFrancisco de Assis (Ouro Preto, MG); oprofeta Jonas, a cabeça do profetaAmós, do adro do Santuário Bom Jesusde Matosinhos (Congonhas, MG) ebustos dos profetas Abdias, Isaías,Naum e Habacuc. Essas peças foramtrabalhadas no processo de restauraçãoem novembro últ imo. Através deconsultas à documentação existente noMEA-UFMG, tomamos conhecimento deque, apesar de terem sido produzidasanteriormente, elas foram incorpo-radas à Universidade somente entre osanos de 1957 e 1969.

Para replicar as obras, o profes-sor Meschessi uti l izou a técnica demoldes em tacelos de gesso ou de cera

(PERET, 1964). Segundo Mascarenhas(2008, p.48), os tacelos definem “aspartes, pedaços ou fragmentos quecompõem o molde”. A técnica consistena uti l ização de várias partes queunidas formam o molde (negativo oufôrma) para dar origem à moldagem(positivo ou réplica), e é adequada parareproduzir obras com sal iências oucavidades que dificultem a remoção deum molde único.

Ainda de acordo comMascarenhas (2013), a técnica demoldagem possui várias etapas.Inicialmente, é preciso higienizar omodelo (original) para marcar edelimitar com tiras metálicas, de argilaou de plastilina1 – a distribuição de cadatacelo na superfície do original.Posteriormente, um material desmol-dante é aplicado, para impedir aaderência do molde no modelo, pormeio da formação de uma fina camadaisolante. Como o professor Meschessiutilizou dois materiais para os tacelos,ele também usou dois isolantesdistintos: uma mistura de gasolina eestearina2 para tacelos de gesso e talcopara tacelos de cera (PERET, 1964).

Mascarenhas (2013) comentaque a partir desse ponto, cada tacelo étratado individualmente. A parte tra-balhada deve receber duas camadas degesso, sendo que na segunda, umaestrutura em metal, sarrafos demadeira ou fibra natural é adicionada.As t iras que o delimitam devem serremovidas após a secagem dosprocedimentos, para, em seguida,serem executadas as mesmas etapasna parte subsequente. Conforme essastiras são removidas, os tacelos devemreceber sistemas de travas que osmanterão unidos (FIG.2).

Para reforçar o encaixe dostacelos existe a prática de execução decontramoldes ou “berços”, os quaisfuncionam como base de acomodaçãoe sustentação e devem ser retiradosantes da remoção dos tacelos domodelo e da montagem do molde(negativo). Após a montagem e fixaçãodo molde, os tacelos são isolados comdesmoldante para receberem ascamadas de gesso que constituirão amoldagem (posit ivo) e seus reforçosestruturais. Depois da secagem damoldagem (réplica), o molde é remo-vido e a moldagem recebe osacabamentos f inais, como a remoçãodas marcas das tiras delimitadoras dostacelos. Para a confecção do molde emtacelos de cera as etapas são: preparodo modelo, aplicação do desmoldante,aplicação da cera derretida em banho-maria com pincel ou trincha atéalcançar a espessura desejada,secagem, recorte, remoção do molde eunião das partes.

A importância das réplicas para a Escolade Arquitetura

A relevância da preservação evaloração das réplicas de obras de artee arquitetura por parte do MEA-UFMGnão está relacionada somente à suaconservação e apreciação estética, mastambém, à sua condição de registro einstrumento de ensino. O diretor daEscola, Frederico de Paula Toffani, ementrevista concedida aos autores em

Figura 2: Limpeza mecânica com aspirador de pó do verso da réplica doTambor do Púlpito da Igreja de Nossa Senhora do Carmo (Sabará, MG).

Foto: Agesilau N. Almada, 2014.

Figura 3: Resultado parcial da limpeza daréplica da Afrodite do Chafariz do Alto da

Cruz (Ouro Preto, MG).

Foto: Agesilau N. Almada, 2014.

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As moldagens expostas noMEA-UFMG não são imagensdevocionais, mas, sim, peçasrel igiosas e representativas doimaginário barroco e do principalescultor colonial brasi leiro, oAleijadinho. Elas cumprem a funçãode divulgação e compreensão datécnica de talha e de ornamentaçãoconcebidas por Antônio FranciscoLisboa e replicadas pelo professorMeschessi, condição essa faci l itadapela proximidade f ís ica das repro-duções, fator que proporciona aobservação minuciosa dos detalhesexistentes. Por meio delas é possívelrealizar estudos comparativos entreas reproduções tridimensionais al ireunidas, visualizando as peças nassuas dimensões reais, considerandoque os originais estão localizados emcidades distintas do estado de MinasGerais .

Além disso, as peças pro-porcionam o estudo da tecnologiaconstrutiva de réplicas em gesso etêm caráter significativo de registroda concepção da escultura original,servindo como documento e pro-porcionando assim, a análise do seuestado de conservação, frente aoavanço das deteriorações causadasaos originais principalmente nasobras expostas ao ar livre, como porexemplo, o caso dos Profetas queornamentam o adro e a escadaria doSantuário de Bom Jesus deMatosinhos, em Congonhas, e oMedalhão da Portada da Igreja de SãoFrancisco de Assis, em Ouro Preto. Porfim, sal ientamos que essas molda-gens cumprem uma função históricade testemunho material da técnicaconstrutiva na qual foram confec-cionadas, usual no período em queforam realizadas. Os moldes e asmoldagens em gesso passam entãoa registrar e servir como fontesprimárias dos materiais e formas deexecução características de um ofício

no tempo em que foram desenvolvidas,na primeira e na segunda metade doséculo XX, sobretudo se comparado ahoje, em que materiais mais modernose de mais fáci l manipulação sãoutilizados para a confecção de réplicascomo é o caso do silicone.

Processo de conservação e restauração

Iniciamos o trabalho comestudos detalhados das obrasabordando sua história, técnicaconstrutiva e seu atual estado deconservação. As quinze peçasapresentavam pintura aplicadadiretamente no material (gesso),provavelmente com tinta acrílica branca,a mesma uti l izada nas sucessivasrepinturas do material expográfico e doambiente expositivo. Também apresen-tavam espessa camada de sujidades,em decorrência da deposição departiculados sobre as peças.Possivelmente, a primeira pintura foirealizada para corrigir as alterações decores geradas no gesso durante oprocesso natural de envelhecimentodesse material , que se torna ama-relecido heterogeneamente. A apli-cação desta primeira camada de tintapossibilitou o retorno às característicasoriginais de homogeneidade da corbranca do gesso existentes anterior-mente. Apesar disso, as sucessivascamadas de tinta aplicadas sobre aspeças (repinturas) podem ter ocultadodetalhes das moldagens.

Mascarenhas (2014) diz que oprofessor Meschessi imprimia nasmoldagens real izadas por ele ou porsua oficina (alunos) uma assinatura(carimbo) em baixo relevo queapresentava a seguinte inscrição:“Copiado do original por A.B. Meschessido Atel ier de Escultura da Escola deArquitetura da UFMG”. No entanto, sóencontramos esse registro de identi-ficação de autoria em uma única peçadentre as 15 peças trabalhadas: Lavaboda Sacristia da Igreja de Nossa Senhora

2014, sal ientou o caráter memorial daspeças para a EA-UFMG e seu caráter deproduto da cultura material institucional.Além disso, comentou sobre a importânciada permanência do MEA-UFMG e dessasmoldagens integradas no espaçouniversitário, até mesmo para remeteremaos novos ingressantes da EA-UFMG, todaa tradição de ensino existente na Escolae toda a bagagem cultural que ainstituição carrega, em detrimento de seucaráter decorativo apresentado original-mente.

O uso do gesso como réplicaremonta a idos do século XVII I , comAntonie-Laurent Lavoisier e suaspesquisas científ icas nas quais uti l izouas réplicas de esculturas em gesso comoobjeto de estudo. Na mesma época,vinham sendo constituídas coleções denobres, particulares e universidades queserviram para estudo comparado detécnicas construtivas de escultura. Aprática de reprodução de escultura foiestimulada com a necessidade de levaràs pessoas de várias regiões aoportunidade de conhecer obras deautores famosos quando não fossepossível através dos originais. Esseconhecimento da arte estimulou, com opassar dos anos, o crescimento da práticae reprodução da escultura e oaparecimento de grandes atel iers deartistas, valorizando a prática damoldagem.

A criação das discipl inas demodelagem nas escolas e universidadesde arquitetura e artes passou a ser umimportante mecanismo de ensino e foineste contexto educacional que a EA-UFMG implantou a discipl ina queproporcionou a produção das réplicas degesso em questão.

Ressaltamos que a uti l ização dogesso para a produção de esculturasdevocionais também passou a ser umaforte tendência na Europa e no Brasi l ,entretanto, há poucas informações sobreo assunto, provavelmente o materialcomeçou a ser utilizado para esse fim nofinal do século XIX. Segundo Coelho (2005,p. 234), em Minas Gerais, as imagens emgesso mais antigas já registradaspossuem origem francesa e se encontramno Santuário do Caraça, tendo chegado aopaís provavelmente no fim do século XIXpelas mãos do padre Júl io Clavelin,Diretor do Caraça na época da construçãoda igreja da Província Brasi leira daMissão, Casa do Caraça. Estudos dãoconta da presença, no Brasil, de esculturasacras em gesso originárias da França eda Itál ia do f inal do XIX até a primeirametade do XX (QUITES; SANTOS, 2013).Novas pesquisas sobre a escultura sacraem gesso estão sendo desenvolvidas nocurso de Conservação e Restauração deBens Culturais Móveis na Escola de BelasArtes (EBA), UFMG.

Figura 4: Adesão de fratura da réplicado Púlpito da Igreja de Nossa Senhora

do Carmo (Ouro Preto, MG).

Foto: Raquel F. G. Augustin, 2014.

Figura 5: Preenchimento parcial da lacunaexistente na réplica do Medalhão da Igrejade São Francisco de Assis (Ouro Preto, MG).

Foto: Agesilau N. Almada, 2014

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do Carmo (Ouro Preto). Outrapossibi l idade de obra identif icadapode estar na escultura do profeta Jonasque, devido ao seu tamanho e ao localem que se encontrava, não foi possívelmovimentá-la para inspecioná-la na suaparte inferior. É possível supor queessas peças faziam parte do acervodidático da discipl ina ministrada peloprofessor Meschessi. Por isso, a falta depreocupação em identificá-las, visto queé presumível que não havia a pretensãode removê-las da instituição.

O gesso é um materialaltamente poroso e, devido a estapropriedade, absorve com facil idade aumidade do ambiente, assim comotodos os elementos atmosféricos queestejam em suspensão. As pinturas queencontramos, por um lado propor-cionaram uma proteção ao suporte e poroutro, geraram pontos de craquelamento– provavelmente pela incompatibilidadedas tintas utilizadas com o material dosuporte e também entre elas nassucessivas repinturas.

O processo de tratamentorealizado por nossa equipe consistiu,primeiramente, na l impeza das peças(FIG. 1, 2 e 3). Este procedimento foireal izado em quatro etapas:higienização superficial com trinchas,l impeza química com algodão e águadesti lada, l impezas mecânicas comborrachas variadas e com aspirador depó (real izada somente no medalhão eno verso do púlpito).

A etapa seguinte foi àconsolidação do suporte nas áreaspontuais que apresentavam trincas,fissuras, fraturas, instabilidade e perdade suporte, como nas bases dos bustos

dos profetas, na parte inferior do tambordo púlpito da Igreja de Nossa Senhorado Carmo (Sabará) e no medalhão daportada da Igreja de São Francisco deAssis (Ouro Preto). Nas áreas queapresentavam fraturas foi real izada aadesão dos fragmentos uti l izando-se oadesivo Mowithal B60H 3 à 15% emacetona (FIG. 4). Para as áreas defissuras e trincas foram uti l izadasbandagens com fibra natural ( juta) detrama aberta e massa consolidante(gesso rápido + PVA diluído na proporçãode 1:1 em água desti lada). Aplicamosbandagens no verso das peças, com oobjetivo de impedir que, no futuro, essasfissuras e tr incas se transformem emfraturas. Para a recomposição de partesfaltantes também foi utilizada a mesmamassa de consolidação aplicadadiretamente sobre as áreas de perda e,em alguns casos, uti l izando o reforçocom fibra natural pelo verso (FIG. 5).

A f inal ização do trabalho deintervenção ocorreu com a reintegraçãocromática das áreas consolidadas pormeio da uti l ização da técnica deilusionismo. O material escolhido foitinta acrílica na cor branca fosco da marcaCoral, l inha Decora Acrí l ico Premium,matizada com pigmentos minerais.

Ressaltamos que, pelo curtotempo programado para a execução dotrabalho, aliado às tomadas de decisãojá realizadas para as demais peçaspertencentes à coleção, não foi possívelpropor a remoção das pinturasaplicadas sobre o suporte original,talvez o procedimento mais indicadopara recompor o aspecto original daspeças. Além do mais, havia umapreocupação com o custo da remoção,

que excederia o considerado peloMuseu e a pos-sibi l idade de que aremoção, com a utilização de solventes,pudesse fragi l izar a estrutura domaterial constitutivo do suporte.Baseando-nos nos pressupostos damínima inter-venção, respeito aohistórico das peças e manutenção daintegral idade do conjunto, optamospela execução de procedimentos deconservação, intervindo apenas demaneira pontual e emergencial. Éimportante sal ientar que parte daspeças armazenadas não apresentapintura sobre o suporte, enquanto outraparte apresenta. Algumas das obrasdesse segundo grupo já foramrestauradas por uma equipe do Cursode Conservação e Restauração de BensCulturas Móveis da UFMG e outra foitrabalhada em um Trabalho deConclusão de Curso (TCC); em ambas asintervenções não houve remoção depintura, assim como no processointerventivo proposto por nós.

Decidimos pela exposição daréplica do medalhão da portada de SãoFrancisco de Assis, que se encontravamal acondicionada em um depósito daEA-UFMG, fazendo o preenchimento dalacuna existente na área da cabeça dosanto, que foi perdida ao longo dotempo (FIG. 6 e 7). No entanto, umarecomposição futura poderá serexecutada, através de moldagem a partirde outras réplicas existentes, as quaisse encontram no Rio de Janeiro (MuseuDom João VI, da UFRJ), Museu Nacionalde Belas Artes e em Ouro Preto, noMuseu da Inconfidência. Esse proce-dimento, entretanto, deverá ser ava-l iado em outra oportunidade porresponsáveis pelo acervo.

Figuras 6 e 7: Comparação entre o antes e o depois da restauração;

Réplica do Medalhão da Portada da Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto, MG).

Fotos: Agesilau N. Almada, 2014.

BOLETIM DO CEIBBelo Horizonte, Volume 19, Número 60, março/20155

A iniciativa do MEA-UFMG derealizar os procedimentos de conser-vação, no momento de realização do 9ºColóquio Luso-brasileiro de História daArte em comemoração ao bicentenáriode morte de Alei jadinho, constitui ummomento de exaltação e valoração doacervo de grande relevância, poisestimula a importância de suapreservação e indica soluções para acoleção em sua totalidade, que poderãoser aplicadas futuramente.

Além disso, inicia-se umaampliação do interesse e reconhe-cimento da conservação e restauração deacervos em gesso em todo o territórionacional, mediante iniciativas derevitalização e recuperação de peças ecoleções constituídas nesse suporte.

Referências

ALMADA, Agesilau Neiva. Restauração decerâmica popular contemporânea do Vale doJequitinhonha: um estudo de critérios,materiais e técnicas. 2013. 99 f.Monografia (Graduação em Conservaçãoe Restauração de Bens Culturais Móveis)– Escola de Belas Artes, UniversidadeFederal de Minas Gerais, Belo Horizonte,2013.

COELHO, Beatriz (org.) Devoção e Arte:Imaginária Religiosa em Minas Gerais.São Paulo: Editora da Universidade deSão Paulo, 2005.

MASCARENHAS, A. F. Cadernos Ofícios:Estuque, vº 5. 1º. ed. Ouro Preto/FAOP:Fundação de Artes de Ouro Preto, 2008. v7.

_______Moldes e moldagens: instrumentosde proteção, preservação e perpetuaçãoda obra de Antônio Francisco Lisboa,2013. 2v. Tese (doutorado) - UniversidadeFederal de Minas Gerais, Escola deArquitetura.

Descartamos a aplicação de umverniz de proteção nas peças, uma vezque as intervenções anteriores(repinturas) e a t inta uti l izada noprocesso de reintegração cromática(tratamento atual), criaram, de certamaneira, uma película protetora sobreo suporte, que facilitará o processo delimpeza futura, que poderá serfaci lmente executada com águadest i lada .

A sala expositiva do MEA-UFMGpassou por um processo deremodelação com pinturas das paredese novos suportes para exibição daspeças. O Tambor do Púlpito recebeu umsuporte mais estruturado, o que tornousua apresentação mais leve; omedalhão foi posicionado em uma dasparedes e os bustos receberam basesem madeira, melhorando assim suaconservação e segurança. Após oprocesso de intervenção, e com a salaremodelada, as peças se destacaram,tornando assim a sua exibição maisatraente (FIG. 8).

Conclusão

A conservação-restauração dasobras tridimensionais com o suporte degesso é muito relevante, porque hápoucas referências sobre o assunto emnosso idioma, apesar de o Brasil ter umacervo de gesso signif icativo, que fazconexões com as vanguardas artísticaseuropeias e a arte barroca desenvolvidano país. Há muitas réplicas em gessonos principais Museus da RegiãoSudeste, como pode ser verificado emBelo Horizonte, Rio de Janeiro e SãoPaulo. É preciso valorizar mais esseacervo e consequentemente atrair maispossibi l idades de pesquisa e maiorsegurança nas tomadas de decisões doconservador-restaurador relacionadasà sua preservação.

_______Antônio Francisco Lisboa:Moldagens de gesso como instrumentode preservação da sua obra e o processoconstrutivo nas oficinas de escultura emPortugal a partir do século XVIII . BeloHorizonte-MG: Fino Traço, 2014.

MUSEU DA ESCOLA DE ARQUITETURA. Siteinstitucional. Disponível em: <http://www.arq.ufmg.br/museu/>. Acesso em 07fev 2015.

PÉRET, Luciano Amédée. Aleijadinho naEscola de Arquitetura. Monografias: AcervoCurt Lange [Belo Horizonte]: Escola deArquitetura da UFMG, 1964. 95p.

QUITES, Maria Regina Emery; SANTOS,Nelyane Gonçalves. Esculturas Devocionaisem Gesso: Técnicas e Materiais. Porto,Portugal: Universidade CatólicaPortuguesa. Estudos de Conservação eRestauro, v. 5. P. 148-165, 2013.

TOFANI, Frederico de Paula. EA/UFMG.Entrevista aos autores. Belo Horizonte,12 de novembro de 2014.

SOUZA, Vanessa Taveira de. Restauraçãode uma réplica em gesso pertencente àcoleção da escola de arquitetura e urbanismoda UFMG . 2013. 64 f. Monografia(Graduação em Conservação eRestauração de Bens Culturais Móveis)– Escola de Belas Artes, UniversidadeFederal de Minas Gerais, BeloHorizonte, 2013.

Notas

1 Tipo de argila a base de óleo ou cera utilizadapara modelar. É uma mistura de cargasorgânicas com pigmento, parafina e cera.Também conhecida como plasticina.(massinha infanti l escolar). Disponívelem:<http://www.sculpir.com/massas.htm>,

acesso em 07 fev 2015.

2 Substância derivada de uma mistura deácidos esteáricos e palmíticos, obtidos porprocessos físico-químicos de gorduras animaisou vegetais. Geralmente é uti l izada comomatéria-prima para a fabricação de sabões evelas. Disponível em: <http://w w . b i o m a n i a . c o m . b r / b i o /conteudo.asp?cod=2692. >, Acesso em 07 fev2015.

3 Adesivo utilizado há mais de 30 anos no

restauro de cerâmica arqueológica (baixatemperatura) em países da América Latina comoMéxico, Peru e Chile. Foi utilizada a mesmaformulação para garantir uma rápida e forteadesão dos fragmentos (ALMADA, 2013).Aplicado em gesso por possuir propriedadessemelhantes à cerâmica, como por exemplo, a

porosidade.

Figura 8: Sala expositiva do MEA-UFMG após a remodelação.

Foto: Agesilau N. Almada, 2014.

*Agesilau Neiva Almada, RaquelFrança Garcia Augustin e Vanessa Taveirade Souza são bachareis em Conservação/Restauração de Bens Culturais Móveispela Escola de Belas Artes da UFMG.Vanessa também é arquiteta, e,atualmente, Chefe do Escritório Técnicodo Iphan em São João del-Rei. JulianaCristina Silva é graduanda emConservação-restauração de BensCulturais Móveis.

BOLETIM DO CEIBBelo Horizonte, Volume 19, Número 60, março/20156

A obra Estudo da escultura

devocional em madeira (Fino Traço Editora,2014) tem como autoras Beatriz Coelhoe Maria Regina Emery Quites, do Centrode Conservação e Restauração de BensMóveis da Universidade Federal deMinas Gerais. A professora eméritaBeatriz Coelho, que já dir igiu aquelainstituição, possui larga experiência notrato com as obras de arte, it inerárioacadêmico em que Maria Regina vemalcançando maturidade, com algumasdécadas de estudo sobre as imagensdevocionais e sua tecnologia. A duplaoferece ao público uma obra extre-mamente úti l , didática e equil ibradaque elucida desde o perito ao leigo/simpatizante. Segundo Márcia Almada,que coordena a Série Caminhos daPreservação, o propósito é constituir“material didático para cursos degraduação e tecnólogos”.

O l ivro apresenta breve‘Introdução’ que anuncia o objeto deestudo, a escultura em madeirapolicromada, que deve ser ‘conhecida,diagnosticada e preservada’. Oscapítulos são curtos, concisos, bemdocumentados com desenhos e fotos.

Os conteúdos dividem-se em“Conhecimentos sobre a escultura emmadeira policromada” que ocupa amaior parte, e, por último, a ‘Análise daescultura em madeira policromada’.Importante destacar que no conceito deescultura empregado como ‘ imagem devulto e de relevo’ compreende a obra detalha e relevo. Por sua vez, no decorrerdos capítulos, sentimos que a esculturade fato relaciona-se com o peso, ovolume (é tridimensional), os cheios e

vazios, a escala e o entorno etc.,embora o escultor possa também fazertalha e relevos. É justamente nessedomínio que escasseia a bibl iografia,pois a arte da pintura acabou atraindomais os estudiosos. Há alusão aosdiversos materiais empregados –metal, pedra, osso, barro e, enfim, amadeira,que é o verdadeiro alvo doaprofundamento do estudo. O leitor écolocado a par das instituiçõesinternacionais e nacionais, com suasinúmeras siglas, que se ocupam doestudo e da conservação das esculturaspolicromadas (cap. 3).

O capítulo 4 trata das ‘Imagensdevocionais’, ou seja, das imagens quesuscitam ou suscitaram veneração oudevoção. A elas não se aplica o termoestátua, destinado às figuras humanas,animais reais ou mesmo quiméricos(cariátides, atlantes, alegorias etc.) .Nesse capítulo observa-se a ordenação,a normatização efetivada por meio dossínodos e concílios e que serviriam deprincípio para a confecção daquelasobras voltadas para o culto católico. Eaí não há como fugir da reformacatólica e de seu Concílio Tridentino quevieram colocar a ordem na casa.

No capítulo 5 (A escultura devo-cional no Brasi l) há uma síntesehistórica que retoma escultores eescolas, obras documentadas eatribuídas, t irando proveito dosestudos veiculados pelo Boletim do CEIBe pela revista Imagem Brasileira, dosinúmeros estudos monográficos feitospara obtenção de grau no Cecor eestudos bibliográficos em voga. E ondefoi parar a obra de Adriano Ramos como prefácio de Eduardo Pires? O revisordormiu na nota 10, grafando Myriamcom ‘y’ e com ‘ i’ sucessivamente! Naslegendas de fotos passaram algumasimprecisões, como na p. 16, onde se vêo Convento da Batalha em Portugal, coma estátua equestre de D. Nuno AlvesPereira, da batalha de Aljubarrota,porém com outra legenda. Mas essasmiudezas passam despercebidasquando se observa a pertinência daabordagem e a beleza da edição dolivro.

A partir do capítulo 7 (Materiaise técnicas) começamos a sentir aquela‘ inveja de historiador ’. Deixem-meexplicar: a partir de então éabsolutamente inegável que asautoras dão testemunho da verdadeiraexperiência, que brota do manuseiocontínuo e sistemático das obrasartísticas. Trata-se do conhecimento doconcreto, incorporado na longevaexperiência do restauro. Suces-sivamente são tratados os materiaisdos suportes (marfim, pedra talco,

RESENHA

Profa. Dra. Adalgisa Arantes CamposDepartamento de História/UFMG

CEIB

Presidente de Honra: Myriam A. Ribeiro de Oliveira; Presidente: Beatriz Coelho; Vice-Presidente: Maria Regina Emery Quites; 1o Secretário: Agesilau N. Almada; 2o Secretário: Bruno Perea Chiossi; 1a Tesoureira: Daniela C. Ayala; 2a Tesoureira: Carolina M. P. Nardi; Colaboração: Marisia Flores.

ENDEREÇOEscola de Belas Artes

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BOLETIM

ISSN: 1806-2237;Projeto gráfico, arte e editoração:

Helena David (In memoriam)e Beatriz Coelho;

Tiragem 500 exemplares; Periodicidade: quadrimestral

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APOIO

Centro de Conservação eRestauração de Bens Culurais

Móveis (Cecor)ESCOLA DE BELAS ARTES

DA UFMG

gesso, tela encolada, as diversasmadeiras), dos complementos eacessórios recorrentes como rendas,olhos de vidro, adereços em prata etc.,os materiais e as técnicas ornamentais,finalizando a primeira parte do livro.

A segunda parte continua aliandoexperiência prática e conhecimentosteóricos. Começa com uma ficha técnicada obra (dessas uti l izada em museus eórgãos de preservação) que terá cadacampo explicitado e preenchido nodecorrer dos capítulos que abordam: aDescrição, o Exame e documentação,Análise iconográfica, Análise formal eesti l íst ica, Análise histórica da obra,Análise técnica construtiva e, por fim, asReferências bibl iográficas.

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