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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - 04 E 05 DE AGOSTO DE 2016 1 Boletim Apolo: Divulgando Astronomia em Alagoas antes da Era das Redes Sociais 1 Pedro Barros Lima do Nascimento 2 Magnolia Rejane Andrade dos Santos 3 Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL Resumo Este trabalho é uma descrição do boletim mensal Apolo, publicação produzida pelo Centro de Estudos Astronômicos de Alagoas (Ceaal) entre março de 1991 e junho de 2006. A pesquisa foi realizada através de leitura da coleção de exemplares conservada pelo grupo e entrevistas com colaboradores e editores do veículo. Chegando a pouco mais de 50 edições, o boletim era veiculado, na maioria das vezes, numa folha de ofício, frente e verso. A média de impressões por edição, segundo os colaboradores, era de 50 exemplares. O periódico dirigia-se tanto para a comunicação interna do clube como para o público externo. Entre os principais objetivos da publicação foram citados: divulgar e ensinar astronomia para o público em geral; divulgar eventos e atividades desenvolvidas pelo clube para interessados; estimular a busca de conhecimento e habilidades por parte dos membros. Palavras-chave: história; mídia alternativa; divulgação científica; astronomia. Introdução A produção de publicações periódicas é uma importante ferramenta para a difusão do conhecimento e para o próprio desenvolvimento da ciência. Vemos em BUENO (1984) apud BRANDÃO (2006), os conceitos de disseminação e difusão científica: no primeiro caso, falamos da troca de conhecimentos entre os próprios cientistas, especialistas e técnicos, sejam da mesma área ou não, através de monografias, artigos científicos, dissertações, teses, comunicações orais etc.; o segundo caso, bastante amplo, é o que inclui a divulgação científica, que transmite o conhecimento gerado por aqueles acadêmicos para o público em geral, seja através de educadores, jornalistas ou pelos próprios cientistas. A peculiaridade da divulgação científica é que, diferente dos códigos técnicos usados na disseminação científica, ela deve utilizar uma linguagem apropriada para a compreensão do 1 Trabalho apresentado no Grupo Temático Mídia Alternativa, do Encontro Nordeste de História da Mídia, em 5 de agosto de 2016. 2 Graduado do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas, email: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas, email: [email protected]

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - 04 E 05 DE AGOSTO DE 2016

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Boletim Apolo: Divulgando Astronomia em Alagoas antes da Era das Redes Sociais1

Pedro Barros Lima do Nascimento2

Magnolia Rejane Andrade dos Santos3

Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL

Resumo

Este trabalho é uma descrição do boletim mensal Apolo, publicação produzida pelo Centro

de Estudos Astronômicos de Alagoas (Ceaal) entre março de 1991 e junho de 2006. A

pesquisa foi realizada através de leitura da coleção de exemplares conservada pelo grupo e

entrevistas com colaboradores e editores do veículo. Chegando a pouco mais de 50 edições,

o boletim era veiculado, na maioria das vezes, numa folha de ofício, frente e verso. A média

de impressões por edição, segundo os colaboradores, era de 50 exemplares. O periódico

dirigia-se tanto para a comunicação interna do clube como para o público externo. Entre os

principais objetivos da publicação foram citados: divulgar e ensinar astronomia para o

público em geral; divulgar eventos e atividades desenvolvidas pelo clube para interessados;

estimular a busca de conhecimento e habilidades por parte dos membros.

Palavras-chave: história; mídia alternativa; divulgação científica; astronomia.

Introdução

A produção de publicações periódicas é uma importante ferramenta para a difusão

do conhecimento e para o próprio desenvolvimento da ciência. Vemos em BUENO (1984)

apud BRANDÃO (2006), os conceitos de disseminação e difusão científica: no primeiro

caso, falamos da troca de conhecimentos entre os próprios cientistas, especialistas e

técnicos, sejam da mesma área ou não, através de monografias, artigos científicos,

dissertações, teses, comunicações orais etc.; o segundo caso, bastante amplo, é o que inclui

a divulgação científica, que transmite o conhecimento gerado por aqueles acadêmicos para

o público em geral, seja através de educadores, jornalistas ou pelos próprios cientistas. A

peculiaridade da divulgação científica é que, diferente dos códigos técnicos usados na

disseminação científica, ela deve utilizar uma linguagem apropriada para a compreensão do

1 Trabalho apresentado no Grupo Temático Mídia Alternativa, do Encontro Nordeste de História da Mídia, em 5 de agosto

de 2016. 2 Graduado do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas, email: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas, email:

[email protected]

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público não-especializado, de forma a simplificar conceitos científicos sem tirar sua

exatidão.

No trabalho de BRANDÃO (2006), vemos uma preocupação em relação à cobertura

sobre temas científicos feita pelos jornais alagoanos e o acesso da população a esse

conhecimento. No período de sua pesquisa (setembro de 2001), a autora observou um

número considerável de matérias com temas científicos nos principais jornais alagoanos, no

entanto, apontou a necessidade de editorias especializadas no assunto e de investimento na

formação de jornalistas na área de divulgação científica. Chamou atenção ainda para as

precauções contra espetacularização (sensacionalismo) e manipulação dos fatos, para que a

ciência seja “mostrada como deve ser: patrimônio da humanidade” (p. 64).

Muitos educadores consideram que a mídia tradicional não dá o espaço merecido às

pesquisas científicas e denunciam uma série de erros, do seu ponto de vista. É de

insatisfações como essa que surgem os veículos de mídia alternativa, meios que preenchem

lacunas da grande mídia, dando espaço para assuntos ou abordagens que não são explorados

por ela, ou ainda rebatendo as informações dos veículos predominantes, numa espécie de

embate ideológico. Por outro lado, muitas vezes a mídia alternativa é vista com preconceito,

não recebendo a mesma credibilidade dos veículos tradicionais, pois estes geralmente são

socialmente legitimados por um maior tempo de história e por terem recursos mais

abundantes para a produção de informações, seja de pessoal ou material.

Os astrônomos amadores, seus clubes e publicações

A maioria dos boletins astronômicos produzidos no Brasil poderia ser passível de

um duplo preconceito, isso porque nem são produzidos por equipes de profissionais da

comunicação, como jornalistas, nem por cientistas profissionais: quem os faz, em grande

parte, são astrônomos amadores, entusiastas da ciência celeste que se dedicam ao seu estudo

e observação do céu. Neste caso, podemos caracterizá-los como mídia alternativa.

Apesar de não terem graduação na área, a atividade do astrônomo amador é muito

importante na difusão do conhecimento da astronomia para a população e também para as

pesquisas de astrônomos profissionais. Um censo realizado em 2009, durante o Ano

Internacional da Astronomia (AIA), revelou a existência de 160 clubes em quase todos os

estados do Brasil (NAPOLEÃO, 2014, p. 464). Atualmente, em Alagoas existem seis

grupos desse tipo: em Maceió, o Centro de Estudos Astronômicos de Alagoas (Ceaal) e o

Clube de Astronomia de Maceió (Clam); em Rio Largo, o Clube Astronomia Isaac Newton;

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em Arapiraca, o Clube de Astronomia Eclipse (ACE); em Cacimbinhas, o Clube de

Astronomia Valentina Tereshkova (CAVT); e em Dois Riachos, o Clube de Astronomia

Galileu Galilei.

Entre as atividades realizadas por clubes de astronomia estão observações e registros

de diversos fenômenos celestes, comuns ou incomuns; divulgação e ensino de astronomia;

astrofotografia; busca por determinados objetos (como estrelas, cometas, asteroides etc.);

construção de instrumentos observacionais, auxiliares ou didáticos; participação em

programas colaborativos de pesquisas astronômicas; entre outros.

A American Association of Variable Star Observers (AAVSO)4 é um exemplo de

atividade colaborativa – da qual alguns amadores alagoanos contribuem – que qualquer

pessoa com um conhecimento em astronomia e algum treinamento pode participar: trata-se

de um banco de dados de registros sobre estrelas variáveis, onde os colaboradores enviam

seus dados observacionais e podem comparar com os de outros. Astrônomos amadores

também têm contribuído com o monitoramento de NEOs (near-Earth objects)5, objetos

como asteroides que passam próximos ao planeta Terra e podem trazer algum risco de

impacto.

Dentro do âmbito de divulgação científica, entra a produção de publicações. Entre

elas, estão principalmente as denominações de jornais, revistas ou boletins, que são usadas

tanto para a comunicação técnica entre esses pesquisadores amadores quanto para

divulgação científico-educacional. Atualmente existem três publicações mensais ativas em

Alagoas: o Boletim Mensal do Clam, o Boletim Mensal do Eclipse e a Revista

VostokNews, dos grupos Clam, ACE e CAVT, respectivamente. No Brasil, conforme dados

conseguidos com apoio da Associação Luso-Brasileira de Astronomia, há registro de pelo

menos dez publicações desenvolvidas por associações formais ou informais de astrônomos

amadores. No entanto, esses dados ainda são incipientes, pois estão em processo de

levantamento.

Segundo NAPOLEÃO (2014), os clubes de astronomia tiveram um importante

crescimento numérico entre as décadas de 50 e 90. Um dos fatores que contribui para a

produção de veículos alternativos também teve um desenvolvimento considerável nessa

época, que foi a popularização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs),

4 https://www.aavso.org/ 5 http://neo.jpl.nasa.gov/index.html

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como o maior acesso ao computador pessoal, com softwares de editoração e diagramação, e

à impressão.

Em 1986, surge o Ceaal, proveniente de atividades já realizadas informalmente por

astrônomos amadores no estado desde a década de 70, especialmente por Genival Leite

Lima. O clube é formalizado em 1989 como sociedade civil sem fins lucrativos e torna-se o

primeiro do tipo em Alagoas.

Atualmente, com apoio da Usina Ciência, órgão de divulgação científica da

Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o Ceaal promove observações públicas (tanto no

espaço do órgão que o sedia quanto em diversas comunidades, na capital e no interior);

promove ordinariamente palestras mensais sobre temas diversos da astronomia e, conforme

solicitado, também ministra palestras em escolas públicas e privadas; é o responsável pela

operacionalização do planetário móvel da Usina Ciência; e executa ou auxilia na promoção

de eventos ligados a astronomia no estado. Entre essas atividades, uma que marcou sua

história foi a publicação do boletim Apolo, que funcionou entre 1991 e 2006.

Como fonte de pesquisa sobre a publicação, solicitamos acesso, para leitura, à

coleção conservada no Observatório Astronômico Genival Leite Lima (OAGLL) pelo

professor Adriano Aubert Silva Barros, diretor deste e membro do Ceaal. Além disso,

entrevistamos alguns dos colaboradores e editores da publicação: o próprio Adriano Aubert,

Romildo Rodrigues da Gama e Romualdo Arthur Alencar Caldas.

O Boletim Apolo

Em março de 1991, é impresso o primeiro número do Apolo, o primeiro periódico

sobre astronomia em Alagoas que se tem conhecimento e o que teve a maior durabilidade

até hoje. O nome – que prevaleceu sobre a proposta concorrente, “Charonte” – remete à sua

periodicidade mensal: em aproximadamente um mês, o sol – venerado pelos gregos como

deus Apolo – passa por cima de uma constelação zodiacal. Para reforçar a referência, em

cada edição era colocada no cabeçalho o desenho da constelação sobre a qual o astro

transitava aquele mês (cf. Figura 2).

As edições tinham por padrão duas páginas, frente e verso, mas em alguns poucos

momentos chegaram a quatro páginas. Eram impressas em preto e branco, segundo Gama,

numa de tiragem média de 50 exemplares. Em algumas edições foi encontrado a

informação de tiragem de 30 exemplares.

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Figura 1 – Página 1 da primeira edição do Boletim Apolo (Março 1991).

Fonte: Acervo do Ceaal.

Apesar da proposta mensal, sua periodicidade foi bastante irregular. Conforme o

acervo disponibilizado, a maior parte de publicações parece ter ocorrido entre o ano de

início e 1998, com pelo menos 41 edições; é dentro desse tempo que também aparece,

dentre os registros, o maior período ininterrupto de publicações, entre abril de 1992 a julho

de 1993 (16 números). Em 1999, não há registros no acervo; produções voltam a aparecer

em 2000 e 2001, seguindo-se do maior período em hiato, retornando com publicações

somente em fevereiro de 2006, último ano em que se há registro na coleção. No total, a

coleção conserva 52 edições, mas a numeração irregular deixa dúvidas sobre se foram

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publicadas mais que essas (cf. Tabela 1). Da edição de julho de 1993, por exemplo, só estão

disponíveis as páginas 1 e 4.

Tabela 1 - Edições do Apolo.

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ Total

1991 1 2 3 4 5 5

1992 7 2 3 4 5 6 7 8 9 10 10

1993 11 12 1 2 3 4 5 7

1994 1 1

1995 1 2 3 4 4

1996 1 2 3 4 4

1997 1 2 3 4 5 6 7 7

1998 8 9 2

2000 1 3 2

2001 1 2 3 4 5 5

2006 1 2 3 4 5 5

Total 52

Fonte: Autoria própria.

Qual era a função do Apolo?

Antes de analisar as demais características desse produto, é importante entender por

quê seus autores o produziam. O texto de apresentação publicado na primeira edição indica

o objetivo de integração do clube e contato com grupos similares:

Para que possamos realizar nossas atividades de maneira conjunta precisamos que

as informações pertinentes ao grupo fluam regularmente e de maneira clara. Com

informativos como este tentaremos atingir essa nossa meta, bem como informar a

outras associações congêneres. (Boletim Apolo, Março 1991)

Nesse sentido, o Apolo era uma espécie de “rede social” analógica entre os

membros do clube e outros clubes de astrônomos amadores, uma espécie de fórum

impresso de compartilhamento de ideias e informações. Tanto que o endereço para

correspondências era um tópico constantemente presente durante os primeiros anos.

Daí se compreende o porquê de tantos textos relacionados à rotina administrativa do

Ceaal, como veremos a seguir, e artigos de caráter mais técnicos, isto é, voltados para quem

já tinha alguma experiência com astronomia amadora. No entanto, é inegável que o perfil

de divulgação científica e educativo se manifestava frequentemente dentre o conteúdo, o

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que se verifica no formato de vários textos e pelo público ao qual acabavam chegando. Os

visitantes esporádicos das palestras e observações públicas promovidos pelo Centro

também tinham acesso ao Apolo; GAMA (2016) afirmou que professores da educação

básica usavam conteúdo do periódico como subsídio para suas aulas. Os próprios membros

liam o boletim na busca de aprendizado:

Mesmo para nós do Ceaal, nem sempre era simples ter contato com os eventos

astronômicos daquele mês, como a passagem de um cometa ou um eclipse da Lua.

[...] As revistas eram em inglês e nem todos sabiam ler o idioma. Na época do

Apolo, as únicas publicações a que tínhamos acesso eram duas revistas americanas

que chegavam importadas por uma banca de revista: a revista Astronomy e a revista

Sky&Telescope. (GAMA, 2016)

Figura 2 - Edição do Apolo de Abril de 1997.

Fonte: Acervo do Ceaal.

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Segundo BARROS (2016), também havia a preocupação de que o Apolo servisse

futuramente como guarda de memória do Ceaal. De fato, ele registra vários momentos

importantes da trajetória do clube, como mudanças de sede, parcerias com instituições,

aquisições de equipamento, projetos idealizados e concretizados. O Apolo conserva, por

exemplo, artigos do fundador do clube, Genival Leite Lima; registra o início de atividades

que existem até hoje, como os cursos de iniciação à astronomia e o Sic Itur Ad Astra

("Assim se Vai aos Astros", do latim), ação que leva telescópios às praças e outros locais

públicos ou privados.

Por fim, havia o interesse de estimular o exercício da escrita, da produção e

compartilhamento de conhecimento. Para BARROS, a elaboração do Apolo levava ao

aprendizado e desenvolvimento de habilidades na própria astronomia, na comunicação

textual e no uso do computador.

Figura 3 - Texto de Adriano A. S. Barros noticia doação de telescópio ao Ceaal

Fonte: Acervo do Ceaal.

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Conteúdo

Durante seus 15 anos de existência – incluindo os períodos de hiato –, o Apolo

sofreu mudanças em seu perfil gráfico e o foco de seu conteúdo. Ao longo do tempo, vemos

um amadurecimento na diagramação (especialmente a partir de 1995); a melhor

organização abre mais espaço para os textos, que se tornam mais extensos.

Apesar de nenhum quadro ter se fixado a ponto de aparecer, pelo menos com o

mesmo formato, em todas as edições, pudemos identificar algumas seções que se

consolidaram ao longo da trajetória do boletim. O destaque para as efemérides astronômicas

foi o aspecto mais presente de sua história, nunca deixando de aparecer: as informações

sobre fases da lua, movimento aparente do sol, ocultações, eclipses, conjunções, trânsitos,

passagens de cometas, chuvas de meteoros entre outros fenômenos são essenciais para a

rotina de observação dos astrônomos profissionais ou amadores (cf. Figura 4).

Figura 4 - Quadro de efemérides publicado no verso da primeira edição do Apolo (Março 1991)

Fonte: Acervo do Ceaal.

O título mais comum para o quadro de efemérides era “O Céu de Mês”. Outras

seções com descrições sobre o céu, estritamente ligadas à configuração da época ou não,

apareceram sob os títulos de “Para observar”, “Constelação eleita” ou “Constelação do

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mês”. Essas duas últimas também foram bastante assíduas às páginas do Apolo, durante

todas as suas fases, chegando a aparecer até na última edição, em junho de 2006. Nela, os

autores falavam sobre um determinado conjunto de estrelas, suas curiosidades e quais

objetos celestes, como nebulosas ou aglomerados estelares, podiam ser observados naquela

região com telescópios ou binóculos.

Figura 5 - Última edição do Apolo disponível na coleção (Junho 2006)

Fonte: Acervo do Ceaal.

Os artigos escritos pelos membros do Ceaal tinham temas bastante variados. Ao

contrário dos boletins dos grupos atuais, que publicam mais textos educativos e de

divulgação científica, eles davam um importante destaque às suas próprias atividades. No

âmbito da rotina administrativa, falavam da eleição de novas direções, motivavam os

colegas a participarem mais das atividades, comentavam sobre dificuldades ou

comemoravam conquistas.

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A representação do Ceaal em eventos de astronomia ou a organização de suas

próprias iniciativas tinham suas histórias contadas na página do Apolo. Isso era o conteúdo

naturalmente voltado para os próprios membros e ocasionalmente para outros clubes de

astrônomos amadores, mas também se publicavam convites para a comunidade participar

de suas sessões de observações públicas, cursos e palestras. Vemos na edição de junho de

2006 (Figura 5), por exemplo, a programação de uma série de exibições de filmes sobre

astronomia, “Cine Astro”. Nesse sentido, encontramos aspectos do gênero notícia presentes

no periódico. Comentários sobre novas descoberta, missões espaciais e fenômenos

astronômicos raros ligavam o conteúdo do boletim à realidade, ou melhor, à “atualidade”,

daquela época. Um quadro de informes curtos apareceu em várias edições com o nome de

“Breves”, “Rápidas” ou “Meteóricas”.

Os membros publicavam registros observacionais e resultados de suas próprias

pesquisas, em textos, ilustrações e gráficos. Pelo boletim, descobre-se que o Centro buscava

realizar pernoites6 mensalmente, pois estas geralmente recebiam descrições e depoimentos

no Apolo. Episódios cômicos ocorridos entre os membros eram contados na seção “Fora de

Foco”, de autoria de Romildo Rodrigues da Gama.

Os textos de divulgação científica, de caráter educativo e explicativo, abordavam

diversos conteúdos da astronomia. Uma curiosidade é que a grande influência da cultura

grega nessa ciência se reflete nas páginas do Apolo – assim como seu próprio nome: vemos

séries sobre as letras gregas, conhecimento muito útil para os astrônomos amadores, já que

as estrelas de uma constelação são ordenadas da mais brilhante para a menos brilhante de

acordo com esse alfabeto; e outro sobre lendas da mitologia grega, cujos personagens dão

nome a um grande número de corpos celestes.

A publicação de editorial torna-se habitual a partir de março de 1995, aparecendo

em todas as edições daí em diante, com um texto mais generalista e interpretativo.

6 Geralmente os astrônomos amadores chamam de “pernoite” a atividade de se reunir durante toda uma noite e

até à madrugada, em lugares com pouca poluição luminosa e condições atmosféricas favoráveis, para fazer

observações.

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O Apolo, a internet e o fim

Em 1996, a internet começa a integrar os assuntos do boletim, que começa a

estabelecer elos com essa nova mídia. O Apolo começa a direcionar seu público para os

veículos recém-criados do Ceaal na web: colocam-se pequenas quadros chamativos com

seus endereços de e-mail, site e grupo de discussões.

A questão que fica é: por que o Apolo acabou? Teria sido pelo desinteresse ou

esquecimento dos membros, por um maior direcionamento dos membros para outras

atividades ou seria porque teriam considerado a internet um meio mais eficiente de

comunicação e divulgação?

No início, ele não estava num conflito existencial tão grande quanto os impressos de

hoje. Pelo contrário, percebe-se o entusiasmo dos autores em relação às possibilidades da

rede mundial de computadores. Os veículos virtuais e o impresso do clube se

complementavam: a internet passara a enriquecer o conteúdo do impresso, ao deixar seus

autores mais informados; já o boletim impresso, por sua vez, abria as portas da internet para

seus leitores, sugerindo sites ligados à astronomia, como fazia na seção “Guia de internet”,

criada em abril de 1997, e mais tarde chamada de “e-astronomia”.

De toda forma, CALDAS (2016) revela haver o interesse de reativar o boletim

Apolo ainda em 2016, quando, em junho, completou-se 10 anos desde sua última edição. É

uma oportunidade de entender quais os novos desafios e possibilidades desse veículo na era

da internet e das redes sociais digitais.

Considerações Finais

Além de contribuir com a área de história da mídia alternativa em Alagoas, o estudo

sobre o boletim Apolo pode contribuir com o conhecimento da história da ciência e da

divulgação científica no estado. Conhecê-lo também pode ser útil para servir de inspiração

e subsídio para os novos clubes de astronomia e suas publicações. É necessário o

conhecimento da história dos processos comunicacionais da área, que não é só feita na

internet e nas redes sociais. Os meios alternativos e artesanais cumpriram e ainda cumprem

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importante papel na preservação da memória científica, especialmente no que tange aos

clubes de astronomia.

O processo de investigação deste trabalho nos mostrou a necessidade de se estudar a

ocorrência de tais veículos nacionalmente. Esse deveria ser um esforço coletivo da

comunidade de astrônomos profissionais e amadores, cujos resultados provavelmente

revelariam a riqueza dos processos de concorrência e convivência entre esses veículos,

sejam impressos ou digitais, com as novas mídias, especialmente blogs e redes sociais.

Referências

ALMEIDA, Guilherme de. Caracterização e Quantificação de Astrónomos Amadores em

Portugal. In: Associação Portuguesa de Astrônomos Amadores (APAA). Revista Astronomia de

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Associação Luso-Brasileira de Astronomia. Boletins, Periódicos e Revistas criados por

instituições astronômicas. Disponível em:

<https://www.facebook.com/groups/1120060318033562/permalink/1140108032695457/> Acesso

em: 13 Jul 2016.

BARROS, Adriano Aubert Silva. Entrevista concedida a Pedro Barros Lima do Nascimento, no

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BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo Científico no Brasil: os compromissos de uma prática

dependente. 1984. 365f. Tese (Doutoramento em Jornalismo Científico). Universidade de São

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CALDAS, Romualdo Arthur Alencar. Entrevista concedida a Pedro Barros Lima do

Nascimento, no dia 14/05/2016, realizada via rede social Facebook.

Centro de Estudos Astronômicos de Alagoas (Ceaal). Boletins Apolo. Maceió, Março 1991 a Junho

2006.

Centro de Estudos Astronômicos de Alagoas (Ceaal). (Site) Disponível em:

<http://www.ceaal.al.org.br/> Acesso em: 13 Jul 2016.

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Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-publico/como-democratizar-as-

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MEDEIROS, Amanda; BULHÕES, Juliana. As TICs e a possibilidade do jornalismo

participativo enquanto prática cidadã. In: III Encontro Nordeste de História da Mídia. São Luís:

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NAPOLEÃO, Tasso Augusto. Dos tempos do Império aos observatórios robóticos. In:

MATSUURA, Oscar (Org.). História da astronomia no Brasil (2013). Recife: Cepe, 2014.

OLIVEIRA, Fabíola. Jornalismo Científico. São Paulo: Ed. Contexto, 2007.