Bob Buckley - Os Corredores

download Bob Buckley - Os Corredores

of 24

Transcript of Bob Buckley - Os Corredores

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    1/24

    1

    Descobri que no gosto de dinossauros. Os grandes cheirammal e tm o crebro de um inseto, enquanto os animais menores,embora mais espertos, podem muito bem lhe arrancar um braoou sorrir para voc. E ainda no vi nenhum deles sorrir. Ainda no.

    Mas aqui estamos, bem no meio deles... inferno revisitado. assim que Rogers chama o lugar.

    Parei na margem seca e olhei para o mar. O sol estava quente,

    mas nenhum de ns usava mais que short, e um chapu de abaslargas mannha meu crebro sem cozinhar. Abaixo de mim haviaum rio. Um largo espao de gua marrom azulada, sem nome,abrindo-se aqui em sua foz, onde esvaziava-se no mar. As Rochosasdeveriam estar aqui, no um corpo dgua de horizonte a horizonteponlhado de ilhas. Mas no estavam. Elas no apareceriam senomuito mais tarde.

    As ondas estavam manchadas de marrom um pouco maisadiante. O canal carregava um bocado de sedimento das ridas ter-ras altas que comeavam onde as orestas litorneas diminuam, eum considervel delta vinha se formando. rvores parecidas comas de um mangue cobriam os bancos de areia e providenciavam

    Os Corredores

    Bob Buckley

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    2/24

    2

    lugar para os ovos das centenas de aves marinhas que apareciamno cu escuro, como torres de fumaa branca onde quer que umpteranodonte navegasse majestosamente. Acho que eram pterano-dontes. James discorda. Acho que ele deve saber. um dos paleon-

    tologistas.Apenas visvel acima da curva do horizonte enevoado em vio-

    leta, estava o cume nevado de um vulco. Esse era um dos grandes.Rogers o chamou de Topo do Penacho, por causa do penacho defumaa acumulada que sopra de seu cume leste. um nome tobom quanto qualquer outro, e eu o marquei como tal no mapa queestamos preparando.

    Alm do Topo do Penacho existem mais vulces, e a encres-pada linha da costa das Cordilheiras da Amrica do Norte. Um diaaquilo tudo seria a Califrnia e os estados da Costa Oeste, incluindoo longo e seco dedo de Baja. Nesse tempo, porm, era um gigantes-co connente insular.

    Atualmente, nosso mtodo de cair na Era Mesozica secre-to. De qualquer jeito, numa apresentao no ocial como essa,

    duvido que minhas explicaes da sica envolvida fariam algumsendo. Direi apenas que ns no usamos uma mquina do tem-po. Nosso veculo foi uma nave cargueira resistente a presso bemcomum, com um poderoso motor de empuxo instalado na popa.Uma barcaa de combusvel automca nos acompanhou. A dei-xamos estacionada em rbita sincrnica sobre a Amrica do NorteCratnica, que a massa de terra que ca a leste do Mar Sundance

    e junta-se a Europa.Voltar, segundo os sicos, seria bem mais complicado que

    chegar. Mas o pagamento era indecentemente alto, os computado-res diziam que era possvel, ento ns viemos.

    A primeira tripulao que foi para trs fez isso por acidente.Eles esveram desaparecidos por tanto tempo que realmente de-senvolveram um gosto por carne de lagarto seca. Mas voltaram.E no nham a menor idia sobre o comportamento do Efeito doDesvio Jupiteriano.

    Era nossa tarefa mapear o terreno e documentar o intervalode transferncia temporal.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    3/24

    3

    Nossa tripulao era pequena por necessidade. Rogers era ogeologista, Jack e James os paleontologistas. Eu era o piloto. Masantes de buscar uma formao avanada na Academia de Astronu-ca, me formei em Comportamento Animal. E tenho outra carapu-

    a. Tambm sou o astrnomo do acampamento.Tudo isso s para determinar que ano era esse!Estvamos completamente por nossa conta. Nenhuma brin-

    cadeira calma com o Controle da Misso. Nenhuma mensagem deencorajamento das namoradas. ramos os nicos primatas em todaa Terra Mesozica. Acho que devamos nos senr orgulhosos, ouassustados se fssemos espertos. Mas, na maior parte do tempo,

    estvamos muito ocupados para senr qualquer outra coisa queno cansao.

    Eu pousara a nave em um plat elevado de basalto pr-cam-briano que se erguia alm da plataforma connental como um gi-gantesco banco negro. Sessenta milhes de anos mais tarde no es-taria ali. Eroso o teria espalhado pelos vales prximos como umana e escura areia.

    No havia muito crescendo nele. Algumas rachaduras haviamcapturado um pouco de solo e ali moitas de cicadceas criaram ra-zes. Algumas eram enormes, e mesmo as pequenas pareciam an-gas.

    James nos disse que era relacionada Dioon, um gnero quevivia apenas no leste do Mxico em nosso tempo.

    Logo descobrimos que nham espinhos que causavam ver-

    ges onde quer que angissem a pele enquanto descarregvamoso helicptero da carga da nave. Depois que terminamos, e eu exa-minava o equipamento amortecedor de pouso a ar, a procura dedanos, James apareceu com algum po de pterodclo movendo--se molemente em suas mos. Ele o examinava com uma expressodeliciada e pensava.

    - Bem, - perguntei, - o que isso?Durante a longa viagem nhamos discudo extensivamente

    sobre quanto as reconstrues do sculo vinte iriam se enquadrarna realidade. Eu, pessoalmente, duvidava que fssemos reconhe-cer muita coisa. A prpria natureza da fossilizao tendia a destruir

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    4/24

    4

    as vrias epidermes ornamentais que tomavam os animais vivosto nicos.

    Agora, vendo James e sua confuso, no podia me impedirde sorrir.

    A criatura era levemente bronzeada. Seu corpo, cabea e asaseram cobertas por um plo muito no, quase como feltro. As man-dbulas eram longas e cheias de dentes, protegidas por um bico dechifre. A asa direita estava quebrada.

    Peguei o prmio de James. O corpo ainda estava quente.Apalpei o corpo e descobri um papo que parecia com o que pe-quenos lagartos usavam para secretar. Havia outras caracterscas

    tambm.- um macho, - disse.- Como sabe isso? - Ele exigiu.Virei as papadas parcialmente inadas, vermelho-brilhantes

    que pendiam da parte de baixo da garganta.- um rgo de demonstrao. J que seu pterodclo ocupa

    um nicho como os dos pssaros nesse ambiente, razovel que

    emprestemos comportamentos de pssaros a ele. Se procurar pora, acho que vai descobrir um ninho com uma fmea cuidando dascrianas. Duvido que jovens pterodclos possam manter o calordo corpo mais do que os pssaros jovens podem.

    James pegou de volta seu fssil antes vivo e me lanou umolhar confuso e um tanto ofendido. Ele no disse nada, mas maistarde notei que vagava pelo plat, examinando cada poro de ro-

    cha. No entanto nunca me disse se achou o ninho.Nessa tarde, com Jack colocado para nos monitorar a parr

    da ponte da nave, samos do plat por trs e seguimos a costa domar para o norte. Essa foi a primeira de nossas viagens de explo-rao. Espervamos compilar informao bastante para datar esseperodo. As informaes consisam em vida animal.

    Rogers pilotou. Eu era o vigia e James sentava-se ao meulado com um micro-arquivo no colo. Sua memria estava cheia dereconstrues e montagem de esqueletos de cada forma de vidadescoberta que houvesse exisdo no Mesozico. Mantendo umacontagem sobre cada gnero idencado, iramos desenvolver uma

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    5/24

    5

    fauna que poderia ser relacionada a uma unidade sedimentaria.Isso nos daria uma data bruta, um perodo entre as fronteiras doJurssico ou do Cretceo. Mais tarde, eu usaria astronomia paranos conseguir uma preciso maior.

    Rogers voou baixo sobre a praia, assustando pequenos ple-siossauros, que pularam de volta gua com muitos tombos e es-correges. Eram jovens. James no estava preparado para iden-c-los. Acho que estava distrado. Ele estava muito fascinado emobserv-los para consultar o arquivo.

    A praia curvou-se. Areia branca foi substuda por uma cober-tura baixa do solo. Arbustos, pequenas rvores. Aqui e ali vamos

    animais, mas apenas suas cabeas, costas e pescoos. No era bomo bastante para fazer as idencaes.

    James comeou a parecer infeliz.Cruzamos uma baa rasa. Um mosassauro rolou sob ns e

    soou de novo. Isso nos deu uma pequena pista. Mosassauros erammonitores que se adaptaram para viver no mar aberto. Eles se de-senvolveram tarde. Mas esse a desapareceu antes que James pu-

    desse encontr-lo no arquivo.Comeou a parecer que o nico jeito de fazermos uma iden-

    cao posiva seria pegando um dos bichos e fazendo raios-Xdele, comparando seu esqueleto com os fsseis no arquivo.

    Quando disse isso alto, James cou com um estranho brilhono olhar.

    Soube na hora que cometera um grave erro. Eu no queria

    ver ns trs lutando com seis toneladas de um dinossauro furioso.Expliquei as diculdades de tal luta em grandes detalhes.

    - Temos nossas armas, - James contra-atacou.Por armas, James queria dizer tranquilizantes. Tnhamos

    que evitar matar algo. Isso era senso comum. claro, os dinossau-ros estavam com os dias contatos, sem descendentes. E se o Gran-de Tio Harry fosse desaparecer? E assim por diante.

    As armas Tranquil eram pesadas e mal balanceadas. Mas usa-vam uma mira eletrnica que no podia errar e um microcompu-tador que calculava opcamente peso e po, selecionando a dosa-gem certa e a frmula do tranquilizante para o alvo.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    6/24

    6

    Sabendo disso, James estava todo pronto para comear a ca-ar, Rogers veio nos salvar dizendo que a capacidade de carga donosso helicptero era limitada. O ponto nal foi quando ele disseque estava virando para o interior. O ambiente das terras altas era

    conhecido como habitat dos ceratopsianos. Esses gigantes que pas-tavam eram bem documentados atravs do Alto Mesozico.

    Rogers ganhou altude e parmos para o que um dia seriaMontana. Aps algum tempo, o mar terminou nossa esquerda,dando espao a terras planas e ruins. Elas eram interrompidas porpntanos em meio a vales, e muitos ossos brilhando brancamentenas ilhas. Mas afora alguns juncos doenos e amarelos, nada cres-

    cia ali. Era uma terra morta. Mesmo assim James quis pousar parauma rpida explorao.

    Rogers recusou e apontou para uma esquelca massa disfor-me protegendo-se atrs de um plat de calcrio erodido.

    Era um carnossauro. Jovem, ligeiramente maior que o heli-cptero, magro como a morte e dormindo. Os tempos nham sidoruins para o animal. Seu couro nha uma cor marrom bronzeado

    com listras verdes. Poderia ser pigmentao ou alguma doenaexca. Ele no nha as cristas engraadas em sua espinha que osmonstros de lmes mostravam. Mas nha uma papada brilhante-mente colorida enrolada sob sua garganta.

    - Provavelmente um macho, - eu disse para James.Ele suspirou. Imagens voavam pela tela do micro-arquivo.Nessa hora o dinossauro comedor de carne acordou. Ele le-

    vantou sua cabea lentamente e examinou a paisagem vazia comolhos vermelhos e remelentos. Parecia que todas as ressacas domundo haviam se juntado em uma nica dor de cabea trovejante.

    Imaginei que sua boa vida nha acabado h muito tempo, eagora, mesmo os restos nham acabado. Se vssemos passadopor ali uma semana mais tarde, os carniceiros estariam explorandoseus ossos.

    Desajeitadamente, usando suas patas dianteiras como pro-pulsoras, ele se empurrou para uma posio em p, seu longorabo jogado escado para trs, como uma trave de equilbrio deum acrobata do arame. Bufando, deu alguns passos trpegos em

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    7/24

    7

    direo ao helicptero. Nossas hlices estavam criando uma venta-nia em miniatura. Jogavam poeira e balanavam os juncos em suascamas de lama seca. Nada como ns havia aparecido antes nessemundo. Mas movimento sempre se igualara a comida e ele estava

    com fome bastante para comer qualquer coisa ao alcance de suasmandbulas.

    Enquanto isso, James parara de mexer nos controles do mi-cro-arquivo.

    - Vou dizer que uma variedade de driptossauro. Certamenteno um alossauro ou um ceratossauro. E claro, as caracterscas

    jovens confundem um pouco. Temos apenas adultos nos registros.

    - Driptossauros so do Alto Cretceo, no ?- Esse pode ser do ramo. Ele bem generalizado. Pode prece-

    der o Tiranossauro.Quando o carnossauro se aproximou, Rogers levou o helicp-

    tero mais para o alto.- Porque no tentamos r-lo dessa armadilha mortal? - Per-

    guntou.

    - Isso manipulao e ns temos que deixar o ambiente into-cado tanto quanto possvel. Se esse animal morreu de fome nessepntano, no podemos mudar isso.

    - Soa to duro, - Rogers respondeu. Ento riu suavemente. - claro que esse rapaz no parece muito com um santo. Talvez issoseja jusa.

    Assim dizendo, virou o helicptero e levou-nos em direo de

    algumas colinas baixas que apareciam no horizonte.Tirei algumas fotos hologrcas do carnossauro intrigado e

    imediatamente o esqueci.Porm ele no nos esqueceu.As colinas eram cobertas por uma densa camada de confe-

    ras. Podamos ver carvalhos nos vales, algumas palmeiras e lourei-ros. Aqui e ali haviam clareiras cheias de viburnos e envolvidas nasescarrapachadas vinhas de uma videira selvagem. Era tudo muitoconvidavo. Parecia o lar, de maneira meio exca. O homem nun-ca tocara essa terra, seja com um arado ou com os ps. Estava com-pletamente intacta.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    8/24

    8

    Rogers pousou em um prado acarpetado por algo que pareciagrama mas no era.

    Abri a porta. A brisa que soprava estava gelada. Trazia o chei-ro de cornisos e o murmrio de pinheiros.

    James falou abruptamente.- Alto Cretceo. Sem dvida nenhuma agora. Ali est um ha-

    drossauro. Olhamos para onde ele apontava.O dinossauro era um dos grandes, mais de quinze metros de

    comprimento.Hadrossauros eram bpedes vegetarianos. Enquanto obser-

    vvamos, esse a moveu sua vagarosa massa cinzenta para espao

    aberto. A cabea era achatada e essa variedade no nha a cristacaractersca. Estava masgando folhas de pinheiro. As pernas tra-seiras eram grandes e musculosas, assim como o rabo que era cha-to como a lmina de um remo. Olhvamos, fascinados, enquantoele arrancava outro galho e corria-o lentamente por seu grande elargo bico, rando as agulhas. A pele era macia, mas granulada empequenas camadas. Embora a cor predominante fosse cinza, a bar-

    riga era levemente bronzeada. Mas poderia ser lama.James esvera ocupado com o arquivo.- Isso um Anatossauro. Eles eram muito comuns no oeste da

    Amrica. Este um adulto.Ele jogou o arquivo sobre o ombro preso com a ala e pegou

    a arma tranquilizante.- Vamos l.

    - Pode no ser seguro, - eu disse duvidoso.- Voc no viajou um bilho de quilmetros e setenta milhes

    de anos para se esconder num helicptero, no , Bill?Ele me pegara com isso.Deixamos Rogers no helicptero. Algum nha que guardar

    nossa nica rota de fuga rpida. Peguei outra arma e samos parao prado.

    Esse iria ser nosso primeiro encontro cara a cara. O comporta-mento do dinossauro era um mistrio para ns. Tudo que sabamosera o que nhamos visto at agora, e o que as angas trilhas nosderam, o que era muito pouco. Porm, considerando os pequenos

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    9/24

    9

    crebros e os corpos macios, deveria haver um imenso componen-te de insnto em tudo que zessem. Isso signicava padres rgidosde comportamento. Eles no nham crebro bastante para razoou muita informao armazenada.

    Mandei James car atrs de mim e avanamos em direo oresta e ao hadrossauro. A grama emanava um cheiro doceenquanto a atravessvamos. Algumas moitas chegavam a altura do

    joelho, com espirais com pequenas cpsulas de sementes. Algumasvezes vamos movimento em meio ao campo como se habitantesinvisveis do mar gramneo passassem apressadamente por ns.

    O hadrossauro nos observara descer com um grande olho.

    Estava tambm cheirando o ar, mas estvamos contra o vento. Elemanteve uma atude calma at que chegamos a uns cento e cin-quenta metros. Ento ele parou de masgar. No era preciso ser umLorenzo para perceber que ele ia reagir nossa presena.

    Peguei o ombro de James e o segurei. Ele parou.Por um longo momento o nico movimento foi o vento so-

    prando por entre as rvores.

    Ento, bem repennamente, o dinossauro fugiu. Ele corriacom incrvel rapidez, considerando a oresta super crescida. Maisque isso, ele abriu seu caminho como um trator de duas pernas.Ns o perdemos de vista mas podamos ouvi-lo amassando os ar-bustos. Ento houve uma pancada ngua e silncio.

    - Deve haver um lago depois da prxima elevao, - Jamesespeculou.

    - Hadrossauros usam rios e lagos como esconderijo contracarnossauros. Bem, essa a teoria. Talvez tenhamos acabado deprov-la. Acha que ele nos tomou por um carnossauro beb?

    - Espero que no, - murmurei. Achei que era uma comparaobem depressiva.

    James correu os olhos pela clareira. O sol estava baixo e co-meando a colorir os topos das rvores com os tons rubros do prdo sol.

    - melhor encontrarmos um lugar seguro para acampar. Estcando tarde. - No discu o assunto.

    No caminho de volta ao helicptero, tropecei em algo embu-

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    10/24

    10

    do numa raiz do solo. Era o fmur de um dinossauro de tamanhomdio, muito comprido e delicado, quase como um pssaro.

    James cou deliciado com meu achado. Ele arrancou a gramaem grandes montes e encontrou mais ossos. Ns estvamos sobre

    um lugar de descanso de um esqueleto desarculado. A maior par-te dos restos estava completamente mordido. Mas encontrei umcrnio em bom estado de preservao. Infelizmente a caixa crania-na estava quebrada, mas os restos eram altamente encurvados ecom os buracos dos olhos diretamente a frente. Isso, e os dentes,diziam que seu dono fora um caador.

    James carregou tudo que valia a pena salvar de volta ao he-

    licptero em triunfo. Era como se ele carregasse as jias da coroada anga Inglaterra. Estava em glria. Em meio a todas as manifes-taes de dinossauros vivos, ele encontrara alguns ossos. Ele erao paleontologista dos paleontologistas. Acho que alguns hbitosnunca morrem.

    Ele examinou os ossos enquanto Rogers levava o helicpteroat um porto seguro.

    James consultou brevemente o arquivo. Parecia saber exata-mente o que estava procurando. Pronunciou que o ossos perten-ciam a um gnero de Stenonychossauro. Esse era um pequeno ter-pode relacionado ao gigantesco Tiranossauro, mas distantemente.Eles nham parentes prximos na sia Central. Supunha-se quefossem carniceiros noturnos, provavelmente alimentando-se depequenos mamferos e dinossauros recm-nascidos. Previamente

    eram conhecidos apenas pela formao Oldman de Alberta. Restoseram raros. Provavelmente porque no fossilizavam bem. Os ossosdescobertos no estariam preservados. Eventualmente se torna-riam um com o solo.

    Havia um lago depois da colina, como James imaginara. Eralargo, de forma irregular, e quebrado por vrias pequenas ilhas deareia. Rogers selecionou um bem no meio como nosso lugar de des-cida e acampamento. A gua no era to profunda que um carnos-sauro no pudesse atravessar, mas eu duvidava que qualquer umtentasse. Os hadrossauros pareciam achar que essa rea era segu-ra, e isso era razo suciente para ns. Eles deveriam saber.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    11/24

    11

    Os grandes dinossauros caram na oresta at bem depoisdo pr-do-sol. Podamos ouvi-los se alimentando ruidosamentepela noite adentro, enquanto abramos nossos pacotes de rao eos colocvamos para esquentar. Quando terminamos, estabelece-

    mos turnos de guarda. Escolhi o terceiro. O helicptero nha umaligao via rdio e eu poderia usar o motor adicional na nave parainterrogar o computar astronmico a bordo da barcaa em rbita.Era trabalhoso mapear o Armamento Cretceo para ns.

    Depois que James me acordou, passei algum tempo passe-ando pela areia macia da ilha para ter certeza que nada perigosoestava se esgueirando sobre ns. No havia, ento comecei meu

    trabalho.Um pouco antes da aurora algo aconteceu na oresta. Eu

    estava ocupado examinando um mapa estelar e no prestei muitaateno. Depois de algum tempo, no entanto, percebi abruptamen-te que no havia um hadrossauro para ser ouvido na oresta. Eleshaviam abandonado sua rea de alimentao.

    Olhando atravs do lago, vi um nmero de fracas sombras

    passando sobre a supercie da gua como esttuas egpcias. Os ha-drossauros nham se juntado a ns na gua.

    Um frio, no relacionado com o vento gelado que sopravavindo do norte, correu minha espinha, indo parar prximo ao meupescoo.

    Lutei com a lanterna presa ao meu cinto e joguei seu raioatravs da gua. O facho era como uma lana de luz. Tudo que toca-

    va brilhava no escuro, silenciosamente aliviado quando eu o moviapela margem.

    Os olhos do carnossauro brilharam vermelhos quando a luzo angiu. Era nosso velho amigo faminto do pntano seco. Ele de-veria estar meio morto depois de viajar todo esse caminho em umnico dia, mas era um demnio persistente, com certeza. E ele en-contrara um jovem hadrossauro para si.

    Levantou seu focinho pingando sangue de sua presa. Ele nhaque estar aturdido com o brilho de minha luz, mas parecia que sor-ria para mim. Ento, com um nico pensamento nascido da fome,voltou a comer. Havia muito tempo a recuperar.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    12/24

    12

    primeira luz do dia ele ainda estava l. Barriga cheia paravariar, acocorava-se na margem com suas mos dobradas conten-temente sobre seu bucho inchado e nos encarava como um velhobasilisco sbio. No entanto eu j vira olhares endocranianos do seu

    po, e sabia que seu brilho era de ignorncia, no de sabedoria dostempos.

    Ns o deixamos mais tarde de manh, acocorado na areiacom um lago cheio de medrosos hadrossauros. Sua despensa esta-ria abastecida por muitos anos.

    Passamos um rdio para Jack e connuamos para o norte, emdireo ao Canad. Houvera uma considervel populao de dinos-

    sauros l. James queria saber o porqu. Ele tambm estava con-vencido agora que havamos chegado no Final, ou Alto Cretceo.Tudo que faltava era clarear sua idencao de certas unidadessedimentares. Poderamos estar na Campnia ou Maestrichan.Dos dois, Maestrichan fora a lma. Ento os dinossauros desa-pareceram bem abruptamente e a diversicao dos mamferos co-meara. Chegar nesse perodo de tempo seria a mais bizarra jogada

    da sorte.A presso estava comeando a angir James. Ele estava per-

    manentemente inquieto, agora.Enquanto vovamos para o norte, as palmeiras sumiam da

    oresta. Conferas e carvalhos predominavam. As cicadceas per-maneciam teimosamente. Mas pareciam perdidas.

    Jack nos chamou por volta do meio dia. Ele nha pego um

    saurpode com sua arma tranquilizante. A maioria desses gigantesestava exnto nesta poca. Aparentemente algum esquecera deinformar isso a esse indivduo em parcular. De qualquer jeito, noera um dos grandes saurpodes.

    Jack idencou seu prmio como sendo um Tentontossau-ro. Um surpreendente sobrevivente do Baixo Cretceo. Herbvoro,parcialmente bpede, com uma grande cabea, esse no nha maisque sete metros e meio de comprimento. E completamente estpi-do, Jack reportou. Ele quase fora pisoteado quando o animal corre-ra para liberdade depois de receber o andoto.

    James congratulou seu parceiro alegremente. Mas a conversa

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    13/24

    13

    foi encurtada quando vimos nosso primeiro dinossauro de chifre.Esses ceratopsianos estavam reunidos em uma grande ma-

    nada, provando que o comportamento social no depende apenasdo tamanho do crebro. J fora dito que os triceratopes e outros

    de seu po eram muito estpidos para andar em manada. Agorasabamos que no.

    Eles estavam no lado de uma colina, comendo arbustos, pe-quenas rvores e qualquer outra coisa que esvesse em seu ca-minho. Eram imensas mquinas comedoras surpreendentementegeis que faziam os bodes parecerem exigentes.

    Eles tambm nham uma dupla de carnossauros espectado-

    res.James decidiu que eram gorgossauros. No discu. Eu nunca

    fui capaz de ver tanta diferena assim entre o velho Gorgo e o La-garto Tirano. Os dois nham bocas obscenamente grandes e dentesbastante para fazer um densta pular de alegria.

    Os ceratopsianos, mesmo burros como eram, no perderamisso.

    Esses eram alguns dos maiores do gnero: Pachyrhinossau-ros. Eles no nham chifres. No eram empaladores. Eram equi-pados com uma saliente protuberncia que lembrava um aretegigantesco que nascia no topo do crnio como um mataco de gra-nito. O babado enrugado no pescoo que protegia a espinha de serangida era curto e coberto por dois espinhos tambm curtos. Umaenganchada desses dois ainda poderia abrir a barriga de um preda-

    dor incauto.Esses eram animais formidveis. E isso era por que, indubita-

    velmente, os carnossauros mannham distncia.Mas a manada no era composta s de adultos crescidos. Ha-

    via jovens no centro. No pude decidir se isso era insnto ou purasorte. Eles pareciam macios e indefesos. O arete era apenas umcalombo em suas testas.

    Tanto a manada quanto os carnossauros estavam ignorando ohelicptero. Pedi a Rogers que manvesse a distncia de qualquer

    jeito e comecei a lmar. Nada interessante aconteceu por algumtempo. Seguimos a manada em sua marcha longa e sem desno.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    14/24

    14

    Ento um dos mais jovens decidiu que estava com sede. Saiudo meio da manada e vagou at um pequeno riacho que cortava aplancie. Os adultos no zeram qualquer movimento para impedi-lo. Nem sequer tenho certeza de que tenham notado.

    Mas os carnossauros notaram. O maior deu um rpido e po-deroso mergulho e quebrou as costas do jovem com um movimen-to da sua grande mandbula. No era muita compeo.

    A manada ignorou a matana. Aparentemente os adultos scavam nervosos com uma confrontao direta. Um pouco de sele-o natural era apenas parte do jogo.

    Rogers circulou enquanto o carnossauro comia sua presa.

    Depois que ele se foi, Nmero Dois avanou e acabou com o quesobrara. Tudo que deixou foi um pouco de ossos do crnio; fazendoJames especular que isso podia ser o movo por qu to poucosfsseis juvenis eram encontrados. Pelo jeito, os carnossauros eramecientes lixeiros.

    Seguimos a manada por quase toda a tarde, aprendendo asreaes dos animais. Eles me lembravam os rinocerontes em sua

    maneira de mover e comer. Certamente eram irritveis o bastantepara passar por rinocerontes.

    Mais tarde, viramos para oeste para examinar um conjuntode colinas que pareciam seguir at a costa distante. Rogers achavaque poderia ser uma ponte terrestre para as Cordilheiras. Os regis-tros fsseis sugeriam a existncia de tal ponte.

    Finalmente, antes de escurecer, pousamos em um luxuriante

    vale em meio a essas mesmas colinas. Passamos os dois dias se-guintes explorando. James e Rogers estavam impressionados. Tantoque ordenaram a Jack, por cima de minha objees, que trouxessea nave ao norte para nos encontrar.

    Um acampamento permanente foi montado. O helicpteroe a nave estacionada no topo de um monte de pedra de areia quepara de uma escarpa em declive da grande mesa. Os grandes di-nossauros no podiam nos alcanar aqui, e os pequenos no iriamquerer. Todo mundo estava feliz.

    O grupo se dividiu, com cada um se concentrando em seuprprio campo parcular de trabalho. Jack e James pareceram de-

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    15/24

    15

    saparecer, mas eu via Rogers pela manh no caf. Ele estava mape-ando estratos que no iriam exisr em nosso tempo. E eu brincavade etnlogo durante o dia e astrnomo noite.

    Tambm encontrei uma malta de dromeossauros.

    Malta era o termo correto. Eles eram mais corretamente umamalta que o ceratopsianos era uma manada. Eram caadores a-vos, extremamente ecientes e sedentos de sangue. Eram espertostambm. Seus crebros eram altamente desenvolvidos, provavel-mente no nvel de pssaros como o emu, ou outros grandes pssa-ros terrestres.

    Ligeiramente menor que um homem, eram corredores bpe-

    des que caavam os jovens hadrossauros que populavam o vale. Asvezes caavam em conjunto e derrubavam os adultos.

    Seu mtodo favorito de ataque era empurrar um pobre ani-mal para um arbusto, encurral-lo e ento mat-lo com garras epresas. Eram bem equipados para isso. Cada um dos matadores -nha uma garra alargada no segundo dedo do p. Eles a usavam comuma grande faca e ela era um instrumento efevo de estripao.

    Filmei vrias caadas, embora no fossem nada que servissede diverso de domingo para os amantes de animais. Fora o sibilaralto e excitado, cada matana era levada a termo em um silncio so-turno. Minha natureza civilizada foi tanto repelida quanto fascinadapela completa sanguinolncia do ato.

    Talvez fosse isso que me fez concentrar meus estudos neles.Um dia, enquanto esperava poder lmar alguns duelos de

    acasalamento, encontrei um rastro solitrio cruzando uma das pas-sagens principais que levavam at o riacho na parte mais baixa dovale. Havia um denso conjunto de cicadceas em cada lado da trilhanesse ponto. Eu achara que eram intransponveis. Aparentementeno eram. As marcas na poeira recentemente perturbada diziamisso.

    Os troncos secos estavam grossos com os remanescentes develhas e murchas copas. Uma gorda e grande aranha moveu-se pre-guiosamente em meu caminho enquanto eu farfalhava entre osrestos. A abertura mostrou ser uma estreita passagem entre os doisconjuntos. Copas cadas de outras plantas a nham protegido de

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    16/24

    16

    minha olhada casual.Espremi-me para passar. A minha frente estava um conjunto

    de pequenas paredes de pedra de areia. A vermelhido da rochacontrastava fortemente com o verde profundo das vinhas que cres-

    ciam to cheias por todo lugar. Estavam entrelaadas no cho depedra, e galhos cruzavam-se sobre o corte. Mas alguma coisa pas-sava por ali regularmente. A trilha era fraca mas estava ali.

    A inclinao da fenda era para cima, em direo as costas damesa. Depois abria-se em uma larga prateleira, que era parte docontraforte erodido. As vinhas desapareceram e foram substudaspor viosas plantas resistentes ao sol. O contraforte nha uma ca-

    verna baixa em sua base. Um riacho corria para fora dela e espalha-va-se pela prateleira como uma piscina baixa antes de escorrer pelarochedo em direo ao vale abaixo. Havia pegadas por toda a parte.A lama plida estava cheia delas, e muitas levavam at a caverna.

    Eu deixara minha arma tranquilizante para trs para podercarregar outra cmera. No havia nenhum grande carnossauro novale e os dromeossauros nham se acostumado com minha pre-

    sena. Parecera um estorvo desnecessrio. Agora, desejei que avesse trazido comigo quando me encontrava enfrentando o des-conhecido desarmado.

    As pegadas me disseram que eu era maior e mais pesado queseu dono. Ento, sem mais nada a mo, peguei um galho morto eango que parecia forte o bastante para servir de clava e entrei norecesso sombrio da caverna.

    No nha nenhuma luz, ento quei em um dos lados bem naentrada para deixar que minha viso se ajustasse a escurido.

    Era uma caverna larga. O riacho corria pela rocha, e haviaaberto uma grande gruta. Havia formaes grotescas penduradasno teto baixo e pontas crescendo do cho lamacento. O riacho gor-golejava no fundo negro da caverna. Mas no era o riacho que meinteressava. Quase imediatamente tomei conscincia de que eraobservado. Gradualmente, meus olhos perceberam uma forma in-disnta em meio as sombras no lado oposto da caverna.

    Era um esbelto e gracioso dinossauro acocorado numa sali-ncia coberta de areia. Por sua atude presumi que era uma fmea

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    17/24

    17

    choca, embora no pudesse ver qualquer ovo, nem mesmo um ni-nho.

    Mas havia um ninho. Um pequeno, formado de cascalho, aseus ps. Ela estava apavorada comigo, mas no deixou seus ovos.

    Isso me impressionou.Desde que chegamos, vnhamos tratando as formas de vidas

    que encontrvamos como exibies de museu exumadas, no real-mente como seres vivos mesmo que ns fssemos os aliengenasnesse tempo. Agora, abruptamente, percebi que ali estava um serque, como eu, conhecia e apreciava a vida. preciso crebro paratemer por outra coisa que no si mesmo.

    Dinossauros no tem muito com o que se apavorar. Mesmoos dromeossauros, espertos como eram, no podia superar umavestruz ou um emu em genialidade. E pssaros eram apenas m-quinas insnvas.

    E ainda assim ela estava apavorada por seus ovos.Dei um passo para trs para lhe transmir segurana, e de-

    pois de um momento ela pareceu mais calma. Mas manteve um

    olhar atento sobre mim.O interior da caverna estava muito escuro para permir l-

    magens. Tudo que podia fazer era pescar alguns detalhes de suaanatomia e ento mant-los na memria.

    A um primeiro olhar ela era apenas outro dromeossauro. En-to se notava que a parte de trs do crnio era redonda e os olhostavam frente. As mandbulas, embora grandes, eram menores

    que em outros teropodes. Talvez as mandbulas fossem usadas me-nos como arma ofensiva e mais como aparelho de masgao. Asmos, j extremamente geis nos dromeossauros, haviam desen-volvido um dedo opositor ao alargado dedo mnimo. As patas erammenores. Eu ve que lutar contra a impresso de que estava olhan-do para o dinossauro equivalente do Australopitecos. Nenhum di-nossauro era to inteligente.

    Mas, mesmo assim, isso era um achado. James caria fora desi quando eu lhe mostrasse esse novo gnero.

    Comecei a sair da caverna bem devagar.Ento algo me angiu por trs como um relmpago sibilante.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    18/24

    18

    Sen minha jaqueta ser rasgada e desada antes que o rpido pque eu sabia que nha que estar ali, pudesse arrebentar algo vital.Cai, e meu atacante foi forado a dar a volta at minha frente. Euba... sen meu punho acertar algo quente, duro e escamado, e de

    repente estava livre.Precipitadamente lutei para car em p. A minha frente, no

    cho da caverna, estava o companheiro de meu dinossauro. Entrens, manchando o rio com o vermelho de seu sangue, estava a car-caa sem cabea de um jovem hadrossauro. Bem, pensei, pssarostraziam suas presas para suas fmeas chocas. Por que alguns dinos-sauros no podiam fazer o mesmo?

    fcil dar crdito a um animal por mais inteligncia do queele realmente tem.

    A criatura estava apenas tonta. Saltou em p antes que eupudesse virar e escapar. E destruiu todos meus preconceitos contradinossauros com uma simples ao. Ele pegou a clava que eu larga-ra e balanou sobre minha cabea.

    Recuei precipitadamente da caverna para a luz do sol.

    O dinossauro me seguiu, mas parou na boca da caverna.- No tenho nenhuma inteno de machucar voc ou sua

    companheira. - Minha palavras eram suaves e nham a inteno deacalmar a criatura.

    Ele respondeu com um silvo alto para mostrar que ainda esta-va zangado. A sua lgica era do po bsico: Mexa com minha com-panheira e eu quebro sua cabea. No havia argumentos para esse

    po de raciocnio. Minha nica opo era recuar. Se ele permisse.Minha sorte se manteve. Ele permiu.Por todo o caminho de volta ao acampamento quei perdido

    em pensamento, e quase fui atropelado por um anquilossauro se-dento, parecido com um ango Volkswagen com espinhos.

    Sabia que no podia contar a James. Ele nunca me acredi-taria. Jack tambm no. Ambos estavam enterrados nos dogmasaceitos da paleontologia. Dogmas mudam, mas no facilmente, eno com o salto qunco que isso exigia. Conseguir que qualquerum deles aceitasse a idia de um dinossauro inteligente era quaseto fcil quanto convencer ao Papa que Deus estava morto. Rogers

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    19/24

    19

    tambm no seria fcil. Mas eu nha que dividir esse segredo comalgum, e Rogers, sendo um gelogo, poderia ter uma mente maisaberta quanto a vida.

    Na manh seguinte, com o pretexto de examinar um aora-

    mento curioso de pedras, levei Rogers comigo quando retomei fenda. Lutamos para passar pelas vinhas e subir na prateleira.

    Eu o parei bem antes da caverna. No queria que fssemosatacados.

    - Onde est esse aoramento? - Rogers indagou duvidoso, ob-servando a colina a nossa frente.

    No respondi. Estava correndo o raio da lanterna por den-

    tro da caverna. Estava vazia. A salincia estava nua. Nenhum ovo,nenhuma clava, nenhum osso. Eles nham se mudado durante anoite.

    Sabiamente, no disse nada a Rogers. Em vez disso, lhe mos-trei um calcrio bem comum suspenso nas pedras sobre nossas ca-beas.

    Ele no estava impressionado. Saiu, murmurando coisas pou-

    co agradveis sobre o julgamento de leigos.Uma semana passou. Estvamos todo ocupados, e minha

    viso do dromeossauro inteligente comeou a parecer um sonho.No nha mais certeza de que o nha visto realmente.

    Voltei aos meus estudos sobre os matadores com garras.Entretanto, um dia, enquanto lmava uma caada, algo acon-

    teceu para restaurar minhas convices.

    Um dos corredores afastou-se da malta principal, que corriaem perseguio de um velho hadrossauro. Aparentemente haviadetectado outra presa. Quando ele caminhou por uma trilha estrei-ta atravs da oresta escura e sombria, eu o segui.

    Um hadrossauro estava cado na pequena clareira cobertapor raios de sol. Era um bem grande. Outro dinossauro estava noprocesso de desmembrar o corpo. Era o macho. Soube na hora,mesmo antes de ver a primiva faca de pedra que segurava em umadas mos.

    O dromeossauro selvagem atacou imediatamente, saltan-do sobre a carcaa contra o outro com um silvo como uma vlvula

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    20/24

    20

    aberta de uma mquina vapor.O dono da faca pulou de lado e esfaqueou. A ferramenta de

    pedra nha uma ponta que era muito bruta para fazer muito maisdo que causar danos a pele. Mas o impacto derrubou o atacante.

    Ele connuou cado porque eu usei minha arma tranquilizante.Fiquei fora de vista atrs de uma rvore enquanto o outro

    terminava seu trabalho de cortar o hadrossauro. Ento comeoucom o dromeossauro. Entre as duas carcaas, havia mais carne queele e sua companheira podiam consumir em uma semana. Quandoele paru com o peso ensanguentado, os carniceiros comearam achegar em grupos de dois ou trs.

    Novamente eu o segui, usando binculos para mant-lo a vis-ta sem eu mesmo ser visto.

    O novo local do ninho era uma caverna trs quilmetros den-tro do vale, onde as paredes eram mais altas. Fiquei por perto, ob-servando, at pouco antes do cair da noite. Ento retomei ao acam-pamento. Ningum estava por perto. Comi e fui para cama. Masno dormi muito. Estava muito excitando para isso.

    Na manh seguinte voltei s proximidades da caverna paraconnuar meus estudos.

    Fascinao tem muitos signicados. James no teriam carac-terizado esses dinossauros como tendo muitas das virtudes huma-nas. O macho, e provavelmente a fmea quando estava fora do ni-nho, matava sempre que necessrio sem o menor remorso. E erammatadores ecientes. Mas eles no eram seres humanos, e viviam

    num mundo muito diferente do nosso. Eu no os julgava, apenasobservava.

    Sendo impossvel trabalhar diretamente com eles, eu no eracapaz de fazer uma esmava da inteligncia do macho. No du-vidava que, com exceo de ns, seu po era o animal mais inteli-gente no planeta. Mas eram raros. Uma busca cuidadosa mostrouque eles estavam sozinhos no vale, e em toda a rea prxima quefui capaz de examinar.

    Com a passagem do tempo, comecei a senr uma certa incli-nao protetora para com esses corredores.

    Ento j sabamos em que tempo estvamos.

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    21/24

    21

    Naquela tarde, James e Jack zeram uma pequena reunio.A proximidade do Maestrichan era uma arbitrariedade porque olimite no a mudana de sedimentao mas a repenna ausnciade ossos de dinossauros. Por sorte, nossa viagem nos trouxera a

    esse perodo. Uma era estava terminando. Aceitvamos isso, mastrouxe uma mudana em nossas aes. Comeamos a ver as coisascom olhos nostlgicos. Muita especulao foi feita para descobrir acausa da exno prxima.

    Jack e James estavam convencidos que isso estava acontecen-do h algum tempo. Havia estaes no ano Mesozico. Mas elaseram suaves. Mesmo os invernos eram brandos. Mas agora inverno

    signicava uma poca de frio crescente.O mar no meio do connente estava encolhendo regularmen-

    te enquanto a Elevao Laramide connuava, forada pela lentacompresso das Cordilheiras Americanas na costa oeste da Am-rica Cratnica, impelida pela placa reprimida do Pacco. Enquantoa terra subia, o clima e o ambiente eram mudados. Mesmo sendode sangue-quente, os grandes dinossauros no nham isolamento.

    Eram muito grandes para tocas, no podiam hibernar durante osperodos de frio, ento alguns nham imigrado. Ns j nhamosvistos vastas manadas movendo-se para o sul, pelas margens dosrios.

    Gradualmente nosso grupo aproximou-se, quase como secomessemos a necessitar da companhia uns dos outros. A tardesentvamos a volta do fogo, ouvindo os rudos da masgao dos

    hadrossauros enquanto discuamos sua exno.Rogers divera-se em colocar-se no papel do advogado do

    diabo. Duvidava que os dinossauros podiam se tomar exntos ape-nas por causa de mudanas climcas. No importa quo frio -casse, os trpicos connuariam um domnio confortvel. No havianenhuma razo por qu os dinossauros j vivendo l no poderiamsobreviver a uma idade de gelo. E por qu eles no poderiam pro-duzir isolamento? A deteriorao levaria milhes de anos, tempobastante para adaptao. Cabelo era apenas uma modicao dasescamas de rpteis. Se isso acontecera uma vez, poderia acontecerde novo. Os mastodontes e mamutes no adquiriram densas cober-

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    22/24

    22

    turas de cabelo durante as eras glaciais e as perderam assim que otempo cou moderado?

    Jack agarrou-se a isso. Elefantes nham cabelos rudimentaresmesmo no nosso tempo. E embora ns parecssemos nus, possu-

    amos o mesmo nmero de folculos de cabelos que qualquer outroprimata. A diferena estava na densidade individual do o de ca-belo. Fora uma tarefa fcil para o mastodonte nu fazer crescer umpequeno tapete felpudo. O dinossauro precisaria de mais tempo.Eles no o encontraram.

    - Talvez eles devessem ter inventado roupas, - Rogers brincoulevemente.

    - Isso tambm no teria ajudado, - eu lhes disse sem emoo.Eu esvera de mau humor todo o dia. Os outros no deixaram

    de perceber. James olhou-me incerto enquanto eu jogava um mapade radiao estelar no meio da mesa de jantar. Os padres normaisde traos estavam cobertos em canto por uma inchada bolha bran-ca cancerosa.

    - Essa G0538, - contei. - No podem ver nada de errado a

    olho nu, mas ela entrou em supernova.Meus companheiros olharam juntos para a escurido brilhan-

    te de estrelas do cu noturno acima.- Estamos a salvo por algum tempo, - admoestei. - A tempes-

    tade de radiao no chegar at aqui por pelo menos um ano.- Quo longe? - James quis saber.- No tenho certeza. Talvez uns dois anos luz. No sobrou

    nada em nosso tempo, apenas uma an negra cujas pesadas ra-diaes foram descobertas por acaso durante um estudo solar. Aconcha de radiao da exploso desapareceu no espao profundomilhes de anos atrs.

    Rogers foi o primeiro a alcanar.- A radiao far horrores com a atmosfera superior. Imagino

    o que far com a vida animal.- Apenas as pequenas formas de vida sobrevivero, - sugeri. -

    Tartarugas, cobras, lagartos, mamferos crepusculares, peixes. Cria-turas que tendem a esconder-se no cho durante o dia, ou a noite,ou esverem protegidos pela gua. Qualquer coisa maior que um

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    23/24

    23

    cachorro que que connuamente em campo aberto ir se encon-trar lutando contra o frio e doena de radiao.

    - Deus, - Jack respirou alto. - como apagar um quadro negro.Vai ser todo um novo jogo.

    James, provavelmente porque era o mais prco entre ns,pensara em outro aspecto.

    - No podemos car at que a onda chegue. Os escudos deradiao na nave no foram desenhados para bloquear esse pode energia. E os cintos de radiao a volta de Jpiter vo queimarcomo tubos de neon quando a tempestade comear a passar. Va-mos ter que concluir essa viagem mais cedo. Quando pode acabar

    seu estudo, Billy?- Em uma semana. A maior parte dos mapas estelares esto

    feitos. O computador pode correlacion-los no espao to bemquanto aqui.

    - Certo. Vamos us-lo como prazo nal. O resto de ns vaiarrumar as coisas e preparar-se para parr.

    Nunca vi uma semana passar mais rpido.

    O humor estava melanclico, como que a espera de uma exe-cuo. Era impossvel fugir da idia de que de algum modo umaclasse de vida inteira fora examinada e considerada ineciente. Tal-vez isso fosse apenas preconceito mamfero, mas como Jack disse-ra, o quadro estava para ser apagado.

    Mas estvamos muito ocupados para nos preocupar.S ve tempo para mais uma visita a caverna antes de pegar-

    mos a nave e comearmos a reabastecer a parr da barcaa. Noposso dizer que meus corredores caram alegres em me ver. Fuiforado a dopar os dois antes que pudesse sair livre.

    Mas havia algo que eu sabia que nha que fazer. No sou sen-mental de verdade, portanto no sei o que me levou a fazer isso.Mas parecia haver uma necessidade. Certamente era contra os re-gulamentos.

    Nossas lmas horas no Mesozico foram passadas obser-vando o olho coberto de nuvens de Jpiter enquanto rodopiva-mos no salto para casa. No havia dvidas em minha mente sobreo porqu dele ser chamado de Rei dos Planetas. Jack foi mais longe

  • 7/31/2019 Bob Buckley - Os Corredores

    24/24

    ao ponto de cham-lo de deus, mas ele impressionvel.Nenhum deus seria insignicante ao ponto de prender-se

    dentro de um mero planeta.Rogers disse isso, e eu concordava.

    Nem um deus se negaria o direito de mudar de idia. Noacho mais que nossa volta dependa da sorte.

    Chegamos todos inteiros. A volta trouxe reaes variadas.Mas os ovos devem chocar em um ou dois dias. H cinco deles. Es-pero que haja uma boa proporo entre machos e fmeas. Nossoscorredores merecem uma chance.

    James e Jack j se declararam os.