boa noite sr. sexo!

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boa noite, sr. sexo um conto da série “evangelho segundo sipriano” Moa Sipriano MOASIPRIANO.COM

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Após uma visita de cortesia a uma amiga adoentada, Hector encontra, num quarto de hospital, o seu maior ídolo: um mundialmente famoso ator pornô gay. Desnorteado, não acreditando no que seus olhos vêem, Hector tem o privilégio de passar alguns momentos ao lado do homem que dominou por anos as suas mais íntimas fantasias. Nasce uma chance única de conhecer o homem atrás do mito. Mas os acontecimentos levam o fã a experimentar mais do que uma simples conversa trivial com seu ídolo. Acompanhe esta tocante história de amizade e amor intensos vividos durante poucas horas.

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boa noite, sr. sexoum conto da série “evangelho segundo sipriano”

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Uma hora de agudos estridentes. Tia Oonah não parava de falar. Recomendações, dicas,ladainhas. Eu já estava a ponto de desistir da minha boa ação do dia. Ela terminou. Entregou-me a caixa. Prometi mais uma vez que aquela caixa chegaria sã e salva ao seu destino. Umbeijo molhado no rosto - não suporto beijos molhados - e ganhei a luz da manhã. Aquele diaestava frio e agradável. Gosto do inverno na ilha.

Eu nunca suportei o ambiente de um hospital. Talvez por ter passado boa parte de minhainfância entre soros, macas, enfermeiras rabugentas e montes de picadas na bunda. Se ocapeta existisse, eu seria a prova viva das diabruras que aprontara até os doze, treze anos deidade. Eu era infernal. Castigava meu corpo frágil em minhas brincadeiras idiotas. Mas nofundo eu era um diabinho de grande coração.

O Hospital Gerard Von Braden ficava a dez minutos da casa de Oonah, minha tia do pacote.Eu estava em férias do trabalho - sou estivador - e após uma visita de cortesia, acabei meprontificando a levar os doces que ela havia feito para uma amiga enferma. Tia Oonah nãohavia passado bem naquela manhã. Foi por esse motivo tomei a liberdade de praticar umaação caridosa, levando a encomenda e as recomendações para a amiga íntima.

Cheguei em menos tempo do que o previsto. Olhando do lado de fora, o prédio dohospital era relativamente pequeno. Mais parecia um posto de saúde de uma cidade dointerior do que um “hospital”. Na verdade, pelo número de pessoas que vivem em Lovland,aquele lugar até que estava de bom tamanho para atender os loveanos. Somos privilegia-dos em matéria de saúde.

Identifiquei-me na portaria. Gostei da cordialidade da recepcionista. Ela entregou-me umcartão magnético, que afixei em minha camisa, na altura do coração. Interessante a liberdadeque todos nós temos em Lovland. Mesmo não sendo parente da mulher que iria visitar, eupoderia passar todo o dia ao seu lado, se assim o desejasse. Pelo menos essas foram aspalavras da sorridente recepcionista.

Chegando no quarto 32, deparei-me com uma enfermeira administrando um medicamentona amiga de minha tia. A paciente permanecia de olhos fechados, evitando olhar para a agulhaque estava sendo introduzida em seu braço esquerdo. Sorri, pois recordei minha infância. Eutambém evitava olhar para aquela agulha medonha que rasgava minha pele delicada.

Aguardei o término do processo. No final, enfermeira e paciente direcionaram o olhar paramim, que estava encostado no batente da porta do quarto. Dois sorrisos, um de cortesia eoutro de felicidade pela minha presença iluminaram o lugar apertado. A amiga de minha tia eraa única paciente naquele quarto.

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“Regina, visita para você a esta hora? Que bom!”, disse a enfermeira gorducha. “Esta caixacontém guloseimas apetitosas?”, as mãos em forma de pãezinhos procuravam tatear a enco-menda que eu segurava.

“Sim, há doces caseiros aqui dentro”, entreguei-lhe a pequena caixa. Ela limitou-se a sorrir,enquanto conferia algo no prontuário da sua paciente. A amiga de minha tia acompanhava tudoem silêncio. Mas notei em seu olhar o desejo secreto de se fartar com o conteúdo daquelacaixa. Sorri.

“Ok, sem problema”, disse a enfermeira, rabiscando algo no prontuário. “Pode se deliciarcom os doces, Regina. Mas não abuse do açúcar. Deixe um pouco para os próximos dias. E umpouco para mim também!” Ela entregou a caixa para a mulher acamada.

Regina pegou o presente de minha tia, meio sonolenta, talvez devido aos medicamentos. Aenfermeira deixou-nos a sós. Sentei-me numa cadeira de plástico branco ao lado da enferma.Ela sorriu para mim, agradecendo com o olhar pela minha visita e pelos doces. Conversamosbanalidades. Fiquei ao seu lado não mais do que cinco ou seis minutos. Não tínhamos intimida-de para longas conversas. Nos despedimos cordialmente. Eu disse a metade das coisas queminha tia havia recomendado, mas de maneira resumida e direta. Um cumprimento formalselou a nossa despedida.

Ao sair daquele quarto fiquei um tanto confuso em que direção avançar. Sorteei mental-mente o lado direito do extenso corredor. Direção errada, descobri após os primeiros vintepassos. Dei meia volta. Não encontrava referências que me levassem à saída. Há milênios queeu não passava por ali. Muita coisa havia mudado depois da grande reforma de 1999.

Estanquei diante de um dos quartos. Eu não podia acreditar na minha visão. Era um sonho.Estremeci. As pernas solidificaram no assoalho de cerâmica. Chorei. Limpei os olhos. Eleestava ali, a quatro passos de distância.

Entrei em passos lentos. Se ele estava ali, era porque estava doente. Dedução idiota moti-vada pelo meu nervosismo. Eu não queria incomodar ninguém, mas ao mesmo tempo desper-diçar uma oportunidade daquelas seria burrice. Se ele estivesse dormindo, pensei, pelo menoseu poderia contemplar seu belo rosto, ver seu corpo mesmo parcialmente coberto; sentir o seucheiro. Estar ao seu lado já seria uma vitória.

Meu coração ultrapassava os batimentos normais. Comecei a transpirar de nervosismo.Respirei fundo. Sentei no mesmo tipo de cadeira que havia no outro quarto. Ele dormia umsono profundo. Dez minutos se passaram. A mesma enfermeira gorducha surgiu diante de mim.Ela limitou-se a me encarar, talvez tentando se lembrar de onde me conhecia.

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“Sim, sou eu mesmo”, confirmei, encabulado.

“Você é parente deste senhor também?”, ela me questionou, enquanto depositava a bandejade medicamentos em um suporte ligado à cama, bem ao lado do paciente. Ela ajeitou os cachosrebeldes que desprenderam-se do elaborado coque no alto da cabeça. Antes que eu pudessejustificar minha presença, ouvi a voz rouca dos meus sonhos pronunciar a minha defesa.

“Sim, enfermeira, ele é meu... sobrinho”, ele disse. A voz cadenciada e poderosa era umaordem diante dos fatos. A enfermeira não questionou a autenticidade daquelas palavras.

“O seu dia está agitado hoje, não é mesmo meu rapaz?”, ela apanhou algumas pílulas e umcopo com água para o paciente. Por instinto eu o ajudei a sentar-se. Eu tremia todo e quase nãoacreditava que minhas mãos estavam tocando um dos homens mais desejados do planeta. Eletomou os medicamentos. Pediu outro copo de água e foi prontamente atendido pela gorducha.

“Meu sobrinho passará o dia comigo. Algum problema?”

“Não, senhor, ele pode ficar até uma semana ao seu lado sem nenhum problema”, disse aenfermeira, recolhendo com pressa sua bandeja de remédios, retirando-se em seguida paranos deixar mais à vontade.

“Então, meu caro, quem é você?”, ele tocou meu ombro. Seus olhos negros incendiavamminhas fantasias. Eu queria ser beliscado por ele para saber se tudo aquilo não era um sonho.

“Hector, este é o meu nome”, a timidez fez meu queixo afundar-se em meu peito.

“Pelo seu olhar você já sabe quem eu sou”, a mão apertava ainda mais o meu ombro. Eusentia sua energia a tranqüilizar-me o coração.

“Todos os gays do mundo sabem quem é você, Éfeso”, minha afirmação e intimidade fize-ram surgir um ar de triunfo naquele rosto de traços retos e perfeitos. Mesmo com a idadeavançada, aquele homem não perdera a beleza e o vigor da juventude. Ele ainda tinha o poderda sedução em cada gesto, em cada palavra, em cada movimento daquele corpo perfeito.

“Aquela gorda não sabe quem realmente sou. Mas imagina o quanto disponho em minhaconta bancária”, ele disse, rindo, acomodando-se melhor na cama estreita. “Estou aqui há umasemana. Anseio pela liberdade o mais breve possível”.

“Eu não sabia que você conhecia nossa ilha”, meu olhar cruzou com os olhos negros do meuídolo. Sentíamo-nos como amigos de longa data. Afinal, eu conhecia toda a sua vida através deseus filmes. Em uma caixa de madeira que ficava escondida dentro do meu guarda-roupa havia

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um vasto material com tudo sobre a vida daquele artista. Fotos, recortes de revistas e jornaisdo mundo inteiro, quilos de fitas VHS com cópias piratas de todos os seus filmes. Eu pesquisaratudo sobre sua vida exterior. E agora eu tinha a possibilidade de conhecer o homem real atrásda arte erótica.

“Eu tenho uma pequena propriedade em sua ilha, meu caro Hector”, sua voz doce pareciacontar-me uma história de ninar. “É o meu refúgio do mundo exterior, das badalações, daperseguição incansável da mídia”, sua face demonstrava cansaço após anos de tanto sucessocomercial.

Conversamos por quase uma hora sobre nossas vidas. Falei um pouco sobre mim, o meutrabalho nas docas, os amores do passado, sobre minha família que morava ao norte da ilha.O artista confidenciou-me um pouco de sua vida entre Europa e Estados Unidos. Dos filmesde sucesso. Das sessões intermináveis de fotos para publicidade.

Ele era um ícone de toda uma geração de gays espalhada pelo mundo. Em seus filmes eletranspirava profissionalismo e competência. Vê-lo na tela era como estar ao seu lado, tamanhoera o carinho com que ele tratava os outros atores. Parecia amar cada companheiro de traba-lho. Parecia viver intensamente cada cena, como se fosse a primeira vez em que fazia amor.

“Éfeso, é verdade que você transou full time mais de duas mil vezes durante toda a suacarreira?”, perguntei-lhe com a cabeça baixa, novamente.

“Sim, minha criança. Já fui profissionalmente para a cama com duzentos e sete homensdiferentes e por duas mil e quatrocentas vezes nestes dezenove anos de carreira, para sermais exato”.

O que para muitos poderia ser um choque moral, para mim soava o mais natural possível. Ohomem ao meu lado fora um dos maiores atores pornôs da história. Não havia em sua filmografiauma única cena que não tivesse excitado um homossexual nas noites solitárias dentro de umquarto de motel ou mesmo na privacidade do lar.

Perdi a conta de quantas punhetas bati ao ver suas performances. Perdi a conta de quantasvezes eu fantasiava estar ao seu lado, sentindo aquele corpo e aquele beijo que tirava meufôlego só de olhar para a tela. E agora eu estava a centímetros do meu objeto de desejo. Aolado de uma lenda. Ao lado do maior e do melhor de todos. Para mim era um privilégio estar ali.Imaginei o quanto muitos homens não dariam para ter aquele prazer: um dia todo ao lado dofamoso Éfeso.

“Escolhi minha profissão ainda muito jovem. Eu tinha pouco mais de dezessete anos quandofiz o primeiro teste para um filme de décima categoria”, Éfeso riu com a recordação do seu

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passado. “Não entrei nessa vida forçado e muito menos fui obrigado a fazer o que não queria.Sempre houve prazer em meu trabalho. Sempre dei o melhor de mim em todos os filmes efotos que realizei”, disse o artista, seu olhar se perdia dentro de minha fascinação.

“É claro que naquele tempo o preconceito a esse tipo de atividade era algo inenarrável. Fuiexpulso de casa. Perdi o contato com meus pais. Morei na rua. Dormi em estúdios fotográficosmedonhos. Mas sempre com dignidade. Jamais precisei ceder o meu corpo contra minha von-tade. Lutei muito para chegar aonde cheguei. Não me arrependo de nada do que fiz.”

Notei os olhos negros tornarem-se brilhantes por causa da emoção. Notei que há muitotempo ele não desabafava seus sentimentos e verdades para alguém de sua confiança. Afelicidade de fazer parte da vida de Éfeso parecia explodir dentro do meu peito. Eu realizavamais do que um sonho erótico adolescente. Agora eu era o seu amigo. Ele confiava suaintimidade a mim. O mundo não podia ser mais perfeito.

“Fiz do sexo uma arte. E sinto orgulho pelo meu desempenho nesse sentido. Há beleza nosexo. Há beleza no envolvimento dos corpos. O mais difícil é o envolvimento do coração”.

Nesse momento o meu ídolo ficou em silêncio. Havia tanto a dizer, mas sentíamos que nãoprecisávamos de todas as palavras.

“Antes que você me questione, transei com homens do mundo todo, mas eu só amei umhomem em toda minha vida”, sua voz sumiu em seu peito. Eu não havia pensado em questionarnada de sua vida íntima.

Éfeso falava o que lhe vinha à cabeça sem nenhuma interrupção de minha parte. Só o fatode ouvi-lo para mim já era o suficiente. Eu sabia de quem ele estava falando. O seu único amorchamava-se Ron Dreyfuss, um técnico de futebol americano. Se eu tivesse apostado que Ronfora seu grande companheiro em minhas pesquisas secretas, teria perdido feio, pois nuncaimaginei que aquele troglodita americano fosse capaz de amar alguém. Éfeso captou os meuspensamentos.

“Ele precisava manter aquela arrogância toda, meu caro Hector”, fiquei surpreso pela res-posta. “Ele não podia... como vocês falam mesmo? Ah, sim, ‘dar bandeira’ dentro da sua profis-são. Lembre-se que ele veio de uma família tradicionalíssima e muito conservadora...”, Éfesolevou as mãos ao rosto. Parecia sofrer ao comentar essa passagem de sua vida. Levantei dacadeira de plástico. Toquei em suas mãos macias. Seu olhar agradecia minha presença. E omeu olhar inspirava-lhe confiança.

“Estou cansado, caro Hector”, dei-lhe um pouco de água. “Por favor, preciso dormir umpouco, mas gostaria que você ficasse ao meu lado”.

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Ajudei Éfeso a encontrar uma boa posição para o descanso. Ele dormiu quase que instanta-neamente, depois de acomodado. Permaneci ao seu lado, sentado no plástico frio da cadeirabarata. Sentia como se estivéssemos só nós dois naquele prédio. Mesmo com a porta aberta eenfermeiras e faxineiras andando de um lado para o outro, ninguém nos incomodava. Chegueia acreditar que uma energia superior protegia o nosso encontro.

Escurecia rapidamente naquela época do ano. Cheguei a cochilar. A noite abraçou-nos emuma intimidade aconchegante. Ao abrir meus olhos, Éfeso estava concentrado a observar-menão sei por quanto tempo. Dessa vez não me senti intimidado. Éramos amigos. Sentíamos issoum do outro. Silêncio. A porta estava fechada. Eu não sabia as horas. Não importava. Estáva-mos juntos. Somente a fraca luz de um abajur simples iluminava o nosso ambiente. Eu sentiafrio. Éfeso convidou-me a um abraço. Fiquei emocionado. Aceitei estar entre os seus braços.Esqueci do mundo exterior. Vivi intensamente o nosso mundo interior.

“Quero amar você”, foi o pedido do meu ídolo. Não perdi tempo. Entreguei todo meu corpo emeus sentidos àquele homem. Ele não foi “profissional” comigo. E se foi, sinceramente nãopercebi. Senti o beijo real que eu sequer podia imaginar o quanto era bom. Senti suas mãos amassagearem todo o meu corpo exatamente como eu fantasiava em meus doces delíriosadolescentes.

O velho corpo tinha a energia de um jovem recruta. O sexo era tão ou mais potente do queaparecia nos filmes. Nos divertimos muito. Eu fui amado em poucos minutos. E tenho certezade que Éfeso sentiu a minha gratidão em seu íntimo.

Corpos encostados numa parede qualquer. A cada movimento do sexo feito entre nós,lágrimas e suor se misturavam na emoção dos amantes. Eu era o seu fã e agora era o seuhomem. Ele amara Ron no passado, mas nada tirava dos meus pensamentos de que Éfesoestava amando novamente. Eu fora o escolhido, não sei se pelo destino ou pela afinidade quenos unia em corpo e espírito.

O gozo veio em sincronia. Éfeso sufocou-me com seu beijo. O jorro atingiu a parede branca.Manchamos também o chão com as nossas purezas. Permanecemos abraçados. Não haviatempo físico para nós. O temor de sermos descobertos a qualquer momento era superado pelodesejo da nossa união. Nós sabíamos que a porta não seria mais aberta. Só consigo me lembrarque depois de tudo adormeci sentado na cadeira de plástico.

* * *

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Da janela, a brisa da noite profunda penetrava nas cortinas brancas. Uma ponta solta aca-riciava meu rosto. Acordei assustado. Nossas mãos estavam unidas, mas seu corpo estavarígido e frio. Desvencilhei-me com dificuldade. Sem provocar ruído, aprumei minha roupa noescuro. Achei estranho a luz do abajur estar apagada. Procurei o interruptor na parede. Acendia luz do quarto.

Seus olhos estavam abertos. O olhar perdido no infinito. Com a mão esquerda, Éfeso segu-rava o resto de uma caneta. No chão havia um pedaço de tecido. Era uma parte do lençol.

“Eu amei você”, diziam as letras azuis estampadas no tecido branco. Embaixo da frase haviasua assinatura. Igual a que aparecia nas milhares de fotos de publicidade. O meu corpo tremiatodo. A mistura do ar frio da madrugada com o choque da perda do meu ídolo turvara o meusenso de realidade. Enrolei o pedaço rasgado do lençol e guardei-o no bolso do jeans. Um beijoem seu rosto. Fechei o seu olhar para o mundo.

A passos pesados, desnorteado, segui até a porta. Não sei onde tirei forças para abri-la. Nocorredor iluminado, caminhei sem direção. Barrei a primeira pessoa de branco que surgiu emminha frente. Agarrei o enfermeiro pelo braço. Indiquei o caminho. Usei palavras difusas. Ochoque cegou todos os meus sentidos. Desmaiei.

* * *

Éfeso deixara esse mundo após um enfarte fulminante. Pelo menos foi isso que os médicosdeclararam na entrevista coletiva. Mentiras que encobrem a realidade. Eu não soube qual omotivo de sua real internação, antes do que ocorrera.

Fui intimado a depor sobre o que houvera entre nós naquela noite. Ninguém, questionou-mese eu era ou não o “sobrinho”. Ninguém questionou-me sobre as manchas no chão do quarto.Não fui incomodado pela imprensa marrom. O dinheiro compra o silêncio.

Um irmão vindo de Munique tomou conta de todos os detalhes do velório. O corpo de Éfesofora cremado. As cinzas foram espalhadas entre os jardins de sua propriedade na ilha de Lovland.

Vi pela Internet as manifestações solidárias dos seus fãs. Até mesmo Ron apareceu na capade um tablóide londrino, em uma matéria carregada de ternura. A emoção estampada nafotografia em preto e branco era real. Éfeso teria ficado surpreso com a coragem do ex-companheiro.

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Por outro lado, muitas pessoas e algumas mídias o trataram como um pervertido. Não énecessário mencionar as barbaridades que ouvi de um pastor protestante durante uma en-trevista no canal local sobre “tipos” como Éfeso.

* * *

Estamos em novembro. O dia está lindo. Minha tia ligou diversas vezes convidando-me parao almoço dominical em sua casa. “Hoje, prefiro ficar sozinho”, disse a ela pelo telefone.

Trancado em meu quarto, pelo assoalho, espalhadas sem ordem, dezenas de fitas com asvariadas performances do meu ídolo. Eu assistia aos filmes sob uma nova ótica. Éfeso nãousara comigo nenhum dos movimentos e palavras que ele usava com seus parceiros do sexoprofissional. Comigo ele fora o “homem” e não o “artista”.

As horas passavam. Eu estava em minha vigésima punheta. A mão direita judiava do meusexo. A mão esquerda segurava o pedaço de lençol com a frase que ele havia escrito só paramim. As letras tremidas denunciavam o ardor da nossa intimidade.

“Eu amei você”, ele escreveu em letras azuis. Não fui seu único homem, Éfeso. Mas fui umdos que você mais amou nesta vida breve. Gozei. A pureza misturada com o meu suor. Chorei.

“Boa noite, sr.sexo!”. Fechei os olhos e minha alma vislumbrou meu ídolo nas nuvens de umcéu inconsciente. Éfeso ensinava os anjos a fazer amor.

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O AUTOR :: MOA SIPRIANO

Nasci em Jundiaí, uma próspera cidade do interiorde São Paulo. Minha mãe é uma guerreira. Tenho duasirmãs fantásticas, dois cunhados bacanas, duas sobri-nhas fofas, algumas primas idolatradas e uma tia que éfora-de-série. Ah, também tenho um pai... ausente.

Comecei a escrever roteiros, poesias, letras de mú-sicas e outras bobiças aos 12 anos. Eu vivia anotandomeus sonhos e minhas verdades em papéis soltos queforam se perdendo pelo caminho. Sempre escrevi his-tórias que de alguma maneira retratavam a homosse-xualidade masculina.

Em 1988, após uma experiência pessoal "abalante",resolvi desabafar através de uma autoterapia forçada,escrevendo em uma noite Uma carta para Hans. Foi oprimeiro conto.

Em 2004, ao criar a primeira versão do meu siteoficial, fiquei totalmente surpreso com a polêmica, oscomentários inflamados e a repercussão positiva juntoaos leitores ao publicar meus primeiros artigos naInternet: Deus x Gays, Afeminado? Tô fora e Você éAtivo ou Passivo; além da série Poltrona 47 (cinco con-tos que retratam as experiências sexuais de um rapazdentro de um ônibus) e o conto Filipe ou Treze homense um destino (história que retrata de uma maneira po-lêmica as atitudes de um rapaz que ao saber que podeestar contaminado com o vírus da AIDS, num momentode revolta e irresponsabilidade total resolve se vingare transar com treze homens em um único dia).

Foi este incentivo que me levou a apostar no meutipo de literatura. Desde então, nunca mais parei deescrever, procurando aprender e evoluir a cada dia comoum bom contador de histórias gays.

Em 2005, por causa do sucesso do conto Filipe,busquei inspiração para desenvolver o projeto 30 dias.A história de Jägger foi realmente escrita em temporeal, conforme as datas descritas no diário do persona-gem. Foi um desafio enorme escrever trinta capítulosem exatos trinta dias e postar um capítulo diário, emformato de blog, em meu site. E mesmo não tendo di-vulgado devidamente este projeto, a repercussão foimuito promissora.

Em 2007, após editar e ampliar o conto, transfor-mando-o em um e-book e carro-chefe na divulgação domeu trabalho, resolvi disponibilizá-lo gratuitamente emmeu site.

Percebendo a boa receptividade de "30 dias", aca-bei transformando praticamente toda minha produçãoliterária nesse formato, tonando-me assim um pioneirona divulgação e distribuição no Brasil de livros digitaisgratuitos contendo literatura gay de qualidade.

Em 2008, após mais de 20 mil downloads no Brasilde todos os meus títulos publicados e também por cau-sa da grande quantidade de comentários incentivadoresdos meus leitores é que continuo me esforçando naprodução constante e divulgação permanente de umaliteratura "gay" de excelente entretenimento.

A homossexualidade, o amor verdadeiro, os confli-tos internos, a amizade e a espiritualidade são temasrecorrentes no meu trabalho literário. Espero que mi-nhas histórias e verdades proporcionem a você mo-mentos de agradável leitura e reflexão.

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