BNDES: que desenvolvimento é esse?

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que desenvolvimento é esse?

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A presente publicação apresenta a plataforma BNDES, construída com o intuito de propor um debate público sobre o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no desenvolvimento do País. Esta articulação reivindica que o Banco seja de fato do povo brasileiro - e, além de elaborar uma análise dos financiamentos do BNDES, apresenta propostas de mudanças em diversas áreas: transparência; participação e controle social; desenvolvimento de critérios territoriais/regionais, ambientais, climáticos, de gênero, raça e etnia e de trabalho e renda; e políticas setoriais de infra-estrutura social, descentralização do crédito, desenvolvimento rural agroecológico, energia e clima e integração regional.

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que desenvolvimento é esse?

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O atual documento foi elaborado com base na Plataforma BNDES,

uma proposta das seguintes organizações:

Amigos da Terra – Amazônia Brasileira

Associação de Funcionários do Banco do Nordeste do Brasil

Associação para Taxação das Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos (Attac) – Brasil

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

Cresol – Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Integração Solidária

Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Fboms)

Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)

Fórum Nacional de Segurança Alimentar

Fórum Popular e Independente do Madeira

Frente Nacional do Saneamento Ambiental (FNSA)

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)

Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs)

Rede Alerta contra o Deserto Verde

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)

Também contou com a colaboração de membros da Rede Brasileira de Justiça Ambiental

que desenvolvimento é esse?

ORGANIZAÇÃO Fabrina Furtado - Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

EDIÇÃO Patrícia Bonilha - Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

PROJETO GRÁFICO amatraca desenho gráfi co - www.amatraca.com.br

Julho de 2008

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A Plataforma BNDES é um conjunto de reivindicações elaboradas

por uma articulação de redes, organizações e movimentos sociais

brasileiros sobre o desenvolvimento que o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deve promover.

Esta articulação reivindica que esse Banco público seja de fato do

povo brasileiro e, além de elaborar uma análise dos fi nanciamentos

do BNDES, apresenta propostas de mudanças em diversas áreas:

transparência; participação e controle social; desenvolvimento de

critérios territoriais/regionais, ambientais, climáticos, de gênero, raça e

etnia e de trabalho e renda; e políticas setoriais de infra-estrutura social,

descentralização do crédito, desenvolvimento rural agroecológico,

energia e clima e integração regional.

A Plataforma é resultado de um processo de refl exão por parte desta

articulação sobre o papel que o BNDES tem hoje e o papel que ele

deveria ter. Para chegar nesta proposta, desde 2003 diversas atividades

– reuniões com o Banco, mobilizações e ofi cinas de formação – foram

realizadas na tentativa de entender a atuação do BNDES e, em um

primeiro momento, cobrar do Banco maior transparência e abertura

sobre suas políticas e projetos fi nanciados. Espera-se que, muito além

de conseguir que o Banco seja mais transparente e aberto ao público,

esta articulação - e outras organizações e movimentos sociais - possa

participar, de forma qualifi cada, da elaboração de critérios e da própria

escolha de projetos a serem fi nanciados pelo BNDES, buscando

transformar o atual modelo de desenvolvimento em um projeto

econômico e socioambientalmente justo. A Plataforma não é um

documento acabado, mas sim um processo em construção.

O QUE É A PLATAFORMA BNDES?

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13 de julho de 2006

Seminário na sede do Banco “O BNDES que

temos e o BNDES que queremos: o papel do

BNDES no fi nanciamento do desenvolvimen-

to nacional democrático”, que resultou em

uma publicação.

7 de março de 2007

MST ocupa sede do BNDES no Rio de Janei-

ro, cobrando mais investimentos na agri-

cultura familiar e reforma agrária.

16 e 25 de maio de 2007

Duas ofi cinas de trabalho para construir a

Plataforma BNDES.

19 de julho de 2007

Reunião com o recém-nomeado presidente

do Banco, Luciano Coutinho, para reesta-

belecer o diálogo e apresentar a Plataforma

BNDES. Durante a reunião, ele assume o

compromisso de incorporar reinvindica-

ções da Plataforma no planejamento do

Banco.

8 de agosto de 2007

Luciano Coutinho participa da VII Assemblé-

ia da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras

Multilaterais, escuta denúncias e questiona-

mentos de movimentos sociais e assume

compromisso de incorporar reivindicações

da Plataforma no planejamento do Banco.

20 de setembro de 2007

Reunião de membros da Plataforma para

elaborar estratégias como a realização de

ofi cinas de formação, elaboração de ca-

derno popular e jornal sobre a Plataforma.

Algumas atividades realizadas

20 de setembro de 2007

Movimentos apresentam documentos de

denúncias sobre a Aracruz Celulose e a Al-

coa – fi nanciadas pelo BNDES. Durante essa

mesma reunião no BNDES, o Banco assume

o compromisso de divulgar informações

sobre seus cinqüenta maiores projetos dos

seus quatro setores de atuação – inclusão

social, infra-estrutura, indústria e insumos

básicos - além de incorporar cláusulas soci-

ais nos seus contratos.

Dezembro de 2007

BNDES divulga informações sobre os cin-

qüenta maiores projetos dos quatro setores

(mencionados acima).

15 de fevereiro de 2008

BNDES realiza um evento para comemorar

a divulgação dos projetos e incorporação

de cláusulas sociais nos contratos de fi -

nanciamento. A Rede Brasil sobre Institu-

ições Financeiras Multilaterais divulga uma

nota de posicionamento criticando essa

comemoração por considerar que o Banco

não atendeu as demandas da sociedade

civil. A “cláusula social” apenas apresenta

o que já existe na lei – rompimento de

contrato com as empresas que praticarem

atos discriminatórios, trabalho escravo ou

infantil – e as informações sobre os projetos

não mostram o Banco na sua magnitude

em termos de investimento, estratégia e

perspectiva de desenvolvimento.

9 de julho de 2008

Reunião com o BNDES sobre sua atuação

no setor de etanol. A Plataforma questiona

critérios de fi nanciamento e inicia um debate

sobre os impactos socioambientais do setor.

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POR QUE O BNDES?

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é

um banco estatal cujo objetivo é estimular o crescimento econômico

e social do Brasil. Desde a sua criação, em 1952, o Banco tem sido um

importante instrumento de política pública, usado para implementar

os principais programas do governo federal no País e, cada vez, mais

no exterior. Além de repassar recursos, o BNDES também escolhe quais

regiões, setores e empresas vão receber mais dos seus empréstimos –

o que acaba defi nindo um determinado tipo de desenvolvimento. O

“desenvolvimento nacional” que o BNDES vem fi nanciando não é o

mesmo que esta articulação da Plataforma BNDES defende. Se a maior

fonte de recursos do Banco (47%) provém dos trabalhadores e das

trabalhadoras – através do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o

BNDES precisa criar condições para que eles e elas se benefi ciem destes

recursos. Isso não ocorre atualmente. O Banco também recebe seus

recursos do fundo PIS-PASEP, do fundo da Marinha Mercante, do re-

pagamento dos empréstimos, de rendimentos de aplicações fi nanceiras

e de outras instituições fi nanceiras, como o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e a Corporação Andina de Fomento (CAF).

BNDES, BID e Corporação Financeira Internacional (CFI) criam

fundo de elaboração de projetos de infra-estrutura

Em outubro de 2007, o BNDES, o BID e a CFI, do Grupo Banco Mundial,

criaram um fundo para fi nanciar a elaboração de projetos de infra-

estrutura envolvendo concessões públicas e Parcerias Público-Privadas

(PPPs) no Brasil e na América do Sul. O fundo terá aporte inicial de

US$3,99 milhões, podendo atingir até US$ 11,99 milhões1. Junto com

outros mecanismos já criados pelas Instituições Financeiras Multilaterais

(IFMs), esse fundo servirá para acelerar a implementação dos mega-

projetos da Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional

Sul-Americana (IIRSA) e sua versão nacional, o Programa de Aceleração

do Crescimento (PAC).

1. BNDES, IFC e BID criam fundo para fi nanciar a modelagem de projetos de infra-estrutura no Brasil. Disponível em http://www.bndes.gov.br/noticias/2007/not244_07.asp. Acesso em 22 de outubro de 2007.

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Atualmente, é o maior fi nanciador de longo prazo do País.

Em 2006, participou em 19% de todos os créditos no Brasil.

Em 2007, obteve lucro recorde de R$ 7,3 bilhões, superior em 15,5%

ao ano anterior, de R$ 6,3 bilhões.

Em 2007, o BNDES desembolsou R$ 64,9 bilhões - 21%

mais que em 2006.

O BNDES desembolsa mais que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BIRD) juntos. Em 2006, enquanto o BNDES desembolsou R$ 51,3 bilhões, o BID desembolsou R$ 11 bilhões, e o BIRD em torno de R$ 33 bilhões para o mundo todo e US$ 8 bilhões para a América Latina.

O crescimento dos desembolsos do BNDES foi resultado do aumento

de investimentos em infra-estrutura. Em 2007, os projetos do setor

receberam R$ 25,6 bilhões (quase metade de todos os desembolsos

do Banco), 62% a mais que em 2006.

Em 2007, os empréstimos aprovados pelo BNDES para obras de

energia eléctrica cresceram 207% em relação ao ano anterior. Foram

quase R$ 13 bilhões em empréstimos aprovados.

Nos últimos dez anos, o setor de papel e celulose obteve mais de R$ 9

bilhões em fi nanciamento – R$ 2,3 bilhões somente em 2006.

O BNDES não apenas fi nancia como é co-responsável pelas opções de investimento do setor de papel e celulose. Possui, por exemplo, participação acionária de 12,5% na Aracruz Celulose – que possui 50% da Veracel, além de ter 11,4% do capital da Suzano Bahia Sul.

Dados sobre o BNDES2

2. BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Estatísticas Operacionais do Sistema BNDES. Disponível em http://www.bndes.gov.br/estatisticas/apresentacao.asp. Acesso em março de 2008.

8

Como os R$ 64,9 bilhões desembolsados em 2007 foram distribuídos?

POR SETOR

Indústria

Infra-estruturaOutros

Agropecuária

Educação, Saúde, Serviço Social, Arte,

Cultura e Esporte

POR REGIÃO

Norte

Nordeste

Centro-Oeste

SP

RJ

MGES

Sul

Sudeste

POR TAMANHO

Micro, pequenas e médias empresas

Grandes empresas

20%

24,5%75,5%

0,9%

12%

7%

39,4%

40,7%

34%

58%13%

9%

2% 5%

8%

9%

9

BNDES fi nancia confl itos socioambientais: o caso da Vale

A Vale é um dos maiores símbolos da má administração do patrimônio público

brasileiro e de como as privatizações podem ser prejudiciais ao País. Em 1997,

ela foi vendida por R$ 3,3 bilhões. Este é quase o mesmo valor do lucro da

empresa apenas no segundo trimestre de 2005 (R$ 3,5 bi)3. Além disso, a Vale

provoca a destruição do meio ambiente e confl itos com as comunidades locais.

A empresa tem, por exemplo, construído várias siderúrgicas na Amazônia que

utilizam o carvão vegetal para a produção do ferro-gusa. São praticamente 300

mil hectares de fl oresta primária que a cada ano são destruídos para a produção

de carvão. Algumas dessas siderúrgicas já foram fl agradas e multadas pela

fi scalização do Ministério do Trabalho por manter centenas de trabalhadores como

escravos, inclusive crianças4. A Vale também esteve envolvida em confl ito com

quilombolas do Jambuaçu, no município de Moju, no Pará, por causa dos impactos

de um mineroduto e de um linhão que afetaram, aproximadamente, 15 km de

área. Os quilombolas informaram que essas obras poluíram o rio, o que afetou

drasticamente a pesca e tornou a água imprópria para uso. Os militantes das

comunidades negras estimam que 674 famílias foram afetadas. Depois de semanas

de protesto, inclusive do bloqueio de uma estrada de acesso ao canteiro de obras

da empresa, a Vale foi forçada a atender as reivindicações das comunidades5. Em

março de 2008, mulheres da Via Campesina ocuparam os trilhos da empresa em

Minas Gerais, no município de Resplendor. Elas denunciaram que a construção da

barragem de Aimorés, efetuada pela Vale, afetou os municípios de Itueta, Aimorés e

Resplendor, e deixou a população sem moradia, segurança, emprego e terra6.

3. BRASILIANO, L. Campanha tenta reestatizar a Vale. Disponível em http://www.jubileubrasil.org.br/azul/popular/news_item.2006-11-30.2000656387, Acesso em março de 2008.

4. GLASS, V. Vale do Rio Doce fi nancia lançamento e racha Igreja Católica. Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=926. Acesso em março 2008.

5. CPT. Quilombolas do território de Jumbuaçu/PA conquistam direitos por terem seu território. Disponível emhttp://www.justicaambiental.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/NotaMoju.pdf . Acesso em março de 2008

6. VIA CAMPESINA. Mulheres da Via Campesina ocupam ferrovia da Vale em MG. Disponível em http://www.mmcbrasil.com.br/noticias/8marco_08/100308_viacampesina.html. Acesso em março de 2008.

101010

IndústriaJBS S/A, Carrefour Comércio e Indústria Ltda, Fiat Automóveis S/A,

Estaleiro Atlântico Sul S/A, Sadia S/A, Aché Laboratórios Farmacêuticos

S/A, Bridgesonte Firestone Brasil Indústria e Comércio Ltda, Usina Alto

Alegre S/A Açúcar e Álcool, Usina Boa Vista S/A, Companhia Brasileira

de Distribuição

Insumos BásicosCompanhia Siderúrgica Nacional, Klabin S/A, Thyssenkrupp CSA

Companhia Siderúrgica, Companhia Vale do Rio Doce, Petroquímica

Paulina S/A, MMX Amapá Mineração Ltda, Empresa de Cimentos Liz

S/A, M&G Polímeros Brasil S/A, Petroquímica União S/A, Solvay Indupa

do Brasil S/A, Companhia Nacional de Cimento, Berneck Aglomerados

S/A, Votorantim Metais Níquel S/A, CSN Cimentos S/A, Usinas

Siderúrgicas de Minas Gerais S/A, Companhia Brasileira de Metalurgia

e Mineração, Gerdau Aços Longos S/A, Oxiteno Nordeste S/A, Suzano

Papel e Celulose

Infra-estruturaTelecomunicações de São Paulo S/A (Telesp), Petrobrás Transporte,

Foz de Chapecó Energia, Vivo S/A, Transportadorera Gasene S/A,

Estaleiro Atlântico Sul S/A, Rio Industrial Naval, Companhia Vale do Rio

Doce, Cia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, América Latina

Logística do Brasil S/A (ALL), Light Serviços de Eletricidade

Inclusão SocialCompanhia de Saneamento de Minas Gerais, Sociedade Benefi cente

Israelita Brasileira, Hospital Albert Einstein, município de Belo

Horizonte, município de Estância Balneária de Praia Grande,

Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp),

Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios Não-Padronizados da

CPTM, Fundação São Paulo, município de Caxias do Sul, município de

Itajaí, município de Rio Branco

As empresas que mais receberam do BNDES em 2007, por setor

11

13 milhões de casas populares(de alvenaria, com 40 a 50 m2, de acordo com método elaborado pela

COPPE/UFRJ, ao custo unitário de R$ 5 mil) - o que eliminaria todo o

défi cit habitacional brasileiro que, em 2006, foi de 7,964 milhões de

residências em 2006, segundo estudo realizado pela Fundação Getúlio

Vargas (FGV).

2 milhões de famílias assentadas(custo aproximado de R$ 30 mil por família). Mesmo com um custo

mais alto, de R$ 180 mil, como foi o caso do assentamento de Aliança,

no município de Linhares, no Espírito Santo, daria para assentar 370

mil famílias.

7 milhões de novos empregos na agricultura (R $10 mil por pessoa).

Em 2007, o governo federal gastou

R$ 40 bilhões com a Saúde,

R$ 20 bilhões com a Educação e

R$ 3,5 bilhões com a Reforma Agrária.

O que representam R$ 64,9 bilhões?

121212

A expectativa em 2008 é de um crescimento nos desembolsos do

BNDES de pelo menos 25% em relação ao ano anterior, fechando o

ano com empréstimos superiores a R$ 80 bilhões.

O orçamento ofi cial do Banco para 2008 prevê investimentos,

pincipalmente, em infra-estrutura, projetos de energia e hidrovias,

que devem atingir R$40 bilhões.

O Banco tem R$ 19,7 bilhões para o setor de agrocombustíveis, dos

quais R$ 15,4 bilhões são para projetos de produção de açúcar e

álcool, R$ 2,3 bilhões para co-geração, R$ 1,8 bilhões para cultivo da

cana e R$ 142,5 milhões para pesquisa e desenvolvimento.

No início de 2008, o BNDES liberou aproximadamente R$ 650

milhões para a multinacional estadunidense Alcoa Alumínio S/A, que

é acusada pelo Ministério Público do Pará de cometer crimes contra

comunidades e o meio ambiente.

E em 2008, nada muda:

O BNDES fi nancia a exportação de produtos e serviços brasileiros.

Ou seja, faz empréstimos para os países com a condição de que

contratem empresas brasileiras.

O BNDES fi nanciou o grupo Alstom – um dos maiores do mundo no

mercado de infra-estrutura de energia e transporte - para exportar

turbinas para a maior hidrelétrica do mundo, “Três Gargantas” na

China, que deslocou 1,4 milhão de agricultores e agricultoras.

O BNDES desembolsou US$ 2,588 bilhões (R$ 4,373 bilhões) entre

1997 e 2006, para países da América do Sul.

Em 2007, o desembolso do BNDES para a América do Sul foi o maior

já realizado: U$ 380 milhões (R$ 642 milhões).

Argentina, Equador e Venezuela são os maiores destinos dos recursos

do BNDES na América do Sul.

Alguns projetos fi nanciados: dois gasodutos na Argentina, metrôs no

Chile e na Venezuela, hidrelétricas no Equador e Venezuela, rodovia

no Paraguai.

Em dezembro, o BNDES abriu seu primeiro escritório internacional

em Montevidéu, Uruguai.

O BNDES atua fora do Brasil?7

7. BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL El Apoyo de Brasil a los Proyectos en Sudamérica, junho de 2007. Disponível em www.iirsa.org/BancoMedios/Documentos%20PDF/fi r_montevideo07_bndes.pdf. Acesso em dezembro de 2007.

131313

PORTANTO, O QUE É DESENVOLVIMENTOPARA O BNDES?

1. Crescimento econômico: aumento da quantidade de bens,

produtos e serviços produzidos;

2. Inserção competitiva do Brasil no contexto global: aumento na

quantidade dos produtos exportados e na quantidade de grandes

empresas brasileiras com presença forte no mercado internacional.

Para a articulação da Plataforma BNDES, desenvolvimento não pode

ser medido pela quantidade do que é produzido nem pela inserção

competitiva do Brasil no contexto global. Desenvolvimento

tem a ver com a qualidade do que é produzido e consumido.

É a qualidade da economia, da área socioambiental, de como

produzimos e como consumimos hoje, amanhã e no futuro.

1. Baseado nas necessidades das pessoas, comunidades, povos e

territórios.

2. Soberano: Quem deve liderar o desenvolvimento são as pessoas,

comunidades, povos e territórios. Desenvolvimento não pode ser

imposto.

3. Solidário no sentido de que ninguém desenvolve ninguém, e

ninguém se desenvolve sozinho. Tem que haver um troca igualitária.

4. Justo: O desenvolvimento precisa considerar todos os custos –

sociais, ambientais e fi nanceiros, de hoje, de amanhã e do futuro - e

incluí-los na conta dos que promoveram tais custos. Precisa distribuir

o acesso à terra, às riquezas produzidas e aos recursos naturais de

forma igualitária e considerar que o acesso a um ambiente saudável

é um direito humano de todos/as. Precisa ser voltado para superar as

desigualdades de gênero, raça, etnia, geracional.

Como deve ser esse desenvolvimento?

14

O BNDES sempre atuou intensamente na industrialização do País,

e nos processos de privatização. Recentemente, vem perseguindo a

“inserção competitiva” do Brasil no contexto global. Assim, o Banco

prioriza o atendimento dos mercados externos: favorecer setores

exportadores; atrair investimentos estrangeiros; e internacionalizar

empresas brasileiras – transformá-las em multinacionais. Este modelo

concentra renda e poder e tem elevados custos socioambientais.

O Banco não apenas deve, mas precisa, mudar – antes de ser

totalmente capturado pela lógica de mercado capitalista neoliberal.

O BNDES que temos: crescimento econômico e inserção competitiva

O BNDES deve ajudar a garantir este desenvolvimento e construir

uma capacidade de produção para que o Brasil e a América

Latina deixem de ser meros exportadores de matérias primas

com baixíssimos valores econômicos, mas com fortes impactos

socioambientais negativos e concentração de riquezas. Ou seja, as

atividades do agronegócio (soja, gado, cana-de-açúcar), da indústria

madeireira, da mineração, da pesca industrial e da indústria pedreira

(retirada de granito e mármore).

144

15

A quantidade de recursos que o Banco libera é a única forma de

avaliar se está sendo efi ciente.

O BNDES usa a “eliminação de riscos” fi nanceiros para escolher

um projeto a ser fi nanciado. Ou seja, a capacidade de pagamento

da empresa que empresta e o lucro que o projeto vai dar. Isso é o

que faz um banco privado comercial e não um banco público de

desenvolvimento.

Falta de transparência. O Banco não torna públicas todas as suas

estratégias e ações.

O S de sua sigla signifi ca políticas compensatórias e não políticas

sociais estruturantes, que podem, de fato, modifi car o atual modelo

de desenvolvimento.

Portanto, o Banco precisa de uma re-orientação política

no seu planejamento, liberação de recursos fi nanceiros

e do seu pessoal para:

1.atender às necessidades históricas da maioria da população brasileira.

Ou seja, superar as desigualdades e priorizar uma produção e

distribuição igualitária de bens e serviços sociais;

2.atender questões impostas pela conjuntura, como é o caso das

mudanças no clima do planeta; e

3.estabelecer metas claras e justas, social e ambientalmente, para

garantir a melhoria do nível de vida da maioria da população brasileira.

Como o BNDES está sendo capturado pelo mercado:

161616

Um dos passos fundamentais para que o BNDES promova o desenvolvimento

justo é a transparência e o controle público. Apesar de ser um banco público

que afeta toda a sociedade e de operar recursos públicos como o FAT, o BNDES

mantém em segredo a maior parte dos seus fi nanciamentos. Atualmente, o

BNDES disponibiliza apenas informações sobre os seus cinquenta maiores

projetos de cada uma das suas quatro áreas de atuação e divulga seletivamente

notícias, através de comunicados à imprensa, sobre alguns fi nanciamentos ao

setor privado. Esta seleção impossibilita o acesso a informações acerca da sua

carteira de crédito como um todo. Por isso, é fundamental que o Banco

crie uma Política de Informação Pública (PIP) para dar publicidade:

EIXO 1 Transparência

O BNDES QUE QUEREMOS: UMA AGENDA INICIAL EM CONSTRUÇÃO

17

Conselho de Administração

O Conselho de Administração do BNDES opina sobre as linhas gerais orientadoras do

Banco, examina e aprova as políticas gerais, programas de atuação e o orçamento global.

É composto por dez membros, com mandato de três anos, sendo três indicados pelos

ministros de Planejamento, Orçamento e Gestão; do Trabalho e Emprego e da Fazenda,

e os demais indicados pelo ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

e o presidente do BNDES. Atualmente a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força

Sindical participam do Conselho.

1 ao Relatório de Análise - documento enviado para a diretoria do Banco decidir se

fi nancia ou não um projeto; aos Boletins de Medição - documento que analisa se o

projeto está cumprindo os objetivos e metas para, a partir disso, liberar o resto dos

recursos; e à agenda, pauta e às decisões das reuniões de Diretoria e do Conselho

de Administração.

2 à lista de todos os projetos com as seguintes informações: objetivo, executor,

área, valor total, valor do empréstimo, contrapartida (o que é oferecido como

complemento pelo cliente), taxa de juros, prazo, carência (período que se tem

antes de começar a pagar o empréstimo), relatório de impacto socioambiental,

recorte étnico-racial e de gênero, responsável pelo acompanhamento do projeto

dentro do Banco, critérios e prioridades para acesso e liberação do fi nanciamento

e impactos socioeconômicos previstos.

3 à lista das regras, critérios e de quem recebe dos fundos do Banco que não

precisam ser devolvidos: Fundo Social – apóia projetos e instituições do campo

social - e Fundo Tecnológico (Funtec), que apóia projetos tecnológicos.

4 aos dados sobre a liberação de gases de efeito estufa dos projetos fi nanciados e do

próprio BNDES.

1818

Emissões de carbono, efeito estufa e

mudanças climáticas

Atualmente, as mudanças no clima do planeta

são a ameaça mais grave que a humanidade

enfrenta. A temperatura do mundo é mantida

sob controle por causa da existência de gases

naturais, como o dióxido de carbono, o metano

e o vapor d’água. Esses gases formam uma

camada ao redor do planeta que mantêm uma

parte do calor do sol aprisionado. Sem esses

gases a Terra seria muita gelada (em média

-17º C), impossibilitando a vida no mundo

como a conhecemos. Esse fenômeno é chamado

de efeito estufa e, por isso, esses gases são

chamados de gases de efeito estufa. Para gerar

energia para as indústrias, aviões, ônibus, carros

e eletrodomésticos, por exemplo, através do

carvão mineral, petróleo e gás natural, muito

carbono, metano e outros gases começaram a ser

jogados na atmosfera. As fl orestas armazenam

carbono, mas como foram – e continuam sendo –

destruídas, mais gases são jogados no ar, fazendo

com que a camada (que guarda uma parte do

calor do Sol), engrosse, fortalecendo o efeito

estufa. O resultado são mudanças extremas nas

temperaturas, secas e inundações, que diminuem

a produção agrícola, destroem a biodiversidade

e criam refugiados ambientais e outros confl itos

sociais. A rigorosa seca que atingiu a região

Amazônica em 2005 é apenas um exemplo do

que a humanidade enfrenta hoje e enfrentará com

mais severidade no futuro.

19199

Atualmente, o BNDES não tem nenhum canal de interlocução regular com a

sociedade civil, além do Conselho de Administração e a Ouvidoria, que são

limitados e não dão conta da diversidade da sociedade brasileira. É preciso

conceber diferentes instâncias e instrumentos de participação e controle, tais

como:

1 audiências públicas, organizadas com representações das populações

ameaçadas por projetos antes da aprovação. A população local precisa ter

tempo e informação sufi ciente para participar de forma qualifi cada.

2 um Conselho de Administração Ampliado (que refl ita a diversidade social e

política existente no País) com representação de outros setores da sociedade,

além dos sindicatos de trabalhadores/as; que tenha garantidas suas funções

estatutárias, sendo ainda o espaço aonde o Presidente preste contas em

relação à atuação do Banco.

3 audiências públicas regulares com a sociedade civil, com critério de equilíbrio

de raça, gênero, etnia, geracional e regional, para defi nir prioridades, a

formulação de políticas e programas e para prestar contas.

4 uma Comissão Externa de Inspeção, que possa ser formada caso haja

denúncia de problemas e/ou desvio nos objetivos e metas do projeto. A

Comissão deve sugerir a suspensão do projeto, até que a invetigação seja

fi nalizada. O Relatório da Comissão deverá ser analisado pelo Conselho de

Administração, que decidirá como aplicar as recomendações.

5 espaços físicos em todas as capitais dos estados, dotados de equipamentos

eletrônicos para o fornecimento de informação sobre as operações do Banco.

EIXO 2 Participação e Controle Social

202020

1. Territoriais e regionais

Os investimentos do BNDES são distribuídos de forma desigual nas diferentes

regiões do País. A concentração dos fi nanciamentos na região Sudeste, em

particular em São Paulo, mostra a incapacidade do Banco em promover a

redução das desigualdades regionais. Não se trata de simplesmente aumentar o

volume dos empréstimos, mas de garantir que os projetos favoreçam a dinâmica

local e regional. Para isso, o Banco precisa:

a observar os impactos dos projetos em relação às populações tradicionais, que

enfrentam um processo de desterritorialização e perda de identidade (já que,

como consequência de grandes projetos, migram forçadamente à procura de

trabalhos temporários e degradantes, e tornam-se vulneráveis a todos os tipos de

exploração: tráfi co de pessoas, trabalho escravo, contrabando de migrantes, etc.

Esses impactos são ainda mais fortes na indústria do turismo).

b fi nanciar um programa permanente de formação em nível municipal e local com

a efetiva participação da população - principalmente mulheres e jovens - para

implementar uma política de turismo e apoiar o turismo comunitário, de forma

a melhorar a qualidade de vida da população, principalmente as comunidades

litorâneas e costeiras.

c impedir o fi nanciamento de empreendimentos com confl itos socioambientais ou

fundiários.

d adotar critérios de fi nanciamento que considerem, por exemplo, a realização

de um zoneamento econômico, social e ecológico (ZESE) de todo o território

brasileiro, com investimentos voltados ao desenvolvimento local.

e cumprir a exigência estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de

2008, que exige a observância da diretriz de redução das desigualdades – nesse

caso regional - por parte de bancos públicos de fomento.

O Banco precisa incluir os critérios apresentados a seguir como cláusulas que devem

ser consideradas para a aprovação de projetos.

EIXO 3 Critérios

21

2. Ambientais

A questão ambiental brasileira é similar à distribuição da renda ou

da propriedade da terra: os recursos ambientais são distribuídos

de forma profundamente desigual. De um lado, um punhado de

empresas controla o acesso e uso das águas, fl orestas, biodiversidade

e demais recursos essenciais à vida. De outro, pequenos agricultores/

as familiares, pescadores/as, indígenas, quilombolas e outras

populações tradicionais são excluídos desse acesso. Grandes projetos

agro-fl orestais, mínero-metalúrgicos, pesqueiros, monocultores e de

infra-estrutura reduzem os recursos naturais e as populações locais

a possibilidades de lucro. Enquanto os lucros são privados – fi cam

na mão de poucos - os custos são distribuídos socialmente. São

as populações mais vulneráveis que mais enfrentam os impactos

ambientais negativos: poluição, lixo, rejeitos tóxicos, enchentes e secas

resultantes das mudanças no clima, por exemplo. Isso é consequência

do modelo de desenvolvimento que busca a “inserção competitiva” do

Brasil no mundo através da exportação de produtos que dependem

da exploração dos recursos naturais. Apesar disso – ou exatamente

por causa disso - a política ambiental do BNDES é limitada ao

cumprimento da lei, ou seja, à existência de licenciamento ambiental.

Conseqüentemente, o Banco tem apoiado projetos que usam muita

energia e recursos naturais com irrecuperáveis impactos ambientais. O

Banco precisa:

a exigir o cumprimento de rígidos e efi cientes critérios socioambientais

antes de liberar recursos e incluir os impactos socioambientais na

avaliação dos custos e retornos dos investimentos.

b adotar as sugestões da Comissão Mundial de Barragens – que avaliou os

impactos negativos econômicos e socioambientais das barragens.

c negar fi nanciamentos a empresas suspeitas de grilagem de terras

públicas, como as identifi cadas pela Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI) Mista da Grilagem de Terras, bem como às que ferem a

legislação sobre a proteção das terras indígenas e de quilombolas.

d ter estatuto especial para atividades potencialmente predatórias

como mineração, indústria madeireira, pesca industrial, agroindústria

de exportação, carcinicultura, geração de energia (hidrelétricas),

indústrias eletro-intensivas e de agroenergia.

21

2222

3. Climáticos

Os impactos socioambientais e econômicos decorrentes das mudanças climáticas

exigem que o combate à suas causas façam parte de todos os processos e

produtos relacionados aos fi nanciamentos do BNDES. Assim sendo, o Banco deve:

a considerar, nos pedidos de fi nanciamento, o indicador de emissão de carbono e outros

gases. Empresas com altos indicadores não devem receber fi nanciamento do Banco.

b negar fi nanciamento a produtores de combustíveis fósseis ou monocultivos que

resultam em grandes desmatamentos (lembrando que no Brasil 75% das emissões

de gases que causam mudanças no climam provêm do desmatamento).

c promover uma re-organização da indústria, da produção de energia, do transporte e

dos padrões de consumo capitalistas, estimulando o controle público desses setores.

d realizar um fi nanciamento massivo em projetos de energia renovável, efi ciência

energética, de transporte coletivo de massa e ciclovias.

4. Gênero e Raça/Etnia

Dados estatísticos e pesquisas mostram a existência de um grave quadro

de desigualdade de gênero, raça e etnia na sociedade brasileira. Vivemos

uma verdadeira segregação que afeta toda a sociedade e é sustentada pelas

instituições políticas e sociais. É impossível pensar uma política de fi nanciamento

do desenvolvimento sem considerar que essas questões são estruturadoras das

desigualdades no País. Nesse sentido, o Banco deve:

a apresentar para a sociedade civil as medidas já adotadas, e ainda por tomar, para

aplicar a diretriz de redução das desigualdades, conforme determina a LDO de

2008 (observar a diretriz de redução das desigualdades de gênero, raça, etnia,

geracional, regional e de pessoas com defi ciência, publicar relatório anual do

impacto de suas operações de crédito no combate às desigualdades mencionadas

acima e não fi nanciar instituições cujos diretores foram condenados por assédio

moral, racismo ou trabalho escravo) e criar mecanismos de monitoramento,

participação e controle social em relação ao cumprimento dessas diretrizes.

23

b vincular a liberação dos empréstimos à avaliação de impactos nas desigualdades e

fi nanciar projetos que favoreçam a igualdade.

c estabelecer critérios de gênero e raça na contratação, promoção e política salarial

dos seus próprios funcionários, inclusive através de ações afi rmativas.

d fi nanciar projetos que fortaleçam os povos e comunidades indígenas e tradicionais

nos aspectos econômicos e culturais, em áreas estratégicas, como educação,

saúde, e do uso, manejo e conservação dos territórios e dos recursos naturais. Para

isso, o Banco precisa criar critérios para garantir que os investimentos não exijam

ou resultem em uma transformação cultural desses povos.

5. Trabalho e Renda

O BNDES afi rma que os projetos que fi nancia geram mais empregos do que os que

não recebem empréstimos. No entanto, para ir além disso, o Banco precisa:

a incluir uma avaliação de como a renda média dos trabalhadores muda.

b diminuir fi nanciamentos a empresas que contratam outras empresas

(subcontratam ou terceirizam) para desenvolver seus produtos e/ou serviços.

No caso de empresas do agronegócio, o Banco precisa saber se elas contratam

produtos da agricultura familiar e, se sim, garantir que o preço pago seja justo.

c exigir que as empresas que recebem fi nanciamento têm e cumprem metas de

criação de empregos formais, respeitam a sindicalização e a organização no local

de trabalho, além de controlar a terceirização e a precarização do trabalho.

d considerar as condições de trabalho como critério para a aprovação de novos

projetos. Isso é urgente por causa da expansão da produção do etanol.

23

Segundo dados do Ministério do Trabalho e

Emprego, nos últimos cinco anos, somente

em São Paulo, 1.383 trabalhadores do corte

de cana morreram por causa das péssimas

condições de trabalho.

24

O BNDES precisa redefi nir suas prioridades a partir das políticas apresentadas:

1. Infra-estrutura social

O BNDES investiu em dez anos (1997-2006), de um total de R$ 312 bilhões,

apenas R$ 1,9 bilhão em saúde e serviço social (0.6%), R$ 1,5 bilhão em

educação (0.4%) e R$ 687,5 milhões em saneamento (0,02%). A falta de

informações não permite uma avaliação da qualidade dos projetos fi nanciados,

nem como as escolhas foram feitas. No entanto, os programas do Banco nessa

área devem ser redesenhados com urgência, buscando a solução de problemas

estruturais que impedem o desenvolvimento. Neste sentido, o Banco deve:

a privilegiar o fortalecimento das empresas públicas que fornecem bens e serviços

sociais e não fi nanciar projetos relacionados à privatização desses serviços e bens.

b ter canais efetivos de interlocução com os órgãos do governo que formulam as

políticas públicas de infra-estrutura social para garantir que os investimentos do

BNDES seguem suas diretrizes.

c incluir os aspectos sociais - e não apenas os econômicos - na análise dos

investimentos.

2. Descentralização do Crédito

Atualmente, o BNDES considera mais a capacidade de endividamento do que as

garantias de que o projeto será inserido na dinâmica socioeconômica local. Além

disso, o Banco trata cooperativas de crédito (que repassam os seus recursos), da

mesma forma que trata outros bancos, como o Bradesco – que é hoje o principal

agente fi nanceiro do BNDES em termos de volume de recursos. Nestes termos, o

BNDES deve:

EIXO 3 Políticas Setoriais

25

a fi nanciar mais projetos de associações e cooperativas de trabalhadores/as,

além de oferecer melhores condições de acesso ao crédito.

b fomentar os fundos solidários que apoiam micro-empresas e articular melhor

seus créditos com outras iniciativas de crédito do governo.

3. Desenvolvimento Rural Agroecológico

Atualmente, o BNDES prioriza o fi nanciamento do modelo agrícola

exportador que, centrado na monocultura, desloca e inviabiliza a vida

de milhares de pequenos produtores/as rurais e populações indígenas

e tradicionais. Para mudar esse modelo, o Banco deve considerar a

importância da agricultura familiar a partir do que já existe como prática de

desenvolvimento rural e o que poderia existir, caso o Banco mudasse seus

fi nanciamentos. O Banco deve, então:

a fi nanciar projetos de agroecologia – objetivando fortalecer a soberania

alimentar - combinados com um programa amplo de formação, assistência

técnica e extensão rural.

b investir diretamente em cooperativas de produção de agricultura familiar, no

âmbito da economia solidária. Esses investimentos devem estar vinculados

à produção de alimentos e possibilitar ao produtor a venda direta de seus

produtos.

c ampliar e direcionar os recursos do Fundo Social e do Funtec para a

população rural.

d reorientar o fi nanciamento a empresas monocultoras – celulose, soja, cana de

açúcar - em favor de uma agropecuária social e ambientalmente justa, voltada

para o mercado interno, e de projetos de conservação e manejo fl orestal.

e realizar uma auditoria independente – com participação de organizações

sociais – sobre o fi nanciamento para o setor de papel e celulose (responsável

por graves confi tos socioambientais) realizado pelo Banco.

2626

4. Energia e Clima

Para o BNDES, o investidor em energia é apenas mais um lucrativo

tomador de empréstimo, não considerando a relação do setor com o

tipo de desenvolvimento que se produz. Transformar o atual modelo de

desenvolvimento, demanda que o Banco adote compromissos que respeitem

o meio ambiente como herança da humanidade e a vida das suas populações.

Neste sentido, o Banco deve:

a se comprometer em não fi nanciar a expansão da energia nuclear.

b como já mencionado, considerar, nos pedidos de fi nanciamento, o indicador de

emissão de carbono e outros gases de efeito estufa.

c condicionar os fi nanciamentos para novas usinas hidrelétricas à implementação

de critérios socioambientais. Dessa forma, empresas envolvidas em confl itos

socioambientais pendentes não deverão receber novos fi nanciamentos.

d apostar estrategicamente em energia eólica, solar e biomassa e fi nanciar a sua

viabilidade técnica e econômica.

e redefi nir os critérios de inscrição de projetos do Programa de Incentivo às Fontes

Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) para possibilitar o acesso de pequenas

empresas aos recursos.

Produtos de exportação e consumo de energia

Em 2004, os setores alumínio, siderurgia, ferroligas e o de papel e celulose consumiram

mais de 1/3 do consumo de energia industrial do Brasil, o que representa 17,4% do

consumo total de eletricidade no País. No mesmo ano, 71,3 % do alumínio foi destinado

à exportação. No caso de ferroliga, 45,3% da produção foi exportada. Siderurgia exportou

63,6%, celulose 51% e papel 22% de suas produções. Essas exportações consumiram

2727

f fi nanciar a poupança de energia e a produção de equipamentos e

eletrodomésticos efi cientes.

g fi nanciar projetos de repotenciação e efi ciência da geração energética das

hidrelétricas já instaladas no Brasil.

h considerar a energia que se gasta para produzir os produtos de exportação.

Durante o quase apagão de 2001, todas as indústrias que dependem de muita

energia não tiveram que deixar de produzir ou vender seus produtos. Assim, é

preciso reduzir o fi nanciamento a esse tipo de empresa (produtora de alumínio

primário; siderúrgica; de ferroligas; e de papel e celulose), em articulação com a

política energética nacional. O crédito e as condições de fi nanciamento a essas

empresas deverá se coordenar com outras demandas energéticas, com prioridade

ao atendimento às necessidades mais básicas da população brasileira e a cadeias

de produção intensivas em utilização de mão de obra, desde que respeitados

todos os critérios socioambientais.

5. Integração Regional

O BNDES é hoje um instrumento de política externa do Brasil, tendo signifi cativa

infl uência política e fi nanceira fora do País através de iniciativas chamadas de

“integração regional”. Em vez de estimular a complementaridade entre os

países da América Latina e Caribe, as iniciativas do BNDES são, na verdade,

voltadas para garantir a forte presença do Brasil no mercado internacional –

pois fi nanciam a exportação de produtos e serviços brasileiros - e atender às

demandas desse mercado. Como ocorre aqui, os fi nanciamentos do Banco para

os outros países nessa área são determinados exclusivamente pelo aumento

dos lucros das empresas privadas que tomam o crédito, sem consideração pelos

impactos socioambientais e culturais dos projetos.

44,7% da energia total contida nos produtos, ou seja, metade da energia consumida

por esses setores é destinada à exportação. Além disso, a geração de emprego e renda

nesses setores é muito baixa em relação ao consumo de eletricidade. O setor de alumínio,

por exemplo, gera 0,7 emprego por cada GWh de energia elétrica, enquanto o setor de

alimentos e bebidas gera 57,9 8.

8. BERMAN, C. A Matriz Energética. In FURTADO, F (org). O BNDES que temos e o que queremos: o papel do BNDES no fi nanciamento do desenvolvimento nacional democrático, São Paulo: Editora Expressão Popular, 2007.

2828

Assim sendo, a integração que o BNDES deve fi nanciar precisa:

1 promover a conquista de espaços de autonomia e soberania para

que cada país possa defi nir suas próprias políticas públicas.

2 promover valores de igualdade, participação, pluralidade,

complementaridade e solidariedade.

3 recuperar e construir outras formas de relação com a natureza que

não a considere como um obstáculo a ser superado, explorado e

destruído.

4 superar a lógica do endividamento que subordina os países

chamados de devedores.

5 ir muito além de uma integração pensada como área de livre

circulação de mercadorias.

Para tanto, o Banco deve:

a criar mecanismos de participação, monitoramento e controle social,

por parte das organizações sociais dos países afetados, para uma

discussão coletiva das propostas de fi nanciamento à integração.

b apoiar projetos que fortaleçam a integração regional e intra-

regional, promovendo o avanço da ciência e tecnologia; intercâmbio

cultural; comunicação; e economia solidária, dentre outros.

c basear os projetos de integração física e energética nas

necessidades locais e regionais e no respeito ao meio ambiente e às

populações locais.

d apoiar a criação de novos instrumentos regionais de fi nanciamento

soberano.

e cumprir todas as exigências da Plataforma também para os projetos

fi nanciados fora do País.

29

Além das reivindicações anteriormente citadas, a articulação

Plataforma BNDES também apresentou ao Banco uma agenda de

curto prazo, destacada da agenda completa. Essa agenda de curto

prazo envolve:

1 a publicação na página eletrônica do Banco da lista de todos os

projetos – incluindo os privados - que receberam fi nanciamento

direto do BNDES, de acordo com os critérios sugeridos no

documento completo (eixo 1). Como já mencionado, o Banco

publicou a lista dos cinqüenta maiores projetos dos seus quatro

setores do ano de 2007. No entanto, é preciso avançar porque as

informações divulgadas não incluem tudo que foi solicitado e não

permitem um efetivo controle social.

2 iniciar um debate com o Banco sobre a aplicação das exigências da

LDO de 2008 no que diz respeito à redução das desigualdades.

3 a criação de um espaço de interlocução (eixo 2) diretamente

vinculado à Presidência do Banco, com superintendentes de

todas as áreas, e não somente de uma diretoria, para debater as

agendas propostas pela Plataforma. Até o momento, o diálogo vem

ocorrendo com o gabinete do presidente Luciano Coutinho, mas

ainda não com os superintendentes das diferentes áreas do Banco.

4 debater a atuação do Banco no fi nanciamento às seguintes áreas:

saneamento, etanol, papel e celulose, integração regional e

hidrelétricas. O setor de etanol já está sendo debatido com o Banco.

PRÓXIMOS PASSOS

30

Avanços importantes foram conquistados por esta articulação no que diz respeito

ao diálogo com o BNDES. No entanto, o modelo de desenvolvimento promovido

pelo Banco continua sendo baseado no crescimento econômico de alguns agentes

fi nanceiros privados, com altos custos socioambientais para a maioria da sociedade

brasileira e dos outros países onde o Banco, crescentemente, atua.

O BNDES continua muito longe de promover justiça socioambiental. Pelo contrário,

com seu orçamento gigantesco, serve como instrumento para tornar o Brasil e a

América do Sul em um canteiro de obras de infra-estrutura e uma plataforma de

exportação de produtos, que dependem da exploração injusta de recursos naturais e

mão-de-obra barata. Esse modelo não só inviabiliza a vida de milhões de agricultores

e agricultoras familiares, populações indígenas e quilombolas, mas a vida como ela é.

No momento em que uma das piores crises ecológicas afeta a humanidade –

as mudanças climáticas (resultado direto do modelo capitalista de produção e

consumo), o BNDES continua promovendo o fi nanciamento de projetos que

dependem da destruição ambiental.

Em linhas gerais, o BNDES deve impor rígidos critérios socioambientais, raciais,

étnicos, geracionais, de gênero e regionais aos seus empréstimos para superar

qualquer tipo de desigualdade e atender às necessidades históricas do País.

Ou seja, o BNDES deve promover um novo projeto de desenvolvimento.

Por enquanto, o BNDES que temos ainda não é o que queremos. E isso só será

revertido com muita mobilização e pressão social.

Para acessar a Plataforma BNDES: www.rbrasil.org.br

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Edifício Venâncio 2000 SCS Qd 08 . Bloco B-50 . salas 415/41770333-970 . Brasilia . DF . Brasilt +55 61 3321.6108www.rbrasil.org.br

A Rede Brasil é uma rede de organizações, centros acadêmicos, sindicatos e movimentos

sociais da sociedade civil brasileira, sem fi ns lucrativos, não partidária e com fi nalidade

pública. Fundada em 1995, a Rede Brasil reúne atualmente 82 organizações fi liadas

com o objetivo comum de acompanhar e intervir em questões relativas às ações de

Instituições Financeiras Multilaterais no Brasil, tais como o Grupo Banco Mundial (GBM),

o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional

(FMI). Além disso, monitora as ações de outros agentes fi nanceiros, como o Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), buscando um fi nanciamento

ao desenvolvimento capaz de superar situações de pobreza e as desigualdades de renda,

raça, gênero, etnia, regionais e geracionais.

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Edifício Venâncio 2000 SCS Qd 08 . Bloco B-50 . salas 415/417

70333-970 . Brasilia . DF . Brasilt +55 61 3321.6108www.rbrasil.org.br