BMS_Zéa por Aurélia Cabrita
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Adeus “Zéa”… Até sempre …
Foi numa manhã escura deste mês de novembro que soube da triste notícia. A Maria
José, ou simplesmente Maria, ou ainda Zéa, como era carinhosamente tratada pelos
amigos, faleceu a 21 de outubro, tinha 46 anos… Fiquei incrédulo, sempre fui defensor
que as más notícias correm depressa e chegam a todo o lado. Porém, assim não sucedeu.
A Maria trabalhava na Biblioteca Municipal de Silves, desde há vários anos. Conheci-a
ainda nas instalações do velho torreão mourisco, na sala que serviu durante séculos para
as sessões da Câmara Municipal. Estávamos em 2002 e a biblioteca, pelo espaço
inapropriado que ocupava, estava um pouco moribunda. Na verdade aquelas instalações
não se coadunavam com uma biblioteca dos nossos dias e por isso eram poucos os
utilizadores. Ao fundo, na segunda sala, à esquerda, encontrava-se a Maria José e o
Carlos, eram eles os guardiões daquele espaço, defensores das centenas de livros que
preenchiam os antigos móveis. As minhas deslocações à biblioteca eram frequentes,
havia iniciado o estágio na Câmara de Silves, mas como não tinha computador, utilizava
o da biblioteca, e pelo meio havia sempre dois dedos de conversa. A Maria José era uma
pessoa diferente, desde logo alta e forte, depois muito dinâmica, ativa e frontal, porém
extremamente sensível. Talvez quem a conhecesse pouco a julgasse antipática, mas não
o era de todo. Era sim uma pessoa especial, dias havia que irradiava alegria, outros
porém encontrava-se melancólica e triste, mas quando chegava a hora do conto e
dezenas de crianças entravam portas a dentro, a Maria transmutava-se, e aquela mulher
alta e forte não era mais que uma criança no meio de muitas outras a contar histórias
que maravilhavam os petizes. Os seus olhos, nesses momentos, cintilavam e refulgiam
alegria e felicidade, a Maria José era agora uma outra pessoa.
Os assuntos de que falávamos eram variados, todavia o tempo era tema recorrente, não
só o atmosférico, mas o próprio tempo em si, e a velocidade com que os meses e as
semanas passavam. Quando em 2004 saí da Câmara fiz questão de subir, pela derradeira
vez, as velhas escadas do torreão para me despedir da Maria. Após algumas
lamentações e incompreensões que me confidenciou, desejei-lhe felicidades e que se
concluíssem rapidamente as obras da nova biblioteca. Estive vários anos sem a ver. Há
cerca de um ano voltámos a encontrar-nos, num sábado à tarde, na novel biblioteca.
Ainda a porta não se tinha fechado já a Maria advertia: “tem piada, tenho-me lembrado
de si!”. “De mim”- atalhei. “Sim, pelo tempo. Já viu como passa depressa? O eng. tinha
razão, lembra-se?”… Ali matámos saudades e logo a felicitei pelo magnífico espaço que
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agora ocupava, mas, um pouco cabisbaixa, foi-me dizendo: “mas sabe temos vindo a
perder leitores”. Voltei-me a cruzar com ela, recentemente, no mesmo local, não
imaginava que seria a última vez que a via. Conforta-me imaginar que Maria não partiu.
Numa tarde enquanto conversávamos acerca do espólio do Dr. Garcia Domingues, que a
própria conhecera, e que ocupava alguns móveis no secular torreão, advertiu-me que
apesar daquele iminente arabista ter falecido, a sua energia ainda se sentia naquela sala,
onde ele se deslocava com regularidade. Creio pois que da mesma forma a energia de
Maria se encontra atualmente não só na biblioteca, como em cada criança que a ouviu
contar histórias, daquela forma que só ela sabia fazer, ou ainda em cada familiar e
amigo. Quis o destino que o tempo, sobre o qual tantas vezes conversámos, fosse ainda
mais veloz para Maria e que esta desaparecesse tão rápida e repentinamente. Contudo e
tal como nos contos de encantar, ao nascer de cada noite, uma nova estrela brilha agora
no céu, ela é a Maria José, ou simplesmente a Maria, ou melhor a Zéa. Até sempre.
Aurélio Nuno Cabrita