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DOI: 1030928/2527-2039e-20181947 _______________________________________________________________________________________Relato de caso _____________________________________ 1 Hospital Universitário do Oeste do Paraná, Departamento de Cirurgia Geral, Cascavel, PR, Brasil; 2 Hospital Universitário do Oeste do Paraná, Departamento de Cardiologia, Cascavel, PR, Brasil. Relatos Casos Cir. 2018;4(4):e1947 BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR TOTAL APÓS TRAUMA CARDÍACO CONTUSO COMPLETE ATRIOVENTRICULAR BLOCK AFTER CARDIAC BLUNT INJURY Fernando Spencer Netto, TCBC-PR¹; José Fernando Martins²; Frederico Adatihara Filho¹; Rafael Franzon². INTRODUÇÃO da vez mais treinados, tanto no atendimen- As descrições de lesões cardíacas são to pré-hospitalar quanto no hospitalar 1,2 . conhecidas há milênios. Desde o Papiro de O trauma torácico é responsável por Edwin Smith, em 3000 a.C., um dos pri- 20 a 25% das causas de mortes por trau- meiros relatos deste tipo de lesão, até o fi- ma 3,4 . Kulshrestha et al 5 , revelam que as nal do século XIX 1 . O tratamento passou da lesões cardíacas foram responsáveis por observação clínica, em 1800, até a agressi- 41% das mortes ocasionadas por trauma va terapia operatória na virada do século. torácico. Observa-se uma tendência mundial em O trauma cardíaco contuso pode aumentar a sobrevida geral do traumatismo aparecer na forma de arritmias, sendo co- cardíaco devido à existência de serviços ca- muns as ectopias ventriculares. Taquicar- RESUMO O trauma cardíaco contuso tem um espectro largo de apresentação, que varia do paciente assinto- mático com alteração laboratorial à ruptura cardíaca. Um homem de 45 anos, sem antecedentes de doença cardíaca, foi atendido no Pronto-Socorro de um hospital terciário após acidente automobi- lístico. Ao final do atendimento inicial do paciente, havia o diagnóstico traumatismo cranioencefáli- co (TCE) leve e trauma torácico fechado com pneumotórax bilateral, sendo realizada drenagem to- rácica tubular fechada com selo d´água bilateralmente na sala de emergência. Evoluiu com bradi- cardia, piora da perfusão periférica e hipotensão, sendo realizado um eletrocardiograma (ECG) que demostrou um Bloqueio Átrio Ventricular Total (BAVT), sendo realizado um implante de marcapas- so provisório transvenoso (MPT). Paciente evoluiu bem, retornando a ritmo sinusal após um período de 24 horas da sua admissão. O MPT foi retirado no terceiro dia de internação hospitalar, quando o paciente recebeu alta. Médicos que são responsáveis pelo atendimento inicial do paciente traumati- zado devem estar atentos à possibilidade da contusão miocárdica bem como, a variabilidade de sua apresentação clínica. Descritores: Contusões Miocárdicas. Acidentes de Trânsito. Arritmias Cardíacas. Bloqueio Atrio- ventricular. ABSTRACT Blunt cardiac trauma has a broad spectrum of presentation, ranging from the asymptomatic pa- tient with laboratory abnormality to cardiac rupture. A case of a patient with total atrioventricular block (AVBT) secondary to myocardial contusion is described. A 45-year-old man, with no history of heart disease, was seen at the emergency room of a tertiary hospital after a car accident. At the end of the initial patient care, there was a diagnosis of mild traumatic brain injury (TBI) and closed tho- racic trauma with bilateral pneumothorax, and closed tubular thoracic drainage with water seal bilaterally in the emergency room. It evolved with bradycardia, worsening of peripheral perfusion and hypotension, and an electrocardiogram (ECG) was performed that demonstrated a BAVT, and a transient pacing (MPT) implant was performed. Patient progressed well, returning to sinus rhythm after a period of 24 hours of admission. MPT was withdrawn on the third day of hospital stay, when the patient was discharged. Physicians who are responsible for the initial care of the trauma pa- tient should be aware of the possibility of myocardial contusion as well as the variability of their clinical presentation. Keywords: Myocardial Contusions. Accidents, Traffic. Arrhythmias, Cardiac. Atrioventricular Block.

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DOI: 1030928/2527-2039e-20181947 _______________________________________________________________________________________Relato de caso

_____________________________________ 1 Hospital Universitário do Oeste do Paraná, Departamento de Cirurgia Geral, Cascavel, PR, Brasil;2 Hospital Universitário do Oeste do Paraná, Departamento de Cardiologia, Cascavel, PR, Brasil.

Relatos Casos Cir. 2018;4(4):e1947

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR TOTAL APÓS TRAUMA CARDÍACO CONTUSO

COMPLETE ATRIOVENTRICULAR BLOCK AFTER CARDIAC BLUNT INJURY

Fernando Spencer Netto, TCBC-PR¹; José Fernando Martins²; Frederico Adatihara Filho¹; Rafael Franzon².

INTRODUÇÃO da vez mais treinados, tanto no atendimen-

As descrições de lesões cardíacas são to pré-hospitalar quanto no hospitalar1,2. conhecidas há milênios. Desde o Papiro de O trauma torácico é responsável por Edwin Smith, em 3000 a.C., um dos pri- 20 a 25% das causas de mortes por trau-meiros relatos deste tipo de lesão, até o fi- ma3,4. Kulshrestha et al5, revelam que as nal do século XIX1. O tratamento passou da lesões cardíacas foram responsáveis por observação clínica, em 1800, até a agressi- 41% das mortes ocasionadas por trauma va terapia operatória na virada do século. torácico. Observa-se uma tendência mundial em O trauma cardíaco contuso pode aumentar a sobrevida geral do traumatismo aparecer na forma de arritmias, sendo co-cardíaco devido à existência de serviços ca- muns as ectopias ventriculares. Taquicar-

RESUMO O trauma cardíaco contuso tem um espectro largo de apresentação, que varia do paciente assinto-mático com alteração laboratorial à ruptura cardíaca. Um homem de 45 anos, sem antecedentes de doença cardíaca, foi atendido no Pronto-Socorro de um hospital terciário após acidente automobi-lístico. Ao final do atendimento inicial do paciente, havia o diagnóstico traumatismo cranioencefáli-co (TCE) leve e trauma torácico fechado com pneumotórax bilateral, sendo realizada drenagem to-rácica tubular fechada com selo d´água bilateralmente na sala de emergência. Evoluiu com bradi-cardia, piora da perfusão periférica e hipotensão, sendo realizado um eletrocardiograma (ECG) que demostrou um Bloqueio Átrio Ventricular Total (BAVT), sendo realizado um implante de marcapas-so provisório transvenoso (MPT). Paciente evoluiu bem, retornando a ritmo sinusal após um período de 24 horas da sua admissão. O MPT foi retirado no terceiro dia de internação hospitalar, quando o paciente recebeu alta. Médicos que são responsáveis pelo atendimento inicial do paciente traumati-zado devem estar atentos à possibilidade da contusão miocárdica bem como, a variabilidade de sua apresentação clínica. Descritores: Contusões Miocárdicas. Acidentes de Trânsito. Arritmias Cardíacas. Bloqueio Atrio-ventricular.

ABSTRACT Blunt cardiac trauma has a broad spectrum of presentation, ranging from the asymptomatic pa-tient with laboratory abnormality to cardiac rupture. A case of a patient with total atrioventricular block (AVBT) secondary to myocardial contusion is described. A 45-year-old man, with no history of heart disease, was seen at the emergency room of a tertiary hospital after a car accident. At the end of the initial patient care, there was a diagnosis of mild traumatic brain injury (TBI) and closed tho-racic trauma with bilateral pneumothorax, and closed tubular thoracic drainage with water seal bilaterally in the emergency room. It evolved with bradycardia, worsening of peripheral perfusion and hypotension, and an electrocardiogram (ECG) was performed that demonstrated a BAVT, and a transient pacing (MPT) implant was performed. Patient progressed well, returning to sinus rhythm after a period of 24 hours of admission. MPT was withdrawn on the third day of hospital stay, when the patient was discharged. Physicians who are responsible for the initial care of the trauma pa-tient should be aware of the possibility of myocardial contusion as well as the variability of their clinical presentation. Keywords: Myocardial Contusions. Accidents, Traffic. Arrhythmias, Cardiac. Atrioventricular Block.

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dias supraventriculares, como a fibrilação atrial, são também frequentes dentro das primeiras 24 horas do trauma. Já as bradi-arritmias são infrequentes como nessa si-tuação, sendo o Bloqueio Átrio Ventricular Total (BAVT) uma entidade rara6. Relata-se um caso de BAVT secun-dário a trauma cardíaco contuso em aci-dente automobilístico, no qual o pronto re-conhecimento e imediato tratamento da entidade foram capazes de estabilizar o pa-ciente e reverter o iminente risco de óbito.

RELATO DO CASO

A.S., 45 anos, masculino, foi admiti-do no Pronto-Socorro de Hospital terciário após acidente de moto, trazido pelo serviço de atendimento ao Trauma e Emergência. Na avaliação inicial foi percebido: A: Vias aéreas pérvias, com órtese cervical, em tá-bua rígida; B: Expansibilidade torácica di-minuída, FR: 28/min, dispneico, SO2: 99% com oxigênio suplementar. Murmúrio vesi-cular diminuído bilateralmente, com tora-cocentese de alívio em hemitórax esquerdo. Radiografia de tórax demonstrou pneumo-tórax bilateral; C: Pressão Arterial: 110/80 mmHg; Frequência Cardíaca: 38/min, boa perfusão periférica, pulsos periféricos chei-os palpáveis, abdome flácido, indolor à pal-pação e pelve estável; D: Escala de coma de Glasgow:14, pupilas isocóricas e fotorrea-gentes; E: Lesão contusa em joelho e perna direitas, hematoma em região clavicular esquerda, sangramento inativo em região oral. Posteriormente foi esclarecido que o paciente era hígido, sem comorbidades ou medicações de uso contínuo.

Durante o atendimento inicial foi realizado drenagem torácica fechada bilate-ral e reposição volêmica. Mantendo-se es-tável, foi transportado para exames de ima-gem. Tomografia de tórax demonstrou pneumotórax bilateral com correto posicio-namento dos drenos torácicos bilaterais e derrame pericárdico leve. Tomografia de crânio estava normal e TC de coluna lom-bar demonstrou fratura de vértebra L4.

Dentre os exames laboratoriais da admissão, o hemograma, dosagem de ele-trólitos, ureia e creatinina revelaram-se normais. Marcadores enzimáticos séricos elevados. Creatina fosfoquinase (CPK): 600 U/L[Valor Referência (VR): 32 a 294 U/L]; Creatinoquinase cardíaca (CKMB): 44 U/L (VR: até 25 U/L); Troponina T= 1,3 ng/ml (VR: até 0,01 ng/ml); Transaminase Glutâ-

mica Oxalacética (TGO): 102 U/L (VR: até 40 U/L).

Após 60 minutos da admissão, paci-ente persistia bradicárdico, com piora da perfusão periférica e hipotensão. Apresen-tou então, rebaixamento do nível de consci-ência (escala de coma de Glasgow: 8), oligú-ria, necessitando de droga vasoativa (nora-drenalina). Realizado eletrocardiograma (ECG) que demostrou BAVT (Figura 1, pri-meiro Eletrocardiograma do paciente), justi-ficando os sintomas de baixo débito. Houve realização de atropina endovenosa, pela equipe de Emergência, sem resposta. Após esses procedimentos, foi contactado a equi-pe de Cardiologia, que realizou implante de marcapasso provisório transvenoso (MPT).

Figura 1. Eletrocardiograma. Na figura 2, o eletrocardiograma

após a instalação de marcapasso transve-noso e a partir de então, o desmame de droga vasoativa foi gradual até a retirada total da droga 12h após a instalação do marcapasso.

Figura 2. Eletrocardiograma

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Após 18 horas da admissão hospita-lar, o paciente encontrava-se em escala de coma de Glasgow: 15, estável hemodinami-camente sem droga vasoativa, com satisfa-tória diurese e com retorno ao ritmo sinusal normal próprio (Figura 3).

Figura 3. Eletrocardiograma. No terceiro dia de internação foi reti-

rado o MPT e os drenos torácicos bilateral, seguido de alta hospitalar.

Na avaliação ambulatorial realizada 15 dias após a alta hospitalar, paciente en-contrava-se assintomático e o exame de ECG não apresentava bloqueios atrioventri-culares ou arritmias significativas, sendo similar ao do dia da alta hospitalar. DISCUSSÃO O acometimento cardíaco em traumas torácicos fechados é relativamente frequente e suas consequências incluem desde as lesões imperceptíveis e com pouca significância clínica, até comprometimento importante da função cardíaca. O traumatismo fechado de tórax pode ainda produzir lesão cardíaca de in-tensidade variável, caracterizando a contu-são miocárdica. As consequências podem ser: distúrbios no sistema de condução, arritmias, redução do débito cardíaco, tam-ponamento cardíaco, ruptura de miocárdio ou válvulas. Deve-se suspeitar de acometi-mento cardíaco quando a vítima do trauma apresenta contusão torácica com ou sem fratura esternal ou mecanismo de lesão compatível7. Acidentes com veículo motorizados, em especial desaceleração contra volantes, são a causa mais comum de lesão cardíaca fechada em pacientes com trauma. Outras formas desse trauma incluem quedas, aci-dentes esportivos e pontapés de animais8.

Traumatismos torácicos como golpes ou lesões não penetrantes na região toráci-ca, podem ainda causar fibrilação ventricu-lar e morte súbita, caracterizando o commo-tio cordis. Essa condição causa aproxima-damente 20% das mortes súbitas em atle-tas jovens nos Estados Unidos, estando relacionada a esportes como beisebol, hó-quei no gelo, futebol e artes marciais6.

O conceito de contusão miocárdica é complexo e diverge entre os autores. Essa entidade é a resultante do aparecimento de sinais clínicos, laboratoriais enzimáticos, eletrocardiográficos e ecocardiográficos de envolvimento miocárdico. Segundo Meira e colaboradores, tem por definição a lesão provocada por transferência de alta energia ao precórdio, com representatividade clínica e laboratorial. Acomete preferencialmente o ventrículo direito e septo ventricular, po-dendo levar a aumento das enzimas cardía-cas e alterações variadas no eletrocardio-grama e ecocardiograma9.

A maior dificuldade do traumatismo cardíaco contuso está relacionada às defi-nições. Segundo alguns autores, contusão miocárdica é um termo inespecífico e que deveria ser abandonado6. Sugere-se então, nomear trauma cardíaco contuso e a lesão correspondente. Quando esse trauma se associa a arritmia, demonstrada pelo ECG, pacientes devem ser internados por mínimo de 48 horas para monitorização e tratamen-to. O mecanismo dessas arritmias pode ser secundário a micro hemorragias, isquemia e anormalidades hidroeletrolíticas6.

Não foram demonstradas correlações entre as dosagens séricas das enzimas car-díacas e a identificação da entidade ou prognóstico do trauma cardíaco. Portanto, as determinações das enzimas cardíacas têm valor limitado para diagnóstico ou prognóstico. Quanto ao ecocardiograma transtorácico, sua utilidade atual é visuali-zar sangramento intrapericárdico, que pode sugerir ruptura de câmara. Para visualiza-ção de achados mais sutis, como anormali-dades do movimento da parede da válvula ou do septo, o ecocardiograma transesofá-gico é o exame mais sensível e o mais usa-do para trauma cardíaco fechado10.

Independentemente da definição uti-lizada para o trauma cardíaco contuso, esta entidade torna-se importante somente quando associada a sintomas significativos, tais como arritmias, hipotensão, defeitos anatômicos, como valvular, septal ou rup-

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tura de parede livre. As alterações eletro-cardiográficas têm sido relatadas como forma mais sensível para detecção de con-tusão miocárdica10.

Todo trauma torácico contuso traz risco de 20% de trauma cardíaco associado. As arritmias mais comuns são taquicardia sinusal e fibrilação atrial, seguidas de blo-queio de ramo direito, estando BAVT, ta-quicardia ventricular e fibrilação ventricu-lar associadas a traumas mais graves e al-gumas vezes relacionadas a distúrbios hi-droeletrolíticos, acidobásico e hipotensão durante o internamento. Por isso, pacientes vítimas de trauma cardíaco, devem ficar em observação por no mínimo 48h. Não há ne-nhuma evidência para apoiar ou contrain-dicar o uso de antiarrítmicos específicos nesta população. Porém, os médicos devem seguir a abordagem padrão para manejo de arritmias, incluindo a reposição de eletróli-tos, prevenção de hipóxia e acidose, além de medicamentos antiarrítmicos e desfibri-lação, se necessário. Embora muito raro e com poucos casos na literatura descritos, bloqueio atrioventricular completo persis-tente pode ocorrer e exigir implante de marcapasso temporário ou definitivo11.

Segundo Pearce e colaboradores, qualquer arritmia pode acontecer em paci-entes pós-trauma cardíaco contuso, sendo a forma mais comum complexos ventricula-res prematuros (CVP). Essas arritmias re-fletem o aumento da excitabilidade miocár-dica. O miocárdio lesado é eletricamente instável e pode produzir focos ectópicos de CVP, possivelmente devido a alterações no potencial de ação em relação ao restante do miocárdio ao redor ou diminuição da capa-cidade de repolarização. Há dessa forma um mecanismo deflagrador que permite circuitos de reentrada. Além disso, o trau-ma por si só eleva os níveis de catecolamina circulante12. Percebe-se que esse artigo contraria a maioria dos outros autores su-pracitados, que relatam a fibrilação atrial como a principal arritmia após contusão miocárdica.

Um estudo caso-controle avaliou a associação entre trauma torácico contuso com acometimento miocárdico e arritmias cardíacas com base em um banco de dados de todas as altas hospitalares de 33 esta-dos do Estados Unidos. Num total de 7,5 milhões de altas hospitalares, foram identi-ficados os casos em que houve associação de trauma torácico, contusão miocárdica e

arritmias. No condicional multivariada, os pacientes abaixo de 50 anos de idade diag-nosticados com contusão miocárdica ti-nham quatro vezes mais chances de desen-volver arritmia do que os pacientes sem acometimento cardíaco (95% CI, 1,40 -11,60). Entre os pacientes de 51 a 70 anos foi identificado um risco duas vezes maior (CI 95 %, 1,36 -3,82).

Viano e colaboradores realizaram um experimento avaliando alterações eletrocar-diográficas em 12 porcos anestesiados que foram submetidos a trauma torácico. Iden-tificou-se que todos os animais apresenta-ram algum tipo de distúrbio de condução. Quatro porcos apresentaram Taquicardia Ventricular (TV) com evolução para óbito. Nos demais porcos, constatou-se desde bradicardia sinusal e disfunção completa do nó sinusal com ritmos de escape, até bloqueios atrioventriculares, principalmen-te Mobitz II e BAVT13.

Como regra geral, elevação do seg-mento ST ocorre em todo o ferimento pene-trante do coração. Já em contusões mio-cárdicas, ocorrem alterações menores no segmento ST e são predominantes as arrit-mias como a fibrilação atrial, bloqueios atrioventriculares e bloqueios de ramos14. Ainda, num trauma cardíaco fechado, dis-túrbios de condução podem ocorrer, sendo o bloqueio de ramo direito o mais comum e bloqueios atrioventriculares mais raros. A incidência de distúrbio de condução varia de 8 a 76% em contusões miocárdicas. Os mecanismos fisiopatológicos do distúrbio de condução secundários a trauma cardíaco incluem lesão do miocárdio por microhe-morragias ou lesão de tecidos de condução especializados; liberação local de substân-cias metabólicas com efeitos depressores sobre o miocárdio; e aumento de reflexos colinérgicos. O bloqueio atrioventricular é raramente citado e geralmente é transitório, porém, pode levar, em alguns casos, a BAVT e assistolia15.

Logo, embora incomum, bloqueio cardíaco completo persistente que exige a colocação de marcapasso, tem sido des-crito. Tais casos podem necessitar de mar-capasso temporário e permanente11.

Existem poucos relatos de casos na literatura de BAVT após trauma cardíaco fechado. Magalhães e colaboradores relata-ram em 1997, no Brasil, um desses casos. Os autores descreveram um caso de um paciente de 57 anos, vítima de trauma to-

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rácico por coice de cavalo, com evolução para BAVT e que necessitou implante de MPT. A condução sinusal própria do referi-do paciente, foi reestabelecida no dia se-guinte, assim como o paciente descrito no presente caso7.

O desenvolvimento de BAVT após o acidente automobilístico com trauma cardí-aco gerou instabilidade miocárdica a ponto de levar a deterioração hemodinâmica com risco iminente de óbito. Assim, o pronto reconhecimento da arritmia secundária ao trauma e o rápido tratamento com o im-plante de MPT, foram capazes de reverter essa instabilidade clínica e hemodinâmica grave.

CONCLUSÃO

Conforme observado na literatura médica, nota-se que distúrbios de condu-ção e BAVT são entidades raras após trau-ma torácico, embora geralmente seja de caráter transitório, podem ocorrer compli-cações se não diagnosticado como no pre-sente relato. Logo, o médico emergencista, frente a um trauma torácico contuso, deve atentar-se sobre um possível acometimento miocárdico associado, para realizar seu rá-pido reconhecimento e tratamento. REFERÊNCIAS 1. Crawford Jr FA. Lesões cardíacas pe-

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Recebido em: 01/07/2018 Aceito para publicação: 12/09/2018 Conflito de interesses: Não Fonte de financiamento: Não Endereço para correspondência: Frederico Adatihara Filho E-mail: [email protected]

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