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Bloco 4 de INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO “OS LIVROS DA COMUNIDADE: At e Ap” Introdução: prólogo de At 1,1-5 “No meu primeiro livro, ó Teófilo já tratei de tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar, desde o princípio, até o dia em que foi elevado para o céu. Antes disso, ele deu instruções aos apóstolos que escolhera, movido pelo Espírito Santo. Foi aos apóstolos que Jesus, com numerosas provas, se mostrou vivo depois de sua paixão: durante quarenta dias apareceu a eles e falou-lhes do Reino de Deus. Estando com eles numa refeição, Jesus deu- lhes esta ordem: ‘Não se afastem de Jerusalém. Esperem que se realize a promessa do Pai, da qual vocês ouviram falar: João batizou com água; vocês, porém, dentro de poucos dias, serão batizados com o Espírito Santo’.” þ Este prólogo é um resumo da primeira parte da obra de Lucas, isto é, do terceiro Evangelho. þ A introdução à segunda parte da obra foi anteposta quando da separação das duas partes. Também se dirige a Teófilo, para cada um(a) de nós, todo(a)s o(a)s discípula(o)s, de todos os tempos e todos os lugares. þ O prólogo de At divide Lc em três etapas: u As coisas que Jesus começou a fazer e ensinar, desde o início até a glorificação (os três anos do ministério público: vv. 1-2). Jesus não fez tudo. Ele começou a fazer e ensinar: περὶ πάντων... ὧν ἤρξατο Ἰησους ποιεῖν τε καὶ διδάσκειν(perí pánton... Hón érxato hó Iesús poiêin te kái didáskein): sobre tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar). v A atividade de Jesus no período entre a ressurreição e ascensão (são 40 dias: v. 3). O número “40” é rico em simbolismo: dilúvio, caminho no deserto, Moisés no Sinai, Elias no Horeb, Jesus que se prepara à missão (Lc 4,1-2)... Agora, também os discípulos têm 40 dias (o tempo kairótico, mais do que cronológico, necessário ou suficiente) de preparar a missão. w A promessa do Espírito Santo, no dia da ascensão (um encontro: vv. 4- 5). Jesus, ao se despedir instrui os discípulos. Ele os escolhera e instruíra, movido pelo Espírito. Agora eles são orientados a aguardar o mesmo Espírito, sem o qual não estarão aptos a continuar a obra que Jesus começou. O Espírito do Pai, que conduziu Jesus, orientará também os discípulos. O batismo no Espírito é colocado ao início da missão dos discípulos (At 2,1-4), como plenificara Jesus quando ele começou a missão (Lc 3,22; 4,1.18-19).

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Bloco 4 de INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO “OS LIVROS DA COMUNIDADE: At e Ap”

Introdução: prólogo de At 1,1-5 “No meu primeiro livro, ó Teófilo já tratei de tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar, desde o princípio, até o dia em que foi elevado para o céu. Antes disso, ele deu instruções aos apóstolos que escolhera, movido pelo Espírito Santo. Foi aos apóstolos que Jesus, com numerosas provas, se mostrou vivo depois de sua paixão: durante quarenta dias apareceu a eles e falou-lhes do Reino de Deus. Estando com eles numa refeição, Jesus deu-lhes esta ordem: ‘Não se afastem de Jerusalém. Esperem que se realize a promessa do Pai, da qual vocês ouviram falar: João batizou com água; vocês, porém, dentro de poucos dias, serão batizados com o Espírito Santo’.” þ Este prólogo é um resumo da primeira parte da obra de Lucas, isto é, do terceiro Evangelho. þ A introdução à segunda parte da obra foi anteposta quando da separação das duas partes. Também se dirige a Teófilo, para cada um(a) de nós, todo(a)s o(a)s discípula(o)s, de todos os tempos e todos os lugares. þ O prólogo de At divide Lc em três etapas: u As coisas que Jesus começou a fazer e ensinar, desde o início até a glorificação (os três anos do ministério público: vv. 1-2). Jesus não fez tudo. Ele começou a fazer e ensinar: “περὶ πάντων... ὧν ἤρξατο ὁ Ἰησους ποιεῖν τε καὶ διδάσκειν” (perí pánton... Hón érxato hó Iesús poiêin te kái didáskein): sobre tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar). v A atividade de Jesus no período entre a ressurreição e ascensão (são 40 dias: v. 3). O número “40” é rico em simbolismo: dilúvio, caminho no deserto, Moisés no Sinai, Elias no Horeb, Jesus que se prepara à missão (Lc 4,1-2)... Agora, também os discípulos têm 40 dias (o tempo kairótico, mais do que cronológico, necessário ou suficiente) de preparar a missão. w A promessa do Espírito Santo, no dia da ascensão (um encontro: vv. 4-5). Jesus, ao se despedir instrui os discípulos. Ele os escolhera e instruíra, movido pelo Espírito. Agora eles são orientados a aguardar o mesmo Espírito, sem o qual não estarão aptos a continuar a obra que Jesus começou. O Espírito do Pai, que conduziu Jesus, orientará também os discípulos. O batismo no Espírito é colocado ao início da missão dos discípulos (At 2,1-4), como plenificara Jesus quando ele começou a missão (Lc 3,22; 4,1.18-19).

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Para quem Lucas escreveu? Lucas é o único dos evangelistas que indica um destinatário para sua obra (Lc 1,3; At 1,1): Teófilo. Quem é Teófilo? u Um padrinho (financiador/patrocinador) da obra? v Uma autoridade romana, a quem o autor faz uma defesa do cristianismo? w Um nome simbólico (Amigo de Deus) para designar os cristãos?

Para que Lc escreve? O próprio Autor simplifica as coisas, ao mostrar a finalidade (cf. Lc 1,4) evangelizadora: ele quer que os fiéis verifiquem a solidez do ensinamento recebido. Supõe que eles já eram catequizados, mas precisavam de um reforço e confirmação de conhecimento, amor e entusiasmo.

Fontes para At a) Comunidades Apostólicas: testemunhas oculares e tradições das igrejas /comunidades; b) Comunidades Paulinas: ministros da Palavra e Diário (de Lucas?); c) Fontes particulares de Lucas.

Esquema ou divisão de At

Temas mais importantes de At

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Espírito Santo, Comunidade, Palavra, Missão, História da Salvação.

O Espírito Santo em Lc-At Uma das características marcantes na obra de Lucas é a presença do Espírito Santo. Tanto o 3º Evangelho quanto os Atos estão repletos de notícias sobre sua ação. Lc 1,15: A presença do Espírito Santo com João Batista é prometida a Zacarias; 1,35: O anjo Gabriel anuncia a Maria que o nascimento de Jesus somente será possível através do Espírito Santo; 1,41: Isabel cheia do Espírito Santo saúda Maria; 1,67: Zacarias profetiza pelo do Espírito Santo; 2,25-27: Simeão vai ao Templo movido pelo Espírito Santo; 3,16: João anuncia o Batismo no Espírito Santo através de Jesus. 3,22: O Espírito Santo em forma corpórea de pomba desce sobre Jesus no Batismo; 4,1: Jesus cheio do Espírito Santo é levado para o deserto; 4,14: Jesus é levado para a Galiléia pelo Espírito Santo; 4,18: Na Sinagoga, Jesus anuncia a sua missão pela força do Espírito Santo; 23,46: Jesus entrega seu Espírito a Deus antes de morrer; 24,49: Promessa de Jesus sobre a presença do Espírito Santo junto aos discípulos. u Jesus, cheio do Espírito: Lc 1,35; 3,22; 4,1.14.18. v Promete o Espírito Santo: Lc 3,16; 11,13; 12,12; At 1,5.8. w Jesus exulta no Espírito: Lc 10,21; x No Espírito Santo escolhe e instrui: At 1,2. y Discípulos exemplares, repletos do Espírito: â Maria (Lc 1,35.28); â Isabel (Lc 1,41); â Simeão (Lc 2,25-27); â Pedro (At 4,8); â Diáconos (At 6,3); â Estevão (At 7,55); â Barnabé (At 11,24); â Paulo (At 13,9); â Vários grupos (At 2,4; 4,31; 8,17; 10,44; 19,6); â As Igrejas (At 9,31).

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O Caminho de Jesus e da Comunidade Jesus faz o caminho de Nazaré (periferia) para Jerusalém (centro de Israel), ao passo que a Comunidade faz o caminho da periferia (Jerusalém) para o centro do mundo (Roma).

A Comunidade em Lc-At Alguns pressupostos comunitários em Lc: 1. Lc 5,1-11 (os primeiros quatro discípulos); 2. Lc 6,12-16 (a escolha dos Doze Apóstolos); 3. Lc 8,1-3. 19-21 |11,27-28| (as mulheres e os familiares); 4. Lc 10,38-42 (Marta e Maria); 5. Lc 22,14-20 (a Ceia da Comunidade); 6. Lc 24,1-52 (a Comunidade do Ressuscitado). At: um projeto de comunidade ideal: ① Textos principais: sete retratos da comunidade: ⓐ At 1,12-14; ⓑ At 2,42-47; ⓒ At 4,32-37; ⓓ At 5,12-16.42; ⓔ At 9,31; ⓕ At 11,19-26; ⓖ At 13,1-3. ② A inspiração: ⓐ Israel; ⓑ Jesus; ⓒ Discípulos exemplares. ③ As 4 “rodas” ou as 4 “colunas” da comunidade: ⓐ Ensinamento dos apóstolos (διδαχὴ τῶν ἀποστόλων /didahé tôn apostólon); ⓑ Comunhão fraterna (κοινωνία /koinonía); ⓒ Fração do pão (κλάσις τοῡ ἄρτου - εὐχαριστία /klásis tú ártu - euharistía); ⓓ Oração (προσευχή /proseuhê). Os resumos de At, com sua fraseologia semelhante, certamente estabeleciam as principais normas que os discípulos e discípulas deviam assumir ao integrar a comunidade. Provavelmente retratam exigências que as comunidades cobravam dos batizados, na época do autor. Lucas, em base às informações, lembranças e pesquisas feitas recompõe uma imagem idealizada da comunidade das origens. Trata-se de uma imagem “utópica” (οὐτοπία/utopia) que, por alguns, em algum lugar e nalgum tempo teve “tópos” (τόπος/tópos). Torna-se, pois, interpelação, inspiração e provocação para as comunidades de todos os tempos, de outrora e também agora.

Teologia da História e do Tempo na obra de Lucas

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O Caminho da Palavra em At

Paralelismo entre Pedro e Paulo

Viagens missionárias de Pedro e Paulo

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Missões de Pedro: 1) Samaria (At 8,14-25); 2) Lida, Jope, Cesaréia (At 9,32 – 10,48); 3) Antioquia (Gl 2,11-14); 4) Roma (Tradição e 1Pd 5,13). Missões de Paulo: 1) Passagem rápida (At 13,1 – 14,28); 2) Mais longa, Corinto (At 15,40 – 18,22); 3) Demorada, Éfeso (At 18,23 – 21,26); 4) Prisioneiro, Roma (At 21,27 – 28,31).

1ª Missão de Paulo

2ª Missão de Paulo

3ª Missão de Paulo

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4ª Missão de Paulo Viagem a Roma, como prisioneiro...

A P O C A L I P S E D E S Ã O J O Ã O Apocalipse, o que é? É palavra grega: �πό + κάλυψις = apó + kálypsis. Significa “tirar o véu”, revelar esclacer, mostrar. As línguas latinas conservam o nome “gregado” (Apocalipse, Apocalipsis, Apocalisse, Apocalypse), ao passo que as anglo-saxônicas traduzem (Revelation, Offenbarung). O próprio autor diz que é “Revelação de Jesus Cristo” (Ap 1,1).

Quem escreveu o Apocalipse? Para quem? Era comum, na época (especialmente na apocalíptica), um autor esconder-se atrás de uma pessoa importante que ele desejava homenagear ou que lhe dava autoridade. Assim, é possível que nosso autor tenha se escondido atrás de João, apóstolo e evangelista. Mesmo que não tenha assinado seu livro, o autor deixou algumas dicas. O nome João aparece quatro vezes no texto: � João é servo e testesmunha (cf. Ap 1,1); � Em Ap 1,4 diz apenas que é João; � Ap 1,9: “Eu, João, vosso irmão e companheiro na tribulação, na realeza e na perseverança em Jesus”; � Por fim, em Ap 22,8 o autor afirma que é “ouvinte e testemunha ocular dessas coisas”. Seu nome é João, mas sem título de apóstolo, evangelista ou presbítero. É, sim, “irmão e companheiro na tribulação”. Como seus destinatários, também ele é perseguido por causa do amor e da fé. Conhece a situação e procura animá-los. Ele sabe que está transmitindo uma profecia (cf. Ap 1,3; 22,6-7.18-19). Sua autoridade vem da palavra de Deus (cf. Ap 1,2) e por isso pede obediência (cf. Ap 22,18-19). Ele mesmo encarnou a Palavra de Deus na vida e dela dá testemunho (cf. Ap 10,8-11). Por esse motivo vive exilado e prisioneiro na ilha de Patmos (cf. Ap 1,9). Parece que João era coordenador das comunidades da Ásia Menor, pois é para lá que manda seu livro (cf. Ap 1,4.11). Pelo conteúdo das cartas (cf. Ap 2,1 – 3,22) vê-se que conhece bem as comunidades. À primeira vista parece que ele se dirige somente aos irmãos perseguidos das “sete comunidades que estão na Ásia” (cf. Ap 1,4.11). Porém, uma vez que no Apocalipse o número “sete” significa totalidade, o escrito dirige-se

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à todas as comunidades (também às nossas) e a todos os irmão(ã)s (também a nós), de todos os tempos e lugares, de outrora e de agora. Às vezes é duro com os adversários (cf. Ap 2,9; 3,9), ao mesmo tempo que é humilde e reconhece quando não sabe as coisas (cf. Ap 5,4; 7,13-14). O nome João, יוחנן (Iohanán”) significa “Deus consola” ou “Deus concede graça”. Ao longo da história o livro de João, de fato, tem sido graça e consolo para muita gente.

Onde e quando foi escrito o Apocalipse ? O Apocalipse não foi escrito de uma só vez. Conheceu ao menos duas etapas de redação: u Roma: ô Ap 4 – 11, ô ± 64 – 67; v Éfeso: ôAp 12 – 22,15, ô ± 95.

Sete chaves de leitura para entender o Apocalipse

1. Apocalipse é um livro de resistência para tempos difíceis (resistência = ἀντιτυπία/ antitypia)

O jeito apocalíptico de escrever era muito comum nos dois últimos séculos antes de Cristo e nos dois primeiros séculos depois dele. O povo apreciava esse modo de escrever, mas também o entendia. Típica obra desse estilo, no final do AT, é o livro de Daniel que incentivou a resistência dos Macabeus contra a dominação selêucida. Era um tempo de forte opressão política e exploração econômica. As coisas precisavam ser ditas, mas não de forma clara para driblar o opressor. Entendia quem era do grupo ou da comunidade do autor. O Apocalipse pegou carona com esse estilo. Também usa linguagem que parece ingênua e até alienante. Na verdade, porém, era uma linguagem que, através de coisas aparentemente simplórias, instruía e incentivava a conscientização e resistência dos oprimidos e explorados. João que bem conhece a opressão, a comunidade e o jeito apocalíptico de escrever anima as comunidades à resistência, à profecia e ao testemunho.

2. O Apocalipse é um livro profético, de anúncio e denúncia (profecia = προϕητεία )

O Apocalipse é um legítimo livro de profecia. A verdadeira profecia vivencia e anuncia o bem (é sua atuação construtiva), ao mesmo tempo que renuncia e denuncia o mal (é sua atuação destrutiva). Nesse sentido o Apocalipse considera-se um autêntico livro de profecia (cf. Ap 1,3; 22,7.10.18.19). Também os servos de Deus, os santos, os cristãos, são

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chamados de profetas (cf. Ap 11,18; 16,6; 18,20; 22,9) Por isso mesmo, o próprio autor é profeta (cf. Ap 10,11). No período da realeza, em Israel, os profetas eram especialistas em denunciar as injustiças sociais e os desmandos das autoridades. João, no Apocalipse, não deixa por menos. Sua profecia é corajosa, decidida, vigorosa. A resistência e a denúncia andam juntas. Não menos, e até bem mais que os profetas antigos, nosso autor anuncia a certeza da vitória: o que em Jesus já se realizou, nos seus discípulos também há de se realizar. A última palavra pertence à luz, não às trevas; não à morte, mas à vida.

3. O Apocalipse é um livro de liturgia e celebração (liturgia = λειτουργία)

Nosso livro supõe um ambiente litúrgico (Ap 1,3). Respira-se ar de liturgia. Encontramos fórmulas litúrgicas como: “Amém”, “Santo”, “Aleluia”, “Vem, Senhor!” (Maranathá!). Ali percebemos diversos gestos litúrgicos, como adoração, procissões e orações. Além disso, fala-se de altar, livros, vestes, lâmpadas, turíbulo, instrumentos musicais, cores... Para perseverar e resistir em tempos tão difíceis, a comunidade precisa de uma forte mística. A comunhão com Jesus que sofreu mas também venceu (o Cordeiro de pé, como que imolado: cf. Ap 5,6) e no testemunho comunitário acredita-se chegar ao “novo céu e nova terra” (Ap 21,1), isto é, um jeito de organizar a vida e a sociedade de acordo com a proposta de Jesus. Não se trata do fim do mundo, mas do modo como Deus quer que nós construamos, com sua graça, uma nova sociedade. Por isso, cada momento precisa ser valorizado e celebrado. Isso acontece no Apocalipse. Celebra-se a vitória de Jesus e as nossas vitórias com ele, até superar definitivamente a injustiça. O melhor lugar para se ler o Apocalipse é na comunidade. Pede-se para ler e escutar, denunciar e praticar, resistir e celebrar, juntos. Assim explica-se que ao longo do Apocalipse haja muitos hinos (21: 7 x 3 ?; 24: 12 + 12 ?) que celebram os mais diversos aspectos da vitória de Jesus e a nossa esperança de lhe participar. Veja os muitos hinos: Ap 1,4b-7; 4,8b; 4,11; 5,9-10; 5,12; 5,13; 6,10; 7,10; 7,12; 11,15; 11,17-18; 12,10-12; 14,7; 15,3-4; 16,5-6; 16,7; 18,20; 19,1-3; 19,5; 19,6-7; 21,3-4; 21,6-7; 21,24-27; 22,3-5; 22,17.20.

4. O Apocalipse é um livro do testemunho de Cristo, pela Igreja (testemunho = µαρτυρία)

Com razão o Ap é o livro do testemunho (Ap 1,2) = martírio. Do tronco do testemunho brotam sete galhos: resistência, esperança e perseverança, anúncio e denúncia, alegria e celebração.

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A resistência era contra o Império Romano que controlava a vida política, social, religiosa e econômica. No tempo da redação final do Ap, reinava o imperador Domiciano (81-96 d.C.) que perseguiu abertamente os cristãos (94-95). Sem “a marca da Besta” não se podia fazer nada, a não ser morrer (cf. Ap 13,16-17). Nas principais cidades do império havia templo, onde se prestava culto ao imperador. Mesmo às custas da vida, os cristãos não o adoravam. Um dos pontos altos do Apocalipse é o clamor dos mártires que pedem justiça e Deus promete destruir o opressor (cf. Ap 6,9-11). Outra frente de denúncia e resistência era o sincretismo religioso, muito presente na Ásia Menor.

5. O Apocalipse é um livro de felicidade (felicidade = µακαριότης)

Ao longo do texto o autor espalha sete bem-aventuranças: Ap 1,3; 14,13; 16,15; 19,9; 20,6; 22,7; 22,14. Por mais estranho que pareça, apesar das dificuldades, estamos diante de um livro de felicidade. No Ap o número 7 (sete) é sinônimo de perfeição. Trata-se de uma perfeição possível e realizável que traz felicidade. Parece que o auge dessa felicidade é a quarta bem-aventurança (cf. Ap 19,9) que se refere à participação na felicidade plena do Cordeiro.

6. O Apocalipse é um livro urgente (urgente = ταχύς)

Nosso texto fala, reiteradamente sobre a urgência. Trata-se do que irá acontecer em breve (cf. Ap 1,1; 22,6) e do Senhor que virá (cf. Ap 2,5; 3,3;3,20) e virá em breve (cf. Ap 2,16; 3,11; 22,12; 22,20). Essa vinda tão próxima, certamente, para o autor, não é o fim do mundo. O que deve ser feito, para possibilitar nova vida, feliz para todos, deve ser feito com urgência. A mesma urgência vale para nós.

7. O Apocalipse é um livro de esperança (esperança = ἐλπίς)

O Apocalipse não procura amedrontar. Antes, quer dar esperança às comunidades que lutam para melhorar o mundo. Donde se bebe essa esperança? É da visão do Trono de Deus (cap. 4): Deus é Senhor da história e, apesar dos aparentes fracassos, não deixa de governar o mundo com sua providência. A esperança inspira-se, também, no Cordeiro que venceu a morte e agora está vivo e atuante na comunidade mediante seu Espírito (cap. 5). Em terceiro lugar, a imagem da Nova Jerusalém já existe no sonho de Deus e, para tornar-se realidade nossa, precisa ser por nós assumida e construída (caps. 21 e 22). É uma utopia (οὐτοπία) do coração a ser trazida

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para o nosso chão. O paraíso não está no passado, mas no futuro. Segundo o Apocalipse é o céu que virá à terra.

Esquema do APOCALIPSE ô Prólogo (Ap 1,1-3) I. As coisas presentes (Ap 1,1 – 3,22) 1. Visão inaugural do Ressuscitado (Ap 1,4-20) 2. As cartas às sete comunidades (Ap 2 – 3) II. As coisas futuras (Ap 4,1 – 22,15) 1. Seção introdutória (Ap 4 – 5) 2. Seção dos Selos (Ap 6,1 – 7,17) 3. Seção das Trombetas (Ap 8,1 – 11,19) 4. Seção dos Sinais e das Taças (Ap 12,1 – 16,21) 5. Seção conclusiva (Ap 17,1 – 22,15 / 22,5?) ó Epílogo (Ap 22,16-21 ou 6-21?)

Síntese das 7 Cartas do Ap

As quatro experiências no Espírito, no Apocalipse

1 Ap 1,10-16: “No dia do Senhor fui movido pelo Espírito, e ouvi atrás de mim uma voz forte, como de trombeta ordenando: escreve o que vês, num livro, e envia-o às sete Igrejas... ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro e, no meio dos candelabros, alguém semelhante a um Filho de Homem,

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vestido com uma túnica longa e cingido à altura do peito com um cinto de ouro....”. 2 Ap 4,2-8: “Fui imediatamente movido pelo Espírito: eis que havia um Trono no céu, e no trono Alguém sentado...”. 3 Ap 17,3-7: “Ele (o anjo), então, transportou-me no Espírito, ao deserto, onde vi uma mulher sentada sobre uma besta escarlate, cheia de títulos blasfemos, com sete cabeças e dez chifres...”. 4 Ap 21,10-14: “Ele (o anjo), então, transportou-me no Espírito sobre um grande e alto monte, e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, com a glória de Deus...”.

As três tentações que as comunidades sofrem Já desde o AT, a grande tentação é pensar e agir como os injustos (cf. Sl 73). Tal perigo não é menos real no Apocalipse e hoje: a marca da besta na mão direita e na fronte (cf. Ap 13,16). A admiração e o fascínio são o último passo do caminho que leva à adoração. ! Ap 17,6: “E vendo-a (a prostituta), fiquei profundamente admirado”. ! Ap 19,10: “Caí então a seus pés para adorá-lo (o anjo), mas ele me disse: ‘Não! Não o faças! Sou servo como tu e teus irmãos que têm o testemunho

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de Jesus. É a Deus que deves adorar!’ Com efeito, o espírito da profecia é o testemunho de Jesus”. ! Ap 22,8-9: “Eu, João, fui o ouvinte e a testemunha ocular destas coisas. Tendo-as ouvido e visto, prostrei-me para adorar o Anjo que me havia mostrado tais coisas. Ele, porém, me impediu: Não! Não o faças! Sou servo como tu e teus irmãos, os profetas, e como aqueles que observam as palavras deste livro. É a Deus que deves adorar!”.

A gradativa destruição das forças do mal 1. A Grande Cidade, símbolo da sociedade injusta que se opõe a Jesus e gera morte (Ap 18,1-3); 2. A Besta e o Falso Profeta que são mediações históricas do mal absoluto que é o Dragão (Ap 19,19-21); 3. O Dragão, o mal radical, cuja expressão histórica da época era o império romano (Ap 20,7-10); 4. A própria morte, derradeiro adversário da vida (Ap 20,14).

As Sete bem-aventuranças do Ap u Ap 1,3: “Feliz o leitor e os ouvintes das palavras desta profecia, se observarem o que nela está escrito, pois o Tempo está próximo”. v Ap 14,13: “Felizes os mortos, os que desde agora Morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham”. w Ap 16,15: “Feliz aquele que vigia e conserva suas vestes, para não andar nu e deixar que vejam sua vergonha”. x Ap 19,9: “Felizes aqueles que foram convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro”. y Ap 20,6: “Feliz e santo aquele que participa da primeira ressurreição! Sobre estes a segunda morte não tem poder; eles serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e com eles reinarão durante mil anos”. z Ap 22,7: “Feliz aquele que observa as palavras da profecia deste livro”.

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{ Ap 22,14: “Felizes os que lavam suas vestes para terem poder sobre a árvore da Vida e para entrarem na Cidade pelas portas”.

Cântico das Criaturas (São Francisco de Assis) Altíssimo, onipotente, bom Senhor, Teus são o louvor, a glória, a honra e toda a bênção. Só a Ti Altíssimo, são devidos; e homem algum é digno de Te mencionar. Louvado sejas, meu Senhor, com todas as Tuas criaturas, especialmente o Senhor irmão Sol, que clareia o dia e com sua luz nos alumia. Ele é belo e radiante, com grande esplendor. De Ti, Altíssimo, é a imagem. Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Lua e as Estrelas, que no céu formaste claras e preciosas e belas. Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Vento, pelo ar, ou nublado ou sereno, e todo o tempo, p elo qual às Tuas criaturas dás sustento. Louvado sejas, meu Senhor pela irmã Água, que é mui útil e humilde e preciosa e casta. Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo, pelo qual iluminas a noite. Ele é belo e jucundo e vigoroso e forte. Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a mãe Terra, que nos sustenta e governa, e produz frutos diversos e coloridas flores e ervas. Louvado sejas, meu Senhor, pelos que perdoam por Teu amor e suportam enfermidades e tribulações.

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Bem-aventurados os que sustentam a Paz, que por Ti, Altíssimo, serão coroados. Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal, da qual homem algum pode escapar. Ai dos que morrerem em pecado mortal! Felizes os que ela achar conformes à Tua santíssima vontade, porque a morte segunda não lhes fará mal! Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-Lhe graças, e servi-O com grande humildade.

Os Hinos de Ap 5,8-13 Leitor - Os anciãos entoaram um canto novo diante do Cordeiro: Assembléia - “Tu és digno de receber o livro e de abrir seus selos, porque foste imolado e com teu sangue adquiriste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Deles fizeste para nosso Deus um reino de sacerdotes. E eles reinarão sobre a terra”. L. - Uma inumerável multidão de anjos também proclamou: A. - “O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor”. L. - Além disso, todas as criaturas do céu, da terra, de debaixo da terra, e do mar, e tudo que neles vive, proclamou: A. - “O louvor, a honra, a glória e o poder pertencem Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, pelos séculos dos séculos”.

Anexo sobre Mateus: Seu nome é Mateus (hebraico: מתיה / Mattạyāh; grego: Μαθαίος/Matthaios; latim: Matthæus. Significa “Dom de YHVH”. Publicano, cobrador de impostos por profissão foi chamado por Jesus e tornou-se apóstolo e mártir. Os Evangelhos de Mc e Lc chamam-no de Levi, ao passo que o de Mt dá-lhe o nome com que Jesus o chamou,

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isto é, Mateus. Com sua pregação deu início à comunidade que “produziu” Mt. Segundo a tradição, pregou o Evangelho na Judeia, Pérsia e Etiópia. Martirizado na Etiópia, seus restos mortais foram levados a Salerno, Itália. Sua festa é celebrada no dia 21/09.