BITTENCOURT, C. O saber histórico na sala de aula. São Paulo, Contexto, 2003, 149-163..pdf
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B ~ s i l ! c n s c , / ))-;7. [eol . Pnl11ClrOS ~ a s s ( ~ s J .'UC . JE . H 1 - ~ o d . i I I: ' I lSCllún::.a de La Historio a t raves de i Mecho. Madnd :
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148
A TELEVISÃO COMO DOCUMENTO
Marcos N a p o l i ! l l J J ó ~
Nos últimos anos tem sido cada vez mais freqüente o uso de "novas linguagens" não só para motivar os alunos, mas para tentar "atuali
zar" a concepção de documento histórico, incluindo-se neste campo as
imagens (paradas e/ou em movimento) produzidas pela sociedade. O
problema é que, em muitos casos, o uso das imagens requer um tipo deabordagem diferente da reservada ao documento escrito (que também,em geral, é feita de forma displicente). Não pretendemos retomar a ex
tensa discussãoteórica
emtorno
do conceitode documento
histórico.
mas recomendamos que o professor interessado em utilizar um a "nova"linguagem faça, a priori, uma ret1exão sobre o problema do documento
histórico e sua importância para o ensino e a pesquisa.Se o professor optar po r trabalhar com as "novas" linguagens apli
cadas ao ensino de História, ele deve ter claro que esta "novidade" não
vai resolver os problemas didático-pedagógicos do seu curso. A incor
poração deste tipo de documento/linguagem não deve ser tomada comopanacéia para salvar o ensino de História e torná-lo Inais "moderno".
Muito menos deve se r vista como a substituição dos conteúdos de apren
dizado por atividades pedagógicas fechadas em si mesmas. Todo o cui
dado com a incorporação das "novas linguagens" é pouco, principal
mente numa época de desvalorização do conteúdo socialmente aCumu-
lado pelo conhecimento científico.
*Professor do Departmnento de História da Universidade redera l do
Paraná e doutorando em História Social pe la USP
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As questões teóricas e os procedilnentos de análise que vão surgir
neste texto não devem ser tOlnados como can1isa-dc-força, m as como
um exemplo de sistematização do trabalho e de articulação co m o co
nhecimento histórico trabalhado pelos meios e linguagens "tradicionais".
desejável que o professor ou o grupo de professores envolvidos en
contrem o próprio caminho, respeitadas as regras Inetodológicas Iní-
11ln1as.Antes de iniciar o trabalho de (in)fonnação teórico-metodológica,
o professor deve enfrentar o probletna de selecionar qual gênero/pro
grama será utilizado para o trabalho. EIll se tratando de doclllnento
televisual, alguns gêneros acabanl se impondo COlno os n1ais relevantes
e instigantes: o telejornal; a teledranlaturgia; tclefihnes, sobretudo os
seriados. ObViamente, qualquer outro gênero se presta a um a análise
sócio-histórica, mas vamos destacar estes três. No final deste artigo,
vamos sugerir mll roteiro de análise para o te1ejornal.
Dos três grandes gêneros citados, os telcfihnes seriados são aque
les mais fáceis de se conseguir para a reprodução em sala de aula (l11ui-
tos clássicos continuam sendo exibidos na TV convencional e na TV a
cabo). Nesse caso valem as regras de análise para os conteúdos de fil
mes cinelllatográficos, guardadas as diferenças entre a linguagern fílmicade cinema e de TV - esta, sem dúvida, mais restrita e padronizada.
No caso do trabalho co m História do Brasil ou qualquer item de
"história temática", os programas de teledramaturgia (novelas,
minisséries, soap-operas - histórias co m um núcleo de personagens fi
xos e episódios autônomos - , episódios avulsos) c os telejornais (de
serviços, de infonnação, crônicas cotidianas, documentários etc.) aca
ba m se destacando. Como a TV brasileira possui um a longa tradição de
qualidade técnica e uma linguagem peculiar no caso da teledramaturgia,
nestes dois grandes gêneros, a princípio, não faltaria material instigante
ao professor para que ele iniciasse seu trabalho. Duas possibilidades se
abrem: o trabalho co m o material produzido em épocas remotas (mais
de um ano) e os d o c u m e n t o ~ produzidos no "presente" (o que também é
válido, pois reflexão histórica nã o é sinônimo de reflexão sobre mate
riais do "passado").
Se o professor preferir trabalhar co m documentos produzidos pela
TV há muitos anos (anos 60 ou 70 , po r exemplo), se m dúvida, ele terá
um a grande dificuldade em conseguir o material. Ainda não há um ar-
150
quivo público de grande amplitude, que seja UIll depositário das nossas
ricas imagens televisuais. Bo a parte deste material se perdeu cn1 incên
dios, em sobregravações de fitas de videoteipes (muito comum até os
al10S 70) ou po r puro e simples desgaste pelo tcn1po e pela má conserva
ção. Em São Paulo, ainda é incipiente a idéia de Ull1 "n:mseu da TV".
ótima idéia encabeçada pclaAssociação dos Pioneiros da TV Os ,u'qui
vos de imagens continualn, COIn raras exceções, COl110 propriedade de
lISO restrito das enlissoras. Se o professor for persistente, poderá conse
guir U1nu cópia, U1l1 emprésti11lQ, que lhe permitirá trabalhar com imagens antigas.
Alguns arquivos televisivos são fundamentais. Dentre os arquivos
da emissoras, o da TV Cultura de São Paulo é o n1ais acessível c tem a
vantagem de possuir um grande arquivo de programas musicais c
documentários de alta qualidade técnica e de conteúdo. Aguardamos
com ansiedade a sistematização e a abertura para consultas do acervo da
TV Tupi de São Paulo (a primeira TV brasileira), que está sob a custódia
da Cinemateca Brasileira, sediada também em São Paulo. Outro grande
arquivo de imagens, infelizmente vedado ao público, é o arquivo da Rede
Globo (o CEDOC, sediado no Rio de Janeiro). O da TV Record de São
Paulo, alendária enlissora
dos anos 60, éde
uso restrito, mas estuda ocaso particular de cada interessado. UI11a visita aos l11USCUS da iInagem
e do som (sobretudo no Rio e em São Paulo) pode ajudar a descobrir
alguma informação ou imagem preciosa.
Dada a dificuldade de acesso às imagens televisivas do passado,
resta ainda ao professor o uso de imagens "presentes". O videocassete
resolve rapidamente esta questão (abrimos um parêntese para alertar
sobre os cuidados legais necessários na reprodução das imagens, sobre
tudo quando se caracterizar qualquer uso comercial, ainda que indireto,
de tal material). No caso de teledramaturgia e telejornais, veiculados
cotidianamente pelas nossas emissoras, existe Uln material abundante e
instigante qu e pode ser trabalhado em sala de aula.
Paralelamente ao processo de seleção e aquisição dos documentos
televisuais, outro aspecto fundamental para a otimização do trabalho é a
preparação prévia do professor em relação aos aspectos teórico-metodo
lógicos do estudo da comunicação de massa. Nã o estamos sugerindo
que o professor deva se tornar um especialista em análise televisual, e,
sim, que ele deve ter claro alguns referenciais básicos.
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{) FENÔMENO DA TV
Para o professor de História, uma diferença entre o cinema e a
televisão deve ser benl demarcada, Enquanto a indústria cinematográfi
ca produz um a mercadoria cultural que deverá ser explorada e difundida
por vários anos, a indústria televisiva - be m como a radiofônica tem a
tendência de produzir programas que se consomem no instante da su a
.difusão (FLICItY). Se quisermos trabalhar co m os programas de TV en
quanto documentos históricos, tereITIOS aí um problema teórico c prático, Teórico porque o caráter "volátil" do conteúdo televisual tenl sérias
implicações na constituição de uma memória histórica a partir da expe
riência social da TV; e prático porque a "imediaticidade" do s programasparece ter contagiado os donos das emissoras e as autoridades responsá
veis pela preservação do patrimônio histórico, dada a enorme dificulda
de de se te r acesso a programas antigos, mesmo aqueles qu e marcaram
época. É relativamente fácil encontrar um filme do s anos 30, muitos
deles disponíveis em videocassete. Po r outro lado, é um a verdadeira
descoberta arqueológica encontrar um programa televisivo do s anos 60,
em bom estado para reprodução.O
interesse teórico em relação ao fenômeno da televisão como meioe linguagem data do s anos 50. Nesta década, surgiu um a tendência aca
dêmica, ligada sobretudo ao campo da comunicação e da semiótica, que
passou a estudar a TV em seus diversos aspectos. Aliás, é recomendável
para o professor interessado neste tipo de documento que ele desenvol
va um programa mínimo de informação bibliográfica, ainda que sintéti
ca , refazendo o percurso do s principais teóricos sobre o assunto. {) sub
sídio teórico, mesmo qu e não seja explicitado no trabalho em sala de
aula, é fundamental para que o professor nã o se perca nas propostas e
discussões surgidas durante as atividades.Um teórico seminal, em qu e pese toda a fragilidade de su a argu
mentação teórica e a desqualificação qu e sofreu nos últimos anos, é
Marshall McLuhan. Em 1954, declarou: "Passamos hoje da produçãode mercadorias empacotadas para o empacotamento da informação."
(LIMA, p. 145). Para McLuhan, o meio er a o elemento constituinte da
m'ensagem, sendo impossível separar os dois, Os novos meios, sobretu
do a televisão, constituíam a chamada cultura da "nova oralidade", subs
tituindo a "cultura do livro" - ele não achava que esta sucessão se ca-
152
racterizava, necessariamente, como decadência, da í a crítica que ele
passou a sofrer do s teóricos mais exigentes. "Com o cinema falado e
co m a TV, sobreveio a mecanização da totalidade da expressão humana,
da voz, do gesto e da figura humana em ação" (LIMA, p. 149). Nessa
"cultura da nova oralidade", os receptores passaram a integrar-se, já no
momento da transmissão da mensagem, nUTTIa cadeia de discussão con
junta, trocando e reelaborando as informações veiculadas pelos meiosmecânicos e eletrônicos.
Outro teórico, o italiano Umberto Eco, já não foi tão otilnista, elTIbora. não encarasse a televisão como a barbárie cultural da sociedade de
massa. Eco tomou para si a tarefa de reunir as posições críticas acerca
do assunto e propor algumas balizas para analisar o fenômeno da televi
sã o - assim como de outros meios "desqualificados" pelo meio acadê
mico da época, como as histórias em quadrinhos - , cruzando a aborda
ge m sociológica co m a abordagem propriamente selniótica, Algumas
de suas conclusões são muito úteis para definir procedimentos de análi
se . Para Umberto Eco, a análise da TV deve levar em conta três elementos:
I. Intenções do remetente - da mensagem;
2. As estruturas comunicacionais - o meio e o código da mensa
geIn;
3. As reações do receptor - a situação sócio-histórica do público
receptor c seus repertórios culturais para a decodificação da men
sagem consumida (ECO, p. 365).
Ele ainda propõe alguns eixos de pesquisa para cobrir a amplitude
do fenômeno tclevisual (ECO, p. 355):
• Situações do espectador diante do vídeo;
• Modificações introduzidas pelas novas situações no s grupos hu -
manos. Quais exigências estes grupos dirigem ao meio tclevisual;• Quais as novas atitudes coletivas diante destes fenômenos;
• Ritmos da vida familiar. Organização da vida doméstica;
• Hábitos culturais;
• Fruição de outros tipos de espetáculo (outros meios);
• Hábitos gerais de consumo,
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Mesmo sem negar a necessidade de um a análise profunda do fenô
meno c evitando cair elnjulgamcntos preconcebidos, Umberto Ec o con
clui qu e a percepção do mundo, via ilnagcI11 televisual, tende à hipertrofia.
É superior à capacidade de assimilação da s pessoas, realizando-se por
viu sensorial (e não conceptual), portanto, não enriquece a ilnaginação,
mas se impõe como realidade inlcdiata, subvertendo a própria relação
entre passado e presente (ECO, pp. 354-355).
Ao longo dos unos 60, as análises sobre televisão partiratn destes
dois pólos básicos, acrescidos de um terceiro: a tradição sociológica daEscola de Frankfurt. Partindo do conceito de "indústria cultural", pro
posto porTheodor Adorno, esta corrente analisava os lTIeios de c0l11twi
cação e as mercadorias culturais como um todo, como expressões de
uma certa "decadência" cultural, reflexo e produto da expansão do capi
talismo monopolista nos países ocidentais.
Na medida em que a "fórmula" substituía a "forma", morria a ex
periência estética e cultural mais profunda, substituída pelo valor de
"troca" dos produtos culturais. Em outras palavras, quando ouvÍlnos
uma canção popular no rádio ou assistimos a um programa de TV, o que
está em jogo não é o conteúdo específico do produto, mas o COnSUl110 de
Ulna mercadotia simbólica que nos reafirma como parte de urna sociabilidade massificada c no s torna indivíduos integrados ao sistema capi
talista.
Ao longo dos anos 70 e 80 , co m base em novas pesquisas, foram
elaboradas muitas revisões críticas que, lTIesmO partindo dessas análises
iniciais e fundantes, procuraram aprofundar alguns pontos e relativizar
as conclusões genéricas. Alguns autores podem ser destacados.
Michel De Certeau, partindo de um otimismo teórico pouco co
mum nas Ciências Sociais, procurou resgatar o papel ativo qu e os gru
pos sociais têm na decodificação e utilização da s mídias contemporâ
neas, se m negar o caráter de consumo embutido nesta relação.
Em fins dos anos 70, De Certeau partiu de um a dúvida episte
mológica, seja, da ordem do conhecimento sistemático, para proferirum a frase provocativa:
154
Assim, uma vez anal isadas as i !nagens dis tr ibuídas pela T V e o t empoque se passa ass is t indo aos programas televisivos, resta a inda pergunta r o qu e é que o consumidor ' fabrica ' com es s as imagens e duran teessas horas. (D E C E R T E A U , p. 93 )
De Certeau procurava ."iistcmatizar o." procedimentos de anúlise do
pólo Inais difícil de ser conhecido: o pólo receptor da mensagem. o ci
dadão conlum, enfati zando que sua consciência talvez não fosse tão "te
leguiada" quanto as considerações acadêmicas vigentes sugeriam. O
consunlO de produtos, neste caso os bens culturais, deveria ser analisado
em função do repertório de operações do s consumidores, qu e forma
riam U1na espécie de "rede de produção", na medida em que se "apro
priavam" ativanlente dos produtos. E s s ; . ~ s · "redes de produção"
sã o tã o rnenos visíveis quanto as redes de cnquadl"amenlO (o póloprodutor tradicional) se fazem mais apel1adas, ágeis e totalitúrias c
... ) desapareCCITI na s o'-ganizaç{)cs colonizadoras cujos produtos n;}o
deixalTI lugar para os consUlnidores !l1<lI-carenl sua at ividade. (D ECE RT E AU, p. 94 )
Portanto, para De Certeall, o fenômeno televisivo, sendo um fenô
meno cotidiano por excelência, está inserido nu m catnpo pouco conhe
cido das Ciências Sociais, preocupadas com as grandes organizações e
as tendências dominantes mais visíveis de uma sociedade.
Centrando-se no caso específico da televisão, Rene Berger enume
ra três pressupostos para pensar as transformações históricas operadas apartir do seu advento:
1. Ocorre a gênese de um novo ilnaginário'do qual "participaITIos"inconscientemente;
2. As máquinas (o "meio") tambénl se tornam agentes do imaginário, ao lado dos seres humanos;
3. O "direito à palavra" deixa de se r exclusivo dos letrados, decor
rendo deste processo mn a série de ambigüidades e tensões político-culturais.
Unla afirmação de Berger é particularmente importante para uma
reflexão histórica sobre a televisão: "A TV faz coincidir o verdadeiro, o
imaginário e o real, no ponto indivisível do presente" (BERGER, p. 20).
Para ele, a TV favorece a experiência do tempo mas não a consciência
do tempo. Na TV, a "atualidade" ganha maior dimensão em detrimento
do tempo primordial, mas, paradoxalmente, a "atualidade" é constante
mente desvalorizada no ritmo das informações midiatizadas (IlERGER,
ISS
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p. 47). Por si, estas afirmações podem sc desdobrar em um amplo leque
de questões para o professor de História, pois o que está eIn jogo é a
própria experiência social do tempo.
Ampliando as temáticas de pesquisa propostas por Umbcrto Eco,
Berger propõe alguns eixos de análise que servenl para fundamentar
uma abordagem da linguagem televisua1. Sã'o eles:
• A Sistematização dos gêneros de progrmnas televisuais (infor
mação, variedades, fillncs, d o c u n l ~ · n t á r i o s , entrevistas, propa
ganda etc.);
O esboço de uma tipologia televisiva po r temática veiculada;
• A análise da "retórica" tclevisual (plano, seqüência, emissões,
programas, programação geral);
• A listagem dos estereótipos mais usados na linguagcm da TV.
Antes de sugerirmos alguns procedimentos de trabalho, destaca
mos ainda outros autores, entre os tantos possíveis e fundamentais, que
abrem perspectivas diferentes para a análise do fenômeno da TV: Dieter
Prokop, Francesco Casetti e Roger Odin, Jesus Martins-Barbero.
O alemão Dieter Prokop procura entender as formas de recepção
do produto televisivo, indo além das noções de "manipulação de consciên
cias" por parte de alguns "capitalistas maquiavélicos". Sem desconsideraro fato de que a indústria televisiva está inserida nos interesses globais
do capitalismo monopolista, Prokop analisa a situação do espectador
como uma tensão constante entre "fascinação" e "tédio" diante do apa
relho (PROKOP, p. 153). Neste jogo, onde atuam os desejos e as fantasias
reprimidas do espectador, a ideologia dominante de uma sociedade tam
bém tem papel importante, mas nã o absoluto. A grande contribuição de
Prokop é o aprofundamento da análise de realização social dos conteúdos
da indústria cultural sem repetir as noções criadas nos anos 40 e 50.
A dupla de autores Casetti e Odin - menos conhecida no Brasil, ao
menos na área da História - desenvolveu um a interessante abordageIll
do fenômeno da televisão, que merece se r destacada. Os autores divi
dem a televisão em palco e neo-televisão. A paleo-televisão seria como
um a "instituição" que funciona à base de um "contrato" de comunica
ção fundamentado sobre um projeto de educação cultural e popular:
alguém que detém o saber "comunica" a um público que deseja obter o
saber. A estrutura da programação da palco-televisão funcionaria como
um a sucessão de emissões operando cada qual sobre um contrato de
156
comUnicação específico: gêneros de programas, públicos específicos,
interesses específicos (CASETTI, ODIN). A neo-felevisüo teria sua pro
gramação direcionada a utn processo de interatividade, não-pedagógi
co-comunicacional. Conforme os autores:
Na neo- televisao o centro em torno do qual tudo se organiza não é
somente o apresentador (o porta-voz da insti tuição), m as o espectador
na su a dupla ident idade de tele-espectador qu e se acha diante do se u
posto e de convidado que se acha no nível da CITlissão (. .) A neo
televisão, não 1l1a i s UITI espaço de formação, mas Utl l espaço de
cOl1vivialité. (C OSETTI , ODIN, p. 12).
Esta tipologia básica sugerida é muito interessante, na medida em
que permite ao professor de Hisiória partir de algumas bases para pen
sar a própria história do fenômeno televisivo, enriquecendo sua pers
pectiva c melhor compreendendo as mutações e sutilezas da linguagem
daquele meio.
Finalmente, para °sociólogo mexicano Jesus Martin-Barbero, o
problema fundamental se encontra no pólo do receptor, entendido corno
unl sujeito portador.de códigos e valores culturais que não são destruídos
peja experiência da TV, produzindo uma "alienação" frente ao conteúdoveiculado, como muito se afirmou. Martin-Barbero critica a tradição da
sociologia de esquerda que, a título de crítica emancipadora, politiza o
produtor das mensagens (a grande empresa televisiva) como a
manipuladora das consciências populares, mas, paradoxalmente,
despolitiza o receptor das mensagens, pois vê nas classes populares (a
massa da audiência televisiva) um a vítima passiva do "sistema". O au
to r dcfende a idéia dc que as demandas sociais interferem na recepção,
ainda que não formuladas coerentemente. As formas dos vários seg
mentos de público captarem e decodificarem a mensagem de um a nove
la, po r exemplo, variam no tempo e no espaço, estabelecendo uma "ne
gociação de sentido" com o pólo emissor da mensagem, que não é
supervalorizado (MARTIN-IlARIlERO, p. 57). Esta corrente, ligada à cha
mada "sociologia da recepção", tem oferecido amplas possibilidades
para o estudo do impacto sócio-histórico da TV na América Latina, em
que pese a incipiência das pesquisas propriamente empíricas neste campo.
Esta breve resenha teórica tem o objetivo de alertar sobre o amplo
espectro de discussão que cerca a televisão entendida como fenômeno
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social. EnllITICramOs posições, neIll scnlpre convergentes, para enfatizar
que o trabalho enl sala de aula deve ser precedido de U1TIa discussão
mínilna c uma busca de infonnações teóricas básicas po r parte do pro
fessor. Este conjunto dc considerações teórico-mctológicas nã o deve ter
o carúter de fórmula que resolverá os problclnas surgidos durante o trabalho de análise televisiva, e siln o de balizar a reflexão e perlnilir Ul l l
melhor posicionamcnto frente às questões surgidas.
PROCEDIMENTOS BÁSICOS PARA O TRABALHOESCOLAR CO M A LINGUAGEM TELEVISIVA
Uma vez conseguida a informação teórica básica c concluída a tarefa de seleção do material a se r analisado, é preciso definir um planeja
mento geral de utilização, inserido no conjunto de atividades didático
pedagógicas em jogo. ( ~ p r e c i s o qu e o professor tenha um planejalnentomínilno, para que saiba de onde deve partir e onde deve chegar. A se
qüência de progratnas exibidos e analisados deve possuir coerência conl
os objetivos e conteúdos trabalhados. A inclusão do s docUInentos à base
de "novas linguagens" (o cinema, a música, a TV), como parte do planejamento geral de curso, ajuda a dÍlninuir o preconceito que os próprios
alunos possuem, entendendo-os muitas vezes COITIO U1n recurso a mais
para "Inalar aula".Para qu e possa definir os procedimentos de análise, o professor
deve respeitar a natureza do programa escolhido, sua duração, seu con
teúdo específico, o grau ele domínio (por parte do s alunos) dos códigos
comunicacionais envolvidos. A partir da reflexão sobre tais eleInentos,
o professor deve elaborar um roteiro de análise documental, evitando as
abordagens "espontaneístas".
Vamos supor qu e um professor tenha optado por trabalhar com ogênero telejomal para estimular a reflexão histórica. Assim, ele podedefinir dois canlinhos básicos: analisar o tclcjornal COITIO gênero televi
sual e sua relação com a construção dos "fatos" históricos; ou acompa
nhar a evolução do tratamento de um tema específico ou de um evento
singular em vários telejornais, produzidos po r várias enlissoras, duranteum determinado período de tempo. A partir daí pode tentar perceber os
mecanismos de fixação de certos temas na memória social. Para efeito
158
didático, é desejável qu e o professor escolha um do s dois c<lminho:-..evitando. nUlll prilneiro 1l10mento, mesclar as duas ahordagens.
No nível da análise documental de um tc1ejornaL cujos proccdi
Inentos básicos podem ser adaptados a outro gênero televisivo, sugcri
Inos quatro etapas básicas:
I. Assish"";ncia do /J1aferio!: Impressões pnllli.Ínas "espontancas"
do grupo: decupagcIll das Il1í.ltériashl0tícias (divisão conformc
as imagens e os teIll<lS se sucedem no dOCUI11ento); reconhecimento dos códigos básicos envolvidos (texto, imagem, sOln):reconhecimento do tipo de tclejornal (serviços. crônica, infor
mativo etc.).
2. Análise semântica: o grupo deve buscar o sentido "explícito" e"implícito" das notícias em pauta; articulação do conteúdo de
um a matéria/notícia co m outras matérias/notícias veiculadas no
Inesmo telejonlal; anúlise crítica das matérias/notícias: separar
dado bruto/ opinião ideológica! valores/ representações simbó-licas do conteúdo. '
3. Crítica ideológica: o grupo deve se posicionar sobre o conteú
do do documento e as artimanhas de su a '"'linguagem"; comparação co m outros jornais (eletrônicos e impressos); pesquisa de
conteúdo do s temas, buscando enriquecer as opiniões ;explicitação dos conceitos veiculados; sistematização das con
tradições do documento e reflexão sobre as opiniões contras
tantes surgidas no grupo.
4. Síntese da s fases anteriores: sistematização dos valores e opi
niões surgidos durante o trabalho; articulação co m o conteúdo
estudado no curso; sistematização das formas de recepção do
documento televisivo ocorridas no trabalho em grupo.
Na análise centrada em temas específicos ou eventos singulares de
grande amplitude, o documento telejornal se oferece COnlO um verda
deiro laboratório para catalisar a dinâmica histórica do tempo presente,no qual todos estamos envolvidos. As fonnas de construção e articula
ção de temas e eventos que são apresentados no telejornal não só podem
revelar as artimanhas ideológicas, mas o conjunto de representações s1n1-
bólicas que perpassa as contradições da sociedade em que vivemos. O
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problema central é a dificuldade de se delitnitar se a mídia só faz circu
lar um evento pela sociedade ou se ela articula a própria experiência
social deste evento. A relação entre evento e mídia suscita algUI11aS re
flexões muito instigantes C0I11 as quais o professor deveria entrar ctn
contato (NORA; VERON).
Tendo por base que a TV é um espaço público, ainda que eletrôni·
co, Inuito singular, pois está submetido a interesses comerciais de gran
de escala, devemos ter claro que sua experiência cotidiana interfere na
dinâmica de assimilação social dos eventos históricos, reduzindo-os aum tempo quase imediato. Em outras palavras, a distância temporal qu e
ia da percepção que um grupo ou indivíduo tinha do dado i11lediato bru
to até a elaboração de uln evento histórico (sentido simbólico e produto
do cruzamento de diversas experiências individuais e coletivas), pas
sando pela construção do/ato social (sentido lógico minimamente COIll
partilbado), se reduz ao extremo. Dado/Fato/Evento, três unidades bási·
cas da experiência c da ref1exão histórica, quase se fundem, operados na
dinâmica da comunicação de Inassa.
O telejornal não só fornece o Dado, l11as o organiza como Fato c,
posteriormente, como Evento, desenvolvendo-o enl pequenos subeventos
qu e são explorados ao longo de um tempo, até o seu esgotanlento
jornalístico - o qu e os jornalistas chmnanl de "esfrialnento" da notícia.
Geralmente é esta a dinâmica que está por trás da cobertura da s grandes
tragédias coletivas. Da informação imediata às explicações causais c às
dramatizações, operadas e increIncntadas pela própria linguagcIn do
meio, é que se realiza a meniória histórica c a ideologia dominante. Ma s
também conCorreI11 nesse processo as detnandas e projetos de grupos
sociais diversos e heterogêneos, os quais os programas televisivos de
grande audiência não podem negligenciar, sob pena de perder "consu
midores".
Por fim, é importante salientar qu e a televisão se real iza pela sedu
ção, pela projeção de fantasias e sonbos, pela simples e necessária dis
tração. MeSl110 denunciando que estes elementos sejmn manipulados.
pelos interesses do "sistema", é ingenuidade pensar que o ensino esco
lar crítico pode se contrapor a eles, negá-los ou vencê-los. Nã o se trata
disso. Um trabalho co m as "novas linguagens" não obtém sucesso iso
lado da ação sobre as condições gerais da escola e do ensino de História
em particular. Até agora as iniciativas - experiências concretas e traba-
16 0
lhos teóricos ou informativos apenas têm apontado algumas possibili
dades para superar a crise c o descompasso escolar em relação às ex
periências sociais vividas pelos alunos.
Encarar o desafio de trabalhar criticamente co m o documento
televisual me parece mais produtivo do que o costumeiro exercício de
retórica pseudocrítica, no qual alunos e professores falam n1al da televi
sao, do "sistema", da "alienação" durante as aulas c, ao chegar CIn seus
lares, na solidão c no silêncio, se entregam à sua luz Inágica e abismal.
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162
~ ' . : J- .", --------HISTÓRIA E ENSINO:
O TEMA DO SISTEMA DE FÁBRICAVISTO ATRAVÉS DE FILMES
Carlos Alherto Vesentinj-
I
Vou comentar apenas algumas experiências realizadas!, voltadaspara a sala de aula, local onde a real ização nã o começa, Jnas culmina
C0010 debate e cotejanlcnto e articul-ação de i d é i a s ~ .
Em primeiro lugar, pensou-se o conjunto do curso a se r oferecido e
em sua tClTIática, procurou-se um a relação de filmes que se relacionanl
co m a mesmaJ. Nesse sentido, são experiências em qu e a fita se localiza
dentro de um curso e de um a temática específicos.O tema aqui discutido foi, grosso modo, O do sistema de fábrica.
Isso implica um a reaproximação de UlTI teI11a bastante tradicional doensino, o da Revolução Industrial. Duas ordens de considerações defini
rUI11 essa reaproxilTIação, entendida corno revisão. De um lado, comoRevolução Industrial tão-somente e na esteira de manuais disponíveis, a
discussão corre o risco de centrar-se nos processos peculiares à Ingla
terra do final do século XVIII e primeira metade do XIX, discussão essa
que pode voltar-se para quais foram as máquinas c por que na Inglaterra 4. Fo i precisamente o que pretendi evitar. Preferi UI'll tema qu e desse
maior liberdade no tratamento de um conjunto temporal maior, tendo
* Professur doutor do J)cpartamenlu de I-Iislória da Universidade de São
Paulo, in memo r i an .
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