BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

70
1 JANNAYNA MARTINS SALES BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS: DIAGNÓSTICO DE UMA NEGLIGÊNCIA. Brasília, fevereiro de 2016

Transcript of BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

Page 1: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

1

JANNAYNA MARTINS SALES

BIOEacuteTICA E VIOLEcircNCIA DE GEcircNERO NOS POVOS INDIacuteGENAS DIAGNOacuteSTICO DE UMA NEGLIGEcircNCIA

Brasiacutelia fevereiro de 2016

2

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM BIOEacuteTICA

JANNAYNA MARTINS SALES

BIOEacuteTICA E VIOLEcircNCIA DE GEcircNERO NOS POVOS INDIacuteGENAS DIAGNOacuteSTICO DE UMA NEGLIGEcircNCIA

Dissertaccedilatildeo apresentada como requisito parcial para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre em Bioeacutetica pelo Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia

Orientador Prof Dr Claacuteudio Lorenzo

BRASIacuteLIA

2016

3

JANNAYNA MARTINS SALES

BIOEacuteTICA E VIOLEcircNCIA DE GEcircNERO NOS POVOS INDIacuteGENAS DIAGNOacuteSTICO DE UMA NEGLIGEcircNCIA

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

________________________ Claacuteudio Lorenzo ndash Presidente

Universidade de Brasiacutelia

______________________ Aline Albuquerque SantrsquoAnna de Oliveira

Membro titular interno ao programa Universidade de Brasiacutelia

______________________

Ximena PamelaDiaz Bermudez Membro titular externo ao programa

Universidade de Brasiacutelia

______________________ Maria Gloria de Lima

Membro titular interno ao programa Universidade de Brasiacutelia

Tese apresentada como requisito parcial para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestra em Bioeacutetica pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia

4

Agraves mulheres de garra que reescrevem a nossa histoacuteria a partir de suas lutas e conquistas

Agrave minha matildee que me ensinou esse caminho como o caminho da sobrevivecircncia

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo imensamente ao meu orientador Prof Dr Claudio Lorenzo pelo

comprometimento atenccedilatildeo e cuidado que me motivaram a buscar um crescimento

constante

Agradeccedilo a minha famiacutelia e amigos que me compreenderam e me acolheram em

todas as etapas

6

Sonhe com o que vocecirc quiser Vaacute para onde vocecirc queira ir Seja o que vocecirc quer ser porque vocecirc possui apenas uma vida

e nela soacute temos uma chance de fazer aquilo que queremos Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce Dificuldades

para fazecirc-la forte Tristeza para fazecirc-la humana E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

(Clarice Lispector)

7

Resumo

As estatiacutesticas sobre a violecircncia de gecircnero tem sido impactantes e uma seacuterie de medidas poliacuteticas juriacutedicas e institucionaistem sido desenvolvidas com a intenccedilatildeo de coibir o problema obtendo ateacute agora apenas uma discreta melhoria da situaccedilatildeo Entretanto a questatildeo da violecircncia contra a mulher indiacutegena natildeo parece vir recebendo uma atenccedilatildeo especial apesar delas virem denunciado em seus foacuteruns e movimentos as violecircncias de que satildeo viacutetimas O objetivo deste trabalho foi traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional e por programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiros agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica Utilizou-se como meacutetodo a revisatildeo integrativa tal como proposta por Whittemore e Knalf O levantamento da literatura teve por base os artigos cientiacuteficos brasileiros indexados nas bases SCIELO e LILACS usando-se os descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo A escolha de programas e poliacuteticas foi feita por conveniecircncia elegendo-seaqueles relacionados agrave sauacutede e proteccedilatildeo dos povos indiacutegenas e das mulheresDentre os 570 artigos encontrados 66 atenderam aos criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo e fazem parte do estudo Entre os resultados vale notar que natildeo foi encontrado nenhum artigodirigido ao problema especiacutefico da violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena Apenas 7 abordaram em seus textos a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e de considerar aspectos histoacutericos e eacutetnicos ao tratar do tema Nenhum deles foi produzido a partir de uma perspectiva bioeacutetica Quatro poliacuteticas e programas institucionais foram estudados Todos abordaram ao menos indiretamente o problema mas natildeo constavam de diretrizes ou accedilotildees especiacuteficas visando uma adequaccedilatildeo intercultural das medidas O referencial teoacuterico com o qual os resultados foram discutidos foi sustentado na Bioeacutetica Criacutetica enquanto campo reflexivo e de compromisso praacutetico com a transformaccedilatildeo da realidade e emancipaccedilatildeo de grupos em desvantagens sociais historicamente determinadas Eacute dado ecircnfase tambeacutem aos estudos de colonialidade a partir dos quais a negligecircncia identificada foi atribuiacuteda agrave uma colonialidade de saber e de poder Conclui-se que a crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado e com esse panorama invisiacutevel e negligente promove uma grande lacuna a ser preenchida por estudos nessa aacuterea Considera-se ainda a necessidade de construccedilotildees descoloniais de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero O estudo conclui pela necessidade da divulgaccedilatildeo da invisibilidade cientiacutefica einstitucional detectadase propotildee entre outros caminhos uma maior inserccedilatildeo do tema nas graduaccedilotildees e poacutes-graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica quanto em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais especiacuteficos para estudos etnograacuteficos sobre relaccedilotildees de gecircnero ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia focando os registros de violecircncia de gecircnero em contexto indiacutegena e muito especialmente a promoccedilatildeo de

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 2: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

2

UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

FACULDADE DE CIEcircNCIAS DA SAUacuteDE

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM BIOEacuteTICA

JANNAYNA MARTINS SALES

BIOEacuteTICA E VIOLEcircNCIA DE GEcircNERO NOS POVOS INDIacuteGENAS DIAGNOacuteSTICO DE UMA NEGLIGEcircNCIA

Dissertaccedilatildeo apresentada como requisito parcial para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre em Bioeacutetica pelo Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia

Orientador Prof Dr Claacuteudio Lorenzo

BRASIacuteLIA

2016

3

JANNAYNA MARTINS SALES

BIOEacuteTICA E VIOLEcircNCIA DE GEcircNERO NOS POVOS INDIacuteGENAS DIAGNOacuteSTICO DE UMA NEGLIGEcircNCIA

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

________________________ Claacuteudio Lorenzo ndash Presidente

Universidade de Brasiacutelia

______________________ Aline Albuquerque SantrsquoAnna de Oliveira

Membro titular interno ao programa Universidade de Brasiacutelia

______________________

Ximena PamelaDiaz Bermudez Membro titular externo ao programa

Universidade de Brasiacutelia

______________________ Maria Gloria de Lima

Membro titular interno ao programa Universidade de Brasiacutelia

Tese apresentada como requisito parcial para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestra em Bioeacutetica pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia

4

Agraves mulheres de garra que reescrevem a nossa histoacuteria a partir de suas lutas e conquistas

Agrave minha matildee que me ensinou esse caminho como o caminho da sobrevivecircncia

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo imensamente ao meu orientador Prof Dr Claudio Lorenzo pelo

comprometimento atenccedilatildeo e cuidado que me motivaram a buscar um crescimento

constante

Agradeccedilo a minha famiacutelia e amigos que me compreenderam e me acolheram em

todas as etapas

6

Sonhe com o que vocecirc quiser Vaacute para onde vocecirc queira ir Seja o que vocecirc quer ser porque vocecirc possui apenas uma vida

e nela soacute temos uma chance de fazer aquilo que queremos Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce Dificuldades

para fazecirc-la forte Tristeza para fazecirc-la humana E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

(Clarice Lispector)

7

Resumo

As estatiacutesticas sobre a violecircncia de gecircnero tem sido impactantes e uma seacuterie de medidas poliacuteticas juriacutedicas e institucionaistem sido desenvolvidas com a intenccedilatildeo de coibir o problema obtendo ateacute agora apenas uma discreta melhoria da situaccedilatildeo Entretanto a questatildeo da violecircncia contra a mulher indiacutegena natildeo parece vir recebendo uma atenccedilatildeo especial apesar delas virem denunciado em seus foacuteruns e movimentos as violecircncias de que satildeo viacutetimas O objetivo deste trabalho foi traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional e por programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiros agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica Utilizou-se como meacutetodo a revisatildeo integrativa tal como proposta por Whittemore e Knalf O levantamento da literatura teve por base os artigos cientiacuteficos brasileiros indexados nas bases SCIELO e LILACS usando-se os descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo A escolha de programas e poliacuteticas foi feita por conveniecircncia elegendo-seaqueles relacionados agrave sauacutede e proteccedilatildeo dos povos indiacutegenas e das mulheresDentre os 570 artigos encontrados 66 atenderam aos criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo e fazem parte do estudo Entre os resultados vale notar que natildeo foi encontrado nenhum artigodirigido ao problema especiacutefico da violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena Apenas 7 abordaram em seus textos a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e de considerar aspectos histoacutericos e eacutetnicos ao tratar do tema Nenhum deles foi produzido a partir de uma perspectiva bioeacutetica Quatro poliacuteticas e programas institucionais foram estudados Todos abordaram ao menos indiretamente o problema mas natildeo constavam de diretrizes ou accedilotildees especiacuteficas visando uma adequaccedilatildeo intercultural das medidas O referencial teoacuterico com o qual os resultados foram discutidos foi sustentado na Bioeacutetica Criacutetica enquanto campo reflexivo e de compromisso praacutetico com a transformaccedilatildeo da realidade e emancipaccedilatildeo de grupos em desvantagens sociais historicamente determinadas Eacute dado ecircnfase tambeacutem aos estudos de colonialidade a partir dos quais a negligecircncia identificada foi atribuiacuteda agrave uma colonialidade de saber e de poder Conclui-se que a crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado e com esse panorama invisiacutevel e negligente promove uma grande lacuna a ser preenchida por estudos nessa aacuterea Considera-se ainda a necessidade de construccedilotildees descoloniais de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero O estudo conclui pela necessidade da divulgaccedilatildeo da invisibilidade cientiacutefica einstitucional detectadase propotildee entre outros caminhos uma maior inserccedilatildeo do tema nas graduaccedilotildees e poacutes-graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica quanto em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais especiacuteficos para estudos etnograacuteficos sobre relaccedilotildees de gecircnero ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia focando os registros de violecircncia de gecircnero em contexto indiacutegena e muito especialmente a promoccedilatildeo de

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 3: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

3

JANNAYNA MARTINS SALES

BIOEacuteTICA E VIOLEcircNCIA DE GEcircNERO NOS POVOS INDIacuteGENAS DIAGNOacuteSTICO DE UMA NEGLIGEcircNCIA

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

________________________ Claacuteudio Lorenzo ndash Presidente

Universidade de Brasiacutelia

______________________ Aline Albuquerque SantrsquoAnna de Oliveira

Membro titular interno ao programa Universidade de Brasiacutelia

______________________

Ximena PamelaDiaz Bermudez Membro titular externo ao programa

Universidade de Brasiacutelia

______________________ Maria Gloria de Lima

Membro titular interno ao programa Universidade de Brasiacutelia

Tese apresentada como requisito parcial para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestra em Bioeacutetica pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia

4

Agraves mulheres de garra que reescrevem a nossa histoacuteria a partir de suas lutas e conquistas

Agrave minha matildee que me ensinou esse caminho como o caminho da sobrevivecircncia

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo imensamente ao meu orientador Prof Dr Claudio Lorenzo pelo

comprometimento atenccedilatildeo e cuidado que me motivaram a buscar um crescimento

constante

Agradeccedilo a minha famiacutelia e amigos que me compreenderam e me acolheram em

todas as etapas

6

Sonhe com o que vocecirc quiser Vaacute para onde vocecirc queira ir Seja o que vocecirc quer ser porque vocecirc possui apenas uma vida

e nela soacute temos uma chance de fazer aquilo que queremos Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce Dificuldades

para fazecirc-la forte Tristeza para fazecirc-la humana E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

(Clarice Lispector)

7

Resumo

As estatiacutesticas sobre a violecircncia de gecircnero tem sido impactantes e uma seacuterie de medidas poliacuteticas juriacutedicas e institucionaistem sido desenvolvidas com a intenccedilatildeo de coibir o problema obtendo ateacute agora apenas uma discreta melhoria da situaccedilatildeo Entretanto a questatildeo da violecircncia contra a mulher indiacutegena natildeo parece vir recebendo uma atenccedilatildeo especial apesar delas virem denunciado em seus foacuteruns e movimentos as violecircncias de que satildeo viacutetimas O objetivo deste trabalho foi traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional e por programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiros agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica Utilizou-se como meacutetodo a revisatildeo integrativa tal como proposta por Whittemore e Knalf O levantamento da literatura teve por base os artigos cientiacuteficos brasileiros indexados nas bases SCIELO e LILACS usando-se os descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo A escolha de programas e poliacuteticas foi feita por conveniecircncia elegendo-seaqueles relacionados agrave sauacutede e proteccedilatildeo dos povos indiacutegenas e das mulheresDentre os 570 artigos encontrados 66 atenderam aos criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo e fazem parte do estudo Entre os resultados vale notar que natildeo foi encontrado nenhum artigodirigido ao problema especiacutefico da violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena Apenas 7 abordaram em seus textos a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e de considerar aspectos histoacutericos e eacutetnicos ao tratar do tema Nenhum deles foi produzido a partir de uma perspectiva bioeacutetica Quatro poliacuteticas e programas institucionais foram estudados Todos abordaram ao menos indiretamente o problema mas natildeo constavam de diretrizes ou accedilotildees especiacuteficas visando uma adequaccedilatildeo intercultural das medidas O referencial teoacuterico com o qual os resultados foram discutidos foi sustentado na Bioeacutetica Criacutetica enquanto campo reflexivo e de compromisso praacutetico com a transformaccedilatildeo da realidade e emancipaccedilatildeo de grupos em desvantagens sociais historicamente determinadas Eacute dado ecircnfase tambeacutem aos estudos de colonialidade a partir dos quais a negligecircncia identificada foi atribuiacuteda agrave uma colonialidade de saber e de poder Conclui-se que a crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado e com esse panorama invisiacutevel e negligente promove uma grande lacuna a ser preenchida por estudos nessa aacuterea Considera-se ainda a necessidade de construccedilotildees descoloniais de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero O estudo conclui pela necessidade da divulgaccedilatildeo da invisibilidade cientiacutefica einstitucional detectadase propotildee entre outros caminhos uma maior inserccedilatildeo do tema nas graduaccedilotildees e poacutes-graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica quanto em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais especiacuteficos para estudos etnograacuteficos sobre relaccedilotildees de gecircnero ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia focando os registros de violecircncia de gecircnero em contexto indiacutegena e muito especialmente a promoccedilatildeo de

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 4: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

4

Agraves mulheres de garra que reescrevem a nossa histoacuteria a partir de suas lutas e conquistas

Agrave minha matildee que me ensinou esse caminho como o caminho da sobrevivecircncia

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo imensamente ao meu orientador Prof Dr Claudio Lorenzo pelo

comprometimento atenccedilatildeo e cuidado que me motivaram a buscar um crescimento

constante

Agradeccedilo a minha famiacutelia e amigos que me compreenderam e me acolheram em

todas as etapas

6

Sonhe com o que vocecirc quiser Vaacute para onde vocecirc queira ir Seja o que vocecirc quer ser porque vocecirc possui apenas uma vida

e nela soacute temos uma chance de fazer aquilo que queremos Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce Dificuldades

para fazecirc-la forte Tristeza para fazecirc-la humana E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

(Clarice Lispector)

7

Resumo

As estatiacutesticas sobre a violecircncia de gecircnero tem sido impactantes e uma seacuterie de medidas poliacuteticas juriacutedicas e institucionaistem sido desenvolvidas com a intenccedilatildeo de coibir o problema obtendo ateacute agora apenas uma discreta melhoria da situaccedilatildeo Entretanto a questatildeo da violecircncia contra a mulher indiacutegena natildeo parece vir recebendo uma atenccedilatildeo especial apesar delas virem denunciado em seus foacuteruns e movimentos as violecircncias de que satildeo viacutetimas O objetivo deste trabalho foi traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional e por programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiros agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica Utilizou-se como meacutetodo a revisatildeo integrativa tal como proposta por Whittemore e Knalf O levantamento da literatura teve por base os artigos cientiacuteficos brasileiros indexados nas bases SCIELO e LILACS usando-se os descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo A escolha de programas e poliacuteticas foi feita por conveniecircncia elegendo-seaqueles relacionados agrave sauacutede e proteccedilatildeo dos povos indiacutegenas e das mulheresDentre os 570 artigos encontrados 66 atenderam aos criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo e fazem parte do estudo Entre os resultados vale notar que natildeo foi encontrado nenhum artigodirigido ao problema especiacutefico da violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena Apenas 7 abordaram em seus textos a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e de considerar aspectos histoacutericos e eacutetnicos ao tratar do tema Nenhum deles foi produzido a partir de uma perspectiva bioeacutetica Quatro poliacuteticas e programas institucionais foram estudados Todos abordaram ao menos indiretamente o problema mas natildeo constavam de diretrizes ou accedilotildees especiacuteficas visando uma adequaccedilatildeo intercultural das medidas O referencial teoacuterico com o qual os resultados foram discutidos foi sustentado na Bioeacutetica Criacutetica enquanto campo reflexivo e de compromisso praacutetico com a transformaccedilatildeo da realidade e emancipaccedilatildeo de grupos em desvantagens sociais historicamente determinadas Eacute dado ecircnfase tambeacutem aos estudos de colonialidade a partir dos quais a negligecircncia identificada foi atribuiacuteda agrave uma colonialidade de saber e de poder Conclui-se que a crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado e com esse panorama invisiacutevel e negligente promove uma grande lacuna a ser preenchida por estudos nessa aacuterea Considera-se ainda a necessidade de construccedilotildees descoloniais de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero O estudo conclui pela necessidade da divulgaccedilatildeo da invisibilidade cientiacutefica einstitucional detectadase propotildee entre outros caminhos uma maior inserccedilatildeo do tema nas graduaccedilotildees e poacutes-graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica quanto em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais especiacuteficos para estudos etnograacuteficos sobre relaccedilotildees de gecircnero ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia focando os registros de violecircncia de gecircnero em contexto indiacutegena e muito especialmente a promoccedilatildeo de

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 5: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo imensamente ao meu orientador Prof Dr Claudio Lorenzo pelo

comprometimento atenccedilatildeo e cuidado que me motivaram a buscar um crescimento

constante

Agradeccedilo a minha famiacutelia e amigos que me compreenderam e me acolheram em

todas as etapas

6

Sonhe com o que vocecirc quiser Vaacute para onde vocecirc queira ir Seja o que vocecirc quer ser porque vocecirc possui apenas uma vida

e nela soacute temos uma chance de fazer aquilo que queremos Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce Dificuldades

para fazecirc-la forte Tristeza para fazecirc-la humana E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

(Clarice Lispector)

7

Resumo

As estatiacutesticas sobre a violecircncia de gecircnero tem sido impactantes e uma seacuterie de medidas poliacuteticas juriacutedicas e institucionaistem sido desenvolvidas com a intenccedilatildeo de coibir o problema obtendo ateacute agora apenas uma discreta melhoria da situaccedilatildeo Entretanto a questatildeo da violecircncia contra a mulher indiacutegena natildeo parece vir recebendo uma atenccedilatildeo especial apesar delas virem denunciado em seus foacuteruns e movimentos as violecircncias de que satildeo viacutetimas O objetivo deste trabalho foi traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional e por programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiros agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica Utilizou-se como meacutetodo a revisatildeo integrativa tal como proposta por Whittemore e Knalf O levantamento da literatura teve por base os artigos cientiacuteficos brasileiros indexados nas bases SCIELO e LILACS usando-se os descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo A escolha de programas e poliacuteticas foi feita por conveniecircncia elegendo-seaqueles relacionados agrave sauacutede e proteccedilatildeo dos povos indiacutegenas e das mulheresDentre os 570 artigos encontrados 66 atenderam aos criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo e fazem parte do estudo Entre os resultados vale notar que natildeo foi encontrado nenhum artigodirigido ao problema especiacutefico da violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena Apenas 7 abordaram em seus textos a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e de considerar aspectos histoacutericos e eacutetnicos ao tratar do tema Nenhum deles foi produzido a partir de uma perspectiva bioeacutetica Quatro poliacuteticas e programas institucionais foram estudados Todos abordaram ao menos indiretamente o problema mas natildeo constavam de diretrizes ou accedilotildees especiacuteficas visando uma adequaccedilatildeo intercultural das medidas O referencial teoacuterico com o qual os resultados foram discutidos foi sustentado na Bioeacutetica Criacutetica enquanto campo reflexivo e de compromisso praacutetico com a transformaccedilatildeo da realidade e emancipaccedilatildeo de grupos em desvantagens sociais historicamente determinadas Eacute dado ecircnfase tambeacutem aos estudos de colonialidade a partir dos quais a negligecircncia identificada foi atribuiacuteda agrave uma colonialidade de saber e de poder Conclui-se que a crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado e com esse panorama invisiacutevel e negligente promove uma grande lacuna a ser preenchida por estudos nessa aacuterea Considera-se ainda a necessidade de construccedilotildees descoloniais de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero O estudo conclui pela necessidade da divulgaccedilatildeo da invisibilidade cientiacutefica einstitucional detectadase propotildee entre outros caminhos uma maior inserccedilatildeo do tema nas graduaccedilotildees e poacutes-graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica quanto em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais especiacuteficos para estudos etnograacuteficos sobre relaccedilotildees de gecircnero ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia focando os registros de violecircncia de gecircnero em contexto indiacutegena e muito especialmente a promoccedilatildeo de

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 6: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

6

Sonhe com o que vocecirc quiser Vaacute para onde vocecirc queira ir Seja o que vocecirc quer ser porque vocecirc possui apenas uma vida

e nela soacute temos uma chance de fazer aquilo que queremos Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce Dificuldades

para fazecirc-la forte Tristeza para fazecirc-la humana E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz

(Clarice Lispector)

7

Resumo

As estatiacutesticas sobre a violecircncia de gecircnero tem sido impactantes e uma seacuterie de medidas poliacuteticas juriacutedicas e institucionaistem sido desenvolvidas com a intenccedilatildeo de coibir o problema obtendo ateacute agora apenas uma discreta melhoria da situaccedilatildeo Entretanto a questatildeo da violecircncia contra a mulher indiacutegena natildeo parece vir recebendo uma atenccedilatildeo especial apesar delas virem denunciado em seus foacuteruns e movimentos as violecircncias de que satildeo viacutetimas O objetivo deste trabalho foi traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional e por programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiros agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica Utilizou-se como meacutetodo a revisatildeo integrativa tal como proposta por Whittemore e Knalf O levantamento da literatura teve por base os artigos cientiacuteficos brasileiros indexados nas bases SCIELO e LILACS usando-se os descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo A escolha de programas e poliacuteticas foi feita por conveniecircncia elegendo-seaqueles relacionados agrave sauacutede e proteccedilatildeo dos povos indiacutegenas e das mulheresDentre os 570 artigos encontrados 66 atenderam aos criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo e fazem parte do estudo Entre os resultados vale notar que natildeo foi encontrado nenhum artigodirigido ao problema especiacutefico da violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena Apenas 7 abordaram em seus textos a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e de considerar aspectos histoacutericos e eacutetnicos ao tratar do tema Nenhum deles foi produzido a partir de uma perspectiva bioeacutetica Quatro poliacuteticas e programas institucionais foram estudados Todos abordaram ao menos indiretamente o problema mas natildeo constavam de diretrizes ou accedilotildees especiacuteficas visando uma adequaccedilatildeo intercultural das medidas O referencial teoacuterico com o qual os resultados foram discutidos foi sustentado na Bioeacutetica Criacutetica enquanto campo reflexivo e de compromisso praacutetico com a transformaccedilatildeo da realidade e emancipaccedilatildeo de grupos em desvantagens sociais historicamente determinadas Eacute dado ecircnfase tambeacutem aos estudos de colonialidade a partir dos quais a negligecircncia identificada foi atribuiacuteda agrave uma colonialidade de saber e de poder Conclui-se que a crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado e com esse panorama invisiacutevel e negligente promove uma grande lacuna a ser preenchida por estudos nessa aacuterea Considera-se ainda a necessidade de construccedilotildees descoloniais de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero O estudo conclui pela necessidade da divulgaccedilatildeo da invisibilidade cientiacutefica einstitucional detectadase propotildee entre outros caminhos uma maior inserccedilatildeo do tema nas graduaccedilotildees e poacutes-graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica quanto em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais especiacuteficos para estudos etnograacuteficos sobre relaccedilotildees de gecircnero ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia focando os registros de violecircncia de gecircnero em contexto indiacutegena e muito especialmente a promoccedilatildeo de

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 7: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

7

Resumo

As estatiacutesticas sobre a violecircncia de gecircnero tem sido impactantes e uma seacuterie de medidas poliacuteticas juriacutedicas e institucionaistem sido desenvolvidas com a intenccedilatildeo de coibir o problema obtendo ateacute agora apenas uma discreta melhoria da situaccedilatildeo Entretanto a questatildeo da violecircncia contra a mulher indiacutegena natildeo parece vir recebendo uma atenccedilatildeo especial apesar delas virem denunciado em seus foacuteruns e movimentos as violecircncias de que satildeo viacutetimas O objetivo deste trabalho foi traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional e por programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiros agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica Utilizou-se como meacutetodo a revisatildeo integrativa tal como proposta por Whittemore e Knalf O levantamento da literatura teve por base os artigos cientiacuteficos brasileiros indexados nas bases SCIELO e LILACS usando-se os descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo A escolha de programas e poliacuteticas foi feita por conveniecircncia elegendo-seaqueles relacionados agrave sauacutede e proteccedilatildeo dos povos indiacutegenas e das mulheresDentre os 570 artigos encontrados 66 atenderam aos criteacuterios de inclusatildeo e exclusatildeo e fazem parte do estudo Entre os resultados vale notar que natildeo foi encontrado nenhum artigodirigido ao problema especiacutefico da violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena Apenas 7 abordaram em seus textos a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e de considerar aspectos histoacutericos e eacutetnicos ao tratar do tema Nenhum deles foi produzido a partir de uma perspectiva bioeacutetica Quatro poliacuteticas e programas institucionais foram estudados Todos abordaram ao menos indiretamente o problema mas natildeo constavam de diretrizes ou accedilotildees especiacuteficas visando uma adequaccedilatildeo intercultural das medidas O referencial teoacuterico com o qual os resultados foram discutidos foi sustentado na Bioeacutetica Criacutetica enquanto campo reflexivo e de compromisso praacutetico com a transformaccedilatildeo da realidade e emancipaccedilatildeo de grupos em desvantagens sociais historicamente determinadas Eacute dado ecircnfase tambeacutem aos estudos de colonialidade a partir dos quais a negligecircncia identificada foi atribuiacuteda agrave uma colonialidade de saber e de poder Conclui-se que a crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado e com esse panorama invisiacutevel e negligente promove uma grande lacuna a ser preenchida por estudos nessa aacuterea Considera-se ainda a necessidade de construccedilotildees descoloniais de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero O estudo conclui pela necessidade da divulgaccedilatildeo da invisibilidade cientiacutefica einstitucional detectadase propotildee entre outros caminhos uma maior inserccedilatildeo do tema nas graduaccedilotildees e poacutes-graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica quanto em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais especiacuteficos para estudos etnograacuteficos sobre relaccedilotildees de gecircnero ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia focando os registros de violecircncia de gecircnero em contexto indiacutegena e muito especialmente a promoccedilatildeo de

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 8: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

8

espaccedilos e foacuteruns a partir dos quais as proacuteprias mulheres construam accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo intracomunitaacuterias culturalmente adequadas

Palavras-Chave Violecircncia de gecircnero Povos indiacutegenas Colonialismo Bioeacutetica criacutetica ABSTRACT Gender-based violence statistics have been striking the society with important numbers so a series of political legal and institutional measures have been developed with the intention to restrain the problem resulting only on a slight improvement in the situation Violence against indigenous women on another account doesnrsquot seem to be receiving any special attention although these women have been reporting in forums and through specific social movements all the violence they suffer The objective of this study was to establish an overview of the approach taken by the Brazilian scientific production and both public programs and policies on gender-based violence in the context of indigenous peoples and analyze its results in the perspective of Critical Bioethics It was used an integrative review as proposed by Whittemore and Knalf The literature review was based on the Brazilian scientific articles indexed in SCIELO and LILACS using the following descriptors violence against women gender violence and bioethics separately and in combination with the following keywords indigenous peoples indigenous population and indigenous The choice of programs and policies was made by convenience in order to elect those related to either health or protection of indigenous peoples and women Among the 570 articles found 66 met both the inclusion and exclusion criteria to be part of the study Among the results no article addressed the specific issue of gender violence against indigenous women was foundand only 7 addressed in its considerations the need to expand studies to indigenous populations and to consider historical and ethnic aspects when addressing the issue None of them was produced from a Bioethical perspective Four political and institutional programs were studied All covered at least indirectly the problem but didnrsquot contain specific guidelines or actions to an intercultural appropriateness of the guidelines The theoretical framework with which the results were discussed was held based on a Critical Bioethics as a reflective field and a practical commitment to the transformation of reality and emancipation of groups singled out by an historically determined social disadvantage We also emphasize colonialism studies from which the identified negligence was attributed to onersquos colonialism of knowledge and power We conclude that the cruelty and the helplessness to women victims of violence increases as the conception of the modern state and the free market move forward and this invisible and negligent panorama promotes a large gap to be filled by studies in this area It also considers the need for non colonialist buildings of plural paths both for the scientific field and to public policies laws and institutional safety nets which also implies in an ethical dimension of opening spaces for intercultural dialogue with a changing overview on structures and social relations of gender The study concludes the need to point out the scientific and institutional invisibility of the chosen subject and proposes greater integration of the theme at the undergraduate and postgraduate courses both in bioethics and in public health the development of

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 9: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

9

specific notices to ethnographic studies on gender relations expanded studies in police reports focusing on gender violence records in the indigenous perspective and the promotion and dissemination of spaces and forums from which women themselves can build actions and networks of knowledge and culturally appropriate intra protection Keywords Gender violence Indian peopleColonialismcritical bioethics

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 10: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

10

Lista de Quadros Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo agrave categoria de objetivos agrave citaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegena e aos aspectos eacuteticos ou bioeacuteticosabordados Quadro 2 Porcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos Quadro 3 Poliacuteticas e programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agrave presenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 11: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

11

Lista de Abreviaturas e Siglas SCIELO ndash Scientific Eletronic Library Online LILACS ndash Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede PNASPI ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas PNASM ndash Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher PNEVCM ndash Pacto Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres PNPM ndash Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres SUS ndash Sistema Uacutenico de Sauacutede CRAM ndash Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher CREAS ndash Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social CUT ndash Central Uacutenica dos Trabalhadores AMNB ndash Articulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras SPM-PR ndash Secretaria de Poliacuteticas Para Mulheres CEDAW ndash Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 12: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

12

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 13

2 JUSTIFICATIVA 17

3 OBJETIVOS 18

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO 19

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees 19

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance 23

43 Bioeacutetica Criacutetica 24

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber 30

45 Interculturalidade e Direitos Humanos 33

46 Feminismo 36

5 METODOLOGIA 39

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO 41

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 55

8 REFEREcircNCIAS 57

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 13: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...

13

1 INTRODUCcedilAtildeO

Os impactos da violecircncia fiacutesica psicoloacutegica ou simboacutelica sobre a sauacutede das

mulheres tecircm sido amplamente discutidos na literatura brasileira e internacional O

Brasil ocupa o 7ordm lugar no ranking mundial de violecircncia contra mulheres em uma lista

de 84 paiacuteses ficando atraacutes apenas da Colocircmbia na Ameacuterica Latina e sustentando

um iacutendice de 44 assassinatos para cada 100 mil mulheres(1)

Eacute alarmante o fato de que 48 das mulheres satildeo viacutetimas de violecircncia em sua

proacutepria casa (2)Cerca de 20 dos filhos satildeo viacutetimas diretas com as matildees (3) e eacute

tambeacutem comum que mesmo quando natildeo satildeo fisicamente agredidas as crianccedilas

presenciem as cenas de violecircncia As implicaccedilotildees dessas experiecircncias tendem a se

refletir na naturalizaccedilatildeo do comportamento agressivo e na reproduccedilatildeo da violecircncia

em seus futuros relacionamentos ou ciacuterculos sociais

No Brasil desde a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006o combate agrave

violecircncia contra a mulher obteve avanccedilos no que se refere ao aumento de denuacutencias

por parte das mulheres e agrave criaccedilatildeo de mecanismos sociais para sua repressatildeo

Entretanto nuacutemeros atuais mostram que ainda haacute muito a se fazer

O crime de feminiciacutedio por exemplo teveapenas um pequeno decliacutenio em

2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 mas em 2010

esse iacutendice jaacute havia voltado a crescer (4) A recente tipificaccedilatildeo do feminiciacutedio como

crime hediondo impondo diversos agravantes agrave condenaccedilatildeo tornou-se outro

importante instrumento juriacutedico de combate

Na esfera do Poder Executivo o Plano Nacional de Poliacuteticas para Mulheres

lanccedilado em 2005 instituiu uma Rede de Atendimento a Mulheres em Situaccedilatildeo de

Violecircncia que articula accedilotildees e serviccedilos nas aacutereas de assistecircncia social justiccedila

seguranccedila puacuteblica e sauacutede (5)Esta rede busca assegurar a partir de estruturas

administrativas de atendimento sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas

da violecircncia se encontram a identificaccedilatildeo e os encaminhamentos adequados aleacutem

da integralidade e humanizaccedilatildeo da assistecircncia Seraacute composta por serviccedilos

especializados como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e

14

os Centros de Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) e

natildeoespecializados necessaacuterias ao atendimento

Natildeo obstante os avanccedilos que tecircm sido alcanccedilados na estruturaccedilatildeo do

combate agrave violecircncia contra a mulher o novo aparato juriacutedico-estatal natildeo parece vir

sendo pensado para abarcar a diversidade cultural do nosso paiacutes em especial no

que se refere aos povos indiacutegenas A Lei Maria da Penha universaliza o tratamento

em relaccedilatildeo agrave etniaraccedila mas natildeo alcanccedila as diversidades encontradas nos

indiacutegenasparticularmente quantoaos sistemas juriacutedicos proacuteprios e agraves redes

comunitaacuterias de proteccedilatildeo

Lorenzo (6) em abordagem bioeacutetica sobre a formulaccedilatildeo de poliacuteticas

puacuteblicasressalta que no contexto sociopoliacutetico de elaboraccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

eacute necessaacuterio que se conheccedilam os sujeitos demandantes e suas principais

necessidades de modo a se respeitar a diversidade entre os grupos alvo das

poliacuteticas Segundo eletanto a matriz simboacutelica de compreensatildeo do processo de

sauacutede-doenccedila como a matriz cultural dos grupos sociais e eacutetnicos excluiacutedos satildeo

diferenciadas daquela em que o formulador se estabelece Desconsiderar esses

elementos pode potencializar as situaccedilotildees vulneraacuteveis nas quais estes vivem

Assim mais que accedilotildees programaacuteticas ou de transposiccedilatildeo de leis

entendemos que seja necessaacuterio estabelecer processos de formulaccedilatildeo participativos

e que levem como diz Lorenzo a condicionar os grupos alvo de modo a capacitaacute-

los para se realizarem plenamente no que diz respeito natildeo soacute ao acesso a

oportunidades bens e serviccedilos como tambeacutem agraves possiblidades de escolha Caso

contraacuterio ressalta o autor o modelo que prega o ldquoautoritarismo meacutedico-cientiacutefico e

o etnocentrismomoral e poliacuteticordquoseraacute fortalecido

Neste sentido natildeo seria adequado fazer uma simples transposiccedilatildeo das leis e

das accedilotildees programaacuteticas previstas pelas poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo

denuacutencia e responsabilizaccedilatildeo sem considerar o universo cultural e social dos

diversos povos Sua adequada aplicaccedilatildeo natildeo pode prescindir de estudos

antropoloacutegicos sobre relaccedilotildees de gecircnero sobre compreensatildeo cultural das causas e

consequecircncias da violecircncia e sobre formaccedilatildeo intracomunitaacuteria de mecanismos de

enfrentamento A elaboraccedilatildeo das vias de aplicaccedilatildeo dos aparatos de proteccedilatildeo e de

outras formas de combate culturalmente mediadas demandaria aleacutem da aplicaccedilatildeo

dos saberes construiacutedos a partir de estudos etnograacuteficos a abertura de amplos

15

foacuteruns de discussatildeo onde as mulheres indiacutegenas fossem ouvidas e propusessem

caminhos

Os estudos socioantropoloacutegicos que investigam as relaccedilotildees entre violecircncia de

gecircnero e justiccedila tecircm procurado discutir como se datildeo as hierarquias sociais e de

gecircnero e conhecer como as mulheres satildeo vitimizadas tanto no seu acircmbito familiar

quanto por estruturas de poder como o Estado Mas natildeo parecem ser frequentes

estudos dedicados agrave questatildeo da mulher indiacutegena

Segato (7) chama a atenccedilatildeo sobre a inexistecircncia de evidecircncias quanto agrave

incidecircncia e agraves diversas formas de violecircncia agraves quais as mulheres indiacutegenas tecircm

sido historicamente submetidas devido agrave escassez de estudos antropoloacutegicos sobre

as relaccedilotildees de gecircnero entre os povos indiacutegenas na Ameacuterica Latina No Brasil talvez

em funccedilatildeo da pequena proporccedilatildeo de indiacutegenas na populaccedilatildeo estudos dessa

natureza satildeo ainda mais escassosJaacute na literatura internacional encontra-se com

maior frequecircncia tanto estudos etnograacuteficos quanto ensaios teoacutericos sobre a

questatildeo a exemplo dos que buscam compreender a percepccedilatildeo das mulheres

indiacutegenas sobre a rede estatal de assistecircncia e proteccedilatildeo (8)analisar a articulaccedilatildeo

histoacuterica entre patriarcalismo colonialismo e capitalismo dentro do processo de

globalizaccedilatildeo como origem de diversos tipos de violecircncia contra a mulher indiacutegena

(9) ou criticar a tendecircncia colonial no discurso antiviolecircncia de algumas correntes do

feminismo em relaccedilatildeo agraves mulheres indiacutegenas (10)

No Brasil conforme censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash

IBGE em 2010 (35) havia817963 pessoas se declararam indiacutegenas Isso

representava menos de 05 da populaccedilatildeo geral do Brasil

De acordo com estudo especial do IBGE divulgado em 2012 o crescimento

da populaccedilatildeo indiacutegena no Brasil no periacuteodo 20102000 natildeo foi significativo

quandocomparado ao periacuteodo 19912000 Este apresentou aumento de 150

contra apenas 114 daquele

Ainda assim o Brasil se destaca na Ameacuterica do Sul por seu ldquosignificativo

contingenterdquo de indiacutegenas Destaca-se tambeacutem pela ldquomiscigenaccedilatildeo entre os

diversos grupos eacutetnicosrdquo que ldquodeu origem a tatildeo numerosas e complicadas

combinaccedilotildees que se torna impossiacutevel chegar a uma classificaccedilatildeo eacutetnica dos

brasileirosrdquo (36)

16

O Censo de 2010 mostra que diminuiu o nuacutemero de pessoas autodeclaradas

como indiacutegenas nas zonas urbanas Isso pode ser um indicativo de que nessas

aacutereas as populaccedilotildees indiacutegenas se tornam invisiacuteveis por influecircncias culturais das

grandes cidades para que sejam integrados agrave essa esfera Mas quando satildeo

atraiacutedas para as regiotildees perifeacutericas ou ainda de volta para suas comunidades

tambeacutem pode indicar um processo etnoculturalinjusto de desempoderamento como

descreve Kymlicka (37) ao tratar do processo migratoacuterio e imigratoacuterio cultural

O que parece claro seja no Brasil seja na maioria os paiacuteses com populaccedilotildees

indiacutegenas eacute que a organizaccedilatildeo e as relaccedilotildees de poder dentro das comunidades

vecircm sofrendo influecircncias das concepccedilotildees de modernidade para alterar padrotildees

culturais e histoacutericos de interaccedilatildeo entre os gecircneros Aleacutem de favorecer as praacuteticas

de violecircncia isso dificulta o encontro de soluccedilotildees culturalmente mediadas Pois o

imperativo moral que conduz os homens a serem cada vez mais sujeitos masculinos

e que os forccedila a comportamentosque provem habilidades de resistecircncia

agressividade e que demonstrem forccedilas beacutelicas poliacuteticas sexual econocircmica e

moral tem como consequecircncia o comportamento violento do homem sobre a mulher

(7)

As mulheres indiacutegenas por meio de associaccedilotildees civis jaacute vecircm denunciando

as violecircncias que sofrem em suas comunidades Em foacuteruns realizados em Roraima

as mulheres declaram que ldquoCresce a violecircncia contra os povos indiacutegenas e suas

lideranccedilas Neste cenaacuterio destaca-se a grande vulnerabilidade pelas vaacuterias formas

de violecircncia que as mulheres e as crianccedilas indiacutegenas sofrem fiacutesica moral

psicoloacutegica entre outrasrdquo(11)

EmMato Grosso (12) e em Brasiacutelia (13)por meio de encontros e oficinas de

trabalho para discutir as pautas das mulheres indiacutegenas elas fizeram apelo por

providecircncias do Estado sobre as causas que levam os homens de suas aldeias a

cometer violecircncias em especial o alcoolismo mal moderno quesegundo elasseduz

os homens e os levam a praacuteticas violentas

Outros estudos(14)(15) jaacute apontam que as mulheres indiacutegenas satildeo viacutetimas

de violecircncia principalmente pela relaccedilatildeo direta com situaccedilotildees que rompem suas

organizaccedilotildees sociais como as perdas territoriais e a ruptura dos viacutenculos sociais

poliacuteticos econocircmicos e religiosos que as colocam em situaccedilatildeo de vulnerabilidade

17

A Bioeacutetica constitui-secomodisciplina produtora e modificadora da histoacuteria

reforccedilando o papel poliacutetico e de respeito agraves culturas a partir dos significados e

siacutembolos de cada uma para a resoluccedilatildeo de problemas Nesse sentido natildeo pode se

ater a anaacutelises principialistas ou doutrinaacuterias previamente definidas (17) Eacute tambeacutem

tarefa da Bioeacutetica a abordagem criacutetica da ciecircncia de seus interesses e produccedilotildees

bem como das consequecircncias sociais das mesmas

A presente dissertaccedilatildeo tem a finalidade de fazer uma revisatildeo integrativa das

publicaccedilotildees cientiacuteficas brasileiras sobre violecircncia de gecircnero com foco na mulher

indiacutegena e nos programas e poliacuteticas puacuteblicas direcionadas agrave sauacutede e agrave proteccedilatildeo da

mulher indiacutegena Busca identificar oque tem sido proposto pela comunidade

cientiacutefica e pelo Estado para a abordagem do problema neste contexto de

interculturalidade Os resultados dessa revisatildeo satildeo analisados na perspectiva da

Bioeacutetica Criacutetica

18

2 JUSTIFICATIVA

Em face do conjunto de demandas reconhecidas pelas mulheres indiacutegenas e

do evidente desenvolvimento de poliacuteticas puacuteblicas que incentivam accedilotildees de combate

agrave violecircncia haacute um conflito entre as formas de adequaccedilatildeo cultural que exige uma

anaacutelise aplicada que ilumine caminhos culturalmente adequados dialogados e

plurais Neste sentido a Bioeacutetica como campo de eacutetica aplicada eacute um

espaccediloapropriado para a anaacutelise dos conflitos caracteriacutesticos ao enfrentamento da

violecircncia de gecircnero contra as mulheres indiacutegenas agrave percepccedilatildeo cientiacutefica do

problema e agrave adequada aplicaccedilatildeo de instrumentos poliacuteticos-institucionais para seu

equacionamento

A bioeacutetica segundo Garrafa (18) tem se dedicado especialmente na

Ameacuterica Latina a construir referecircncias puacuteblicas e a promover a participaccedilatildeo direta

de atores sociais na anaacutelise das responsabilidades de sauacutede e no reconhecimento

da trajetoacuteria histoacuterica e social das pessoas Essa interpretaccedilatildeo natildeo se restringe agrave

esfera privada alcanccedilando o espaccedilo social compartilhado em especial aquele

relacionado agraves questotildees que envolvem os grupos mais fraacutegeis e necessitados

Nesse contexto um estudo bioeacutetico sobre a abordagem dada agrave violecircncia

contra a mulher indiacutegena avaliando a produccedilatildeo cientiacutefica nacional e as poliacuteticas

institucionais de apoio poderaacute dimensionar demandas por atuaccedilotildees culturalmente

adequadas Poderaacute tambeacutem contribuir para a formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de redes

de proteccedilatildeo baseadas em uma construccedilatildeo dialoacutegica intracomunitaacuteria

19

3 OBJETIVOS

Geral

Traccedilar um panorama sobre a abordagem dada pela produccedilatildeo cientiacuteficae por

programas e poliacuteticas puacuteblicas brasileiras agrave violecircncia de gecircnero no contexto dos

povos indiacutegenas e analisar seus resultados na perspectiva da Bioeacutetica Criacutetica

Especiacuteficos

a) Produzir uma ampla revisatildeo dos artigos cientiacuteficos publicados no

periacuteodo de 2000 a 2015 nas bases SCIELO e LILACS sobre violecircncia

de gecircnero

b) Investigar quais os objetivos principais dessa produccedilatildeo e as regiotildees

em que foram produzidas por comparaccedilatildeo aos iacutendices de violecircncia de

gecircnero e agrave presenccedila de povos indiacutegenas

c) Avaliar diretrizes e accedilotildees propostas por programas e poliacuteticas puacuteblicas

relacionados agrave sauacutede da mulher indiacutegena eagrave proteccedilatildeo contra violecircncia

de gecircnero

d) Analisar a partir de uma perspectiva bioeacutetica critica intercultural e

descolonial a abordagem dada agraves questotildees interculturais e em

especial agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena

20

4 REVISAtildeO DE LITERATURA E REFERENCIAL TEOacuteRICO

41 Violecircncia de Gecircnero Conceitos e Tipificaccedilotildees

Entendemos gecircnero como algo que se constitui a partir do conjunto de

relaccedilotildees atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes(19) que permitem melhor

compreensatildeo sobre papeis de mulheres e homens na vida social Desde logo cabe

ressaltar que tal entendimento se distanciada antiga conceituaccedilatildeode base

bioloacutegica(20)

Este conceito possibilita compreender como o gecircnero eacute influenciado

pelasrelaccedilotildees de poder entre o homem e a mulher Por consequecircncia possibilita

tambeacutem compreender como o gecircnero estaacute sujeito a desigualdades e violecircncias que

desestabilizam atributos papeacuteis crenccedilas e atitudes tiacutepicas da mulher na sociedade

Na antropologiacomo jaacute apontado os estudos que investigam as relaccedilotildees

entre violecircncia de gecircnero e justiccedila tecircm discutido natildeo soacute como se datildeo as hierarquias

sociais e de gecircnero mas tambeacutem como as mulheres satildeo vitimizadas no acircmbito

familiar e em estruturas de poder como o Estado (21)Ainda assim natildeo haacute entre os

etnoacutelogos um consenso sobre a questatildeo de gecircnero Como aponta Segato (7) a

posiccedilatildeo predominante da antropologia no Brasil eacute a de que a discussatildeo de gecircnero

em comunidades indiacutegenas subordina-se a estudos de parentesco e de famiacutelia e

que em geral haacute muita reserva entre os etnoacutelogos brasileiros quanto agrave questatildeo de

gecircnero no mundo indiacutegena Segundo a autora haveria disputas poliacuteticas e de

minorias ndash diretos humanos e direitos das mulheres ndash espuacuterias e impostas do

exterior pela visatildeo do mundo aldeia Isso tem tido como consequecircncia a escassez

de estudos etnograacuteficos dessa natureza

No campo social a violecircncia de gecircnero eacute estudada com o olhar voltado para a

violecircncia domeacutestica sexual e familiar Mas jaacute haacute estudos especiacuteficos sobre a

reflexatildeo da ausecircncia de mulheres em espaccedilos institucionais sobre o machismo e o

asseacutedio sexual e moral que as mulheres sofrem e sobre a responsabilidade que as

mulheres deteacutem em seus espaccedilos de vida privada e familiar (22)

21

Jaacute no campo do direito (23)a violecircncia de gecircnero adquire caraacuteter especiacutefico

por causa da judicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais e da contiacutenua incursatildeo do direito na

vida social por meio de normativas que regulam o comportamento social Muitas

vezeso julgamento se faz a partir do olhar criacutetico agraves mulheres viacutetimas de violecircncias

como se estas tivessem sido motivadaspor problemas como falta de confianccedila

baixa autoestima ou dificuldades de comunicaccedilatildeo por parte das mulheres

Em termos de tipificaccedilatildeo legal a Lei Maria da Penha (24)criou mecanismos

para coibir e prevenir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher pois foi

concebida a partir da realidade de violecircncia vivenciada por mulheres inseridas em

um espaccedilo poder ocupado predominantemente pelo homem Esse espaccedilo eacute o da

esfera privada e o do conviacutevio no acircmbito da famiacutelia como comunidade constituiacuteda

por parentesco ou por laccedilos naturais afinidades ou vontades expressasem qualquer

relaccedilatildeo iacutentima de afeto

A Lei Maria da Penha tambeacutem inovou ao trazer conceitos e tipificaccedilotildees das

formas de violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher como a violecircncia

psicoloacutegica moral e patrimonial aleacutem da violecircncia fiacutesica e sexual Diante dessa

caracterizaccedilatildeo especificou mecanismos do Estado a serem disponibilizados para

coibir essas praacuteticas como campanhas educativas e de comunicaccedilatildeo sobre a

violecircncia e o preconceito pelo qual as viacutetimas satildeo submetidas Aleacutem disso propocircs o

desenvolvimento de estudos sobre o fenocircmeno da violecircncia contra mulher inclusive

na perspectiva de gecircnero raccedila ou etnia

A Lei Maria da Penha propocircs ainda outras accedilotildees articuladas com diferentes

entes e oacutergatildeos do Estado voltadas para a assistecircncia agrave viacutetima da violecircnciacomo

accedilotildees de proteccedilatildeo pessoal imediata inclusive de viacutenculos trabalhistas Haacute tambeacutem

partes da leidedicadas ao procedimento e agrave atuaccedilatildeo das autoridades legais sejam

policiais jurisdicionais ou assistenciais de modo a constituir estruturas

administrativas para o recebimento o tratamento e o julgamento de atos de violecircncia

domeacutestica e familiar contra a mulher Nesse contexto cabe destacar a criaccedilatildeo de

centros de atendimento integral e multidisciplinar a constituiccedilatildeo de casas-abrigo e a

abertura de delegacias nuacutecleos e defensorias especializadas

Por tudo isso a Lei Maria da Penha representa um avanccedilo importante no

combate a todas as formas de violecircncia de gecircnero dando visibilidade e

materialidade agravequilo que antes era tratado na intimidade das mulheres e de suas

22

famiacutelias como algo a ser tolerado e velado Nesses espaccedilos de intimidade como se

sabehaacuteuma grande influecircncia da cultura e dos valores eacuteticos e morais advindos da

famiacutelia Em alguns momentos as mulheres natildeo tecircm clareza sobre as formas de

violecircncia e de dominaccedilatildeo e por isso acabam se submetendo agrave chantagem do

discurso de ldquosempre foi assimrdquo por medo de perder sua identidade seu capital

poliacutetico sua cultura e seu capital simboacutelico na famiacutelia e em outros grupos sociais

Na verdade poreacutem romper com esse falso discurso eacute alcanccedilar conquistas

descoloniais e emancipatoacuterias (25)

Ainda que tente abarcar questotildees eacuteticas quando trata das accedilotildees de

prevenccedilatildeo a Lei Maria da Penha natildeo pode alcanccedilar o reconhecimento da

necessidade de considerar as questotildees eacuteticas morais e culturais por se um

dispositivo legal Entretanto isso seria uma forma de reforccedilar a necessidade de

contextualizar e inserir em sua aplicaccedilatildeo outras realidades natildeo reconhecidas pelo

senso comum a exemplo da violecircncia sofrida por mulheres indiacutegenas

De acordo com Castilho (26)representante do Ministeacuterio Puacuteblico que

participou da elaboraccedilatildeo da proposta da Lei Maria da Penha esta natildeo prevecirc

tratamentos diferenciados para culturas diferenciados Isso reforccedila os desafios que

se apresentam ao lidarmos com a questatildeo da violecircncia de gecircnero em comunidades

com culturas e valores diferentes dos nossos nas quais a interpretaccedilatildeo do rigor da

lei pode divergir de suas leis internas

Recentemente outro dispositivo trouxe novas tipificaccedilotildees legais de proteccedilatildeo agrave

violecircncias contra mulheres Trata-se da Lei nordm 13104 de marccedilo de 2015 (27)

denominada Lei do Feminiciacutedio que altera o Coacutedigo Penal para prever que o

feminiciacutedio seja circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio transformando

assim o homiciacutedio de mulheres em crime hediondo

Ainda que a nova lei natildeo seja suficiente para solucionar o problema das

mortes das mulheres trecircs pontos merecem ser destacados O primeiro diz respeito

ao proacuteprio conceito de feminiciacutedio ali identificado como crimes ldquocontra a mulher por

razotildees da condiccedilatildeo de sexo femininordquo que parece indicar uma possibilidade de

incompreensatildeo do termo ldquogecircnerordquono sentidoamplo aqui utilizado para se referir a

todas as formas sociais marcadas pela presenccedila do feminino natildeo se restringindo

apenas ao oacutergatildeo sexual feminino O segundo ponto diz respeito agrave ampliaccedilatildeo da

esfera de atuaccedilatildeo legal pois se a Lei Maria da Penha se dedicava exclusivamente agrave

23

violecircncia domeacutestica e familiar ocorridas em acircmbito familiar ou iacutentimo a aplicaccedilatildeo da

Lei do Feminiciacutedio se expande para a esfera puacuteblica quando esta se refere a crimes

de menosprezo ou discriminaccedilatildeo agrave condiccedilatildeo de mulher incluindo o homiciacutedio por

extermiacutenio Por fim o terceiro ponto diz respeito ao agravamento da pena nos casos

de crimes que envolvem crianccedilas e idosas que eacute a grande marca da Lei do

Feminiciacutedio

Com o tempo essas e outras novas formas juriacutedicas permitiratildeoo

desenvolvimento de mecanismos sociais mais eficazes de proteccedilatildeo e defesa agraves

viacutetimas de violecircncia de gecircnero Trata-se de uma possibilidade pois o problema

ainda se configura pouco visiacutevel na sociedade brasileira

Mas alguns movimentos sociais e populares no paiacutes jaacute mostram sensibilidade

agrave questatildeo da violecircncia de gecircnero Eacute o caso do Movimento dos Sem Terra ndash

MST(28)para quem a luta em defesa das mulheres viacutetimas de violecircncia no

campohoje representa tambeacutem uma frente de resistecircncia contra a sociedade

patriarcal capitalista que tem na posse da terra uma de suas principais fontes de

poder econocircmico e poliacutetico

A Rede Nacional Feminista de Sauacutede Direitos Sexuais e Reprodutivos (Rede

Feminista de Sauacutede) jaacute considerava a violecircncia de gecircnero como problema mundial

haacute 14 anos quando elaboraram o Dossiecirc Violecircncia Contra a Mulher (29) O

documento natildeo soacute apontava a relaccedilatildeo de poder masculino como elemento chave na

violecircncia contra mulheres como tambeacutem reconhecia que a violecircncia domeacutestica e

sexual eram formas histoacutericas de violecircncia agraves quais vieram a se associar mais

recentemente outras formas de violecircncia como as diferenccedilas remuneratoacuterias as

diferenccedilas nos atendimentos em sauacutede eo asseacutedio sexual no trabalho Apontava

ainda um ponto extremamente importante a invisibilidade do tema Indicativa da

incompatibilidade da lei com a praacutetica social a referida invisibilidade estaacute

relacionada com uma suposta inexistecircncia do problema da violecircncia de gecircnero ou

com o fato de tal problema natildeo poder ser discutido na esfera puacuteblica Isso manteria

a violecircncia de gecircnero como problema invisiacutevel perante a sociedade a ser escondido

na intimidade da mulher e em seu conviacutevio familiar

Recentemente a Central Uacutenica dos Trabalhadores ndash CUT organizou o 8ordm

Encontro Nacional de Mulheres da CUT (30) evento no qual a necessidade de

reforccedilar a luta pela igualdade e pela liberdade das mulheres foi tema amplamente

24

debatida O texto-base do encontro afirmava que a violecircncia de gecircnero na sociedade

brasileira deve ser enfrentadacomo problema social natildeo como problema individual

Essa constataccedilatildeo levou o movimento sindical a atuar no combate agrave violecircncia contra

as mulheres ampliando o seu espaccedilo de lutas para aleacutem daquele tradicionalmente

reservado agraves questotildees trabalhistas

AArticulaccedilatildeo de Organizaccedilotildees de Mulheres Negras Brasileiras ndash AMNB (31)

considera quea questatildeo da violecircncia de gecircnero eacute mais grave entre as mulheres

negras por comparaccedilatildeo agraves mulheres brancas O nuacutemero de homiciacutedios entre as

primeiras por exemplo eacute bem maior que aquele registrado entre as uacuteltimas Isso

revela para aleacutem da gravidade da situaccedilatildeo de violecircncia contra as mulheres negras

no paiacutes tambeacutem a persistecircncia do racismo como problema ainda invisiacutevel aos olhos

da sociedade e do Estado brasileiros

Diante do conjunto de conceitos e tipificaccedilotildees dados agrave questatildeo da violecircncia

de gecircnero e da amplitude de campos de estudo e movimentos sociais organizados

envolvidos em seu enfrentamento podemos concluir que ainda natildeo se fazem

visiacuteveis no Brasil accedilotildees poliacutetico-institucionais e de reconhecimento cientiacutefico que

dialoguem no sentido de adequaccedilatildeo agrave diversidade cultural

42 Panorama da Violecircncia de Gecircnero no Brasil e seu Alcance

Desde a aprovaccedilatildeo da Lei Maria da Penha em 2006 o combate agrave violecircncia

contra a mulher no Brasil tem tido avanccedilos em suas denuacutencias e na sua repressatildeo

Entretantoos nuacutemeros atuais mostram que ainda muito se precisa fazer para reduzir

a violecircncia contra mulheres e principalmentepara enfrentar suas principais causas

Segundo dados da Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres da Presidecircncia

da Repuacuteblica ndash SPM-PR (3) referentes a 52957 casos registrados em 2014 as

denuacutencias sobre violecircncia contra a mulher no Brasil satildeo assim distribuiacutedas Violecircncia

fiacutesica 517 Violecircncia psicoloacutegica 318 Violecircncia moral 97 Violecircncia

patrimonial 19 Violecircncia sexual 29 Caacutercere privado 18 Envolvendo traacutefico

04

Os dados revelam ainda que a violecircncia de gecircnero teve um singelo decliacutenio

em 2007 saindo do patamar de 46 mortes por 100 mil mulheres para 45 (4) Mas

essa reduccedilatildeo eacute insignificante diante da magnitude do problema tanto que em 2010

esse iacutendice volta a crescer

25

Segundo dados do Mapa de Violecircncia (1)de 2013 as taxas de homiciacutedio de

mulheres (por 100 mil) satildeo altamente preocupantes nos seguintes estados

brasileiros Roraima (153) Espirito Santo (93) Goiaacutes (86) Alagoas (86) Acre

(83) Paraiacuteba (64) Rondocircnia (63) Cearaacute (62) Mato Grosso do Sul (59) e Paraacute

(58) Dentre estes estados pelo menos trecircs tecircm grande contingente de indiacutegenas

Paraacute Roraima e Mato Grosso do Sul

Esses nuacutemeros demonstram a grande intoleracircncia existenteeseu resultado

em termos de violecircncias de gecircneroNo Balanccedilo do Disque 180 (3) apresentado em

2015 os relatos de violecircncia contra a mulher satildeo apresentados principalmente por

mulheres negras (585) seguidas por mulheres brancas (405) por mulheres

amarelas (05) e por mulheres indiacutegenas (04) Infelizmente o estudo do Mapa

da Violecircncia natildeo desagregou o contingente de mulheres negras que inclui mulheres

que se declararam como pretas ou pardas contrapondo esse total ao das mulheres

brancas

Para enfrentar a violecircncia de gecircnero estruturas de proteccedilatildeo agrave mulher satildeo

constituiacutedas a partir de poliacuteticas puacuteblicas que fazem previsatildeo de planos de defesa e

de combate a determinados problemas de grupos ou minorias especiacuteficas O Plano

Nacional de Poliacuteticas para Mulheres (5) por exemplo definiu objetivos e estrateacutegias

para o fortalecimento das questotildees relacionadas agrave mulher Dentre as accedilotildees

previstaspara esse fim destaca-se a estruturaccedilatildeo de uma Rede de Atendimento a

Mulheres em Situaccedilatildeo de Violecircncia a partir da articulaccedilatildeo de accedilotildees e serviccedilos nas

aacutereas de assistecircncia socialjusticcedila seguranccedila puacuteblica e sauacutede

Areferida rede deve contemplar estruturas administrativas de atendimento e

que sejam sensiacuteveis agraves situaccedilotildees em que as mulheres viacutetimas da violecircncia se

encontram Busca-se proceder agrave identificaccedilatildeo e aos encaminhamentos adequados

de modo a assegurar a integralidade e a humanizaccedilatildeo da assistecircncia por meio de

um amplo conjunto de instituiccedilotildees governamentais Aleacutem de serviccedilos especializados

como os Centros de Referecircncia de Atendimento agrave Mulher (CRAM) e os Centros de

Referecircncia Especializados de Assistecircncia Social (CREAS) deveraacute contar tambeacutem

com serviccedilos natildeo-especializados como os Centros de Referecircncia de Assistecircncia

Social (CRAS) (2)

Na perspectiva dos direitos humanos a proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

tem sido abordada pela Convenccedilatildeo sobre a Eliminaccedilatildeo de Todas as Formas de

26

Discriminaccedilatildeo contra a Mulher ndash CEDAW Trata-se do o primeiro texto especiacutefico em

defesa das mulheres no qual se afirmou o compromisso por parte dos Estados em

garantir igualdade de direitos econocircmicos sociais culturais civis e poliacuteticos aleacutem

de tratar da eliminaccedilatildeo das diferentes formas de discriminaccedilatildeo sejam elas poliacuteticas

econocircmicas sociais culturais ou civis (32) Haacute ainda a Convenccedilatildeo de Beleacutem do

Paraacute que trata da proteccedilatildeo das mulheres contra todos os atos de violecircncia inclusive

atos de violaccedilatildeo de direitos humanos e liberdades fundamentais (33)

A violecircncia de gecircnero estaacute intimamente ligada a fatores como o machismo

(46) e o alcoolismo (31) (34) Nesse contexto natildeo eacute difiacutecil entender que as

motivaccedilotildees se marcam pela constituiccedilatildeo de relaccedilotildees de poder que se estabelecem a

partir do pensamento masculino de dominaccedilatildeo seja pela cultura do homem como

representaccedilatildeo do poder perante a mulher seja pela dominaccedilatildeo exercida por ele

encorajada pelo alcoolismo Isso remete agrave relaccedilatildeo patriarcal estabelecida haacute

seacuteculos ainda vigente na atualidade como mecanismo de dominaccedilatildeo baseado no

poder do pai sobre os filhos e dos jovens aos mais velhos na necessidade de

divisatildeo social e do trabalho Apesar do avanccedilo da conquista de direitos por parte das

mulheres essa relaccedilatildeo tem sido ampliada para o poder do homem sobre a mulher

cabendo a ele prover a unidade domeacutestica e aela a tarefa de cuidado do lar e dos

filhos

Atualmente as famiacutelias adquiriram novas configuraccedilotildees mas isso natildeo

impediu o patriarcado de se atualizar subjetivamente para se adaptar De fato as

mulheres satildeo responsaacuteveis tambeacutem por prover Aleacutem de dividir o trabalho cuidam

dos filhos e do lar Mas estatildeo sujeitas agraves imposiccedilotildees dos homens e ainda se sentem

culpadas por natildeo serem completas em suas ldquo atribuiccedilotildeesrdquo Tais mudanccedilas tambeacutem

alcanccedilaram as comunidades indiacutegenas

43 Bioeacutetica Criacutetica

Nesse item discutiremos a Bioeacutetica Critica como sustentaccedilatildeo teoacuterica e

caminho analiacutetico para abordar a questatildeo da violecircncia de gecircnero em mulheres

indiacutegenas Em seguida discorreremos sobre a relaccedilatildeo de colonialidade do poder e

do saber que contorna o problema Por fim descreveremos os papeis que o

27

feminismo a interculturalidade e os Direitos Humanos desempenham na discussatildeo

sobre a violecircncia de gecircnero

A Bioeacutetica Critica eacute calccedilada na Teoria Criacutetica da Escola de Frankfurt e eacute

apresentada por Lorenzo (16) em seu exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo por conter

fundamentos analiacuteticos e prescritivos para a bioeacutetica Entretanto o autor alerta que

seu exerciacutecio inicial carece de empenho na adequaccedilatildeo da teoria ao contexto cultural

latino-americano e para tanto propotildee uma costura teoacuterica com os referenciais dos

Estudos da Colonialidade

Instaurada no Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt e

disseminada por Max Horkheimer (38) a partir do marxismoa Teoria Criacutetica tem

como caracteriacutestica a posiccedilatildeo questionadora sobre a teoria tradicional cujo principal

objetivo era a expansatildeo dos mercados capitalistas e o aumento da capacidade de

exploraccedilatildeo a partir da produccedilatildeo de conhecimento e de tecnologias (16) Nesse

sentido pensar problemas bioeacuteticos a partir da teoria criacutetica pode qualificar a

anaacutelisea partir de um olhar criterioso reflexivo politizado e comprometido com a

mudanccedila da realidade

A Escola se concretizou a partir de um grupo de intelectuais vinculados ao

Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt em 1923 Sua histoacuteria eacute

marcada pela criaccedilatildeo e consolidaccedilatildeo do Instituto entre 1922 e 1932 pela migraccedilatildeo

dos seus fundadores (Benjamim Horkheimer Adorno e Marcuse) para a Suiacuteccedila e os

EUA durante o periacuteodo nazistaentre 1933 e 1950 e pelo retorno de seus

fundadores agrave Alemanha no poacutes-guerra entre 1950 e 1970 Atualmente vive uma

fase de construccedilatildeo de geraccedilotildees posteriores aos seus fundadores (39)

Cabe destacar quea Teoria Criacutetica natildeo se caracteriza por uma uacutenica

abordagem Na verdade ela eacute composta de perspectivas diferenciadas de acordo

com a modelo teoacuterico que cada adepto da teoria desenvolveu Por isso a ldquoEscola de

Frankfurtrdquo natildeo se institui como escola no sentido literal da palavra Entretanto as

vaacuterias possibilidades teoacutericas ligadas pela Teoria Criacutetica tecircm como elo o olhar

emancipatoacuterio e de rompimento com modelos de dominaccedilatildeo colocados

Inicialmente com Walter Benjamim os estudos abarcaramtemas da filosofia e

da histoacuteria bem como temas relacionados agrave violecircncia inclusive as violaccedilotildees

decorrentes do Estado (40) Max Horkheimer esteve em maior destaque nos estudos

que questionavam a produccedilatildeo cientiacutefica e filosoacutefica refletindo sobre a razatildeo e as

28

diversas dimensotildees de domiacutenio do modelo capitalista Em conjunto com Adorno

Horkheimer escreveu uma das principais obras da teoria que eacute centrada na loacutegica

de dominaccedilatildeo da razatildeo moderna e se caracteriza pelo distanciamento entre sujeito e

objeto a partir de um modelo dominante em relaccedilatildeo ao dominado (41)

Marcuse (42)voltou-se ao estudo das contradiccedilotildees internas entre as forccedilas

produtivas e as relaccedilotildees sociais mostrando como a racionalidade tecnoloacutegica e

cientiacutefica modificou as bandeiras de classes para extinguir qualquer ameaccedila de

revoluccedilatildeo por parte dos trabalhadores Por isso ele defendia a emancipaccedilatildeo por

grupos sociais externos ao sistema produtivoClaramente conseguiu demonstrar

que a teoria tradicional afastada da moralidade e em conjunto com a racionalidade

instrumental formou uma grande modelagem tecno-cientiacutefica-industrial Com

efeitoa induacutestria e a universidade se uniam para produzir conhecimentos e

tecnologias que fossem consumidas pelo mercado

Um dos criacuteticos mais severos internamente agrave Teria Critica Habermas

defendia que a emancipaccedilatildeo seria possiacutevel a partir da reforma do Estado

Democraacutetico de Direito (43) isto eacute a partir da construccedilatildeo de espaccedilos de diaacutelogo que

natildeo fossem baseados na racionalidade instrumental Esta natildeo considera o pensar

nem a objetificaccedilatildeo do pensar a serviccedilo da dominaccedilatildeo mas sim por meio da

racionalidade comunicativa baseada na linguagem possibilitando a comunicaccedilatildeo

dialoacutegica ateacute mesmo em espaccedilos puacuteblicos(44)

Foi com Jurguen Habermas e a Teoria do Agir Comunicativo que se tornou

possiacutevel pensar a emancipaccedilatildeo social a partir da produccedilatildeo de conhecimentos que

impliquem a redefiniccedilatildeo de redes de influecircncias enfraqueccedilam grupos de poder e

estabeleccedilam outras formas de regulaccedilatildeo do Estado Eacute o caso por exemplo da

constituiccedilatildeo de espaccedilos de discussatildeo que consigam neutralizar a racionalidade

instrumental e a transformar em uma racionalidade comunicativa

Na proposta de Habermas a institucionalizaccedilatildeo de espaccedilos

democraacuteticosinternos agrave estrutura juriacutedico-democraacutetica poderia ser uma forma de os

grupos sociais conduzirem a uma mudanccedila de postura do Estado (16) Com isso faz

sentido pensar que as poliacuteticas e programas puacuteblicos precisam alinhar-se a uma

racionalidade comunicativa reconhecendo os grupos sociais demandantes de

direitos a partir da discussatildeo apropriada por eles de modo a tomar accedilotildees efetivas

enquanto Estado e de acordo com o interesse demandado

29

Entretanto claro estaacute que a inserccedilatildeo dos grupos nestes espaccedilos

democraacuteticos ainda carece de ser potencializada incentivada e promovida como

parte intriacutenseca da mudanccedila Principalmente quando nos deparamos com questotildees

essencialmente morais e culturais como eacute o caso dos povos indiacutegenas As

denuacutencias das mulheres indiacutegenas sobre a violecircncia tecircm sido frequentes mas pouco

se escuta as vozes dessas mulheres nos espaccedilos democraacuteticos e nem as decisotildees

aiacute tomadas parecem contemplar asopiniotildees e a moral delas

Ressalte-se que essa posiccedilatildeo teoacuterica tende a entrar em conflito com os

Estudos de Colonialidade(16) Estes natildeo acreditam numa emancipaccedilatildeo no contexto

da modernidadeuma vez que ela eacute a sustentaccedilatildeo do sistema hierarquizado de

lugares e papeacuteis sociais alinhados com o padratildeo de dominaccedilatildeo imposto (45)

A tendecircncia acima mencionada foidivisada por Lorenzo (16) que orienta

outros estudos a aprofundarem essa relaccedilatildeo a fim de construir uma base teoacuterica

para a Bioeacutetica Criacutetica que contemple tanto a Teoria Critica como os Estudos sobre

Colonialidade No entanto embora Habermas identifique um lado da modernidade

que outros autores da Teoria Criacutetica natildeo apontaram como a possibilidade de

diaacutelogo por dentro do Estado ou seja por dentro da Modernidade eacute importante

destacar que natildeo podemos principalmente aqui na Ameacuterica Latina desconsiderar

elementos apontados pelos Estudos de Colonialidade que nos colocam em um lugar

diferenciado hierarquizado e subjugado a essa modernidade

Aleacutem da relaccedilatildeo de poder estabelecida natildeo podemos desprezar o conteuacutedo

racial natildeo abordado pela Teoria Critica o qual tem sido considerado categoria

essencial (45) para um pensar emancipatoacuterio e descolonialTrata-se de uma

manobra para classificar raccedilas e hierarquizaacute-las entre os povos buscando

comprovaccedilotildees bioloacutegicas de inferioridade para sustentar o projeto de exploraccedilatildeo e

de hierarquizaccedilatildeo dos povosque eacute caracteriacutestico da modernidade e que leva agrave

Colonialidade da Vida Como afirmamNascimento e Garrafa (46) esta

[]eacute exatamente o processo de criar uma ontologia da vida que autorize pensar que algumas vidas satildeo mais importantes do que outras desdeo ponto de vista poliacutetico fundando assim uma hierarquia e uma justificativa para dominaccedilatildeoexploraccedilatildeo e submissatildeo sob o pretexto de ser esse um caminho para o desenvolvimento da vida menos desenvolvida(p292)

Eacute no sentido de colonialidade de vida assim caracterizado que Nascimento e

Garrafa denunciam que os indiacutegenas e os africanos foram asvidas escolhidas para a

30

opressatildeo em favor do progresso da Europa como projeto de desenvolvimento

mundial Nessa mesma linha e aprofundando nosso objeto de estudofaz-se

necessaacuterio afunilar a anaacutelise para entender natildeo soacute gravidade do problema que as

mulheres indiacutegenas viacutetimas de violecircncia de gecircnero se colocam mas tambeacutem para

entender como a modernidade atua no sentido de agravar esse problema

Ao mesmo tempo queessa influecircncia modernocolonial impotildee uma relaccedilatildeo de

poder do Norte para com o Sul institui hierarquias na produccedilatildeo de conhecimento em

que o Norte sempre tem o bastatildeo do saber Isso se forma a partir de relaccedilotildees de

poder econocircmicoque impotildeem aos paiacuteses padrotildees descontextualizados de

desenvolvimento econocircmico cultural e poliacutetico Dessa forma tais paiacuteses satildeo

levados pelas matildeos do Estado a transformar sua estrutura cultural em marcas de

marginalizaccedilatildeo e violecircncia

Nesse contexto imagine-se o que pode ocorrer com as mulheres indiacutegenas

que vivenciam cultura diversa da modernidade e estatildeo sujeitas a todas as violecircncias

consequentes da relaccedilatildeo mundo modernocolonial Eacute por isso que Segato (25)

afirma que assim como a raccedila o gecircnero eacute categoria central para a criacutetica

descolonial transformado o papel e o corpo das mulheres em extensatildeo do territoacuterio

de disputa edomiacutenio de inimigos

Portanto a Teoria Criacutetica reflete muitos elementos de anaacutelise da influecircncia

hieraacuterquica colonial e da possibilidade de propor espaccedilos de discussatildeo e

emancipaccedilatildeo caracteriacutesticos da Bioeacutetica Criacutetica

44 Estudos sobre Colonialidade Colonialidade do Poder e do Saber

Entender a Colonialidade eacute essencial para entender as mutaccedilotildees e

transformaccedilotildees da ordem mundial vivida na atualidade moderna Alguns estudiosos

vecircm desenhando linha criacutetica de argumentaccedilatildeo que tem como foco a modernidade

partindo do princiacutepio que ela se constitui a partir de uma loacutegica colonialsatildeo estes

estudiosos representados por AnibalQuijano Walter Mignolo e Enrique Dussel que

fundamentam os chamados Estudos sobre a Colonialidade todos da Ameacuterica

Latina Esses estudos buscam entender de quais maneiras as relaccedilotildees de poder de

conhecimento de vida e de resistecircncia tecircm se organizado em torno do grande ideal

de dominaccedilatildeo da modernidade(47) Isso eacute relevante para entender que pode existir

31

uma organizaccedilatildeo de mundo baseada na hierarquizaccedilatildeo e colonizaccedilatildeo ou melhor

no domiacutenio de grupos menores com a injunccedilatildeo de vontades e prioridades de um

eixo superior de dominaccedilatildeo Ou como designam os estudos sobe colonialidade um

modo ldquoEurocentrado de Interpretaccedilatildeordquo

Dentre as relaccedilotildees apontadas a relaccedilatildeo de poder eacute a que parece determinar

a estrutura colonial na qual tudo aquilo que natildeo tem a marca da modernidade passa

a ser rechaccedilado e subjugado Isso implicauma hierarquizaccedilatildeo centrada em quem

deteacutem a imagem do poderSegundo Nascimento e Garrafa (46)

Essa imagem supotildee (e institui) um escalonamento hieraacuterquico entre quem eacute desenvolvido e quem natildeo eacute de modo que essa hierarquizaccedilatildeo estaacute pensada em termos de quem eacute moderno e quem natildeo eacute Haacute uma quase natural afirmaccedilatildeo da inferioridade de quem natildeo eacute marcado pela modernidade precisando este ser educado civilizado colocado na marcha do progresso (pelos jaacute modernosdesenvolvidos) mesmo que isso implique ndash e eacute o que geralmente acontece e serve aos interesses da presente discussatildeo e criacutetica ndash na instauraccedilatildeo de um processo de dominaccedilatildeo(p 290)

Para Walter Mignolo (48) falar da perspectiva da Colonialidade do Poder eacute

dizer queexistem mutaccedilotildees que influenciam as relaccedilotildees mundiais Dessa forma eacute

possiacutevel construir caminhos para o pensar descolonial e renunciar a todas as formas

de imposiccedilatildeo edificando novas formas de diaacutelogo entre povos e culturas que

interajam e troquem suas experiecircncias suas histoacuterias e suas culturas

Essa libertaccedilatildeo ou emancipaccedilatildeo se torna necessaacuteria a partir do

questionamento sobre os efeitos da dominaccedilatildeo do poder colonial Estes se datildeo a

partir de uma hegemonia global por meio do exerciacutecio do poder e do saber sobre o

outro de modo que o poder colonial especialmente na Europa por todo seu impeacuterio

econocircmico e cientiacutefico prega ideias de desenvolvimento que atribuem a

imperatividade de padrotildees econocircmicos poliacuteticos morais e epistemoloacutegicos

hierarquizados nos quais o superior eacute sempre identificado como superdesenvolvido

e objeto de idealizaccedilatildeo de todos os outros

Nas paacuteginas preliminares ao livro intitulado Textos de Fundaccedilatildeo de Anibal

Quijano (48) Segato avalia que partindo para um panorama continental a

colonialidade na meacuterica Latina ainda se faz presente na atualidade pelos

consequentesproblemas sociais como desigualdade racismo e violecircncia que

representam as diversas formas de vulneraccedilatildeo do ser humano

Os mecanismos de accedilatildeo da Colonialidade satildeo focais nas populaccedilotildees de

baixo desenvolvimento social e econocircmico Aleacutem desse campo atingem tambeacutem as

32

subjetividades como valores saberes liacutenguas siacutembolos e experiecircncias das

comunidades A accedilatildeo desses instrumentos se reflete na memoacuteria histoacuterica dos

povos tendo eles que se submeter a uma transformaccedilatildeo de padrotildees culturais e de

formas de saber e agir para se adequar ao padratildeo eurocentrado Foram reduzidos e

aprisionados para serem controlados pelo poder e explorados no trabalho Essa

transformaccedilatildeo foi tambeacutem capaz de alterar o imaginaacuterio dos povos de tal modo que

ainda nos dias atuais eacute perceptiacutevel a valorizaccedilatildeo de padrotildees europeus como

verdades absolutas (48)

Considerando a capacidade de exploraccedilatildeo a expressatildeo de um modo

colonizado parece se refletir na imposiccedilatildeo de padrotildees nos campos de produccedilatildeo de

conhecimento nas perspectivas nos sistemas de imagens nos siacutembolos nos

modos de significaccedilatildeo nos recursos e instrumentos de expressatildeo no intelectual e

no visual Como designa Quijano (48) trata-se deuma ldquoalienaccedilatildeo histoacutericardquo na qual o

modo de fazer eacute marcado pelo encanto de participar do grupo dominador e de

alcanccedilar os mesmos benefiacutecios materiais o mesmo poder e a mesma natureza

Tudo isso em nome do ldquodesenvolvimentordquo

O retrato da colonizaccedilatildeo na Ameacuterica Latina eacute desalentador segundo

Quijano Isso porque aleacutem de todas as formas de transformaccedilatildeo impostas pelo

poder dominador foram ainda comprometidas as populaccedilotildees indiacutegenas que

sofreram grande extermiacutenio nos uacuteltimos tempos Natildeo soacute suas mortes mas a morte

de suas culturas satildeo expressotildees formais que seguem padrotildees culturais europeus

alijando culturas a uma existecircncia oral e iletrada

Um dos elementos de estudo de Quijano eacute a questatildeo da produccedilatildeo de

conhecimento como paradigma da colonialidade cultural e da modernidade-

racionalidade em que o pensamento europeu propositadamente estrutura a

produccedilatildeo do conhecimento a partir de uma loacutegica objetiva e racional Nessa loacutegica o

sujeito deixa de ser visto como possuidor de subjetividades para ter uma relaccedilatildeo

individualista de objeto Desprezam-se assim a intersubjetividade e a totalidade

social que satildeo fontes da produccedilatildeo do conhecimento para o autor

Essa relaccedilatildeo do sujeito enquanto objeto que despreza a existecircncia do outro

e remete a um pensamento isolado e de propriedade que favorece a colonialidade

Nessa linha tambeacutem estaacute a motivaccedilatildeo para accedilotildees violentas Eacute o que Nascimento e

Garrafa confirmam quando dizem que ldquoA colonialidade da vida normalmente tem

33

sido usada como pretexto para praacuteticas violentas contra sociedadesrdquo(46) Mas

violentas em especial para as mulheres que historicamente tecircm tido seus corpos

usados como instrumentos de guerrae para demonstraccedilatildeo de domiacutenio de territoacuterio

alheio ou de forccedila punitiva(7)

O questionamento ldquoQueacute papel tienen las relaciones de geacutenero en este

procesordquo feito por Segato(25)eacute central para entender o problema da violecircncia

contra a mulher Eacute perceptiacutevel que a crueldade e o desamparo a mulheres viacutetimas

de violecircncia aumentam conforme a modernidade e o mercado avanccedilam Ateacute por que

os protagonistasdesse espaccedilo satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo para a conquista do projeto colonial

A forma de agir do Estado embora disfarccedilada na defesa da coisa puacuteblica se

transforma em duro ataque agraves formas alternativas de organizaccedilatildeo social Ele invade

e cerceia os espaccedilos de autonomia e praacuteticas comunitaacuterias pela necessidade do

controle A manobra se daacute a partir de uma concepccedilatildeo de igualdade disfarccedilada em

concepccedilatildeo de modernidade com fundo liberal e capitalista mas carregada de males

como o racismo e a hierarquizaccedilatildeo (25) Assim o Estado dificilmente pode escolher

entre a proteccedilatildeo agraves autonomias e direitos comunitaacuterios e o exerciacutecio do controle e a

manutenccedilatildeo do seu domiacutenio Nesse contexto o papel do Estado seria entatildeo o de

devolver a jurisdiccedilatildeo e a garantia de deliberaccedilatildeo aos povos para que eles possam

dispor de seu proacuteprio projeto histoacuterico e assim promover a interculturalidade

Para Segato (25) a defesa das autonomias torna-se inviaacutevel a partir do

relativismo cultural e eacute preciso reconhecer o pluralismo histoacuterico de modo

substitutivo ao relativismo cultural O reconhecimento da pluralidade da autonomia

para deliberaccedilotildees e da troca de experiecircncias de outros povos leva agrave construccedilatildeo da

interculturalidade acrescida do elemento histoacuterico indispensaacutevel para tal processo

Isso significa promover uma comunicaccedilatildeo entre os povos olhando para as marcas

deles na histoacuteria

45Interculturalidade e Direitos humanos

O exerciacutecio de reconhecimento da pluralidade perpassa a interculturalidade

como um elemento importante no estabelecimento de laccedilos entre as vivecircncias do

passado e a construccedilatildeo do futuro E nessa construccedilatildeo decorrem experiecircncias

34

conflitantes como trocas de interesses antagonismos conflitos eacuteticos e posturas

poliacuteticas e que fazem parte de uma histoacuteria

Para ampliar a base teoacuterica da bioeacutetica criacutetica conduzindo-a a uma reflexatildeo

adequadamente cultural a interculturalidade seraacute outro braccedilo de aplicaccedilatildeo

dabioeacutetica no acircmbito da questatildeo da mulher indiacutegena

A interculturalidade eacute a relaccedilatildeo de diaacutelogo estabelecida entre atores de

culturas diferentes buscando entender a forma de organizaccedilatildeo das sociedades

Segundo o Consejo Regional Indiacutegena de Cauca(49) assim entendida a

interculturalidade ldquoEacute um projeto poliacutetico que transcende o educativo para pensar na

construccedilatildeo de sociedades diferentes [hellip] noutro ordenamento socialrdquo

Nesse sentido tem sido abordado de trecircs perspectivas distintas segundo

Walsh (49) A primeira eacute a perspectiva relacional que faz referecircncia agrave forma mais

baacutesica e geral de contato e intercacircmbio entre culturas que se daacute por igualdades ou

desigualdades nas relaccedilotildees estabelecidas entre culturas como as indiacutegenas e

afrodescendentes A segunda eacute perspectiva funcional que busca promover o

diaacutelogo a convivecircncia e a toleracircncia visando a inserccedilatildeo na estrutura social jaacute

existente sem questionar as causas de diferenccedilas Por isso eacute vista como uma nova

forma de dominaccedilatildeo objetivada apenas no controle do conflito eacutetico e na

manutenccedilatildeo da estabilidade social como uma estrutura de ilusatildeo que tem como

uacutenico objetivo o projeto neoliberal A terceira e uacuteltima eacute a perspectiva criacutetica que

parte do problema estrutural-colonial-racial para se contraporao campo funcional

induzindo a uma discussatildeo sobre a transformaccedilatildeo das estruturas e relaccedilotildees sociais

de forma distinta a partir do ldquoreconhecimento de que a diferenccedila se constroacutei dentro

de uma estrutura e matriz colonial de poder racializado e hierarquizado com os

brancos e lsquobranqueadosrsquo em cima e os povos indiacutegenas e afrodescendentes nos

andares inferioresrdquo

No campo dos Direitos Humanos aleacutem das convenccedilotildees jaacute enunciadas como

normativas positivadas como bastotildees de proteccedilatildeo a atenccedilatildeo deve ser dirigida a

uma visatildeo indutora de olhares eacuteticos Isso porque segundo Segato faz-se

necessaacuterio introduzir um outro princiacutepio de justiccedila afastado da moral e da lei que

natildeo esteja calccedilado em normas positivas e enumeraacuteveis(50)

Esse princiacutepio segundo ela seria a pulsatildeo eacutetica que ldquonos possibilita natildeo

somente contestar e modificar as leis que regulam o contrato impositivo em que se

35

funda a naccedilatildeo mas tambeacutem distanciarmo-nos do leito cultural que nos viu nascer e

transformar os costumes das comunidades morais que de fazemos parterdquo

Nesta pulsatildeo eacutetica a Bioeacutetica tem se aproximado dos direitos humanos pela

defesa da dignidade humana fazendo interlocuccedilatildeo com valores morais Nesse

contexto a dignidade humana ldquoeacute o mais evidente ponto de aproximaccedilatildeo entre a

Bioeacutetica e os Direitos Humanos sendo o princiacutepio fundamental e alicerce de toda

construccedilatildeo teoacuterica nos dois campos do saberrdquo (51)

Abioeacutetica interculturalsurge da necessidade de se ter uma ferramenta que

seja capaz de considerar asnuances da questatildeo da violecircncia de gecircnero

considerando os elementos eacuteticos e morais que asseverem a proteccedilatildeo da dignidade

das mulheres Dessa forma a Bioeacutetica Intercultural se torna essencial para

solucionar questotildees que exigem o cuidado e a contextualizaccedilatildeo cultural Eacute por isso

que seguindo ferramenta sugerida por Oliveira (52) vamos ampliar esse

entendimento e o levar para o campo da sauacutede epara o campo das poliacuteticas e

programas puacuteblicos instituiacutedos Assim procedendo busca-se seguir as

premissasapresentadas pela autora de que natildeo se devem analisar culturas a partir

de padrotildees proacuteprios mas buscar sempre o encontro da igualdade entre as culturas e

promover visatildeo criacutetica para enfrentar alguns de seus elementos

Com o valor eacutetico de ser a verdadeira cultura da humanidadepercebe-se

ligaccedilatildeo entre os direitos humanos e a bioeacutetica intercultural Esta apresenta-se sob a

forma de espaccedilo capaz de oferecer olhares eacuteticos morais poliacuteticos e culturais para

atomada de decisatildeo e o fornecimento de procedimentos de mediaccedilatildeo necessaacuteriosao

enfrentamento de questotildees relacionadas aos povos indiacutegenas

Eacute interessante desenhar a partir da interculturalidadeo papel descritivo e

natildeo normativo que a bioeacutetica assume ao estudar e descrever os conflitos culturais a

partir dos comportamentos morais e das suas diferenccedilas Ao considerar tais

particulares a bioeacutetica contribui para o entendimento dos direitos humanos como

interculturalismo com igualdade de valor para as culturas(52)

Entretanto a igualdade natildeo pressupotildee a ausecircncia de conflitos entre as

culturas pois o conflito bioeacutetico estaacute calcado na divergecircncia moral No caso em

estudo tal conflito estaacute relacionado com a necessidade moral de proteccedilatildeo das

mulheres indiacutegenas e com a efetivaccedilatildeo de poliacuteticas institucionais direcionadas que

36

natildeo apenas descrevam formas de atuaccedilatildeo adequada mas permitam a construccedilatildeo

do processo com autonomia e protagonismo

Como descreve a Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos

em seu artigo 12 do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo (53)

A importacircncia da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideraccedilatildeo Todavia tais consideraccedilotildees natildeo devem ser invocadas para violar a dignidade humana os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princiacutepios dispostos nesta Declaraccedilatildeo ou para limitar seu escopo

Os direitos humanos satildeo fundamentais para a proteccedilatildeo dos indiviacuteduos de

grupos minoritaacuterios pois servem de defesa contra a inserccedilatildeo de outras culturas

inclusive as impostas pelo Estado Assim essa limitaccedilatildeo deve se estender aos atos

de omissatildeo sobre um problema tatildeo negligenciado como a violecircncia contra mulheres

indiacutegenas Isso significa estabelecer diaacutelogo intercultural sem violar a dignidade

humana mesmo com a supremacia hierarquizada do Estado ou entre culturas

diferentes umas das outras

Assim Oliveira (52) afirma que

Determinadas praacuteticas danosas a mulheres e crianccedilas como casamentos precoces estupros coletivos como forma de justiccedila entre comunidades e homiciacutedios de mulheres em nome da honra natildeo devem ser toleradas sob o manto de serem praacuteticas culturais Ateacute porque certas praacuteticas culturais satildeo reflexos de patriarcalismo relaccedilotildees assimeacutetricas de poder discriminaccedilatildeo de mulheres e subjugaccedilatildeo de crianccedilas(p 85)

A base de direitos humanos sustenta a proteccedilatildeo construtiva de uma cultura

de humanidade capaz de exigir dos governos nacionais e dos organismos

internacionais accedilotildees reais e de efeito Limitaccedilotildees que aparecem nessas discussotildees

satildeo sempre acobertadas pela justificativa das praacuteticas culturais como praacuteticas

especiacuteficas a cada cultura

46 Feminismo

Falar sobre gecircnero eacute necessaacuterio para trazer ao presente trabalho elementos

dos estudos sobre o feminismo e as bandeiras de luta das mulheres afim de melhor

compreender o lugar histoacuterico dos papeacuteis femininos na sociedade

Na bioeacutetica a questatildeo feminina inicialmente foi tratada pelo aspecto da

medicalizaccedilatildeo e regulaccedilatildeo do corpo no acircmbito reprodutivo (54) avaliando apenas

questotildees de pesquisas sobre o sistema reprodutivo Mais adiante eacute que passou a

37

avaliar a mulher do ponto de vista da autonomia e do direito a decidir sobre o seu

proacuteprio corpo Diniz (55) citaa partir de Wolfcomo pontos criacuteticos da bioeacutetica

em primeiro lugar uma criacutetica aos pressupostos da teoria principialista que se supotildeem universalizaacuteveis em segundo apontam para os limites da ideologia liberal que tem o individualismo e consequentemente o princiacutepio da autonomia como valor maacuteximo em terceiro e para noacutes talvez a criacutetica mais importante reconhecem que a estrutura da bioeacutetica preserva os interesses dos que se encontram em vantagem social constituindo uma lsquobioeacutetica para os privilegiados(p 04)

Wolf (56)vai aleacutem na afirmativa de que a bioeacutetica inclusive no campo

acadecircmico tem tido interesse seletivo quanto a estudos relacionados agrave medicina e agrave

ciecircncia Isso se traduz em um isolamento das questotildees feministas e conforme jaacute

apontadoem umaColonialidade de saber que negligencia questotildees femininas como

a violecircncia de gecircnero

Atualmente afirma Diniz as pautas da abordagem feminista da bioeacutetica

foram se ampliando e hoje caminham em direccedilatildeo agrave desconstruccedilatildeo da estrutura

hegemocircnica das instituiccedilotildees e das praacuteticas meacutedicas sobre o corpo feminino Haacute

inclusive discussotildees sobre pesquisa cliacutenica com mulheres sobre o uso da objeccedilatildeo

de consciecircncia geralmente relacionados com as mulheres e suas decisotildees

reprodutivas e sobre o envelhecimento do corpo feminino Isso prova que a bioeacutetica

tem sido campo rico e ampliado de anaacutelise das questotildees femininas (57)

EntretantoSegato (25) apresenta algumas visotildees diferenciadas

sobrequestatildeo de gecircnero principalmente a respeito dos modelos de pensamentos

feministas O primeiro modelo apresentado pela autora eacute o feminismo eurocecircntrico

que considera que o problema da dominaccedilatildeo de gecircnero eacute patriarcal e universal

justificando a possibilidade de transferecircncia dos avanccedilos da modernidade agraves

mulheres natildeo-brancas indiacutegenas e negras colonizadas Assim tal modelo impotildee

uma superioridade moral que reduz aquelas mulheres agrave desigualdade e a

discriminaccedilatildeo

Jaacute o segundo modelo de pensamento feminista afirma que a questatildeo de

gecircnero inexistia no mundo preacute-colonial E o terceiro defendido pela autora

considera a possibilidade de existecircncia de nomenclaturas de gecircnero nas sociedades

tribais e afro-americanas caracterizando uma organizaccedilatildeo patriarcal de baixa

intensidade que natildeo se submete a lideranccedilas do feminismo eurocentrado

Por isso reconhecer a questatildeo de gecircnero como central na discussatildeo parece

abre um caminho de possibilidades para conflitos violentos nos quais as mulheres

38

satildeo tatildeo vitimizadas Principalmente por entender que o corpo feminino lhes pertence

e que natildeo cabe a ningueacutem inscrever marcas nele exceto a proacutepria mulher A

elacabe dizer o lugar para o qual deseja ir e o papel que deseja assumir de modo

adequado agrave sua realidade sem hierarquias de poder de saber ou culturais

propostas pelos discursos europeus e colonizadores

Diante desse posicionamento e a partir do referencial teoacuterico da Bioeacutetica

Critica dos Estudos de Colonialidade da Interculturalidade dos Direitos Humanos e

do Feminismo elementos que cercam a temaacutetica apresentada neste trabalho

entendemos que a Bioeacutetica seja sede para a discussatildeo e reflexatildeo do problema da

violecircncia de gecircnero contra a mulher indiacutegena De acordo com Lorenzo entendemos

tambeacutem que isso eacute ldquobastante uacutetil agrave fundamentaccedilatildeo teoacuterica do componente analiacutetico

da eacutetica aplicada () e especificamente na anaacutelise dos conflitos e desvios eacuteticos em

torno das ciecircncias da vida ndash tarefa proacutepria da bioeacuteticardquo(16)

Com esse compromisso propomos a anaacutelise da invisibilidade cientiacutefica e das

negligecircncias institucionais sobre a violecircncia contra a mulher indiacutegena com base na

Bioeacutetica Criacutetica A ideia eacute aprofundar o estado da arte a partir do entendimento sobre

as produccedilotildees no campo eacutetico cientifico e institucional e sobre o comportamento

dessa rede diante do contexto intercultural

39

5 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisatildeo integrativa que consiste em um meacutetodo de

avaliaccedilatildeo especiacutefico e que eacute normalmente utilizado para pesquisas de literatura

sejam empiacutericas ou teoacutericas mas que forneccedilam uma compreensatildeo ampla de um

fenocircmeno singular ou um problema de sauacutede conforme sintetiza Broome (58)

Conforme proposto por Whittemore e Knalf (59) consiste em meacutetodo que inclua

pesquisas experimentais e natildeo experimentais e que permite uma combinaccedilatildeo de

dados teoacutericos com literatura para definiccedilatildeo de conceitos revisatildeo de teorias analise

de provas e de metodologia entre outras possibilidades Quando bem elaboradas ela

eacute capaz de contribuir para o desenvolvimento das teorias cientiacuteficas na pratica e nas

poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede

Desse modo a revisatildeo aqui proposta eacute constituiacuteda por meio de

levantamento dos artigos cientiacuteficos publicados entre os anos 2000 e 2015A revisatildeo

constou de dois corpi de documentos 1 artigos cientiacuteficos selecionados nas bases

de dados da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e da Literatura Latino-

Americana e do Caribe em Ciecircncias da Sauacutede (LILACS) e 2 Portarias poliacuteticas

puacuteblicas e programas estabelecendo diretrizes para organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo agrave sauacutede

da mulher e sauacutede indiacutegena e para o enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero A busca

desses dados foi realizada entre os meses de setembro e dezembro de 2015

Para a pesquisa dos artigos foram utilizados os descritores em Ciecircncias da

Sauacutede (DECS) ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo ldquoviolecircncia de gecircnerordquo e bioeacuteticardquo de

forma separada e tambeacutem em combinaccedilatildeo com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo utilizando-se o operador boleanoand Os

criteacuterios de inclusatildeo foram 1 artigos publicados entre 2000 e 2015 2 artigos

publicados em perioacutedicos brasileiros Os criteacuterios de exclusatildeo foram a) artigos que

natildeo se remetessem ao contexto brasileiro b) artigos dirigidos a um grupo social

especiacutefico de mulheres como grupos de trabalhadoras entre outros c) artigos

abordando uma regiatildeo ou circunstacircncia especiacutefica onde natildeo haacute possibilidade de

relaccedilatildeo com a questatildeo indiacutegena d) artigos cujo tema principal fosse outras formas

de violecircncia domeacutestica tais como em crianccedilas e idosos Para anaacutelise do corpus final

de artigos foi desenvolvido um instrumento composto dos seguintes toacutepicos tiacutetulo

40

do artigo autores ano de publicaccedilatildeo objetivo citaccedilatildeo ou abordagem dada agrave

questatildeo da mulher indiacutegena Os resultados encontram-se sintetizados nosQuadros1

e 2

Os documentos legais ou poliacutetico-institucionais foram definidos por

conveniecircncia elegendo-se aqueles que regulamentam tanto accedilotildees de proteccedilatildeo

contra a violecircncia de gecircnero quanto poliacuteticas puacuteblicas e accedilotildees programaacuteticas

relacionadas agrave sauacutede da mulher ou agrave sauacutede indiacutegena O resultado da anaacutelise desses

documentos eacute apresentado no Quadro 3

41

6 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO

Eacute importante destacarlogo de iniacutecio o fato de que enquanto isolados os

descritores ldquoviolecircncia contra a mulherrdquo e ldquoviolecircncia de gecircnerordquoencontraram570

artigos enquanto apenas um artigo foi encontrado quando esses descritores foram

cruzados atraveacutes do operador boleano AND com os descritores ldquopopulaccedilatildeo

indiacutegenardquo ldquopovos indiacutegenasrdquo e ldquoindiacutegenasrdquo Apoacutes a aplicaccedilatildeodos criteacuterios de inclusatildeo

e exclusatildeo aos 570 artigos encontradoschegou-se a um nuacutemero final de 66 artigos

sobre os quais foi aplicado o instrumento de anaacuteliseOs principais achados

relacionados agrave pesquisa estatildeo sintetizados no Quadro 1

Quadro 1 Variaacuteveis relacionadas ao ano de publicaccedilatildeo categoria de objetivoscitaccedilatildeo ou abordagem agrave questatildeo interculturalmulher indiacutegenaaspectos eacuteticos ou bioeacuteticos

abordados

Variaacutevel Nordm

Ano de publicaccedilatildeo

2006 a 2008 8 1212

2009 a 2011 20 3030

2012 a 2014 27 4091

2015 11 1667

Categoria de Objetivos Principais dos Artigos

1 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para a mulher viacutetima de violecircncia (60 61 62 63 64 65 66 67 68)

9 1364

2 Discussatildeo sobre a condiccedilatildeo de gecircnero enquanto categoria do fenocircmeno da violecircncia (69 70)

2 303

3 Enquadramento da violecircncia de gecircnero no campo da sauacutede puacuteblicacoletiva (71 72 73)

3 455

4 Estudo de articulaccedilotildees gecircneroraccedilacoretnia na violecircncia contra a mulher (74 75)

2 303

5 Estudo de praacuteticas discursivas sociais sobre gecircnero e violecircncia (76)

1 152

6 Estudo do funcionamento das redes institucionais de proteccedilatildeo (77 78 79)

3 455

7 Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade resultante (80 81 82 83 84 85 86 87 88)

9 1364

8 Estudos de relatos pessoais sobre formas de enfrentamento agrave violecircncia de gecircnero (89)

1 152

42

Quanto agrave presenccedila ou menccedilatildeo agrave questatildeo intercultural dos 66 artigossete

mencionaram a questatildeo intercultural ou relacionada agrave mulher indiacutegena sendo que

trecircs (45) abordaram a importacircncia de considerar questotildees histoacutericas o respeito a

diferentes relaccedilotildees sociais e ao pluralismo cultural e os outros quatro (65) artigos

abordaram a necessidade de ampliar estudos para as populaccedilotildees indiacutegenas e a

necessidade de considerar as relaccedilotildees histoacutericas e eacutetnicas dos povos indiacutegenas ao

tratar do tema da violecircncia de gecircnero

Sobre o conteuacutedo eacutetico ou especificamente sobre a incidecircncia de bioeacutetica

como campo de estudo da violecircncia de gecircnero nos artigos Bandeira(70) assume a

necessidade da eacutetica ser um dos alicerces para o desenvolvimento de poliacuteticas de

atendimento e acompanhamento das mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Ao

contraacuterio Azevedo (95) jaacute diz que o movimento contra a violecircncia de gecircnero tem

transferido ao ldquodomiacutenio puacuteblico as turbulecircncias perplexidades e incertezas vividas

na privacidaderdquo conduzindo agrave uma desestabilizaccedilatildeo do Estado em termos de

controle domiacutenio e poder Assume ainda que as leis jaacute cumprem aracionalidade

eacutetica necessaacuteria a uma conduta emancipatoacuteriacomo forma de intervenccedilatildeo do

Estado Enquanto caminha-se para a construccedilatildeo de soluccedilotildees eticamente

adequadas a racionalidade ainda conduz alguns autores a uma frieza e

subjugamento da gravidade do problema da violecircncia Por outro lado a afirmaccedilatildeo

dele confirma que a luta de movimentos sociais e outros estaacute alterando a forma de

relaccedilatildeo com o Estado

9 Estudos sobre a constituiccedilatildeo de redes comunitaacuterias de apoio agrave mulher viacutetima de violecircncia (90 91)

2 303

10 Estudos sobre o perfil das mulheres viacutetimas de violecircncia domeacutestica e ou de seus agressores (92 93 94)

3 455

11 Estudos socioloacutegicos e ou juriacutedicos sobre a Lei Maria da Penha (95 96 97)

3 455

12 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais da sauacutede diante da violecircncia ( 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 1081 09 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122)

25 3788

13 Percepccedilotildees e atitudes de profissionais dos campos juriacutedico e policial (123)

1 152

14 Revisatildeo de literatura sobre o tema (124 125)

2 303

43

Jaacute no contexto da LeiMaria da Penha o elemento eacutetico eacute utilizado por Pougy

(77) no sentido de que as instancias juriacutedicas devem considerar a eacutetica em suas

avaliaccedilotildees de condutas como certo ou errado e no tratamento do conflito vivido

aplicando a eacutetica o papel de mediaccedilatildeo de conflitos

Eacute de se esperar um estudo que trata da articulaccedilatildeo entre gecircnero e raccedila na

questatildeo da violecircncia nos traga uma boa reflexatildeo em que nos sugere a inserccedilatildeo da

eacutetica para a reflexatildeo e alteraccedilatildeo das relaccedilotildees de dominaccedilatildeo como em estudo de

Silveira e Nardi (74)

Dessa forma o que podemos fazer eacute trazer a eacutetica para o campo das relaccedilotildees cotidianas que marcam a microfiacutesica do poder exercitando-a como praacutetica reflexiva da liberdade e dessa forma alterando os jogos de poder para que obedeccedilam a relaccedilotildees de forccedilas mais equacircnimes(p 324)

Nesse processo de reflexatildeo eacute importante se considerar que a violecircncia de

gecircnero eacute um problema de perspectivas eacuteticas e poliacuteticas de compreensatildeo de formas

de inibir a violecircncia e do cuidado a sauacutede da mulher em busca emancipaccedilatildeo por

isso Guedes Fonseca e Egry (62) tambeacutem sugerem que a Sauacutede Coletiva eacute

espaccedilo para estas discussotildees

Haacute ainda discussotildees que satildeo feitas a partir da visatildeo do homem diante do

fenocircmeno da violecircncia contra a mulher satildeo apresentados argumentos que de certo

modo demonstram a vitimizaccedilatildeo dos homens ao sistema machista e reprodutor de

violecircncias conforme descreve Medrado e Meacutello (76)em seu artigo intitulado

ldquoPosicionamentos Criacuteticos e Eacuteticos sobre a Violecircncia contra as Mulheresrdquo

Em siacutentese as informaccedilotildees acima evidenciam que os homens estatildeo colocados no contexto da violecircncia em diferentes lugares inclusive muitas vezes como produto-alvo de padrotildees de subjetividade orientados por modelos de gecircnero e de relaccedilotildees hieraacuterquicas de poder que definem a dominaccedilatildeo masculina sobre as mulheres(p 81)

Jaacute na perspectiva dos profissionais de sauacutede a eacutetica eacute percebida nos

estudos como caracteriacutestica necessaacuteria ao bom desempenho do trabalho por estar

relacionada a atuaccedilatildeo interpessoal (64) e teacutecnico (114) entre os profissionais e as

mulheres atendidas

Os achados com a presenccedila da temaacutetica geralmente estatildeo relacionados a

reconhecer as diferenccedilas eacutetnicas ou interseccionadas com a questatildeo de raccedilacor no

44

estudo de violecircncia de gecircnero como no artigo de DrsquoOliveira e Schraiber (73) em

que

Por outro lado para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos eacute necessaacuterio o reconhecimento por todos dos eixos de desigualdade social especialmente no que tange agraves diversas manifestaccedilotildees das desigualdades de gecircnero mas tambeacutem de classe e raccedilaetnia(p 137)

Esses achados estatildeo contidos do levantamento de categorias de objetivos

sendo que apenas dois deles se remetem de forma especiacutefica agrave questatildeo da mulher

indiacutegena reconhecendo-as como raccedila histoacuterica viacutetima de violecircncias e indicando a

necessidade de novos estudos nesse campo Nenhum dele se remete agrave bioeacutetica

especificamente como campo de atuaccedilatildeo embora seja encontrado o sentido da

responsabilidade eacutetica como propotildee Santos e Vieira (79) ao afirmar que a eacutetica

passsa ser uma elemento necessaacuterio ao desenvolvimento do trabalho em sauacutede

uma concepccedilatildeointerdisciplinar que respeite as diferenccedilas que seja corresponsaacutevel

propondo soluccedilotildees compartilhadas com o objetivo de alcanccedilar uma efetiva

integralidade do cuidado agrave sauacutede das mulheres viacutetimas de violecircncia

Com relaccedilatildeo ao ano de publicaccedilatildeo embora a pesquisa tenha sido prevista a

partir do ano 2000 os resultados comeccedilaram a surgirem 2006 provavelmente

influenciados pela promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha Nota-se que os anos de

2012 a 2014 tiveram a maior concentraccedilatildeo de produccedilatildeo de artigos relacionados ao

tema com cerca de 40 do total dos artigos achados produzidos nesse periacuteodo Em

2015 jaacute satildeo 11 artigos sinalizando uma crescente na produccedilatildeo desde o ano de

2006

Os estudos cujo objetivo principal foi analisar a percepccedilatildeo e atitudes de

profissionais da sauacutede diante da violecircnciade gecircnero representaram 37 do total da

amostra demonstrando acentuado interesse em que eles contribuam para

programas de educaccedilatildeo continuadacom vistas agrave prevenccedilatildeo da ocorrecircncia de

violecircncia contra a mulher e ao atendimento agravesviacutetimas Eles satildeo seguidos pelos

estudos em nuacutemero de publicaccedilotildees por artigos com objetivo de avaliar a

articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da atenccedilatildeo agrave sauacutede para as mulheres

viacutetimas de violecircncia e em igual nuacutemero por aqueles que estimama prevalecircncia de

tipos de violecircncia e mortalidade resultante Vale ressaltar que nesse contingente de

categorias de objetivos que representa cerca de 65 do total de publicaccedilotildees

nenhumartigo nesse grupo se remete agrave questatildeo da mulher indiacutegena Destaca-se que

65 eacute a proporccedilatildeo do total de estudos produzidos por dois estados da Federaccedilatildeo

45

cujos iacutendices de populaccedilatildeo indiacutegena satildeo diversosSatildeo Paulo com 9160 produz

363 das produccedilotildees e o Rio Grande do Sul com 32989 pessoas autodeclaradas

indiacutegenas produz 287

Ao compararmos o retrato dos dez estados mais violentos para a mulher

com contingente significativo de povos indiacutegenas vemos que Roraima deteacutem 49637

indiacutegenas autodeclarados e o maior iacutendice (153) de morte de mulheres no Brasil No

fim do ranking (1) em decimo lugar estaacute o Estado do Paraacute com 39081 indiacutegenas e

um iacutendice de 58 mulheres mortas por questotildees de gecircnero nesse Estado

Interessante observar o estado de Mato Grosso do Sul com 61737 (126) ecom

maior parcela de povos indiacutegenas entre os dez Estados natildeo teve nenhum artigo

registrado no levantamento aqui apresentado Em nenhumas das situaccedilotildees e dados

informados acima existe a produccedilatildeo cientiacutefica voltada para a questatildeo da violecircncia de

gecircnero contra as mulheres indiacutegenas o que pode significar uma escassez de

produccedilatildeo e uma rota de produccedilatildeo descontextualizada com as realidades locais

O Quadro 2 apresenta a distribuiccedilatildeo da produccedilatildeo por Regiatildeo e Estado onde

os estudos foram realizados

Quadro 2ndashPorcentagem de produccedilatildeo cientiacutefica no tema por regiatildeo e estados e categoria de objetivos

Regiatildeo Qtde de produccedilatildeo

Objetivo Principal mais prevalente por regiatildeo

Norte

455 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial AC 3 455

Nordeste

1818 Percepccedilotildees e Atitudes de profissionais dos

campos juriacutedico e policial e

Estudos de prevalecircncia de tipos de violecircncia e mortalidade

BA 4 606

CE 1 152

PB 2 303

PE 4 606

RN 1 152

Centro-Oeste

303 Articulaccedilatildeo de serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo DF 2 303

Sudeste

3788 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RJ 1 152

SP 24 3636

Sul

3636 Percepccedilatildeo e atitude de profissionais diante da violecircncia

RS 19 2879

SC 5 758

46

Surpreendentemente a regiatildeo com maior produccedilatildeo sobre o tema eacute a regiatildeo

sudeste em especial o Estado de Satildeo Paulo e natildeo outras regiotildees que tenham maior

contingente de povos indiacutegenas Ademais a preocupaccedilatildeo com a percepccedilatildeo dos

trabalhadores da sauacutede eacute o tema de maior interesse dos pesquisadores o que pode

demonstrar uma preocupaccedilatildeo com a preparaccedilatildeo da rede para receber mulheres

viacutetimas de violecircncia

Chama atenccedilatildeo tambeacutem a invisibilidade da mulher indiacutegena em torno das

questotildees de violecircncia de gecircneromesmo em estudos com maior nuacutemero de sujeitos

como os inqueacuteritos ou revisotildees documentais de maior porte O estudo que

caracterizou 2674 mulheres em Satildeo Paulo viacutetimas de violecircncia por parceiro iacutentimo

(66) natildeo encontrou nenhuma mulher indiacutegena O mesmo ocorrendo com o que

estudou 939 fichas de notificaccedilatildeo entre os anos de 2006 e 2008(85)em FortalezaCE

que natildeo encontrou nenhumaocorrecircncia relacionada agrave mulher indiacutegenaOutroestudo

envolvendo 56 serviccedilos na regiatildeo metropolitana de Satildeo Paulo no qual foram

entrevistados 100 profissionais gerentes e teacutecnicos sobre a inserccedilatildeo dos

psicoacutelogosna rede de assistecircncia agrave mulher (64)natildeo registrou qualquer preocupaccedilatildeo

por parte dos entrevistados sobre dificuldades com realidades culturalmente

diversas ou especificamente relacionadas agrave mulher indiacutegena No mesmo sentido um

amplo estudo envolvendo221 meacutedicos e enfermeiros sobre o atendimento de

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia em Ribeiratildeo PretoSP tambeacutem natildeo teve

referecircncia a mulheres indiacutegenas(102) Obviamente esses achados podem ser

decorrentes unicamente de campos de pesquisa com baixa proporccedilatildeo da populaccedilatildeo

indiacutegena mas eacute liacutecito que levantem tambeacutem a suspeita do natildeo reconhecimento

pelas mulheres indiacutegenas da efetividade das redes oficiais de proteccedilatildeo ou da

existecircncia de barreiras simboacutelicas ou funcionais de acesso

Se confrontarmos os resultados da presente revisatildeo com o fato de que a

violecircncia contra a mulher tem sido considerada um problema de dimensotildees globais

(127) e no Brasil descrito como um problema prioritaacuterio para a sauacutede puacuteblica(128

129)e quepor isso mesmo passou a ganhar um relevante espaccedilo de discussatildeo no

campo cientiacutefico e na formulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas veremos claramente que a

negligecircncia cientiacutefica em relaccedilatildeo agrave violecircncia especiacutefica contra a mulher indiacutegena e

quanto aos aspectos culturais necessaacuterios para lidar com o problema natildeo

satildeoquestotildees emergentes mas estruturadas por uma produccedilatildeo colonial de saber

47

Chamamos de ldquocolonialidade do saberrdquo a forma caracteriacutesticada produccedilatildeo do

conhecimento hegemocircnico fortemente restringido por uma visatildeo de mundo

construiacuteda pela modernidade europeia a quallegitima o conhecimento vaacutelido a partir

de uma relaccedilatildeo de identidade de valores esteacuteticos poliacuteticos e morais com os

padrotildees coloniais dominantes e onde a identidade de raccedila eacute estruturante (130)

Nesse sentido a atitude colonial integrada agraves proacuteprias subjetividades de

gestores profissionais de sauacutede e pesquisadores provoca uma invisibilidade das

mulheres indiacutegenas o que afeta tanto o niacutevel da praacutetica assistencial nos planos

juriacutedicose de sauacutede quanto o proacuteprio interesse cientiacutefico em abordar o problemaAs

mulheres indiacutegenas satildeo assimsubtraiacutedas do direito de falar de suas proacuteprias

histoacuterias em favor de discursos hegemocircnicos mesmo quando tratamos de discursos

que lutam contra outras formas de dominaccedilatildeo Hagreaves (10) demonstra bem isso

ao tratar das narrativas nos discursos feministas antiviolecircncia

O mais grave eacute que esse silecircncio e invisibilidade ocorrem de forma

concomitante ao contiacutenuo processo de transformaccedilatildeo dos atributos e tarefas

culturais de gecircnero em funccedilatildeo do contato com natildeo indiacutegenas que iratildeo

redefinirprestiacutegio e reconhecimento de homens e mulheres na comunidade fator que

por si soacute eacute potencialmente conflitivo (14)Surgemtambeacutem novos padrotildees

comportamentais incluindo em especial o alcoolismo identificado pelas mulheres

indiacutegenas como o principal fator potencializador da violecircncia de gecircnero

Tovar-Restrepo e Irazaacutebal (15) demonstram que a situaccedilatildeo comeccedila a

envolver todo o espaccedilo de convivecircncia da mulher indiacutegena No acircmbito domeacutestico

satildeo sujeitas da mudanccedila de comportamento dos homens para o agir masculino

ocidental e violento e fora de suas casas satildeo vitimadas pela violecircncia consequente

da relaccedilatildeo social com os natildeo iacutendios e o mais grave eacute que em muitas situaccedilotildees a

violecircncia parte de atores das redes oferecidas pelo Estado que deveriam oferecer

proteccedilatildeo e apoio a exemplode militares em torno de suas terras Kuokkane (9)

afirma que em todo mundo a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido agravada

pelo fenocircmeno da globalizaccedilatildeo que passa a influenciar a economia e as formas de

vida cotidianas atacando-as em sua capacidade de autodeterminaccedilatildeo

Percebe-se pela revisatildeo apresentada neste trabalho a existecircncia de uma

intencionalidade cientiacutefica de estudos e registros que natildeo satildeo representadas pela

neutralidade da ciecircncia O que se percebe eacute o direcionamento de estudos alinhados

48

a uma colonialidade de saber Ou seja o problema da violecircncia de gecircnero contra a

mulher indiacutegena existe vem sendo denunciado mas natildeo estaacute descrito nos estudos

cientiacuteficos como objetivos principaisA prevalecircncia dos estudos aqui apresentados

satildeo no sentido de analisar as formas de Articulaccedilatildeo dos serviccedilos e planejamento da

atenccedilatildeo entretanto a partir da perspectiva do Estado e natildeo do sujeito o que

representa a imposiccedilatildeo de produccedilatildeo de conhecimento direcionada ao centro e por

isso natildeo neutra desconsiderando a subjetividade do sujeito e o torna objeto de

anaacutelise

Se por um lado a violecircncia contra a mulher indiacutegena tem sido negligenciada

pela produccedilatildeo cientiacutefica nacional a participaccedilatildeo de movimentos sociais e

associaccedilotildees civis de mulheres indiacutegenas e a atuaccedilatildeo de alguns antropoacutelogos e

sanitaristas sensiacuteveis agrave questatildeo conseguiram pautar o problema em algumas

poliacuteticas puacuteblicas e programas governamentais

O Quadro 3sintetiza os resultados da revisatildeo das principais poliacuteticas e

programas relacionados

Quadro 3 Poliacuteticas e Programas relacionados agrave sauacutede indiacutegena sauacutede da mulher e violecircncia de gecircnero quanto agravepresenccedila ou natildeo de abordagem especiacutefica da

violecircncia de gecircnero no contexto dos povos indiacutegenas

Tiacutetulo do documento

Ano Instituiccedilatildeo

Presenccedila de abordagem agrave questatildeo de violecircncia de

gecircnero no contexto indiacutegena

Portaria nordm 254 Aprova a Poliacutetica

Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos

Povos Indiacutegenas (PNASPI)

2002 Ministeacuterio da Sauacutede

Diretriz 4 ldquoacompanhamento monitoramento e desenvolvimento de accedilotildees que venham coibir agravos de violecircncia (suiciacutedios agressotildees e homiciacutedios alcoolismo) em decorrecircncia da precariedade dascondiccedilotildees de vida e da expropriaccedilatildeo e intrusatildeo das terras indiacutegenasrdquo (p19) Natildeo se refere especificamente a accedilotildees ou mecanismos dirigidos agrave proteccedilatildeo contra a violecircncia de gecircnero

Princiacutepios e Diretrizes da

Poliacutetica Nacional de

2004 Ministeacuterio da Sauacutede

Faz menccedilatildeo ao contexto do etnodesenvolvimento das sociedades indiacutegenas e da atenccedilatildeo integral agrave mulher

49

Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da

Mulher (PNASM)

indiacutegena (p 53)Natildeo aborda especificamente a violecircncia de gecircnero neste contexto

Pacto Nacional de

enfrentamento agrave Violecircncia Contra as Mulheres

(PNEVCM)

2011

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

ldquoReconhecimento das diversidades culturais sociais e geograacuteficas de forma a tornar a Poliacutetica Nacional universal poreacutem especiacutefica agraves diferentes mulheres como por exemplo []as indiacutegenas []rdquo (p 24) ldquoPara um amplo atendimento e garantia de acesso a todas as mulheres []mulheres negras e indiacutegenas eacute fundamental a ampliaccedilatildeo da rede []rdquo (p 32)

Plano Nacional de Poliacuteticas

para as Mulheres (PNPM)

2013

Secretaria de Poliacutetica para Mulheres da

Presidecircncia da Repuacuteblica (SPMPR)

O Plano traz em seu capiacutetulo 7 - instituiccedilatildeo de foacuteruns de Mulheres Indiacutegenas para a definiccedilatildeo de estrateacutegias de enfrentamento agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena (p 71)

50

Como podemos notar a maior e mais importante poliacutetica direcionada agrave

sauacutede indiacutegena(131) que cria um subsistema especiacutefico de sauacutede e enuncia

diretrizes para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo em todo o territoacuterio brasileiro apesar de

proporestrateacutegiaspara enfrentamento das praacuteticas de violecircncia em geral natildeo cita a

violecircncia de gecircnero como uma situaccedilatildeo especiacutefica que demande accedilotildees tambeacutem

especiacuteficas O mesmo ocorre com a PNASM(132) que embora chame a atenccedilatildeo agraves

particularidades para a atenccedilatildeo em sauacutede das mulheres indiacutegenas e de outros

grupos de mulheres com identidades culturais diversas e reconheccedila a escassez de

dados epidemioloacutegicos produzidos sobre o grupo natildeo se remete especificamente agrave

violecircncia de gecircnero em nenhuma parte de seu texto

Cabe observar que embora o Estado detenha poliacuteticas para as situaccedilotildees

apresentadas e ainda que os estudos predominantes nas regiotildees estejam

relacionados com o agir do Estado qual seja a articulaccedilatildeo das redes de serviccedilo e a

percepccedilatildeo dos profissionais na vida praacutetica esse empenho natildeo parece garantir

praticas de respeito agrave diversidade cultural

A PNEVCM (133) de 2011 eacute o primeiro documento entre os estudados que

se dirige diretamente agrave violecircncia contra a mulher indiacutegena e o faz por meio de eixos

que apontam para a necessidade de produccedilatildeo de dados que refletiam a extensatildeo e

natureza do problema e para a ampliaccedilatildeo e o fortalecimento da rede de serviccedilospara

mulheres em situaccedilatildeo de violecircnciavisando abarcar as mulheres indiacutegenas mas do

ponto de vista da avaliaccedilatildeo das accedilotildees iniciadas em 2007 quando da primeira versatildeo

do Plano relata apenas a capacitaccedilatildeo dos atendentes da Central Telefocircnica de

Atendimento agrave Mulher para lidarcom as especificidades das mulheres indiacutegenas o

que parece muito pouco diante da gravidade do problema

Jaacute a PNPM (134) traz entre suas metas uma proposiccedilatildeo que reputamos

como a estrateacutegia mais interessante entre as que estatildeo descritas no conjunto de

enunciados das poliacuteticas e programas estudados a instituiccedilatildeo de foacuteruns de

mulheres indiacutegenas como forma de desenvolver estrateacutegias culturalmente

adequadas ao enfrentamento da violecircncia de gecircnero

Pode-se concluir pela possibilidade de que a publicaccedilatildeo em 2006 da Lei

Maria da Penha e o consequente aumento da discussatildeo do problema pela

sociedade como um todo influencioua abordagem por poliacuteticas e programas uma

51

vez que satildeo exatamente as poliacuteticas e programas anteriores agrave lei que satildeo

completamente omissos em relaccedilatildeo agrave questatildeo agrave violecircncia de gecircnero enquanto um

problema de sauacutede puacuteblica

De forma geral a violecircncia contra a mulher indiacutegena nas poliacuteticas

institucionais quando citadas encontram-se comprimidas em outras pautas Natildeo satildeo

propostas accedilotildees efetivas capazes de alcanccedilar nessas mulheres como

reestruturaccedilatildeo de redes oferecidas pelo estado ou apoio a processos de construccedilatildeo

de mecanismos intracomunitaacuterios de vigilacircncia e assistecircncia Assim se de um lado o

Estado se apropria e comeccedila a abrir espaccedilo para o discurso da interculturalidade em

seus documentos oficiais por outro lado continua a agir poliacutetica econocircmica e

socialmente em favor dos interesses coloniais que destroem as formas de vida

cotidianas dos diversos povos

Segato (135)chama a atenccedilatildeo para uma ldquopropensatildeo generalizadardquo ao

engano provocado pelo discurso colonial universalizante da modernidade o qual

nos conduz a uma crenccedila acriacutetica no Estado suas instituiccedilotildees e leis Ela se refere a

uma ldquofrente estatal-empresarial-midiaacutetica-cristatilde sempre colonialrdquo que continua

avanccedilando sobre as comunidades indiacutegenas na Ameacuterica Latina o que faz com que

os esforccedilos do Estado e seus agentes para elaboraccedilatildeo de leis poliacuteticas puacuteblicas e

outras accedilotildees de proteccedilatildeo estejam sempre a reboque do proacuteprio processo de

destruiccedilatildeo que esse mesmo Estado opera sobre essas comunidades Nesse

sentidoesta autora aposta na formaccedilatildeo de mecanismos intracomunitaacuterios de

proteccedilatildeo baseados em valores intriacutensecos pertencentes ao ldquomundo-aldeiardquoque eacute

como ela define as relaccedilotildees sociais intriacutensecas dos povos indiacutegenas antes da

invasatildeo colonial que se estruturou no percurso histoacuterico entre a dominaccedilatildeo

ultramarina europeia e a constituiccedilatildeo republicana dos chamados Estados ditos

modernos na Ameacuterica Latina dentro do qual a proacutepria tomada dos corpos das

mulheres constituiu um elemento estrateacutegico da dominaccedilatildeo e eacute responsaacutevel por

grande parte das violecircncias que hoje elas vivenciam

Estudos internacionais envolvendo paiacuteses com parcelas significativas de

populaccedilatildeo indiacutegena como Canadaacute e Austraacutelia tambeacutem tecircm demonstrado a relaccedilatildeo

estreita entre os processos de dominaccedilatildeo colonial da ordem capitalista global e a

destruiccedilatildeo das relaccedilotildees e papeacuteis sociais tradicionais de gecircnero Kuokkanen (9)

exemplifica a migraccedilatildeo nesses dois paiacuteses de mulheres de seus territoacuterios para

52

zonas urbanas em busca de sobrevivecircncia o que as tornam sujeitas ao encontro

com o comeacutercio de sexo Essa autora argumenta que a violecircncia de gecircnero que natildeo

parecia se constituir em um problema para os povos autoacutectones antes da

colonizaccedilatildeo sofre uma profunda modificaccedilatildeo a ponto de hoje no Canadaacute as

mulheres iacutendias terem cerca de 35 mais chances de serem vitimas de algum tipo de

violecircncia que as mulheres natildeo iacutendias e na Austraacutelia esta chance chega a ser 45

vezesmaior

O estudo de Burnette(8) sobre o serviccedilo formal de atendimento agraves mulheres

viacutetimas de violecircncia nos Estados Unidos mostrou que os agentes do Estado em

exerciacutecio natildeo compreendiam as experiecircncias da violecircncia nem as condiccedilotildees

histoacutericas de opressatildeo e discriminaccedilatildeo vivenciadas pelas mulheres indiacutegenas e

apontou como os principais problemas do sistema a demora na resposta agraves

denuncias de violecircncias a falta de confidencialidade e uma tendecircncia agrave proteccedilatildeo

aos perpetradores das praacuteticas de violecircncia Segundo essa autora a falta de amparo

jurisdicional tem levado as mulheres iacutendias a buscarem outros meios de amparo fora

do sistema formal de proteccedilatildeo principalmente por entenderem que suas relaccedilotildees

organizacionais satildeo baseadas em comunidade onde ldquoeveryone is related to

everybodyrdquo Zimermaan Saraguza e Viana (14) tambeacutem indicaram ao estudar

relatos de mulheres guarani e kaiowaacuteem Mato Grosso do Sul a importacircncia das

relaccedilotildees de parentesco e articulaccedilotildees comunitaacuterias na resoluccedilatildeo de conflitos

internos

O aparato juriacutedico-institucional ainda natildeo expressa sensibilidade ao universo

particularizado da diversidade cultural e das mulheres indiacutegenas persistindo em

tratar pela reacutegua da universalizaccedilatildeo O fato eacute que muitos desses meios de controle

do Estado tendem inclusive a naturalizar a violecircncia contra a mulher indiacutegena como

um elemento equivocadamente considerado enquanto caracteriacutestica cultural Do

outro lado agentes dos poderes judiciaacuterios podem simplesmente ignorar o

problema como demonstrou o estudo de Silveira e Nardi (75) que entrevistou juiacutezes

do Poder Judiciaacuterio de Porto Alegre

Essa indisposiccedilatildeo agrave solidariedade e visibilidade do problema pelas redes de

proteccedilatildeo e apoio agraves mulheres viacutetimas de violecircncia influencia as relaccedilotildees destas com

as mulheres indiacutegenas as quais acabam natildeo as reconhecendo enquanto espaccedilos

legiacutetimos de acolhimento aos seus problemas A ausecircncia de registros e

53

informaccedilotildees referentes a essas mulheres seja nas notificaccedilotildees dos serviccedilos de

sauacutede seja nas ocorrecircncias policiais como apresentado por alguns dos artigos que

compuseram a presente revisatildeo sugerem esse distanciamento o qual tambeacutem foi

reconhecido pelo proacuteprio plano nacional de enfrentamento agrave violecircncia contra as

mulheres

Essa realidade de pouca visibilidade cientiacutefica poliacutetica e institucional da

violecircncia contra a mulher indiacutegena no Brasil convive com o clamor dessas mesmas

mulheres por accedilotildees estrateacutegicas do Estado para ajudaacute-las a enfrentar a violecircncia por

elas vivenciada Elas tecircm demonstrado uma compreensatildeo das agressotildees infringidas

por seus parceiros como em grande parte induzidas pelos males do mundo

natildeoiacutendio como o alcoolismo as drogas e a convivecircncia deles com a cultura violenta

da sociedade comumEm outro relato de resultados de grupos de discussatildeo em

Mato Grosso as mulheres indiacutegenas afirmaram que o aacutelcool tem sido o grande

responsaacutevel pelas agressotildees nas aldeiaspoisldquoo homem becircbado eacute capaz de bater

em qualquer mulher que ver pela frente seja sua matildee seja sua mulher ou filhardquo(12)

Segundo Segato(136) o papel do Estado deveria ser o de restituir e garantir

direitos eacutetnicos e comunitaacuterios devendo oportunizar aos povos a restauraccedilatildeo de

seus laccedilos perdidos em decorrecircncia da colonizaccedilatildeo Natildeo se trata da ausecircncia do

Estado e sim construccedilatildeo de um Estado Pluralista que ldquona pessoa dos seus agentes

teraacute de ser o de estar disponiacutevel para supervisionar mediar e interceder com o fim

uacutenico de garantir que o processo interno de deliberaccedilatildeo possa ocorrer livremente

sem abusos por parte dos mais poderosos no interior da sociedaderdquo

Segato aposta na capacidade de as mulheres indiacutegenas administrarem sua

soberania sexual e reprodutiva e a constituiccedilatildeo de suas relaccedilotildees de gecircnero

tornando-se a principais propositoras dos caminhos de proteccedilatildeo Para isso faz-se

necessaacuterio suspender os paracircmetrospor meio dos quais o Estado estabelece as

normativas positivas de uma culturaEacute nesse sentido que o apoio agrave realizaccedilatildeo de

foacuteruns de mulheres indiacutegenas como proposto no PNPM de 2013 parece constituir a

proposta que mais se aproxima de uma construccedilatildeo descolonial de soluccedilatildeo ao

problema Entretanto fica clara a necessidade de enfrentar a situaccedilatildeo de

negligecircncia cientiacutefica sobre o problema com editais especiacuteficos para aproduccedilatildeo de

estudos etnograacuteficos envolvendo especificamente o problema com o intuito de

subsidiar tomadas de decisotildees que envolvam incontornavelmente as interaccedilotildees

54

entre leis poliacuteticas e serviccedilos do Estado de proteccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnerocom a

diversidade de contextos culturais de nossos povos autoacutectones

55

7 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A crueldade e o desamparo agraves mulheres viacutetimas de violecircncia aumentam

conforme avanccedila a concepccedilatildeo de Estado moderno e o livre mercado ateacute porque os

protagonistas nessas estruturas satildeo representados pelo poder masculino e pelos

interesses de hierarquizaccedilatildeo decorrentes do projeto de dominaccedilatildeo

Ao avaliar o panorama de negligecircncia de estudos cientiacuteficos e da

invisibilidade nos sistemas poliacuteticos-institucionais comprova-se uma grande lacuna

a ser preenchida com novos estudos sobre violecircncia de gecircnero relacionada agraves

mulheres indiacutegenas e novas propostas para mecanismos de formulaccedilatildeo de soluccedilotildees

culturalmente mediadas

A discrepacircncia entre as regiotildees de realizaccedilatildeo dos estudos que abordaram as

questotildees interculturais e indiacutegenas e os estados com maiores populaccedilotildees indiacutegenas

eacute reflexo da proacutepria assimetria de desenvolvimento cientiacutefico das diversas regiotildees do

paiacutes o que pode em certa medida ser interpretada como fenocircmenos coloniais

internos em relaccedilatildeo agrave produccedilatildeo de saber

O presente trabalho apontou para a necessidade de construccedilotildees descoloniais

de caminhos plurais tanto para o campo cientiacutefico quanto para as poliacuteticas puacuteblicas

leis e redes de proteccedilatildeo institucionais o que implica tambeacutem uma dimensatildeo eacutetica da

abertura de espaccedilos de diaacutelogos interculturais com olhar transformador sobre as

estruturas e as relaccedilotildees sociais de gecircnero

Obviamente a presente revisatildeo tem limitaccedilotildees uma vez que se restringiu a

apenas duas bases de dados ainda que sejam as que indexam os principais

perioacutedicos nacionais e latino-americanosno campo da sauacutede o que torna necessaacuteria

a ampliaccedilatildeo futura do presente estudopara outras bases nacionais e internacionais

Ainda que se considerem esses limites natildeo deixa de ser significativa a enorme

diferenccedila entre os 570 artigos iniciais encontrados com descritores restritos agrave

violecircncia de gecircnero em geral e um uacutenico artigo quando esses descritores foram

cruzados com aqueles referentes aos povos indiacutegenas A aridez da produccedilatildeo

especiacutefica eacute espantosa

A bioeacutetica eacute um campo de anaacutelise e manifestaccedilotildees criacuteticas relacionadas ao

fenocircmeno da vida nos espaccedilos de discussatildeo tem sido elemento de diaacutelogo

56

aprofundado o respeito agrave diversidade cultural e ao pluralismo eacutetico por meio da

aceitaccedilatildeo da existecircncia de numerosos grupos eacutetnicos raciais religiosos ou culturais

distintos dentro de uma unidade social organizaccedilatildeo ou populaccedilatildeo

Com efeito este solo feacutertil permite a concretizaccedilatildeo de proposiccedilatildeo que

desnudem essa invisibilidade cientiacutefica e poliacutetica da violecircncia de gecircnero contra

mulheres indiacutegenas tal como a inserccedilatildeo das discussotildees nas graduaccedilotildees e poacutes-

graduaccedilotildees tanto na bioeacutetica como em sauacutede puacuteblica desenvolvimento de editais

para estudos etnograacuteficos e de mobilizaccedilatildeo da sociedade ao combate produccedilatildeo de

materiais de conscientizaccedilatildeo sobre o problema que se debrucem sobre a violecircncia

de gecircnero em mulheres indiacutegenas ampliaccedilatildeo de estudos em boletins de ocorrecircncia

focando os registros de mulheres indiacutegenas e especialmente a promoccedilatildeo de

espaccedilos e foacuteruns de mulheres para pensar accedilotildees e redes de saberes e de proteccedilatildeo

intracomunitaacuterias adequadas culturalmente para elas

57

8 REFEREcircNCIAS

1 Waiselfisz JJ Mapa da violecircncia 2015 homiciacutedios de mulheres no Brasil Brasiacutelia Flacso 2015

2 Compromisso e Atitude Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha Dados e estatiacutesticas sobre a violecircncia contra as mulheres Campanha Disponiacutevel emhttpwwwcompromissoeatitudeorgbrdados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres

3 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres

Balanccedilo 2014 ndash Ligue 180 ndash Central de Atendimento agrave Mulher Brasiacutelia 2014

4 Garcia LP Freitas LRS Silva GDM Houmlfelmann AD Violecircncia contra a mulher feminiciacutedios no Brasil Brasiacutelia Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada 2013

5 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres Plano Nacional de Poliacuteticas para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013

6 Lorenzo CFG Vulnerabilidade em Sauacutede Coletiva implicaccedilotildees para as poliacuteticas puacuteblicas Revista Brasileira de Bioeacutetica vol 2 num 3 2006

7 Segato RL El sexo y la norma frente estatal patriarcado desposesioacuten

colonialidad Estudos Feministas 2014 maio-ago 22(2) 593-616

8 Burnette CE From the ground up indigenous womenrsquos after violence experiences with the formal service system in the United States British Journal of Social Work2015 45 1526-45

9 Kuokkanen R Globalization as racialized sexualized violence the case of

indigenous women International Feminist Journal of Politics 2008 Jun 10(2) 216-33

10 Hargreaves A Colonial violence and the narrative imperative in feminist anti-

violence discourse and indigenous womenrsquos riting Canadian Woman studiesLes Cachiers de la femme 2009 27(23)

11 1ordf Assembleacuteia das Guerreiras Mulheres Indiacutegenas do Leste e Nordeste Conselho Missionaacuterio Indigenista ndash CIMI Disponiacutevel emhttpcimiorgbrsitept-brsystem=newsampaction=readampid=2709

58

12 Torres MS Um olhar sobre a violecircncia intrafamiliar em aldeias karajaacute In Fazendo gecircnero 9diaacutesporas diversidade deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolis

13 Souza EL Aleixo MT Ruffeil MB Maria(s) diversas Pen(h)as diferentes

entre violecircncias domeacutesticas gecircnero e diversidade cultural In Fazendo Gecircnero 9diaacutesporas diversidades deslocamentos 2010 ago 23 a 26 Florianoacutepolisp 3

14 Zimmermann TR Seraguza L Viana AEA Relaccedilotildees de gecircnero e violecircncia

contra mulheres indiacutegenas em Amambai-MS (2007-2013) Espaccedilo Ameriacutendio 2015 jan-jul 9(1) 105-26

15 Tovar-Restrepo M Irazaacutebal C Indigenous women and violence in

Colombiaagency autonomy and territoriality Disponiacutevelem httplapsagepubcomcontent41139abstract

16 Lorenzo CFG Teoria criacutetica e bioeacutetica um exerciacutecio de fundamentaccedilatildeo IN Bioeacuteticas poderes e injusticcedilas 10 anos depoisCoordenaccedilatildeo de Dora Porto Volnei Garrafa Gerson Zafalon Martins e Swenderberger do Nascimento Barbosa Brasiacutelia CFMCaacutetedra Unesco de BioeacuteticaSBB 2012 396 p (173-189)

17 Kottow M Aspectos didaacutecticos em bioeacutetica intercultural Revista Brasileira de

Educaccedilatildeo Meacutedica vol35 nordm2 Rio de Janeiro abriljun 2011

18 Garrafa V Kottow M Saada Ayla (Org) Bases conceituais da bioeacutetica enfoque latino-americano Campanaacuterio Satildeo Paulo Gaia 2006

19 Health Empowerment Rightsand Accountability ndash HERA Disponiacutevel em httpsiwhcorgarticlenossa-historia-nas-nacoes-unidas

20 Guimaratildees MC Pedroza RL Violecircncia contra a mulher problematizando definiccedilotildees teoacutericas filosoacuteficas e juriacutedicas Psicol Soc [online] 2015 vol27 n2 pp 256-266

21 Rinaldi AA Violecircncia e gecircnero ndash A construccedilatildeo da mulher como viacutetima e seus reflexos no Poder Judiciaacuterio a lei Maria da Penha como um caso exemplar Disponiacutevel em httpwwwestaciobrpublicacoesdireitovivopdfArtigo_Menezespdf

22 Scavone L Estudos de gecircnero uma sociologia feminista Estudos Feministas Florianoacutepolis 16(1) 288 janeiro-abril2008

23 Debert GGGregori MF Violecircncia de Gecircnero novas propostas novos dilemas RBCS Vol 23 nordm 66 fevereiro2008

59

24 Lei nordm 11340 de 7 de agosto de 2006 que Cria mecanismos para coibir a violecircncia domeacutestica e familiar contra a mulher Disponiacutevel em httpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2004-20062006leil11340htm

25 Segato RL Genero y Colonialidad en busca de claves de lectura y de umvocabulaacuterio estrateacutegico descolonial Disponiacutevel em httpnigsufscbrfiles201209genero_y_colonialidad_en_busca_de_claves_de_lectura_y_de_un_vocabulario_estrategico_descolonial__ritasegatopdf

26 Verdum R (organizador) Mulheres Indiacutegenas Direitos e Poliacuteticas PuacuteblicasEla Wiecko V de Castilho [et al] - Brasiacutelia Inesc 2008 96p

27 Lei nordm 131042015 ndash Lei do Feminiciacutedio que Altera o Coacutedigo Penal para

prever o feminiciacutedio como circunstacircncia qualificadora do crime de homiciacutedio e para incluir o feminiciacutedio no rol dos crimes hediondos Disponiacutevel em

28 Carissimi FSO Movimentos Sociais e a Violecircncia Contra As Mulheres do Campo (In)Certezas De Uma Trajetoacuteria Seminaacuterio Internacional Fazendo Gecircnero 10 (Anais Eletrocircnicos) Florianoacutepolis 2013 ISSN 2179-510X

29 Rede Nacional Feminista de Sauacutede e Direitos Reprodutivos ndash Regional Pernambuco Dossiecirc Violecircncia contra Mulheres Disponiacutevel em httpwwwredesaudeorgbrtrilhasdocs04a11pdf

30 Texto base do 8ordm Encontro Nacional de Mulheres da CUT 27 a 29 de marccedilo de 2015 Disponiacutevel em httpwwwcutorgbrsystemuploadsaction_file_versionda0b316e51865231b80ef2f3f508d0e5fileaf-publicacao-texto-base-8-encontro-nacional-das-mulheres-da-cutpdf

31 Sauacutede da mulher negra guia para a defesa dos direitos das mulheres negras Porto Alegre 2012 Disponiacutevel em httpwwwamnborgbradminbibliotecaRelatC3B3rio20SaudePDF

32 ONU Convenccedilatildeo sobre a eliminaccedilatildeo de todas as formas de discriminaccedilatildeo contra a mulher (1979) httpwwwobservatoriodegenerogovbreixointernacionalinstancias-regionaiso-comite-cedaw-2013-comite-para-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher

33 Comissatildeo Interamenricana de Direitos Humanos Convenccedilatildeo interamericana

para prevenir punir e erradicar a violecircncia contra a mulher ldquoConvenccedilatildeo de Beleacutem do Paraacuterdquo httpwwwcidhorgBasicosPortuguesmBelemdoParahtm

34 Pesquisa Instituto AVONIPSOS Estudo percepccedilotildees sobre a violecircncia

domeacutestica contra a mulher no Brasil 2011 Disponiacutevel em

35 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE CENSO 2010 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrgraficos-e-tabelas-2

60

36 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica - IBGE Os indiacutegenas no Censo Demograacutefico 2010 Rio de Jeneiro 2012 Acesso em 03 mar2015 Disponiacutevel em httpindigenasibgegovbrimagesindigenasestudosindigena_censo2010pdf

37 Kymlicka W Direitos humanos e justiccedila etnoculturalMeritum ndash Belo Horizonte ndash v 6 ndash n 2 ndash p 13-55 ndash juldez 2011

38 Horkheimer M Teoriacutea Criacutetica Amarrortu editores Buenos Aires-Madrid 2003

39 Freitag B A teoria criacutetica ontem e hoje Satildeo Paulo Brasiliense1986

40 Benjamin W Teses sobre o conceito da histoacuteria Tese 14 In Benjamin W

Obras escolhidas Magia e teacutecnica arte e poliacutetica Ensaios sobre literatura e histoacuteria da cultura Satildeo Paulo Brasiliense 1987

41 Nobre M Max Horkheimer a teoria criacutetica entre o nazismo e o capitalismo

tardio In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Papirus editora Campinas Papirus editora 201135-52

42 Terra R Herbert Marcuse os limites do paradigma da revoluccedilatildeo ciecircncia teacutecnica e movimentos sociais In Nobre M Curso Livre de Teoria Criacutetica 3 ed Campinas Papirus editora 2011137-160

43 Habermas J Direito e democracia entre faticidade e validade 2 ed Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro 1997

44 Habermas J O discurso filosoacutefico da modernidade doze liccedilotildees Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

45 Quijano A Colonialidade do poder Eurocentrismo e Ameacuterica Latina In A colonialidade do saber eurocentrismo e ciecircncias sociais Perspectivas latino-americanas Buenos Aires CLACSO ConsejoLatinoamericano de CienciasSociales 2005

46 Nascimento WF Garrafa V Por uma vida natildeo colonizada diaacutelogo entre bioeacutetica de intervenccedilatildeo e colonialidade Sauacutede e SOc Satildeo Paulo v20 n2 p287-299 2011

47 Nascimento WF Martorell LB A bioeacutetica de intervenccedilatildeo em contextos descoloniais Rev bioeacutet (Impr) 201321(3)423-31430

48 Palermo Z Quintero P Aniacutebal Quijan La perspectiva de la Colonialidade del poder Prefaacutecio Textos de Fundacioacuten Buenos Aires Edicionesdel Signo Coleccioacuten Eldesprendimiento 2014Pg 7-11

61

49 Walsh C Interculturalidad y Educacioacuten Intercultural Instituto Internacional de Integracioacuten del Convenio Andreacutes Bello La Paz 2009

50 Segato RL Antropologia e direitos humanos alteridade e eacutetica no

movimento de expansatildeo dos direitos universais Mana 12(1) 207-236 (2006)

51 Oliveira AAS Bioeacutetica e direitos humanos tratamento teoacuterico da interface Revista de Direito Sanitaacuterio Satildeo Paulo v 11 n 1 p 65-94 MarJun 2010

52 Oliveira AAS Perspectiva bioeacutetica intercultural e direitos humanos Rev bioeacutet (Impr) 2015 23 (1) 80-8

53 Declaraccedilatildeo Universal sobre Bioeacutetica e Direitos Humanos Caacutetedra UNESCO

de Bioeacutetica da Universidade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpunesdocunescoorgimages0014001461146180porpdf

54 Bandeira LM Almeida TMC Bioeacutetica e feminismo um diaacutelogo em construccedilatildeo Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 173 ndash 89

55 Diniz D Veacutelez ACG Bioeacutetica Feministaa emergecircncia da diferenccedila Artigo

apresentado no II Feminist Approaches in Bioethics realizado em Tsukuba-Japatildeo entre os dias31 de outubro e 03 de novembro de 1998

56 Wolf SM Feminist and Bioethcs beyond reproducion New York Oxford

Uniiversity press 1996

57 Diniz D Bioeacutetica e gecircnero Revista Bioeacutetica 2008 16 (2) 207 - 16

58 Broome ME Integrative literature reviews for the development of concepts IN Concept development in nursing foundations techiniques and applications Second edition WB Saunders Company 2000

59 Whittemore R Knalf K The integrative review update methodology J

AdvNurs 200552(5)546-53

62

Referecircncias dos artigos achados

60 Okabe I Fonseca RMGS Violecircncia contra a mulher contribuiccedilotildees e

limitaccedilotildees do sistema de informaccedilatildeo Rev esc enferm USP [online] 2009

vol43 n2 pp 453-458

61 moreira TNF Martins CLFeuerwerker LCM Schraiber LB A construccedilatildeo do

cuidado o atendimento agraves situaccedilotildees de violecircncia domeacutestica por equipes de

Sauacutede da Famiacutelia Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 814-827

62 Guedes RN Fonseca RMGS Egry EY Limites e possibilidades avaliativas

da estrateacutegia sauacutede da famiacutelia para a violecircncia de gecircnero Rev esc enferm

USP [online] 2013 vol47 n2 pp 304-311

63 Oliveira RNG Fonseca RMGS Necessidades em sauacutede a interface entre o

discurso de profissionais de sauacutede e mulheres vitimizadas Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n2 pp 299-306

64 Hanada H DOliveira AFPL Schraiber LB Os psicoacutelogos na rede de

assistecircncia a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Rev Estud Fem [online] 2010 vol18 n1 pp 33-60

65 Sousa MH et a Preenchimento da notificaccedilatildeo compulsoacuteria em serviccedilos de

sauacutede que atendem mulheres que sofrem violecircncia sexual Rev bras

epidemiol [online] 2015 vol18 n1 pp 94-107

66 Schraiber LB Barros CRS Castilho EA Violecircncia contra as mulheres por

parceiros iacutentimos usos de serviccedilos de sauacutede Rev bras epidemiol[online]

2010 vol13 n2 pp 237-245

67 Gomes NP et al Cuidado agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia

conjugal importacircncia do psicoacutelogo na Estrateacutegia de Sauacutede da Famiacutelia Psicol

USP [online] 2014 vol25 n1 pp 63-69

63

68 Silva EB Padoin SMM Vianna LACViolecircncia contra a mulher limites e potencialidades da praacutetica assistencial Acta paul enferm 26(6) 608-613 2013

69 Escorsim SM Violecircncia de gecircnero e sauacutede coletiva um debate

necessaacuterio Rev kataacutelysis [online] 2014 vol17 n2 pp 235-241

70 Bandeir LM Violecircncia de gecircnero a construccedilatildeo de um campo teoacuterico e de

investigaccedilatildeo Soc estado[online] 2014 vol29 n2 pp 449-469 ISSN 0102-

6992

71 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Menicucci E Violecircncia de

gecircnero no campo da Sauacutede Coletiva conquistas e desafios Ciecircnc sauacutede

coletiva[online] 2009 vol14 n4 pp 1019-1027

72 Schraiber LB D Oliveira AFPL Portella AP Couto MT Violecircncia e

sauacutede contribuiccedilotildees teoacutericas metodoloacutegicas e eacuteticas de estudos da violecircncia

contra a mulher Cad Sauacutede Puacuteblica [online] 2009 vol25 suppl2 pp s205-

s216

73 D Oliveira AFPL Schraiber LB Mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia entre

rotas criacuteticas e redes intersetoriais de atenccedilatildeo RevMed (Satildeo Paulo) 2013

abr-jun92(2)134-40

74 Silveira RS Nardi HC Spindler G Articulaccedilotildees entre gecircnero e raccedilacor em

situaccedilotildees de violecircncia de gecircnero Psicol Soc [online] 2014 vol26 n2 pp

323-334 ISSN 1807-0310

75 Silveira RS Nardi HC Interseccionalidade gecircnero raccedila e etnia e a lei Maria

da Penha Psicologia amp Sociedade 26(n spe) 14-24

76 Medrado B Meacutello R P ldquoPosicionamentos criacuteticos e eacuteticos sobre a violecircncia

contra as mulheresrdquo Psicologia amp Sociedade 20 Ediccedilatildeo Especial 78-86

2008

77 Pougy LG Desafios poliacuteticos em tempos de Lei Maria da Penha Rev

kataacutelysis [online] 2010 vol13 n1 pp 76-85

64

78 Menezes PRM et al Enfrentamento da violecircncia contra a mulher articulaccedilatildeo

intersetorial e atenccedilatildeo integral Saude soc [online] 2014 vol23 n3 pp 778-

786

79 Santos MS Vieira EM Recursos sociais para apoio agraves mulheres em situaccedilatildeo

de violecircncia em Ribeiratildeo Preto SP na perspectiva de informantes-

chave Interface (Botucatu) [online] 2011 vol15 n36 pp 93-108

80 Acosta DF Gomes VLO Fonseca AD Gomes GC Violecircncia contra a mulher

por parceiro iacutentimo (in)visibilidade do problema Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 121-127

81 Amaral NA Amaral CA Amaral TLM Mortalidade feminina e anos de vida

perdidos por homiciacutedioagressatildeo em capital brasileira apoacutes promulgaccedilatildeo da

Lei Maria da Penha Texto contexto - enferm [online] 2013 vol22 n4 pp

980-988

82 Osis MJD Duarte GAFaundesAViolecircncia entre usuaacuterias de unidades de sauacutede prevalecircncia perspectiva e conduta de gestores e profissionais Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n2 pp 351-358

83 MeneghelSNHirakata VN Femiciacutedioshomiciacutedios femininos no Brasil Rev

Sauacutede Puacuteblica [online] 2011 vol45 n3 pp 564-574 ISSN 0034-8910

84 Schraiber LB et al Prevalecircncia da violecircncia contra a mulher por parceiro iacutentimo em regiotildees do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica[online] 2007 vol41 n5 pp 797-807

85 Vieira LJES et al Fatores associados agrave sobreposiccedilatildeo de tipos de violecircncia

contra a mulher notificada em serviccedilos sentinela Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2013 vol21 n4 pp 920-927

86 Ilha MM Leal SMC Soares JSF Mulheres internadas por agressatildeo em um

hospital de pronto socorro (in)visibilidade da violecircncia Rev Gauacutecha Enferm

(Online) [online] 2010 vol31 n2 pp 328-334

87 Gadoni-Costa LM Zucatti APN Dellaglio DD Violecircncia contra a

mulherlevantamento dos casos atendidos no setor de psicologia de uma

delegacia para a mulher Estud psicol (Campinas) [online] 2011 vol28 n2

pp 219-227

65

88 Meneghel SN Ceccon RF Hesler LZ Margarites AF Rosa S Vasconcelos VD Femiciacutedios narrativas de crimes de gecircnero Interface comun sauacutedeeduc 17(46) 523-533 jul-set 2013

89 SIlva RA Arauacutejo TVBValongueiro S Ludermir AB Enfrentamento da

violecircncia infligida pelo parceiro iacutentimo por mulheres em aacuterea urbana da regiatildeo

Nordeste do Brasil Rev Sauacutede Puacuteblica [online] 2012 vol46 n6 pp 1014-

1022

90 Gomes NP Diniz NMF Reis LA Erdmann AL Rede social para o

enfrentamento da violecircncia conjugal representaccedilotildees de mulheres que

vivenciam o agravo Texto contexto - enferm [online] 2015 vol24 n2 pp

316-324

91 Vieira LB Souza IEO Tocantins FRPina-Roche F Apoio agrave mulher que

denuncia o vivido da violecircncia a partir de sua rede social Rev Latino-Am

Enfermagem [online] 2015 vol23 n5 pp 865-873

92 Acosta DF Gomes VLO Barlem ELD Perfil das ocorrecircncias policiais de

violecircncia contra a mulher Acta paul enferm [online] 2013 vol26 n6 pp

547-553

93 Leite FMC Bravim LR Lima EFA et al Violecircncia contra a mulher

caracterizando a viacutetima a agressatildeo e o autor Revista de Pequisa Cuidado eacute

undamental On-Line Universidade Federal do Rio de Janeiro fundam care

online 2015 janmar 7(1)2181-2191

94 Leoncio KL Baldo PL MalundoJjoatildeo V Biffi RG O PERFIL DE MULHERES

VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES Rev enferm UERJ Rio de

Janeiro 2008 julset 16(3)307-12

95 Azevedo RG Sistema penal e violecircncia de gecircnero anaacutelise sociojuriacutedica da

Lei 1134006 Soc estado [online] 2008 vol23 n1 pp 113-135 ISSN

0102-6992

96 Maciel DA Accedilatildeo coletiva mobilizaccedilatildeo do direito e instituiccedilotildees poliacuteticas o caso

da campanha da lei Maria da PenhaRev bras Ci Soc [online] 2011 vol26

n77 pp 97-112

66

97 Cortizo MC Goyeneche PL Judiciarizaccedilatildeo do privado e violecircncia contra a

mulher Rev kataacutelysis[online] 2010 vol13 n1 pp 102-109

98 Vieira EM et al Conhecimento e atitudes dos profissionais de sauacutede em

relaccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras epidemiol [online] 2009 vol12 n4

pp 566-577

99 Silva EB Padoin SMMVianna LAC Violecircncia contra a mulher e a praacutetica

assistencial na percepccedilatildeo dos profissionais da sauacutede Texto contexto -

enferm [online] 2015 vol24 n1 pp 229-237

100 RODRIGUES Vanda Palmarella et al Praacutetica de trabalhadora(e)s de

sauacutede na atenccedilatildeo agraves mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia de gecircneroTexto

contexto - enferm [online] 2014 vol23 n3 pp 735-743

101 Gomes NP et al Identificaccedilatildeo da violecircncia na relaccedilatildeo conjugal a partir

da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia Texto contexto - enferm [online] 2013

vol22 n3 pp 789-796

102 Hasse M Vieira EM Como os profissionais de sauacutede atendem

mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Uma anaacutelise de dados Sauacutede Debate 2014 jul 38(102) 482-96

103 Pedrosa CM Spink MJP A violecircncia contra mulher no cotidiano dos

serviccedilos de sauacutede desafios para a formaccedilatildeo meacutedica Saude soc [online] 2011 vol20 n1 pp 124-135

104 Moreira SNT Galvatildeo LLLF Melo COM Azevedo GD Violecircncia fiacutesica

contra a mulher na perspectiva de profissionais de sauacutede Rev Sauacutede

Puacuteblica [online] 2008 vol42 n6 pp 1053-1059

105 Silva CD et al Representaccedilatildeo social da violecircncia domeacutestica contra a

mulher entre Teacutecnicos de Enfermagem e Agentes Comunitaacuterios Rev esc

enferm USP [online] 2015 vol49 n1 pp 22-29

106 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Representaccedilotildees Sociais Da

Violecircncia Contra Mulheres Rurais Desvelando Sentidos Em Muacuteltiplos

Olhares Rev esc enferm USP [online] 2014 vol48 n2 pp 213-221

67

107 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Elementos de integralidade nas

praacuteticas profissionais de sauacutede a mulheres rurais viacutetimas de violecircncia Rev

esc enferm USP [online] 2012 vol46 n5 pp 1088-1095

108 LettiereA Nakano AMS Rodrigues DT Violecircncia contra a mulher a

visibilidade do problema para um grupo de profissionais de sauacutede Rev esc

enferm USP[online] 2008 vol42 n3 pp 467-473

109 Gomes NP Erdmann AL Violecircncia conjugal na perspectiva de

profissionais da Estrateacutegia Sauacutede da Famiacutelia problema de sauacutede puacuteblica e a

necessidade do cuidado agrave mulher Rev Latino-Am Enfermagem [online]

2014 vol22 n1 pp 76-84 ISSN 0104-1169

110 Fonseca RMGS et al Violecircncia domeacutestica contra a mulher na visatildeo

do agente comunitaacuterio de sauacutede Rev Latino-Am Enfermagem [online] 2009

vol17 n6 pp 974-980

111 HeslerLZCosta MC Resta DG Colome ICS Violecircncia contra as

mulheres na perspectiva dos agentes comunitaacuterios de sauacutede Rev Gauacutecha

Enferm[online] 2013 vol34 n1 pp 180-186

112 Vieira LB PadoinSMMLanderdahl MC A percepccedilatildeo de profissionais

da sauacutede de um hospital sobre a violecircncia contra as mulheres Rev Gauacutecha

Enferm (Online)[online] 2009 vol30 n4 pp 609-616

113 BaraldiACP Almeida AM Perdona GC Vieira EM Violecircncia contra a

mulher na rede de atenccedilatildeo baacutesica o que os enfermeiros sabem sobre o

problema Rev Bras Saude Mater Infant [online] 2012 vol12 n3 pp

307-318

114 Almeida LR Silva ATMC Machado LS Jogos para capacitaccedilatildeo de

profissionais de sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de gecircnero Rev bras educ

med [online] 2013 vol37 n1 pp 110-119

115 Porto M Violecircncia contra a mulher e atendimento psicoloacutegicoo que

pensam osas gestoresas municipais do SUS Psicol cienc prof [online]

2006 vol26 n3 pp 426-439

68

116 Almeida LR Silva ATMC Machado LS O objeto a finalidade e os

instrumentos do processo de trabalho em sauacutede na atenccedilatildeo agrave violecircncia de

gecircnero em um serviccedilo de atenccedilatildeo baacutesica Interface (Botucatu) [online] 2014

vol18 n48 pp 47-60

117 Kiss LB Schraiber LB Doliveira AFPL Possibilidades de uma rede

intersetorial de atendimento a mulheres em situaccedilatildeo de violecircncia Interface

(Botucatu) [online] 2007 vol11 n23 pp 485-501

118 DE FERRANTE Fernanda Garbelini SANTOS Manoel Antocircnio

dos and VIEIRA Elisabeth Meloni Violecircncia contra a mulher percepccedilatildeo dos

meacutedicos das unidades baacutesicas de sauacutede da cidade de Ribeiratildeo Preto Satildeo

Paulo Interface (Botucatu) [online] 2009 vol13 n31 pp 287-299

119 Costa MC Lopes MJM Soares JSF Violecircncia contra mulheres rurais

gecircnero e accedilotildees de sauacutede Esc Anna Nery [online] 2015 vol19 n1 pp 162-

168

120 Gomes NP et al Significado da capacitaccedilatildeo profissional para o

cuidado da mulher viacutetima de violecircncia conjugalEsc Anna Nery [online] 2013

vol17 n4 pp 683-689

121 Bonfim EGLopes MJM Peretto M Os registros profissionais do

atendimento preacute-natal e a (in)visibilidade da violecircncia domeacutestica contra a

mulher Esc Anna Nery [online] 2010 vol14 n1 pp 97-104

122 Guedes RN Fonseca RMGS A autonomia como necessidade

estruturante para o enfrentamento da violecircncia de gecircnero RevEscEnferm USP 45(spe2) 1731-1735 dez 2011

123 Porto M Costa FP Lei Maria da Penha as representaccedilotildees do judiciaacuterio

sobre a violecircncia contra as mulheres Estudos de Psicologia I Campinas I

27(4) I 479-489 I outubro - dezembro 2010

124 Silva LEL Oliveira MLC Violecircncia contra a mulher revisatildeo sistemaacutetica

da produccedilatildeo cientiacutefica nacional no periacuteodo de 2009 a 2013 Ciecircnc sauacutede

coletiva [online] 2015 vol20 n11 pp 3523-3532

69

125 Duarte MC Fonseca RMGS Souza V Pena ED Gecircnero e violecircncia contra a mulher na literatura de enfermagem uma revisatildeo Rev Bras Enferm [online] 2015 vol68 n2 pp 325-332

126 Instituto Brasileiro de Geografia e estatiacutestica Caracteriacutesticas gerais dos povos indiacutegenas no CENSO 2010 Disponiacutevel em httpwwwibgegovbrhomeestatisticapopulacaocenso2010caracteristicas_gerais_indigenasdefault_uf_xlsshtm

127 Heise L Gender-based Abuse the global epidemic Cad Sauacutede Puacuteblica 1994 10(1 suppl) Disponiacutevel emhttpdxdoiorg101590S0102-311X1994000500009

128 KindLOrsini MLP Nepomuceno V Gonccedilalves L Souza GA Ferreira

MFF Subnotificaccedilatildeo e (in)visibilidade da violecircncia contra mulheres na atenccedilatildeo primaacuteria agrave sauacutede Cad Sauacutede Puacuteblica 2013 set29(9)1805-15

129 Souza ER Ribeiro AP Penna LHG Ferreira AL Santos NC Tavares

CMM O tema violecircncia intrafamiliar na concepccedilatildeo dos formadores dos profissionais de sauacutede Ciecircncia amp Sauacutede Coletiva 2009 14(5)1709-19

130 Quijano A Colonialidade do Poder e Classificaccedilatildeo Social In Santos

BSS Meneses MP organizadores Epistemologias do Sul Coimbra Ediccedilotildees Almedina 2009 p73-118

131 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede dos Povos Indiacutegenas 2 ed Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2002 40 p

132 Ministeacuterio da Sauacutede (BR) Secretaria de Atenccedilatildeo agrave Sauacutede

Departamento de Accedilotildees Programaacuteticas Estrateacutegicas Poliacutetica Nacional de Atenccedilatildeo Integral agrave Sauacutede da Mulher princiacutepios e diretrizes Brasiacutelia Ministeacuterio da Sauacutede 2004 82 p

133 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

Mulheres Poliacutetica Nacional de Enfrentamento agrave Violecircncia contra as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2011 70 p

134 Presidecircncia da Repuacuteblica (BR) Secretaria de Poliacuteticas para as

MulheresPlano Nacional de Poliacutetica para as Mulheres Brasiacutelia Secretaria de Poliacuteticas para as Mulheres 2013 114 p

135 Segato RL Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres

Rev Soc Estado 2014 maio-ago 29(2)

70

136 Segato RL Que cada povo teccedila os fios da sua histoacuteria o pluralismo juriacutedico em diaacutelogo didaacutetico com legisladores Revista de Direito da Universidade de Brasiacutelia 2014 jan-jun1(1)

Anexo I

PLANILHA COM AS INFORMACcedilOtildeES DOS ARTIGOS SELECIONADOS PARA

ANAacuteLISE

Page 14: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 15: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 16: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 17: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 18: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 19: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 20: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 21: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 22: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 23: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 24: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 25: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 26: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 27: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 28: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 29: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 30: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 31: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 32: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 33: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 34: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 35: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 36: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 37: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 38: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 39: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 40: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 41: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 42: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 43: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 44: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 45: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 46: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 47: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 48: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 49: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 50: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 51: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 52: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 53: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 54: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 55: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 56: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 57: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 58: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 59: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 60: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 61: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 62: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 63: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 64: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 65: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 66: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 67: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 68: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 69: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...
Page 70: BIOÉTICA E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NOS POVOS INDÍGENAS ...