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Bioimpedância elétrica (BIA) Guilherme T. Araújo, Me, MBA, MD 1. Introdução A avaliação da composição corporal tem se tornado um tópico de extrema importância na área médica, nutricional e de atividade física, devido à importante correlação entre os componentes do corpo, como o excesso de gordura corporal, com doenças crônico degenerativas. Diversos métodos tem sido utilizados para este fim, tais como pesagem hidrostática, tomografia computadorizada, DXA (dual xray absormetry), avaliação de pregas cutâneas, entre outros. Dentre os métodos utilizados para a avaliação da composição corporal, a Bioimpedância Elétrica (BIA) tem sido amplamente utilizada, sobretudo pela alta velocidade no processamento das informações, por ser um método não invasivo, prático, reprodutível e relativamente barato, que estima, além dos componentes corporais, a distribuição dos fluidos nos espaços intra e extracelulares, bem como a qualidade, tamanho e integridade celular. 2. Princípios da BIA A BIA é um método que consiste na passagem de uma corrente elétrica indolor de baixa amplitude e baixa ou alta frequência através do organismo, aplicada através de cabos conectados à eletrodos ou superfícies condutoras, colocadas em contato com a pele, permitindo assim a medida da resistência (R) e reactância (Xc). Com os valores de R e Xc é possível calcular a impedância (Z), o ângulo de fase (AF) a água corporal total (TBW) e estimar a quantidade de água extracelular (ECW) e intracelular (ICW). Assim sendo, a massa livre de gordura (FFM) pode ser calculada, assumindose que a TBW é uma parte constante da FFM. Com esta base, outros compartimentos como massa gorda (FM) e massa celular corporal (BCM) podem ser mensuradas (Figura 1). A seguir definimos os termos utilizados: Impedância (Z): definese como a oposição à passagem de corrente elétrica realizada pelos tecidos corporais. Essa oposição possui dois vetores, denominados resistência (R) e reactância (Xc); Resistência (R): O vetor R mede a oposição ao fluxo da corrente elétrica através dos meios intra e extracelulares do corpo, estando diretamente associado ao nível de hidratação desses meios; Reactância (Xc): O vetor Xc mede a oposição ao fluxo da corrente causada pela capacitância produzida pela membrana celular; Massa livre de gordura (FFM): consiste em toda composição corporal que não é gordura, que envolve os seguintes componentes: conteúdo mineral ósseo (~7%), água extracelular (~29%), água intracelular (~44%) e proteína visceral; Massa celular corporal (BCM): é a denominação do compartimento rico em proteína que é afetado em estados catabólicos, sendo que a perda de BCM está associado à resultados clínicos insatisfatórios;

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                                                                                                                                                                                 Bioimpedância  elétrica  (BIA)  

Guilherme  T.  Araújo,  Me,  MBA,  MD    

1. Introdução  

A  avaliação  da  composição  corporal  tem  se  tornado  um  tópico  de  extrema  importância  

na   área   médica,   nutricional   e   de   atividade   física,   devido   à   importante   correlação   entre   os  

componentes  do  corpo,  como  o  excesso  de  gordura  corporal,  com  doenças  crônico  degenerativas.  

Diversos   métodos   tem   sido   utilizados   para   este   fim,   tais   como   pesagem   hidrostática,  

tomografia   computadorizada,  DXA   (dual  x-­‐ray  absormetry),   avaliação  de  pregas   cutâneas,   entre  

outros.  Dentre  os  métodos  utilizados  para  a  avaliação  da  composição  corporal,  a  Bioimpedância  

Elétrica  (BIA)  tem  sido  amplamente  utilizada,  sobretudo  pela  alta  velocidade  no  processamento  

das  informações,  por  ser  um  método  não  invasivo,  prático,  reprodutível  e  relativamente  barato,  

que   estima,   além   dos   componentes   corporais,   a   distribuição   dos   fluidos   nos   espaços   intra   e  

extracelulares,  bem  como  a  qualidade,  tamanho  e  integridade  celular.    

 

2. Princípios  da  BIA  

A  BIA   é   um  método   que   consiste   na   passagem   de   uma   corrente   elétrica   indolor   de   baixa  

amplitude  e  baixa  ou  alta  frequência  através  do  organismo,  aplicada  através  de  cabos  conectados  

à   eletrodos   ou   superfícies   condutoras,   colocadas   em   contato   com   a   pele,   permitindo   assim   a  

medida   da   resistência   (R)   e   reactância   (Xc).   Com   os   valores   de   R   e   Xc   é   possível   calcular   a  

impedância  (Z),  o  ângulo  de  fase  (AF)  a  água  corporal  total  (TBW)  e  estimar  a  quantidade  de  água  

extracelular  (ECW)  e  intracelular  (ICW).  Assim  sendo,  a  massa  livre  de  gordura  (FFM)  pode  ser  

calculada,   assumindo-­‐se   que   a   TBW   é   uma   parte   constante   da   FFM.   Com   esta   base,   outros  

compartimentos  como  massa  gorda  (FM)  e  massa  celular  corporal  (BCM)  podem  ser  mensuradas  

(Figura  1).  A  seguir  definimos  os  termos  utilizados:  

• Impedância   (Z):   define-­‐se   como   a   oposição   à   passagem   de   corrente   elétrica   realizada  

pelos  tecidos  corporais.  Essa  oposição  possui  dois  vetores,  denominados  resistência  (R)  

e  reactância  (Xc);  

• Resistência   (R):   O   vetor   R   mede   a   oposição   ao   fluxo   da   corrente   elétrica   através   dos  

meios   intra   e   extracelulares   do   corpo,   estando   diretamente   associado   ao   nível   de  

hidratação  desses  meios;  

• Reactância   (Xc):   O   vetor   Xc   mede   a   oposição   ao   fluxo   da   corrente   causada   pela  

capacitância  produzida  pela  membrana  celular;  

• Massa  livre  de  gordura  (FFM):  consiste  em  toda  composição  corporal  que  não  é  gordura,  

que   envolve   os   seguintes   componentes:   conteúdo   mineral   ósseo   (~7%),   água  

extracelular  (~29%),  água  intracelular  (~44%)  e  proteína  visceral;  

• Massa  celular  corporal  (BCM):  é  a  denominação  do  compartimento  rico  em  proteína  que  

é  afetado  em  estados  catabólicos,  sendo  que  a  perda  de  BCM  está  associado  à  resultados  

clínicos  insatisfatórios;  

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                                                                                                                                                                                 • Massa  gorda  (FM):  é  o  resultado  obtido  pela  subtração  da  FFM  do  peso  corporal  total.  

Em   sistemas   biológicos,   a   corrente   elétrica   é   transmitida   pelos   íons   diluídos   nos   fluidos  

corporais,  especificamente  íons  de  sódio  e  potássio.  Os  tecidos  magros  são  altamente  condutores  

de  corrente  elétrica  devido  à  grande  quantidade  de  água  e  eletrólitos,  ou  seja,  apresentam  baixa  

resistência  à  passagem  da  corrente  elétrica.  Por  outro  lado,  a  gordura,  o  osso  e  a  pele  constituem  

um  meio  de  baixa  condutividade,  apresentando,  portanto,  elevada  resistência.    

A   membrana   citoplasmática   do   ser   humano   é   constituída   por   duas   camadas   de   material  

proteico  (bom  condutor)  e  uma  camada  de  lipídeo  (isolante).  Dessa  forma,  a  membrana  celular  

atua  como  se  fosse  um  capacitor,  oferecendo  Xc  (capacitância).    

Assim,   no   corpo   humano,   as   membranas   celulares   podem   armazenar   a   energia   por   um  

pequeno  período  de   tempo,   “atrasando”  a   corrente.  Esse   “atraso”  no   fluxo  da  corrente  elétrica,  

causado  pela  capacitância,  gera  uma  queda  na  tensão  da  corrente  ou  uma  mudança  de  fase,  que  é  

definida  como  ângulo  de  fase  (AF),  ou  ainda,  como  arco  tangente  da  relação  Xc  e  R.    

Figura  1:  Composição  dos  compartimentos  corporais  

 

Em   frequências   maiores   (fh)   (50   kFz   e   100   kHz),   a   corrente   elétrica   passa   através   das  

membranas   celulares,   permitindo   as   medidas   de   impedância   dentro   e   fora   das   células,  

determinando   o   balanço   hídrico   intra   e   extracellular.   Assim,   através   dos   valores   obtidos   para  

essas  variáveis  (Z,  R  e  Xc),  em  diferentes  frequências,  o  analisador  calcula  a  quantidade  de  água  

corporal   total   e   sua   distribuição   intra   e   extracelular   e,   assumindo   uma   hidratação   constante,  

determina  primeiramente  a  massa  corporal  magra  e,  logo,  a  composição  corporal.    

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                                                                                                                                                                                 3. Tipos  de  BIA  

3.1. BIA  de  frequência  única  

Os  aparelhos  de  BIA  com  frequência  única  geralmente  utilizam  uma  frequência  de  50kHz,  que  

são  passados  pela  superfície  de  eletrodos  colocados  na  mão  e  no  pé.  Outros   tipos  de  aparelhos  

podem  utilizar  outros  pontos  de  fixação,  como  pé-­‐pé  ou  mão-­‐mão.  À  uma  frequência  de  50kHz  a  

BIA  não  mede  exatamente  a  água  corporal  total  (TBW),  mas  sim  uma  soma  ponderada  da  ECW  e  

ICW.   Assim   a   BIA   de   frequência   única   consegue   estimar   a   FFM   e   TBW,   mas   não   consegue  

determinar  diferenças  da  ICW.  Apesar  da  BIA  de  frequência  única  não  ser  validade  em  condições  

com  alterações  significativas  de  hidratação,  ela  não  é  invalidada  para  estimar  a  FFM  ou  TBW  em  

indivíduos  normohidratados.  

 

3.2. BIA  de  multi-­‐frequência  

A   BIA   de  multi-­‐frequência   faz   uso   de   equações   lineares   de   regressão   utilizando   diferentes  

frequências  (0,  1,  5,  50,  100,  200  a  500kHz)  para  avaliar  FFM,  TBW,  ICW  e  ECW.  A  BIA  de  multi-­‐

frequência  possui  maior  acurácia  que  a  BIA  de  frequência  única  para  predição  da  ECW.  

3.3. BIA  segmentar  

A   BIA   segmentar   aborda   aspectos   da   análise   da   composição   corporal   que   podem   eliminar  

certas   inconsistências   existentes   na   avaliação   da  massa   corporal   total,   analisando   o   corpo   por  

segmento,  ou  seja,  essa  técnica  determina  isoladamente  a  massa  dos  membros  e  do  tronco.  A  BIA  

segmentar  tem  sido  utilizada  para  determinar  a  distribuição  de  fluidos  em  certas  doenças  (ascite,  

insuficiência  renal,  cirurgias).  

 

4. Como  realizar  o  exame  

Para  realização  da  BIA  os  seguintes  passos  devem  ser  respeitados:  

• Os  pacientes  devem  ter  sua  altura  e  peso  aferidos  no  momento  do  exame;    

• O   paciente   deve   estar   em   decúbito   dorsal,   descalço   e   com   os   membros   inferiores  

afastados,   ficando   os   pés   distantes   um   do   outro   em   cerca   de   30   cm.   A   dificuldade   de  

afastar  a  coxa  de  pessoas  obesas  (mórbidas)  deve  ser  um  fator  de  dificuldade  de  análise  

dos   resultados.   O   paciente   deve   permanecer   em  decúbito   dorsal   em   repouso   por   pelo  

menos  10  minutos  antes  do  exame;    

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                                                                                                                                                                                 • O  paciente  deve  retirar  objetos  de  metal  presos  ao  corpo,  como  anéis  e  brincos;    

• As   condições   que   dizem   respeito   à   posição   do   corpo   e   dos   eletrodos   devem   ser  

respeitadas.  Isto  é,  os  eletrodos  devem  ser  uniformemente  posicionados;    

• O  paciente  deve  suspender  o  uso  de  medicamentos  diuréticos  no  mínimo  24  horas  antes  

da  realização  do  teste;    

• O  consumo  de  alimentos  e  bebidas  deve   ser   evitado  até  4  horas  antes  de   se   realizar  o  

teste.   Apesar   de   existir   consenso   de   que   o   paciente   deve   estar   em   jejum  de   4   horas   e  

esvaziar   a   bexiga   antes   do   exame,   ainda  não  há,   na   literatura,   a   confirmação  de   que   o  

jejum  por  4  horas  seja  realmente  necessário;    

• O  exame  deve  ser  feito  com  o  paciente  em  repouso  e  a  prática  de  exercícios  até  8  horas  

anteriores  não  é  recomendada;    

• Medicamentos  que  cursem  com  retenção  hídrica,  se  possível,  devem  ser  retirados  para  a  

realização  do  exame.    

Em  situações  onde  a  condição  ou  características  do  paciente  limita  a  colocação  dos  eletrodos  

na   superfície   corporal,   tal   como   amputados,   atrofias   ou   hemiplegias,   os   eletrodos   devem   ser  

colocados  em  porções  do  corpo  não  afetadas.  Em  outras  situações,  como  lipodistrofia,  síndrome  

de   Cushing,   mixedema,   ascite,   obesidade,   onde   os   pacientes   demonstram   uma   distribuição  

irregular  da  composição  corporal,  deve  ser  considerado  o  uso  da  BIA  segmentar.  

Em  pacientes  com  próteses  de  silicone,  o  volume  das  próteses  devem  ser  subtraídas  da  FM,  

uma  vez  que  as  próteses  são  má  condutoras  e  são  interpretadas  como  FM.  

Apesar  de  não  haver  dados  na   literatura  demonstrando  riscos,   sugere-­‐se  a  contraindicação  

ou   a   interpretação   cautelosa   dos   resultados,   em   pacientes   gestantes,   crianças,   nutrizes   e  

portadores   de   marca-­‐passo.   Deve-­‐se   também   evitar   a   realização   do   exame   em   pacientes   com  

lesões  de  pele  que  não  permitam  a  aplicação  dos  eletrodos.  

5. Interpretação  dos  resultados  

A   partir   dos   valores   da   R   e   da   Xc   obtidos   pela   BIA,   são   utilizadas   diferentes   equações   de  

regressão  disponíveis  na  literatura,  para  estimar  os  componentes  corporais,  e  assim,  determinar  

os   valores   de  massa   de   gordura,  massa  magra   e   água   corporal.   Essas   equações   preditivas   são  

ajustadas  para  sexo,  etnia,  idade,  peso,  altura  e  nível  de  atividade  física.    

Recomenda-­‐se,   no   entanto,   que   as   fórmulas   utilizadas   pelos   fabricantes   sejam   verificadas  

para   se   ter   certeza   de   sua   adequação.  Assim,   não   se   recomenda  que   os   aparelhos   automáticos  

sejam   tomados   como   padrão-­‐ouro,   principalmente   quando   obtêm   medidas   de   segmentos  

corporais.    

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                                                                                                                                                                                 5.1. Ângulo  de  fase  

Através  da  BIA,  o  AF  pode  ser  obtido  por  meio  da  relação  entre  medidas  diretas  da  R  e  da  Xc.  

A  variação  do  AF  ocorre  entre  zero  grau  (sistema  sem  membranas  celulares,  apenas  resistivo)  e  

90  graus  (sistema  sem  fluidos,  apenas  capacitivo),  sendo  que  num  indivíduo  saudável  o  AF  pode  

apresentar   valores   entre   4   e   10   graus.   Também   se   encontra   na   literatura   que   esse   valor   pode  

variar  de  5  a  15  graus.    

Esse   ângulo   é   dependente   da   capacitância   dos   tecidos   e   está   associado   com   a   qualidade,  

tamanho  e   integridade  celular.  Trata-­‐se  de  uma  ferramenta  de  diagnóstico  nutricional  cada  vez  

mais  utilizada  na  prática  clínica.  Estudos  recentes  demonstram  alta  correlação  entre  o  ângulo  de  

fase   e   o   prognóstico   e  mortalidade   de   pacientes   em   hemodiálise,   com   câncer,   SIDA   e   doenças  

hepáticas.  

Portanto,  variação  no  AF  indica  alterações  na  composição  corporal,  na  função  da  membrana  

celular  ou  no  estado  de  saúde.  Valores  de  AF  menores  representam  baixa  Xc  e  alta  R,  e  podem  ser  

associados   à   existência   ou   agravamento   de   doença,   a  morte   celular,   ou   a   alguma   alteração   na  

permeabilidade  seletiva  da  membrana.  De  outro   lado,  valores  mais  altos   representam  alta  Xc  e  

baixa  R,  podendo  associar-­‐se  à  maior  quantidade  de  membranas  celulares  intactas,  ou  seja,  maior  

massa  celular  corpórea,  e  a  um  adequado  estado  de  saúde.  

 

5.2. Água  corporal  total  (TBW),  água  intracelular  (ICW)  e  água  extracelular  (ECW)  

As  equações  utilizadas  para  a  avaliação  de  TBW  foram  baseadas  em  analises  regressivas  de  

indivíduos  normohidratados,   sendo  assim,  pacientes   com  distúrbios   agudos  de  volemia  podem  

alterar  a  correta  predição  da  TBW  e  ECW.    

A   elevação   nos   valores   de   ECW   ou   na   relação   ECW/TBW   podem   indicar   edema   e/ou  

desnutrição.  

O  valor  normal  de  TBW  varia  com  a  idade  e  sexo,  conforme  demonstrado  na  tabela  1.  

 

 

 

 

 

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                                                                                                                                                                                 Tabela  1:  Água  corporal  total  (TBW)  de  acordo  com  idade  e  sexo  

Idade  (sexo)   Média  (variação)  

Recém-­‐nascido  a  6  meses   74%  (64  a  84%)  

6  meses  a  1  ano   60%  (57  a  64%)  

1  a  12  anos   60%  (49  a  75%)  

12  a  18  anos  (homens)   59%  (52  a  66%)  

12  a  18  anos  (mulheres)   56%  (49  a  63%)  

19  a  50  anos  (homens)   59%  (43  a  73%)  

19  a  50  anos  (mulheres)   50%  (41  a  60%)  

Acima  de  51  anos  (homens)   56%  (47  a  67%)  

Acima  de  51  anos  (mulheres)   47%  (39  a  57%)  

 5.3. Massa  livre  de  gordura  (FFM)  e  massa  gorda  (FM)  

A  FFM  contempla  tudo  o  que  não  for  gordura  corporal  (ou  FM).  Existe  uma  grande  gama  de  

equações   de   BIA   relatadas   na   literatura   para   predizer   a   FFM.   A   figura   2  demonstra   a   faixa   de  

variação  de  normalidade  da  FM  de  acordo  com  a  idade  e  sexo.  

É  importante  ressaltar  que  em  caso  de  pequenas  variações  do  peso  corporal  (1,5  a  2,0  kg),  as  

variações  da  FFM  e  FM  podem  não  ser  aferidas  pela  BIA,  devido  à  precisão  do  método.  

Figura  2:  Faixa  de  normalidade  de  massa  gorda  (FM)  de  acordo  com  idade  e  sexo  

 

 

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                                                                                                                                                                                 6. Limitações  do  método  

Estudos  mostram  que  podem  ser  obtidos   resultados  variáveis   e   contraditórios  pela  BIA  em  

várias  doenças.  Essas  discrepâncias  se  devem  não  só  às  limitações  do  método,  mas  também  pela  

própria  diferença  entre  a  condutividade  do  tecido  entre   indivíduos  saudáveis  e  acometidos  por  

alguma  doença:    

• Pacientes   gravemente   mal-­‐nutridos   ou   anoréticos   nervosos   (IMC<16   kg/m2)   têm  

resultados   afetados   pelo   grau   de   hidratação   corporal   e   devem   ser   interpretados   com  

cuidado  durante  a  realimentação;      

• Em   obesos,   a   bioimpedância   mostra   resultados   confiáveis   em   IMC   até   34   kg/m2,  

ocorrendo  erros  de  medição  consideráveis  acima  desse  índice.  A  análise  bioimpedância  

em  pacientes  com  sobrepeso  e  obesidade  deve  ser  cautelosa,  pois  tende  a  subestimar  a  

porcentagem  de  gordura  do  corpo  quando  esta  é  maior  do  que  25%  em  homens  e  33%  

em  mulheres;      

• A   bioimpedância   também  não   é   apropriada   para   situações   de   hidratação   anormal   dos  

tecidos,  como  nos  edemas,  ascites  ou  balanço  iônico  alterado;      

• Em  doenças  neuromusculares,  a  bioimpedância  requer  equações  validadas  específicas,  e  

o  seu  uso  pode  ser  recomendado  para  seguimento  a  longo  prazo;      

• O  exame  de  análise  da  bioimpedância  não  é  apropriado  para  detecção  de  mudanças  na  

composição  corporal  após  um  programa  de  perda  de  peso,  porque  pequenas  alterações  

fisiológicas  na  composição  corporal  podem  não  ser  detectadas  com  acurácia;    

• Doenças   que   cursam   com   alterações   dermatológicas   extensas,   como   o   mixedema   no  

hipotireoidismo,   podem   invalidar   o   exame   de   bioimpedância   devido   às   alterações   na  

resistência  elétrica  da  pele;    

• Não   foi   verificada   interferência   da   bioimpedância   em   marca-­‐passos   e   desfibriladores,  

mas  há  a  possibilidade  do  campo  criado  pela  corrente  afetá-­‐los.  Portanto,  recomenda-­‐se  

monitorização   cardíaca   nesses   casos,   e   na   impossibilidade   de   monitorização,   a  

bioimpedância  deve  ser  contraindicada.;  

• Em   pacientes   com   doenças   neuromusculares   (por   exemplo,   distrofia   muscular   de  

Duchene,   hemiplegia)   as   equações   utilizadas   necessitam   de  maior   validação.   O   uso   da  

BIA  segmentar  nestes  casos  seria  melhor  recomendado;  

• Em  pacientes  em  curso  de  dialise  ou  com  ascite,  atualmente,  o  uso  da  BIA  parece  não  ter  

acurácia   suficiente  para  determinar   as   alterações  de   volume  decorrentes  da  diálise   ou  

paracentese.  

 

7. Comparação  de  métodos  

Diversos  métodos  são  utilizados  para  avaliar  composição  corporal,  entretanto  alguns  destes  

métodos  são  caros  ou  difíceis  para  serem  realizados.  Atualmente  considera-­‐se  como  padrão  ouro  

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                                                                                                                                                                                 a  pesagem  hidrostática  e  o  uso  de  água  duplamente  marcada,  entretanto  são  métodos  utilizados  

exclusivamente  no  meio  acadêmico.  

Dentre   os   meios   disponíveis   na   prática   clínica   os   métodos   mais   utilizados   são   a   BIA,  

estimativa   através   de   pregas   cutâneas   e  DXA   (dual   x-­‐ray   absormetry).   Outro  método   que   vem  

ganhando   atenção   é   a   utilização   de   tomografia   computadorizada,   porém   ainda   é   necessário   a  

padronização  e  validação  do  método.  

Apesar  da  DXA  poder  informar  com  boa  acurácia  e  detalhe  a  distribuição  de  FFM  e  o  conteúdo  

mineral  ósseo,  é  um  método  caro  e  que  não  pode  ser  repetido  frequentemente  devido  à  radiação.  

O   uso   de   pregas   cutâneas   para   a   estimativa   de   FM   e   FFM   pode   subestimar   entre   1   a   12%  

podendo  variar  os  resultados  entre  examinadores.  

Os  resultados  de  uma  metanálise  que  comparou  diversos  métodos  de  avaliação  de  FM  estão  

demonstrados  na  tabela  2.  

Tabela  2:  Comparação  de  diversos  métodos  em  comparação  à  pesagem  hidrostática  na  quantificação  de  massa  gorda  (FM)  

Método   Bias   IC  95%  

Água  duplamente  marcada   +  1,5%   +0,7  a  +2,3%  

DXA   -­‐  0,3%   -­‐2,1  a  +1,4%  

Estimativa  por  pregas  cutâneas   -­‐  4,6%   -­‐5,4  a  -­‐3,8%  

Bioimpedância   +0,3%   -­‐1,2  a  +1,7%  

Resultados   positivos   significam   hiperestimativa   e   resultados   negativos  significam  subestimativa  

 

8. Estudo  de  caso  

1. Dois  pacientes  com  insuficiência  cardíaca  congestiva  são  consultados  no  ambulatório  de  

Nutrologia   para   avaliação   do   estado   nutricional.   Ambos   encontram-­‐se   estáveis,   em  

estágio   II   da   NYHA,   sem   sinais   clínicos   de   edema   ou   descompensação.   Foi   realizado  

bioimpedância  multi-­‐frequência  em  ambos  os  pacientes.  Os  dados   são  exibidos  abaixo.  

Interprete  os  resultados  de  ambas  BIAs.  

 

 

 

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                                                                                                                                                                                    Caso  1   Caso  2  

Sexo   Feminino   Masculino  

Idade   61  anos   38  anos  

Peso  atual   45  kg   115  kg  

Estatura   1,47  m   1,77  m  

IMC   23  kg/m2   36,7  kg/m2  

Circunferência  abdominal   78  cm   135  cm  

FEVE   63%   38%  

Classe  funcional  (NYHA)   II   II  

Medicações   Enalapril  10  mg/dia,  carvedilol  25  mg/dia,  furosemida  40  mg/dia,  digoxina  0,25  mg/dia  

Captopril  50  mg/dia,  carvedilol,  12,5  mg/dia,  furosemida  80  mg/dia,  digoxina  0,25  mg/dia,  espironolactona  25  mg/dia,  sinvastatina  80  mg/dia  

Dados  da  BIA   R  -­‐  635  Ohms,    

Xc  -­‐  67  Ohms,    

TBW  –  27,1L    

FFM  –  25,6kg,    

FM  –  19,4kg  

R  -­‐  368,5  Ohms,    

Xc  –  49,2  Ohms,    

TBW  -­‐  62,2L    

FFM  -­‐  84,1kg,    

FM  -­‐  30,9kg  Diagnóstico  nutrológico      

 

2. Realize  a  BIA  em  seus  colegas  e  interpretem  os  resultados.    

3. Guardem  os  resultados  para  comparação  com  a  aula  de  pregas  cutâneas.  

 

9. Bibliografia  recomendada  • Duren  DL,  Sherwood  RJ,  Czerwinski  SA,  Lee  M,  Choh  AC,  Siervogel  RM,  Cameron  Chumlea  

W.  Body  composition  methods:  comparisons  and  interpretation.   J  Diabetes  Sci  Technol.  2008  Nov;2(6):1139-­‐46.  

• Mialich  MS,   Sicchieri   JMF,   Jordao   Junior   AA.     Analysis   of   Body   Composition:   A   Critical  Review   of   the   Use   of   Bioelectrical   Impedance   Analysis.   Int   Jour   of   Clin   Nutri   2,   no.   1  (2014):  1-­‐10.  

• Kyle  UG,  Bosaeus  I,  De  Lorenzo  AD,  Deurenberg  P,  Elia  M,  Gómez  JM,  Heitmann  BL,  Kent-­‐Smith  L,  Melchior  JC,  Pirlich  M,  Scharfetter  H,  Schols  AM,  Pichard  C;  Composition  of  the  ESPEN  Working  Group.  Bioelectrical  impedance  analysis-­‐-­‐part  I:  review  of  principles  and  methods.  Clin  Nutr.  2004  Oct;23(5):1226-­‐43  

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                                                                                                                                                                                 • Kyle   UG,   Bosaeus   I,   De   Lorenzo   AD,   Deurenberg   P,   Elia  M,  Manuel   Gómez   J,   Lilienthal  

Heitmann  B,  Kent-­‐Smith  L,  Melchior  JC,  Pirlich  M,  Scharfetter  H,  M  W  J  Schols  A,  Pichard  C;   ESPEN.   Bioelectrical   impedance   analysis-­‐part   II:   utilization   in   clinical   practice.   Clin  Nutr.  2004  Dec;23(6):1430-­‐53.  

• Eickemberg   M,   Oliveira   CC,   Roriz   AKC,   Sampaio   LR.   Bioimpedância   elétrica   e   sua  aplicação  em  avaliação  nutricional.  Rev.  Nutr.,  Campinas,  24(6):883-­‐893,  nov./dez.,  2011  

• Jaffrin  MY.  Body  composition  determination  by  bioimpedance:  an  update.  Curr  Opin  Clin  Nutr  Metab  Care  12:482–486  

• Fogelholm   M,   Lichtenbelt   W   van   M.   Comparison   of   body   composition   methods:   a  literature  analysis.  Eur  Jour  of  Clin  Nutr  (1997)  51,  495±503  

• Cômodo  ARO,  Dias  ACF,  Tomaz  BA,  Silva-­‐Filho  AA,  Werustsky  CA,  Ribas  DF,  Spolidoro  J,  Marchini   JS.   Utilização   da   Bioimpedância   para   Avaliação   da   Massa   Corpórea.   Projeto  Diretrizes,  AMB