Bibliotecas de Castro

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Dissertação sobre a posse de livros e as práticas de leitura na cidade de Castro.

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

    MESTRADO EM HISTRIA, CULTURA E SOCIEDADE

    LUCIANA CRISTINA PINTO

    LIVROS E LEITURA EM CASTRO NO SCULO XIX: A PALAVRA ESCRITA EM

    UMA SOCIEDADE DO INTERIOR DA PROVNCIA DO PARAN.

    CURITIBA2013

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    LUCIANA CRISTINA PINTO

    LIVROS E LEITURA EM CASTRO NO SCULO XIX: A PALAVRA ESCRITA EM

    UMA SOCIEDADE DO INTERIOR DA PROVNCIA DO PARAN.

    Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Histria, do Setor de

    Cincias Humanas, da Universidade Federaldo Paran, como requisito parcial obtenodo ttulo de Mestre em Histria.

    Orientador: Prof. Dr. Antonio Cesar deAlmeida Santos

    CURITIBA2013

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    Catalogao na publicaoFernanda Emanola NogueiraCRB 9/1607

    Biblioteca de Cincias Humanas e Educao - UFPR

    Pinto, Luciana CristinaLivros e leitura em Castro no sculo XIX: a palavra escrita em uma

    sociedade do interior da Provncia do Paran / Luciana Cristina PintoCuritiba, 2013.

    122 f.

    Orientador: Prof. Dr. Antonio Cesar de Almeida SantosDissertao (Mestrado em Historia)Setor de Cincias Humanas,

    Letras e Artes da Universidade Federal do Paran.

    1. BibliotecasHistriaCastro (PR). 2. LivroHistriaSculoXIX. I.Ttulo.

    CDD 002

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    Aos moradores de Castro (PR).

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    AGRADECIMENTOS

    Desejo agradecer s pessoas que de alguma maneira contriburam para a

    execuo deste trabalho, e com carinho quero lembr-las.

    Ao professor Dr. Antnio Cesar de Almeida Santos pela maneira com a qual

    conduziu minha orientao: a pacincia, os livros e textos emprestados, as

    correes e minuciosas observaes nas vrias verses do texto, as conversas,

    cobranas, sinceridade, incentivo, enfim, toda ajuda. Saiba que admiro sua postura e

    seriedade profissional.

    A professora Dr.a Maria Luiza Andreazza pelas contribuies e sugestes

    neste trabalho; por toda ajuda nas aulas de Seminrio de pesquisa. Aos colegas dadisciplina tambm, pelas sugestes e desconfianas em torno do meu trabalho.

    Aos professores do programa de Ps Graduao em Histria da Universidade

    Federal do Paran (UFPR), especialmente o professor Dr. Jos Roberto Braga

    Portella e a professora Dr.a Joseli Maria Nunes Mendona pelas consideraes e

    contribuies no exame de qualificao.

    Ao professor do Departamento de Histria da Universidade Estadual de Ponta

    Grossa (UEPG) Dr. Cludio Denipoti pela ajuda prestada quando este trabalho eraainda uma ideia, por emprestar seus livros, por sua amizade. A professora, da

    mesma instituio, Ms. Elizabeth Johansen pela compreenso e ajuda no incio das

    aulas do mestrado.

    Agradeo minha famlia, meus pais Terezinha Pinto e Vilmar Pinto, que

    mesmo sem compreender direito essa minha insistncia em estudar histria,

    estiveram sempre por perto apoiando e torcendo por mim; e minha irm Bruna Mara

    por sua companhia e amizade.Ao Erickson Artmann, e no encontro palavras para agradecer: as leituras,

    correes e revises do texto, por toda ajuda principalmente nos momentos

    difceis, e por ser meu companheiro em todos esses anos. Certamente, sem voc

    este trabalho no chegaria ao fim.

    Aos funcionrios do Museu do Tropeiro minha eterna gratido: La Cardoso

    Villela, que viabilizou o manuseio dos inventrios. Fabiana Hey por toda ajuda e

    disponibilidade, desde as leituras dos manuscritos at as conversas partilhadas.

    Daniele Martins, Dona Sofia, Milena Mayer e Zeca, obrigada! Saibam que conquistar

    a amizade de cada um de vocs me enobrece.

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    minha amiga historiadora Lucimara Koss por me acompanhar nas vrias

    viagens, nas aulas, por compartilhar as angstias, as expectativas, as alegrias em

    torno do curso de Mestrado, mas principalmente por sua amizade.

    minha amiga biloga Valquiria Nanuncio pelo convvio, por todo apoio e

    amizade nestes ltimos anos.

    Aos amigos: Murieli Pontes, Itamar Lopes, Gilmara Hilgemberg, Karin da

    Rosa, Zil DalCol, Bianca Baro, Juliana Kus, Loureno Resende: por colaborarem,

    cada um sua maneira, em minha trajetria.

    s chefes Maria Luzia Bertholino e Maria Aparecida Martins, pelo apoio

    fundamental ao compreenderem as minhas ausncias.

    secretria Maria Cristina Parzwski por organizar nossa vida acadmica,muitas vezes burocrtica.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)

    pela bolsa de estudos que viabilizou a compra de livros, as viagens aos eventos, e o

    desenvolvimento desta pesquisa.

    A todos que de forma direta ou indireta me inspiraram e provocaram a

    continuar esta pesquisa com palavras de apoio, gestos, textos, crticas; enfim,

    saibam que so ddivas em minha vida.

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    Talvez no haja na nossa infncia dias que tenhamos vivido toplenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar semviv-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido.Era como se tudo que para os outros os transformava em diascheios, ns desprezssemos como um obstculo vulgar a um prazerdivino: o convite de um amigo para um jogo exatamente napassagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol que nosforava a erguer os olhos da pgina ou a mudar de lugar, a merendaque nos obrigavam a levar e que deixvamos de lado intocada sobreo banco, enquanto sobre nossa cabea o sol empalidecia no cuazul; o jantar que nos fazia voltar para casa e em cujo fim nodeixvamos de pensar para, logo em seguida, poder terminar ocaptulo interrompido, tudo isso que a leitura nos fazia perceberapenas como inconvenincias, ela as gravava, contudo, em ns,como uma lembrana to doce (muito mais preciosa, vendo agora distncia, do que o que lamos ento com tanto amor) que se nosacontece ainda hoje folhearmos esses livros de outrora, j no seno como simples calendrios que guardamos dos dias perdidos,com a esperana de ver refletidas sobre as pginas as habitaes eos lagos que no existem mais.

    Marcel Proust. Sobre a leitura.

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    RESUMO

    O tema desta pesquisa a histria do livro ou a histria da palavra impressa na

    sociedade de Castro (PR) no sculo XIX. O principal objetivo apreender qual era a

    posio ocupada pelos livros e bibliotecas no interior da sociedade de Castro (e

    brasileira), e com isso aproximar os livros e as pessoas. As fontes de estudo so as

    informaes que trazem os inventriospost mortem, redigidos na cidade entre 1800

    e 1870; e o Relatrio da Diretoria da Biblioteca da Cidade de Castro de 1878. A

    anlise dos inventrios segue o seguinte procedimento: a. Apreender as

    caractersticas da cidade de Castro no sculo XIX, para situar a sociedade em

    estudo; b. Identificar os proprietrios de livros no perodo e regio considerados; c.

    Traar um perfil destes proprietrios, considerando o universo sociocultural no qual

    estavam inseridos. No que concerne ao Relatrio da Biblioteca, identificamos um

    grupo de homens que criou uma biblioteca, em forma de sociedade, e apesar das

    dificuldades, fomentaram o acesso e a leitura dos livros pelos frequentadores do

    local.

    Palavras-chave: Paran; manuscritos; posse de livros; bibliotecas; sculo XIX;

    inventriospost mortem.

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    ABSTRACT

    The subject of this research is the history of books or the history of the printed word

    in the society of Castro (PR) in the nineteenth century. The main purpose is to

    understand what was the position occupied by books and libraries within the society

    of Castro (and Brazilian), and thereby bring books and people closer. The sources of

    the study are the information that brings the post mortem inventories written in the

    town between 1800 and 1870; and the City of Castro Library Administration Report of

    1878. The analysis of the lists follows the next procedure: a. Apprehend thecharacteristics of the city of Castro in the nineteenth century in order to situate

    society under study; b. Identify the owners of books in the period and area

    considered; c. Trace a profile of these owners, considering the socio-cultural

    universe in which they were inserted. Regarding the Library Report, we identified a

    group of men who created a library in the form of society and despite the difficulties,

    promoted access and reading of books by local attendees.

    Keywords:Paran; manuscripts; possession of books; libraries; XIX century; postmortem inventories.

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    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1POCA EM QUE A POVOAO DE CASTRO FOI ELEVADA

    CONDIO DE VILA ......................................................................................... 27

    FIGURA 2A CIDADE DE CASTRO, DE JEAN BAPTISTE DEBRET

    (1829) ................................................................................................................. 31

    FIGURA 3INVENTRIO DE JOAQUIM TEIXEIRA CARDOSO PIMENTEL

    (1866) ................................................................................................................. 45

    FIGURA 4MOVIMENTO NA BIBLIOTECA DA CIDADE DE CASTRO

    EM 1878 ............................................................................................................. 93

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    XII

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1PRESENA DE ESCRAVOS NO PARAN.FONTE: ILTON CESAR MARTINS (2011) ......................................................... 63

    TABELA 2INVENTRIO JOAQUIM TEIXEIRA CARDOSO PIMENTEL

    (1866) ................................................................................................................. 71

    TABELA 3RELAO DE LIVROS DO SCULO XIX NO MUSEU

    DO TROPEIRO .................................................................................................. 89

    TABELA 4RELAO DE LIVROS DO SCULO XIX NO MUSEU

    DO TROPEIRO .................................................................................................. 89TABELA 5RELAO DOS DOADORES DE LIVROS BIBLIOTECA DA

    CIDADE DE CASTRO (1878) ............................................................................. 92

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    XIII

    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS .......................................................................................... XI

    LISTA DE TABELAS......................................................................................... XII

    INTRODUO ................................................................................................... 14

    CAPTULO 1PARA PENSAR E IMAGINAR: BIBLIOTECAS E LIVROS

    EM CASTRO ...................................................................................................... 25

    1.1Vila de Castro: histria e cultura ................................................................ 251.2As bibliotecas nos inventriospost mortem .............................................. 33

    1.3Os livros no sculo XIX ............................................................................. 48

    CAPTULO 2AS PESSOAS E AS COISAS................................................... 55

    2.1Trastes de casa, ferramentas, roupas, escravos, animais ........................ 55

    2.2O perfil dos proprietrios de livros atravs de seus pertences .................. 69

    2.3Objetos no interior da casa dos inventariados, possuidores de livros ....... 79

    CAPTULO 3HERANAS DE HISTRIAS?................................................. 833.1Livros, smbolo de diferenciao ............................................................... 84

    3.2As bibliotecas e o incio da produo literria na regio............................ 89

    3.3Escolas: smbolos de emancipao .......................................................... 96

    3.4O testamento como forma de redeno .................................................... 99

    CONSIDERAES FINAIS............................................................................... 110

    FONTES............................................................................................................. 113

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................. 114ANEXOS ............................................................................................................ 119

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    INTRODUO

    Minhas mos, escolhendo um livro que quero levar para a cama oupara a mesa de leitura, para o trem ou para dar de presente, examinaa forma tanto quanto o contedo. Dependendo da ocasio e do lugarque escolhi para ler, prefiro algo pequeno e cmodo, ou amplo esubstancial. Os livros declaram-se por meio de seus ttulos, seusautores, seus lugares num catlogo ou numa estante, pelasilustraes em suas capas; declaram-se tambm pelo tamanho. Emdiferentes momentos e em diferentes lugares, acontece de euesperar que certos livros tenham determinada aparncia, e, comoocorre com todas as formas, esses traos cambiantes fixam uma

    qualidade precisa para a definio do livro. Julgo um livro por suacapa; julgo um livro por sua forma.Alberto Manguel1

    Minha relao mais prxima com os livros comeou quando emprestei a obra

    Vidas Secas, de Graciliano Ramos2na biblioteca da Escola 31 de Maro, em Ponta

    Grossa (PR). Tinha oito ou nove anos, e o que chamou minha ateno para o

    referido livro foi o ttulo, que na poca achei bonito. Logo descobri que o livro no

    tinha figuras, e as letras eram pequenas, mas as dificuldades iniciais logo cessaramquando descobri tambm que havia na histria uma cachorra, chamada Baleia.

    Sempre fui apaixonada por cachorros. A relao que tive com esse livro marcou

    minha vida, porque alm de ser o primeiro livro emprestado na biblioteca, era a

    descoberta de uma relao de cumplicidade. Por vrios dias o livro foi minha melhor

    companhia, e ir toda semana fazer a renovao da obra, me fazia sentir uma

    emoo que no saberia descrever. Sempre achei as bibliotecas fascinantes, e o

    cheiro dos livros me deixava contente.

    A leitura foi demorada. Na poca no entendia direito, pois o autor narrava a

    seca e as condies sociais do Nordeste brasileiro, cenrio at ento desconhecido

    para mim, e a histria se tornou mais clara com o passar do tempo. Porm

    enquanto lia Vidas Secas, s queria perseguir os passos da Baleia, e a emoo

    sentida quando minha personagem principal morreu foi muito profunda e marcante;

    percebi que existiam livros que faziam a gente chorar. No consegui parar de ler e

    1MANGUEL, Alberto. Uma histria da leitura.So Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 149.2O livro Vidas secas foi publicado, pela primeira vez, em 1938; depois disso, teve vrias edies.Atualmente, est em sua XX edio. Ver: RAMOS, Graciliano. Vidas Secas.1 edio. Jos Olympio:Rio de Janeiro, 1938.

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    frequentar bibliotecas. Li outros livros que me fizeram rir, e despertaram vrias

    sensaes, at encontrar as obras da fase que chamam de realista de Machado de

    Assis.

    Machado de Assis causou uma revoluo em meu pensar, e me sentia

    privilegiada porque acreditava que o autor conversava comigo; ele dizia: cara

    leitora, leitora amiga, desgraada leitora. Eu tinha doze anos, e li, em sequncia:

    Memrias pstumas de Brs Cubas3, Quincas Borba4, Dom Casmurro5, Esa e

    Jac6e Memorial de Aires7, imaginando que o autor falava diretamente comigo.

    Foi algo incrvel, nenhum outro autor havia sido to direto em sua narrativa.

    Quincas Borba em particular me fez chorar, novamente pela morte de um

    co, o Quincas Borba. Estava num nibus indo para a escola, e faltavam apenastrs pginas para terminar o livro, pensei que leria rpido e devolveria o livro na

    biblioteca. A leitura de fato foi rpida, mas as lgrimas que resultaram dela me

    fizeram esquecer por alguns instantes que estava em um nibus e chamaria a

    ateno dos curiosos com minha choradeira. Mas quando me recuperei do choque,

    sentia uma dor inexplicvel porque criei uma relao to prxima com a histria, que

    seria doloroso me separar daquele livro. E assim foi, entreguei no balco da

    biblioteca e a pessoa que me atendeu tinha os gestos to mecnicos e frios, quenem percebeu que eu estava sofrendo. Caminhei at a porta e tive que olhar para

    trs, para o livro. Ele estava sobre o balco, junto com outros livros e tive que ir para

    a sala de aula e fingir que estava tudo bem, quando na realidade s pensava no

    livro, na histria narrada, no co...

    No perodo da graduao continuei rato de biblioteca, mas as leituras eram

    direcionadas para a histria e historiografia, as leituras eram indicadas e tnhamos

    que fazer provas e trabalhos acadmicos voltados para referncias bibliogrficas3O livro Memrias pstumas de Brs Cubas foi publicado, pela primeira vez, em 1880. Atualmenteest em domnio pblico, disponvel para download. Ver: MACHADO DE ASSIS. Memriaspstumas de Brs Cubas.1 edio. Tipografia Nacional: Rio de Janeiro, 1880.4 O livro Quincas Borba foi publicado, pela primeira vez, em 1881. Atualmente est em domniopblico, disponvel para download. Ver: MACHADO DE ASSIS. Quincas Borba.1 edio. LivrariaGarnier. Rio de Janeiro, 1881.5 O livro Dom Casmurro foi publicado, pela primeira vez, em 1899. Atualmente est em domniopblico, disponvel para download. Ver: MACHADO DE ASSIS. Dom Casmurro.1 edio. LivrariaGarnier. Rio de Janeiro, 1899.6O livro Esa e Jac foi publicado, pela primeira vez, em 1904. Atualmente est em domnio pblico,disponvel para download. Ver: MACHADO DE ASSIS. Esa e Jac.1 edio. Livraria Garnier. Rio

    de Janeiro, 1904.7O livro Memorial de Aires foi publicado, pela primeira vez, em 1908. Atualmente est em domniopblico, disponvel para download. Ver: MACHADO DE ASSIS. Memorial de Aires. 1 edio.Livraria Garnier. Rio de Janeiro, 1908.

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    especficas, e o nmero de leituras aumentou. Embora em contextos diferentes, as

    leituras acadmicas tambm me despertaram sentimentos diversos, e no poderia

    ser diferente, impossvel no se comover com Apologia da Histria ou o ofcio do

    historiador, de Marc Bloch,8ou Combates pela Histria, de Lucien Febvre9, entre

    muitos outros.

    Hoje, e relacionando a minha experincia leitora com a pesquisa, o fato a

    considerar que as leituras feitas ao longo da vida so diferentes, e tm significados

    distintos, com maior ou menor relevncia. Isso acontece porque ns leitores

    mudamos, e tambm nossas vises de mundo, conhecimentos, opinies, e os livros,

    que so o suporte dos textos e consequentemente das ideias, tornam-se peas

    fundamentais nesse processo de evoluo pessoal e social. A maioria dos livros queli no eram meus, eram emprestados, e eu tinha o compromisso de cuidar deles

    para devolv-los da mesma maneira que os retirei da biblioteca; mas muitos livros

    traziam anotaes nas bordas, feitas por outros leitores; outros eram antigos e

    carregavam as marcas do tempo, nas pginas amareladas ou nas capas

    danificadas, gastas pelo manuseio. Assim, vejo a histria do livro10 como algo

    fantstico, por estes e por muitos motivos: existem obras que marcam nossa histria,

    que nos causam dor, revolta, raiva ou alegria, inspirao, comoo sentimentosto nobresque estreitam a relao de homens e livros.

    Essa ego-trip foi inspirada no estilo da Introduo da tese do historiador

    Cludio Denipoti11, com a inteno de relativizar o contato do historiador com sua

    pesquisa.

    ***********

    A chamada Primeira Gerao do Movimento dos Annales (19201945)12

    propunha a ampliao das fontes utilizadas pelos historiadores. Havia outras

    8BLOCH, Marc. Apologia da Histria: ou o ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,2001.9FEBVRE, Lucien. Combates pela histria. Lisboa: Presena, 1989.10 Discutiremos adiante a histria do livro como conceito; por hora nos referimos num sentidocomum, histria como trajetria.11DENIPOTI, Cludio. A seduo da leitura:livros, leitores e Histria Cultural (1880-1930). Tese dedoutorado. Universidade Federal do Paran. Curitiba, 1998. p. 5.12BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revoluo Francesa da Historiografia. SoPaulo: Ed. Universidade Paulista, 1991. p. 8.

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    propostas, como a interdisciplinaridade, que se concretizaria no dilogo dos

    historiadores com as outras disciplinas como a antropologia, a sociologia, a

    geografia, a lingustica. O mtodo que iria mudar de maneira significativa a relao

    dos historiadores com suas fontes seria a chamada histria problema; grosso

    modo, os historiadores deveriam ter uma questo de partida para analisar suas

    fontes, que de forma alguma seriam neutras. Essa Gerao dos Annales, liderada

    por Lucien Febvre e Marc Bloch, historiadores combativos, propunha uma histria

    contrria escrita da histria poltica tradicional, dos fatos, dos grandes heris. As

    novas propostas contriburam para uma nova maneira de pensarmos a histria e,

    consequentemente, de nos relacionarmos com os novos temas e problemas. Assim,

    quando dialogamos com os registros do passado, percebemos a atualidade dopensamento de Febvre e Bloch para as cincias do homem.

    Fernand Braudel liderou a chamada Segunda Gerao dos Annales, que

    trouxe para a historiografia conceitos diferentes (particularmente estrutura e

    conjuntura) e novos mtodos (especialmente a histria serial das mudanas na

    longa durao)13. Mas foi a partir de 1968, com a Terceira Gerao, que se

    destacou a Histria Cultural da sociedade, da qual a histria do livro, ou histria da

    palavra impressa, uma das vertentes, destacando os estudos do historiadorfrancs Roger Chartier.

    A fim de depreender a importncia do livro dentro de certa sociedade, sua

    relao com o homem e interferncia no sersocial e cultural, observando aspectos

    que envolvem a histria do livro numa percepo geral, e compreendendo a forma

    fsica do livro, voltamos ao seu aparecimento, diretamente relacionado com a

    indstria do papel existente, desde o sculo XV, na Frana.

    Contudo, enquanto aparece o livro, as necessidades de papelaumentam em muitos domnios. A instruo difunde-se, asnegociaes comerciais se aperfeioam e se complicam, asescrituraes multiplicam-se; alm disso, precisa-se de papelcomum para os trabalhos manuais: donos de armarinhos, demercearias, de velas o vendem. Cria-se uma multido de ofcios quedependem da indstria papeleira: os cartiers, fabricantes de papeloe de cartas de jogo, ou ainda papeleiros coladores de folhas. (...)Mas o principal cliente do papel continua sendo o impressor.14

    13BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989).Op. Cit. p. 8.14FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do livro.So Paulo: Editora UNESP Hucitec, 1992. p. 58-59.

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    Portanto, o papel movimenta vrios setores, envolve o trabalho de muitas

    pessoas at a forma final do impresso, seu resultado. No prefcio da obra O

    aparecimento do livro, Febvre enfatiza as transformaes que os impressostrouxeram aos hbitos intelectuais da sociedade ocidental:

    Por volta de 1450, quase em toda parte do Ocidente, mas sobretudo,parece, nos pases do Norte, aparecem manuscritos bastantesingulares. No muito diferentes, pelo aspecto, dos manuscritostradicionais, mas compreende-se logo que foram impressos empapel ou, algumas vezes, numa pele rara e fina, o velino com aajuda de caracteres mveis e de uma prensa. um procedimentobastante simples, mas um forte movimento de curiosidade nasce

    sobre o assunto. De fato, os novos livros vo determinar profundastransformaes no somente nos hbitos mas nas condies detrabalho intelectual dos grandes leitores da poca, religiosos ouleigos.15

    Ao longo da histria do livro impresso (que em parte compreendemos e em

    muito ainda buscamos construir), mudaram os suportes e tambm as maneiras de

    ler, e com isso, o envolvimento da sociedade com seus livros. Essas transformaes

    determinam mudanas significativas para os leitores: basta pensar no cdex e na

    praticidade de caminhar com um livro nas mos, de transport-lo para vrios

    lugares; alm destes hbitos serem praticamente impossveis com o rolo antigo, seu

    leitor ficava preso ao local do livro. Assim, a leitura tornou -se uma experincia

    possvel em qualquer lugar e momento, como por exemplo, a minha leitura de

    Quincas Borbano nibus; essa cumplicidade entre o leitor, o livro e o lugar em que

    se realiza a leitura, grava muitas vezes em nossas memrias experincias

    marcantes. Com o avano das tecnologias e a revoluo cultural que trouxe a

    palavra impressa, a sociedade, de maneira gradual, adaptou-se s novas maneirasde se portar diante de um texto.

    Os livros so compreendidos neste trabalho como bens culturais: tratados

    como bens ou objetos, eles so culturais porque fazem parte da cultura dos

    indivduos que os produziram e/ou manuseavam de acordo com certos padres

    sociais que caracterizam o sculo XIX.

    15FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henri-Jean. O aparecimento do livro.So Paulo: Editora UNESP Hucitec, 1992. p. 13.

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    Um livro um objeto cultural bem conhecido no nosso tipo desociedade. Para a sua produo, so movimentadas determinadasprticas culturais e tambm representaes, sem contar que oprprio livro, depois de produzido, ir difundir novas representaese contribuir para a produo de novas prticas. (...) A produo deum bem cultural, como um livro ou qualquer outro, estnecessariamente inscrita em um universo regido por estes dois plosque so as prticas e as representaes.16

    Os conceitos de prticas e representaes foram trazidos Histria

    Cultural pelo historiador francs Roger Chartier:

    (...) a contribuio decisiva de Roger Chartier para a Histria Culturalest na elaborao das noes complementares de "prticas" e"representaes". De acordo com este horizonte terico, a cultura (ouas diversas formaes culturais) poderia ser examinada no mbitoproduzido pela relao interativa entre estes dois plos. Tanto osobjetos culturais seriam produzidos "entre prticas erepresentaes", como os sujeitos produtores e receptores de culturacirculariam entre estes dois plos, que de certo modocorresponderiam respectivamente aos 'modos de fazer' e aos 'modosde ver'.17

    Assim, as contribuies de Chartier sobre prticas e representaes

    revelam a importncia de pensarmos a histria do livro, este bem cultural que, at o

    resultado final em forma de livro, passa por muitas mos, at chegar, em seu

    aspecto fsico, ao leitor. E cada leitura ser diferente, mostrando assim, a relao de

    forma nenhuma neutra entre os livros e as pessoas.

    Segundo Chartier, o livro sempre visou instaurar uma ordem; fosse a ordem

    de sua decifrao, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido ou, ainda,

    a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu a sua

    publicao.18Por outro lado, segundo o historiador americano Robert Darnton, os

    historiadores do livro inseridos nos estudos ligados ao movimento dos Annales, no

    se interessavam por livros raros e edies de luxo; pelo contrrio, concentraram-se

    no tipo mais comum de livros, porque queriam descobrir a experincia literria dos

    leitores comuns.19

    16BARROS, Jos DAssuno. Histria Cultural:um panorama terico e historiogrfico. Disponvelem: seer.bce.unb.br/index.php/textos/article 10-04-2013. Formatopdf. p. 16.17 BARROS, Jos DAssuno. Histria Cultural.Op Cit. p. 13.18CHARTIER, Roger. A ordem dos livros:leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os sculosXIV e XVIII. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1999. p. 8 (primeira edio de 1992).19DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette:Mdia, Cultura e Revoluo. So Paulo : Companhiadas Letras, 1990. p. 110.

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    No Brasil, esse campo da histria do livro e da leitura atraiu muitos

    pesquisadores, e alguns deles so referncia para esta dissertao: Luiz Carlos

    Villalta20, Mrcia Abreu21, Leila Mezan Algranti22, entre outros. A proposta da maioria

    segue no sentido de estudar leitores e possuidores de livros e bibliotecas no

    passado; Mrcia Abreu e Villalta, especialmente, pesquisaram sobre livros e leitores

    em inventrios post mortem, embora em regies diferentes e com enfoques

    distintos. De qualquer forma,os inventrios post mortemso uma fonte importante

    nesta busca, pois alm de mostrar a existncia dos livros entre os pertences das

    pessoas, trazem elementos relacionados s classes sociais e cultura destas, o que

    ainda mais significativo quando somamos a este estudo os testamentos.

    A partir da informao de que havia registros de livros em inventrios post

    mortem do sculo XIX no municpio de Castro, iniciamos nossa pesquisa com visitas

    ao Frum de Castro e ao Museu do Tropeiro, e o primeiro contato/manuseio dos

    inventrios foi no dia 15 de janeiro de 2008.

    Segundo levantamento feito entre 2003 e 2011 pelos funcionrios do Museu

    do Tropeiro em Castro, num total de 632 inventrios do perodo de 1800 a 1870,

    onze destes documentos contm registros de livros no arrolamento dos bens23. Os

    inventrios esto em bom estado de conservao, o que facilita seu manuseio;porm, importante explicar que alguns fragmentos desses inventrios foram

    transcritos por pessoas do Museu do Tropeiro em Castro. Os documentos originais

    se encontram sob a guarda do Frum da Comarca de Castro, e foi necessrio

    pedirmos autorizao ao Juiz de Direito da Vara Cvel da Comarca de Castro para

    termos acesso aos documentos deste perodo. No incio de 2009 conseguimos

    transferir os inventrios originais do Frum para o Museu do Tropeiro, o que facilitou

    muito a pesquisa neste local mais apropriado.

    20Dentre outras obras, pode-se citar: VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se l: lngua,instruo e leitura. In: NOVAIS, Fernando A. & SOUZA, Laura de Mello e. Histria da vida privadano Brasil: Cotidiano e vida privada na Amrica portuguesa. So Paulo: Companhia das Letras, 1997.21 Ver: ABREU, Mrcia. Quem lia no Brasil Colonial? Disponvel em:http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2001/papers/NP4ABREU.pdf. Acesso em: 10 jan. 2008.INTERCOMSociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao. XXIV CongressoBrasileiro da Comunicao Campo Grande/MS setembro 2001. ABREU, Mrcia. Os caminhosdo livro. Campinas / SP, Mercado de Letras, Associao de leitura do Brasil (ALB) & So Paulo,

    FAPESP, 2003.22 ALGRANTI, Leila Mezan; MEGIANI, Ana Paula. (Orgs). O Imprio por Escrito. So Paulo:Alameda, 2009.23Discutiremos adiante esses nmeros, situando-os em relao populao envolvida.

    http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2001/papers/NP4ABREU.pdfhttp://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2001/papers/NP4ABREU.pdf
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    As transcries produzidas pelo Museu do Tropeiro de Castro apresentam um

    cabealho, os envolvidos e a avaliao dos bens. O trabalho realizado por essa

    Instituio tem o sentido de disponibilizar ao pesquisador informaes sobre os

    inventrios, facilitando, de certa forma, o acesso e a leitura dos mesmos, pois no

    existe uma sala para pesquisa no Frum e a caligrafia dos documentos exige tempo

    por parte do pesquisador para l-los.

    Os onze inventrios com os quais trabalhamos foram: Inventrio dos bens

    pertencentes Fazenda Pitangui (1806); Inventrio de Baltazar Luiz Rodrigues

    (1809); Inventrio de Manoel Lopes Branco e Silva (1810); Inventrio do Capito Mor

    Jos Rodrigues Betim (1811); Inventrio de Jos Manuel Ferreira (1829); Inventrio

    de Cipriano Eleutrio dos Santos e Joaquina Lanhoza (sua mulher) (1832);Inventrio de Jos Maria Lima (1836); Inventrio do Reverendo Jos Loureiro da

    Silva (1841); Inventrio de Pedro de Tal, francs (1856); Inventrio de Jos Joaquim

    Marques e Souza (1864); Inventrio de Joaquim Teixeira Cardoso Pimentel (1866).

    Destes documentos, cinco trazem testamentos anexados foram estes com

    os quais trabalhamos , e os testadores foram: Baltazar Luiz Rodrigues, Manoel

    Lopes Branco e Silva, o Capito Mor Jos Rodrigues Betim, Jos Manoel Ferreira e

    o Reverendo Jos Loureiro da Silva. importante explicar que fizemos fotografiasdigitais dos originais manuscritos de todos os documentos citados acima, com todos

    os cuidados necessrios para a sua conservao, facilitando, assim, a leitura e

    consulta dos originais.

    Para a anlise da documentao, consideramos o seguinte procedimento:

    apreender as caractersticas da cidade de Castro no sculo XIX, para situar a

    sociedade em estudo; identificar os proprietrios de livros no perodo e regioconsiderados; traar um perfil destes proprietrios, considerando o universo

    sociocultural no qual estavam inseridos; apreender qual era, afinal, a posio

    ocupada por este objeto (o livro) no interior da sociedade de Castro (e brasileira).

    Nosso objetivo, portanto, foi compreender parte dos hbitos culturais da

    sociedade de Castro no sculo XIX, a partir das informaes contidas nos

    inventriospost mortem, especificamente aqueles que apresentam livros como bens

    arrolados. Nesse sentido, procuramos responder questo: o que a posse destes

    objetos (livros) significava no interior daquela sociedade?

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    Nosso mtodo de pesquisa tomou o italiano Carlo Ginzburg24 como

    referncia, considerando a possibilidade de utilizao de um mtodo indicirio: a

    partir dos nomes prprios indicados nos inventrios, coletamos pistas da presena

    dos envolvidos no tecido social da cidade de Castro.25Carlo Ginzburg no realizou

    pesquisas em histria do livro, mas as contribuies do seu mtodo indicirio foram

    importantes para as Cincias Humanas, porque quando relaciona o mtodo com a

    semiologia mdica, ou seja, assim como o mdico investiga os sintomas para

    produzir um diagnstico, outros saberes podem produzir conhecimentos

    interpretando as pistas, os sinais.26

    Em relao ao objeto livro, entendemos que, ao determinar a posio social

    dos seus possuidores, ser possvel perceber o seu valor para aquela sociedade.Com relao aos poucos registros de livros nos manuscritos, Luiz Carlos Villalta, que

    tambm utilizou inventriospost mortem como fonte de pesquisa, observa: Deve-se

    salientar que os registros de livros feitos nos inventrios de Mariana (o que no

    uma particularidade local, como se sabe) no contm, s vezes, informaes

    minimamente precisas sobre os livros, o que cria obstculos investigao

    histrica. Ainda assim, o pesquisador mineiro mostrou a potencialidade desse tipo

    de fonte, ao escrever, entre outros temas, sobre os usos do livro na AmricaPortuguesa.27

    No primeiro captulo tratamos do contexto do objeto da pesquisa ao discutir

    aspectos da formao, da histria e da cultura da vila de Castro. Nele tambm

    apresentamos as bibliotecas nos inventrios post mortem, explorando qual era a

    porcentagem monetria dos livros no total dos bens dos inventariados. Por fim,

    abordamos algumas das maneiras pelas quais os livros usualmente chegariam s

    mos de seus leitores e/ou possuidores naquele contexto.No segundo captulo, as informaes encontradas nos inventrios que

    pesquisamos apontam para a cultura material da sociedade estudada, de forma

    24 Nascido em 1939, Carlo Ginzburg um dos nomes mais influentes em estudos sobre Micro-histria, com livros que contriburam para o desenvolvimento da historiografia como exemplo: Oqueijo e os vermes (1976) e Mitos, emblemas, sinais (1990), entre outros.25GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiogrfico. In: GINZBURG,Carlo. Micro-Histria e outros Ensaios.Lisboa: Difel, 1989.26 GINZBURG, Carlo. Sinais: razes de um paradigma indicirio. In: Mitos, emblemas, sinais:Morfologia e Histria.1 reimpresso. So Paulo: Companhia das Letras, 1990.27

    VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo Ilustrado, Censura e Prticas de leitura:usos do livro naAmrica Portuguesa. So Paulo: Tese de doutorado, 1999. Disponvel em:http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14122009-115825/pt-br.php.Acesso em: 21-11-2011. p. 295.

    http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14122009-115825/pt-br.phphttp://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14122009-115825/pt-br.php
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    que pudemos compreend-los (em parte) naquele contexto. Convm explicar que as

    transcries com as listas dos bens do perodo estudado encontram-se em

    catlogos, encadernados e organizados, entre o perodo de 2003 e 2011, por

    funcionrios da cidade de Castro.28 Assim, selecionamos aleatoriamente uma

    amostra destas transcries retirada do conjunto de inventrios (entre 1800 e 1870).

    Os doze inventrios com os quais trabalhamos foram: Inventrio de Leonor Alves

    Arajo (1800); Inventrio de Igncio Pereira da Silva (1800); Inventrio de Antnia

    Ribeira (1812); Inventrio de Luciana das Dores (1820); Inventrio de Felcia Maria

    de Jesus (1822); Inventrio de Dona Rosa do Esprito Santo (1827); Inventrio de

    Ana Gertrudes do Sacramento (1831); Inventrio de Francisco Joo Batista (1832);

    Inventrio de Manoel Francisco de Lima (1841); Inventrio de Joo Carneiro Lobo(1844); Inventrio de Maria Marques da Silva (1852); Inventrio de Francisca

    Barbosa de Macedo (1861). Analisamos tambm, o perfil dos proprietrios de livros,

    atravs de seus pertences descritos em seus respectivos inventriospost mortem.

    No contexto da morte, muitos queriam quitar suas dvidas, nomear seus

    credores, seus filhos (legtimos ou no) e, enfim, manifestar seus interesses em

    testamento. Compreendendo que todos os bens deixados pelo morto so heranas,

    e que podem representar certa forma de redeno diante da morte, no terceirocaptulo da dissertao discutimos as especificidades dos testamentos que

    dispomos como fontes de pesquisa. Assim, para alm das formalidades judiciais, as

    informaes que trazem os testamentos manifestam as ltimas vontades das

    pessoas, possibilitando entender parte da dinmica social em que estavam

    envolvidas; por exemplo, como seriam os rituais fnebres dos testadores citados,

    quais eram suas concepes diante da morte, suas posturas religiosas e familiares.

    Analisamos as semelhanas e diferenas entre os quatro testadores

    29

    , moradores deCastro.

    No decorrer desta pesquisa encontramos outra fonte, relacionada presena

    de livros na sociedade de Castro no oitocentos, que foi somada aos inventrios e

    testamentos mencionados: um Relatrio da Biblioteca da cidade de Castro do ano

    28 MUSEU DO TROPEIRO. Inventrios e testamentos: Cartrio Cvel de Castro. VILLELA, LaMaria Cardoso; FLGEL, Amlia Podolan. (Orientadoras); HEY, Fabiana. (Paleografia); MARTINS,

    Daniele Cristine. (Digitao). Castro, 20032011.29Testadores: Baltazar Luiz Rodrigues, Manoel Lopes Branco e Silva, o Capito Mor Jos RodriguesBetim e o Reverendo Jos Loureiro da Silva. Inventariados em 1809, 1810, 1811 e 1841respectivamente.

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    de 1878.30O Relatrio possui oito pginas, escritas pelo presidente Antnio Jos

    Madureira e pelo bibliotecrio Dr. Manoel da Cunha Lopes Vasconcellos; o

    manuscrito est sob a guarda do Arquivo Pblico do Paran. De maneira geral, o

    documento traz informaes sobre a compra de livros, a relao de nomes de

    doadores e a quantidade de livros que a biblioteca comportava. Portanto, um grupo

    de homens criou uma biblioteca, em forma de sociedade e apesar das dificuldades,

    fomentando o acesso e a leitura dos livros pelos frequentadores do local.

    Por fim, voltamos reflexo sobre o significado dos livros e das bibliotecas no

    contexto daquela sociedade, mencionando tambm as primeiras escolas em Castro

    e o ensino na regio. Devemos considerar a possibilidade de que livros tenham sido

    omitidos em toda a documentao estudada, e que outros circularam entre pessoasque no tiveram seus bens documentados.

    A pesquisa nos possibilitou conhecer melhor os possuidores de livros,

    considerando seus aspectos em comum e diferenas scio-culturais, sem dissoci-

    los de tantos outros de seus pertences culturais e econmicos (que incluam outras

    pessoas, os escravos), compreendendo a sociedade a partir dos dados presentes na

    documentao e possibilitando outras inferncias sobre o passado da regio,

    contribuindo, num contexto mais amplo, com o debate sobre a histria cultural daregio.

    30ARQUIVO PBLICO DO PARAN. Relatrio da Diretoria da Biblioteca da Cidade de Castro, 31de junho de 1878., AP 544, 1878, v.ll. Com esta fonte, avanamos cronologicamente alm de 1870.

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    CAPTULO IPARA PENSAR E IMAGINAR: BIBLIOTECAS E LIVROS EM

    CASTRO

    Mesmo que parea ser impossvel estabelecer o nmero [dos]leitores que no sabiam sequer assinar, ou o dos leitores que nopossuam um livro sequer (pelo menos no um livro que fosse dignode ser anotado pelo notrio que fazia o inventrio de bens) mas que,assim mesmo, liam panfletos e cartazes, folhas volantes e jornais, preciso pensar neles como tendo sido numerosos, para compreendero impacto do escrito impresso sobre as formas antigas de umacultura que ainda era bastante oral, gestual e iconogrfica.

    Roger Chartier31

    No captulo que segue apresentaremos algumas informaes sobre a nossa

    principal fonte de pesquisa. Tambm discutiremos elementos de uma cultura letrada

    na cidade de Castro, no sculo XIX, a qual estaria relacionada ao poder aquisitivo

    das pessoas. Trataremos do contexto do objeto da pesquisa ao discutir aspectos da

    formao, da histria e da cultura da vila de Castro. Nele tambm apresentamos as

    bibliotecas nos inventrios post mortem, explorando qual era a porcentagem

    monetria dos livros no total dos bens dos inventariados. Por fim, abordamos

    algumas das maneiras pelas quais os livros usualmente chegariam s mos de seus

    leitores e/ou possuidores naquele contexto.

    1.1Vila de Castro: histria e cultura

    Ao longo do sculo XIX o Brasil conheceu trs diferentes regimes polticos: a

    Colnia, que terminou em 1822 com a proclamao da independncia; o chamado

    Imprio, que durou at 1889, quando oficialmente comeou a Repblica. Essas

    datas e nomenclaturas, no entanto, so convenes da histria do Brasil, mas para

    grande parte da populao as mudanas no seriam sentidas to claramente em

    seu cotidiano. Para todos os efeitos, o sculo XIX o perodo cronolgico em que se

    31CHARTIER, Roger. A ordem dos livros:leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os sculosXIV e XVIII. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1999. p. 25.

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    insere a nossa pesquisa, e a regio estudada a vila (que a partir de 1857 se torna

    cidade) de Castro.

    Castro faz parte de uma regio conhecida como Campos Gerais do Paran,

    que se localiza, na maior parte, no Segundo Planalto paranaense. Entretanto,

    justamente a parte dos Campos Gerais que corresponde ao municpio de Castro

    localiza-se no Primeiro Planalto. A regio era caracterizada por campos nativos e

    tambm capes onde existiam araucrias, imbuias, cedros e outras madeiras,

    paisagem bastante alterada atualmente, ocupada por lavouras, pastagens artificiais

    e plantaes de pinus32. Os arenitos da chamada Formao Furnas tambm

    compe a paisagem natural de toda a regio33.

    Os inventriospost morteme os testamentos de alguns habitantes da cidade

    de Castro, foram escritos no contexto do Oitocentos e inseridos nesta regio

    especfica, h muito estudada por escritores regionais ou no. Um destes escritores,

    hoje referncia obrigatria em pesquisas sobre a histria de Castro, Oney Barbosa

    Borba, que argumenta sobre a nomenclatura e diviso poltica do Paran, no incio

    do sculo XIX: Antes da criao da Provncia do Paran [1853], todos os habitantes

    do primeiro, segundo e terceiro planaltos da 5 Comarca da Capitania e depoisProvncia de So Paulo, eram conhecidos como curitibanos, porque as vilas, com

    exceo das do litoral, estavam juridicamente subordinadas vila de Curitiba.34

    32 LANGE, Francisco Lothar Paulo. Os Campos Gerais e sua Princesa. Curitiba: COPEL/F. L.P.Lange, 1998. p. 9.33 MENEGUZZO, Isonel Sandino; DE MELO, Mrio Srgio. Escarpa Devoniana. Disponvel em:http://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/escarpa.htm.Acesso em: 19-07-2013.34 BORBA, Oney Barbosa. Os Iapoenses. 2 Edio. Curitiba: Editora Ltero-tcnica, 1986. p. 55.Com grifo no original. Conforme Oney Borba, a Vila Nova de Castro foi criada em uma solenidaderealizada no dia 20 de janeiro de 1789, e seu nome homenageia o ministro portugus Martinho deMello e Castro. Op. Cit. p. 21-22.

    http://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/escarpa.htmhttp://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/escarpa.htm
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    FIGURA 1 A Figura mostra a extenso do territrio ento ocupado, poca em que apovoao de Castro foi elevada condio de vila. At 1780, a ocupao estendia-se at alinha pontilhada, pouco adiante da ento freguesia de SantAna do Iap. A populao

    estimada para toda a regio curitibana e litoral, em 1800, era de pouco mais que 20.000habitantes. FONTE: CARDOSO, Jayme A.; WESTPHALEN, Ceclia M. Atlas histrico doParan.2 Ed. Curitiba: Livraria do Chain Editora, 1986. p. 51.

    Como trabalhamos com uma pequena parte da histria de Castro, onde

    perseguimos os livros inventariados e os homens que os tinham, o trabalho

    historiogrfico encontra alguns limites. Operamos com recortes, com dados

    especficos que nos revelam apenas parciais consideraes, por isso encontramos

    lacunas na pesquisa. Futuramente, as lacunas sero problematizadas, pois a

    produo na histria felizmente no cessa e a historiografia, assim, torna-se rica

    pela multiplicidade de olhares que se voltam, em focos diferentes, para o passado.

    Com relao ao Paran, preciso inseri-lo num debate mais amplo com a

    histria do Brasil, porque sabemos a priorique no existe uma histria do Paran

    desligada de uma histria do Brasil. Convm lembrar que, no incio do sculo XIX,

    alguns acontecimentos marcaram a histria do pas, com a chegada da Famlia Real

    ao Rio de Janeiro em 1808: as medidas de D. Joo VI que beneficiaram o pas, do

    ponto de vista cultural, como a criao da Biblioteca Real, do Museu Nacional, do

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    Observatrio Astronmico, da Escola Real de Artes, entre outros, e ainda o esforo

    do monarca para trazer seus livros de Portugal na conturbada fuga para a Colnia35.

    O contexto vivido nos Campos Gerais de fins do sculo XVIII e incio do

    sculo XIX faz parte do que estava acontecendo no mundo. Segundo Elizabete

    Alves Pinto e Maria Aparecida Cezar Gonalves, Castro era rota de passagem para

    viajantes que circulavam entre o sul do Brasil e as regies do sudeste (So Paulo,

    Rio de Janeiro e Minas Gerais).

    Todo e qualquer viajante, comerciante ou aventureiro que se dirigissepor terra de So Paulo para o extremo sul do pas, nos finais dosculo XVIII e nos incios do sculo XIX, deveria atravessar as terras

    da Comarca de Castro (sic), alcanando o bairro de Ponta Grossa,que se constitua, poca, num local obrigatrio de passagem,ligada que estava ao Caminho do Viamo.36

    Rui Wachowicz, em sua Histria do Paran, j havia apresentado alguns

    elementos sobre a formao das vilas da regio, apontando que,

    No incio do sculo XIX, esta sociedade campeira que nasceupaulista, transformou-se em paranaense e recebeu forte influncia

    riograndense. Nesta poca, j estava integrada social, poltica eeconomicamente aos ncleos que formariam o Paran. Apesardessa integrao, as populaes no latifundirias dos CamposGerais eram relativamente pobres. Em 1820, as casas de Castroeram de pau a pique. Na Lapa, as primeiras casas de alvenariasurgiram em 1824. Mas em 1844, algumas casas de Palmeira, PontaGrossa e Castro j eram de pedra e cal.37

    Jayme Cardoso e Ceclia Westphalen tambm dedicaram ateno ao estudo

    da formao do territrio e da sociedade que, em meados do sculo XIX,

    constituiriam a Provncia do Paran. Para esses autores, a Histria do Paran

    compreende a formao de trs comunidades regionais, sendo que a mais antiga,

    chamada de Paran Tradicional, estruturou-se no sculo XVIII sobre o latifndio

    campeiro dos Campos Gerais, com base na criao e no comrcio do gado e, mais

    tarde, no sculo XIX, nas atividades extrativas e no comrcio exportador da erva

    35SOARES, Flvia dos Santos. A Instruo Pblica e o ensino de matemtica no Rio de Janeirono tempo de D. Joo VI.Disponvel em: http://limc.ufrj.br/htem4/papers/37.pdf.Acesso em: 01-07-2013. p. 1-3.36PINTO, Elizabete Alves; GONALVES, Maria Aparecida Cezar. Ponta Grossa um sculo devida (1823-1923). Ponta Grossa: Kugler Artes Grficas Ltda., 1983. p. 17.37 WACHOWICZ, Ruy Christowam. Histria do Paran. 2a edio. Ponta Grossa: Editora UEPG,2010. p. 99.

    http://limc.ufrj.br/htem4/papers/37.pdfhttp://limc.ufrj.br/htem4/papers/37.pdf
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    mate e da madeira.38Esse Paran Tradicional estende-se desde o litoral at os

    campos de Castro, Tibagi e Guarapuava.

    O palco no qual se desenrola o cotidiano e a vida das pessoas que vamos

    estudar insere-se, assim, nas comunidades tidas como pertencentes ao Paran

    Tradicional apontado por Cardoso e Westphalen. importante salientar que desde

    o ltimo quarto do sculo XVIII, at as dcadas finais do sculo XIX, toda a regio

    dos Campos Gerais esteve fortemente marcada pelo tropeirismo, atividade

    econmica surgida no incio do Setecentos. Mas, devido formao de campos

    naturais propcios criao de gado, a atividade pecuria cresceu, assim como,

    talvez em menor grau, a agricultura.

    Diversos pesquisadores nos ajudam com a reconstituio do incio dessahistria local, reafirmando a influncia da atividade do tropeirismo no povoamento

    dos Campos Gerais.

    Ligadas ao tropeirismo, ainda no sculo XVIII pequenas povoaescomearam a surgir ao longo do Caminho das Tropas. Nos locais emque as tropas fixavam pouso, fazendo seus pequenos ranchos paradescanso, trato e engorda do rebanho, ou esperando passar aschuvas e baixar o nvel dos rios, logo surgia um ou outro morador,

    fundando casa de comrcio, interessado em atender asnecessidades dos tropeiros. Dessa forma, pequenas freguesias evilas, como o Prncipe (Lapa), Palmeira, Ponta Grossa, Pira do Sul,Castro e Jaguariava, tiveram seu desenvolvimento inicialdependente das fazendas e do movimento das tropas.39

    Outro aspecto importante para o estudo da formao dessas povoaes do

    segundo planalto paranaense o da doao de terras e a formao das fazendas,

    alm do uso de trabalho escravo. Conforme Bruna Marina Portela, tambm

    referindo-se ao contexto inicial do sculo XVIII,

    Com a abertura do caminho do Viamo muitas povoaes foramsurgindo e prosperando ao longo da estrada, como foi o caso deCastro, que em 1730, ano de abertura de tal caminho, tinha adenominao de Pouso do Iap. Porm, a ocupao desse territrioremonta ao incio do sculo XVIII quando sesmarias foramdistribudas na regio. As terras foram adquiridas principalmente porproprietrios vindos de Paranagu, Santos e So Paulo, sendo que

    38 CARDOSO, Jayme Antnio & WESTPHALEN, Ceclia Maria. Atlas histrico do Paran. 2

    Edio. Curitiba: Editora Livraria do Chain, 1986. p. s/p.39DITZEL, Carmencita de Holleben Mello; LAMB, Roberto Edgar. A ocupao dos Campos Gerais.Disponvel em: http://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/campos_gerais_ocupacao.htm. Acesso em:18-05-2012.

    http://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/campos_gerais_ocupacao.htmhttp://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/campos_gerais_ocupacao.htm
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    uma boa parte deles no residia na sesmaria recebida, ou seja, eramproprietrios absentestas, que contavam apenas com um fazendeiroe escravos para fazer prosperar a terra.40

    Elemento importante para as atividades econmicas da regio, a presena de

    escravos abordada por Magnus Pereira:

    Apenas durante o sculo XIX, haveria uma diferenciao significativaentre Paran e So Paulo no que se refere aos escravos. Enquantoem territrio paulista a utilizao do trabalho escravo se acentuariadevido expanso cafeeira, na regio paranaense ocorreria oinverso. O declnio econmico dos Campos Gerais e os altos preosalcanados pelos escravos na lavoura cafeeira, provocados pelaproibio do trfico, estimulariam a transferncia de uma grande

    parcela de escravos para So Paulo, alterando o panoramademogrfico paranaense.41

    Assim, segundo o autor, at meados do sculo XIX, era comum a presena

    de escravos na regio dos Campos Gerais, onde predominavam as fazendas de

    criar ou invernar, destacando que a composio da populao de Castro mostra

    que a sociedade ainda estava estruturada em torno de uma organizao escravista

    de trabalho.42 Para o perodo, a populao local estava estimada em 5.899

    habitantes, dos quais 3.618 seriam brancos, 1.295 pardos, 986 pretos e 796

    escravos.43

    Quanto ao aspecto fsico da povoao de Castro, podemos levar em conta o

    olhar do pintor Jean-Baptiste Debret, que mostra um ambiente urbano bastante

    rarefeito (mas tambm no muito diferente das demais cidades do Paran e de

    inmeras outras espalhadas pelo interior do territrio brasileiro).

    40PORTELA, Bruna Marina. Caminhos do cativeiro: a configurao de uma comunidade escrava(Castro, So Paulo, 1800-1830). Curitiba: Dissertao de Mestrado UFPR, 2007. Disponvel em:http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/11749/Brunamarinaportela.pdf?sequence=1Acesso em: 10-12-2011. p. 9.41PEREIRA. Magnus Roberto de Mello. Dos escravos e outros no-morigerados. In: Semeando iras

    rumo ao progresso: (ordenamento jurdico e econmico da sociedade paranaense, 1829 1889).Curitiba: Ed. UFPR, 1996. p. 57, 58.42PEREIRA. Magnus Roberto de Mello. Op Cit. p. 60.43PEREIRA. Magnus Roberto de Mello. Op Cit. p. 59.

    http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/11749/Brunamarinaportela.pdf?sequence=1http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/11749/Brunamarinaportela.pdf?sequence=1
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    FIGURA 2. A cidade de Castro, de Jean Baptiste Debret (1829) FONTE: BANDEIRA, Julio e LAGO, Pedro Correia do. Debret e o Brasil: Obra completa1816-1831. Rio de janeiro: Capivara Editora, 2007. p. 284.

    At 1853, quando da emancipao poltica da provncia do Paran, existiam

    as seguintes localidades: Paranagu, a cidade mais antiga, Guaratuba,

    Guaraqueaba, Antonina e Morretes ficavam no litoral; Curitiba e Lapa estavam no

    primeiro planalto paranaense; Castro e Ponta Grossa eram as vilas situadas nos

    Campos Gerais; e, mais a oeste, acima da Serra da Esperana, ficava a recm

    criada vila de Guarapuava.

    A populao da nova Provncia tambm era rarefeita; os pouco mais de 62 mil

    habitantes distribuam-se irregularmente pelo territrio, conforme informao de Luiz

    Henrique Novacki em estudo sobre os libertos de uma freguesia situada na regio

    dos Campos Gerais. A maior parte da populao encontrava-se no litoral e noprimeiro planalto, regies com maior taxa de moradores urbanos e que

    concentravam atividades fabris (engenhos de beneficiamento do mate) e

    comerciais.44

    Conforme dados do Relatrio do primeiro Presidente da Provncia do Paran,

    Zacarias de Goes e Vasconcellos, por ocasio da abertura da Assemblia

    44 NOVACKI, Lus Henrique. Como se liberto nascesse de ventre livre: escravos libertos naFreguesia da Palmeira/PR (1831-1848). Revista Vernculo, n 3, 2000. Documento em formato pdf. p.71. Disponvel em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/vernaculo/article/viewArticle/18072. Acessoem: 20-05-2012.

    http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/vernaculo/article/viewArticle/18072http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/vernaculo/article/viewArticle/18072
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    Legislativa Provincial, em 15 de julho de 1854, o municpio de Castro, ento um dos

    mais populosos, contava, como apontamos acima, com 5.899 habitantes (cerca de

    9,4% da populao total).45Dezesseis anos depois, o ento presidente da Provncia,

    Antnio Luiz Affonso de Carvalho, informava, em seu Relatrio do ano de 1870, que

    o Paran possua 108.324 habitantes, dos quais 15.140 eram moradores em

    Castro.46Ou seja, de acordo com as informaes oficiais do governo paranaense, a

    populao de Castro teria quase triplicado naquele perodo.

    Esta populao, como vimos indicando, ocupava-se prioritariamente, com

    atividades ligadas ao campo, criao e invernagem de animais para os

    mercados de So Paulo.

    Entretanto, conforme Magnus Pereira, medida que o sculo XIX avana,essa sociedade campeira vai assumir ares bacharelescos; os proprietrios de

    escravos passam a demonstrar interesse com sua formao intelectual, buscando

    transformar-se em uma burguesia letrada.

    preciso ter em conta que a burguesia fundiria dos Campos Geraise a burguesia industrial e comerciante do litoral e de Curitibasouberam transformar-se ao longo do sculo [XIX]. Transformaram-

    se, principalmente a primeira, em burguesias letradas. Com o correrdo sculo, cada vez mais elas eram constitudas e politicamenterepresentadas por bacharis formados em So Paulo, Pernambucoou at na Europa. Foram justamente os filhos instrudos defazendeiros que monopolizaram os empregos pblicos e os cargosde representao poltica da provncia. Por conseguinte, mesmo quea vivncia de fazendeiro dos Campos Gerais ou de dono de engenhode mate seja crucial em sua percepo das coisas, no possveldesprezar a formao intelectual de perfil cosmopolita dessaspessoas.47

    O conceito de burguesias letradas utilizado por Magnus Pereira mostra-se

    importante para ns, na medida em que aponta para a existncia de relaes de

    uma parte mais abastada da populao de Castro com a palavra impressa. Nesse

    45 VASCONCELLOS, Zacarias de Ges e. Relatorio do presidente da provincia do Paran, oconselheiro Zacarias de Ges e Vasconcellos, na abertura da Assemblea Legislativa Provincial em 15de julho de 1854. Curityba, Typ. Paranaense de Candido Martins Lopes, 1854. In: CENTER FORRESEARCH LIBRARIES. http://www.crl.edu/brazil/provincial/paran%C3%A1 Disponvel em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/614/.Acesso em: 16-10-2012.46CARVALHO, Antnio Luiz Affonso de. Relatorio apresentado Assembla Legislativa do Paranna abertura da 1.a sesso da 9.a legislatura pelo presidente, o illustrissimo e excellentissimo senhor

    dr. Antonio Luiz Affonso de Carvalho, no dia 15 de fevereiro de 1870. Curityba, Typ. de CandidoMartins Lopes, 1870. In: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES. Disponvel em:http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/632/.Acesso em: 16-10-2012.47PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Op. Cit. p. 61.

    http://www.crl.edu/brazil/provincial/paran%C3%A1http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/614/http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/632/http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/632/http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/614/http://www.crl.edu/brazil/provincial/paran%C3%A1
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    sentido, e pensando na formao de leitores em potencial para a cidade de Castro,

    tambm se mostra relevante saber que, at 1820, a instruo pblica era

    absolutamente inexistente" e que somente a partir de 1830 a cidade [de Castro]

    passou a contar com um professor para os meninos, sendo em 1846 ali estabelecida

    uma escola para meninas.48Entendemos, portanto, que a presena de instituies

    voltadas instruo dos iapoenses49nos ajuda na compreenso dessa sociedade

    e de sua aproximao com a histria da palavra impressa.

    1.2As bibliotecas nos inventrios pos t mo r tem

    A partir da existncia de livros nos inventrios de moradores daquelalocalidade, teremos certa dimenso das bibliotecas de seus possuidores.

    Antes de explorarmos essa documentao, procuramos refletir um pouco

    sobre a noo de biblioteca, que pode ser entendida como um conjunto ou coleo

    de livros, reunidos ou no em um espao fsico especfico. De certo modo, essa

    discusso apontar para o que poderamos chamar da importncia dos livros,

    especialmente em sua dimenso simblica. Com isso, poderemos adentrar ao

    significado que os livros poderiam deter na sociedade que estamos estudando.Em linhas gerais, a sntese produzida por Lilia Schwarcz pode nos ajudar a

    compreender a importncia das bibliotecas para as sociedades ocidentais.

    A histria das bibliotecas e do sonho de acumular todos ospensadores, obras e cincias em um espao delimitado faz parte daprpria histria do Ocidente. Em nome dessa utopia idealizaram-seacervos particulares, estatais, principescos ou eclesisticos ,transformou-se a busca de edies raras ou de livros desaparecidos

    em questo de segurana, e ergueram-se majestosos edifcios queostentavam em seu visual a fora e a imponncia que a empreitadapretendia representar.50

    Ainda conforme Lilia Schwarcz, na Frana do sculo XVI, as bibliotecas do

    poder monrquico se constituam especialmente pelo confisco de guerra, pelos

    acervos de membros da famlia real, pela obrigao do depsito de exemplares por

    48DITZEL, Carmencita de Holleben Mello; LAMB, Roberto Edgar. A ocupao dos Campos Gerais.Disponvel em: http://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/campos_gerais_ocupacao.htm. Acesso em:18-05-2012.49 O termo iapoense, utilizado por Oney Barbosa Borba, faz referncia primeira designao davila, N. S. de Santana do Iap, e que se refere ao nome de um rio da regio.50SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos Reis. So Paulo: Companhia dasLetras, 2002. p. 120.

    http://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/campos_gerais_ocupacao.htmhttp://www.uepg.br/dicion/verbetes/a-m/campos_gerais_ocupacao.htm
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    parte de livreiros e impressores, por troca, por aquisio, ou ainda por doao.51

    Visando um contexto mais prximo de ns, Luiz Carlos Villalta afirma que o

    quinhentos foi pobre em livros, bastante escassos na Amrica portuguesa,

    indicando que os primeiros chegaram provavelmente com os jesutas vindos com

    Tom de Souza, o primeiro governador geral, nomeado pelo rei portugus D. Joo

    III.52 Esta situao de escassez no parece sofrer alterao at o sculo XVII.

    O mesmo Luiz Villalta, ao elaborar uma reflexo sobre as bibliotecas

    privadas do perodo colonial brasileiro, aponta que elas continuaram a ser raras e a

    ter uma composio baseada em obras devocionais: catecismo, resumos de histria

    santa, diretivas, (...) livros de novenas e de oraes. Contudo, a partir do sculo

    XVIII, teria ocorrido uma mudana, ainda que se verificasse uma continuidade nopredomnio de obras devocionais e, de resto, religiosas: em algumas bibliotecas,

    especialmente naquelas pertencentes a pessoas que tiveram acesso a uma

    educao mais esmerada, abriu-se espao para as cincias e os saberes profanos,

    deixando-se contaminar pela ilustrao.53

    Ainda que a pesquisa de Villalta enfoque especificamente a regio de Minas

    Gerais, suas reflexes so de grande importncia para percebemos como se

    formaram bibliotecas particulares no Brasil do perodo colonial, muitas vezesrefletindo as inclinaes polticas, ideolgicas e profissionais das pessoas; ou seja,

    as escolhas por determinadas obras no eram, de forma alguma, neutras. Assim,

    trabalhando com inventrios e os autos da Devassa da Inconfidncia, Villalta

    ressalta que, por exemplo, as livrarias dos clrigos inconfidentes distinguiam-se das

    pertencentes aos outros padres, por se abrirem em maior grau s cincias profanas,

    mostrando que seus interesses ultrapassavam os limites imediatos do trabalho

    pastoral, valorizando os problemas mundanos.

    54

    A composio das bibliotecas particulares do perodo estudado por Villalta se

    dava por diversos fatores, como o nvel de instruo e de formao dos proprietrios

    de livros. As escolhas pessoais por determinada literatura, no contexto do sculo

    XVIII, eram as obras consideradas profanas, livros escritos por filsofos como:

    51Idem. p. 132.52 VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se l: lngua, instruo e leitura. In: NOVAIS,Fernando A. & SOUZA, Laura de Mello e. Histria da vida privada no Brasil: Cotidiano e vidaprivada na Amrica portuguesa. Vol. 1. So Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 360.53VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se l: lngua, instruo e leitura. Op. Cit. p. 361.54 Idem. p. 362 e 364. Segundo Villalta, a principal diferena entre os clrigos inconfidentes e osoutros padres, era que os primeiros eram abertos aos textos dos livros considerados profanos. Osoutros padres no conjurados eram mais conservadores, e presos sua profisso.

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    Voltaire, Rousseau, Verney, e muitos outros homens das letras do perodo histrico

    conhecido por Iluminismo.

    Conforme pesquisadores que tm se dedicado ao estudo das bibliotecas

    particulares e seus possuidores, verifica-se o entendimento de que a formao delas

    estava relacionada busca por statusdentro da sociedade. As bibliotecas foram, por

    exemplo, cenrios para muitas poses para retratos, pois os livros e os ambientes de

    leitura representavam a intelectualidade e instruo das pessoas, referindo-se a

    certas pinturas do sculo XIX, afirma Mrcia Abreu:

    Os livros so parte importante na composio de retratos, indicandoprincipalmente o poder social e a posio intelectual dos retratados,que, em geral, so homens. Inmeras so as obras em que senhoresbem vestidos posam diante de uma biblioteca ou estante. Tambmindicando seu interesse intelectual alguns so vistos lendo jornais,em suas casas ou em espaos pblicos.55

    Ainda que possuir livros no signifique que tenham sido lidos, podemos inferir

    que a biblioteca de um indivduo revela aspectos de sua vida cultural e social, de

    modo que podemos refletir sobre a posio em que estava inserido na sociedade.

    Seguindo esse raciocnio, lvaro de Arajo Antunes afirma que a posse de um livro,

    impresso ou manuscrito, a condio primeira para a leitura, mas no prova a

    efetivao dessa prtica. Porm, prope duas questes de grande interesse: por

    um lado, os livros relacionados nos inventrios propiciariam a simples constatao

    da posse e, por outro, indicariam a circulao de uma obra.56Desta maneira, a

    presena de livros no rol dos bens inventariados tambm pode revelar elementos de

    uma cultura letrada, alm de outros aspectos culturais da sociedade. Isso se torna

    mais perceptvel quando somamos a presena dos livros a outras informaes

    disponveis sobre seus possuidores, sobre a regio e poca em que foramregistrados.

    Como observou Luiz Carlos Villalta, no perodo colonial brasileiro,

    55 ABREU, Mrcia. Diferentes formas de ler. Disponvel em:http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Marcia/marcia.htm. Acesso em: 11 jan. 2008. Nota n 1do texto: Originalmente apresentado na Mesa-redonda Prticas de Leituras: histria e modalidades,no XXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao, Intercom, Campo Grande, 2001. No referido artigo, encontramos imagens de leitores na Europa e no Brasil (identificadas ao longo do

    texto). No h referncia especfica em baixo das imagens ou no fim do trabalho.56 ANTUNES, lvaro de Arajo. Os nimos e a posse de livros em Minas Gerais (1750-1808). In:ALGRANTI, Leila Mezan; MEGIANI, Ana Paula. (Orgs). O Imprio por Escrito. So Paulo: Alameda,2009. p. 256.

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    A posse de livros concentra-se entre os detentores da propriedadede terras e escravos, marcadamente entre aqueles que aconjugavam dedicao carreira sacerdotal, ao direito, cirurgia e farmcia, ou ainda ao comrcio, navegao, aos estudos e aoexerccio de cargos pblicos.57

    A partir destas consideraes, podemos indicar que, preliminarmente, os

    indivduos enfocados neste trabalhomoradores do municpio de Castro, no sculo

    XIX eram, em sua generalidade, possuidores de escravos e terras e, em seus

    inventrios, encontramos menes presena de livros, junto a outros pertences.

    Nosso propsito, mais adiante, ser o de, justamente, verificar como eles se

    inseriam naquela sociedade e que tipo de atividade exerciam, procurando entender

    o porqu dos livros em seus inventrios.Como apontamos na Introduo desta dissertao, de um total de 632

    inventrios, produzidos no perodo de 1800 a 1870, onze deles contm o registro de

    livros no arrolamento dos bens. Cronologicamente, o primeiro inventrio que

    aparece o dos bens da Fazenda Pitangui58, que pertenceu Ordem dos

    Jesutas.59Embora no se trate de um possuidor individual, estamos considerando

    este inventrio, datado de 1806, por que ele nos permite construir uma percepo

    acerca dos valores monetrios de alguns bens.

    Segundo os avaliadores, os tenentes Jos Sutil de Oliveira e Jeremias de

    Lemos, os missais possuam valor muito prximo ao de outros objetos, como

    imagem de santos e estantes: um missal avaliado em 5$000, um missal velho

    avaliado em $320, uma estante avaliada em $320, uma imagem de Santo Cristo de

    lato, avaliada em $320, um livro de catecismo velho, sem valor. A administrao

    da fazenda tambm detinha a posse de escravos e de animais, bens que possuam

    valores muito mais expressivos: um escravo de nome Cornlio com 18 anos,

    avaliado em 100$000, duzentas e quinze guas de trs anos, cada uma avaliada em

    dois mil ris, somando um valor de 430$000. O monte mor60da referida fazenda era

    57 VILLALTA, Luiz Carlos. Bibliotecas privadas e prticas de Leitura no Brasil Colonial. Disponvel em: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/ensaios/bibliotecas-br.pdf.Acesso em: 15 abr. 2008. p. 6.58Consta na capa do inventrio da Fazenda Pitangui que foi feito pelo juiz ordinrio Joaquim Jos devila, por ordem do Prncipe Regente, expedida pelo Capito General da capitania de So Paulo, emseis de maio de mil oitocentos e seis. Fonte: FORUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIODA FAZENDA PITANGUI. CAIXA: 1806. Castro, 1806.59 FORUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DA FAZENDA PITANGUI. CAIXA: 1806.Castro, 1806.60Por monte-mor entende-se todo o acervo hereditrio, a totalidade dos bens deixados pelo autor daherana; a denominada expresso econmica de todo o patrimnio do falecido, que dar o valor do

    http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/ensaios/bibliotecas-br.pdfhttp://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/ensaios/bibliotecas-br.pdf
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    de 4:302$510 (quatro contos, trezentos e dois mil, quinhentos e dez ris). Desse

    total, apenas 5$320 (cinco mil, trezentos e vinte ris) correspondiam ao valor de dois

    missais.61Esses dados servem apenas para indicar o valor relativo dos bens deste

    inventrio, apontando, especialmente, para o valor que era atribudo aos animais,

    base daquela economia, e aos escravos.

    Dentre os indivduos possuidores de livros em Castro, o primeiro inventrio

    encontrado do ano de 1809, de Baltazar Luiz Rodrigues, natural da freguesia de

    Santa Maria de Ribeira de Pena, arcebispado de Braga, Portugal. Os avaliadores,

    Alferes Jos Manoel Ferreira e Jos Manoel de Almeida, listaram trs livros no rol

    dos bens, atribuindo-lhes um valor total de 1$000 (mil ris). O inventariado tambm

    possua escravos o mais valioso era um mulato de nome Francisco avaliado em180$000 e animaisum cavalo manso avaliado em 6$000, um boi de trs anos

    avaliado em 1$600. O total de bens de Baltazar Luiz Rodrigues era de 1:110$345

    (um conto, cento e dez mil, trezentos e quarenta e cinco ris); deste valor, apenas

    1$000 (mil ris) correspondiam aos livros.62

    No ano seguinte, foi realizado o inventrio dos bens de Manoel Lopes Branco

    e Silva, que havia sido ouvidor da comarca de Paranagu. Segundo Bruna Marina

    Portela, o inventariado era dono das fazendas de Boa Vista e Limoeiro. Natural davila de Alccer do Sal, Portugal, casou-se com Maria Lcia de Menezes, nascida em

    Santos. Embora Manoel Lopes Branco da Silva fosse possuidor de cabedal no

    muito significativo, seu cargo de ouvidor deve ter-lhe conferido algum prestgio.63

    Oney Barbosa Borba tambm faz referncia ao ex-ouvidor de Paranagu,

    contestando informao do genealogista Francisco Negro, que afirma que Manoel

    Lopes Branco da Silva teria falecido em 1830; Oney Borba, porm, indica que o

    Inventrio; representado pela totalidade dos bens sucessveis, antes de deduzidas as despesas eencargos da herana; sobre ele que incide o percentual correspondente ao recolhimento do impostocausa mortis.Disponvel em:http://jusvi.com/artigos/41923/2.Acesso em: 01-07-2012.61 FRUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DA FAZENDA PITANGUI. CAIXA: 1806.Castro, 1806.62FRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventrio de Baltazar Luiz Rodrigues. Caixa: 1809. Castro,1809. O inventrio traz em anexo o testamento do inventariado; no captulo 3, iremos analisar esse

    documento.63 PORTELA, Bruna Marina. CAMINHOS DO CATIVEIRO: A CONFIGURAO DE UMACOMUNIDADE ESCRAVA (CASTRO, SO PAULO, 1800-1830). Dissertao de mestrado. Curitiba,2007. p. 19.

    http://jusvi.com/artigos/41923/2http://jusvi.com/artigos/41923/2
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    testamento do ex-ouvidor foi lavrado em 13/9/1810, na fazenda do Limoeiro, um

    ms antes de seu falecimento.64

    Ao nos determos nas informaes do inventrio de Manoel Lopes Branco e

    Silva, percebemos que se tratava de um homem relativamente abastado, com um

    monte mor de 10:046$844 (dez contos, quarenta e seis mil, oitocentos e quarenta e

    quatro ris). Ele possua muitas peas em ouro e prata: Trinta e duas oitavas de

    ouro em uma corrente de relgio de ponto com dois pndulos de pedras de topzio

    40$960; um adereo[?]65de topzio 36$000; dois pares de pulseiras de pedras a

    dois mil ris, cada uma com seus encaixes de prata com pedras de topzio 4$000;

    dois anis com pedra de topzio$640; uma medalha do Santo Ofcio4$000; um

    adereo de pedras de diamantes60$000.66A relao de livros constante no inventrio de Manoel Lopes Branco e Silva

    bastante extensa, e diversos ttulos esto relacionados sua formao em Direito e

    atividade profissional. Apesar da dificuldade de leitura do manuscrito, dado o estado

    de conservao do documento, foram listadas as seguintes obras, com a respectiva

    avaliao:

    1. Uma Ordenao com seu repertrio6712$800.

    2. Nove tombos68

    da obra de Guerreiro18$000.3. Um dito Rocha [?]1$200.

    4. Trs tombos de colees de leis4$800.

    5. Um dito terceira de mano [?] regis [?]1$500.

    64 BORBA, Oney Barbosa. Povoadores dos Campos Gerais do Paran. Curitiba: Editora Ltero-tcnica, 1969. p. 22. Portanto, a data correta em que foi lavrado o inventrio de Manoel Lopes Brancoe Silva, com o qual trabalhamos, 13-09-1810.65 Devido s dificuldades encontradas em ler o manuscrito de 1810, pois a escrita est borrada,

    utilizamos a transcrio feita por Bruna Marina Portela. Assim, no referido trabalho, foram adotadosos seguintes critrios: As interrogaes entre colchetes [?] indicam dvida em relao ao textotranscrito, e o sinal [I] significa que o trecho estava ilegvel no original.66 FRUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE MANOEL LOPES BRANCO E SILVA.CAIXA: 1810. Castro, 1810. O inventrio traz em anexo o testamento do inventariado; no captulo 3,iremos analisar esse documento.67Possivelmente se trata do Repertorio das Ordenaes, e Leis do Reino de Portugal. O Tomo I foipublicado em 1749 e o Tomo II em 1786. [Este ltimo est disponvel para download no site IusLusitaniae: Colleco da Legislao Antiga e Moderna do Reino de Portugal. Parte II. Da LegislaoModerna. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1785. Trata -se de Fontes Histricas do DireitoPortugus. Disponvel em:http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=72&id_obra=68&pagina=1.] Acesso em: 03-09-2012. O fato de Manoel Lopes Branco e Silva ser natural de Portugal e bacharel em direito,justifica a presena deste livro em sua biblioteca.68 Em alguns casos as palavras que indicam os tomos (volumes das obras) esto grafadas comoTombos.

    http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=72&id_obra=68&pagina=1http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=72&id_obra=68&pagina=1
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    6. Um dito Mendes de Castro - $960.

    7. Frana [?] em dois tombos3$200.

    8. Um dito Cardoras [?] - $800.

    9. Um dito caminha de libelos - $960.

    10. Um dito Peia [?] [I] - $240.

    11. Um dito Manoel Patrcio - $800.

    12. Um dito Princpio de Direito Natural - $640.

    13. Um dito Barbosa1$200.

    14. Um dito Pegas [?] - $560.

    15. Um dito Companhia de Coimbra [?] - $640.

    16. Ccero em dois tombos - $960.17. Um [I] - $960.

    18. Um dito Veloso observaes sobre vrias matrias - $800.

    19. Outro dito do mesmo autor - $800.

    20. Outro dito - $800.

    21. [I]1$600.

    22. Um tomo [?] terceiro [?] de seleta [?] latina [?] - $480.

    23. Histria do Direito Cvel de Portugal [I] entrada de Romanos em Espanha demom [?] escrito - $320.

    24. Um dito Prtica Literria - $480.

    25. Revoluo e estado atual da Frana - $240.

    26. Uma pardia [?] latina3$200.

    No obstante a quantidade de livros, o valor monetrio a eles atribudo

    correspondia a cerca de 1,2% do patrimnio inventariado, alcanando a cifra de

    119$735 (cento e dezenove mil setecentos e trinta e cinco ris).Em 1811, foi redigido o inventrio de Jos Rodrigues Betim.69Segundo Oney

    Barbosa Borba, Este capito-mor, o primeiro da vila Nova de Castro, era natural de

    It, filho de Bento Rodrigues Bueno e Maria Arajo. Casado com Floriana Maria de

    Almeida.70Bruna Marina Portela, em sua dissertao, traz mais informaes sobre

    o inventariado, incluindo suas atividades econmicas: Alm de capito-mor da vila

    de Castro, exerceu tambm o cargo de juiz de rfos (...). Mas o que realmente

    69FRUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE JOS RODRIGUES BETIM. CAIXA: 1811.Castro, 1811. O inventrio traz em anexo o testamento do inventariado; no captulo 3, iremos analisaresse documento.70BORBA, Oney Barbosa. Povoadores dos Campos Gerais do Paran.Op. Cit. p. 28.

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    trazia lucros para Betim no eram os cargos pblicos, mas sim a lida com os animais

    e com a venda de tecidos.71

    Jos Rodrigues Betim possua muitos bens. Alm de gado, cavalos, escravos

    e terras, tambm foi arrolado um conjunto de livros: Um livro velho avaliado em

    $320, trs livros latinos velhos avaliados em $240, um livro latino intitulado Moral

    Poltico avaliado em $160, um livro novo avaliado em 2$000. Pensando em objetos

    ligados ao grau de instruo e/ou posio social, outro item interessante presente

    em seu inventrio um tinteiro com caixa avaliado em 1$000. O total dos bens de

    Jos Rodrigues Betim somava 5:503$790 (cinco contos, quinhentos e trs mil,

    setecentos e noventa ris), e o total de livros era 2$720 (dois mil, setecentos e vinte

    ris).72No ano de 1829, foi lavrado o inventrio de Jos Manuel Ferreira, que

    possua onze escravos avaliados, no total, em 2:158$000 (dois contos, cento e

    cinquenta e oito mil ris). Com relao aos livros, foram relacionados onze livros

    latinos avaliados em 7$040, dois livros avaliados em 2$560 e quatro livros pequenos

    avaliados em $640. Assim, somando seus livros temos o valor de 10$240 (dez mil,

    duzentos e quarenta ris). O total de seu monte mor era de 12:683$860 (doze

    contos, seiscentos e oitenta e trs mil, oitocentos e sessenta ris), sendo menos de1% de livros, e cerca de 17% equivalente aos escravos.73

    Outro inventrio em que foi detectada a presena de livros entre os bens do

    falecido foi lavrado em 1832. De fato, trata-se do inventrio de um casal, Cipriano

    Eleutrio dos Santos e Joaquina Lanhoza. O bem de maior valor correspondia a

    uma morada de casas no ptio de Matriz, que de um lado confronta com o

    Reverendo Vigrio, e de outro com Estevo Ribbeiro [sic], de trs lanos, coberta de

    telha, com corredor, onze portas, duas janelas, duas portas, duas salas forradas eassoalhadas, um quarto com armao para loja, uma cozinha com forno, quintal

    cercado de madeira, avaliada em 400$00074. O inventariante, Felisbino Eleutrio

    dos Santos, arrolou, dentre os bens do casal, dois livros intitulados A filha dos

    71PORTELA, Bruna Marina. Caminhos do cativeiro: a configurao de uma comunidade escrava(Castro, So Paulo, 1800-1830). Dissertao de mestrado. Curitiba, 2007. p. 24, 25.72FORM DA COMARCA DE CASTRO. Inventrio de Jos Rodrigues Betim. Caixa: 1811. Castro,1811.73 FORUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE JOS MANOEL FERREIRA. CAIXA:1829. Castro, 1829.74FORUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE CIPRIANO ELEUTRIO DOS SANTOS EJOAQUINA LANHOZA. CAIXA: 1832. Castro, 1832.

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    desgostos75, os quais foram avaliados, pelo capito Gernimo Jos Vieira e pelo

    tenente Joo Evangelista de Souza, em 1$000 (mil ris). O monte mor do casal era

    pequeno, 424$110 (quatrocentos e vinte quatro mil, cento e dez ris) e os livros

    correspondiam a uma parcela nfima do patrimnio; como mencionamos acima, o

    bem de maior valor era a casa de moradia, que equivalia a quase 95% do monte

    mor.76

    Jos Maria Lima foi um outro morador de Castro que tambm possua muitos

    bens. Provavelmente, tratava-se de um negociante, pois muitos itens de seu

    inventrio, lavrado em 1836, apontam nesse sentido: trinta e quatro cvados e meio

    de chita cor-de-rosa em morim ordinrio avaliados em 8$280, cento e setenta e oito

    cvados de chita em pedaos finos, vrios padres avaliados em 53$400, oitenta eoito jardas de algodo largo avaliadas em 17$600. Seguem muitas outras

    referncias a significativas quantidades de tecidos e objetos, como: meia resma de

    papel avaliado em 2$000, quatorze baralhos franceses avaliados em 2$240, dez

    baralhos portugueses avaliados em 1$330.77

    No que concerne a livros, no rol dos bens de Jos Maria Lima encontramos:

    Sete volumes intitulados Mil e uma noites, avaliados em 7$000, um livro do

    cozinheiro moderno avaliado em 2$000,78

    um livro de nota poltica avaliado em$640, dois volumes de Retrica avaliados em 1$280. O inventrio tambm arrola

    imveis, e a descrio de alguns deles faz referncia s instalaes de uma loja, ou

    de ambiente propcio para tal:

    Uma morada de casas na rua do fogo, com dois lanos, paredes depilo, coberta de telha com arrumao de loja, quintal todo cercadoavaliada em 600$000. Uma morada de casas anexa a outra casa,com dois lanos, paredes de pilo, coberta de telhas, com dois

    quartos forrados e um deles tem uma armao de venda, um

    75 Provavelmente, trata-se do livro Emma, ou a filha do desgosto. Traduco Portugueza.Typografia Rollandiana. Lisboa.1807. 2 tomos encadernados em 1 vol. In-8 peq. de 227 e 264 pgs.Disponvel em: http://www.livrariacandelabro.com/ctemasle.htm Acesso em: 14-08-2011. LIVRARIACANDELABRO. Encontra-se na lista de Literatura Estrangeira. Preo : 40,00http://www.livrariacandelabro.com/index.html.76FORUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE CIPRIANO ELEUTRIO DOS SANTOS EJOAQUINA LANHOZA. CAIXA: 1832. Castro, 1832.77FORUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE JOS MARIA LIMA. CAIXA: 1836. Castro,1836.78 O livro identificado como do cozinheiro moderno possivelmente era um exemplar da obra de

    Lucas Rigaud, Cozinheiro moderno ou nova arte de cozinhar, publicado desde, pelo menos, 1780.RIGAUD, Lucas. Cozinheiro moderno ou nova arte de cozinhar. 4 ed. Lisboa : Typ. Lacerdina,1807. 2v. Disponvel para download em: http://purl.pt/14538/2/.Tomo I e II em formato pdf. Site daBiblioteca Nacional Digital (Portugal).

    http://www.livrariacandelabro.com/ctemasle.htmhttp://www.livrariacandelabro.com/index.htmlhttp://purl.pt/14538/2/http://purl.pt/14538/2/http://www.livrariacandelabro.com/index.htmlhttp://www.livrariacandelabro.com/ctemasle.htm
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    pequeno quintal, avaliada em 400$000. (...) Uma morada de casascom paredes de mo, cobertas de telha com um quarto forrado ecom uma armao para loja, a mesma situada na esquina e se limitade um lado com a casa de Igncio Ferreira, avaliada em 300$000.

    O monte mor de Jos Maria Lima totalizava 8:531$576 (oito contos,

    quinhentos e trinta e um mil, quinhentos e setenta e seis ris), as dvidas do monte

    eram de 6:287$711 (seis contos, duzentos e oitenta e sete mil, setecentos e onze

    ris), o monte menor, assim, ficava em 2:243$865 (dois contos, duzentos e quarenta

    e trs mil, oitocentos e sessenta e cinco ris). Os livros, somados, totalizavam

    10$920 (dez mil, novecentos e vinte ris), menos de 1% do monte mor.79 Como

    havia referncia s dvidas do monte mor, (pois a compra das mercadorias era feita

    a crdito), e uma lista de bens intitulada Armazm, temos indcios de que JosMaria Lima era comerciante.

    Os livros se encontram com os outros objetos da lista Armazm. Neste caso,

    talvez os livros arrolados no inventrio de Jos Maria Lima, ou parte deles, no

    pertencessem sua biblioteca particular, mas fossem mercadorias, como os tecidos

    e outros objetos que aparecem descritos em quantidades compatveis para tal.

    Nesse sentido, podemos considerar a hiptese da existncia de um comrcio de

    livros, apontando para a circulao da palavra impressa em Castro.Dentre os inventrios tambm encontramos o do reverendo Jos Loureiro da

    Silva, proco da vila.80 Natural da freguesia de Cotia, o reverendo deixou um

    testamento datado de 28 de janeiro de 1839, e seu inventrio foi lavrado em 1841,

    sendo inventariante Francisco Rufino da Silva e avaliadores Francisco Antnio de

    Oliveira e Manoel Antnio Machado. O padre Jos Loureiro da Silva deixou muitos

    bens com valores significativos, como casas e terras: uma morada de casas onde

    morava o dito Reverendo avaliada em 400$000, (...) uma morada de casas cobertasde telhas com cozinha, curral e mais bem feitorias no Bairro do Rio Abaixo avaliada

    em 110$000, uma parte de campos no mesmo bairro avaliado em 700$000. Sobre

    os livros, encontramos meno a trinta e um livros de diferentes qualidades

    avaliados em 12$800, ao lado de um missal avaliado em 6$400 e de quatro

    brevirios avaliados em 6$400. Outro objeto importante, ligado a hbitos de leitura,

    79FRUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE JOS MARIA LIMA. CAIXA: 1836. Castro,

    1836.80 FRUM DA COMARCA DE CASTRO. INVENTRIO DE JOS LOUREIRO DA SILVA. CAIXA:1841. Castro, 1841. O inventrio traz em anexo o testamento do inventariado; no captulo 3, iremosanalisar esse documento.

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