Besouro Mongangá

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O Besouro Mangangá

Manuel Henrique, o Besouro Mangangá, ou Besouro Cordão de Ouro. Assassinado aos 27 anos, em 1920, Besouro era um capoeirista famoso em sua época, muito hábil com as facas e que sempre jogava com uma navalha no pé. Dizem que seu apelido surgiu quando, após arrumar mais uma encrenca com a polícia, desapareceu misteriosamente. Atordoado, um policial perguntou para um dos que

assistiram à cena:- "Você viu pra onde foi aquele negro?"- "Vi, sim senhor. Ele virou besouro e saiu voando." A partir desse dia, Manuel Henrique já era Besouro. O Mangangá veio depois. E o apelido novo, Besouro Mangangá, é o nome de um inseto de picada venenosa, tão mortal quanto os golpes do mestre. Besouro era tão respeitado que costumava sair às ruas avisando aos comerciantes que fechassem as portas, pois tinha acabado de decretar feriado. Também era comum vê-lo presenteando um de seus compadres com penas de pavão, arrancadas dos chapéus dos valentões de Santo Amaro, sua cidade. Mas a cultura das ruas não foi suficiente para Mangangá. Ao procurar emprego, levou uma carta de recomendação de um fazendeiro a outro.Sem saber ler, não percebeu que a carta era, na realidade, um aviso para que o fazendeiro matasse o capoeirista. Depois de passar a noite com mulheres da vida, Besouro foi cercado por mais de quarenta homens, que atiraram sem parar. De modo surpreendente, as balas não o atingiram. No entanto foi ferido por uma faca, preparada com ticum especialmente para abrir seu corpo fechado pela mandinga. Chegou ainda vivo ao hospital, mas percebeu que não seria mais o mesmo de antes e preferiu morrer. Besouro Mangangá morreu cedo. Meu Mestre Chibata também. Antes de completar 40 anos, foi vitimado por um câncer fulminante. Deve ter ido se encontrar com seus mestres pra aprender novas histórias e nos contar um dia desses. A palavra capoeirista assombrava homens e mulheres, mas o velho escravo Tio Alípio nutria grande admiração pelo filho de João Grosso e Maria Haifa. Era o menino Manuel Henrique que, desde cedo aprendeu, com o Mestre Alípio, os segredos da Capoeira na Rua do Trapiche de Baixo, em Santo Amaro da Purificação, sendo "batizado" como "Besouro Mangangá" por causa da sua flexibilidade e facilidade de desaparecer quando a hora era para tal. Negro forte e de espírito aventureiro, nunca trabalhou em lugar fixo nem teve profissão definida. Quando os adversários eram muitos e a vantagem da briga pendia para o outro lado, "Besouro" sempre dava um jeito, desaparecia. A crença de que tinha poderes sobrenaturais veio logo, confirmando o motivo de ter ele sempre que carregar um "patuá". De trem, a cavalo ou a pé, embrenhando-se no matagal, Besouro, dependendo das circunstâncias, saia de Santo Amaro para Maracangalha, ou vice-versa, trabalhando em usinas ou fazendas. Certa feita, quem conta é o seu primo e aluno Cobrinha Verde, sem trabalho, foi a Usina Colônia (hoje Santa Eliza) em Santo Amaro, conseguindo colocação.

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_______________________________________________________________ Pg 02 www.capoarte.v10.com.br Uma semana depois, no dia do pagamento, o patrão, como fazia com os outros empregados, disse-lhe que o salário havia "quebrado" para São Caetano. Isto é: não pagaria coisa alguma. Quem se atrevesse a contestas era surrado e amarrado num tronco durante 24 horas. Besouro, entretanto, esperou que o empregador lhe chamasse e quando o homem repetiu a célebre frase, foi segurado pelo cavanhaque e forçado a pagar, depois de tremenda surra. Misto de vingador e desordeiro, Besouro não gostava de policiais e sempre se envolvia em complicações com os milicianos e não era raro tomava-lhes a arma, conduzindo-os até o quartel. Certa feita obrigou um soldado a beber grande quantidade de cachaça. O fato registrou-se no Largo de Santa Cruz, um dos principais de Santo Amaro. O militar dirigiu-se posteriormente à caserna, comunicando o ocorrido ao comandante do destacamento, Cabo José Costa, que incontinente designou 10 praças para conduzir o homem preso morto ou vivo. Pressentindo a aproximação dos policiais, Besouro recuou do bar e, encostando-se na cruz existente no largo, abriu os braços e disse que não se entregava. Ouviu-se violenta fuzilaria, ficando ele estendido no chão. O cabo José chegou-se e afirmou que o capoeirista estava morto. Besouro então se ergueu, mandou que o comandante levantasse as mãos, ordenou que todos os soldados fossem e cantou os seguintes versos: Lá atiraram na cruz/ eu de mim não sei/ se acaso fui eu mesmo/ ela mesmo me perdoe/ Besouro caiu no chão fez que estava deitado/ A polícia/ ele atirou no soldado/ vão brigar com caranguejos/ que é bicho que não tem sangue/ Polícia se briga/ vamos prá dentro do mangue. As brigas eram sucessivas e por muitas vezes Besouro tomou partido dos fracos contra os proprietários de fazendas, engenhos e policiais. Empregando-se na Fazenda do Dr. Zeca, pai de um rapaz conhecido por Memeu, Besouro foi com ele às vias de fato, sendo então marcado para morrer. Homem influente, o Dr. Zeca mandou pelo próprio Besouro, que não sabia ler nem escrever, uma carta para um seu amigo, administrador da Usina Maracangalha, para que liquidasse o portador. O destinatário com rara frieza mandou que Besouro esperasse a resposta no dia seguinte. Pela manhã, logo cedo, foi buscar a resposta, sendo então cercado por cerca de 40 soldados, que incontinente fizeram fogo, sem contudo atingir o alvo. Um homem, entretanto, conhecido por Eusébio de Quibaca, quando notou que Besouro tentava afastar-se gingando o corpo, chegou-se sorrateiramente e desferiu-lhe violento golpe com uma faca de ticum. Manuel Henrique, o Besouro Mangangá, morreu jovem, com 27 anos, em 1924, restando ainda dois dos seus alunos Rafael Alves França, Mestre Cobrinha Verde e Siri de Mangue. Hoje, Besouro é símbolo da Capoeira em todo o território baiano, sobretudo pela sua bravura e lealdade com que sempre comportou com relação aos fracos e perseguidos pelos fazendeiros e policiais.

Texto e Foto: Disponíveis em Bibliografia Pg 02 www.capoarte.v10.com.br