BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perpétua

download BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perpétua

of 30

Transcript of BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perpétua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    1/30

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    2/30

    158

    Ensaio IV: Um plano para uma Paz Universal e Perptua

    Jeremy Bentham1

    Resumo: Ensaio IV de Jeremy Bentham: Um plano para Uma Paz Universal e Perptua

    (publicado em 1843)Texto extrado doVol. 2. do The Works of Jeremy Bentham, editado

    por John Bowring. Esta constitui junto com o the Collected Works of Jeremy Bentham, as

    duas coletneas de trabalhos das obras de Bentham. A primeira, The Works, sendo a mais

    antiga de (1843) e a segunda a mais recente e com textos crticos a respeito da obra do autor

    que faz parte do Projeto Bentham, iniciado em 1968, encabeado pela UCL (University

    College London), para reconstruir a obra do autor a partir de seus manuscritos. A seguir

    apresenta-se traduo do ensaio IV do Vol. 2 retirado do The Works of Jeremy Bentham.

    Palavras-Chave: Paz universal, paz perptua, Jeremy Bentham, ensaio IV.

    1Jeremy Bentham (15 de fevereiro de 17486 de junho de 1832) foi um filsofo e jurista ingls. Juntamente

    com John Stuart Mill e James Mill, difundiu o utilitarismo, teoria tica que responde todas as questes acerca

    do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximizao da utilidade e da felicidade. A

    traduo desse presente trabalho de autoria da tradutora Maria Cristina Longo Cardoso Dias e do co-tradutorJos Igncio Coelho Mendes Neto.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    3/30

    159

    Essay IVA Plan for an Universal and Perpetual Peace

    Abstract: Essay IV by Jeremy Bentham: A Plan For an Universal and Perpetual Peace

    (published in 1843)obtained from The Works of Jeremy Bentham, Vol. 2., edited by John

    Bowring. Along with the Collected Works of Jeremy Bentham, they form a Jeremy

    Bentham Study Collection. The first, The Works, is the oldest, written in1843, the second,

    the Collected Works of Jeremy Bentham, is the most recent and contains a critic work about

    the authors study, part ofthe Bentham Project, created in 1968 to reconstruct his works

    from his manuscripts, managed by UCL (University College London). The following pages

    present the Essay IV, vol. 2, translated, extracted from The Works of Jeremy Bentham.

    Keywords: Universal peace, perpetual peace, Jeremy Bentham, essay IV.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    4/30

    160

    ENSAIO IVUM PLANO PARA UMA PAZ UNIVERSAL E PERPTUA*

    Jeremy Bentham

    1) O objeto do presente ensaio oferecer ao mundo um plano para uma paz universal eperptua. O globo a rea de abrangncia qual o autor aspira como local de anlise aimprensa a ferramenta, e a nica que ele emprega e a morada da humanidade o teatrode suas intrigas.

    2) Os mais felizes da humanidade so sofredores na guerra; e os mais sbios, o que digo,at os menos sbios so sbios o suficiente para atribuir o cerne de seus sofrimentos a essacausa.

    3) O seguinte plano tem por sua base duas proposies fundamentais: 1) a reduo efixao da fora das diversas naes que compem o sistema europeu; 2) a emancipaodas dependncias distantes2 de cada Estado*. Cada uma dessas proposies tem suas

    prprias vantagens, mas nenhuma delas, como se ver, atenderia completamente a seupropsito sem a outra.

    4) Quanto utilidade de tal paz universal e duradoura, supondo-se um plano praticvelpara esse propsito e provvel de ser adotado, s pode haver uma nica voz. A objeo, e anica objeo a isso, sua aparente impraticabilidade que ele no somente impossvel,mas em tal grau que qualquer proposta nesse sentido merece o nome de visionria eridcula. Devo empenhar-me, em primeiro lugar, em remover essa objeo, pois a remoodesse preconceito pode ser necessria para angariar audincia para o plano.

    5) O que pode servir melhor preparao da mente humana para a recepo de talproposta do que a apresentao da prpria proposta?

    6) Que no seja objetado que os tempos no esto maduros para tal proposta: quantomenos maduros esto, mais cedo deveramos comear a fazer o que pode ser feito para

    * Publicado em 1843. Texto extrado dovol. 2 do The Works of Jeremy Bentham, editado por John Bowring.Esta constitui junto com The Colleted Works of Jeremy Bentham, as duas coletneas de trabalhos das obras deBentham. A primeira, The Works, sendo a mais antiga (de 1843), e a segunda a mais recente e com textoscrticos a respeito da obra do autor, que faz parte do projeto Bentham encabeado pela UCL ( UniversityCollege London) para reconstruir a obra do autor a partir de seus manuscritos, a qual teve incio em 1968. Aseguir apresenta-se traduo do ensaio IV do vol. 2, retirado do The Works of Jeremy Bentham. Tradutora:Maria Cristina Longo Cardoso Dias. Co-Tradutor: Jos Igncio Coelho Mendes Neto. Agradecemos aoDCPE, ao CCRI e Unidade da FFC-Unesp-Marlia pelos auxlios em apoio traduo deste texto. O textooriginal se encontra em http://perpetualpeaceproject.org/resources/bentham.php.2 Note que o termo dependncias distantes (distant dependencies) foi preferido ao termo colnia, devido aofato do autor usar o termo colonies em outras partes do texto, embora reconhea-se que a diferena de sentidono deva ser muito significativa. importante notar, tambm, que todas as notas ao longo do texto so notasdo tradutor. As notas ao final do texto so notas de Bentham, conforme foi preservado do original da ediode Bowring de 1843.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    5/30

    161

    amadurec-los, e tanto mais deveramos fazer para amadurec-los. Uma proposta dessa

    espcie uma dessas coisas que no podem vir nem muito cedo nem muito tarde.

    7) Quem, entre aqueles que levam o nome de cristos, pode recusar o auxlio de suaspreces? Que plpito pode recusar-se a secundar-me com sua eloqncia? Catlicos e

    protestantes, homens da Igreja da Inglaterra e dissidentes, todos podem concordar com isso,embora em tudo o mais discordem. Conclamo-os todos a ajudar-me com sua aprovao e

    apoio.

    8) As pginas que seguem so dedicadas ao bem comum de todas as naes civilizadas,mas mais particularmente da Gr-Bretanha e da Frana.

    9) O fim em vista recomendar trs grandes objetivos: simplicidade de governo,parcimnia nacional e paz.

    10)A reflexo satisfez-me quanto verdade das seguintes proposies:I. Que no do interesse da Gr-Bretanha ter qualquer dependncia3 estrangeira.

    II. Que no do interesse da Gr-Bretanha ter qualquer tratado de aliana, ofensivo

    ou defensivo, com qualquer outra potncia.

    III. Que no do interesse da Gr-Bretanha ter qualquer tratado com qualquer

    potncia com a finalidade de obter quaisquer vantagens relativas ao comrcio que

    provoquem a excluso de qualquer outra nao.

    IV. Que no do interesse da Gr-Bretanha manter qualquer fora naval alm do que

    pode ser suficiente para defender seu comrcio contra piratas.

    V. Que no do interesse da Gr-Bretanha manter quaisquer regulamentos de preparo

    distante para o aumento ou manuteno de sua fora naval, tais como a Lei de

    Navegao, os incentivos ao comrcio da Groenlndia e outros ofcios tidos como

    fomento dos marinheiros.

    VI. VII. VIII. IX. & X. Que todas essas proposies tambm so verdadeiras para a

    Frana.

    11)No que tange Gr-Bretanha, eu apoio a prova dessas diversas proposiesprincipalmente em dois princpios muito simples:

    i. Que o aumento da riqueza crescente em cada nao num dado perodo

    necessariamente limitado pela quantidade de capital que ela possui nesse perodo.

    3Note que aqui dependncia, provavelmente, tem o sentido de colnia e isto pode ser assim interpretado

    sempre que aparecer este termo ao longo do texto.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    6/30

    162

    ii. Que a Gr-Bretanha, com ou sem a Irlanda e sem qualquer outra dependncia, no

    pode ter nenhum motivo razovel para temer dano por parte de qualquer nao da

    Terra.

    12)Quanto Frana, substituo a ltima das duas proposies mencionadas pela seguinte:iii. Que a Frana, tomada isoladamente, no tem, no momento, nada a temer de

    nenhuma outra nao a no ser a Gr-Bretanha; nem, se privada de suas dependncias

    estrangeiras, teria ela algo a temer da Gr Bretanha.

    13)XI. Que, supondo a Gr-Bretanha e a Frana plenamente de acordo, as principaisdificuldades seriam removidas para o estabelecimento de um plano de pacificao geral e

    permanente para toda a Europa.

    14)XII. Que, para a manuteno de tal pacificao, tratados gerais e perptuos podem serfirmados, limitando o nmero de tropas a serem mantidas.

    15)XIII. Que a manuteno de tal pacificao pode ser consideravelmente facilitada peloestabelecimento de uma corte judicial comum para a soluo das desavenas entre as

    diversas naes, embora tal corte no deva ser armada com nenhum poder coercitivo.

    16)XIV. Que o sigilo nas operaes do ministrio de negcios estrangeiros no deve sertolerado na Inglaterra, por ser totalmente intil e igualmente repugnante aos interesses da

    liberdade e da paz.

    17)Proposio I Que no do interesse da Gr-Bretanha ter quaisquer dependnciasestrangeiras.

    18)A verdade dessa proposio aparecer se considerarmos:1) que dependncias distantes aumentam as chances de guerra:

    1. pelo aumento do nmero de possveis objetos de controvrsia;

    2. pela obscuridade natural do ttulo no caso de novas colonizaes ou

    descobertas;

    3. pela notvel obscuridade das provas resultante da distncia;

    4. pelo fato dos homens preocuparem-se menos com as guerras quando seu palco

    distante do que quando mais prximo de casa;

    2) que colnias so raramente, se forem, fontes de lucro para a metrpole.

    19)A atividade lucrativa tem cinco ramos: 1. produo de novas matrias, incluindoagricultura, minerao e pesca; 2. manufatura; 3. comrcio interno; 4. comrcio exterior;

    5.comrcio de transporte. Como o volume da atividade lucrativa que pode ser realizada

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    7/30

    163

    num pas limitado pelo volume do capital de que o pas pode dispor, segue-se que

    nenhuma parcela desse volume pode ser aplicada em um dos ramos sem que seja retirada

    de outro ramo ou negada a todos os outros ramos. Nenhum incentivo, portanto, pode ser

    dado a qualquer ramo de atividade sem que seja um desincentivo proporcional a todos os

    outros. Nada pode ser feito pelo governo para induzir um homem a comear ou continuar a

    empregar seu capital em qualquer um desses ramos, sem que isso o induza no mesmo graua retirar esse capital de ou neg-lo a todos os restantes. Desses cinco ramos, nenhum mais

    benfico para o pblico do que os restantes a tal ponto que valeria a pena convocar os

    poderes legislativos para proporcionar-lhe uma vantagem. Porm, se houvesse algum, seria

    inquestionavelmente a melhoria e o cultivo da terra. Todo incentivo fictcio a qualquer um

    desses ramos rivais seria um desincentivo proporcional agricultura. Todo incentivo a

    qualquer um desses ramos manufatureiros que produzem artigos vendidos atualmente s

    colnias um desincentivo proporcional agricultura.

    20)Quando se tenta provar que as colnias so benficas para a metrpole e procura-seestimar o montante do benefcio, o modo como a estimativa feita bastante curioso. Faz-

    se um balano daquilo que elas exportam, o que quase toda a produo da colnia. Tudoisso, diz-se, enquanto voc tiver as colnias, seu; isso exatamente o que voc perder se

    perder suas colnias. Mas quanto disso realmente seu? Nem um centavo. Quando elas

    deixam voc tomar os seus produtos, elas os do a voc por nada? Evidentemente no, elas

    fazem voc pagar por eles, assim como qualquer um faria. E quanto? Exatamente o que

    voc pagaria se elas pertencessem a elas mesmas ou a qualquer outra metrpole.

    21)H vrias razes confessas para manter as colnias, alm de outras que no soconfessas. Das razes confessas, a principal, de longe, o benefcio do comrcio. Se as

    colnias no estivessem subjugadas metrpole, elas no comerciariam com esta ltima;

    elas no comprariam nenhum produto da metrpole, nem deixariam a metrpole comprar

    nenhum dos seus produtos, ou pelo menos, a metrpole no poderia ter certeza disso; se

    elas estivessem sujeitas a outra metrpole, elas no o fariam, pois as colnias de outras

    naes, no so autorizadas a comerciar com uma metrpole alheia. Desistir das colnias

    o mesmo que desistir do comrcio realizado com as colnias4. Mas no, ns no desistimos

    disso, ns no desistimos de nada. O comrcio com as colnias no pode, assim como o

    comrcio com qualquer outro lugar, ser realizado sem capital. O montante de capital

    empregado no comrcio com as colnias no empregado em outros lugares, e o mesmo

    montante negado ou tirado de outros comrcios.

    22)Suponhamos, ento, que algum ramo do comrcio ou manufatura decline suponhamosat que se extinga totalmente ser essa uma perda permanente para a nao? Nem umpouco. Sabemos o pior que pode advir de tal perda: o capital que teria sido empregado

    nesse ramo extinto ser empregado na agricultura. A perda das colnias, se a perda do

    comrcio com as colnias fosse a conseqncia da perda das colnias, seria, na pior das

    hipteses, um ganho para a agricultura.

    4Neste trecho optou-se por preservar o presente do indicativo de acordo com o correspondente no original,

    mesmo tendo em vista que Bentham apenas usa esse tempo verbal como recurso retrico no perodo que

    segue: Desistir das colnias o mesmo que desistir do comrcio. Ora, mas o autor prova que desistir das

    colnias no incorre em prejuzo comercial.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    8/30

    164

    23)Outras razes contra a dominao distante podem ser encontradas na considerao dobem do governo. Males distantes causam pouca impresso naqueles de quem depende a suasoluo. Um nico assassinato cometido em Londres causa mais impresso do que semilhares de assassinatos e outras crueldades fossem cometidas nas ndias Orientais. A

    situao de Hastings, apenas porque ele estava presente, suscitou compaixo naqueles queouviram os detalhes das crueldades cometidas por ele com indiferena.

    24)A denncia de injustias tem de ser o mais rpida possvel entre aqueles que as sofrem eaqueles que tm o poder de corrigi-las. A razo pela qual, nas velhas injunes, o rei recebea incumbncia de interferir para conceder auxlio a verdadeira causa que, originalmente,deu origem a essa interfernciae uma das poucas verdades que lograram abrir caminhoatravs da espessa nuvem de mentiras e absurdos que elas contm. Veja o que que essas

    pessoas querem, diz o soberano aos ministros da justia, para que eu no precise mais ser

    incomodado pelo seu rudo. O motivo atribudo ao juiz injusto no Evangelho o motivo

    que o soberano, denominado fonte de justia, levado assim a aprovar.

    25)Logo, as medidas finais que devem ser perseguidas so as seguintes:1. Desistir de todas as colnias.

    2. No fundar novas colnias.

    26)Segue um resumo dos motivos para desistir de todas as colnias:i. Interesse da metrpole.

    1. Economizar o custo dos estabelecimentos civis e militares.

    2. Evitar o perigo da guerra: 1. por forar a obedincia das colnias; 2. decorrenteda inveja gerada pelo poder aparente que elas conferem.

    3. Economizar o custo de defend-las em caso de guerra por outras razes.

    4. Livrar-se dos meios de corrupo oferecidos pelo preenchimento dos cargos: 1.dos seus estabelecimentos civis; 2. da fora militar empregada na sua defesa.

    5. Simplificar todo o quadro de governo e tornar assim o manejo competente dosnegcios de governo mais acessvel: 1. aos membros da administrao; 2. populao*.

    27)O estoque de inteligncia nacional deteriorado pelas noes falsas que devem serentretidas para impedir que a nao abra os olhos e milite pela libertao das colnias.

    28)Por outro lado, o mau governo aflige a metrpole por causa da complicao deinteresses, da confuso de vises e do consumo de tempo ocasionados pelo fardo dasdependncias distantes.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    9/30

    165

    29) ii. Interesse das colnias.Diminuir a chance de mau governo resultante de: 1. interesses opostos; 2.ignorncia.

    30)Os verdadeiros interesses da colnia devem ser sacrificados em prol dos interessesimaginrios da metrpole. com a inteno de govern-la mal, e com nenhuma outra, quese deseja obter ou manter uma colnia. Governe-a bem, e ela no ter nenhuma utilidade

    para voc. Governe-a to bem quanto os seus habitantes o fariam por si mesmos, e vocter que escolher para governar aquele que eles mesmos escolheriam. Voc no devesacrificar nenhum dos interesses deles em prol dos seus, voc deve dedicar tanto tempo eateno aos interesses deles quanto eles mesmos fariam. Em suma, voc tem que tomarexatamente as medidas que eles prprios tomariam, e nenhuma outra. Mas isso governar?E de que valeria para voc se fosse?

    31)Afinal, seria impossvel para voc govern-los to bem quanto eles mesmos segovernariam, devido distncia.

    32)Seguem-se medidas de aproximao:1. No manter nenhuma fora militar em qualquer das colnias.

    2. No destinar dinheiro algum manuteno de qualquer estabelecimento civil emqualquer das colnias.

    3. Preencher os cargos nas colnias enquanto o permitirem ceder assim quecontestarem tal indicao.

    4. Dar instrues gerais aos governadores para consentir com todos os atosapresentados a eles.

    5. No destinar dinheiro algum s fortificaes.

    33)Proposio II Que no do interesse da Gr-Bretanha ter qualquer tratado de aliana,ofensivo ou defensivo, com qualquer outra potncia.

    34)Razo: evitar o perigo de guerra decorrente deles.

    35)Mais especificamente, a Gr-Bretanha no deve garantir constituies estrangeiras.36)Razo: evitar o perigo de guerra resultante do dio contra tal medida tirnica.37)Proposio III Que no do interesse da Gr-Bretanha ter qualquer tratado comqualquer potncia com a finalidade de obter quaisquer vantagens relativas ao comrcio que

    provoquem a excluso de qualquer outra nao.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    10/30

    166

    38)O fato de que o comrcio de cada nao limitado pelo volume de capital toevidentemente e obviamente verdadeiro que pode reivindicar um lugar entre as proposiesauto-evidentes. Contudo, no se deve esperar que as proposies auto-evidentes sejamfacilmente admitidas se suas conseqncias se chocarem com paixes predominantes e

    preconceitos arraigados, se admitidas.

    39)Naes so compostas de indivduos. O comrcio de uma nao deve ser limitado pelasmesmas causas que limitam o comrcio individual. Cada mercador individual, quando

    pratica tanto comrcio quanto tem de capital e de crdito que ele pode conseguir por meiodo seu capital bastam para continuar o comrcio, no pode ir alm disso. Assim como isso verdade para cada mercador, no menos verdade para o conjunto completo dosmercadores.

    40)Muitos livros reconhecem diretamente a proposio de que o volume de comrcio queuma nao efetuar limitado limitado pelo volume do seu capital. Ningum contesta essa

    proposio; mas quase todos, em algum lugar ou em outro, agem com base na suposio

    oposta: eles supem que o volume de comrcio no possui nenhuma limitao.

    41) tolo comprar bens manufaturados, e sbio comprar matrias-primas. Por que? Porquevoc5 as vende manufaturadas para si mesmos, ou, o que ainda melhor, para estrangeiros,e o lucro do manufator vem todo para voc. O que se esquece aqui que o manufator, paradar continuidade ao seu negcio, precisa ter um capital, e que esse tanto de capital que empregado dessa maneira no pode ser empregado de qualquer outra maneira.

    42)Disso decorre a perfeita inutilidade e nocividade de todas as leis e medidas pblicas dogoverno para o pretenso estmulo ao comrcio todos os incentivos de todas as formas,todos os acordos de no-importao e compromissos de consumir produtos manufaturadosnacionais preferencialmente aos estrangeiros de qualquer ponto de vista que no seja

    proporcionar alvio temporrio para uma dificuldade temporria.

    43) Contudo, das duas proibies e incentivos estmulos penais e remuneratrios osltimos so, sem comparao, os mais danosos. Proibies, exceto quando so recentes edesviam a grande custo os homens das atividades em que esto envolvidos, so sem valor.Incentivos so dispendiosos e opressivos: eles transferem foradamente recursos de umhomem para pagar outro homem por efetuar uma troca pela qual, se no fosse feita com

    perda, no haveria necessidade de pag-lo.

    44) Mas ento todos os modos da indstria

    6

    produtiva assemelham-se? No poderia ser ummais produtivo que outro? Certamente. Mas ser que o favorito , de fato, mais lucrativoque qualquer outro? Essa a pergunta e a nica pergunta que deveria ser feita, eexatamente a pergunta que ningum nunca pensa em fazer.

    5 Preservou-se o original you (voc), mas tenha-se em vista que o autor refere-se ao sentido de nao. Porisso, possvel que a nao venda para si mesma.6 Bentham refere-se indstria no sentido amplo da palavra que engloba todos os cinco ramos da atividade

    produtiva, a saber: manufatura, novos materiais (como pesca, minerais e agricultura), comrcio interno,comrcio externo e comrcio de transporte.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    11/30

    167

    45) Se essa pergunta fosse feita e respondida, e respondida com toda clareza, ela nuncapoderia ter qualquer utilidade como base para um plano permanente de poltica. Por qu?Porque assim que um ramo da economia sabidamente mais lucrativo que o restante, elelogo deixa de s-lo. Homens precipitam-se sobre ele vindos de todos os outros ramos, e o

    velho equilbrio rapidamente restaurado. Seus comerciantes possuem um monopliocontra os estrangeiros? verdade, mas eles no tm monoplio um contra o outro. Oshomens no podem, em todos os casos, abandonar o ramo menos produtivo em que seuscapitais j esto investidos, para lanarem-se nesse ramo mais produtivo? verdade mash jovens iniciantes assim como veteranos, e a primeira preocupao de um jovem inicianteque possui capital para empregar num ramo da indstria ficar atento ao mais lucrativo.

    46) Objeo: Oh! Mas a manufatura que cria a demanda pelos produtos da agricultura.No possvel, portanto, aumentar a produo da agricultura seno aumentando asmanufaturas. No nada disso. Admito o antecedente, mas nego o conseqente. Umaumento das manufaturas certamente cria um aumento na demanda pelos produtos da

    agricultura. igualmente certo que um aumento das manufaturas no necessrio paraproduzir um aumento dessa demanda. Os agricultores podem subsistir sem laos, tules oucambraia fina. Os teceles de laos, tules e cambraias finas no podem subsistir sem os

    produtos da agricultura: a subsistncia necessria nunca perde seu valor. Aqueles que aproduzem so eles mesmos um mercado para seu produto. possvel que os vveres fiquembaratos demais? H algum perigo atual de que isso ocorra? Suponhamos (apesar doextremo absurdo da suposio) que os vveres se tornassem gradualmente baratos demais,devido ao aumento da quantidade produzida e falta de manufatores para consumi-los qual seria a conseqncia disso? A barateza crescente aumentaria a facilidade e disposio

    para o casamento, o que aumentaria ento a populao do pas, e as crianas assim geradas,ao comer para crescer, conteriam esse terrvel mal da superabundncia de vveres.

    47) Os vveres, produto da agricultura, produzem constantemente e necessariamente ummercado para si. Quanto mais vveres um homem cultiva, acima e alm do que necessrio

    para seu prprio consumo, mais ele tem para dar aos outros, para induzi-los a prov-lodaquilo que ele escolha ter alm dos vveres. Em suma, quanto mais ele tem de sobra, maisele tem para dar aos manufatores. Estes, tomando-o dele e pagando-o com o produto do seutrabalho, fornecem o estmulo necessrio para a produo dos frutos da agricultura.

    48) impossvel, portanto, que haja excesso de agricultura. impossvel, enquanto houversolo no cultivado ou solo que possa ser melhor cultivado do que , que advenha qualquer

    prejuzo para a comunidade de se negar capital a ou retra-lo de qualquer outro ramo daindstria e empreg-lo na agricultura. impossvel, portanto, que a perda de qualquer ramodo comrcio seja causadora de qualquer prejuzo para a comunidade, excetuando-se sempreo infortnio temporrio sofrido pelos indivduos envolvidos naquele momento, quando taldeclnio repentino.

    49) Seguem-se as medidas cujo cabimento resulta dos princpios acima:

    1. Que no se faa nenhum tratado para conceder preferncias comerciais.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    12/30

    168

    2. Que no se deflagre nenhuma guerra para impor tais tratados.

    3. Que no se contraia nenhuma aliana com vistas a firm-los.

    4. Que no se d nenhum incentivo para ramos especficos do comrcio, por meio de:

    (1.) Proibio de manufaturas rivais.

    (2.) Taxao de manufaturas rivais.

    (3.) Incentivos* ao comrcio que se visa favorecer.

    5. Que no se firme nenhum tratado para assegurar preferncias comerciais.

    Eles so inteis, uma vez que no acrescentam nada massa da riqueza, mas apenas

    influenciam sua direo.

    50) Proposio IV Que no do interesse da Gr-Bretanha manter qualquer fora naval

    alm daquela suficiente para defender seu comrcio contra piratas.

    51) Isso desnecessrio, exceto para a defesa das colnias ou para fins de guerra, movida

    ora para impor comrcio, ora para firmar tratados comerciais7.

    52) Proposio V Que no do interesse da Gr-Bretanha manter quaisquer regulamentos

    de preparo distante para o aumento ou manuteno de sua fora naval, tais como a Lei de

    Navegao, os incentivos ao comrcio da Groenlndia e outros ofcios tidos como fomento

    dos marinheiros.

    53) Esta proposio uma conseqncia necessria daquela que precede.

    54) As proposies VI, VII, VIII, IX & X.

    55) Proposies semelhantes s precedentes so igualmente verdadeiras quando aplicadas

    Frana.

    56) Proposio XI Que, supondo a Gr-Bretanha e a Frana plenamente de acordo, as

    principais dificuldades seriam removidas para o estabelecimento de um plano de

    pacificao geral e permanente para toda a Europa.

    57) Proposio XII Que, para a manuteno de tal pacificao, tratados gerais e perptuos

    podem ser firmados, limitando o nmero de tropas a serem mantidas.

    7Parece-me que o autor est dizendo que uma fora naval mais robusta seria necessria nesses dois casos

    (defesa das colnias e guerra comercial), mas que, como essas duas hipteses foram excludas, a tal marinha

    reforada desnecessria.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    13/30

    169

    58) Se fosse considerada a simples relao de uma nao isolada com outra nao isolada,talvez o problema no seria muito difcil. O infortnio que, em quase todo lugar,encontram-se relaes complexas. Quanto ao assunto das tropas, a Frana diz Inglaterra:sim, eu faria voluntariamente com voc um tratado de desarmamento, se houvesse apenasvoc, mas necessrio que eu tenha tropas para defender-me dos austracos. A ustria

    pode dizer o mesmo Frana, mas necessrio proteger-se contra a Prssia, a Rssia e aPorta8. E a mesma alegao pode ser feita pela Prssia no que concerne Rssia.

    59) Quanto s foras navais, se dissessem respeito apenas Europa, a dificuldade poderiatalvez no ser considervel. Caso considerasse a Frana, a Espanha e a Holanda emconjunto como um contrapeso ao poderio da Gr-Bretanha talvez por conta dasdesvantagens que acompanham o acordo entre trs naes distintas, para no dizer nada dademora e publicidade dos procedimentos sob a constituio holandesa talvez a Inglaterra

    pudesse permitir a elas em conjunto uma fora unificada igual a metade ou mais da suaprpria.

    60) Um acordo desse tipo no seria desonroso. Se o pacto obrigasse apenas um lado, talvezfosse desonroso. Se diz respeito s duas partes em conjunto, a reciprocidade retira aaspereza. Por fora do tratado que ps fim primeira guerra pnica, o nmero deembarcaes que os cartagineses poderiam manter foi limitado. Essa condio no foihumilhante? Pode ser: mas se foi, deve ter sido porque no havia nada que lhecorrespondesse do lado dos romanos. Que causa pode ter sido a fonte de um tratado que pstoda a segurana de um lado s? S pode ter sido uma, qual seja, a confessa superioridadeda parte assim protegida sem contestao. Tal condio s pode ter sido uma lei ditada peloconquistador para a parte conquistada: a lei do mais forte. Ningum exceto o conquistador

    poderia t-la ditado; ningum exceto o conquistado a teria aceito.

    61) Ao contrrio, qualquer nao que tome a dianteira de outra para fazer a proposta dereduzir e fixar o contingente de suas foras armadas coroaria a si mesma com honra eterna.O risco seria nulo o ganho certo. Esse ganho seria dar uma demonstrao incontroversade sua prpria disposio para a paz e da disposio oposta da outra nao caso rejeite a

    proposta.

    62) A mxima correo deve ser empregada. A nao destinatria deve ser convidada aconsiderar e indicar quaisquer seguranas adicionais que considere necessrias e quaisquerconcesses adicionais que considere justas.

    63) A proposta deve ser feita da maneira mais pblica possvel

    deve ser dirigida de naopara nao. Ao mesmo tempo que cativa a confiana da nao destinatria, isso tornariaimpraticvel para o governo dessa nao desprez-la, ou repeli-la atravs de mudanas esubterfgios. Ela apelaria ao corao da nao destinatria. Ela revelaria suas intenes e as

    proclamaria para o mundo.

    64) A causa da humanidade tem ainda outro recurso. Caso a Gr-Bretanha se mostre surdae intransigente, deixem a Frana emancipar suas colnias e dissolver sua marinha sem

    8 A Sublime Porta era o ttulo dado ao Imprio Otomano.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    14/30

    170

    condies. A vantagem, mesmo nesse plano, seria imensa, o perigo nenhum. As colnias,

    como j mostrei, so uma fonte de despesa, no de rendaum fardo para o povo, no um

    alvio. Esse parece ser o caso, mesmo com base naquelas despesas que parecem, primeira

    vista, pertencer s colnias e que so as nicas que foram consideradas at agora no seu

    clculo. Porm, na verdade toda a despesa com a marinha pertence tambm a esse clculo e

    a nenhum outro. Que outra destinao ela tem? Que outra ela pode ter? Nenhuma.Eliminem-se as colnias e que uso teria uma nica embarcao, alm das poucas

    necessrias no Mediterrneo para refrear os piratas?

    65) Em caso de guerra, onde que, atualmente (1789), a Inglaterra lanaria seu primeiro e

    nico ataque contra a Frana? Nas colnias. Que sucesso ela almejaria com esse ataque?

    Nada alm de privar a Frana de suas colnias. Se essas colnias esses pomos da

    discrdia no fossem mais suas, o que poderia fazer a Inglaterra? O que poderia ela

    desejar fazer?

    66) Ainda restaria o territrio da Frana. Com que intuito poderia a Gr-Bretanha lanar

    qualquer forma de ataque sobre ele? No com o intuito de conquista permanente talloucura no pertence ao nosso tempo. Pode-se aventurar a afirmar que o prprio Parlamento

    no o desejaria (e isso no prestar-lhe nenhum cumprimento muito extraordinrio). No o

    desejaria, mesmo se pudesse ser realizado sem esforo de nossa parte, sem resistncia da

    outra. No o desejaria, mesmo se a prpria Frana o solicitasse. Nenhum parlamento

    concederia um centavo para tal proposta. Se o fizesse, um tal parlamento no duraria um

    ms. Nenhum rei emprestaria seu nome a um tal projeto. Ele seria destronado to

    certamente e merecidamente quanto Jaime segundo. Dizer eu serei rei da Frana seria

    dizer, em outras palavras, serei monarca absoluto na Inglaterra.

    67) Bem, ento, ningum sonharia com a conquista. Qual outro propsito poderia ter uma

    invaso? A pilhagem e destruio do pas. Tal baixeza totalmente repugnante, no apenas

    ao esprito da nao, mas ao esprito dos tempos. A malevolncia seria o nico motivo

    nem a voracidade o aconselharia. Muito antes que um exrcito pudesse chegar em qualquer

    lugar, tudo que pudesse ser pilhado seria levado embora. Tudo que pudesse ser carregado

    seria levado muito antes pelos seus donos do que por qualquer exrcito de saqueadores.

    Nenhuma expedio de pilhagem poderia se pagar*.

    68) Tal a extrema insensatez, a loucura da guerra: em nenhuma hiptese pode ela ser

    outra coisa que maligna, especialmente entre naes nas condies de Frana e Inglaterra.

    Embora a escolha dos eventos estivesse absolutamente sob seu comando, voc no poderia

    tirar proveito deles. Se mal-sucedido, voc poderia se desgraar e arruinar: se bem-sucedido, mesmo altura dos seus desejos, voc ainda sairia perdendo. Voc ainda sairia

    perdendo, mesmo que isso no lhe custasse nada. Pois nenhuma colnia implantada por

    voc, e menos ainda uma conquista realizada por voc, chegaria a pagar suas prprias

    despesas.

    69) As maiores aquisies que podem ser concebidas no devem ser desejadas, mesmo que

    pudessem ser alcanadas com a maior certeza e sem a menor despesa. Na guerra, temos a

    mesma probabilidade de no ganhar que de ganhar, e a mesma probabilidade de perder: no

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    15/30

    171

    podemos almejar uma, nem nos defendermos contra a outra, sem uma certa e enorme

    despesa.

    70) Observem bem o contraste. Todo comrcio vantajoso em sua essncia at para a

    parte para quem o menos. Toda guerra ruinosa em sua essncia, e ainda assim os

    grandes afazeres do governo so amealhar oportunidades de guerrear e pr estorvos aocomrcio.

    71) Pergunte a um ingls qual o grande obstculo a uma paz segura e slida e ele ter uma

    resposta pronta: a ambio, e acrescentar talvez a perfdia da Frana. Como eu

    gostaria que o principal obstculo para um plano com essa finalidade fossem as disposies

    e sentimentos da Frana! Se fosse s isso, o plano no precisaria esperar muito para ser

    adotado.

    72) Deste projeto visionrio, a parte mais visionria sem dvida a emancipao das

    dependncias9 distantes. O que dir um ingls quando vir dois ministros franceses* da mais

    alta reputao, ambos frente de seus respectivos ministrios, irmanando-se na opinio deque a realizao desse evento, e at a sua rpida realizao, inevitvel, e um deles no

    hesitando em declar-la eminentemente desejvel.

    73) Isso seria apenas trazer os acontecimentos de volta ao ponto em que estavam antes da

    descoberta da Amrica. Ento a Europa no possua colnias, nem guarnies distantes,

    nem exrcitos permanentes. No teria tido guerras se no fosse pelo sistema feudal, pela

    antipatia religiosa, pela fria da conquista e pelas incertezas da sucesso. Dessas quatro

    causas, a primeira est, felizmente, extinta em toda parte, a segunda e a terceira em quase

    toda parte, e em todo caso na Frana e na Inglaterra, e a ltima, se j no est extinta, pode

    s-lo com grande facilidade.

    74) Os sentimentos morais dos homens em termos de moralidade nacional ainda esto to

    longe da perfeio que, na escala de estima, a justia ainda no ganhou a primazia sobre a

    fora. No entanto, esse preconceito pode, de um certo ponto de vista, por acaso, ser mais

    favorvel a esta proposta do que o contrrio. A verdade e o objeto deste ensaio impelem-me

    a dizer aos meus compatriotas que cabe a eles comear a reforma, pois foram eles os

    maiores pecadores. Mas as mesmas consideraes tambm me levam a dizer-lhes que eles

    so a mais forte dentre as naes; embora a justia no esteja do seu lado, a fora est; e a

    sua fora que tem sido a principal causa da sua injustia. Se a medida da aprovao moral

    tivesse sido levada perfeio, tais posies estariam longe de ser populares, a prudncia

    teria aconselhado a mant-las longe dos olhos e a abrand-las tanto quanto possvel.

    75) Humilhao teria sido o efeito produzido por elas sobre aqueles para os quais elas

    parecessem verdadeiras, e indignao o efeito sobre aqueles para os quais elas parecessem

    falsas. Porm, como observei, os homens ainda no aprenderam a harmonizar seus

    sentimentos em unssono com a voz da moralidade nesses pontos. Eles sentem mais

    9Mais uma vez destaca-se que tal termo pode ser entendido como colnia, mas optou-se por esta traduo

    pelo fato do autor apresentar o termo colonies em outras partes do texto. Em outras palavras, pode haver

    alguma diferena sutil de sentido.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    16/30

    172

    orgulho em serem tidos como fortes do que ressentimento por serem chamados de injustos;ou melhor, a imputao de injustia parece mais lisonjeira que o contrrio, quando unida considerao da sua causa. Sinto-o em minha prpria experincia; mas se eu, apontadocomo sou como defensor confesso e at agora nico em meu prprio pas da causa da

    justia, fixar para a justia um valor menor do que devido, o que posso esperar do comum

    dos homens?

    76) Proposio XIII Que a manuteno de tal pacificao pode ser consideravelmentefacilitada pelo estabelecimento de uma corte judicial comum para a soluo das desavenasentre as diversas naes, embora tal corte no deva ser armada com nenhum podercoercitivo.

    77) uma observao de algum que nenhuma nao deve ceder a outra em qualquer pontoevidente de justia. Evidente, isto , aos olhos da nao que julga e evidente aos olhos danao obrigada a ceder. O que isso significa? Que nenhuma nao deve desistir de algo queconsidera direito seu nenhuma nao deve fazer concesses. Sempre que houver qualquer

    diferena de opinio entre os negociadores de duas naes, a guerra ser a conseqncia.

    78) Enquanto no houver tribunal comum, algo poder ser dito a seu favor. Ceder ainjustias patentes provoca novas injustias.

    79) Ao estabelecer um tribunal comum, a necessidade de guerra no decorre mais dadiferena de opinio. Justa ou injusta, a deciso dos rbitros salvar o crdito, a honra da

    parte litigante.

    80) O arranjo proposto poder ser intitulado com razo de visionrio quando for provadoque:

    1. ele do interesse das partes envolvidas;

    2. elas j esto cientes desse interesse;

    3. a situao na qual ele as colocaria no nova, nem diferente da situao original daqual elas partiram.

    81) Convenes difceis e complicadas foram firmadas; por exemplo, podemos mencionar:

    1. a neutralidade armada;2. a confederao dos Estados Unidos;3. a dieta10 alem;4. a liga sua.

    82) Por que a fraternidade europia no poderia subsistir, assim como a dieta alem e a ligasua? Estas no tm vises ambiciosas. Que seja; mas tambm no o caso daquela?

    10 Antigo nome dado Assemblia Alem. Sempre que aqui for utilizado o termo dieta ter o sentido deassemblia.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    17/30

    173

    83) Como podemos ento angariar a aprovao do povo e derrubar seus preconceitos?

    84) Um objeto principal do plano efetuar uma reduo importante nos tributos do povo. Omontante da reduo para cada nao deve ser estipulado no tratado. At mesmo antes da

    assinatura do mesmo, leis com tal finalidade podem ser preparadas em cada nao eapresentadas a todas as outras, prontas para serem promulgadas, assim que o tratado forratificado em cada Estado.

    85) Por esses meios, a massa do povo, a parte mais sujeita a ser perdida por preconceitos,to logo fosse notificada da medida, j sentiria o alvio que ela lhe traz. Eles veriam que elafoi calculada para sua vantagem e que no poderia ser calculada para nenhum outro

    propsito.

    86) O consenso de todos os poderes martimos, exceto a Inglaterra, numa ocasio anterior,provou dois pontos: a razoabilidade da medida e a fraqueza da Frana em comparao com

    a Inglaterra. Foi uma medida no de ambio, mas de justia uma lei feita em favor daigualdade uma lei feita em benefcio do fraco. Nenhum ponto escuso foi obtido, nemtentou-se obt-lo com isso. A Frana ficou satisfeita com isso. Por qu? Porque ela era maisfraca que a Gr-Bretanha. Ela nopoderia ter outro motivo; em nenhuma outra hiptese oconsenso poderia ter qualquer vantagem para ela. A Gr-Bretanha ficou aborrecida comisso. Por qu? Pela razo oposta: ela no poderia ter outra vantagem.

    87) , compatriotas! Purguem seus olhos da nvoa do preconceito, extirpem de seuscoraes as manchas negras da excessiva inveja, da falsa ambio, do egosmo e dainsolncia. Tais operaes podem ser dolorosas, mas as recompensas so verdadeiramentegloriosas! Assim como a principal dificuldade, tambm a principal honra ser sua.

    88) E se depois ocorrerem guerras? As economias imediatas no deixaro de ser um ganhoevidente.

    89) Embora a ambio injusta tenha tido, sem dvida, uma participao excessivamentegrande na gerao de disposio para a guerra, deve-se reconhecer que a inveja, a invejasincera e honesta, tambm teve uma participao no irrelevante. O vulgar preconceito,nutrido pela paixo, aponta o corao como a sede de todas as doenas morais das quaisreclama. Mas a sede principal e mais freqente realmente a cabea: por causa daignorncia e da fraqueza que os homens se desviam do caminho da retido, mais

    freqentemente que por causa do egosmo e da maldade. Tanto melhor, pois o poder dainformao e da razo sobre o erro e a ignorncia muito maior e mais seguro que o poderda exortao e de todos os modos da retrica sobre o egosmo e a maldade.

    90) porque no sabemos quais motivos fortes outras naes tm para serem justas, quaisindicaes fortes elas deram da sua disposio de s-lo e com que freqncia ns mesmosnos desviamos das regras da justia que presumimos, como uma verdade incontestvel, queos princpios da injustia esto de alguma maneira entrelaados na essncia mesma doscoraes dos outros homens.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    18/30

    174

    91) A desconfiana que faz parte do carter da nao inglesa pode ter sido uma causa dessa

    inveja. O pavor de ser iludida por outras naes, a idia de que as mentes estrangeiras so

    mais hbeis e, por outro lado, os coraes estrangeiros so menos honestos que os nossos,

    sempre foi uma de nossas fraquezas predominantes. Essa desconfiana tem talvez alguma

    relao com a mauvaise honte (maldita vergonha) que foi observada como um trao

    corrente do nosso comportamento e que faz do discurso pblico e da exibio pblica detodo tipo uma tarefa muito mais intimidadora para ns do que para outros povos.

    92) Essa desconfiana pode talvez ser parcialmente explicada pelo fato de vivermos menos

    em sociedade e de nos acostumarmos menos companhia diversificada do que as pessoas

    de outras naes.

    93) Contudo, a espcie peculiar de desconfiana em questo (o medo de ser iludido por

    potncias estrangeiras) deve referir-se em parte, e talvez principalmente, inveja e

    opinio desabonadora que temos de nossos ministros e homens pblicos. Temos inveja

    deles como nossos superiores, que brigam contra ns na luta perptua pelo poder;

    desconfiamos deles por serem nossos compatriotas e do mesmo molde que ns mesmos.

    94) A inveja o vcio das mentes estreitas a confiana, a virtude das mentes abertas. Para

    convencer-se de que a confiana entre naes no deriva da natureza quando elas possuem

    ministros de valor, preciso ler o relato da negociao entre De Wit e Temple, como feito

    por Hume. Digo por Hume porque, assim como preciso negociadores como De Wit e

    Temple para realizar essa negociao de tal maneira, assim tambm foi preciso um

    historiador como Hume para fazer jus a ela. Afinal, o historiador vulgar no conhece outra

    receita para escrever essa parte da histria alm de descobrir quais so os motivos mais vis

    e baixos capazes de explicar a conduta dos homens na situao em questo, e ento atribu-

    la a esses motivos sem cerimnia e sem prova.

    95) Temple e De Wit, cuja confiana recproca era to exemplar e to justa, eram dois dos

    mais sbios e mais honrados homens da Europa. A poca que produziu tal virtude foi, no

    entanto, a poca do pretenso compl papista e de milhares de outras monstruosidades que

    hoje no se pode evocar sem horror. Desde ento, o mundo teve mais de um sculo para

    melhorar em experincia, em reflexo e em virtude. Em todos os outros aspectos sua

    melhora foi imensa e inquestionvel. Ser demais esperar que a Frana e a Inglaterra

    produzam um Temple e um De Wit? Virtude to transcendente como a deles no seria

    necessria, mas homens que, em tempos mais felizes, possam realizar um trabalho como o

    seu com menor grau de virtude.

    96) Tal congresso ou dieta poderia ser constituda por meio do envio de dois deputados de

    cada potncia para o local de reunio; um deles seria o titular e o outro atuaria como

    substituto ocasional.

    97) As sesses de tal congresso ou dieta seriam totalmente pblicas.

    98) Seu poder consistiria:

    1. em relatar sua opinio;

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    19/30

    175

    2. em fazer com que essa opinio fosse divulgada nos domnios de cada Estado.

    99) Manifestos so de uso comum. Um manifesto destinado a ser lido pelos sditos doEstado ru, ou por outros Estados, ou ambas as coisas. um apelo a eles. Solicita a sua

    opinio. A diferena que, nesse caso, nenhuma prova dada, nenhuma opinio se fazconhecida regularmente.

    100) O exemplo da Sucia basta para mostrar a influncia que se pode esperar que tenhamos tratados, atos de naes, sobre os sditos de vrias naes, e quanto o recurso emquesto merece a qualificao de fraco, e a proposta de empreg-lo e de confiar nele, a deuma proposta visionria.

    101) A guerra iniciada pelo rei da Sucia contra a Rssia foi considerada ofensiva pelosseus sditos, ou ao menos por uma parte considervel deles, e portanto contrria constituio estabelecida por ele com o consentimento dos Estados. Conseqentemente,

    uma parte considervel do exrcito ou renegou suas comisses ou recusou-se a agir, e aconseqncia foi que o rei foi obrigado a ordenar a retirada militar da fronteira russa econvocar uma dieta.

    102) Isso aconteceu sob um governo que se presume freqentemente, embora noverdadeiramente, ter passado de uma monarquia limitada, ou aristocracia, para umamonarquia desptica. No houve um ato de qualquer tribunal reconhecido e respeitado paraguiar e fixar a opinio do povo. O nico documento que eles tinham para basear seu

    julgamento era um manifesto do inimigo, lavrado nos termos que o ressentimentonaturalmente dita, e portanto no dos mais conciliadores um documento que no eradestinado a ser divulgado e cuja circulao, podemos estar bem seguros, foi impedida tantoquanto estava no poder da mxima vigilncia do governo impedi-la.

    103) Depois de certo tempo, colocar o Estado refratrio sob sano da Europa.

    104) Talvez no haja mal nenhum em regular, como ltimo recurso, o contingente a serfornecido pelos diversos Estados para aplicar os decretos da corte. Mas a necessidade doemprego desse recurso seria, com toda probabilidade humana, suplantada para sempre casose recorresse a um meio muito mais simples e menos incmodo, que introduzir noinstrumento pelo qual tal corte foi instituda uma clusula que garanta a liberdade deimprensa em todos os Estados, de forma que a dieta no encontre obstculos em dar, em

    cada Estado, aos seus decretos e a todo documento que ela julgue apropriado sancionar comsua assinatura, a circulao mais extensa e ilimitada.

    105) Proposio XIV Que o sigilo do ministrio de negcios estrangeiros no deve sertolerado na Inglaterra, por ser totalmente intil e igualmente repugnante aos interesses daliberdade e da paz.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    20/30

    176

    106) No me encarregarei de contestar a existncia da regra que lana um vu de sigilosobre as transaes do gabinete11 com potncias estrangeiras. Minha objeo relativa convenincia dessa regra.

    107) Ao ser indagado na Cmara dos Lordes por Lorde Stormont* acerca de artigos

    secretos, o ministro de negcios estrangeiros recusou-se a responder. No o culpo. Parecehaver consenso que as regras subsistentes probem resposta. Elas lanam um vu geral desigilo sobre as transaes do gabinete com potncias estrangeiras. No culpo nenhumhomem pela falha das leis. So essas leis que eu culpo como repugnantes ao esprito daconstituio e incompatveis com o bom governo.

    108) Assumo de uma s vez a postura mais ousada e mais ampla apresento duasproposies:

    1. Que em nenhuma negociao e em nenhum perodo de qualquer negociao asnegociaes do gabinete deste pas sejam mantidas em segredo do pblico em geral, e

    muito menos do Parlamento e depois de questionamento feito no Parlamento.

    2. Que, acontea o que acontecer com as negociaes preliminares, tal sigilo nuncaseja mantido com respeito a tratados efetivamente concludos.

    109) Em ambos os casos, para um pas como este, tal sigilo to prejudicial quantodesnecessrio.

    110) prejudicial. Sobre as medidas das quais voc no tem conhecimento, voc no podeexercer controle. Voc no pode obstar medidas executadas sem o seu conhecimento pormais ruinosas que sejam para voc e por mais fortemente que voc as desaprovaria sesoubesse delas. Das negociaes com potncias estrangeiras realizadas em tempo de paz, os

    principais resultados so tratados de aliana, ofensivos ou defensivos, ou tratados decomrcio. Entretanto, por um acidente qualquer, tudo pode levar guerra.

    111) Que em novos tratados de comrcio no pode existir causa de sigilo uma proposioque pode dificilmente ser contestada. Mas tais negociaes, como todas as outras, podemacabar levando guerra, e tudo que relacionado guerra, dir-se-, pode vir a requerersigilo.

    112) Porm, regras que admitem que um ministro mergulhe a nao numa guerra contra a

    vontade dela so essencialmente danosas e inconstitucionais.113) Admite-se que os ministros no devem ter poder para impor impostos nao contra avontade dela. Admite-se que eles no devem ter poder para manter tropas contra a vontadeda nao. Contudo, ao mergulhar a nao numa guerra sem seu conhecimento eles fazemambas as coisas.

    11 Note-se que gabinete (cabinetem ingls) pode ter o sentido de conselho de ministros que aqui se acreditapossuir. Contudo, optou-se por preservar o termo mais prximo do original. Assim, todas as vezes que estetermo aparecer, deve-se ter isto em mente.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    21/30

    177

    114) O Parlamento pode recusar-se a levar adiante uma guerra depois de iniciada. O

    Parlamento pode destituir e punir o ministro que levou a nao guerra.

    115) Tristes remdios esses; adicione-os e sua eficcia no vale um tosto. Estancar o mal e

    punir os autores so tristes consolos para o mal da guerra e de nenhum valor comoremdios comparados preveno. A guerra agressiva uma questo de escolha; a

    defensiva, de necessidade. A recusa dos meios de continuar uma guerra o remdio mais

    precrio, um remdio s no nome. Ora, quando o inimigo est sua porta, voc recusa os

    materiais para barr-lo?

    116) Antes da agresso, a existncia ou no de guerra depende do agressor; uma vez

    comeada, a parte agredida adquire um voto: ela tem sua negativa sobre cada plano para

    terminar a guerra. O que deve ser feito? Entregar-se sem resistncia merc de um inimigo

    exasperado com razo? Isso ou a continuao da guerra a nica escolha que resta. Em que

    estado de coisas esse remdio pode ter valia? Se voc for mal-sucedido, o remdio ser

    inaplicvel. Se voc for bem-sucedido, ningum o pedir.

    117) Punio para os autores da guerra, qualquer punio que seja para os adversrios

    pessoais dos ministros no satisfazem uma nao. Isso auto-evidente; mas o que mais

    prximo do propsito e no menos verdadeiro que, num caso como esse, o medo da

    punio por essa causa no obstculo para eles. Eles esto de posse da maioria no

    Parlamento, de outra forma no seriam ministros. Que possam ser abandonados por essa

    maioria no est no catlogo de eventos que pode ser considerado possvel. Porm, entre

    abandon-los e puni-los h uma vasta diferena. Lorde North foi abandonado na guerra dos

    Estados Unidos, mas no foi punido por isso. Seu erro de julgamento foi honesto,

    imaculado por qualquer prtica de m f e apoiado por uma boa maioria no Parlamento. E

    assim pode ser qualquer outra guerra no poltica e injusta. Nossa poca no de punir. Se

    aceitao de suborno, opresso, peculato, fraude, traio e todo crime que pode ser

    cometido por estadistas pecando contra a conscincia no produzem o desejo de punir, que

    confiana pode ser depositada na punio nos casos em que o mal pode acontecer to

    facilmente sem qualquer base para a punio? A humanidade ainda no chegou a esse

    estgio no curso da civilizao. As naes estrangeiras ainda no so consideradas objetos

    suscetveis de dano. Temos menos sentimentos pelos cidados de outras naes civilizadas

    que pelos nossos escravos. H alguns casos em que ministros foram punidos por fazer a

    paz*, mas no h nenhum em que eles foram sequer questionados por levar a nao

    guerra. E se alguma punio tivesse sido aplicada em tal ocasio, no teria sido pelo mal

    ocasionado nao estrangeira, mas unicamente pelo mal infligido sua prpria; no pelainjustia, mas apenas pela imprudncia.

    118) Nunca foi formulada uma regra de que se deve ter qualquer considerao pelas naes

    estrangeiras; nunca se estipulou que se deve ater-se a algo que d uma vantagem nas

    tratativas com naes estrangeiras. Em que base poderia um ministro ser punido por uma

    guerra, mesmo a mais mal-sucedida, deflagrada por tais meios? Fiz o melhor para servir-

    lhes, diria ele; quanto pior a medida para a nao estrangeira, mais aumentava meu

    encargo, portanto mais zelo demonstrei pela sua causa; mas as circunstncias mostraram-se

    desfavorveis. Devem o zelo e o infortnio serem erigidos em crimes?

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    22/30

    178

    119) Uma guerra injusta da parte de nossa prpria nao, por cujos ministros ela

    deflagrada, nunca pode ser deflagrada exceto com vistas a alguma vantagem que seria do

    nosso interesse perseguir12, no fosse pela injustia com respeito nao estrangeira. Como

    a injustia e o perigo da retaliao so considerados nulos por todos, a alegao do ministro

    seria sempre a seguinte: era o seu interesse que eu estava buscando. E a parte noinformada e irrefletida da nao, ou seja, a grande massa da nao, responder-lhe-ia: sim,

    era nosso interesse que voc estava preservando. A voz da nao nesses assuntos s pode

    ser procurada nos jornais. Mas nesses assuntos a linguagem de todos os jornais uniforme:

    Somos sempre ns que estamos certos, sem possibilidade de que seja de outra forma.

    Contra ns as outras naes no tm direitos. Se, de acordo com as regras do julgar entre

    indivduo e indivduo, estamos certos estamos certos pelas regras da justia; seno,

    estamos certos pelas leis do patriotismo, que uma virtude mais respeitvel que a justia.

    Injustia, opresso, fraude, mentira, qualquer ato criminoso, qualquer hbito vicioso se

    manifestado na busca dos interesses individuais, sublimado em virtude quando

    manifestado na busca dos interesses nacionais. Pea a qualquer homem que j leu ou ouviu

    um jornal ingls que declare se este no o teor constante das idias que eles comunicam.Neste ponto especfico, o partido no faz diferena. Por mais hostis que sejam entre si em

    todos os outros pontos, neste eles s tm uma nica voz, s escrevem com a maior

    harmonia. Tais so as opinies, e a essas opinies os fatos so adaptados, como no poderia

    ser diferente. Quem se envergonharia de distorcer, quando a distoro uma virtude?

    120) Porm, se a voz dos jornais representa apenas uma pequena parte da voz do povo, as

    informaes que eles do sobre esses assuntos representam a totalidade das informaes

    que o povo recebe.

    121) Sendo assim a propenso nacional ao erro nesses pontos, e para o erro no pior lado, o

    perigo da punio do Parlamento por m conduta desse tipo deve parecer equivalente a

    quase nada, mesmo aos olhos de um espectador imparcial e indiferente. O que deve ele

    parecer, ento, aos olhos dos prprios ministros, que agem sob a seduo da prpria

    parcialidade e so impelidos pelo fluxo dos negcios? No, a justificativa que um ministro

    apresentar a si mesmo em tais ocasies ser invariavelmente esta: Em primeiro lugar, o

    que estou fazendo no errado; em segundo lugar, se fosse, eu no teria nada a temer.

    122) Portanto, no atual sistema sigiloso, os ministros tm todos os estmulos para lev-los

    m conduta, mas no tm nenhum obstculo para afast-los dela. E que espcie de m

    conduta? Aquela em comparao com a qual todas as outras so apenas pecadilhos. Deixe

    um ministro desperdiar 30.000 ou 40.000 libras em penses para seus apadrinhados.Deixe-o desviar algumas centenas de milhares para si prprio. O que isso diante de 50 ou

    100 milhes, o custo comum de uma guerra? Observe a conseqncia. Esse , dentre todos

    os outros, o ministrio no qual os obstculos mais slidos so necessrios; ao mesmo

    tempo, graas s regras de sigilo em todos os ministrios, este o nico no qual no h

    obstculo nenhum. Digo, ento, que a concluso est demonstrada. O princpio que lana

    um vu de sigilo sobre os procedimentos do ministrio de negcios estrangeiros do

    12Isso uma ironia de Bentham, porque o autor est, justamente, tentado demonstrar que a guerra no de

    interesse de nenhuma nao.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    23/30

    179

    gabinete pernicioso no mais alto grau, eivado de males superiores a tudo que a mais

    perfeita falta de qualquer dissimulao poderia produzir.

    123) Ainda resta um tipo de noo no explcita que pode apresentar-se como fonte secreta

    de um argumento para o outro lado. A condio da nao britnica tal que a paz e a guerra

    sempre podem ser consideradas, com toda probabilidade humana, em boa medida ao seualcance. Quando o pior acontece, a paz sempre pode ser obtida por meio de algum

    sacrifcio no essencial. Admito a fora do argumento: o que sustento que ele opera em

    meu favor. Por qu? Ele depende de duas proposies: a incomparvel fora deste pas e a

    inutilidade das suas dependncias estrangeiras. Admito ambas as coisas. Mas ambas

    operam como argumentos em meu favor. Sua fora coloca-o acima do perigo da surpresa e

    acima da necessidade de recorrer a ela para defender-se. A inutilidade de suas dependncias

    estrangeiras prova a fortiori a inutilidade de travar guerras pela sua proteo e defesa. Se

    elas no podem ser mantidas sem guerra, vale muito menos a pena mant-las s custas de

    guerra. A inutilidade de um gabinete secreto demonstrada por este curto dilema: para

    medidas ofensivas, o sigilo do gabinete nunca ser necessrio para esta nao; para a

    defesa, ele nunca ser necessrio para qualquer nao.

    124) Minha convico que no h nenhum Estado no qual as inconvenincias capazes de

    decorrer da publicidade nesse ministrio no seriam grandemente superadas pelas

    vantagens; quer o Estado seja muito grande ou muito pequeno, quer muito forte ou muito

    fraco, quer a sua forma de governo seja pura ou mista, simples ou confederada,

    monrquica, aristocrtica ou democrtica. As observaes j fornecidas parecem, em todos

    esses casos, suficientes para garantir a concluso.

    125) Porm, numa nao como a Gr-Bretanha, a segurana da publicidade, a inutilidade

    do sigilo em todos esses negcios baseiam-se em fundamentos peculiares. Mais forte que

    quaisquer naes emparelhadas, muito mais forte, claro, do que qualquer uma isolada, sua

    superioridade a destitui de toda pretensa necessidade de provar argumentos por meio de

    surpresa. A surpresa clandestina o recurso da patifaria e do medo, da ambio injusta

    combinada com a fraqueza. Seu poder incomparvel isenta-a desta ltima; seu interesse,

    caso seus funcionrios possam ser convencidos a agir segundo seus interesses evidentes,

    proibiria a primeira.

    126) Tomando o interesse do primeiro funcionrio do Estado como distinto e oposto ao da

    nao, a clandestinidade pode indubitavelmente ser, em certos casos, favorvel aos projetos

    de ladres e assaltantes dotados de autoridade. Sem tomar as precaues de um ladro,

    Frederico o Grande provavelmente no teria tido sucesso na empreitada de roubar a Silsiado seu soberano legtimo. Sem uma vantagem desse tipo, a gangue trplice talvez no

    tivesse achado to fcil conservar o que roubaram da Polnia. Se podem ou no existir

    ocasies nas quais, desse ponto de vista, poderia ser do interesse do rei da Gr-Bretanha

    tornar-se um salteador, uma questo que deixarei de lado; mas uma proposio qual no

    me furtarei que nunca pode ser do interesse da nao incit-lo a faz-lo. Quando aquelas

    autoridades pecadoras venderam-se a servio do vil metal, elas no o serviram por nada; o

    butim foi todo seu. Mas se ns (falo como um membro do corpo da nao) ajudssemos

    nosso rei a cometer um roubo contra a Frana, o butim seria s seu. A ele caberia dar nome

    aos novos lugares, que o nico valor que, nas mos de um ladro britnico, esse butim

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    24/30

    180

    pode ter para qualquer um. O privilgio de pagar pelo cavalo e pistolas a nica coisa que

    nos caberia. O butim seria empregado em corromper nossos funcionrios confidenciais e

    esse o montante completo e exato do que ganharamos com isso.

    127) As conquistas feitas pelos neozelandeses fazem algum sentido: enquanto os

    conquistados fritam, os conquistadores engordam. As conquistas feitas pelas naes polidasda Antiguidadeconquistas feitas pelos gregos e romanosfaziam algum sentido. Terras,

    bens mveis, habitantes, tudo era encampado. As invases da Frana no tempo dos

    Eduardos e Henriques tinham um objetivo racional. Prisioneiros eram tomados e o pas era

    esfolado para pagar seu resgate. O resgate de um nico prisioneiro, o Duque de Orlees,

    excedeu em um tero a receita nacional da Inglaterra.

    128) As conquistas feitas por um dspota moderno do continente ainda fazem algum

    sentido. Como a nova propriedade contgua, ela anexada sua propriedade anterior; os

    habitantes, tantos quanto ele julgar conveniente marcar com sua insgnia, vo aumentar

    seus exrcitos; seus recursos, tantos quanto ele julgar conveniente arrancar deles, vo para a

    sua bolsa.

    129) As conquistas feitas pela nao britnica seriam violaes do senso comum, se no

    houvesse uma coisa chamada justia. Elas so imitaes malfeitas de pfios originais,

    privadas das circunstncias essenciais. Nada alm da cegueira e estupidez comprovadas

    pode nos instigar a continuar imitando Alexandre e Csar, os neozelandeses, Catarina e

    Frederico sem proveito.

    130) Se for unicamente o rei que obtm designao para os lugares, pode-se dizer que

    uma parte da nao que obtm o benefcio de ocup-los. Que bela loteria! Cinqenta ou

    cem milhes o preo dos bilhetes. A aquisio por uns tantos anos de dez ou vinte mil por

    ano o valor dos prmios. Isso se o plano for bem-sucedido, mas e se falhar?

    131) No digo que no exista quem compartilhe a pilhagem: impossvel que o chefe de

    uma gangue ponha o total da pilhagem no seu prprio bolso. Tudo que afirmo que o

    roubo por atacado no to lucrativo quanto no varejo: se a gangue toda bater a carteira de

    estranhos numa determinada quantidade, os lderes batero a carteira do restante numa

    quantidade muito maior. Devo ou no ter xito em persuadir meus compatriotas de que no

    do seu interesse serem ladres?

    132) Oh, mas voc est errado!, brada algum, agora no fazemos guerra por

    conquistas, mas por comrcio. Ainda mais tolo. um negcio ainda pior que o anterior.Nem que voc conquistasse o mundo todo, seria impossvel aumentar seu comrcio umcentavo; seria impossvel que voc fizesse outra coisa seno diminu-lo. Quer conquiste

    pouco ou muito, voc paga por isso atravs de impostos. Mas aquilo que um mercador paga

    em impostos aquilo que ele impossibilitado de adicionar ao capital que ele emprega no

    comrcio. Mesmo que voc tivesse dois mundos para comerciar com voc, voc s poderia

    comerciar com eles na medida do seu capital e do crdito que voc poderia obter em virtude

    dele. Como isso vale para cada comerciante, vale tambm para todos os comerciantes. Ache

    uma falcia neste curto argumento se puder. Mesmo se voc obtivesse seu novo direito de

    comerciar a troco de nada, voc no ficaria um centavo mais rico. Se voc pagasse por ele

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    25/30

    181

    com guerra ou preparativos para guerra, aquilo que voc pagou por isso seria a perda quevoc teria.

    133) O bom povo da Inglaterra, junto com o direito de autogoverno, conquistou umprodigioso direito de comrcio. A revoluo trouxe para ele no apenas as bnos da

    segurana e do poder, mas tambm imensa e repentina riqueza. Ano passou aps ano e,para seu espanto infinito, o progresso da riqueza deixou de avanar to rpido quanto antes.Falta um aspecto da boa fortuna no qual eles nunca pensaram: que, no dia em que suasamarras fossem rompidas, alguma slfide bondosa poria alguns milhares de libras no bolsode cada homem. No existe nenhuma lei que me proba de voar at a Lua. No entanto, no

    posso chegar l. Por qu? Porque no tenho asas. Tanto quanto as asas so para voar, ocapital para comerciar.

    134) H duas maneiras de fazer guerra por comrcio forar naes independentes a deixarvoc comerciar com elas e conquistar naes, ou partes de naes, para for-las acomerciar com voc. O primeiro estratagema aparentemente mais fcil, e sua poltica

    mais refinada. O segundo mais no bom e velho estilo, e o rei cuida do seu prprio negcioe do da nao ao mesmo tempo. Ele fica com a nomeao dos lugares e a nao no temescolha seno segui-lo, assegurada de que tudo isso para obter o comrcio para eles. Oslugares de que esse bom homem toma posse so fruto meramente da necessidade, e paraque eles no precisem mendigar; no que depende dele, ele no ter mais apego por eles doque um bispo recm-investido pela mitra ou um orador recm-investido pela ctedra.Ambos esses planos de guerra contribuem igualmente para o aumento do comrcio. O quevoc obtm em ambos os casos o prazer da guerra.

    135) O direito legal de comerciar com parte da Amrica foi conquistado pela Frana daGr-Bretanha na ltima guerra. O que eles ganharam com essa conquista? Eles obtiveramTobago, a bancarrota e a revoluo para seus cinqenta milhes13. Os ministros, que paraexplicar a bancarrota foram forados a dizer algo sobre a guerra, chamaram-na de nacional:o rei no ganhou nada com ela, mas a nao sim. O que ela ganhou? Um excelentecomrcio, se houvesse capital para realiz-lo. Com tamanha oportunidade para isso, por queno h mais comrcio? isso que mercadores e manufatores esto se torturando paraentender. A slfide to necessria alhures era ainda mais necessria na Frana, j que, acimae alm do seu outro trabalho, havia os cinqenta milhes gastos em plvora e chumbo pararepor.

    136) O rei da Frana, entretanto, por obter Tobago, obteve provavelmente duas ou trs mil

    libras em lugares para doar. Isso o que ele obteve e s isso o que todos obtiveram peloscinqenta milhes da nao. Prossigamos como comeamos, lancemos um ataque ousado,tomemos todas as suas embarcaes das quais podemos apossar-nos sem declarao deguerra, e quem sabe o que poderemos obter em retorno. Com a vantagem que temos agorasobre eles, cinco vezes o sucesso com que eles esto to satisfeitos seria apenas umaexpectativa moderada. Para cada cinqenta milhes gastos dessa forma, nosso rei obteriaem lugares a quantia, no de duas ou trs mil libras somente, mas, digamos, de dez, quinzeou vinte mil libras. Tudo isso seria uma glria prodigiosa e timos pargrafos e discursos,

    13 Cinqenta milhes so referidos ao montante gasto na conquista de Tobago.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    26/30

    182

    aes de graas e odes de parabns poderiam ser cantados e ditos nessa ocasio mas, para

    a economia, eu preferiria muito mais dar ao rei novos lugares pela mesma quantia em casa

    se, por esse preo, seus ministros nos vendessem a paz.

    137) A concluso que, como no temos nada a temer de nenhuma outra nao ou naes,

    nem queremos nada de outras naes, no podemos ter nada a dizer a outras naes, nem aouvir delas, que no possa ser to pblico como qualquer lei. O que ento o vu do sigilo

    que envolve os procedimentos do gabinete? Um mero manto para a maldade e insensatez,

    uma dispensa para poupar aos ministros o trabalho de pensar, uma garantia para pregar todo

    tipo de peas loucas e tolas sem ser visto nem controlado, uma licena para arriscar seus

    semelhantes no exterior, jogando nossas vidas e fortunas na mesma aposta.

    138) O que ento o verdadeiro uso e efeito do sigilo? Que as prerrogativas de lugar

    possam fornecer sustento para a vaidade mesquinha, que os membros da circulao possam

    ter como se fosse um jornal para si prprios, que (sob o favor do monoplio) a ignorncia e

    a incapacidade possam dar-se ares de sabedoria, que um homem, incapaz de escrever ou

    falar o que adequado para ser publicado num jornal, possa empinar o nariz e dizer noleio jornais (como se um pai pudesse dizer no me preocupo com professores) e que um

    ministro, a salvo do escrutnio naquela regio, possa ter a oportunidade conveniente,

    quando necessrio, de preencher os cargos com tteres obsequiosos ao invs de homens

    verdadeiros; qualquer coisa serve para criar um ministro cujos escritos possam ser feitos

    por outrem e cujo dever de falar consista no silncio.

    139) Deve-se admitir o seguinte: mesmo se o sigilo contra a nao intil e pernicioso para

    ela, ele no intil e pernicioso com respeito aos seus funcionrios. Ele faz parte das

    benesses do ofcio uma prerrogativa que ser avaliada proporcionalmente

    insignificncia de seus caracteres e estreiteza de suas vises. Ele serve para paparic-los

    com a idia de sua prpria importncia e para ensinar os servidores do povo a olhar com

    desprezo para os seus senhores.

    140) Oh! Mas se tudo que fosse escrito fosse passvel de ser tornado pblico, se fosse

    publicado, quem trataria com voc no exterior? Exatamente as mesmas pessoas que tratam

    com voc atualmente. As negociaes, por medo de mal-entendidos, seriam talvez

    realizadas mais por escrito do que atualmentee onde estaria o mal? O rei e seus ministros

    poderiam no receber tais relatos abundantes, sejam verdadeiros ou falsos, dos mexericos

    de cada corte, ou deveriam pr em mos diferentes os mexericos e os negcios srios.

    Suponha que seus criados-chefes no estivessem to minuciosamente familiarizados com as

    amantes e os bufes dos reis e seus ministros o que importa isso para voc como umanao que no tem intrigas a fazer, nem assuntos mesquinhos a conjurar?

    141) Seria uma tarefa infindvel preencher mais pginas com as sombras que poderiam ser

    invocadas para depois serem dissipadas. Deixo essa tarefa a quem quiser empreend-la.

    Desafio os homens de partido e convido os amantes imparciais de seu pas e a

    humanidade a discutir a questo a revirar os armazns da histria e da imaginao em

    busca de casos reais ou possveis nos quais se possa mostrar que a falta de sigilo, nesse

    setor de atividade, foi seguida de qualquer prejuzo substancial.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    27/30

    183

    142) Quanto constituio, como a questo do sigilo do gabinete nunca foi julgada

    segundo os princpios da constituio, ela nunca recebeu uma deciso. Permitiu-se que os

    velhos e bons princpios dos Tudors e Stuarts permanecessem inquestionveis nesse

    aspecto. A poltica externa questo de Estado. Sob Elizabeth e Jaime, nada podia ser

    investigado, nada podia ser conhecido, tudo era assunto de Estado. Em outros aspectos o

    vu foi rasgado, mas quanto a esses houve uma espcie de entendimento tcito entre osministros e o povo.

    143) At agora a guerra foi a paixo nacional: a paz sempre veio muito brevemente, a

    guerra muito demoradamente. Atar as mos dos ministros e torn-los permanentemente

    responsveis seria priv-los de inmeras ocasies de agarrar aquelas vantagens felizes que

    levam guerra; seria diminuir a oportunidade do povo de ter sua diverso favorita. Nesses

    ltimos cem anos, os ministros, a bem da verdade, foram geralmente mais relutantes que o

    povo o grande objetivo foi mais for-los guerra que mant-los fora dela. Walpole e

    Newcastle foram ambos forados guerra.

    144) No cabe dvida que, se somos realmente a favor da guerra e afeioados a ela poraquilo que ela , no podemos fazer nada melhor que deixar as coisas continuarem como

    esto. Se julgamos a paz melhor do que a guerra, igualmente certo que nunca cedo

    demais para abolir a lei do sigilo.

    145) A confuso geral de idias tamanha tamanho o poder da imaginao, tamanha a

    fora do preconceito que eu verdadeiramente acredito que tal convico no incomum.

    H muitos cavalheiros de valor, muito certos de suas idias, que consideram a guerra, se

    bem-sucedida, como causa de opulncia e prosperidade. Com a mesma certeza eles

    poderiam considerar a perda de uma perna como causa de agilidade.

    146) Bem, se no for causa direta de opulncia, indireta; do sucesso da guerra vem, dizem

    eles, nossa prosperidade, nossa grandeza; da o respeito que tem por ns as potncias

    estrangeiras, da a nossa segurana; e quem no sabe quo necessria a segurana para a

    opulncia?

    147) No; a guerra , nesse sentido, to desfavorvel opulncia quanto no outro. No modo

    atual de fazer guerra um modo do qual nenhum homem tem poder para desviar-se a

    segurana proporcional opulncia. Portanto, no mesmo grau em que a guerra , em seus

    efeitos diretos, desfavorvel opulncia, ela tambm desfavorvel segurana.

    148) Respeito um termo que vou pedir permisso para abandonar. O respeito um mistode medo e apreo, mas, para constituir a estima, a fora no o instrumento, mas a justia.

    O sentimento ao qual realmente se recorre para a segurana o medo. Logo, respeito quer

    dizer, na linguagem corrente, medo. Mas, num caso como esse, o medo muito mais

    adverso que favorvel segurana. Todos que temem voc juntam-se contra voc at

    pensar que so fortes demais para voc, e ento j no o temem mais. Entrementes, todos

    eles odeiam voc e, juntamente e separadamente, fazem tanto mal a voc quanto podem.

    Voc, por sua vez, no fica atrs. Consciente ou no consciente de suas prprias ms

    intenes, voc suspeita que as deles so ainda piores. A idia que eles tm das suas

    intenes a mesma. Medidas de mera auto-defesa so naturalmente tomadas como

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    28/30

    184

    projetos de agresso. As mesmas causas produzem, de ambos os lados, os mesmos efeitos;

    cada um precipita-se para comear por medo de ser ultrapassado. Nesse estado de coisas, se

    por acaso houver de algum lado um ministro ou um candidato a ministro com inclinao

    para a guerra, o pavio est aceso e a mecha pega fogo.

    149) Na escola, o garoto mais forte pode talvez estar mais seguro. Dois ou mais garotos noesto sempre de prontido para juntarem-se contra um. Porm, embora esse fato possa ser

    comprovado numa escola inglesa, ele no pode ser transplantado para o teatro da Europa.

    150) Oh! Mas se seus vizinhos tm realmente medo de voc, o seu medo til para voc de

    outra maneira: voc leva a melhor em todas as disputas. Os pontos que so mais duvidosos

    eles concedem a voc como evidentes. Preste ateno no momento e, volta e meia, voc

    pode ganhar pontos que no admitem dvida. Este apenas o antigo conjunto de falcias

    exibido numa forma mais obscura e que, unicamente por causa de sua obscuridade, pode

    mostrar-se como novo. A verdade que, como j foi mostrado, no h nao alguma que

    tenha qualquer ponto a ganhar em detrimento de qualquer outra. Entre os interesses das

    naes, no h em nenhuma parte qualquer conflito real; se eles mostram-se repugnantesem algum lugar, apenas na medida em que so mal compreendidos. O que so esses

    pontos? Que pontos so esses que, se voc pudesse escolher, voc desejaria ganh-los? Foi

    provado que preferncias comerciais no valem nada, que aquisies territoriais distantes

    valem menos que nada. Quando esses pontos esto fora de questo, existem outros pontos

    que valham a pena obter por tais meios?

    151) Opulncia a palavra que mencionei primeiro: mas opulncia no a palavra que

    seria escolhida primeiro. A repugnncia da conexo entre guerra e opulncia demasiado

    patente o termo opulncia traz mente uma idia simples demais, inteligvel demais,

    precisa demais. Esplendor, grandeza, glria, esses so termos mais apropriados ao

    propsito. Prove primeiro que a guerra contribui para o esplendor e a grandeza e voc

    poder convencer a si mesmo que ela contribui para a opulncia, porque quando voc pensa

    em esplendor voc pensa em opulncia. Mas esplendor, grandeza, glria, todas essas coisas

    excelentes podem ser produzidas por um sucesso intil, por uma extenso no lucrativa e

    debilitante do domnio obtido s custas da opulncia; e assim que voc pode conseguir

    provar a si mesmo que a maneira de fazer um homem correr mais rpido cortar uma de

    suas pernas. E bem verdade que um homem que teve uma perna cortada e o toco

    cicatrizado pode saltitar mais rpido do que um homem deitado na cama com ambas as

    pernas quebradas pode andar. E assim voc pode provar que a Gr-Bretanha est em

    melhor condio depois da despesa com uma guerra gloriosa do que se no tivesse havido

    guerra, pois a Frana, ou algum outro pas, foi deixado por ela em condio ainda pior.

    152) Com respeito, portanto, a qualquer benefcio a ser derivado na forma de conquista ou

    comrcio de opulncia ou respeito nenhuma vantagem pode ser colhida pelo emprego

    do sistema desnecessrio, do danoso e inconstitucional da clandestinidade e do sigilo na

    negociao.

    [*] Dois autores originais vieram antes de mim nesta linha, Dean Tucker e o dr. Anderson.

    O objetivo do primeiro era persuadir o mundo da inutilidade da guerra, e mais

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    29/30

    185

    particularmente da guerra em curso quando ele escreveu; o objetivo do segundo era mostrara inutilidade das colnias.

    [*] Razes para desistir de Gibraltar:

    1. A despesa do estabelecimento militar, isto , fortificaes, guarnies, intendncia,servio de recrutamento, mantimentos.2. Os meios de corrupo resultantes do preenchimento de cargos.3. Evitar o risco de guerra com a Espanha, para quem a posse do local uma perptua

    provocao.

    4. O preo que pode ser obtido da Espanha pela sua compra.5. Evitar a eventual despesa de defesa e aprovisionamento do local em caso de guerra.6. Sua posse intil. dita til apenas por causa do comrcio com o Oriente, mas: 1.

    Poderamos realizar esse comrcio igualmente bem sem Gibraltar. 2. Se nopudssemos, no sofreramos perda alguma. O capital empregado nesse comrcio seriaigualmente produtivo se empregado em qualquer outro. 3. Supondo que esse seja o mais

    produtivo de todos os comrcios, mesmo assim o que perderamos ao perder Gibraltarseria igual apenas diferena entre a porcentagem ganha nesse comrcio e a

    porcentagem ganha no segundo comrcio mais produtivo. 4. Afinal, ainda poderamosfazer como os suecos, dinamarqueses, holandeses e outros, e tal como fazamos antes deter a posse de Gibraltar.

    Razes para desistir das ndias Orientais:

    1. Evitar o risco de guerra.2. Livrarmo-nos dos meios de corrupo resultantes do preenchimento de cargos civis

    e militares.

    3. Simplificar o governo4. Livrarmo-nos de inquritos que consomem o tempo do Parlamento e geram suspeita

    de injustia.5. Prevenir a corrupo da moral dos nativos pelo exemplo de uma bem-sucedida

    rapacidade.

    [] na proporo em que vemos as coisas em que elas so trazidas ao alcance de nossaateno e observao que nos importamos com elas. Um ministro que no mataria umhomem com suas prprias mos no se importa em causar a morte de mirades pelas mosde outros distncia.

    Jeremy Bentham

  • 8/2/2019 BENTHAM, J. Um plano para uma paz universal e perptua

    30/30

    186

    [*] Todos os incentivos para ramos particulares do comrcio fazem mais mal do que bem.

    [] Precedentes: 1. A conveno de desarmamento entre a Frana e a Gr -Bretanha de 1787

    ( um precedente da prpria medida ou estipulao); 2. Cdigo de neutralidade armada (

    um precedente do modo de criar a medida e pode servir para refutar a impossibilidade de

    uma conveno geral entre naes); 3. Um tratado que proibiu a fortificao deDunquerque.

    [*] Isto traz lembrana as conquistas da guerra de 1755 a 1763. A luta entre preconceito e

    humanidade surtiu na conduta um resultado verdadeiramente ridculo. O preconceito

    prescreveu um ataque contra o inimigo em seu prprio territrio, a humanidade proibiu que

    se lhe fizesse qualquer mal. No apenas nada se ganhou com essas expedies, mas o mal

    feito ao pas invadido no foi nem um pouco igual despesa com a invaso. Quando um

    japons rasga suas prprias entranhas, ele tem certeza que o inimigo seguir seu exemplo.

    Porm, nesse exemplo, o ingls rasgou suas prprias entranhas para que o francs pudesse

    sofrer um arranho. Por que foi feita essa absurdidade? Porque estvamos em guerra, e

    quando naes esto em guerra algo precisa ser feito, ou pelo menos parecer ser feito, e nohavia nada mais a ser feito. A Frana j estava despojada de todas as suas dependncias

    distantes.

    [*] Turgot e Vergennes.

    [*] 22 de maio de 1789.

    [] Cabe ao outro lado, pelo menos, apresentar um caso no qual a falta de sigilo pode

    produzir um mal especfico.

    [*] A sorte do ltimo ministrio da rainha Anne pode ser relacionado em algum grau a esta

    causa, e devido s circunstncias particulares de sua condutas eles talvez o tenham

    merecido. (Ver o relatrio do comit secreto da Cmara dos Comuns do ano de 1715.) O

    grande crime do Conde de Bute foi fazer a paz. O Conde de Shelburne foi obrigado a

    renunciar por ter feito a paz. O grande crime de Sir R. Walpole foi manter a paz. A nao

    estava ficando cansada da paz. Walpole foi criticado por ter proposto meio milho em

    pagamento ao servio secreto. Seus erros foram retificados, a guerra foi feita e, em um ano,

    foi gasto com a guerra quatro vezes o que ele havia gasto nos dez anos anteriores.

    Ensaio IV: um plano para uma paz universal e perptua