Benjamin, A Obra de Arte

download Benjamin, A Obra de Arte

of 19

Transcript of Benjamin, A Obra de Arte

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    1/19

    ,IIIIIl

    Walter Benjamin

    A MODERNIDADE

    edifiio e tradufiio deJ OAO BARRENTO

    , .

    U n iv e rS l da d e d e C o im b r aF a cu ld a de d e L e tr as

    IIII~IIIIII~I317696229AssfRIO & ALVIM

    ,2.,006

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    2/19

    A OBRA DE ARTE NA BPOCA DA SUA POSSIBILIDADEDE REPRODU

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    3/19

    208 Walter Benjamin Esret ica e Sociologia da Arte 209

    S6 ho je e possivel afe rir a forma como isso aconteceu. Essa afe ricao colo-ca determinadas exigencias de progn6stico. Mas a essas exigencies corres-pondem menos teses sobre a arte do proletariado depois da tomada dopoder, para ja nao falar da da sociedade sem classes, do que teses sobre astendencias da evolucao da arte nas actuais condicoes de producao. A dia -Iectica de tais teses nao se reflecte menos na superestrutura do que naeconomia. Por isso, seria errado subestimar 0valor combativo de tais teses.Elas poem de lado urn certo mirnero de conce itos t radic ionai s - como cria -s:aoe genia lidade, valor de eternidade e miste rio -, concei tos cuj a ap lica-s:ao nao controlada (e de momento difi cilmen te controlavel) conduz aotratamento do material factual num sentido fascista. Os conceitos adianteintroduzidos pela primeira vez na teoria da arte dis tinguem-se dos corren-tes pelo facto de serem de todo inapropriados para os f ins prosseguidos pelofascismo. Servem, isso s im, para a formulacao de exigencias revoluciona-r ias na polf r ica artistica.

    universal. A xilogravura vieram juntar-se, durante a Idade Media, a gra-vura em cobre e a agua-forte, e , no inicio do seculo XIX, a li tografia.

    Com a l itog rafia , a tecnica da reproducao regi sta urn avanco deci sivo.o processo, muito mais expedito, que dis tingue a transposicao do desenhopara uma pedra do seu entalhe num bloco de madeira ou da gravacaonuma placa de cobre, deu pela primeira vez a gravura a possibilidade decolocar os seus produtos no mercado, nao s6 em massa (como antes), masrambem em versoes diariamente diferentes. Atraves da l itogra fia, as a rtesgraficas ficaram aptas a ilustrar a par e passo 0 quot idiano. Passaram aacompanhar a imprensa. Mas a fotografia ultrapassar ia asar tes graficas logonos seus comecos, poucas decadas depois da invencao da li tografia. Com afotografia, a mao liber ta-se pela primeira vez, no processo de reproducao deimagens, de importantes tarefas a rtisti cas que a part ir de entao passaram acaber exclusivamente aos olhos que veern atraves da objec tiva . Como 0olho apreende mais depressa do que a mao desenha , 0 processo de reprodu-s:ao de imagens foi tao extraordinariamente acelerado que passou a poderacompanhar a fala. Ao rodar 0 filme no esnidio, 0operador cinematogra-fico fixa as imagens com a mesma rapidez com que 0 ac tor fala . Se a lito-grafia continha virtualmente 0jornal ilustrado, a fotografia veio possibilitaro cinema sonoro. A reproducao tecnica do som foi iniciada no fim do secu-1 0 passado. Estes esforcos convergentes tornaram possivel uma situacao quePaul Valery carac teri za nos seguintes termos: Tal como a agua, 0 g a s e aelectricidade, vindos de longe, chegam com urn gesto quase imperceptivelda mao a nossas casas para nos servirem, ass im receberemos tambern, atra-yes de urn pequeno gesto, quase urn sinal , imagens ou sequenc ias sonorasque, do mesmo modo , depois nos deixarao t. P or vo lta d e 1 90 0 a rep rod u-rilo tecn ica tin ha a lca nca do um n iue l em qu e n iio s6 co mec ou a tra nsform ar ems eu o bje cto a to ta lid ad e d as obras de arte do passado e a subm eter a su a reper-cussdo a s m ais p ro fun das tra nsfO rm aro es, c om o ta mbem con qu isto u u m lug arproprio e nt re o s m o do s d e p r od ur il o artistica. Nada de mais elucidativo para 0estudo desse nivel do que 0modo como as suas duas diferentes manifesta-s:oes - a reproducao da obra de arte e a arte cinematografica - se repercu-tern sobre a arte na sua forma tradicional .

    I.

    Por principio, sempre foi possive l reproduzi r a obra de arte . Sempreos homens puderam copiar 0 que outros tinham fe ito. Essa imi tacao foitambem praticada por alunos que queriam exercitar-se nas artes, pelosmestres para divulgacao das suas obras , enf im, por terceiros movidos pelaganancia do lucro. Ja a reproducao da obra de arte por meios tecnicos ealgo de novo, que se tern imposto na hist6ria de forma intermitente, porimpulsos descontinuos, mas com crescente intensidade. Os Gregosconhec iam apenas dois processos de reproducao tecnica da obra de arte : amoldagem e a cunhagem. Bronzes, terracotas e moedas eram as iinicasobras de arte que entao podiam ser produzidas em massa. Com a xilogra-vura , foi possive l reproduzir pe la primei ra vez obras de gravura; e assimfoi durante muito tempo, antes que 0mesmo acontecesse com a escri tapor meio da imprensa. Sao conhecidas as enormes rransformacoes que at ipografia, a possibil idade de reproducao tecnica da esc rita , provocou naliteratura. Elas sao, no entanto, apenas um caso isolado - particularmenteimportante, e certo - do fen6meno que aqui estamos a considerar a escala IPaul Vale ry , P i e ce s su r l 'a r t, Paris [s.d.], p. 105 ( < < l . a conquete de l'ubiquire),

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    4/19

    210 Walter Benjamin

    I I .

    Por mais perfei ta que seja a reproducao, uma coisa the fa lta : 0aqui eagora da obra de arte - a sua existencia unica no lugar ondese encontra.Sobre essa existencia iinica, e sobre ela apenas, se fez a hist6ria a que aobra esteve suje ita no decurso da sua exi stenc ia, Para i sso contam tanto ast ransformacoes que a sua estrutura Hsica sof reu ao longo do tempo, comoasvarias mudancas de proprie ta rio por que possa ter passado-. S6 e possi-ve l descobr ir vestigios das primei ras at raves de ana li ses quimicas ou Hsi-cas, que nao podem ser feitas sobre reproducoes: os vestigios dassegundas sao obj ec to de uma tradicao cuj a reconsti tuicao se te rn de fazera parti r do lugar onde se encontra 0original.o aqui e agora do original encerra a sua autenticidade. Certas anal i-ses quimicas da patina de urn bronze podem contribuir para verificar asua autenticidade; do mesmo modo a demonstracao de que urn determi-nado manuscrito da Idade Media procede de urn arquivo do seculo XV 0podera fazer quanto a este. Tudo 0 que se re laciona com a au t en ti c idadeescapa a p o ss ib i li da d e d e r ep ro d u fi io t e cn i ca , e n a tu r a lmen te nd o so t ecnicar .Mas enquanto 0 autentico conserva a sua total autoridade perante umareproducao manual, geralmente apodada por ele de falsificacao, 0mesmo janao acontece no caso de uma reproducao tecnica. E isto por duas raz6es.Em primei ro lugar, a reproducao tecnica e mais independente do or iginaldo que a manua l. Pode, por exemplo, por meio da fotografia, fazer ressaltarcer tos aspectos do original so aces s fvei s a objectiva, que e regulavel e esco-lhe livremente 0 seu ponto de vista, mas nfio a vista humana; ou, com aa juda de determinados processos, como a ampliacao ou 0 retardador, fixar

    2 A hist6ria da obra de arte abrange, naturalmente, mais aspectos:a hist6ria daMon a L i sa . por exem-plo, 0 t ipo e 0numero de c6piasque dela foram feitasnos seculosXVII. XVIII e XIX .

    3 Precisamente porque a autenticidade nao e reproduzfve l , a penetracao em forca de certos processosde reproducao - tecnica - foi 0 pretexto para a diferenciacao e classificacaoda autenticidade. A complexi-ficacao de tais diferenciacoes foiuma fun~o importante do cornercio da arte. Este tinha interesseeviden-te em estabelecer diferencas entre diversasc6pias de uma matriz de madeira (antes e depois da escrita) euma placa de cobre ou coisaparecida. Com a descoberra da gravura em madeira pode dizer-seque a qua-lidade da autenticidade foi atacada nas suas rafzesantes de ter podido desenvolver-se plenamente. Urnquadro de madonna da Idade Media nao era ainda autenrico no tempo em que foi feito;passou a se-lono decorrer dosseculosseguintese talvezda maneira mais exuberante no seculopassado.

    Estetica e Sociologia da Arte 2II

    cer tas imagens que pura e s implesmente escapam a 6ptica natural. Esta ea pri~e.ira razao .. Por outro lado, a reproducao recnica pode por a c6piado ~n?~nal em sItua~6es que nao estao ao alcance do proprio original.Possibilira-lhe sobretudo ir ao encontro do receptor, seja na forma defotografia ou em disco. A catedra l deixa 0 seu lugar para entrar no esni-dio de urn apreciador de arte; uma obra coral, executada numa sala ou aoar l ivre , pode ser ouv ida num quarto.

    As ci rcunsranc ias que poderao afectar 0produto da reproducao tecni-ca da obra de arte podem deixar intacta a obra em si - mas desvalorizamsempre 0 seu aqui e agora. Se e certo que isto nao e valido apenas para aobra de ar te, mas tambem, por exemplo, para uma pa isagem que 0especta-dor ve num filme, tambern e verdade que atraves deste processo se toeanum ponto ext remamente sensive l do objec to da arte, mais vu lneravel queem qualquer objecto da natureza. Nisto res ide a sua autenticidade. A auten-t icidade de uma coisa e a essencia de tudo 0que ela comporta de transmissi-vel desde a sua origem, da duracao mater ial a sua qualidade de testemunhohis t6rico. Como esta se baseia naquela, tarnbem 0 t estemunho hist6rico eposto em causa na reproducao, em que a duracao material escapou aohomem. Sem duvida que e apenas este testemunho que e afectado, mas 0que desse modo fica abalado e a autor idade da co i sa+,

    Tudo 0 que aqui se disse se pode resumir no conceito de aura, epode dize r-se entao que 0 que estio la na epoca da possibil idade de repro -d~c ;ao tecnica da obra de arte e a sua aura . 0 caso e sin tomat ico: 0 seu sig-nifi cado aponta para alem do pr6prio dominio da arte. Po d e d iz e r- se , d e umm o do g er al , q ue a te cn ic a d a r ep ro du fi io lib er ta 0 o b je c to r e pr o du z id o d od om in io d a t ra d if ii o. N a m e d id a em q u e m u lt ip li ca a r e pr o du fi io , s u b st it ui as ~ e xis ttn ci a u nic a pe la su a e xisttn cia e m m assa . E , n a m ed id a e m q ue p er -mite a r ep r od u fi io v ir em q u al qu e r s it ua c ao a o e n co n tr o d o r e ce p to r ,a c tu a l i-za 0 ob j ec to reproduz ido . Estes dois processos vao abalar violentarnenre osconteudos da tr adicao - e esse abalo da rradicao e 0reverso da actual crise erenovacao da humanidade. Relacionam-se intimamente com os movimen-

    ,,

    I4 A mais pobre representacao provinciana do Fausto tern sempre sobre urn filme do Fausto a vanta-

    gemde estar nasituacao de concorrenciaidealcom a estreiada pe~ emWeimar. E tudo aquilo que, a bocado palco. possamos recordar do conteudo tradicional. perdeu 0valor diante do e er a _ a saber que Mefis-t6felesrepresenra0amigo dejuventude de Goethe. Johann Heinrich Merck, e coisas semdhantes.

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    5/19

    212 Wal te r Benjamin

    tos de massas dos nossos dias. 0 seu agente mais poderoso e 0 cinema.o seu signif icado social, mesmo na sua forma mais positiva, e jus tamentenela, na o pode conceber-se sem 0 seu lado d e s tr u ti v o , c a ta r ti c o: a l iqu ida-

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    6/19

    214Walte r Ben jamin Es t et ica e Sociologia da Arte 215

    ceu ao ponto de , por meio da reproducao, ela a tribuir tambem esse senti -do aquilo que tern uma existencia unica, Assim se manifesta, no campoconcreto, aquilo que, no dominic da teoria, se evidencia como a impor-tancia c rescente da estatfsti ca. A orientacao da rea lidade no sentido dasmassas e destas no sent ido daquela e urn processo de a lcance i limi tado,tanto para 0 pensamento como para a contemplacao.

    IV.

    to profano da beleza, criado com 0Renascimento, vigorou ao longo de tresseculos, decorrido este perfodo, quando foi pela pr imeira VeL seriamenteabalado, revelou claramente aquele fundamento. Quando, nomeadamentecom 0 aparecimento do primeiro meio de reproducao verdadeiramenterevolucionario, a fotografia (simultaneamente com os comecos do social is-mo), a arte pressente a aproximacao da crise, urn seculo mais tarde ja impos-sivel de ignorar, ela reage com a doutrina da arte pela a rte, que e afinal umateologia da arte. Mais: daqui acabou por sair uma teologia negativa queganhou forma na ideia de uma arte pura, que recusa nao so toda a funcaosocial como tarnbern 0 ser determinada por qualquer assunto concreto (napoesia foi Mallarme 0primeiro a atingir este estadio),E indispensavel, para uma anali se que tern por obj ecto a obra de artena epoca da sua reproducao tecnica, dar 0 devido relevo a estas circuns-tancias, De facto, elas abrem caminho a uma verdade decis iva: a poss ibil i-dade de reproducao tecnica da obra de arte emancipa-a, pela primeira vezna historia universal , da sua existencia parasi taria no ritual . A obra de artereproduzida sera cada vez mais a reproducao de uma obra orientada paraa reproducao". Por exemplo: a partir de uma chapa fotografica e possfvel

    o caracter iinico da obra de arte e identico a sua integracao no con-texto da tradicao. A propria tradicao e certamente algo de bern vivo, algode extraordinariamente mutavel, Por exemplo, uma estatua de Venus antigainseria-se para os gregos, que dela faziam objecto de cul to, num contextode tradicao diferente do do meio clerical da Idade Media, que a olhavacomo urn Idolo malefico, Mas 0 que a ambos se apresentava da mesmamaneira era a sua unicidade, por outras palavras a sua aura. 0 modo pri-mitivo de integracao da obra de arte no contexte da tradicao encontrou asua expressao no cul to. Como sabemos, as priineiras obras de arte surgi -ram ao service de urn r itual, primeiro magico, depois rel igioso. Reves te-sedo mais alto significado 0 facto de que este modo de existencia aura tico daobra de arte nao se separa nunca totalmente da sua func;:ao ritual". Poroutras palavras: 0 v a lo r s in g u la r da obra de a rte au tm tic a te rn 0 s e u f o n -dam en to no ritua l, em que ela teue 0 s eu v alo r de u so o ri gi na l e p ri rn e ir o.Por mui to media tizado que seja, este fundamento transparece ainda nasformas mais profanas do culro da be leza como ritual secularizado", 0 cul-

    7 A definicao de aura como 0 aparecimenro unico de algo disrante, por rnuito pertOque estejanaoe mais do que a formuls:aodo valor de culto da obra de arte em categorias de percepcao espdcio-ternpo-rais.A disrancia e 0contrario da proximidade. 0 queesralongepo r e s si n ci a e aquilo de quenao podemosaproximar-nos. De facto, uma da s caracterfsticasprincipais do culto e a impossibilidade de aproximacao.Por natureza, ele nao deixa de ser disrancia, por mais perto que esteja,A proximidade que e possfvelestabelecercom a suamateria em nada prejudica a distancia queconserva depois do seuaparecimento.

    8A medida que 0valor de culto de urnquadro seseculariza, torna-se cada vezmaisindefinida a ideiado substrate da suaexistencia unica, Cada vezmais0fen6meno, que domina 0culto, da existencia unicaemplrica do artista oudo produto da sua arte s e r a reprimido no pensamento do espectador ou ouvinre. Ecerto que acaba sempre por ficar urn reslduo; 0 conceito de autenticidade nunca cessa de tender para

    alem do da autoria autentica (isto e particularrnente visfvel no coleccionador que nunca consegue liber-tar-se totalmenre da dorninacao do fetiche e, atraves da posse da obra de arte, participa da forca destacomo objecto de culto), Sem prejufzo disto, a funs:ao do conceito do autentico em arte permanece ine-qulvoca: coma secularizacao da arte a autenricidade substitui 0valor de cuito.

    9 Nas obras cinematograficas a possibilidade de reproducao tecnica do produto, aocontrario do quesepassanas obras Iirerariasou na pintura, nao surge como factor externo para a suadivulgas:aoem massa.A possibilidade de reproduri io tecn ica da s obras cinematogrd f icas rad ica d i re c ta m en t e n a t ec n ic a da suaprodu-r i io , q u e n a o s o p o ss i bi l it a , da forma mais directa, a d iv ul ga ri io em massa d o s fi lm e s, m a s a t e mesmo a flrra .Forca-a porque a producao de urn filmee tao cara que urn indivlduo, que poderia por exemplo comprarurn quadro, janao pode comprar urn filme. Em 1927 calculou-se que urn filmede longa metragem, paraser rentavel, teria de atingir urn publico de nove milhoes de espectadores. E certo que com 0 cinemasonoro se deu primeiramente urn movimenro de retrocesso; 0 seu publico foi reduzido a s fronteiras lin-gulsticas, 0queaconteceu simultanearnenre com a acenruacao de interesses nacionais pelo fascismo. Maisimportante, porem, do que registaresteretrocesso,que a l i a s foi contrabalancado peIadobragem, e apreenderas suas relacoescom 0 fascismo.A causa da simultaneidade destes dois fen6menos encontra-se na criseecon6mica. A s mesmas perturbacoes que, grosso modo , conduziram it rentativa de manter as relacoes depropriedade vigentes atravesda violencia declarada, levaram 0capital cinematogr:ifico,ameacado pela crise,a forcar 0desenvolvimento do cinema sonoro. A introducao do cinema sonoro trouxe em seguida urn ali-vio remporario. E nao s6porque ele levou as massasnovamente ao cinema, mas tambern porque tornouos novos capitais da industria da electricidade solidarios com 0 capital cinematogrifico. Aparentementefomentou interesses nacionais, masde urn ponto de vista interne internacionalizou a producao cinemato-gcl6ca ainda mais que anteriormente.

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    7/19

    216 Walter Benjamin Est et i ca e Sociologia da Arte 217

    V.

    Podera dizer-se destas criacoes que e mais importante existirem do queserem vistas. 0 alee que 0 homem da Idade da Pedra desenha nas paredesda sua caverna e urn instrumento de magia. Embora 0 mostre aos outroshomens, ele des tina-se sobretudo aos espfr i tos , 0 valor de culto como talparece tender hoj e em dia prec isamente para mante r a obra de arte escondi-da: certas estatuas de deuses so podem ser vi stas pe lo sacerdote na sua cela,cer tas pinturas de mado n n a s f ieam cobertas quase todo 0 ano, certas escul-tur as de ca ted rais medievai s nao sao visfveis para 0 observador ao nfvel dosolo. C om a e ma nc ip ad io d a s u d r ia s p r d ti c a s art ls t icas d o s eio d os r itu aisa u m e nt am a s o p o rt un id a d es d e e c po s ic a o d o s s e u s p ro d u to s . A possibilidade deexpor urn busto , que pode ser enviado para varios locai s, e maior que em re-las;ao a esta tua de urn deus, que tern 0seu lugar fixo no in terior de urn tem-pIo. A possibil idade de expor a pintura de cavalete ul trapassa a do mosaico edo fr esco que a precederam. E apesar da possibil idade de expor uma missanao ser, em prindpio, menor do que a de uma sinfonia, 0 certo e que a sin-fonia surgiu num momento em que a sua possibilidade de expos icao pro-metia ser maior do que a da missa.Com os diferentes metodos de reproducao tecnica da obra de arte, apossibilidade da sua expos icao cresceu em tai s proporcoes que a de s loc ac aoq~anti~ativa entre os dois poles se converteu, a semelhanca das idades pre--historicas, em transtormacao qualitativa da sua natureza. Tal como, nomea-damenre nas idades pre-historicas, a obra de arte, atraves do peso do seuvalor de cuI to , se to rnou em primeir a instancia urn inst rumento de magia,que so mais tarde, e ate certo ponto, foi reconhecido como obra de arte,assim hoj e em dia a obra de arte, a traves do valo r absoluto da sua possibi li -dade de exposicao, se torna urn produto com Iuncoes totalmente novas,entre as quais aquela de que temos consciencia, a artfstica, se distinguecomo a que mais tarde podera ser reconhecida como acessoria 12. Uma

    tirar urn grande mimero de coplas; nao faz sentido interrogarmo-nossobre qual sera a autentica, M as no m om en ta em qu e 0 c r it e ri a d e a u t en t i-c id ad e d eix a d e s er aplicdue] a p ro du fi lo d a a rte , en tdo ta mb em to da a f on -filo so cia l d a a rte se tra nsfo rm a. A su a fo nd am en ta filo r itu alistica seras ub sti tu id a p or u m a [andamen tacdo n um a o u tr a p rd ti ca : a p o li ti ca .

    A recepcao de obras de arte processa-se com tonicas diferentes, de queressaltam duas, opostas . Uma e 0valor de culto , outra 0valor de exposicaoda obra10, 11. A producao artfs tica comes;a com criacoes ao service do culto ,

    10 Est a polaridade nao pode encontrar plena expressaona esteticado idealismo,cujo conceito de bele-za,no fundo, a engloba como inseparavel(excluindo-aconsequentemente enquanto separave l ) , No entanto,elaesta presente em Hegel de uma maneira tao claraquanto isso e concebfvel denrro doslimitesdo idealis-mo. Como disseHegel nassuas Lifoes S o b r e a F i l o s o f i a da H i s t o r i a : Imagensh:imuito queas havia;a devo-scaocedo precisou delas para as suas oracoes, mas nao precisava de imagens betas, que chegavam atornar-se-lhe inc6modas. Numa imagem bela existetambern algo de exterior;masna medidaem que e bela,este seuespiriro apelapara 0 homem; na oracaoreferida, porem, a relacao comuma c o i s a e essencial,pois aoracao em si e apenas urn entorpecimento insfpido da alma.. . A arre bela.. . nasceu na propria igreja,. ..embora ja se tenha desligado dela. (GeorgWilhelm Friedrich Hegel, O b r a s . Edicao completa, por umaassociacao de amigos do f.tlecido.Vol. 9: L i fo e s So b rea F iw s of i a da Histo r ia , ed.por Eduard Gans, Bedim,1837, p. 414.) Tarnbem uma passagemda suaEstetica indica que Hegel pressenriuaqui urn problema. Ai sedizque para alem de podermos adorare venerar como a urn deus asobras de arte, a irnpressaoque noscausam e mais reflectida,e assensacoesque em n6sdespertam precisam de uma provaainda mais elevada.(Hegel, op.cit. , vol. 10:Esmica , ed. por H.G. Hotho, torno I,Bedim, 1835, p. 14.)

    IIA evolucao hist6rica da recepcao da arte foi determinada pela passagem da primeira especie derecepcao para a segunda. Apesardisso, e possfvel,em principio, apontar uma cerra oscilacao entre aquelesdois p610sde recepcao para cada obra de arte. E 0 que acontece, por exemplo, com aMadonna da CapelaSistina. Desde os estudos de Hubert Grimme [cf.H. Grimme, Das Ratsel der Sixtinischen Madonna(0enigma da madonna da Capela Sistina), i n: Z e it sc h ri ji f or b il de n de K u ns t, vol. 57, (1922), pp. 41-49.N. do T .] que sesabeque elafoi originalmente pintada para serexposta. Grimme foilevado a empreenderasinvestigacoes pela interrogacao: para que serve,no primeiro plano do quadro, 0 remate de madeira emque seapoiam os dois anjinhos?0que e que levou urn Rafael, continua Grimme a interrogar-se, a orna-mentar 0 ceu com dois reposteiros?A invesrigacaoveiorevelar que a Madonna da Sistina fora encomen-dada por ocasiao das exequias publicas do Papa Sixto. As exequias dos Papas realizavam-se numadeterminada capelalateral da Igrejade S.Pedro. 0quadro de Rafaelforapendurado, por cima do caixao,no fundo da capela em forma de nicho, por ocasiao das solenes exequias, 0que Rafael representa nestequadro e a madonna a aproximar-se, sobre as nuvens, do caixao do Papa, a partir do fundo do nicho,enquadrado por reposteiros verdes. Nos funerais de Sixto encontraram aplicacao asmagnlficas potenciali-dades de exposicao do quadro de Rafael. Algum tempo depois, 0 quadro veio para 0 alrar-mor da igrejado mosteiro dosMonges Negros em Piacenza.A razao deste exflio esra no ritual romano, que profbe que

    quadr~s que tenham estado expostos em funerais sirvam para 0 culto no altar-moe. Esta regra desvalori-zou ate certo POnto a obra de Rafael. No entanto, para conseguir urn pre~o adequado, a curia resolveutolerar a presen~ do quadro no a l ra r-rnor , Para evitar esclndalos, mandou-se 0 quadro para a irmandadeda longinqua cidade de provincia.

    .12Brecht fezreflexoesan:l.logasa outro nlvel: Se0 conceito de obra dearte nao sepode manter paraa corsaque surge quando uma obra de arte se transforma em mercadoria, 0melhor e abandonar esse con-ceito~prudente e cui~dosa~ente, mas sem medo, se e que nao queremos l iquidar ao mesmo tempo afuncao dessa outra coisa; polSela tern de passar por esta fase, e sem qualquer segundo senrido. Nao se

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    8/19

    218 Walter Benjamin Es r et ica e Sociologia da Acre 219

    coisa e certa : que actua lmente a fotogra fia eo cinema sao os argumentosque melhor i lustram esta verdade.

    VI.

    de orientacao. Verdadei ros ou fa lsos, pouco importa . Pela primei ra vez ,tornou-se necessa rio prove-los de legendas, que tern, evidentemente, urncaracte r totalmente dife rente do titulo de uma pintura . As directrizes queo des tinatario das imagens recebe atraves das legendas dos jornais i lustra-dos tornar-se-ao dentro em pouco ainda mais precisas e imperiosas noc inema, onde a apreensao de cada imagem e determinada pela sequenciade todas as anteriores.a fo to g r af i a, 0 valor de e xp o si ri io c om ec a a s up l an t ar t ot alm en te 0 valor

    de culto. Este, porem, nao desaparece sem res is tencia. Possui uma Ultimadefesa, que e 0 rosto humano. Nao e por acaso que 0 ret rato ocupa umaposicao central nos comecos da his t6ria da fotografia. E no culto da recor-dacao de entes queridos dis tantes ou desaparecidos que 0va lor de culto doquadro encontra 0 seu Ultimo refUgio. E na expressao fugaz de urn rostohumano nas forografias antigas que a aura acena pela Ultima vez. E isto quelhes da a sua beleza melanc6lica e i ncompar avel , Mas quando 0 ser huma-no desaparece da fotografia, 0valor de exposicao revela-se pela primeira vezsuper ior ao de culto , Cabe a Arget' 0merito incornparavel de ter dado rele-vo a este processo ao fotografar, nos prindpios do seculo XX, as ruas dePari s sem viva lma . Com razao se d isse que de as fotografou como 0 localdo crime, onde tambem nao se ve ninguem, Apenas e fotografado porcausa dos indicios. Com Atget, as reproducoes fotograficas comecam atornar-se provas no processo his t6rico. Nisso res ide 0 seu significado poli-tico oculto. Elas exigem ja uma recepcao num sentido preciso. 0 tipo decontemplacao sonhadora ja nfio lhes e adequado. Inquietam 0espectador,que sente ter de procurar urn determinado caminho para as compreen-der . Ao mesmo tempo, os jornais i lustrados comecam a oferecer-Ihe s inais

    VII.

    A disputa travada ao longo do seculo XIX entre a pintura e a foro-grafia' a volta do valor artfst ico dos seus produtos parece-nos hoje despro-posi tada e confusa. Isto em nada afecta 0 seu significado; pelo contrario,ate 0 acentua. De fac to, esta d isputa foi a expressao de profundas trans-formacoes hist6ricas a nivel universal, de que nenhuma das duas partesestava consciente. Na medida em que a epoca da sua reproducao tecnical ibe rtou a arte do seu fundamento ritualfsti co, desapareceu para sempre aaparencia da sua autonomia . Mas a al teracao de funs;6es que a arte sofreudevido a este facto ficou fora dos horizontes do seculo XIX. E 0seu signi-

    trata aqui de um desvio, sem consequencias, do caminho cerro; pelo contrario, 0 que acontece com elatransforma-la-a radicalmente, apagara 0 seupassado de tal maneira que, se0velho conceito voltassea serusado - e se-lo-a,por que nao?-, ja nao suscirariaqualquer recordacao da coisa queantigamente designs-va.. ([Benoit] Brecht, Vmuck 8-10 ,3 . fasclcuio,Bedim, 1931 , pp. 301-302: 0 ProcessodeTres Vinrens)[0 texto desra experiencia sociologicade Brecht, sobre a passagem ao cinema da sua Opua de T r e sVintens, tern, entretanto, traducao ponuguesa completa: 0 Processo d e T r e s V in ti ns . U m a a pe ri bu ia s oc io -IOgica.Traducao, inrroducao e noras deJoao Barrento, Porto, Campo da s Letras, 2005. (N. d o T.)]

    IEugene Arge; (1857-1957): fot6grafo parisiense da grande cidade em transformacio acelerada, emcujos trabalhos Benjamin veja urnexemplo da desrruicaoda aurada arte tradicional. Sabre Atget, cujasfotografias conhece atraves do volume A tg et . L i c ht b il d er [Arget. Forografias], 00. por Camille Recht(Paris/Leipzig, 1931 ) , escreveuBenjamin maisalongadamente no ensaio Pequenahist6ria da fotografia,inclufdo neste volume. (N. d o T.)

    IA polemica sobre a legitimacao a r t f st i ca da nova forma de reproducao da realidade que e a foto-grafia ternsido muiro comentada. Benjamin ocupa-serepetidas vezesda fotografia nosseus ensaiose crfticas.A quesrao aqui abordada, da polemics 11volta da fotografia ja no seculoXIX, e mais pormenorizadamenteabordada sobrerudo em doisescritos:0ja citado Pequenahist6ria da forografiae a crftica ao livrroda fot6-g r a f a e jomalista Gisele Freund La pho to g rap h ie en Fra n ce a u X lXh n e s i ec l e .E ss a i de socio log ieet d 'mhtt ique,Paris, La Maison des Amis du Livre, 1936 (na OOi~o alema em: Gesammel t e S ch r if t en III, pp. 542-544).Na suarecensaode 1938 , Benjamin salienta que este livro trata precisamente dasrelacoesentre a fotogra-fia e a pintura, e que a autora procura esclarecer0desenvolvimento da fotografia - com pressuposros teo-ricos semelhantes aosdo pr6prio Benjamin - como estando intirnamente ligado 11ascensao da burguesia,e exemplificando com a hist6ria de uma forma que e tanto de uma como da ourra dessasanes: 0 retrato,J:iem 1780 , segundo a aurora, severifica urn fen6meno de aceleracao da producao e de embaratecimentodos camafeus,para corresponder a procura crescente pelasclasssesburguesas. 0 physiognorrace-, entrea miniarura de marfim e a fotografia, mostra ja, como escreve Benjamin, que e possfvel tocnar social-mente ttansparentes certos factos recnicos: os miniaturistas sao as primeiras vitimas da fotografia. Emrela~o 11questao teorica da legitimidade artlsrica da fotografia, 0 importance para Benjamin e que a auto-ra reconhece que apretensao da fotografia a serconsiderada urna arte e conremporanea do senapareci-menro como produro de mercado. Isro esci de acordo com a influencia que a fotografia, como processode reproducao, exerceu sabre a propria arte: isolou-a do seupromoror [daencomenda], para a por a dis-posi~o do mercado an6nimo e dasuaprocura. (N. d o T.)

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    9/19

    220 Wal te r Benjamin

    ficado escapou ainda durante muito tempo ao seculo XX, que assistiu aodesenvolvimento do cinema.

    S e a nte rio rm en te s e tin ha g asto m uita p ersp ic dc ia in u t il p ar a r es ol ve r aquestdo d e s ab er se a fo to gra fia se ria o u nd o um a ar te - sem p rim eiro se te rp er gu nt ad o s e a d es co be rt a d a fo togra fia nd o t er ia a lt er ad o t ot al me nt e a n at u-reza d a a rte -, em b reve o s teor icos d o c in em a re to ma ra m a m esm a q uestd oprematura . Mas as difi culdades que a fotografia havia colocado 1 1 esteticatradicional e ram uma brincadeira , comparadas com as que 0 cinema lhepreparava. Daf a violencia cega que caracteriza os comecos da teoria docinema. Assim, Abel Gance, por exemplo, compara 0c inema com os hie -rogli fos: Em consequenc ia de urn retrocesso al tamente estranho, fomosparar ao nivel de expressao dos egipc ios ... A linguagem visual a inda naoalcancou a perfeicao porque os nossos olhos ainda nfio estao preparadospara ela. Ainda nao ha consideracao nem cu lto suf icientes por aquilo quenela se exprime.s U Severin-Mars escreve: A que arte estava des tinadourn sonho ... simultaneamente mais poe tico e mais real? Encarado desteponto de, vista, 0cinema representar ia urn meio de expressao incompara-vel , e na sua atmosfera so dever iam movimentar-se pessoas de pensamen-to superior nos momentos mais perfeitos e misteriosos da sua vida.14Alexandre Arnoux, por sua vez, conclui uma fantasia sobre 0 cinemamudo com a pergunta: Nao deveriam todas as descricoes ousadas de quenos servimos ir desembocar na definicao de orac;:ao?15E rnuito elucidati-vo observar como os esforcos para fazer entrar 0 cinema no dominio daarte obrigam estes teoricos a mete r nele 1 1 forca, com uma brutalidadesem igual, elementos rituais. E, no entanto, na altura em que estas espe-culacoes foram publ icadas, j a exi stiam obras como L ' op i n io n p u b li q ue eL a ru ee vers 1'0P. Isto nao impede Abel Gance de recorrer 1 1 comparacaocom os hierogli fos, e Sever in -Mar s fala do cinema como se poderia falarde quadros de Fra Angelico. 0 que e caracterfstico e que ainda hoje auto-

    13 Abel Gance, o p . c i t. , pp. 100-10 1.14 Apud Abel Gance, op . c i t ., p. 100.15 A1exandrre Arnoux, Cinema, Paris, 1929,p. 28.IBen jamin c it a o s t ft ul os em francce s , L' op in ion pub l ique : f ilme de Chap li n (d e 1923),ujo titulo

    Ingles e A W om an o f P a ri s; La r ue e u er s l 'o r: A Q ui m er a do O ur o ( Th e G ol d R us h) , urn dos filrnes mais cele-b res d e Chap li n, d e 1925.(N do n

    Esret ica e Sociologia da Arte 221

    res par ticularmente reaccionarios procuram 0 significado do cinema namesma d i r eccao , se nao mesmo no sagrado, pelo menos no sobrenatural.Por ocasiao do filme de Reinhardt sobre 0 Sonho de U ma N oite de V eriio ,WerfelI constata que e sem duvida a cop ia e s te r il do mundo exterior, comas suas ruas, inter iores, estacoes de caminho-de-ferro, res taurantes, auto-moveis e praias, que tern impedido a ascensao do cinema ate ao domfnioda arte. 0 cinema ainda nao alcancou 0 seu verdade iro sentido, as suasverdadei ras possibil idades ... , que consi stem numa capacidade sem par deexprimi r, com meios naturai s e com incornparave l poder de conviccao, 0feerico, 0maravilhoso, 0sobrenaturabt.

    VIII.

    A arte do actor e apresentada ao publico definitivarnente atraves dasua propria pessoa; 0 actor de cinema, pelo contrario, apresenta-se aopublico atraves de todo urn conjunto de aparelhos. Isto tern duas conse-quencias, A aparelhagem que leva ao publico a arte do actor de cinemanfio e obrigada a respeitar esta arte como totalidade. Sob a orientacao dooperador, e la toma continuamente posicao perante esta arte . E a sequen-cia destas tomadas de posicao, que 0montador comp6e a partir do mate-ri al que the e fornec ido, que constitui 0 filme completo. 0 filme abrangeurn certo mimero de momentos de movimento que tern de ser captadoscomo tais pela camara - para ja nao falar de focagens especiais como os

    IMax Reinhardt (1873-1943)u rn dos mai or es nomes do t eat ro al emi io da s prime ir as decadas doseculo XX, actor e encenador com par ti cula r inc idencia em Shake spea re . 0 Sonho de Um a N o it e de Verao foiencenado por e le doze vezes para 0 tea tro. Franz Werfe! (1890-1945):oeta austriaco do Expressionismopatet ic o e mfstico, a ti tu de s que t ra nsp ar ec em t ambem na su a concepcao do cinema. Ja em 1931Werfelescrevia urn ensaio em que critica 0materialismo. e 0arne ricani smr do seu tempo: Na insondave l pol i-fonia de orienra coes da cor rente da vida, 0c inema rera talve z urn papel ine sperado. Talve z mais tarde venhaa ser conhecido como 0meio mais poderoso para i rnpuls iona r a revoluc ao inter ior contr a 0materialismo( ... ) 0 p apel que 0c inema poder ia desempenhar como guia de uma const rucao e spir itua l e demonst radopel a uni ca e xcepca o que t emos: Chap li n. .. (F . Werfel, Realismus u n d I n ne r li ch k ei t [ Rea lismo eInterioridade], BerlimNienalLeipzig, P. Zsolnay, 1932).N do n

    16 Franz Wer fe l, Ein Sommernacht st raum . Ein Film von Shake spea re und Reinhardt . [ Sonho deUma No it e d e Ver iio . Ur n f ilme de Shakes pear e e Rei nh ar dt ). N eu es W ie ne r J ou rn a l, c it. d e Lu , 15deNovernbro de 1935.

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    10/19

    222 Walter Benjamin

    grandes planes . Deste modo, 0 t rabalho do actor fica suj eito a urna ser ie detestes opticos, E esta a primeira consequenc ia da circunstancia de a arte doactor de cinema ser veiculada a t r a ve s de urn conjunto de aparelhos. A s e-gunda consequencia reside no facto de 0 actor de cinema, que na o apresen-ta a sua arte directamente ao publico, perder a possibi lidade, facultada aoac tor de teatro, de ir adaptando a sua arte ao publico durante a representa -

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    11/19

    224 Wal te r Benjamin

    q u e r ep re se nt a n o p a lc o m e te -s e d en tr o ri a s ua p er so n a ge m . A o a ct or de c inemaisso e mu i ta s v e ze s r e cu s ad o . A sua criacao nao e de modo nenhum uniforme,mas sim composta a partir de muitas actuacoes distintas. Para alern de cir-cunstancias ocasionais, como a renda do esnidio, existenciade actores dis-poniveis, cenarios, etc., sao elementares necessidades da maquinaria quedecompoern 0 jogo do actor numa serie de episodios montaveis , Trata-sesobretudo da ilurninacao, cuja instalacao obriga a filmar urn episodic, quesurge na tela como uma sequencia veloz e unitaria, numa serie de imagensdistintas, processo que no esnidio por vezes se pode prolongar por variashoras. Para ja nao falar de montagens mais evidentes. Assim,0salto de umajanela pode ser filrnado no esuidio do alto de uns andaimes, mas a fuga quesethe segue podera ser filmada em exterioresdai a semanas.De resto, e facilreconstituir casos ainda mais paradoxais. Pode exigir-seao actor que estre-meca apos alguem ter batido a porta; se este estremecer nao sair como seriade desejar, 0 realizador podera recorrer a urn expediente: quando 0 actorestiver acidentalmente no esnidio, manda disparar urn tiro sem ele saber.o susto do actor nesse momento pode ser filmado e montado na pelicula.Nada prova mais drasticarnente que a arte escapou ao dominio da belaapa-rencia, que durante muito tempo sejulgou ser0unico em que ela poderiaprosperar.cularmente convincente : urn rel6gio a funcionar incomodara sempre no palco . onde nao !he podera ser a tr i-b uf da a f un~o de med ir 0 t empo. T ambem 0 t empo a st ron6mi co co li di ria com 0 cenico numa p~ natura-l is ta . Nes ta s condicoes , e a lt amente c arac re rl st ic o do c inema poder uti li za r, quando for c aso dis so e semhes it ar , 0 r el6gio para medir 0 tempo. Por aqui s epode ver ,c om maior c la re za do que em mui tos out ros t ra -cos , como no c inema c a d a adereco pode, eventualmente , desempenhar funes decisivas. Daqui ate a afirma-~o de Pudowkin de que aactua cao do interprete l igada a urn objec to e que nele a ss enta . .. e s empre urn dosmerodos mais poderosos da representacao cinematogcifica va i apenas urn passo. c w . Pudowkin, Fi lmreg ieu n d F i lmmanu sk ri p t [Realizacao e Script}. (Bucher der Praxis. VoI.5). Bedim. 1928. p. 1Z6) . Assim, 0 cinemae 0 prime iro ins trurnento a rt fs ri co em condicoes de poder mos tr ar como a mater ia a companha a accao dointerprete humano. Por isso pode ser urn instrumento excepcional de representacao materia lista.

    ICar l Theodor Dreyer (1889-1968): realizador dinamarques, fez em 1928 0 seu mai s impo rt an tefilme, La passion d e Jeanne d'Arc. em que r econst r6 i 0 as sunt o com bas e no p r0=. s0 o rig in al e r eduz a a~oaos ulr imos dia s devida de Joana. 0 espa~ a quatro lugares asceticos - capela, prisao, s a l a de tor tura s e pra~de Ruao - e 0 t rab al ho da clma ra ao s g randes p ianos dos ro st os d e J oana e dos j uf zes , A Joana d 'Arc d es tav ers ao er a a act ri z fr an ces a Mar ia F al conet ri , e en tr e o s ac to res cont av ar n- se An toni n At taud e Mi chelSimon. Em 1929. Thomas Mann e sc reve 11 dir ec cao da UFA em Munique uma car ta em que tec e osma iore selogios ao filme, que considera urna realizacio da maior imporrancia para a evolucio da arte cinemarogcifi-c a. urna exper ienc ia num est ilo novo e sobrio, que talve z deixe urn tanto insat is fe it as a sneces sidade s de urnpub li co d e r nas sas , v ol ta do para 0 sen timen tal e 0 fantastico, mas que prende ext raordina riamente todo

    Esrer ia e Sociologia da Arte 225

    x.A sensacaode estranheza do interprete diante da aparelhagem, tal como

    Pirandello a descreve, e por natureza do mesmo genero que a sensacao deestranheza do homem perante a sua imagem no espelho. Agora, porern, aimagem formada no espelho pode separar-se dele, torna-se transportavel,E para onde? Para junto do publicoZ O A consciencia disso nao abandonao actor de cinema nem por urn instante, 0 a ctor de c inem a sabe q ue , en-q ua nto e std d ia nte da s cdm aras, estd em ultim a in stdn cia a en jren tar 0publico: 0 p U b li co d o s c li en te s q u e c o ns ti tu em 0 mercado . Este mercado a queelesedirige, nao so com a sua forca de trabalho, mas tambern com toda asua pessoa, e para ele, no momento em que estaa actuar, tao pouco concre-to como para qualquer produto manufacturado. Nao contribuira esta cir-cunstancia para a angUstia,0novo medo que, segundo Pirandello, assalta0interprete diante das clmaras? 0 cinema responde a rninimizacao da auracom uma construcao artificial da personality fora do esnidio. 0 culto dasestrelas de cinema, fomentado pelo capital cinematografico, manternaquele feit ico da personalidade que desde ha muito se reduz apenas aofeitico podre do seu caracrer mercantil. Enquanto 0 capital cinernatogra-fico ditar a lei, nao e possivel atribuir ao cinema conternporaneo nenhumoutro merito revolucionario que nao seja0de promover a critica revolu-cionaria de concepcoes tradicionais de arte. Nao negamos que 0 cinemaaquel e que a pouc o e pouco fo i a prendendo a ac red it ar n as poss ib il id ad es de expr ess ao de va lor es esp ir i-tuais pelo cinema ... ( a c ar ta foi publi cada no nO5111929 da revis ta D er K in em at og ra ph ). ( N do n

    20 A modi fi cacao , que aqui se pode cons tat ar, d o modo de expo si cao at ra ve s d a rec nic a d e r ep rodu -~o . t ar nb er n se no ta n a pol it ica , A cr ise ac tua l d as d emocrac ias bur guesas e nc err a em si uma cri se d a scondicoes que determinam 0modo de apresentacao dos governantes. A s democ ra cias expoem os gover -nantes directarnente , em pessoa, perante os deputados. 0padamen to e 0 se u pub li co ! Com a s i novac oe sd a apar el hag em de c ap tacao que permi tem que mu it os, sem l imi te. o ucam e pouco depoi s v ej am os o r a-dor es dur an te o s d iscu rso s, 0 modo como 0 homem polfrico s e apresenta diante da apa re !hagem de capta -~o pass a p ar a p rimei ro p lano. Es vazi am- se o s p arl ar nen to s a o mesmo tempo que o s t eat ro s, A r ad io e 0cinema nao modificam apenas a fun~o do actor profissional, mas de igual modo a daqueles que. talc omo os governantes , s e apresentam perante e le s. 0s en ti do em que se p ro ces sa es ta modi fic acao e. semprejufzo das suas diferentes tarefas especff i ca s , 0 mesmo quer se trate do actor de cinema. quer do gover-n an te. E la v isa re un ir , s ob det ermi nadas cond ico es s oci al s, u rn conj un ro de rea liz aco es que podem s erpostas 1 1 prova e ate aproveitadas. 0 r esul ta do e uma nova selec cao, uma selec cao diante da apa re lhagem,de que sai rao vencedore s a e st re la e 0 dit ador .

    IEm Ingles no original. (N do n

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    12/19

    226 Walter Benjamin

    contemporaneo, em cer tos casos, pode incent iva r para alem disto a cr iti carevolucionaria das relacoes sociais , ate mesmo das relacoes de proprieda-de. Nao e, porem, aqui que se situa 0 centro de gravidade da presenteanalise, como tambem nao e este 0 ponto fulcral da producao cinernato-grafica da Europa Ocidental.

    A tecnica do cinema, como a do desporto, caracteriza-se pelo factode as pessoas que assistem a s suas per formances 0 fazerem na qua lidade desemi-especialistas, Basta ter ouvido uma vez urn grupo de ardinas , encos-tados as bicicle tas, a di scuti r os resul tados de uma prova de c ic lismo, paracompreendermos estes factos. Nao e gratuitamente que os editores dejornais organizam corridas para os seus ardinas, que despertam grandeinteresse entre os participantes. E que ao vencedor das provas se abre apossibilidade de ser promovido de ardina a corredor. Ass im, por exemplo,as ac tual idades cinerna tograficas semanais dao a todos a possibi lidade deserem promovidos de t ranseun te a figurante . Poderao a te ta lvez aparecernuma obra de arte - veja-se 0 6lme de Wertoff T re s C an di es s ob re L en in eou 0 de Ivens Borinage. Qualquer pessoa pode hoje reclamar-se 0 direitoa ser 6lmado. Uma vista de olhos pela situacao historica da literaturaconternporanea ilustrara da melhor forma este direi to=.

    Ao longo de varios seculos, a situacao da literarura era tal que urnmimero reduzido de pessoas que escreviam era l ido por mui tos milharesde leitores. Em fins do seculo passado algo se transformou. Com a cres-cen te expansao da imprensa , que cada vez mais colocava a disposicao doslei tores novos orgaos polit icos, rel igiosos, cientff icos , profiss ionais e 1 0 -ca is, sec tores cada vez mais amp los de leitores - primei ro isoladamen te -passaram a pertencer ao grupo dos que escreviam. Tudo comecou quando

    [ Dsiga Wertoff (1896-1954): realizador sovieticoda primeira fase da revolucao, rejeira 0 filme defic~o para utilizar a suatecnica do olhoda camara e assimcaptar avida talcomo e,realizando algunsfilmes formalmente conseguidos e que constiruem documentos polfticos empenhados. 0 filme referido ede 1934.Joris Ivens(1898-1989) e urn realizador holandes que, depois de urn comeco de carreira em quefazsobretudo curtas-rnerragens, se volta para0cinema polftico no perfodo do avanco do nazismo e reali-zaem 1933, com 0belga Henri Storck, 0filme referido por Benjamin, em que trata uma grevede minei-rosna Belgica,

    IIA problematica abordada no paragrafo seguinte - a transformacao qualitativa do publico leiteratraves sobrerudo da importancia adquirida pela imprensa - e mais pormenorizadamente desenvolvidapor Benjamin no ensaio0 Autor como produror, inclufdo nesrevolume. (N. do T. )

    Esret ica e Sociologia da Arte 227

    a imprensa dia ria Ihes abriu 0 seu Correio dos Leitores, e hoje em diapraticamente nao ha nenhum europeu inse rido no processo produ tivoque, em principio, nao tenha a possibilidade de publicar em qualquerlado uma experiencia de t raba lho, uma queixa, uma reportagem ou coisasdo genero. E assim que a diferen

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    13/19

    228 Wa lte r Ben jami n

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    14/19

    2 30 Wal ter B en jami n

    g ue c ap ta r 0 lado d a r ea lid ad e li be rto d e t od o e q ua lq ue r a pa re lb o, 0 qu e 0hom em tem 0 d ireito d e e sp era r d a o bra d e a rte - p recisa me nte d ev id o apenetracdo i n te n s iva de ssa r ea li dade pe lo s apar elbos.

    XII.

    A reproducdo tecnica d a o br a d e a rt e t ra n sf or ma a relacdo d a s massas coma a rt e. Um a r e! af ii o 0 ma is r e tr o gr a da p os si ue l; p or e x emp l o d i an te d e um P i ca s -s o , po d e t ra n sf orma r- se n a ma is p r og r es si st a,p o r e x emp l o d ia n te d e um Chap li n .Aqui , a r e a cca o progressista caracteriza-se pelo facto de 0prazer da observa-c;:aoe da vivencia estar directa e intimamente associado a atitude do perito.' Ial I igacao e urn indfcio social importante: quanto mais diminuir 0signifi-cado social de uma arte, tanto mais hayed no publico urn divorcio entrea atitude crftica e 0 prazer - como se prova nitidamente com a pintura.o convencional e apreciado sem sentido cri tico, aquilo que e verdadeira-mente novo critica-se com rna vontade. No cinema, a atitude critica e deprazer do publico coinc idem. E a c ircunstancia decisiva neste caso e a se-guinte: em pane alguma, mais do que no cinema, as reaccoes dos indivi-duos, cuja soma constitui a r e a cca o em massa do publ ico, se mostram apartida condicionadas pela sua rna s s i f i cacao iminente. E na medida em quese manifestam, controlam-se. Tambem neste caso e uti l a compa r a ca o coma pintura. Urn quadro so se podia oferecer a contemplacao de urn indivi-duo ou de urn pequeno grupo. A contemplacao de quadros por mui tas pes-soas s imultaneamente, como severifica no seculo XIX, e urn dos primeirossintomas da crise da pintura, que nao foi de modo algum desencadeadaunicamente pela fotografia, mas surgiu relat ivamente independente des ta,peIa tendencia de levar a obra de arte ate a s massas.De facto, 0quadro nao te rn condicoes para ser objec to de uma recep -c;:aocolectiva simultanea, como sempre foi 0 caso da arquitecrura' , como

    IBenjamin atrribui a a rqui te crura urn papel fundamental como forma de a rte que lhe permi te docu-menta r aquilo a que , numa das var iantes do capitulo XVIII da prime ir a ver sao do ensaio sobre A obr a d ea rte . . . ' , c hama a re cepcao na dis tr ac cao, i sto e I lio r ef le xiva e nao contempla tiva , e pelo colec tivo , colo-c ando-a a par da do rec lamo, que nao dis tingue da a rte. Torna -s e aqui visfvel a oposicao exi st ente ent re a sconcepcoe s de Benjamin (ou tarnbem Brecht) nos anos uin ta e a s da Teoria crftica da Escola de Frankfurt

    Est et ia e Sociologia da Arre 2 31

    acon teceu antigamente com a epopeia , como acon tece hoje em dia com 0cinema. E por muito poucas conclusoes que desta circuns tancia especff icase possam tirar acerca do papel social da pintura, ela funciona como urnpesado entrave no momento em que a pintura, devido a determinadoscondicionalismos, e de certo modo contra a sua natureza, se ve directa-mente confrontada com as massas. Nas igrejas enos mosteiros da IdadeMedia e nas cortes dos principes ate finais do seculo XVIII, a recepcaocolectiva de quadros nao se efectuava em comum, mas por urn processomediador mul tiplamente esca lonado e h iera rquizado. 0 facto de a situa -c;:aose ter rnodificado traz a superflcie 0conflito especial em que a pintu-ra foi envolvida devido a possibilidade de reproducao tecnica do quadro.Mesmo quando se procedeu a sua exposicao para as massas em galerias esaloes nao se encontrou maneira de as massas se poderem organizar econtrolar perante essa nova forma de recepc;:ao23. Assim, 0 mesmo publi-co, que reage de urn modo progressista perante urn filme grotesco, assu-me uma ati tude retrograda perante 0 surrealismo.

    sobre 0problema da situacao da arte perante 0desenvolvimento tecnologico e econornico e os novos meiosde producao que da l r esul ta rn (atecnica e a sua uti li za cao tarnbern na producao a rt ls ti ca ). Enquanto paraB en jami n e B re ch t - nos anos t rin ta , e cer to - es se d es envo lv imen to dos mei os d e p roducao imp li ca umat ran sf or rn acao ra di cal do conc ei to t ra di ci on al d e a rt e e d a su a au tonomi a, p ara Ador no e Mar cu se as duasesferas (a da arte e a da indust ri a da cul tura) s ao vis ta s como dis tintas e mesmo inconci li avei s: a a rt e man-t er n a su a a utonomi a ( re la ti va, embor a) e a tecn ici zacao da obr a d e ar te (em que Br ec ht e B en jami npunham tantas esperancas) leva a e liminacao da a rte. No ambito da industria da cultura do neocapita lis-mo, com a sua enorme capac idade de inregra cao, a a rt e 56pode ra subsi st ir c omo negacao des se s ta tu s q u oque the e exterior, e com 0qua l nao pode ent ra r em qua lque r e spec ie de re conc il ia cao (hoje sabemos comoas formas pos-modernas da a rte inegraram rotalmente, e s em complexos , e ss e rnundo da vida), Se paraBrecht 0capit al ismo encontr a em s imesmo (na dinamica propr ia das sua s c ri se s) os obsclculos ao seu pro-prio desenvolvimento , para Adorno e Horkheime r a indust ri a da cultura, na sua forma capitalis ta tardia,seria um sistema a prova de crises. As possibilidades transformadoras da a rte s er iam mui to reduz idas , a suaf im~o t er ia d e l imi tar -se a ser c rl ti ca e n egat iv a ( al guns dos ma rc os mai s impor tan tes d es ta re fl ex ao daTeor ia c rl ti ca foram : a Dialictica do Aufkl i irung , de Ho rkheimer l Ador no [1944), a Teoria Est i t ica deAdorno [1970) eA Dimensdo Estltica de Marcuse [1977)). (N. do T. )

    23 Est e pon to d e v is ta podera p are cer g ro ss ei ro mas , como most ra 0 grande teor ico Leona rdo, podere co rrer -se a pon to s d e v is ta g ro sse iro s n a a lt ur a p ropri a. Le onar do c ompar a a p in tu ra e a rmi si ca com a sseguintes palavras: A pinrura e superior a musi ca porque nao es ta condenada a mo rr er l ogo a nascenca,como no cas o da inf el iz mus ic a . .. A mti si ca , que desaparec e a ss im que nasce , f ic a a rr as da p in tu ra, q ue s etornou eterna pelo uso do verniz . (Leonardo da Vinci, Frammenti le t te rari i e f i loso fic i . Apud FernandBaldensperger, L e r af fe rm is sement des technique s dans la l it te ra ture occ identa le de 1840, in Revue d eL i t te ra tu r Compa re e , XVI I, P ar is, 1 935, p . 79, not a 1 .)

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    15/19

    2 32 Walter Benjamin

    XIII.

    o cinema caracteriza-senao so pelo modo como 0 homem se apresen-ta perante a aparelhagem, mas tambem pelo modo como, com a ajuda des-ta, ele se representa 0mundo circundante. Bastou lancar urn olhar para apsicologia das performances para verificar a capacidade que a aparelhagemtern de avaliar. A psicanalise permite ilustrar essa mesma capacidade deoutra perspectiva. De facto, 0 cinema enriqueceu 0 mundo da nossa per-cepcao com merodos que podem serexplicados recorrendo a teoria freudia-na. Urn lapso no dialogo passavamais ou menos despercebidoha cinquentaanos. A abertura subita de uma perspectiva profunda no dialogo, que antesparecia decorrer a superficie, pode contar-se entre as excepcoes , Depois daPsicopatologia d a V id a Quotidiana tudo isto semodificou. Elaisolou e simul-taneamente tornou analisaveis coisas que anteriormente navegavam, semque dessemospor elas, na vasta corrente da percepcao. 0 cinema tevecomoconsequencia, em todo 0 ambito do mundo da percepcio visual, e agoratambem acustica, urn aprofundamento semelhante da percepcao consciente.o reverso deste facto e que as accoesapresentadas por urn filme se podemanalisar com muito mais exactidao e sob muitos mais pontos de vista do queas accoes representadas na pintura ou no teatro. Por contraste com a pintu-ra, e a indicacao incomparavelmente mais precisa da situacao que aumenta apossibilidade de analise da ac

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    16/19

    234 W al te r B en ja mi n

    segundo a di spos icio com que estamos. Aqui intervern a camara com osseus meios auxiliares, plonges e contreplonges, interrupcoes e imobilizacoes,retardador e acelerador, arnpliacao e reducio, E ela que nos inicia no in-consciente optico, tal como a psicanalise no inconsciente pulsional.

    XIV.

    Uma das mais importantes tarefas da arte foi desde sempre a de geraruma procura cuja total satisfacao ainda se nao r ea l izou-o . A historia de

    26 A o br a d e arte, d i z A n d re B r et o n, s o t er n v a lo r n a m ed id a e m q ue f or a tr a ve ss a da p or r ef le xo s d of ut ur o -' , D e f a ct o, t od a a f or m a d e a r te p le na m en te d es en vo lv id a s e s it ua n o c ru za r ne nt o d e t re ,s l i nh as d ee vo lu ci o, E m p ri me ir o l ug a r, a t ec ni ca e vo lu i c om v is ta a u rn a d et er mi na d a f or m a d e a r t e. A n te s d e a p ar ec ero c in em a h av ia l iv ro s d e f o to gr a fi as c uj as i ma g en s, p a ss a nd o r a pi da m en te d ia n te d o e sp ec ta d or q ue f ol he av ao liv ro s ob a p ressao d o p ol eg a r, m os tr a va m u r n comba te d e b oxe o u u ma pa rtid a d e ren i s , h av ia a s rnaqui-na s autornaticas nos baza res, e m q ue a p as sa ge m d as i ma ge ns e ra p rovocada p el o r od a r d a m a ni ve la . Er ns eg un do l ug a r, a s f or ma s d e a r te t ra d ic io na i s r r ab a lh ar n e sf or ca d am en re , e m c er ta s f us es d a s ua e vo lu ca o ,para o b te r e f ei r o s q ue m a is t ar de s a o a t in gi do s s em esfo rco p ela n ov a f or ma d e a r re . A n te s d e 0c in em a s e teri mp os to , o s dada fst a s procuraram, a tr a ve s d as suas rn an i fescacoes, lev ar a o p ub lico u rn m ovi men to qu eC ha p li n d ep oi s p ro vo co u d e m od o n a tu r al . E m t er ce ir o l ug a r, r ra n sf or m ac oe s s oc ia is a p ar en te me nt e i ns ig ni -f ic an te s a ctu am f re qu en re rn en te c om v is ta a u ma t ra ns fo rm ac ao d a r ec ep ca o q ue s 6 a n ov a f or ma d e a rtev er n a a p ro ve it ar . A n te s d e 0c in em a t er c om ec ad o a c ri ar 0s eu p ub li co , m os tr a va m -s e n o Kaiserpanoramari ma g en s ( qu e j a na o e ram estaticas) a o p ub li co a li r eu ni do . E s se p ub li co est ava em frente d e u rn guarda-- ve nr o, n o q ua l s e t i nh am i ns ta la d o este reo scop io s, u rn p a ra c ad a v is it an te . D ia n te d es te s estereoscopios a p a -r e ci a m a u to m a ti c am e nt e i m ag e ns isoladas, q ue s e c on se rv av am p ou co te mp o, p ar a lo go darern lug ar ao ut ra s . E d is on a in da t ev e d e r r ab a lh ar c om m ei os s em el ha n te s q ua n do a p re se nt ou a p ri me ir a f it a c in em a to -g r a fi ca ( a n te s d e s e c o n h ec er 0e cr a e r od o 0p ro ce ss o d e p r oj ec ca o d o f il me ) a u r n p ub li co r es tr it o, q ue o lh a-v a f i xa m en te p a r a 0 a p ar el ho e m q ue s e e s ta va a d es en ro la r a s eq ue nc ia d a s i ma g en s. D e r es to , n a i ns ta la ca odo Kaiserpanorama p e r ce b e- s e n i ti d amen r e um a dialecrica da evolucao. P o uc o a n te s d e 0c i ne m a t er t o rn a d oc o le ct iv a a c o nr e mp la c a o d e i m a ge n s, a S u a c o n re m pl a ca o i n di v id u a l d i an t e d o s e s re r eo s co p io s d es t es e s ta b e-l ec im e nt os r a p id a m en t e u l tr a p as s a do s i rnpoe-se uma vez m ais com a m esma for ~ da a n t ig a c o n re r n pl a ca odas i m ag e ns d o s d e us e s p e lo s s a ce r do te s n a c e l l a do t emp l e ,

    i N a o m e f oi p os sf ve ll oc al iz ar c om e xa ct id a o a c it ac ao d e B r et on , d e q ue B en ja m in t ar nb em n a o i nd ic aa F on te . N o e nt an ro , n a a ltu ra e m q ue e st e e s cr ev e 0p ri me ir o e sb oc o d es te e ns a io , a p re se nt av a B r et on u mac or nu ni ca ca o a o C on gr es s o d e E s cr it or es r eu ni do e m P a ri s, n a q ua l f a zi a a f ir m ac oe s m ui to p r6 xi ma s d a c it a-s c a o (q u e e v en t ua l me n te f o i f ei ta d e memor i a po r Be n jam i n ) : E s r a p ro pr ie da d e [ i. e . a p er en id a de d e c er ta so br a s] r ev el ad a d e l on ge e m l on ge p or c er ta s o br a s d e a r te , s 6 p od e s er e nr en di da e m f un s: ao d a s ua s it ua ca om u it o p a rt ic ul ar n o t em po , d es te e st at ut o d e f iguras d e proa q ue e la s a s su rn em e m r el as :a o a s c i rcuns ranc iash i st 6 ri c as q u e! he s d e ra m o r ig e m. C . . ) A heranca c ul tu ra l, n a f or m a e m q ue p od em o s recebe-la, e a n te s d em a is a s om a d e t ai s o br a s c om u rn co nt ei id o l at en te e xc ep ci on a lm en te r ic o. E s sa s o br a s - n a p oe si a, h oj e,a s d e N er va l, B a ud el ai re , L a ut re am on t, J ar ry , e n a o t an to a s p re te ns a s o br a s cl as s ic as - ( os c la s si co s e sc ol hi -d os p ela s oc ie da de b ur gu es a n ao s ao n os so s) - c on ti nu am a nt es d e m a is a s er anunc iadoras, e a s ua i nf lu en -c ia c re sc e s em c es sa r ( . .. ) >>( A . B re to n, D is co ur s a u C on gr es d es E c ri va i ns ( 1 93 5 )> >, i n: M a ni /e st es d uSurrea l isme , P a ri s, J ea n -J a cq ue s P a uv er t, 1 9 62 , p . 2 8 3. ) (N . do T. )

    E s tet ica e Soc iologia da A rte 2 35

    cada forma de arte conhece epocas crfticas em que esta forma aspira aefeitos que so se conseguem obter l ivremente quando se chega a urn nfveltecnico diferente, isto e , a uma nova forma de arte. As extravagancias ecruezas da arte que daqui resultam, sobretudo nas chamadas epocas dedecadencia, t ern, de facto, a sua origem no cent ro das suas forcas histori-cas mais ricas. 0 Dadafsmo foi a ultima forma de arte em que aindaabundaram tais barbari smos. So agora se pode conhecer 0 que 0 impul-sionou: 0 D ad aism o ten tou criar, co m o s m e io s d a p in tu ra (e da litera tura ),o s e fe it o s q u e 0p ub lico h oje em dia p ro cura no cin em as.

    Toda a criacao de necessidades radicalmente nova e pioneira teraconsequencias muito para alern do seu objectivo. E 0 que se passa com 0Dadafsmo, na medida em que sacrifica os valores do mercado, tao pro-prios do cinema, em favor de intencoes de maior relevo - de que, eviden-temente, nao tern consciencia na forma em que aqui sao descritas. Osdadafstas davam muito menos importancia a uti lidade rnercanri l das suasobras de arte do que a imposs ibil idade de serem uti lizadas como objectode rnediracao contempla tiva. Para conseguir esta impossibilidade naorecuaram sequer perante a degradacao sistematica do seu material . Os seuspoemas sao uma salada de palavras, contem expressoes obscenas e tudoo que se possa imaginar de detritos de linguagem. 0 mesmo acontececom os seus quadros, em que colavam botoes ou bi lhetes de electri co, 0 queconseguem com tais meios e a an iqui lacao impiedosa da aura das suas cria-

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    17/19

    Wal te r Benjamin

    de August Stramrn', termos tempo para nos concentrarmos e aprecia - loscomo diante de urn quadro de Derain ou de urn poema de Rilke. A medi-tac;:aoque se tornou, no processo de degeneracao da burguesia, uma escolade comportamento assoc ial , cont rapoe-se a disrraccao como uma formaespecial de comportamento social- '. De facto, as manifes tacoes dadaistasasseguravam uma extrema dist raccao, na medida em que faziam da obra dearte 0 centro de urn escandalo. Ela tinha de sa ti sfazer sobretudo uma exi -gencia muito concreta: causar indignacao publica.

    De tentacao para a vista ou seducao para 0 ouvido, a obra de artetornou-se urn proj ect il nas maos dos dadai stas. Espectador e le itor e ramatingidos por ele . Adquiriu uma qualidade palpave l, com 0que favoreceua viragem para 0cinema. Aqui, 0elemento que provoca a dis traccao tam-bern e antes de mais palpavel , porque se baseia nomeadamente na mudan-ca de lugar e de plano, que funcionam como golpes que 0 espectador vairecebendo. Cornpare-se a tela sobre a qual 0 filme e projectado com atela em que esta a pintura. Esta convida 0 espectador a contemplacao:diante dela, ele pode ent regar-se aos seus pensamentos. Diante do fi lmeja nao acontece 0mesmo. Mal f ixou 0 olhar, ja a imagem mudou. A ima-gem do filme nfio pode ser fixada. Duhamel, que odeia 0 cinema e quenao compreendeu nada do seu signi ficado, embora mui to da sua estrutu-ra, comenta assim esta circunstancia: Ja nao posso pensar aquilo quequero. A s imagens em movimento ocuparam 0 lugar dos meus pensa-mentos--s. De facto, a cadeia de associacoes de quem contempla estasimagens e imed iatamente inte rrompida pela sua t ransformacao, Nisto sebaseia 0 efeito de choque do cinema, que, como qualquer efeito de cho-

    IAugus t Str amrn (1874-1915) e urn poe ta e drama turgo expre ss ioni st a, princ ipal r epre sentante da poe -s ia absolura do drculo ber linense da revis ta D e r S t ur m , uma forma de poe sia abs tr ac ta , r eduz ida aos e le -mentos rfrmico-melodicos essenciais, que antecipa algumas d a s experiencias dadaJstas e surrealistas. Poemasde St ramm em t raduca o port uguesa podem l er -se em: J oao Ba rr en to , A Alma e 0 C an s. C er n P oe ma sExpre ssion istas. Lisboa, Relogio d 'Agua, 2001, pp. 272-289; e uma ana li se da sua poe sia em: Joao Bar rento,A P oe si a do Expressionismo Alemso . Lisboa, Presenca, 1989, pp. 80-91. (N. do n

    27 0 a rquet ip o reo logic o dest a med ir acao e a cons ci en ci a d e s e e sr ar a so s c om 0 s eu Deus. Foi a tr a-ye s d est a cons ci en ci a que nas epoca s d e es pl endo r d a burguesi a se f or tal ece u a l ib er dad e para s acudi r at ut el a cl eri ca l. Nas epoc as d e decad enci a d a burgue si a, a mesma cons ci en ci a t ev e d e t er em c on ta a t en -d en ci a l at en te p ara subt rai r ao amb it o d a comuni da de as fo rca s que 0 indiv fduo i so lado mobil iz a no seuconvfvio com Deus.

    28 Georges Dubamel, Scenes d e fa vie [uture, 2 ." e d. , P ar is, 1 930, p . 52.

    Es ter i ca e Sociologia da Arte 237

    que, exige ser amortecido por urn esforco de atencao intensificadot" . Porflr ra d a su a e str utu ra tecnica, 0 c in e m a l ib e rt ou 0 efeito de c ho qu e ft si co d ac ap a m or al e m q ue a in da e sta va e nv olv id o n o D ad aism ow ,

    xv.A s massas sao urna matriz a parti r da qual se renovam presentemente

    todas asvelhas ati tudes perante a obra de arte. A quantidade transformou-seem qualidade: as massas de par ticipantes , que aumentaram muitissimo, pro-vocaram uma modi ficacao do t ipo de part icipacao. 0 fac to de esta part ic i-pac ;:aoaparecer primei ro sob forma adulte rada nao deve induzi r em erro.Contudo, nao fa ltou quem se t ivesse agarrado com paixao a este lado super-fi cial da questao , Ent re eles foi Duhamel quem se exprimip de forma maisradical . A principal crit ica que faz ao c inema e 0 tipo de parti cipacao quesuscita nas massas. Chama ao cinema urn passatempo para ilotas, urna dis -traccao para criaturas incultas, rniseraveis, estafadas, consumidas pelas suaspreocupacoes . .. , urn espectaculo que nao exige qualquer concentracao, naopressupoe qua lquer capacidade de raciodnio ... , nao acende nenhuma luznos coracoes e nao desper ta no espectador qualquer outra esperanc;:aalem dodesejo r idfcu lo de urn dia se tornar star em Los Angeles-s ' . Ve-se que , nofundo, e 0ve lho clamor de que asmassas p rocuram a dist raccao, enquanto aarte exige concentracao da par te do espectador. E urn lugar-comurn. Restaapenas saber se ele esta apto a fomecer pistas para a inves tigacao do cinema.

    29 0 c in ema r ep rese nt a a f orma de a rt e c orr es ponden te ao per igo de mo rt e cr es cen te que o s home ns dehoje tern de enf rentar , A neces sidade que 0homem t er n d e se e xpor ao s e fe it os do choque e uma adap tac aoaos per igos que 0 ameacam , 0 c inema cor re sponde a r rans formacoe s profundas do apa re lho da percepcaoconsciente - rransforrnacoes que qualquer rranseunte da s grandes c idades sente no plano da exi st encia priva -da e ,no plano his tori co , todo 0cidadao de hoje.

    30 Tal c omo pat a 0 DadaJsmo, ha que t i r ar do c inema impor tantes conclus ii es para 0 Cubi smo e 0Futur ismo. Ambos surgem como tenra tiva s def ic ientes de uma a rte que que r levar em conta a penet ra cio darealidade pela aparelhagem. Estas escolas, ao contrario do cinema, empreenderam a sua tenta tiva , nao atravesdo aprovei ramenro da apa re lhagem pata a repre senrac ao a rt is ti ca da rea lidade , mas a tr aves de uma e spec ie defusao da rea lidade repre sentada com a apa re lhagem repre sentada. Nes te proce sso a ssume papel de relevo noCubismo 0pressentimento da estrutura desra aparelhagem, que sebaseia na optica, e no Futurismo 0pressen-timento dos efeitos desta aparelhagem, que sobressaem na passagem rapida da fita cinematogcifica .

    31 Duhamel, op . cit. , p . 58.

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    18/19

    Walter Benjamin

    Aqui e preciso olhar para ascoisas mais de perro. Dis traccao e concenrracaoopoern-se de urna forma a que se pode dar a seguinte fo rmu la c ao : aqueleque se concentra diante da obra de arte mergulha nela ; e absorvido por essaobra, como aconteceu, segundo a lenda, a urn pintor chines ao ver 0 seuquadro conclufdo. Pelo contrar io , as massas, pela sua propria distraccao,mergulham a obra de arte em si .Os ediHcios sao 0 exemplo mais manifesto.Desde sempre a arquitectura constituiu 0 prototipo de uma obra de artecuja recepcao se produz colectivamente e na distraccao. As leis dessa recep-

  • 8/3/2019 Benjamin, A Obra de Arte

    19/19

    Walter Benjamin

    T o do s o s e sf or ro s de e ste tiza dio d a p olltie a c ulm in am n um p on to . E stepon to e a gue rr a . E a guerra e so a guerra que to rna possivel dar uma fina li-dade aos mais amplos movimentos de massas, conservando as r elacoes depropriedade herdadas. Assim se apresenta a actual s i tuacao do ponto de vis-ta pol it ico. Do ponto de vista da tecnica, ela apresenta-se da seguinte manei-ra: so a guerra torna possivel mobilizar todos os meios tecnicos queactualmente exi s tern , conservando as r elacoes de propriedade vigentes. Ec laro que a apoteose da guerra pe lo fasci smo nao se serve destesargumentos.Contudo, sera proveitoso dar-lhes alguma a tencao. No mani festo de Mar i -ne tti sobre a guerra co lonia l et fope pode ler-se: Ha vinte e sete anos quenos, futuristas, nos erguemos contra 0 facto de a guerra ser considerada anti-e s te r ic a . . . De acordo com isso, verificamos que: ... A guerra e bela porquegras:as a s mascaras de gas , aos horriveis megafones, aos lanca-chamas e aostanques pequenos, consegue fundamen tar a supremacia do homem sobre amaquina subjugada. A guerra e bela porque inaugura a tao sonhada rnetali-zas :aodo corpo humano. A guerra e bela porque enriquece urn prado floridocom as orquideas flamejantes das metralhadoras. A guerra e bela porque reu-ne numa sinfonia os tiros de espingarda, de canhao, aspausas do cessar-fogoe os perfumes e odores dos cadaveres em decomposicao. A guerra e bela por-que cria novas formas arqui tectonicas, como as dos grandes tanques, dasesquadrilhas geometricas de avioes, da s espirais de fumo da s aldeias incen-diadas e muitas outras coisas . .. Poetas e art is tas do Futur ismo . .. , lembrai--vos des tes fundamentos de uma estet ica da guerra, para que a vossa luta poruma nova poesia e uma nova escultura ... se ja po r e les i luminadab-o

    Este manifesto te rn a van tagem da c lareza . A mane ira como aborda aquestao merece ser adoptada pela dialect ica. A estet ica da guerra contem-poranea coloca-se-lhe da seguinte maneira : se 0 aproveitamento natural

    logia da guerra fei ta no l ivro K r ie g u n d K r ie g er [Guerra e Guerreiros], da responsabilidade de ErnstJunger. Na altura em queWalter Benjamin escreveas variasversoes deste ensaiosobre .< A obra de arte... (entre 1934 e 1937), sai tambem dos prelos0 livro de Ernst Bloch Erbschaft dieserZeit [AHeranca desreTempo] (1935), em que este fil6sofo desenvolve uma teoria explicarivado fen6meno fascistaque apresen-ta alguns pontos de contacro com a de Benjamin. A categoriacentral da analise de Bloch - a ex-tempera-neidade, ou nao-conremporaneidade (Ungleichzeitigkeit) radical dessa manifestacao - poderia aplicar-se,por exemplo, ao recurso a meios tecnicos progressivose potencialmente progressistas - como 0cinema -para uma manipulacao barbarae regressivadas massas,como sugere Benjamin. (N do T.)

    35 Citado por La Stampa, Torino.

    Est er ica e Sociologia da Arte

    das forcas produtivas e retardado e impedido pelas relacoes de proprieda-de v igentes, a intensifi cacao dos recursos tecnicos, dos ritmos de vida, dasFontes de energia, leva a que elas sejam aproveitadas de urn modo naonatural. E 0 que se passa na guerra que, com as suas destruicoes, provaque a soc iedade nao estava suficientemente madura para se servi r da tee-nica como urn orgao seu, que a tecnica nao estava suficientemente avan-cada para dominar as forcas sociais elementares. Nos seus traces maishorrendos, a guerra imperiali sta e de terminada pela discrepancia entre osmeios de producao poderosos e 0 seu aprove itamento insuficiente noprocesso produtivo (por outr as pa lavras: pelo desemprego e fa lta de mer-cados). A gue rr a impe ri a li s ta e a r ev ol ta d a t ec ni ca q ue r ee ol he n o m at er ia lh um a no o s d i re it os q ue a s oe ie da de l he r et ir ou d o s eu m a te ri al n at ur al . Emvez de canal iza r cursos de agua , a tecnica cana liza a corrente humana parao leito das suas trincheiras, em vez de lancar sementes do alto dos seusavioes, espalha bombas incendiarias pelas cidades, e na guerra do gasencontrou uma nova maneira de acabar com a aura.

    F ia t a rs - p er e at m u nd us ', diz 0 fascismo que, como confessou Mari-net ti , espera da guerra a sa t i s facao art is tica da percepcao transformada pelatecnica. Trara-se visivelmente da consumacao da arte pela arte. A humani-dade, que antigamente, com Homero, foi objecto de contemplacao paraos deuses ol impicos, tornou- se objecto de contemplacao para si propria.A alienacao de si propr ia atingiu 0grau que the permite viver a sua propriaaniquilacao como urn prazer estet ico de primeira ordem. Ii a s sim a e s te t iz a -r il o da po l lt ie a p r a ti e ada pe l o f a s e ismo . 0e omun ism o r es po n de -t he c om a p o l i -t iz a ri lo da a r te .

    IF ia t a r s. .. e a versao, intencionalmente modificada, da divisa F i at i u st it ia e t p e r ea t m u n du s , atribui-da pelo humanista Johannes Manlius, disdpulo de Melanchron, ao imperador Fernando 1(1503-1564),irmao de Carlos V (vd,J. Manlius, Locor um commun ium c o ll e ct a ne a . .. , Basileae,1563, Livro 2, p. 290).(N do T. )