Benito Regimes de Historicidade

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    *Professor do Departamento de Histria e do Programa de Ps-Graduao em Histria da

    UFRGS; e-mail: [email protected]

    Biografia e regimes de historicidade

    Benito Bisso Schmidt*

    Introduo

    A biografia voltou a ocupar um lugar de proa na historiografiacontempornea. Prova disso que, a partir de meados dos anos 80, algunsdos mais renomados historiadores da atualidade consagraram trabalhos ao

    estudo de trajetrias individuais.2 Sintoma da crise dos grandes paradigmasexplicativos? Manifestao acadmica do individualismo que marca a nossapoca? Concesso ao gosto popular por fofocas e mexericos? Muitas so astentativas de explicar o retorno e o sucesso do gnero, mas difcil negara sua importncia na reflexo atual sobre o conhecimento histrico.

    O presente artigo no busca, obviamente, dar conta de toda a complexagama de questes suscitada pela biografia histrica, mas apenas situar eanalisar algumas delas. Em primeiro lugar, pretende-se rastrear a trajetriadesse gnero a partir da noo de regimes de historicidade, a fim de mostrar

    Resumo: O artigo aborda, inicialmente, atrajetria do gnero biogrfico no campodo conhecimento histrico a partir danoo de regimes de historicidade, naforma como proposta por FranoisHartog. A seguir, analisa algumascontrovrsias que cercam os estudosbiogrficos na atualidade, propondo

    alternativas para super-las.Palavras-chave: biografia, regimes dehistoricidade, historiografia.

    Abstract: The article deals, initially, withthe path of the biographic genre in the fieldof historical knowledge according to thenotion of regimes of historicity as it isproposed by Franois Hartog. Then itanalyses some controversies around currentbiographic studies proposing alternatives toovercome them.

    Key words: biography, regimes of historicity,historiography.

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    que certas questes e problemas a ele relacionados j possuem uma longatradio de estudos e debates; a seguir, tenta-se mapear algumas controvrsias

    que cercam as biografias, propondo alternativas para super-las.

    Encontros e desencontros entre histria e biografia

    Em seu sentido lato, de escrito que tem por objeto a histria de umavida particular, a biografia est ligada ao prprio surgimento da histria comoforma de conhecimento do mundo. Para examinar a trajetria das relaesentre histria e biografia, valho-me da noo de regimes de historicidade, naforma como proposta por Franois Hartog (1997, p. 8), ou seja,

    [...] como uma formulao sbia da experincia do tempo que, emretorno, modela nossos modos de dizer e de viver nosso prpriotempo. Um regime de historicidade abre e circunscreve um espaode trabalho e de pensamento. Ele ritma a escritura do tempo,representa uma ordem do tempo, qual se pode subscrever ou, aocontrrio (e mais freqentemente), querer escapar, procurandoelaborar uma outra.3

    Pode-se dizer que, pelo menos at o final do sculo XVIII e incio doXIX, as biografias acompanhavam um regime de historicidade que buscava, no

    passado, exemplos, positivos ou negativos, para as aes tomadas no presente:era a chamada histria mestra da vida (historia magistra vitae), pela qual cabiaao passado iluminar o futuro. Esta [...] repousava sobre a idia de que o futurono repetia o passado, porm no o excedia jamais (movia-se no interior domesmo crculo, com as mesmas regras do jogo, a mesma providncia e osmesmos homens, partilhando a mesma natureza humana) (Hartog, 1997,p. 9-10). Essa frmula remonta a Ccero, mas os gregos j a praticavam desdeo sculo IV a.C., seno j no sculo V a.C, com Tucdides.

    As Vidas paralelas, de Plutarco, so um bom exemplo dessa forma de

    se conceber e de se escrever a histria. Em uma formulao clebre, o autorexplicitou suas motivaes para apresentar as vidas dos grandes homens daAntiguidade: a histria dos grandes homens como um espelho que euolho a fim de trabalhar para, em alguma medida, regrar a minha vida e meconformar imagem de sua virtude (apud Frazier, 1996).4 Segundo FranoiseFrazier (1996, p. 277), em Plutarco percebemos uma ntima ligao entremoral e histria, pois ele busca, no passado, ensinamentos para o presenteatravs do exemplo de seus personagens:

    Plutarco desenvolve uma lio de civismo e desenha um ideal dehomem da cidade nutrido pelo passado e, no entanto,profundamente atual. A escolha que ele fez de contar as Vidas degrandes homens do Estado do passado no deve ser confundida,

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    de maneira alguma, com um laudatio temporis actinostlgico [...]suas biografias tentam recuperar a herana grega para nutrir a vida

    da cidade moderna.5

    Tal perspectiva foi retomada pelo Cristianismo e pelos historiadoresmedievais expressando-se, de forma muito ntida, nas hagiografias, as vidasde santos, cujo objetivo era, sobretudo, pedaggico: mais do que apresentara vida de um homem, essas narrativas edificantes ofereciam modelos deconduta, de virtude, de caridade, de castidade, de f, etc. Segundo JacquesLe Goff (1989, p. 50), tratavam-se de [...] biografias retocadas e seguidorasde modelos estereotipados e normativos.

    A partir do final da Idade Mdia, percebe-se uma progressivatransformao na escrita biogrfica e tambm autobiogrfica. De acordocom Philippe Lejeune (1993, p. 9-10), [...] aparecem, ento, ao lado dasobras de inspirao religiosa, os livros de razo, as histrias de vida depessoas mais comuns, menos exemplares. Para o autor, no sculo das Luzes,com a idia de que todos os homens nascem livres e iguais em direito,torna-se [...] pensvel e legtimo para todos e cada um contar a sua vida.Essa mudana pode ser ilustrada pelas diferenas existentes entre duas clebresConfisses, a de Santo Agostinho e a de Rousseau: se a primeira o relato

    de uma converso, da passagem do vcio virtude; a ltima aparece como atentativa de expressar, da maneira mais sincera possvel, a vida do autor,inclusive com seus pecados, em uma espcie de protesto contra a hipocrisiavigente (Bonhte, 1988). Lejeune (1993, p. 11) chega a considerar que aobra de Rousseau marca [...] a reviravolta de toda uma poca. O que severifica, portanto, a constituio de um novo regime de historicidade noqual cabe ao futuro esclarecer o passado:

    As lies da histria so substitudas pela exigncia de previses. Ohistoriador no mais elabora o exemplar, mas ele busca o nico. Na

    historia magistra, o exemplo ligava o passado ao futuro atravs dafigura do modelo a imitar. Com o regime moderno, o exemplar,como tal, desaparece para dar lugar quilo que no se repete. Opassado est, por princpio, ultrapassado. O futuro, isto , o pontode vista do futuro domina. [...] Este futuro que esclarece a histriapassada, este ponto de vista e este telosque lhe do sentido, adquiriu,sucessivamente, com as vestes da cincia, a imagem da Nao, doPovo, da Repblica ou do Proletariado. Se ainda resta uma lio dahistria, ela vem, por assim dizer, do futuro e no mais do passado.Ela est em um futuro que acontecer como diferente do passado

    [...] (Hartog, 1997, p. 9). nessa concepo futurista, base da ideologia do progresso, que se

    apoiam algumas das grandes filosofias da histria do sculo XIX como o

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    positivismo e o marxismo. Em ambas, as transformaes histricas aparecemcomo produtos de foras (leis naturais e imutveis) impessoais, cabendo ao

    indivduo uma nfima margem de atuao. Tambm os grandes historiadoresdo sculo XIX, como Michelet e Lavisse, ancoraram suas narrativas emnoes coletivas como povo e nao (Weinberg, 2000, p. 24).

    Enfim, neste regime moderno de historicidade no qual no cabe histria oferecer exemplos para o presente mas, ao contrrio, projetar ofuturo e perceber como ele esclarece o passado , a biografia acabou sendoexilada dos domnios da historiografia. Paradoxalmente, o sculo XIX marcao triunfo do eu, do individualismo, da introspeo, que se manifesta dasmais variadas formas: nos auto-retratos, no gosto pelos dirios e memrias,no romance, na autobiografia. Desnudar-se, revelar-se, conhecer-se sopalavras de ordem da burguesia oitocentista (Gay; Romantisme, 1999, 1987).A biografia tambm desponta nesse panorama, especialmente no campoliterrio. Conforme Tadi (1970, p. 44), o sculo XIX inteiro fala na primeirapessoa. Em todos os gneros literrios, para alm de todas as escolas, emesmo nas reaes as mais anti-romnticas na aparncia, a subjetividade seafirma como em nenhuma outra poca. Rodrigues (1978, p. 203), de outroponto de vista, considera que a narrao histrica de vidas individuais

    encontrou, apesar de suas tradies clssicas, um forte estmulo com o adventoda sociedade burguesa, essencialmente individualista. Segundo ele, a biografiafoi um elemento importante na difuso da mstica do individualismo burgus,orientando-se para a descrio no apenas de vidas, mas de sociedades quese curvavam frente onipotncia de indivduos geniais. Uma grande partedas obras biogrficas escritas nos finais do sculo XIX e princpios do sculoXX testemunham um ideal de soc iedade onde os homens capaze sencontrariam abertas todas as possibilidades de sucesso. Apesar de sertambm o sculo da descoberta da multido (com Le Bon, Tarde, entre

    outros), ou talvez por causa disso,6

    o sculo XIX d proeminncia ao indivduocomo fonte de inspirao e objeto de reflexo.

    Hartog (1997, p. 10) salienta que o regime de historicidade

    [...] no uma entidade metafsica, vinda do cu, mas um plano depensamento de longa durao, uma respirao, uma rtmica, umaordem do tempo, que permite e probe pensar certas coisas.Contestado to logo de sua instaurao, um regime de historicidadereformula, recicla os elementos anteriores da relao de tempo, afim de fazer com que ele diga outra coisa, de outra maneira [...]. Um

    regime, finalmente, jamais existe em estado puro.Assim, o regime moderno de historicidade e o (nfimo) papel nele

    ocupado pelo gnero biogrfico foram alvo de crticas desde o seu surgimento.

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    Thomas Carlyle (1997, p. 23-55), por exemplo, ainda em 1840, deplorava ofato de viver em uma poca ctica: o perodo no qual ns vivemos [...]

    parece negar a existncia de grandes homens, e negar mesmo que suaexistncia seja desejvel. Para ele, os opositores da concepo herica dahistria viam o grande homem como um produto de sua poca, posiocriticada pelo autor: um homem no pode dar prova mais tristementeespetacular de sua prpria pequenez que ao se negar a crer nos grandeshomens. Na viso de Carlyle, [...] a Histria Universal [...] no nofundo outra coisa que a histria dos grandes homens. [...] justo considerarque a alma de toda a Histria do mundo a Histria de seus heris. [...] AHistria do mundo no mais que a biografia dos grandes homens.

    Lon Tolsti (1974, p. 780, 785) tambm participou desse debate,tecendo uma crtica perspectiva da histria herica: Para o historiador,que examina o papel de um personagem histrico na realizao de algumobjetivo nico, existem os heris. Para o artista, que examina as reaes deum personagem em todas as condies da vida, ele no pode e no deve terheris, mas ele deve ter homens comuns. O romancista, referindo-se invaso napolenica na Rssia, escreveu: um acontecimento no qual milhesde homens se mataram, onde mais de meio milho encontraram sua morte,

    no pode ter por causa a vontade de um s homem [...] h uma infinidadede causas e nenhuma delas pode ser chamada de a verdadeira causa.7

    O sculo XIX foi marcado pela discusso a respeito do papel doindivduo na Histria. Essa, medida que se constitua como uma disciplinaautnoma e com pretenses cientficas, acabou menosprezando o estudo detrajetrias individuais, estigmatizando a biografia como um gnero menor,mais prximo do anedtico e do antiquarismo dos amadores.

    De acordo com Hartog (1997, p. 11-13), no sculo XX,progressivamente, instaura-se um novo regime de historicidade, o

    presentismo, que, contra a celebrao do passado e a idia de progresso,afirma o presente como nico tempo possvel:

    contra o passado, que tambm a morte coloca-se na frente a vidae o presente. [...] Passou-se, portanto, em nossa relao de tempo,do futurismo para o presentismo: para um presente que , para simesmo, seu prprio horizonte. Sem futuro e sem passado, ougerando, quase diariamente, o passado e o futuro de que necessitacotidianamente. O slogan Tudo, imediatamente!, pichado nosmuros de Paris, em 68, um bom exemplo dessa hipertrofia dopresente.

    A historiografia respondeu a essa mutao, de forma nem imediatanem direta, voltando sua ateno para outras temporalidades como a longa

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    durao braudeliana ou a histria imvel de Le Roy Ladurie, ou ainda, noplano das mentalidades, a histria antropolgica de Le Goff. Obviamente

    que, nessa perspectiva, a biografia ligada a uma temporalidade curta,vnementielle, cronolgica, mais prxima do cotidiano tinha um espao muitopequeno. Como afirma Le Goff (apud Weinberg, 2000, p. 24), houve deforma particularmente sensvel no movimento dito dos Annales uma eclipseda biografia histrica no corao do sculo XX.8 Contudo, nesse perodo, asbiografias de personagens clebres continuaram a chegar nas livrarias, atendendoao gosto de um pblico sempre vido por ttulos como A vida secreta de...,Os segredos de... etc.; mas tais obras eram menosprezadas pelos historiadorescientficos, preocupados com o estrutural e o coletivo.

    Segundo Hartog (1997, p. 15), o presentismo vai conhecer fissurassobretudo a partir dos anos 80:

    Este presente, j inquieto, descobriu-se em busca de razes e deidentidade, preocupado com a memria e as genealogias [...],preocupado com a conservao (de monumentos, de objetos, demodos de vida, de paisagens, de espcies animais) e ansioso peladefesa do meio ambiente [...]. Como se se desejasse preservar, defato reconstituir, um passado j desaparecido ou a ponto de apagar-se, sem volta.

    Incapaz de saciar-se por si mesmo, esse presente busca umaidentidade: a moda retr, o gosto por filmes e romances histricos e ointeresse pela memria, pelo patrimnio e pelas comemoraes de efemridesnacionais so sintomas importantes das falhas do presentismo. No campoda historiografia, a obra emblemtica dessa tendncia Les lieux de mmoire,organizada por Pierre Nora entre 1984 e 1993 (cf.: Annales HSS dossiLe temps dsorient, 1995).

    Talvez seja possvel pensar que o dito retorno do biogrfico tambm

    acompanha essa onda de interesse pela histria-memria. Nesse sentido, ospersonagens do passado ressuscitariam ou, mais precisamente, seriamrecriados a fim de servirem como referncias para o presente e comorecordaes de um passado idealizado; em todo caso, como constitutivosde uma suposta identidade de classe, de gnero, racial, geracional, regional,nacional, etc.

    Arnaud (1989, p. 44-45), de forma semelhante, tambm relaciona ointeresse atual pela biografia com a busca de uma identidade por meio dahistria-memria:

    Um trao mais geral joga [...] em favor da biografia: no crepsculode um sculo XX objetivamente acabado, a cultura parece tomadade pnico diante do desmoronamento no numrico, mas

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    qualitativo do escrito. Diante do impulso de sua rival macluhaniana,a galxia Gutemberg faz o recenseamento de seus bens. Fazer o

    inventrio dos modos de pensar, de viver, de escrever, recapitular aspersonalidades, as formas e os comportamentos aparece como altima ambio coroada de um sucesso pblico. A Europa extrai dadesordem seu ltimo (?) fogo de artifcio antes da grande conversoao universo visual, espacial, anti-histrico, ps-literrio aldeiauniversal sob dominao americana. Reao um pouco medrosa,sobressalto de um olhar em migalhas que tenta se reconstituir atravsde diversos museus, dicionrios e enciclopdias que pululam hoje,mas que escapam, por seu prprio fracionamento, ao objetivo aoqual se propem secretamente [...]. Sintoma entre outros, a onda dabiografia aparece como uma resposta instintiva, uma defesa quasecega, aos empreendimentos que visam, depois da Primeira GuerraMundial, aos fundamentos da ordem, da esttica e do eu. representao de uma sociedade de estruturas onipotentes e de umindivduo plstico coloidal, dizia Muzil sucedeu aquela deuma sociedade flexvel e de um eu todo poderoso.

    No campo do conhecimento histrico, e tambm no da literatura(Arnaud, 1989), a retomada dos estudos biogrficos relaciona-se igualmentecom a crise do paradigma estruturalista, segundo o qual a histria deveria,antes de mais nada [...] identificar as estruturas e as relaes que,independentemente das percepes e das intenes dos indivduos, comandamos mecanismos econmicos, organizam as relaes sociais, engendram as formasdo discurso. Em contrapartida, os historiadores atuais quiseram restaurar opapel dos indivduos na construo dos laos sociais (Chartier, 1994, p. 101-102). Segundo o depoimento de Guene (apud Le Goff, 1989, p. 48):

    Parecia-me que o estudo das estruturas era insubstituvel. Eleiluminava o passado com uma maravilhosa coerncia. Mas tornava-o muito simples. E uma biografia permite lanar um primeiro olharsobre a opressiva complexidade das coisas. O estudo das estruturas

    me parecia tambm dar um espao demasiadamente grande necessidade. [...] Uma biografia permite conceder mais ateno aoacaso, ao evento, aos encadeamentos cronolgicos, [...] apenas elapode dar aos historiadores o sentimento do tempo vivido peloshomens.

    Concluindo essa primeira parte do artigo, cito as palavras de Prost(1996, p. 86) que, abordando o caso francs, resumem com preciso osencontros e desencontros entre histria e biografia nas ltimas dcadas:

    [...] a biografia estava plenamente legitimada pela histria poltica.Os Annales lhe negaram todo o interesse, pois ela no permitiaperceber os grandes conjuntos econmicos e sociais. Interrogar-sesobre um homem, e necessariamente sobre um homem conhecido,

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    pois os outros raramente deixaram traos, era desperdiar um tempoque teria sido melhor empregado em descobrir o movimento dos

    preos ou em circunscrever o papel dos grandes atores coletivoscomo a burguesia. Nos anos 1950-1970, a biografia, individual esingular por definio, estava assim situada fora de uma histriacientfica que se queria geral. Mas ela respondia a uma demanda dopblico. As grandes colees conheceram um verdadeiro sucesso.Os editores solicitaram os historiadores que, seduzidos pela esperanade notoriedade [...] e atrados pelos direitos autorais, aceitaram estetrabalho encomendado e nele encontraram um interesse.Simultaneamente, a configurao terica da histria mudava. Aesperana de uma histria sinttica, de uma histria total, que

    permitiria uma compreenso global da sociedade e de sua evoluo,esfumava-se. Tornava-se mais interessante compreender, a partir decasos concretos, os funcionamentos sociais, culturais, religiosos. Nestenovo contexto, a biografia mudava de status e encontrou umalegitimidade. Mas esta no mais exatamente a mesma biografia, eno mais apenas aquela dos grandes homens: ela busca menosdeterminar a influncia do indivduo sobre os eventos do quecompreender, atravs dele, a interferncia de lgicas e a articulaode redes complementares.

    A seguir, tentarei mostrar porque esta no mais exatamente a mesma

    biografia...

    Controvrsias em torno da biografia: o que h de novo?

    Torres (1985, p. 141) afirmava, em 1985, que um vento de biografiasopra hoje sobre a histria. Valendo-me de sua metfora, prefiro dizer queesse vento vem de muito longe: ora ciclone, ora brisa, por vezes apenas umsuspiro, mas sempre presente a bafejar sobre a histria. No contexto

    historiogrfico atual, o vento biogrfico encontra janelas abertas, trazendoconsigo antigas controvrsias e apontando para novas reflexes.A primeira dessas controvrsias poderia ser: at que ponto as novas

    biografias so realmente novas? Em outras palavras, ocorreu uma verdadeirarenovao do gnero ou apenas a retomada de uma antiga forma de escritada histria j to criticada? Embora ciente do esquematismo da contraposioantigo/novo, acredito que a questo seja pertinente, pois, como salientaPetersen (1992), muitas vezes, sob a rubrica da novidade, travestem-se, afim de escaparem crtica, concepes sobre a histria bastante ultrapassadas.

    No caso especfico da biografia, so significativas as palavras de Le Goff(1989, p. 49-50):

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    O que me desola na atual proliferao de biografias que muitas soum puro e simples retorno biografia tradicional, superficial,

    anedtica, meramente cronolgica, que se sacrifica a uma psicologiadesatualizada, incapaz de mostrar a significao histrica geral deuma vida individual. o retorno dos emigrados, aps a RevoluoFrancesa e o Imprio que nada aprenderam e nada esqueceram.

    Apesar da inegvel existncia de um oportunismo acadmico/editorial,acredito que muitos trabalhos biogrficos produzidos recentemente apontam,sim, para uma renovao. Isso acontece, geralmente, quando seus autoreslevam em conta as crticas j feitas ao gnero, procurando integr-las s suaspreocupaes.

    Nesse sentido, uma das crticas mais comuns dirigidas s biografias a de que elas seriam meras narrativas cronolgicas, fatuais, sem preocupaesexplicativas e analticas. Tal contestao partiu sobretudo do movimento dosAnnales que, contra a histriavnementielle, defendeu a histria-problema.Porm, mesmo na primeira gerao da Revista, Lucien Febvre analisoutrajetrias individuais sem abrir mo da perspectiva da histria-problema.Nesse sentido, em Le problme de lincroyance du 16 sicle, por exemplo, ohistoriador partiu da trajetria de Rabelais para discutir o problema maisgeral da possibilidade ou no do atesmo no sculo XVI. Mais tarde, na faseBraudel, a biografia foi preterida em favor da histria econmico-social e datemporalidade da longa durao. A retomada atual do gnero, pelo menosem certos casos, tratou de recolocar a possibilidade de articulao entrenarrativa biogrfica e histria-problema.

    Assim, alguns dos historiadores-chave da nova histria francesa, herdeirae continuadora dos Annales, que antes tinham como objeto preferencial asmentalidades, coletivas por excelncia, realizaram, nos ltimos anos, bemsucedidas biografias nas quais a histria-problema permanece como horizonte,sem que se abra mo da narrao, parte essencial da escrita biogrfica. Le Goff(1989, p. 49-51), por exemplo, considera que [...] a biografia histrica deve sefazer, ao menos em um certo grau, relato, narrao de uma vida, ela se articulaem torno de certos eventos individuais ou coletivos uma biografia novnementielleno tem sentido. Porm, ele tambm questiona:

    Agora que a histria foi profundamente renovada, o historiadorno capaz de retomar, cientificamente e mentalmente melhoraparelhado, estes inevitveis objetos da histria que so o evento, apoltica, o indivduo compreendendo-se neste o grande homem,objetos outrora trados por uma historiografia positivista redutora e

    mistificante que os Annales tiveram o grande mrito de combatervigorosamente? [...] Uma verdadeira biografia inicialmente a vidade um indivduo e a legitimidade do gnero histrico passa pelo

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    respeito a este objetivo: a apresentao e a explicao de uma vidaindividual na histria. Mas uma histria iluminada pelas novas

    concepes da historiografia.

    Citando o exemplo de seu estudo sobre o rei da Frana Lus IX, o SoLus, Le Goff afirma:

    Rei e santo, So Lus entra em uma categoria da Idade Mdia,aquela dos santos reis. Ele se conformou ao modelo desta categoriaou manifestou diferenas devidas poca ou ao que se podereconhecer como sua individualidade? A biografia parte, assim, natradio do esprito dos Annales, de uma questo, formula-se como

    um caso de histria-problema.

    De forma semelhante, Duby que escreveu a biografia de GuilhermeMarechal, cavaleiro medieval que foi regente do rei da Inglaterra RicardoIII (Duby, 1987) , ao comentar as motivaes que o levaram a realizar essaobra, declarou:

    [...] eu podia ser acusado de trair o esprito dos Annales. Eu era, comefeito, o primeiro dentre os epgonos de Marc Bloch e Lucien Febvrea aceitar escrever a biografia de um grande homem. Mas na realidade

    no me desviava nem um milmetro de meu percurso. A nicamodificao das mais importantes, reconheo dizia respeito forma. Eu estava voltando sem rodeios narrativa. Contava umahistria, seguindo o fio de um destino pessoal. Mas continuava atendo-me histria-problema, histria questo. Minha pergunta continuavasendo a mesma: que a sociedade feudal? (Duby, 1993, p. 137-138).

    Outra crtica muito comum feita aos estudos biogrficos relaciona-se aum suposto elitismo natural do gnero, ou seja, ao fato de que os bigrafos, emgeral, voltam sua ateno para os grandes homens, os representantes das elites

    polticas, militares e intelectuais, relegando obscuridade os indivduos dasclasses populares. Na historiografia atual, alguns autores parecem respaldar talperspectiva. Le Goff (1989, p. 49-50), por exemplo, atribui essa limitao escassez de fontes. Segundo ele, como a biografia histrica [...] deve serconsagrada a um personagem sobre o qual possui-se o suficiente de informaes,de documentos, ela tem boas chances de ser dedicada a um poltico ou a algumque tenha ligaes com a poltica. Ela tem, em todo caso, mais chances de terpor heri um grande homem do que um homem comum. Referindo-seespecificamente poca de So Lus, Le Goff afirma: Para o historiador, que

    est ligado aos documentos, muito difcil, antes do sculo XIV no Ocidente,dispor de informaes suficientes para escrever uma biografia outra que aquelade um personagem de primeiro plano.

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    Entretanto, outros historiadores com o uso de muita criatividadena localizao e leitura de novas fontes ou na releitura de documentos

    conhecidos tm conseguido iluminar as vidas de indivduos comuns, depopulares. Isso vem ocorrendo sobretudo por inspirao da micro-histriaitaliana (Ginzburg, 1987), mas tambm em alguns trabalhos de historiadoresfranceses (Vovelle; Corbin, 1985, 1998). No Brasil, percebe-se um movimentosemelhante, com a produo de biografias de militantes operrios, escravose ex-escravos, etc.9 Enfim, a qualificao de elitismo atribuda ao gnerobiogrfico no se sustenta diante de um exame da produo historiogrficaatual, na qual a idia de histria vista de baixo j foi incorporada anlisede trajetrias individuais.

    Este alargamento do panteo dos biografados remete a outro problemacrucial: o da representatividade. comum perguntar ao bigrafo em quemedida o personagem por ele examinado representa a sua poca, o seugrupo social, o seu pas, o seu gnero, etc. O estranho que taisquestionamentos normalmente s so feitos aos pequenos personagens,como se a atuao de um grande homem justificasse por si s a realizaode sua biografia (essa sim uma perspectiva elitista!). Afinal, soaria estranhoperguntar pela representatividade de um Napoleo Bonaparte ou de um Getlio

    Vargas...Uma resposta possvel questo foi dada por Ginzburg (1987, p. 27).De acordo com ele, se a documentao permite, plenamente justificvel procurarestender o conceito histrico de indivduo s classes mais baixas pois algunsestudos biogrficos mostraram que um indivduo medocre, destitudo deinteresse por si mesmo e justamente por isso representativo pode serpesquisado como se fosse um microcosmo de um estrato social inteiro numdeterminado perodo histrico [...]. Alm disso, por mais singular que sejaum indivduo como o caso do moleiro Menocchio por ele estudado

    existem sempre pontos de contato entre suas prticas e suas idias e as dos seuscontemporneos; afinal, todos compartilham, em maior ou menor grau,determinados cdigos culturais. Nas palavras do historiador italiano:

    [...] da cultura do prprio tempo e da prpria classe no se sai a noser para entrar no delrio e na ausncia de comunicao. Assimcomo a lngua, a cultura oferece ao indivduo um horizonte depossibilidades latentes uma jaula flexvel e invisvel dentro daqual se exercita a liberdade condicionada de cada um.

    Poder-se-ia ir mais longe e perguntar: o que , enfim, representatividade?

    Ou: o que um indivduo representativo? Trata-se de uma representatividadeestatstica? Existe um homem mdio? Quem representa quem, para alm dosentido poltico da representao?

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    Parece-me que, ao invs de se pretender representativa, a biografiapode servir para introduzir o elemento conflitual na explicao histrica,

    para ilustrar, matizar, complexificar, relativizar ou mesmo negar as anlisesgeneralizantes que excluem as diferenas em nome das regularidades e dascontinuidades. 10 Nesse sentido, pertinente retomar o velho problemafilosfico da relao entre indivduo e sociedade e, por conseguinte, a tenso,exposta de forma to bela por Tolsti em Guerra e Paz, entre liberdade enecessidade. Conforme Prost (2000, p. 14-15), faz parte do ofcio dohistoriador examinar e hierarquizar as causas de um determinado fenmenohistrico. Essa ordenao ocorre, seguidamente, em funo de um critriodecisivo: a participao que os atores podem ter nas diferentes situaes

    histricas.Em uma das extremidades desta hierarquia, as tendncias pesadas,os fatores massivos, aqueles sobre os quais os atores nada podem,que eles suportam sem poder lhes influenciar. Na outra extremidade,aqueles que dependem diretamente de sua interveno. De umlado as coaes, de outro a deciso. [...] O historiador no podeobviamente fundar sua explicao exclusivamente sobre astendncias pesadas ou sobre as intervenes dos atores; ele obrigadoa cruzar umas com as outras e a discernir, tanto quanto possa, suasimbricaes recprocas. Isto quer dizer que ele constri um universode responsabilidades sob coaes, onde a fatalidade excluda, masonde a liberdade jamais total. De acordo com o tipo de histria, oshistoriadores so mais sensveis ao peso das coaes ou ao papel dosatores. A histria econmica ou social est mais do lado dosconstrangimentos. Na anlise das crises, das grandes transformaescomo a industrializao ou a urbanizao, e mesmo das correntes depensamento como as Luzes, ela acentua a lgica das evolues, afora das coisas. De seu ponto de vista, a margem de iniciativa dosatores parece em grande parte ilusria [...]. [Porm] no h crise sembanqueiros ou sem ministros de finanas, no h greve sem sindicatos,

    no h correntes de pensamento sem escritores. Inversamente, ahistria poltica, aquela dos erros e dos sucessos dos governos, aquelados partidos, aquela das revolues e dos golpes de Estado est maisdo lado dos atores; ela acentua as decises que influenciaram o cursodas coisas, transformando a situao [...].

    Parece-me que no cabe ao historiador e, mais especificamente, aohistoriador bigrafo , e nem isso seria possvel e desejvel, resolver essatenso que, afinal de contas, basilar na tradio filosfica ocidental mas,ao contrrio, cabe a ele mant-la como constitutiva de sua explicao e da

    sua narrao da histria. No se pode negar, contudo, que, na nossa poca quando a massificao do cotidiano e o controle social possibilitado pelasnovas tecnologias de informao e comunicao fazem lembrar o 1984 de

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    Orwel , os bigrafos tm se mostrado mais propensos a indicar os espaosde liberdade do indivduo frente aos sistemas normativos vigentes, o que

    transparece na ateno dada s trajetrias de desviantes de todo tipo:herticos, curandeiros, pensadores utpicos, revolucionrios, feministas, etc.;aqueles que vo contra, enfim, as disciplinas e os padres morais e sociaisvigentes. Tal enfoque evidencia a tentativa de entender a histria pelas margense de responder, mesmo que tangencialmente, a uma questo existencial:qual a nossa possibilidade de individuao, de criatividade, de intervenono curso dos acontecimentos?

    Esse questionamento conduz, tambm, a um problema tico: se opeso dos atores decisivo, e o indivduo no pode ser visto apenas como umproduto das condies histricas, como se coloca a noo de responsabilidadeindividual? Afinal, a possibilidade da liberdade, mesmo que intersticial, levaa pensar no s na resistncia ordem estabelecida, mas tambm naparticipao de diversos personagens em atos de violncia, represso, opressoe extermnio.

    A ltima crtica feita s biografias a ser abordada nesse artigo dizrespeito iluso que as narrativas do gnero produziriam: a iluso de quea vida tem um sentido imanente, uma coerncia e um fim. Bourdieu (1996,

    p. 184-190), entre outros, questionou o pressuposto, presente na maior partedos trabalhos do gnero, de que a vida constitui um todo, um conjuntocoerente e orientado, que pode e deve ser apreendido como expresso unitriade uma inteno subjetiva e objetiva, de um projeto [...] . Para ele, aocontrrio, os acontecimentos biogrficos devem ser entendidos comocolocaes e deslocamentos no espao social e as trajetrias dos indivduoscomo srie de posies sucessivamente ocupadas por um mesmo agente(ou um mesmo grupo) num espao que ele prprio um devir, estandosujeito a incessantes transformaes. Por conseguinte, a personalidade seria

    o conjunto de relaes objetivas que unificaram o agente considerado.11

    Logo, a biografia no pode ser narrada como a revelao de um sentidoj dado a prioriou como a realizao de um plano pr-fixado e conhecidopelo historiador que parte de uma viso retrospectiva. Cabe, ento, aobigrafo, acompanhar o fazer-se (parodiando Thompson) do indivduo aolongo de sua vida, levando em conta os diferentes espaos sociais por ondeele se movimentou, mas tambm suas percepes subjetivas, oscilaes,hesitaes e mesmo o acaso.

    Finalizando, pode-se dizer que muitos historiadores, sem renunciar

    biografia mas incorporando as crticas que a ela j foram feitas, tm mostradoque esse gnero j to velho pode ainda renovar-se e apontar para novaspossibilidades de se compreender, escrever e construir a histria.

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    1 A primeira verso deste artigo foi elaboradacomo parte do relatrio final das atividadesdesenvolvidas durante um estgio de bolsasanduche, realizado no Centre dHistoireSociale du XXe sicle Universit de Paris1 Panthon-Sorbonne durante oprimeiro semestre de 2000. Agradeo Capes pela concesso da bolsa. Muitas dasreflexes aqui apresentadas tm origem nas

    leituras e discusses feitas no seminrioLexprience individuelle: la subjectivit etlacteur dans les processus historiques,coordenado pela Professora Sabina Lorigana cole des Hautes tudes en SciencesSociales, a quem tambm agradeo.2 Ver, entre outros: Corbin, (1998); Duby(1987); Ginzburg (1987); Le Goff (1996e 1999) e Vovelle (1985).3 Sobre a noo de regimes de historicidade,

    ver tambm Koselleck (1990).4 Salvo quando indicado, as tradues dofrancs so de minha responsabilidade.5 Para uma viso diferenciada das biografiasde Plutarco, ver o texto de Maria Aparecidade Oliveira Silva includo nesse dossi.

    6 Nesse sentido, Madelnat (1989, p. 50)afirma que o intimismo aparecesobretudo como uma das reaes daburguesia sociedade industrial de massaque engendra a semelhana e apromiscuidade [...].

    7 Sobre a questo da liberdade e danecessidade em Tolsti, ver: Berlin (2002).

    Notas

    8 Saliente-se, entretanto, como exceo aessa afirmativa, as obras de Lucien Febvreconsagradas a Lutero, Rabelais e Margaridade Navarra (Raminelli, 1990). Arnaud(1989, p. 40) apresenta um panoramasemelhante no mbito da literatura.Segundo ele, a biografia literria conheceuum eclipse no sculo XX, pois a idia deexplicar uma obra atravs da vida de seu

    autor foi desacreditada em favor daanlise estrutural dos textos. Para osrepresentantes dessa tendncia, aliteratura pr-existe ao escritor. A obraquer a morte de seu autor para viverplenamente [...].9 Para um balano, ver: Schmidt (1998) e

    Xavier (2000).10 Ver entrevista de Sabina Loriga includaneste dossi.11 Chamo a ateno para a pertinentecrtica de Clos (1989, p. 38) a essaperspectiva. De acordo com o primeiro,Bourdieu, buscando diferenciar-se dosubjetivismo, acabou caindo em umailuso sociologizante, ao deixar de ladoa topologia subjetiva do sujeito,substitudo pelo agente, cujos atos sovistos apenas como adaptaes adiferentes espaos sociais. Clos considera

    que ao experimentar as relaes sociaisque o constituem, o sujeito, liberado a simesmo, e freqentemente sem sab-lo,faz funcionar a dialtica das possibi-lidades e impossibilidades subjetivas quesua histria sedimentou.

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