Belo Monte Conflito Ambiental e o Dilema Do Desenvolvimento

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    A CONSTRUO DA USINA HIDRELTRICA DE BELO MONTE:CONFLITO AMBIENTAL E O DILEMA DO DESENVOLVIMENTO

    LORENA CNDIDO FLEURY1, JALCIONE ALMEIDA2

    IntroduoSe for para resumir numa frase s, eu vejo Belo Monte como umapossibilidade de desenvolvimento pra regio. E pra todos aqui. Almdo mais, o pas precisa de energia. (Empresrio, Altamira, maio/2011).Nosso povo precisa sobreviver, nosso povo precisa desenvolvimentosustentvel, aprender a produzir e a cuidar daquilo que nosso.Estamos lutando no contra o desenvolvimento, mas pelo nossoplaneta, pelo mundo. (Liderana indgena Juruna, Volta Grande doXingu, junho/2011).

    o modelo de desenvolvimento que est em disputa. o que a gentequer tambm do futuro do Brasil. Porque t no campo do simblicoBelo Monte. Quem vai vencer a forma de organizar a Amaznia?Quem vai vencer o que eu quero pra esse pas, qual o futuro, o quea gente quer? (Militante de direitos humanos, Belm, agosto/2011).

    Em julho de 2010, comeou a ser construda nas cidades de Altamira, Vitria doXingu e Senador Jos Porfrio, no estado do Par, Amaznia brasileira, a Usina Hidreltricade Belo Monte, prevista para ser a terceira maior hidreltrica do mundo, com potncia

    para gerar mais de 11000 MW/hora e proporcional capacidade de criar controvrsiase conflitos. Sua instalao, atualmente a obra prioritria do Programa de Acelerao doCrescimento (PAC) do governo federal brasileiro, foi inicialmente planejada em meadosda dcada de 1980, como uma das obras de infraestrutura e integrao da Amaznia doento governo militar. De l para c, protestos de movimentos sociais e povos indgenas,disputas no judicirio e mudanas conjunturais na economia e na poltica nacionais

    1. Doutora em Sociologia pelo Programa de Ps-graduao em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

    2. Professor e pesquisador nos Programas de Ps-graduao em Sociologia (PPGS) e em Desenvolvimento Rural (PGDR),ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisador CNPq. Coordenador do grupo de pesquisa

    Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade (TEMAS www.ufrgs.br/pgdr/temas). E-mail: [email protected]

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    teceram a trajetria do projeto, tornando a construo da barragem um dos processosconflitivos mais longos e emblemticos da histria recente do pas.

    sobre o conflito em torno da construo dessa usina hidreltrica que trata opresente artigo. O objetivo central , ao se descrever e analisar a dinmica do conflito,

    discutir o que esse processo que tem em seu histrico um dos marcos da emergncia dosocioambientalismo e que rene de forma controversa e h mais de 30 anos grupos sociaisdiversos, relatrios e pareceres tcnicos, instituies governamentais, organizaes dasociedade civil, a floresta amaznica e a bacia do Rio Xingu oferece de pertinente paraa anlise e interpretao das relaes sociedade, ambiente e desenvolvimento.

    O argumento principal que se pretende demonstrar que o conflito em torno daconstruo da Usina Hidreltrica de Belo Monte um conflito ambientaljustamente nosentido em que um conflito no qual, mais do que disputas materiais e simblicas pelo usode recursos, esto em jogo experincias darelao sociedade-naturezaatravessadas pela noo

    de desenvolvimento. O conflito se demonstra, assim, uma disputa cosmopoltica ou seja,expressa perspectivas ontolgicas concorrentes, que se colocam em choque face ao projetomoderno de desenvolvimento. Nesse sentido, prope-se reforar a carga cosmopolticado conceito de conflito ambientalassociando as contribuies das propostas de Stengers(2003), De La Cadena (2010), e Latour (1994), no sentido de incorporar as demandaspela abertura de novos compossveis, isto , considerar que h diferenas ontologicamentemais consistentes do que a anlise do licenciamento ambiental pode abarcar.

    Para tanto, os tpicos seguintes iro apresentar: i) um breve histrico do conflitoe as questes que dele se desdobram; ii) os elementos-chave do conflito identificados; e

    iii) a discusso dos resultados em relao s pistas tericas. Ao final, sero apresentadasalgumas reflexes a guisa de concluso.

    Histrico do conflito

    O projeto de construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte remonta inicialmentea 1975, com o incio dos Estudos de Inventrio Hidreltrico da Bacia Hidrogrfica doRio Xingu. Nestes estudos, cujas concluses foram publicadas pelo governo brasileiro noPlano 2010 - Plano Nacional de Energia Eltrica 1987/2010, destacava-se que pela sua

    dimenso, o aproveitamento do Rio Xingu se constituir, possivelmente, no maior projetonacional no final deste sculo e comeo do prximo (PNEE, 1986), indicando a entochamada Usina Karara hoje denominada Belo Monte como a melhor opo parainiciar a integrao das usinas do Rio Xingu ao Sistema Interligado Brasileiro.

    A partir de ento uma srie de controvrsias, conflitos, protestos, pareceres e laudostomaram lugar, mantendo a construo da usina hidreltrica Karara-Belo Monte comouma eminncia constante, seja como catalisadora do desenvolvimento local e nacional,seja como um fantasma para aqueles que no a desejavam. Um importante marco nohistrico do processo foi o Encontro dos Povos Indgenas do Xingu, realizado em Altamira,em fevereiro de 1989.

    Organizado por lideranas indgenas, auxiliadas por entidades da sociedade civil,oencontro adquiriu imprevista notoriedade, contando com a macia presena da mdia

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    nacional e estrangeira, de movimentos ambientalistas e sociais.Segundo os dados doInstituto Socio-Ambiental (ISA), participaram do evento cerca de 3.000 pessoas, entreelas 650 ndios de diversas partes do pas e do exterior; autoridades como o ento diretore posterior presidente da Eletronorte, Jos Antnio Muniz Lopes, o ento presidente do

    Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama), oento prefeito de Altamira, deputados federais; 300 ambientalistas; em torno de 150jornalistas e celebridades como o cantor ingls Sting.

    Iconicamente, durante a exposio de Muniz Lopes sobre a construo da usinaKarara, a ndia Kayap Tura, levantou-se da plateia e encostou a lmina de seu facono rosto do diretor da estatal em um gesto de advertncia, expressando sua indignao. Acena foi reproduzida em jornais de diversos pases e tornou-se histrica. Na ocasio, MunizLopes anunciou que, por significar uma agresso cultural aos ndios, a usina Karara nome que um grito de guerra Kayap receberia outro nome e no seriam mais adotados

    termos indgenas em usinas hidreltricas. A usina foi posteriormente rebatizada de UsinaHidreltrica de Belo Monte. O evento foi encerrado com o lanamento da CampanhaNacional em Defesa dos Povos e da Floresta Amaznica, exigindo a reviso dos projetosde desenvolvimento da regio, a Declarao Indgena de Altamira e uma mensagem desaudao do cantor Milton Nascimento. O encontro de Altamira considerado um marcodo socioambientalismo no Brasil (ISA, 2010).

    De acordo com Carneiro da Cunha e Almeida (2009, p. 277), a partir de entoocorreu uma surpreendente mudana de rumo ideolgico, na qual as populaestradicionais da Amaznia, que at recentemente eram consideradas como entraves ao

    desenvolvimento, ou na melhor das hipteses candidatas a ele, foram promovidas linhade frente de modernidade, basicamente pela sua associao conservao ambiental. Aprpria noo de populaes tradicionais, entendida como sujeitos polticos capazes deestabelecer uma articulao entre prticas conservacionistas e direitos territoriais, emergiua partir desse contexto. Contudo, como a tenso do encontro de Altamira indicou, osquestionamentos dos rumos ideolgicos do desenvolvimento no ocorrem sem conflitos.

    Pelo contrrio, este encontro foi realizado na esteira de um processo iniciado emmeados de 1980, na mobilizao de seringueiros que assumiram a dianteira ao instaurara ligao entre sua luta poltica e preocupaes ambientais na criao da Aliana dos

    Povos da Floresta, o que culminou no assassinato de uma de suas principais lideranas,Chico Mendes, em 1988, pouco mais de dois meses antes do Encontro de Altamira.Zhouri e Laschefski (2010, p. 12) consideram que o assassinato de Chico Mendes re-presenta um marco simblico em um duplo sentido: de um lado, marcou o auge dosconflitos entre vises ambientalistas e desenvolvimentistas; por outro, Chico Mendese seus companheiros se tornaram emblemticos no sentido de uma nova concepo deatuao socioambientalista.

    O adjetivo socioambientalestava ento sendo criado, e associados a esta denomi-nao emergiam processos que no se adequavam s formulaes clssicas dos embatessociais. Ao congregar e opor grupos sociais diversos em torno de disputas nas quais anatureza adquiria papel central, estes conflitos, no mbito da sociedade civil, passarama impulsionar o emergentemovimento socioambientalista, o ambientalismo brasileira,

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    que pouco mantm em comum com o ambientalismo clssico que se concentra nasquestes tcnicas ou administrativas para solucionar os impactos ambientais ou preservar anatureza (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010, p. 22). Academicamente, resultaram em umademanda por reformulaes das interpretaes sociolgicas, transformando tais conflitos

    em objeto de anlise, como nas palavras de Boudes (2008, p.15), independentemente dointeresse que os socilogos at ento manifestavam pelo ambiente. E, de uma forma aindamais abrangente, impulsionaram no Brasil uma visibilidade para os povos e comunidadesque viviam da floresta de modo a exigir que o Estado brasileiro os colocasse, como serefere Allegretti (2008, p. 49), como protagonistas de um projeto de desenvolvimentosustentvel, antes mesmo da Conferncia do Rio, em 1992.

    Esse protagonismo, todavia, se no deve seu reconhecimento Conferncia dasNaes Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992, foi nelaonde encontrou maior repercusso. A chamada Rio-92, que deixou como um de seus

    principais legados a institucionalizao nas polticas pblicas e no imaginrio social doqualificativo de sustentvelcomo necessrio ao conceito de desenvolvimento, teve comouma de suas prerrogativas os direitos de comunidades tradicionais sobre a floresta, me-diante a Conveno sobre Diversidade Biolgica (CDB). Como um instrumento de direitointernacional, acordado e ratificado por 169 pases, a CDB legou aos povos tradicionaiso papel de detentores dos saberes sobre a biodiversidade e, portanto, atores centrais desua conservao (CARNEIRO DA CUNHA, 1999).

    A partir de ento, uma mudana paradigmtica no discurso do desenvolvimentoentrou em curso, seja no nvel do vocabulrio correntemente adotado, seja na pauta

    poltico-institucional como a Agenda 21 ou ainda no mbito privado e empresarial.No entanto, se inicialmente a expectativa de superao do vis economicista e das im-posies de modelos exgenos acompanhava as tentativas de apropriao do conceito dedesenvolvimento sustentvel, em termos prticos o avano nesse sentido no consensual.No que diz respeito construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte, efetivamenteaps o Encontro de Altamira, em 1989, o projeto no foi continuado, ainda que hajauma controvrsia sobre a origem da interrupo, vista pelos movimentos sociais comoconsequncia de sua mobilizao, vista pelos representantes do governo como efeito darecesso do final da dcada de 1980.

    Contudo, continuou a tramitar por toda a dcada de 1990 e incio dos anos 2000,entre rgos de governo e sob protestos de movimentos sociais, o Relatrio Final dosEstudos de Viabilidade do Aproveitamento Hidreltrico de Belo Monte, e, em maro de2002, sob o governo Fernando Henrique Cardoso, que tinha vivenciado uma forte criseenergtica, foi publicada uma Resoluo do Conselho Nacional de Poltica Energtica,criando um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de estudar e apresentar um planode viabilizao para a implantao da Usina Hidreltrica de Belo Monte. Este GT ma-nifestava o declarado interesse do governo federal na usina, considerando-a uma obraestratgica para elevar a oferta de energia do pas e um projeto estruturante do Eixo deDesenvolvimento da Amaznia.

    Concomitantemente, e se estendendo de 2002 a 2010, uma srie de encontros entremovimentos sociais, lideranas indgenas, entidades socioambientalistas e associaes de

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    comunidades locais foram realizados, expressando rejeio ao projeto de construo dausina mediante protestos, seminrios e cartas abertas s autoridades responsveis. Emum desses documentos, intitulado SOS Xingu: um chamamento ao bom senso sobre orepresamento de rios da Amaznia, 113 organizaes sociais questionaram os motivos de

    o governo considerar a construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte uma prioridade,convocaram todas as entidades ambientais no Brasil e os parceiros no mundo para [sededicarem] ao debate do uso sustentvel do rio Xingu junto com sua populao, famliasde agricultores, ribeirinhos, comunidades tradicionais e povos indgenas, e pediramtempo: precisamos desacelerara agenda de construo de barragens [...]. Precisamosde tempopara assimilar o que est acontecendo, informar a sociedade local, nacional eONGs internacionais sobre o que representam os impactos e a relao custo-benefcioda obra (MTDX, 2010, grifos dos autores).

    Alm desses mecanismos, comeou a ser travada uma intrincada batalha judicial,

    opondo decretos legislativos, aes diretas e liminares, envolvendo o Supremo TribunalFederal, o Ministrio Pblico, Tribunais Regionais Federais e organizaes da sociedadecivil, como Instituto Socioambiental, Greenpeace, Coordenao das Organizaes Ind-genas da Amaznia Brasileira (Coiab) e Conselho Indigenista Missionrio (Cimi).

    Chave nessa controvrsia tornou-se o licenciamento ambiental da usina: objetode 12 das 20 aes jurdicas movidas pela Procuradoria da Repblica do Ministrio P-blico Federal no Par contra o projeto de construo da hidreltrica1, desde a deciso dequem seria o rgo regulador do licenciamento (Ibama, rgo federal, ou a SEMA, rgoestadual), at cada uma das trs licenas ambientais concedidas at o momento para o

    empreendimento (licena prvia, licena parcial de instalao e licena de instalao)so questionadas juridicamente, opondo nos tribunais rgos federais, como o MinistrioPblico Federal e a Advocacia Geral da Unio, mobilizando cientistas e empreendedoresna sua discusso.

    Em 2009 e 2010, as controvrsias continuaram intensas e, malgrado todos os apelose aes judiciais, em 1 de fevereiro de 2010 foi emitida pelo Ibama, rgo licenciadordos empreendimentos que implicam em impactos ambientais, licena prvia atestando aviabilidade ambiental do empreendimento e aprovando sua concepo e localizao. Nodia 20 de abril desse mesmo ano foi realizado o leilo de concesso da usina, concludo em

    dez minutos, entre liminares que suspendiam sua validade e a cassao dessas liminares, sobprotestos de manifestantes, ativistas do Greenpeace e cerca de trs toneladas de estrumedespejadas na entrada da Agncia Nacional de Energia Eltrica (Aneel), onde foi realizado.Pouco mais de uma semana antes, estiveram presentes em passeata em Braslia contra BeloMonte o diretor e a atriz hollywoodianos James Cameron e Sigourney Weaver, associan-do a construo da usina ao roteiro do filme de maior bilheteria da histria do cinema,Avatar. A licena parcial de instalao, uma inovao introduzida no licenciamentoambiental das hidreltricas do Rio Madeira utilizada tambm no Xingu, a qual autorizouo incio das aes de instalao do canteiro de obras de Belo Monte, foi emitida em 26de janeiro de 2011. A partir de ento. O empreendedor j estava autorizado a desmatar238 hectares e erguer os acampamentos dos stios Pimental e Belo Monte, localidadesonde se situaro as duas barragens da usina. No dia 01 de junho de 2011, exatamente

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    quatro meses aps a emisso de licena prvia, o Ibama publicou a concesso da licenade instalao, autorizando efetivamente o incio das obras de construo da usina. Como incio das obras, os conflitos no se arrefeceram: judicialmente, o Ministrio PblicoFederal moveu mais trs aes civis pblicas contra o empreendimento, totalizando 18

    aes civis pblicas e duas aes por improbidade administrativa relacionadas ao projeto.O movimento social, por sua vez, no considerou o incio das obras um sinal de que aconstruo da usina um fato consumado, e continuou buscando estratgias de resistn-cias e mobilizao. Mais recentemente, a maior dessas aes foi o encontro Xingu+23.Paralelo Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel, chamadade Rio+20 por marcar os vinte anos de realizao da Conferncia das Naes Unidassobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), o Xingu+23 teve como objetivoreunir, no local onde esto acontecendo os barramentos do Rio Xingu:

    pescadores, ribeirinhos, pequenos agricultores, indgenas, movimentossociais, acadmicos, ativistas e demais defensores do Xingu () paramarcar os 23 anos da primeira vitria dos povos contra o projeto debarramento do rio em 1989, aps o histrico 1 Encontro dos PovosIndgenas do Xingu (XINGU, 2012).

    Ainda que no tenha adquirido uma repercusso equivalente a do encontro pre-decessor em 1989, o Xingu+23 gerou polmica com a liberao do rio em um trechode ensecadeira construda pelo consrcio empreendedor, o que repercutiu em pedido de

    priso dos manifestantes e intenso debate na mdia e nas redes sociais.Em sntese, o que se percebe que, se h cerca de quarenta anos a obra estpresente nos planejamentos governamentais e no imaginrio da populao local comouma possibilidade eminente, foi nos ltimos anos que esse processo atingiu o seu pice:dos planejamentos se passou s licenas de autorizao do empreendimento, da distantepossibilidade se passou ao incio das obras. A construo da usina de Belo Monte co-meou a ganhar materialidade, acirrando os conflitos ao seu redor. Neste contexto deexpectativas e tenses em torno do incio das obras foi realizada a pesquisa de campo quesubsidia a discusso proposta neste artigo. Realizada nos municpios de Altamira, Belm,Santarm, Braslia e em dez localidades da Volta Grande do Xingu, foram registradas 46entrevistas, distribudas entre representantes do governo federal e do governo munici-pal, representantes do consrcio empreendedor responsvel pela construo da usina,representantes de distintas entidades do movimento social, representantes indgenas,membros da comunidade local atingida pescadores, ribeirinhos, periferias urbanas,empresrios locais, representantes do judicirio advogados e procuradores, membros daacademia e representantes de ONGs. Alm das entrevistas, foram registradas reunies,manifestaes, assembleias e eventos nos quais estavam presentes os sujeitos em conflito,totalizando 60 horas de udio utilizado na anlise. Durante todo o perodo de campo,de novembro de 2010 a agosto de 2011, para alm das entrevistas o registro etnogrficorealizado em caderno de campo e fotografias demonstrou-se ser uma valiosa ferramentana obteno de dados.

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    Os grupos envolvidos e os elementos-chave do conflito

    O porte do empreendimento, de grande escala apenas o canal pelo qual se pre-tende desviar o curso do rio para formar o reservatrio da barragem previsto para ser

    maior do que o Canal do Panam, de acordo com dados presentes no Estudo de ImpactoAmbiental , o longo perodo atravs do qual tem sido discutido com suas expectativas einseguranas correlatas, e as transformaes sociais e ambientais derivadas da efetivaoda obra, contribuem para que o tema suscite posies acaloradas tanto a favorquantocontrao empreendimento nas localidades influenciadas diretamente, assim como na mdiae opinio pblica nacionais.

    Desta forma, havendo um afluxo visvel de pessoas para os municpios da rea deabrangncia, em especial Altamira, cidade polo regional, seja para trabalhar nas obras, sejapara apoiar movimentos contrrios, sejam jornalistas e pesquisadores visando registrar os

    acontecimentos, a pergunta-chave que inicia grande parte das conversas e assuntos nascidades : voc contra ou a favor de Belo Monte?. E, de fato, so vrios os gruposque se distribuem entre esses polos, e que ora se aglutinam, ora se dispersam, deslocandoo fiel da balana dos rumos do conflito.

    Para comear a caracteriz-los a partir do polo favorvel, indutor do projeto deconstruo do empreendimento, o primeiro grupo que se delineia , de maneira ampla,chamado degoverno. As referncias ao governo so feitas continuamente, e de maneirageral dizem respeito s instituies do governo federal: a Presidncia da Repblica, quasesempre personificada na presidenta Dilma Roussef, mas que comparece nos eventos e

    momentos de embate via representantes da Secretaria-Geral da Presidncia da Repblicae da Secretaria Nacional de Articulao Social; porta-vozes do Ministrio de Minas eEnergia, notadamente mediante os discursos imprensa proferidos pelo Ministro EdsonLobo; a Empresa de Pesquisa Energtica, que tambm fala por meio da imprensa, emcomentrios de seu diretor-geral Mrcio Tolmasquim; o Ibama, cujas licenas emitidasse configuraram como mecanismos centrais de inscrio do conflito, sintetizando gran-de parte das ambiguidades presentes no processo; Fundao Nacional do ndio, que representada com separaes entre a Funai de Braslia e a Funai local, intervindo tantomediante pareceres tcnicos e ofcios quanto mediante reunies e mediaes entre os

    grupos indgenas atingidos e a esfera nacional. parte desse grupo, mas eventualmente afinada a ele, esto asprefeituras, quese manifestam majoritariamente via aes empreendidas pelo Consrcio Belo Monte,associao entre as prefeituras dos onze municpios localizados na rea de influncia doempreendimento, instituda em 2001 e que interage com os demais grupos medianteseus representantes (principalmente o presidente e o secretrio-executivo do consrcio),e atividades promovidas para a populao, como shows gratuitos e sorteio de prmios.

    Correlato a estes grupos est aNorte Energia, nome do consrcio vencedor do leilopara assumir o empreendimento, e que, localmente, diz respeito no apenas especifica-

    mente ao consrcio, mas a todos aqueles identificados execuo da usina, o que incluia Eletronorte, fortemente associada obra em funo do histrico do projeto, e vriasempresas terceirizadas pelo empreendedor, como a E.Labore, encarregada da comunica-

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    o com as comunidades locais, a ECSA e a Leme, empresas que realizaram as mediestopogrficas das reas atingidas e cadastramento das propriedades, o Consrcio Cons-trutor Belo Monte, responsvel pela logstica da obra, entre outras. Os posicionamentosdesse grupo se do por meio da fala de seus representantes em reunies e eventos, e em

    cartilhas, formulrios, ofcios e publicaes em um blog na internet.Na defesa da importncia da construo de Belo Monte para a regio, destaca-seainda o FortXingu, frum que aglutina 178 entidades, entre igrejas evanglicas, associaesde bairro, sindicatos rurais e, sobretudo, empresrios locais, declarando ter como objetivodefender os interesses regionais e as oportunidades de negcios vinculados chegadada barragem. O Fort Xingu promove reunies semanais, eventos entre comerciantes ea Norte Energia, e mantm ummailing list e um blog, veculos de comunicao em quepublica periodicamente notcias relacionadas ao andamento das negociaes para oempreendimento.

    No polo oposto, demarcando-se contrrio ao empreendimento, identifica-se commaior projeo o Movimento Xingu Vivo para Sempre, entidade criada a partir de 2008,constituda em meio a rupturas com movimentos sociais locais (notadamente a FundaoViver, Produzir e Preservar FVPP) que, com a eleio de representantes do Partido dosTrabalhadores no governo federal e estadual, deixaram de exercer o papel de oposioao projeto de Belo Monte. O Xingu Vivo, como mais comumente referido, configura--se a partir da articulao entre pessoas pertencentes a distintas entidades (Movimentode Mulheres, movimentos estudantis, Movimento Negro, entre outros) e apoiado pordistintas organizaes no governamentais, nacionais, como o Instituto Socio-Ambiental

    (ISA), e internacionais como a Amazon Watch e a International Rivers. Suas manifesta-es ocorrem geralmente por atos pblicos como viglias, distribuio de panfletos, idass comunidades, cartas abertas aos rgos oficiais e publicao de notcias em um blogna internet.

    So historicamente ligadas ao Xingu Vivo, e o acolheram em sua sede quandoda ruptura que demarcou seu surgimento, as entidades vinculadas Igreja catlica,notadamente o CIMI Conselho Indigenista Missionrio, e a Prelazia do Xingu. Comoliderana mxima dessas duas entidades, encontra-se o Bispo Dom Erwin Krautler, figuracarismtica e notrio defensor dos direitos humanos.

    Presente h menos tempo em Altamira e na questo Belo Monte, mas que logose apresenta como um agente de influncia devido sua projeo poltica nacional,encontra-se desde setembro de 2009 o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).Diferenciando-se do Xingu Vivo pelas estratgias adotadas, parcerias e, como reforamseus representantes, pela leitura marxista-leninista do problema das barragens, o MABtem atuado mediante o trabalho de formao de base, com o deslocamento de seus repre-sentantes s comunidades e participao em atos e eventos contra a obra, muitas vezesem parceria com o Xingu Vivo.

    Importante destacar que as configuraes desses grupos, bem como seus ali-nhamentos e divergncias, so dinmicos: o grupo Fort Xingu, que em maio de 2011posicionava-se claramente a favor do empreendimento, em agosto de 2011 comeou umacampanha com outdoors espalhados pela cidade de Altamira questionando a morosidade

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    da Norte Energia em atender s condicionantes, enquanto em seu boletim do mesmoms divulgou que nas prximas eleies para diretoria da associao os representantes daala interna, favorvel construo da usina, no iro concorrer, ficando a disputa apenasentre a chapa neutra e a chapa contrria. Outro exemplo a articulao entre os

    movimentos sociais: apesar de o Movimento Xingu Vivo para Sempre ser caracterizadocomo um coletivo que agrega mais de cem entidades, para o fortalecimento das aesaps a liberao da licena de instalao do empreendimento houve uma nova fuso demovimentos, compondo a Frente de Resistncia Contra Belo Monte, formada peloMovimento Xingu Vivo Para Sempre, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),Comisso Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionrio (Cimi), Movimentodos Trabalhadores Desempregados (MTD) e Sindicato dos Trabalhadores em Educao(Sintepp-Regional), entre outras organizaes.

    Agricultores familiares, ribeirinhosepescadores, pertencentes s comunidades direta-

    mente afetadas pelo empreendimento, se veem, de sbito, no mago da controvrsia, efrustrados com relao a sua capacidade de interferncia na definio do processo. Assim,os membros desses grupos oscilam frequentemente entre os polos da disputa: por mais quegeralmente sejam contra as mudanas ocasionadas pela barragem, a expectativa geradapela indefinio, o medo de serem atropelados pela chegada das obras e a potencialidade,em alguns casos, de subitamente receberem quantias em dinheiro s quais nunca antestiveram acesso, fazem com que esses grupos tenham um comportamento instvel: nosseus encontros, h sempre uma atualizao sobre quem so os que resistem e aqueles quese entregaram, isto , os que aceitaram negociar suas terras e seus direitos com a Norte

    Energia. Os agricultores, ribeirinhos e pescadores que reforam sua resistncia obra seposicionam no debate apresentando elementos concretos como argumentos de sensibili-zao contra a construo da barragem: registros da quantidade de cacau que produzemnas terras que sero atingidas, o arroz colhido, a castanha, o peixe, a caa e os frutos.

    Os indgenas, ou simplesmente os ndios, apesar de muitas vezes se encontraremem situao parecida a dos agricultores familiares e ribeirinhos, configuram um grupodistinto. Suas decises sobre a posio a favor ou contra a barragem so tomadas emreunies e instncias prprias, e em algumas comunidades indgenas oscilam de acordocom a relao estabelecida com a Funai e a Norte Energia, pautada por critrios distintos

    daqueles disponveis para as demais comunidades atingidas (como, por exemplo, a prticaempreendida pela Norte Energia, em parceria com a Funai, de atender listas mensais desolicitaes de bens pelas comunidades indgenas, chamadas aes emergenciais, e quedestinam at 30 mil reais por ms por aldeia). Alm dos indgenas que vivem no entornoda obra pertencentes em sua maioria s etnias Arara, Juruna, Xipaya, Curuaya e Xicrin, exercem influncia sobre o conflito outros grupos, como os Kayap do Mato Grossoe do sul do Par.

    Osmoradores da periferia urbana de Altamira ganharam destaque aps a emissoda Licena de Instalao, exercendo um protagonismo que a princpio surpreendeu atmesmo os movimentos sociais. Sendo a especulao imobiliria deflagrada mediante umasbita elevao dos custos de terreno e aluguel em Altamira uma das mais significativasconsequncias da liberao da obra (h muitos relatos de valores de aluguel que subiram

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    cerca de cinco vezes, de um ms para o seguinte, e em todas as reas da cidade), espon-taneamente moradores das periferias, conhecidas em Altamira como baixes, comearama se organizar e realizar ocupaes cobrando a responsabilidade do governo e da NorteEnergia, seja porque j esto sem moradia por no poderem arcar com os novos valores

    de aluguis, seja porque esto temerosos com o alagamento de suas casas, visto que soreas que no perodo de cheia j regularmente alagam.Participao bastante diferente, mas no menos significativa, cabe Academia, isto

    , a pesquisadores e professores universitrios que se valem de seu capital intelectual paraproduzirem anlises tcnicas sobre o projeto e seus impactos, tomando parte no conflito.Esse posicionamento manifestado a partir da contribuio na realizao de palestras ecursos, publicao de artigos e livros. Destaca-se, nesse conjunto, a formao do Painel deEspecialistas, grupo de renomados pesquisadores, dos mais distintos campos disciplinares(da engenharia e biologia antropologia e sade), vinculados a universidades de todo o

    pas, que publicaram uma anlise crtica de todos os volumes do Estudo de Impacto Am-biental. Alm das publicaes cientficas, as cartas das associaes de pesquisa (entre elasa Associao Brasileira de Antropologia - ABA, a Sociedade Brasileira para o Progresso daCincia - SBPC, a Sociedade Brasileira de Ictiologia, entre outras, compondo um total desessenta entidades) tambm tm sido utilizadas como apoio importante manifestao.

    Finalmente, um sujeito que tem sido fundamental no direcionamento do conflito o Ministrio Pblico Federal. Mediante 18 aes civis pblicas e duas aes por improbidadeadministrativa ajuizadas contra o processo de implementao da obra, participaes dosprocuradores em eventos e seminrios, e tambm um blog na internet explicando de ma-

    neira didtica o contedo das aes, o MPF tem atuado como um agente de fiscalizaoe presso sobre o empreendimento, contribuindo ainda com o fornecimento de materiaispara o debate pblico do processo. Somam-se atuao na esfera jurdica entidadescomo a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos SDDH, e a ONG Terrade Direitos, que, entre outras atitudes, entraram com petio na Corte Interamericanade Direitos Humanos contra o governo brasileiro solicitando a suspenso imediata dasobras de construo da usina hidreltrica.

    Belo Monte, natureza e sociedade: processos em construo

    O que tem se depreendido das anlises preliminares a partir da pesquisa empri-

    ca que a diversidade de grupos encontrada, os distintos artefatos mobilizados comoferramentas do embate (panfletos, cartas, aes civis pblicas, cacau, castanha, blogs,

    manifestos, cartilhas etc.), e mesmo os espaos das cidades envolvidas e localidadesribeirinhas tm, desde o incio do conflito acerca da construo da Usina Hidreltrica

    de Belo Monte, se encontrado em constante transformao. Cada etapa da obra, dadiscusso de sua necessidade e de sua viabilidade emisso de licenas e chegada de

    maquinrio, constri e desfaz redes e paisagens. Esse movimento contnuo justamentea caracterstica principal da rede encontrada na abordagem de Latour (2002), tal qual

    uma totalidade aberta capaz de crescer em todos os lados e direes, sendo seu nico

    elemento constitutivo o n neste caso, a construo da UHE Belo Monte. Trata-se,

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    ento, de enfatizar os fluxos, os movimentos de agenciamento e as mudanas por elesprovocadas (FREIRE, 2006).

    Dentre os marcos de mudanas produtoras de efeitos direcionadores dos rumos doconflito, talvez o mais evidente deles seja o processo de licenciamento ambiental. Cada

    licena das trs emitidas pelo rgo licenciador, o Ibama, foi precedida por uma srie dequestionamentos, debates, relatrios tcnicos, ofcios, negociaes e contestaes, configu-rando etapas de inscrio do conflito. No sentido a que se refere Latour (1997), as inscriesso todos os tipos de transformaes que materializam uma entidade em um signo, umarquivo, um documento, permitindo novas tradues e articulaes ao mesmo tempo emque mantm intactas algumas formas de relao (LATOUR, 2001). Freire (2006), inter-pretando a abordagem de Latour, afirma que no esforo de convencimento dos cientistasna construo de um fato cientfico, as inscries desempenham um papel extremamenteimportante, aumentando quer seja a mobilizao, a apresentao, a fidelidade, quer seja

    a disciplina dos aliados cuja presena necessria para convencer (LATOUR, 1990). Noconflito em torno de Belo Monte, cada licena, como sntese das negociaes tcnicase polticas anteriores a sua emisso, e como signo ou sinalizadora do que estaria porvir, repercutiu imediatamente em posicionamentos dos empreendedores interessados naobra, na articulao ou desarticulao dos movimentos sociais, em protocolos para osrgos envolvidos e em demandas e recursos para as prefeituras. Essa capacidade de umobjeto, no humano, repercutir em efeitos sociais, ou seja, de participar ativamente dasrelaes sociais, bastante evidente em relao s licenas, mas no ocorre apenas comrelao a elas: mapas e tabelas como a tabela de divulgao de preos a serem pagos

    por benfeitorias em terras a serem indenizadas pelo empreendedor tambm atuamcomo indutores de mobilizaes sociais, especulao imobiliria, liberao de recursos emotivadores para alinhamentos e divergncias entre os grupos.

    Em todos esses casos, a noo-chave que pode ser depreendida a noo detraduo. Aqui, traduzir significa deslocar objetivos, interesses, dispositivos, seres huma-nos. Implica desvio de rota, inveno de um elo que antes no existia e que de algumamaneira modifica os elementos imbricados (FREIRE, 2006). Segundo Latour (2002), ascadeias de traduo referem-se ao trabalho pelo qual os atores modificam, deslocam etransladam os seus vrios e contraditrios interesses. Contudo, no conflito estudado,

    constantemente necessria a traduo, alm de objetivos e interesses, de tempos muitasvezes contraditrios. O tempo do projeto o tempo do que pensado de forma macro,visando estratgias geopolticas, e que tem que ser executado rapidamente, no ritmo domercado. O tempo dos moradores locais, indgenas e ribeirinhos, o tempo lento, do rio quesempre correu, e que se deseja que sempre possa continuar correndo. Os representantesdos rgos do governo federal, imbudos da mediao entre as necessidades locais e osprojetos nacionais, relatam angstia de se sentirem pressionados ou, o que ainda pior,atropelados pela imposio de ritmos deslocados. Nesse sentido, a proposio cosmopolticade Stengers (2007) ganha fora, ao sugerir que esto em disputa os prprios parmetrosde definio sobre o que mais importante na configurao do mundo.

    Ainda, interessante destacar que nessa abordagem as cosmopolticas so apontadascomo aspolticas da crise da modernidade, visto que Stengers (2007), assim como Latour

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    (2007), considera que as cosmopolticas tm por objetivo a composio de um mundocomum, de um cosmos, que deve ser realizada com os outros, os excludos da modernidadepoltica republicana: os no modernos povos da floresta, comunidades rurais e osno humanos artefatos cientficos, relatrios ambientais, rios, floresta, animais e/ou

    sobrenaturais religies, crenas, fetiches. E, nesse caso, ganham relevncia as controvr-sias ambientais ligadas aos grandes projetos de infraestrutura, que, ao demandarem tantoaudincias pblicas quanto estudos de impacto ambiental, fazem evoluir este equilbrioinstvel entre participao, ambiente e definies de interesse geral, e representam umanova articulao entre tcnica e poltica (LOLIVE; SOUBEYRAN, 2007).

    Contudo, entre os elementos-chave a serem destacados, nada to proeminentequanto a disputa pela definio de desenvolvimento. Se em um contexto de crescimentoeconmico e estabilidade poltica, como o que se encontra o Brasil nos ltimos anos, nadapode soar mais ofensivo no embate pblico do que a acusao de ser contra o desenvolvi-

    mento, a disputa tem se deslocado para qual o tipo de desenvolvimento desejvel. E, nessaclassificao, lugar central no debate cabe a qual relao com a natureza implicada nestedesenvolvimento, bem como a definio de quem so os sujeitos habilitados a intervirnos rumos desses processos.

    Dessa forma, o que se observa que na apresentao dos grupos envolvidos noconflito e na identificao das pessoas com os respectivos grupos, seja na produo demateriais de divulgao, sejam em conversas informais ou em entrevistas, parte do espao reservada discusso sobre desenvolvimento, ora para reforar sua necessidade:

    Belo Monte importante pro nosso pas, importante pro desen-volvimento no s da regio, mas Belo Monte importante prodesenvolvimento do nosso pas porque vai evitar o apago. Ns quemoramos aqui somos a favor porque ns tambm somos brasileiros.(Prefeita de Altamira, entrevista, Altamira, julho/2011);Essa energia gerada por Belo Monte fundamental pra sustentar odesenvolvimento econmico na marcha que o Brasil t adotando,ento tudo grandioso em torno de Belo Monte. (Secretaria geralda presidncia da repblica, entrevista, Braslia, agosto/2011).

    Ora para afirmar critrios diferentes na sua definio:

    O que tinha que ser feito o governo no faz, que as polticas pblicas,polticas de asfaltar a Transamaznica, isso o desenvolvimento praregio. A gente j sofreu muito com essa histria de desenvolvimentoe no desenvolveu quase nada. O que desenvolve ns integrar sociedade e acabar com tudo que ns temos da nossa cultura? Isso desenvolver? Pra mim no , pra mim isso matar. Matar tudo quevoc tem de sua tradio. O desenvolvimento assim pra mim isso,mata a tradio da pessoa. Ento acaba com o povo mesmo, no tem

    como desenvolver se desenvolver integrar. (Liderana indgenaJuruna, entrevista, Altamira, junho/2011).Eu fico triste quando falam que essa construo de Belo Monte vai

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    trazer o desenvolvimento para o municpio de Altamira. Mas a gentesabe que no bem isso. A gente sabe das outras construes debarragem que no h muita diferena sobre desenvolvimento, sobreecologia, pro municpio e regio. Porque continua o mesmo, e muitas

    das vezes, muito mais pior com essas construes de barragens queo governo coloca. [...] A gente t muito preocupado quando fala deBelo Monte. O que a gente queria que venha essa desenvolvimentoaqui pra gente de outra forma, pra gente poder ver o nosso povo empaz, plantando arroz, colhendo milho, colhendo cacau, pois aqui nstemos uma terra maravilhosa pra se plantar. Aqui ns temos bastantefeijo. A gente tem que lembrar que alm da produo de arroz, daproduo de milho, da produo de cacau, ns temos tambm aquia produo de aa e tambm a produo de cupuau, a produo defarinha...(Agricultor familiar da Volta Grande do Xingu, entrevista,

    Localidade Cobra-Choca, junho/2011)

    Percebe-se, portanto, que se ao menos desde a Conferncia das Naes Unidaspara o Meio Ambiente o conceito de desenvolvimento vem sendo rediscutido no senti-do de aumentar o papel das comunidades locais nas suas definies, no contexto atualbrasileiro, vinte anos aps, essa incluso na prtica ainda est distante de ser exercitada.Enquanto premissa de melhorias na qualidade de vida, o desenvolvimento visto comounanimidade, no entanto, sabe-se que, como modelo geral de modernizao, no sotodos os que cabem como beneficirios do processo. Na disputa pela redefinio dos cri-

    trios de interpretao do desenvolvimento, a cultura e a natureza no como entidadesabstratas a serem conservadas, mas como possibilidade de existncia das comunidades,terra a ser plantada e frutos do trabalho so mobilizadas pelas comunidades locais parase confrontar o uso de critrios como gerao de energia e crescimento. Contudo, essasdemandas por definio de critrios no ressoam na deciso sobre polticas pblicas, queem muitos dos casos, mais do que desenvolvimento geram conflitos:

    Porque se a gente continuar com os projetos que a gente tem a dePAC, os projetos de minerao, o nosso planejamento energtico comoest sendo concebido, a Amaznia vai deixar de ser o que ela e vai

    virar um territrio assim mera fonte de recursos naturais, minerais,energticos e acabou. E se voc pega os ndices de desenvolvimentohumano aqui da regio, so os mais baixos do pas. Ento isso notem gerado desenvolvimento da regio, de forma alguma. (Militantedo Xingu Vivo, entrevista, Altamira, julho/2011) um processo que complexo. muito difcil, porque um processoque j nasce conflituoso. Qualquer processo que de desenvolvimentocom meio ambiente, desenvolvimento com diferenas tnicas, eles soantagnicos, ainda no acharam uma forma em que conseguisse elesserem harmoniosos. Ento isso j nasce conflituoso. (Coordenadorada Funai, Braslia, agosto/2011).

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    Portanto, a partir da anlise do conflito em torno na construo da Usina Hidre-ltrica de Belo Monte, pode-se observar a longevidade de um conflito que expressa aincompatibilidade entre a concepo modernizante de desenvolvimento, na qual a geraode energia para o crescimento industrial e econmico apresentada como prioridade

    nacional, e a concepo de comunidades locais, povos da floresta e socioambientalistasnas quais as prticas e saberes elaborados de forma indissocivel entre natureza e culturaseriam os critrios para definio da qualidade de vida e, portanto, prioritrios.

    Contudo, o conflito em torno da UHE Belo Monte, ainda que emblemtico, no o nico: nas ltimas dcadas, tm sido deflagrados conflitos de norte a sul do Brasilnos quais poucas variantes somam-se ao roteiro geral, tal como mostram as pesquisas deAcserald (2008), Carneiro (2009), Zhouri e Laschefski (2010) e Almeida (2010).

    especificamente com o objetivo de reforar a unicidade das demandas envolvidasnesses conflitos, por um lado, e, por outro, a sua recorrncia, ambos aspectos que reforam

    a necessidade de se levar a srio tais conflitos como objetos de anlises sociolgicas,que se pretende agrup-los no conceito de conflitos ambientais. Ainda que tais conflitosabarquem lutas pela terra, lutas pelo reconhecimento no sentido a que se refere Honneth(1996), lutas pela apropriao de recursos, lutas simblicas, entre outros, ao se agrupartodas essas disputas em um conceito abrangente, o que se pretende reforar o carterholstico do conflito: mais do que disputas pontuais, so disputas de fundo que dizemrespeito no apenas a um projeto na Amaznia brasileira ou a outros empreendimentosdispersos pelo Brasil, mas causa de distintos conflitos que possuem em comum a lutacontra o imperativo do desenvolvimento, contra um desenvolvimento que na prtica

    expropriatrio. E, nesse contexto, denir o lugar da natureza no desenvolvimento de-nir precisamente que sociedade se pretende construir, isto , qual o de desenvolvimentodesejado ou, sobretudo, qual o signicado de desenvolvimento para a nossa sociedade.

    Nota

    1 Interessa destacar que, somando-se as aes contra a construo da usina hidreltrica movida por outras entidades,como Defensoria Pblica do estado do Par e organizaes no governamentais, o nmero de processos no judiciriocontrrios Belo Monte totaliza 57 aes. Para uma sistematizao atualizada das aes movidas pelo MPF/PA, consultarhttp://www.prpa.mpf.mp.br/news/2013/arquivos/Tabela_de_acompanhamento_atualizada_23-10-13.pdf

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    Submetido em: 15/08/12

    Aceito em: 26/09/13

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    A CONSTRUO DA USINA HIDRELTRICA DE BELO MONTE:CONFLITO AMBIENTAL E O DILEMA DO DESENVOLVIMENTO

    LORENA CNDIDO FLEURY, JALCIONE ALMEIDA

    Resumo:No contexto atual brasileiro, o crescimento econmico recente e a estabilidadepoltica tm proporcionado uma retomada da noo de desenvolvimento ao centro dodebate, via de regra mediante a transformao de recursos naturais. Contudo, o pro-tagonismo desta noo no traz consigo uma unanimidade a respeito de seu significado inversamente, so vrios os grupos sociais que questionam o tipo de desenvolvimento aser estimulado, ou at mesmo a necessidade de se desenvolver, deslocando para o centrodo debate a relao com a natureza nele implicada. A partir de pesquisa de campo sobreo conflito ambiental em torno da construo daquela que pretende ser a terceira maior

    usina hidreltrica do mundo, a Usina Hidreltrica de Belo Monte, analisa-se as relaessociedade-natureza como chave na interpretao dos processos de desenvolvimento, es-pecialmente no que diz respeito definio de quem so os sujeitos habilitados a intervirnos rumos desses processos.

    Palavras-chave:Conflitos ambientais; Barragens; Desenvolvimento.

    Abstract:In the current Brazilian context, the recent economic growth and political stabilityhave brought back to the center of the debate the concept of development, usually approa-

    ched by the idea of transforming natural resources. However, the meaning of this notionis not unanimous, there are many social groups that question the type of developmentthat is being encouraged, or even the need to be developed, displacing the debate to whatkind of relationship is established with nature. Based on the field work carried out aroundthe environmental conflict surrounding the construction of what pretends to be the thirdlargest hydroelectric dam in the world, the hydroelectric plant of Belo Monte, the analysisproposed seeks to understand the different meanings given to the relations between natureand society as key concepts for the interpretation of developmental processes, especially toidentify who are the subjects that are defined as being entitled to intervene in the course

    of these processes.

    Keywords:Environmental conflicts; Dams and development.

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    Resumen:En el contexto actual de Brasil, el reciente crecimiento econmico y la estabili-dad poltica colocaron nuevamente en el centro del debate el concepto de desarrollo, engeneral entendido a travs de la transformacin de los recursos naturales. Sin embargo,varios grupos sociales cuestionan este tipo de desarrollo fomentado, o hasta incluso la

    propia necesidad de desarrollarse, descentrando el debate hacia la relacin con la natura-leza implicada en esos tipos de desenvolvimientos. A partir del trabajo de campo realizadosobre el conflicto ambiental en torno a la construccin de la planta hidroelctrica de BeloMonte, proponemos analizar las relaciones entre naturaleza-sociedad como clave en lainterpretacin de los procesos de desarrollo, especialmente en la definicin de quines sonlos sujetos con derecho a intervenir en el curso de estos procesos.

    Palabras clave:Conflictos ambientales; represas y desarrollo.