Belo Monte

14
1 Hidrelétrica de Belo Monte: a apresentação de um projeto e as representações sociais que circulam em torno do conceito de desenvolvimento 1 . Juliete Miranda Alves (UFPA\ Brasil) RESUMO: O município de Altamira esta situado a Sudoeste do Estado do Pará e deve abrigar grande parte do Empreendimento hidrelétrico (AHE) Belo Monte, obra aprovada pelo Programa de Aceleração do Crescimento- PAC do governo Federal, a ser executado no rio Xingu. Nos últimos vinte anos, esta hidrelétrica tem sido um dos projetos mais discutidos no Brasil, gerando opiniões diferenciadas, e mobilizando distintos atores sociais, defendendo ou desaprovando a sua construção. Este artigo tem como objetivo central analisar as representações sociais que norteiam os discursos sobre desenvolvimento dos diferentes grupos a respeito da construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Os grupos aqui analisados fazem parte do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu- FORT Xingu, composto de empresários, comerciantes, prefeitos, profissionais liberais, e integrantes também dos movimentos sociais que concebem a construção da barragem como uma estratégia de desenvolvimento econômico. Contrários a esta concepção, esta aquela representada pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre, composto do movimento de mulheres, índios, ribeirinhos, trabalhadores rurais e religiosos pertencentes a Prelazia do Xingu, questionando o desenvolvimento econômico e social que trará esta barragem. Incorporamos também a esta reflexão os sentidos e as representações sobre a construção desta Hidrelétrica, dos moradores de uma comunidade intitulada Santo Antônio que será remanejada com a construção da hidrelétrica. Finalmente, discuto neste artigo como estas diferentes representações se apresentam em um cenário de conflitos e contradições na transamazônica. Palavras- chave- Representação, Grupos sociais, Hidrelétrica. 1 Trabalho apresentado na ANPPAS, realizada entre os dias 04 a 07 de outubro de 2010, Florianópolis- SC, Brasil.

description

belo monte

Transcript of Belo Monte

  • 1

    Hidreltrica de Belo Monte: a apresentao de um projeto e as representaes

    sociais que circulam em torno do conceito de desenvolvimento1.

    Juliete Miranda Alves (UFPA\ Brasil)

    RESUMO: O municpio de Altamira esta situado a Sudoeste do Estado do Par e deve

    abrigar grande parte do Empreendimento hidreltrico (AHE) Belo Monte, obra

    aprovada pelo Programa de Acelerao do Crescimento- PAC do governo Federal, a ser

    executado no rio Xingu. Nos ltimos vinte anos, esta hidreltrica tem sido um dos projetos

    mais discutidos no Brasil, gerando opinies diferenciadas, e mobilizando distintos atores

    sociais, defendendo ou desaprovando a sua construo. Este artigo tem como objetivo

    central analisar as representaes sociais que norteiam os discursos sobre desenvolvimento

    dos diferentes grupos a respeito da construo da Hidreltrica de Belo Monte. Os

    grupos aqui analisados fazem parte do Frum Regional de Desenvolvimento Econmico

    e Socioambiental da Transamaznica e Xingu- FORT Xingu, composto de empresrios,

    comerciantes, prefeitos, profissionais liberais, e integrantes tambm dos movimentos

    sociais que concebem a construo da barragem como uma estratgia de

    desenvolvimento econmico. Contrrios a esta concepo, esta aquela representada pelo

    Movimento Xingu Vivo para Sempre, composto do movimento de mulheres, ndios,

    ribeirinhos, trabalhadores rurais e religiosos pertencentes a Prelazia do Xingu,

    questionando o desenvolvimento econmico e social que trar esta barragem.

    Incorporamos tambm a esta reflexo os sentidos e as representaes sobre a construo

    desta Hidreltrica, dos moradores de uma comunidade intitulada Santo Antnio que ser

    remanejada com a construo da hidreltrica. Finalmente, discuto neste artigo como

    estas diferentes representaes se apresentam em um cenrio de conflitos e contradies

    na transamaznica.

    Palavras- chave- Representao, Grupos sociais, Hidreltrica.

    1 Trabalho apresentado na ANPPAS, realizada entre os dias 04 a 07 de outubro de 2010, Florianpolis-

    SC, Brasil.

  • 2

    INTRODUO

    Este artigo tem como objetivo central analisar as representaes sociais que

    norteiam os discursos sobre desenvolvimento dos diferentes atores a respeito do

    aproveitamento hidreltrico (AHE) Belo Monte, obra prevista pelo Programa de

    Acelerao do Crescimento- PAC do Governo Federal, a ser executado no rio Xingu.

    Esta hidreltrica com capacidade para gerar 11 mil megawatts de energia, demandara

    investimentos na ordem de 19 bilhes de reais.

    Desde o projeto inicial apresentado em 1985 at os dias atuais, formaram-se

    grupos de interesses distintos formadores de opinies. Os grupos aqui analisados fazem

    parte do Frum Regional de Desenvolvimento Econmico e Socioambiental da

    Transamaznica e Xingu- FORT Xingu e o Movimento Xingu Vivo para Sempre.

    O FORT- Xingu foi criado em maio de 2009, e segundo seu estatuto.

    um espao de discusso entre as organizaes representativas da sociedade civil

    para estudar e criar alternativas com o objetivo de estimular e implantar modelos de

    desenvolvimento sustentveis para a regio composta pelos onze municpios que

    fazem parte das reas de influncias direta e indireta do aproveitamento hidreltrico

    de Belo Monte.

    O Frum congrega segundo informaes de seus dirigentes, mais de 170

    entidades da sociedade civil de Altamira. Contudo, se destacam empresrios,

    comerciantes, prefeitos, profissionais liberais, e integrantes tambm dos movimentos

    sociais que defendem a construo da hidreltrica. Este grupo se apia principalmente

    na concepo de que esta construo trar desenvolvimento econmico e benefcios

    sociais para a populao da transamaznica. Contrrios a esta concepo, est aquela

    representada pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre, composto do movimento de

    mulheres, ndios, ribeirinhos, trabalhadores rurais e religiosos pertencentes a Prelazia do

    Xingu e Organizaes no governamentais. Este movimento, articulado em 2006,

    questiona o desenvolvimento que trar esta barragem, principalmente pelos impactos

    socioambientais em reas indgenas e comunidades tradicionalmente estabelecidas.

    Segundo uma das lideranas do movimento, Belo Monte ser um dos maiores crimes

    ambientais da histria do Brasil.

  • 3

    A escolha destes grupos se deu pela capacidade destes em articular grandes

    debates, passeatas, discusses e polarizao de opinies. E por estarem em campos de

    poder diferenciados. Estes campos operam com diferentes atores, instituies, discursos

    e conflitos.

    Incorporamos tambm a esta reflexo os sentidos e as representaes sobre a

    construo desta Hidreltrica, dos moradores de uma comunidade intitulada Santo

    Antnio, localizada no municpio de Vitria do Xingu a 30 km de Altamira, e que

    sofrer mudanas profundas com este empreendimento.

    A pesquisa2 que gerou este artigo foi o resultado em um primeiro momento das

    narrativas orais recolhidas em entrevistas gravadas com representantes dos grupos

    sociais do Movimento Xingu Vivo para Sempre e do FORT-Xingu. Em outro momento,

    procurei compreender os discursos destes grupos sociais, e sua atuao em eventos

    significativos ocorridos em Altamira, como: passeatas contrrias e ou a favor da

    barragem Belo Monte, audincias pblicas e encontros.

    Quanto a comunidade Santo Antnio, os objetivos iniciais foram os de realizar

    um levantamento dos recursos naturais existentes e das prticas de trabalho dos

    moradores. Durante a pesquisa outro dado tornou-se importante e central no

    levantamento; as perspectivas dos moradores quanto a construo e remanejamento de

    sua comunidade fundada em 1973. Entrevistamos3 todas as 65 famlias moradores

    utilizando um questionrio com as perguntas centrais: origem, escolaridade, trajetria

    do entrevistado, renda, os recursos naturais existentes em sua propriedade, os recursos

    utilizados no trabalho, informaes quanto ao remanejamento de sua comunidade e

    expectativas em relao hidreltrica e o futuro da famlia.

    O trabalho esta organizado da seguinte forma: apresento algumas discusses

    tericas sobre o conceito de representao social nas Cincias Sociais para explicitar a

    importncia de tal analise, e em que contexto terico esta situado este artigo. Procuro

    refletir principalmente como as representaes dos grupos sociais em analise, so

    princpios geradores de tomadas de posio ligados as inseres dos quais participam os

    2 O trabalho a que me refiro a pesquisa em desenvolvimento intitulada Mapeamento das dinmicas

    socioambientais em populaes tradicionais em Altamira-PA, financiada pela Fundao de Amparo a pesquisa do Estado do Par- FAPESPA. A quem agradeo o apoio. 3 Destas entrevistas participaram cinco bolsistas: trs de extenso e dois de Iniciao a Pesquisa.

    Discentes do curso de Engenharia Agronmica e Engenharia Florestal da UFPA-Campus de Altamira.

  • 4

    atores sociais membros dos grupos. Em outro momento procuro situar as analises sobre

    representaes dos grupos FORT-Xingu e Movimento Xingu Vivo para sempre, a partir

    de alguns acontecimentos, como: os eventos que marcaram o debate e a discusso sobre

    a hidreltrica, as narrativas orais, discursos e entrevistas de alguns representantes dos

    grupos. Foi a partir das entrevistas e narrativas que algumas concepes se destacaram

    na fala dos atores sociais, tais como: desenvolvimento, progresso e justia.

    Finalmente, apresento algumas reflexes de como estas diferentes compreenses

    sobre desenvolvimento se situam na comunidade Santo Antnio, bem como, qual a

    expectativa das famlias residentes nesta localidade sobre a construo de Belo Monte.

    1- O CONCEITO DE RERESENTAO SOCIAL NAS CINCIAS SOCIAIS.

    O termo representao surge, na Sociologia, com mile Durkheim. Sua

    produo terica objetivava consolidar a Sociologia enquanto cincia e conferir a esta,

    estatuto cientifico. Para Durkheim, a Sociologia se diferenciava do objeto da Psicologia,

    cabe a primeira analisar os estados da conscincia coletiva, suas leis e representaes,

    que so diferentes dos de natureza individual, foco principal da Psicologia. Ainda para

    este socilogo, os fatos sociais tm uma existncia independente dos fatos individuais.

    So exteriores s conscincias individuais, existem nas partes porque antes existem no

    todo. (Durkheim, 1987).

    A partir da diferenciao entre as duas cincias pautada principalmente na

    compreenso de que a sociedade no pode ser explicada atravs das conscincias

    individuais, Durkheim introduziu o conceito de representaes coletivas. Para este

    autor, foi importante considerar a natureza social e no individual atentando para o fato

    de que o mundo feito de representaes. Pode-se encontrar na obra As formas

    elementares da vida religiosa, Durkheim (1983), o conceito de representaes

    coletivas, nela o autor analisou o sistema primitivo cultos australianos- para

    compreender as suas formas elementares, e a natureza religiosa do homem, para ele,

    todas as religies possuem as mesmas causas e respondem s mesmas necessidades. A

    religio um sistema de representaes do mundo.

    Outro pensador, Marcel Mauss (1979), no livro A expresso obrigatria dos

    sentimentos, analisou o ritual oral dos cultos funerrios australianos, recuperou

  • 5

    Durkheim, discutindo os ritos e o luto, como expresso de emoes coletivas. Para este

    autor o choro, bem como outras expresses orais de sentimentos no so fenmenos

    exclusivamente psicolgicos ou fisiolgicos, mas sim fenmenos sociais, marcados pela

    obrigao (Mauss, 1979). Procurou mostrar a diferenciao entre representao

    individual e coletiva, enfatizando a importncia do social, das representaes coletivas.

    Para estes autores, o mundo feito de representaes.

    A importncia de mile Dukheim para a Sociologia, reside no reconhecimento

    da importncia das representaes, como comportamentos coletivos no espao e no

    tempo em que so produzidos. Uma funo primordial da representao coletiva seria a

    transmisso da herana coletiva dos antepassados, que acrescentariam s experincias

    individuais tudo que a sociedade acumulou de sabedoria e cincia ao passar dos anos.

    Apesar da importncia deste conceito, no sculo XX, este se tornou um termo

    secundarizado, diante de um contexto histrico marcado por guerras e ideologias. O

    renascimento do conceito deu-se atravs da Psicologia Social europia, tanto no que diz

    respeito teoria quanto a pesquisa. Ente os autores responsveis em revigorar o

    conceito, est Serge Moscovici.

    Moscovici acrescenta novos elementos elaborao do conceito de

    representao. Para este autor, no apenas uma herana coletiva dos antepassados,

    transmitida de maneira determinista. O indivduo tem papel ativo e autnomo no

    processo de construo da sociedade, da mesma forma que criado por ela. Ele tambm

    tem participao na sua construo (Moscovici, 1978). Neste sentido, as representaes

    coletivas abrem espao para as representaes sociais, oriundas das prticas sociais do

    grupo e no apenas do se pensar (Oliveira, 1999). Para Moscovici, as representaes

    so como entidades quase tangveis, presentes na realidade, que se manifestam em

    palavras e expresses, em produes e consumo de objetos, em relaes sociais.

    A Psicologia social percebe as representaes como fenmeno, com mobilidade

    e circularidade. A substituio de representao coletiva para social acentua a diferena.

    Deixa de ser um conceito que explica o conhecimento e crenas de um grupo para se

    tornar um fenmeno que exige explicao e que produz conhecimento. As

    representaes so ento, formas de interpretao e comunicao, mas tambm de

    produo e elaborao de conhecimentos. Para Moscovici, as representaes so

    conjuntos dinmicos, seu status o de uma produo de comportamentos e de relaes

  • 6

    com o meio ambiente, de uma ao que modifique aquelas e estas e no de uma

    reproduo desses comportamentos ou dessas relaes, de uma reao a um dado

    estmulo exterior (Moscovici, 1978).

    Ainda na rea da Psicologia, destacam-se os estudos sobre representao, de

    Denise Jodelet (1991). Para esta autora, as representaes sociais apresentam um duplo

    movimento: so, por um lado, sistemas que registram nossas relaes com o mundo e

    com os outros, orientando e organizando as condutas e as comunicaes sociais. Por

    outro, interferem nos processos, diversificando a difuso e a assimilao dos

    conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definio das identidades

    pessoais e sociais, a expresso dos grupos e transformaes sociais. So assim, formas

    de interpretao e comunicaes, mas no se reduzem apenas aos conhecimentos

    cognitivos. Sendo socialmente elaborados e compartilhados, contribuem para a

    construo de uma realidade comum, possibilitando a comunicao entre os indivduos.

    Considero importante ressaltar que os estudos sobre representaes,

    possibilitaram entender as relaes estabelecidas, as concepes construdas,

    compartilhadas e defendidas no interior de cada grupo e entre os grupos, bem como as

    mudanas e permanncias promovidas socialmente. Assim, procuro mostrar que as

    representaes construdas em torno do conceito de desenvolvimento, influenciam a

    construo da realidade social ao mesmo tempo em que so por elas influenciadas.

    O debate sobre a construo desta hidreltrica na transamaznica se revigora a

    mais de vinte anos. Em 1988, no I Encontro dos Povos Indgenas do Xingu, a ento

    barragem karara foi contestada e este evento tomou propores nacionais com uma

    cena emblemtica da ndia Tura passando um faco no rosto do ento presidente da

    Eletronorte. O encontro favoreceu o reconhecimento e a visibilidade de atores sociais-

    como os diversos grupos indgenas- lutando pela garantia terra, e s guas do rio

    Xingu.

    Ao longo desses anos de discusso, opinies foram se formando fortalecendo

    segmentos sociais os mais diferenciados. Alm dos grupos sociais situados neste artigo,

    formou-se o Consrcio Belo Monte, que representa a organizao de onze (11)

    prefeituras da Transamaznica.

  • 7

    2- HIDRELTRICA DE BELO MONTE E AS REPRESENTAES SOCIAIS DOS

    GRUPOS.

    A performance dos grupos analisados em Altamira expressam um momento de

    luta acirrada, negao e disputa de um projeto de hidreltrica questionada a mais de

    vinte anos. Os significados desses atos podem tambm ser compreendidos como fora

    teatral4 simbolizadas por eventos, construdo pelos participantes, como canal de

    comunicao e convencimento de suas propostas. Cito dois momentos que caracterizo

    como performticos ocorridos em Altamira. Em 2008, vrios eventos foram realizados

    como demonstrao de poder e mobilizao. Destaco como um dos momentos mais

    importantes o ocorrido em maio de 2008, o Encontro dos povos do Xingu, onde se

    reuniram em um ginsio de Altamira vrias entidades governamentais e no

    governamentais, tribos indgenas, movimento de mulheres, religiosos da Prelazia do

    Xingu, etc. Este evento organizado pelo Movimento Xingu Vivo para sempre, tinha

    como um dos seus objetivos, discutir as conseqncias da construo da Hidreltrica

    Belo Monte para as populaes atingidas. Contudo, no segundo dia, um dos diretores da

    Eletronorte em seu discurso de apresentao, foi ferido por um ndio, gerando vrios

    outros momentos de conflitos, levando inclusive a populao local a se posicionar, a

    comentar positivamente ou negativamente sobre o ato praticado. O caso repercutiu

    nacionalmente e o evento ganhou um pblico que deixou de ser local.

    Destaco outro evento promovido por empresrios e comerciantes locais, que

    mobilizou no incio de 2008, muitas pessoas na cidade de Altamira. Esta passeata

    fechou o comrcio local, paralisou atividades em instituies municipais e estaduais, e

    encerrou com um show com sorteio de muitos prmios no ponto turstico mais

    importante da cidade.

    4 A expresso teatral ser entendida como espetacular no sentido atribudo por Pradier (1998), como

    uma forma de ser e falar, de cantar e de se enfeitar distinta do cotidiano (PRADIER, 1998, p. 24.). Nos estudos sobre performance, Victor Turner (1982) o define a partir do teatro. Nesta situao as pessoas ou

    grupos representam, simbolizam papeis que correspondem a uma posio invertida em relao ao status

    ou condio que ordinariamente possuem na estrutura social. Para este autor todo tipo de performance cultural, incluindo ritual, cerimnia, carnaval, teatro e poesia, explicao da vida (Turner, 1982).

    .

  • 8

    Nestes eventos, os grupos FORT-Xingu e Movimento Xingu Vivo para Sempre,

    procuraram mobilizar expectativas, representaes de si e do outro. Os eventos em

    Altamira foram decisivos como demonstrao de poder, fora e mobilizao destes

    grupos.

    Nestes eventos as imagens do passado foram evocadas e articuladas ao presente,

    criando outros significados. No caso dos grupos entrevistados em Altamira, os

    participantes no necessariamente partilham uma experincia ou significados comuns,

    mas uma posio comum quando negam ou aprovam a construo da hidreltrica,

    transformando os eventos em momentos significativos de poder e um espao de

    convencimento. As representaes sociais expressam formas de vises do mundo e tm

    por objetivo explicar e dar sentido aos fenmenos. Esses sentidos se manifestam em

    aes especialmente aqueles evidenciados nos espaos pblicos, que por excelncia e o

    local do jogo poltico, portanto lugar privilegiado das representaes sociais.

    Nas entrevistas realizadas, o empreendimento Belo Monte aparece nos discursos

    dos grupos com diferentes concepes de justia, desenvolvimento e progresso.

    Vejamos algumas falas.

    Acreditamos que a construo desta hidreltrica trar novas perspectivas de

    emprego, turismo e gerao de renda, afinal os resultados de algumas barragens,

    como a de ITA em Santa Catarina, nos mostraram que possvel pensarmos em

    melhorias econmicas e sociais. O cidado tem direito de escolher seu prprio

    caminho, tenho impresso se assim o for, estaremos melhorando o acesso a todos

    sem distino. A justia se far quando todos tiverem direitos iguais (Empresrio.

    Entrevista gravada em 2009).

    Para mim direito uma palavra muito usada de forma indevida. Esta barragem vai

    trazer benefcios e desenvolvimento econmico, vamos ter dinheiro para fortalecer

    nossas instituies, melhorar nossos postos de sade, de vigilncia, hospitais. Todos

    tero mais acesso a direitos fundamentais. Para mim teremos mais justia e

    qualidade de vida quando o cidado tiver acesso a educao. Nossa cidade com a

    barragem pode melhorar a educao de todos. (Prefeito. Entrevista gravada em

    2009).

    Nestes discursos as expresses direito, justia e desenvolvimento so

    conseqncias da chegada da hidreltrica. A sua construo trar polticas pblicas

    eficazes melhorando a qualidade de vida de todos (Comerciante, 2009). Em outros

    discursos a Belo Monte aparece como estratgia para angariar recursos econmicos e

    consequentemente trazendo o bem estar da populao.

  • 9

    O FORT-Xingu destaca em seus discursos que a sociedade civil da regio da

    transamaznica obteve uma grande vitria ao conseguir que o edital de licitao da

    hidreltrica de Belo Monte obrigasse o consrcio vencedor a investir 500 milhes de

    reais no Plano de Desenvolvimento Regional Sustentvel (PDRS) da regio (Folder de

    divulgao, 2009). O PDRS trata-se de um amplo programa construdo por

    comerciantes, empresrios locais, representantes dos governos municipais, estadual e

    federal, setor produtivo e por entidades da sociedade civil. composto de um roteiro e

    de uma srie de metas para alcanar o desenvolvimento sustentvel. Entre estas aes

    esta: a regularizao fundiria, agilidade nos processos de licenciamento ambiental,

    incentivo as atividades produtivas, melhoria de infraestrutura urbana, etc. Para os

    representantes do FORT-Xingu, a incluso desta obrigao no edital uma garantia de

    que os recursos sero investidos para melhorar a qualidade de vida da populao que

    mora na rea de influncia da hidreltrica, trazendo com isso desenvolvimento.

    Para Diegues (2003), o conceito de desenvolvimento fundamentalmente

    poltico, cada grupo de interesse ou classe social o define segundo suas prprias

    perspectivas. No caso dos discursos acima, a construo da hidreltrica um meio

    eficiente de alcanar o desenvolvimento e o crescimento econmico. A barragem ento

    valorizada como instrumento, obra eficiente para se chegar a uma melhoria na

    qualidade de vida da populao.

    Em outros discursos, desenvolvimento, qualidade de vida so expresses de

    conquista e que sero garantidos com a construo da barragem.

    Veja bem, o que o povo precisa de emprego, casa, comida, roupa, segurana. A

    barragem pode trazer tudo isso, mas os grupos de revoltados so contra o progresso e o desenvolvimento. Temos a chance de mudar tudo isso na

    Transamaznica, melhorar nossos indicadores de qualidade de vida, e esses grupos

    revoltados ficam lembrando o que no deu certo! A barragem de Tucurui, quando

    foi construda no havia estudos de impactos ambientais, ningum foi ouvido, agora

    se ouve desde o morador da cidade at o ndio, e mesmo assim, so contra, mas no

    apresentam nenhuma soluo. Falam que houve desrespeito a vida humana, muitos

    foram perseguidos, no receberam indenizaes, ora! Os tempos so outros.

    (Comerciante. Entrevista gravada em maio de 2009)

    Para mim direito humano ter comida, casa e emprego. Temos a chance de ter tudo

    isso com a construo da barragem e at agora os movimentos sociais irresponsveis

    tem adiado o progresso e o desenvolvimento humano, com esta idia de s olharem

    o passado. (Comerciante. Entrevista gravada em maio de 2009).

  • 10

    Para o Movimento Xingu Vivo para Sempre, impedir a construo da

    hidreltrica um ato de justia histrica com o passado, resgatando os direitos

    fundamentais do ser humano perdidos em outros momentos de conflitos, a exemplo da

    hidreltrica de Tucurui.

    A histria nos mostra que essas barragens (citando como exemplo, Tucurui e

    Sobradinho), foi um desrespeito aos direitos dos cidados, at hoje tem pessoas sem

    indenizao, foram expulsas de suas terras sem direito a nada. Agora dizem que

    humanizaram esses projetos para a Amaznia, fizeram estudos de impactos

    ambientais, etc;. Que nada, esta energia no servir para ns, acabam com nossas

    riquezas naturais, destroem o meio ambiente em nome de uma barragem que ir

    atender mais ao sudeste do que aos moradores da regio. No queremos este tipo de progresso (Liderana do Movimento Xingu Vivo para sempre. Entrevista gravada em maio de 2009).

    No h nada que me convena de que ser diferente esta barragem. Conseguimos

    por mais de duas dcadas impedir esta construo. A histria neste pais reveladora.

    Os grandes projetos para a Amaznia foram para atender a elite, desrespeitaram a

    constituio, no respeitando a cultura indgena, dos caboclos. No h

    desenvolvimento social nem justia em uma construo como esta. H interesses de

    grupos econmicos. Os direitos humanos - dos mais pobres - sero novamente

    negligenciados. (Padre da Prelazia do Xingu. Entrevista gravada em maio de 2009).

    O desenvolvimento aparece neste discurso como um processo que foi

    negligenciado historicamente, cujos atores sociais e instituies menos poderosas so

    grupos locais vulnerabilizados por iniciativas de desenvolvimento que destruiram as

    relaes entre povos indgenas, seus territrios e culturas.

    Para alguns militantes entrevistados do Movimento Xingu Vivo para sempre, o

    desenvolvimento um processo de mudana social que implica transformaes das

    relaes econmicas e sociais e, portanto devem ser discutidos com todos os segmentos

    da sociedade, para principalmente proteger os interesses de populaes locais que

    historicamente foram expropriadas de seus direitos. Outros militantes deste grupo,

    representando as organizaes no governamentais e professores de instituies de

    ensino superior, apresentam um discurso sobre o desenvolvimento baseado

    principalmente na conservao dos ecossistemas e dos recursos naturais, condio

    bsica para o desenvolvimento.

    Observa-se, que as opinies, os conceitos mesmo em se tratando do mesmo

    grupo no so consensuais, contudo so socialmente elaboradas e compartilhadas,

    contribuem para a construo de uma realidade comum, que possibilita a comunicao.

  • 11

    Exercem, funes simblicas e ideolgicas servem de comunicao onde circulam

    (Jodelet, 1991).

    Na comunidade Santo Antnio, grande parte so pescadores e as entrevistas

    revelaram a baixa escolaridade das famlias entrevistadas, 85% no completaram o

    ensino fundamental de 1 as 4 sries, a infraestrutura na rea deficiente; no h

    saneamento bsico, posto de sade e no h escola de ensino mdio. Apesar de a

    localidade datar de 1973 e situada prxima as estradas principais que do acesso a

    Altamira e Vitria do Xingu, os moradores se sentem esquecidos e abandonados

    como revelaram diversas entrevistas. Um dado interessante quanto a renda de grande

    parte dos pescadores ser proveniente da venda ilegal de tartarugas e tracajs. Esta

    informao no foi revelada nas entrevistas com os moradores, mas pela observao e

    fontes de outros informantes compradores das tartarugas. A comunidade Santo Antnio,

    apresenta escassez dos recursos naturais, resultados de muito desmatamento e da pesca

    predatria.

    Na maioria das entrevistas com as famlias, revelou-se a falta de informao

    sobre o empreendimento e seus impactos, bem como sobre a mudana que a

    comunidade sofrer. Contudo, esta rea foi visitada por pesquisadores. A Eletronorte

    realizou o cadastro das famlias. Mesmo com toda a movimentao a respeito do

    assunto, muitos moradores no incorporaro as mudanas radicais as quais sofrero.

    Tm sempre muita gente passando aqui e falando desta barragem, dizem que vamos sair daqui e vamos ser indenizados, se for assim vou comprar uma casinha em Altamira.

    Mas no sei o que vou fazer, na cidade. H muita gente falando sobre esta barragem e

    poucas explicaes. (Morador. Entrevista gravada em junho de 2009).

    Para mim, tanto faz, no tem nada neste local, moro aqui desde a fundao e se no

    fosse este pequeno comrcio para sobreviver morreria de fome. Quando cheguei tinha

    muito peixe e tartaruga, eu era pescador. Os peixes diminuram e proibiram a venda de

    tartarugas, querem que a gente viva do que. Aqui no tem nada. (Morador. Entrevista

    gravada em junho de 2009).

    Toda a rea da comunidade ser inundada, com a construo da barragem,

    contudo o isolamento desta comunidade e a falta de informao sobre a hidreltrica

    algo contraditrio com toda a pujana do debate e dos discursos presentes no cotidiano

    das cidades que sero impactadas por esta construo. Outros no desejam sair, por que

    l construram suas vidas, criaram os filhos, organizaram o vilarejo e l esto os seus

  • 12

    entes queridos enterrados, contudo, tambm no apresentam uma opinio formada sobre

    o empreendimento e suas conseqncias. Expresses como desenvolvimento, progresso,

    no esto presentes nos discursos dos moradores entrevistados, no refletem os

    discursos dos grupos. Por outra esta uma analise que no pode ficar restrita as

    entrevistas. Os moradores da comunidade Santo Antnio so pescadores sem pesca,

    pois vrias espcies desapareceram. uma comunidade com escassez de recursos

    naturais, solos compactados, etc.

    A baixa escolaridade uma barreira dentro do campo do desenvolvimento. As

    regras, a formao de consrcios de empresas, os relatrios de impactos ambientais, so

    instrues escritas, fundamentada no planejamento de um projeto, portanto excluem

    populaes no escolarizadas, mesmo a competncia comunicativa que caracteriza

    muitos militantes no um recurso suficiente de convencimento. Portanto, a

    apropriao do projeto por parte dos moradores altamente improvvel.

    As narrativas e os discursos apresentados so representativos de grupos sociais

    que defendem ou negam a hidreltrica. Refletir sobre estes grupos a partir das teorias

    sobre representaes implica em no isolar esferas da vida social poltica, econmica e

    religiosa. Os eventos sublinhados aqui so momentos de um processo de relaes de

    poder que se configuraram com a perspectiva da construo da Hidreltrica Belo Monte.

    O conflito, o drama social, as expectativas so elementos da experincia, da vivncia

    dos participantes destes grupos que tanto influenciam a construo da realidade social

    como ao mesmo tempo so por ele influenciados. Este o movimento das

    representaes.

    Finalmente, a discusso sobre a energia baseada em hidreltricas fundamental,

    pois estes so projetos que de forma profunda mudam relaes sociais e econmicas na

    Amaznia. Afinal, tivemos perodos no to distantes, refiro-me principalmente s

    dcadas de 1980 e 1990 em que imperaram os grandes projetos para a Amaznia sem

    qualquer critrio de debate. Naqueles perodos conflituosos, restava para a sociedade

    civil, acatar ou resignar-se, o que nem sempre aconteceu, pois foi emblemtico a

    construo da hidreltrica de Tucurui e os grupos sociais que se formaram em torno

    desta barragem contestando a sua construo.

    Ao longo de sua histria, a Amaznia tem gerado sempre mais recursos para

    fora do que tem recebido como retorno; tem sido um lugar de explorao, abuso e

  • 13

    extrao de riquezas. Os equvocos dos planos, projetos e programas federais nas

    ltimas dcadas encontraram resistncia nas classes mais pobres e contraditoriamente

    fortaleceram organizaes de mulheres, camponeses, ndios, etc,. So esses grupos que

    penalizados em seu poder de deciso, construram uma representao em torno da

    barragem que foram elaboradas e compartilhadas e contriburam para a construo de

    um discurso comum de reao a este projeto. O debate, as discusses so ainda

    necessrios mesmo com o leilo que definiu o consrcio de empresas que ir construir a

    barragem. As representaes sobre os modelos de desenvolvimento econmico e social,

    mais fortemente devem ser discutidos, socializados e simbolizados principalmente para

    aqueles moradores supostamente atingidos diretamente e no integrados a racionalidade

    dos planejamentos evidenciados nestes projetos.

    O dilogo entre o conhecimento cientfico e o conhecimento dos povos

    tradicionais fundamental para a produo de novos conhecimentos e transformao

    das prticas cientficas e polticas de conservao. Diegues (2003) destaca em seu livro

    O mito moderno da natureza intocada, quando se fala em modelos importados de

    desenvolvimento no esta se referindo apenas aspectos estruturais dos parques e

    reservas, mas tambm prpria forma de pensar a relao do ser humano com a

    natureza. Isto passa necessariamente em valorizar saberes tradicionais, passa por uma

    reviso da prpria comunidade cientfica em relao imagem da cincia que desprezou

    estes saberes, das instituies que herdeiras dos momentos autoritrios do regime

    militar, valorizaram o desenvolvimento econmico como uma discusso reservada

    esfera institucional.

    A discusso cada vez mais necessria, comunidades como a de Santo Antnio,

    em que apesar do debate parecer to profcuo sobre a hidreltrica Belo Monte, no

    conseguem perceber que suas vidas para sempre sero modificadas.

  • 14

    REFERNCIA BIBLIOGRAFICA

    DIEGUES.A.C. O mito moderno da natureza intocada. So Paulo: Hucitec,

    2003.

    DURKHEIM, mile. As regras do mtodo sociolgico. 13 ed., So Paulo:

    Companhia Editora Nacional, 1987.

    _________________. As formas elementares da vida religiosa. IN: Os

    pensadores. 2 ed. So Paulo: Abril cultural, 1983.

    GEERTZ, Clifford. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara

    KOOGAN, 1989.

    JODELET, D. Reprsentations sociales: um domaine em expansion. In:

    JODELET, D. (org.). Les representations sociales. 2.ed. Paris: PUF, 1991.

    MALUF, Snia. Antropologia, narrativas e a busca de sentido. Horizontes

    Antropolgicos. Porto Alegre. PPGAS/UFRGS, ano 5, n.12, dez.1999.

    MAUSS, M. A expresso obrigatria dos sentimentos. IN: OLIVEIRA, R. (org).

    MAUSS: antropologia. Coleo grandes cientistas sociais. So Paulo: tica,

    1979.

    MOSCOVICI. S. A representao social da psicanlise. Rio de Janeiro: Zahar

    Editores, 1978.

    OLIVEIRA, M. Representao social e simbolismo: os novos rumos da

    imaginao na Sociologia brasileira. IN: Revista de cincias humanas.

    Curitiba: Editora da UFPR., n. 7\8, 1999.

    TURNER, Victor. The Anthropology of performance. 2 ed. New York: PAJ

    Publications, 1987