BELA FERA- ARTIGO SOBRE HILDA HILST

download BELA FERA- ARTIGO SOBRE HILDA HILST

of 2

Transcript of BELA FERA- ARTIGO SOBRE HILDA HILST

  • 7/25/2019 BELA FERA- ARTIGO SOBRE HILDA HILST

    1/2

    SESC SPMATRIAS DA EDIO

    Postado em 01/04/2005

    Bela Fera

    A obra da poeta, dramaturga e ficci onista Hilda Hilst, que faria 7 5 anos em abril, deve g anhar um instituto cultural e c onqui stacada vez mais leitores para seus escritos revolucionrios

    Fotos: Edu Simes/Cadernos de Literatura Brasileira/Acervo Instituto Moreira SallesNa noite de 8 de maro, o segundo andar do Sesc Pinheiros estava especialmente agitado. O pblico que aguardava do lado de forado auditrio chamava a ateno por misturar faixas etrias. Porm, no se tratava de nenhum evento sobre convivncia entre geraes.O que levava jovens, adultos e terceira idade para a mesma platia era o primeiro debate do projeto Palavra Viva: Hilda Hilst (1930-2004), uma srie de quatro encontros semanais que reuniu atores, crticos literrios e amigos para falar sobre a obra e a vida de umadas maiores autoras brasileiras, que completaria 75 anos em abril. A julgar pela quantidade de gente e pelo ecletismo do quorum, omedo da autora de que seus livros ficassem incompreendidos e inacessveis parece no ter mais fundamento. Preocupao quecomeou a se dissipar nos seus ltimos anos de vida, especialmente aps a Editora Globo reeditar sua obra completa em 2001. Comseus escritos distribudos por uma grande editora, Hilda finalmente conseguiu aumentar o alcance de suas palavras. Foi ento que elaaplacou um pouco a angstia de ter sido considerada uma autora marginal durante quase toda a vida. Quando voc faz umarevoluo, demora, disse amiga Nelly Novaes Coelho, em entrevista publicada no nmero 8 dos Cadernos de Literatura Brasileira,lanado em 1999 pelo Instituto Moreira Salles. A aceitao chega a demorar meio sculo ou at mais. Prova-se agora que arevoluo de Hilda encontra eco cada vez mais longe antes do meio sculo previsto por ela. Hilda Hilst ocupa um lugar nico nos na nossa literatura, mas tambm em toda a literatura ocidental do sculo 20, comenta a crtica literria Eliane Robert de Moraes,uma das convidadas do evento do Sesc Pinheiros. Ela escreveu uma obra de tom experimental, mas tambm de forte dramaticidade.

    Ainda, segundo Eliane, fato raro na paisagem literria brasileira.

    Tbua etruscaHilda Hilst publicou Pressgioe Balada de Alzira, seusprimeiros livros de poesia, no incio dos anos 50, respectivamente em 1950 e1951. Depois desses, seguiram-se mais 18 livros de poesia, 13 de fico e nove peas de teatro. Considerada uma escritora muitoreclusa e de palavras difceis, teve a maior parte de sua trajetria literria marcada por um grande desencontro com o pblico e

    tambm pelo silncio de boa parte da crtica. Sinto-me uma tbua etrusca, disse em entrevista aos Cadernos. Ouo muito que aspessoas no me entendem. Quando algum me entende, fico besta. A curadora do Palavra Viva, Beatriz Azevedo, tambm atriz ecompositora, conheceu Hilda nos anos 80, a qual desde ento elegeu-a como uma de suas preferidas para declamar seus poemas.Beatriz diz lamentar o equvoco de interpretao da obra da autora, vista como inacessvel em termos de linguagem, principalmenteporque trata de temtica universal. Ela fala sobre amor, paixo, Deus e medo da morte, diz a curadora. De fato, a linguagem usadapor ela no aquele b--b que nos acostumamos a ouvir no cinema e na televiso. Ela tinha rigor. Para Hilda, a linguagem no eraapenas algo funcional e sua obra invoca profundamente a nossa imaginao.

    Nenhum b est-sellerPor mais que a polmica tenha rondado sua produo e, segundo os que a conheceram, tambm sua vida , a parcela maiscontroversa de sua obra se resume, na verdade, a quatro volumes produzidos no incio dos anos 90. Uma trilogia ertica, composta deO Caderno Rosa de Lori Lamby (1990), Cartas de um Sedutor (1991) e Contos de Escrnio Textos Grotescos (1990), e um livro depoemas do mesmo tema, Buflicas (1992). A fase lhe rendeu a alcunha de pornogrfica e foi, segundo analisam hoje estudiosos,superestimada pela crtica, que enxergou nela uma tentativa apelativa de atingir maior popularidade. A reao de Hilda minterpretao, no entanto, no se traduziu exatamente numa indignao. Ela jamais negou o desejo de ser mais lida. Ainda noconjunto de entrevistas publicado nos Cadernos de Literatura, isso fica claro: Eu tinha uma certa alegria em saber que eu escreviabem, mesmo no sendo lida, diz ao amigo Millr Fernandes, responsvel pelas ilustraes de Lori Lamby. Mas comecei a sentir umafastamento completo de todo mundo. Eles nunca me liam, nunca. Hilda continua contando que, ao saber, ento, que a escritorafrancesa Rgine Deforges ganhara milhes com o best-seller ertico A Bicicleta Azul (Editora Best Seller, 1987), decidiu fazer um livroexplorando o mesmo universo. A idia era tentar conseguir vender mais livros, mas no consegui, afirma. Pensei: 'Vou fazer umascoisas porcas'. Mas no consegui. De fato, do ponto de vista comercial, a aventura ertica foi um fracasso. Mas, pessoalmente, achoque mesmo dentro dessa proposta, ela fez literatura de alto nvel, comenta Massao Ohno, editor de 11 livros de poemas de Hilda. Jpara o escritor e amigo Jos Lus Mora Fuentes, o que a crtica no engoliu foi a audcia da escritora e no exatamente o que elaescreveu naquele perodo. O que realmente chocou os literatos foi ver uma escritora da estatura de Hilda, com uma linguageminovadora, magnfica, e com uma obra considerada um dos cumes da literatura nacional, ter a coragem de dar uma guinada absoluta ese permitir uma linguagem chula, alm da liberdade de tocar todos os temas, afirma. E ela fez isso com maestria. Mora Fuentesmorou com Hilda em duas fases da Casa do Sol, em Campinas, seu lar-refgio. A primeira nos tempos que ele chama de ureos e asegunda j nos ltimos anos de vida da escritora. E ele conta que o fim serviu, no entanto, para desfazer o angustiante mal-entendidoque resultou no desencontro com o pblico durante tanto tempo. Assim que comeou a ter uma distribuio mais prxima donormal, a resposta dos leitores foi apaixonante, observa. Alm da reedio de todo s os seus livros pela Editora Globo , segundo ele, ointeresse demonstrado por sua obra estendeu-se, tambm, aos gabinetes acadmicos e at popular internet. H muitas teses sobreseu trabalho, assim como h tambm comunidades virtuais dedicadas a ela. Porm, h os que enxergam ainda um grande espao aser desbravado no tortuoso caminho traado pelas palavras de Hilda. H muito o que se pesquisar nesse celeiro, afirma a crticaEliane Robert de Moraes.

    De corpo inteiroA vida de Hilda Hilst nos tempos em que So Paulo era uma festa

    Filha do fazendeiro e poeta Apolonio de Almeida Prado Hilst, Hilda nasceu na cidade de Ja, em uma famlia rica do interior paulista.Seu pai morreu esquizofrnico aos 35 anos, o que fez com que Hilda optasse por no ter filhos, uma vez que um mdico lhe teria ditoque a doena atacava gerao sim, gerao no. As pessoas que conviveram com a poeta a descrevem como uma pessoadeslumbrante, generosa, dona de palavras cidas, ntegra e culta. Na juventude, foi tida como uma das mulheres mais bonitas de suagerao. Mistura da beleza de Ingrid Bergman e da sensualidade de Rita Hayworth, descreve o editor Massao Ohno. A beleza e apersonalidade forte tocaram tambm Carlos Drummond de Andrade, que dedicou um poema a ela (veja reproduo do poema acima).Hilda foi musa de artistas, poetas Vinicius de Moraes chegou a se apaixonar por ela e intelectuais. Foi amiga de Lygia FagundesTelles at o fim da vida, afirma Lygia e, com seu comportamento avanado, sempre chocava a sociedade paulistana em meados

    http://www.sescsp.org.br/online/artigo/2665_DA+REDACAOhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2665_DA+REDACAOhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2714_PShttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2665_DA+REDACAOhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2714_PShttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2680_DOSSIEhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2681_ENTREVISTAhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2681_ENTREVISTAhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2680_DOSSIEhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2714_PShttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2665_DA+REDACAOhttp://www.sescsp.org.br/online/artigo/2664_INVESTINDO+EM+CIDADANIAhttp://www.sescsp.org.br/
  • 7/25/2019 BELA FERA- ARTIGO SOBRE HILDA HILST

    2/2

    compartilhar

    da dcada de 50. Entre as muitas histrias que sua biografia revela, diverte aos amigos lembrar do namoro com o ator norte-americanoDean Martin (aquele mesmo, famoso parceiro do comediante Jerry Lewis) e a tentativa, frustrada, de seduzir Marlon Brando. Em Hildatudo era extremado, lembra a professora Nelly Novaes Coelho, apresentada escritora por Lygia Fagundes Telles. A tudo que fazia,entregava-se de corpo inteiro. No conseguia o meio-termo, virtude rara que, se por um lado deixou o mundo maior e mais belo doque quando nele chegou, por outro lhe causou contnuos dissabores e problemas. Pois a vida comum exige o meio-termo, odisfarce...

    Famlia eletivaO escritor e jornalista Mora Fuentes, um dos amigos mais prximos de Hilda Hilst, conta como era viver com a poeta e seus

    cachorros na Casa do Sol

    Foi graas a min ha irm e a uma linda vira-lata chamada Flika q ue eu conheci Hilda. Era final de 1968, quando acompanhei minhairm Casa do Sol. Minha irm ia se mudar para a Alemanha, tinha uma cachorrinha muito querida e no podia lev-la. Ouviu, ento,falar de Hilda e do seu amor pelos animais e combinou de deixar a cachorrinha l. Sentimos uma forte amizade primeira vista.Comecei, ento, a passar boa parte do meu tempo na Casa do Sol. No comeo de 1970 ela me convidou para morar l. Esse seu jeitoaberto transformou a Casa do Sol num ambiente muito estimulante e criativo, com muita troca de informao entre as pessoas. Ofolclore que criaram de que Hilda vivia como uma reclusa nunca foi verdade. Sempre fomos um grupo, uma famlia eletiva.

    Aqueles que se cho caram com Hilda foram somente os moralistas, os preconceituo sos e as pessoas banais. Ela era mui tssimo beminformada e sabia defender suas idias e ideais muitssimo bem. Sua obra, essa sim, chocante pela beleza e exatido dos seus versose textos de fico, a lucidez e perguntas essenciais que seus personagens nos colocam. Quando se referem literatura de Hilda comochocante, esto falando da sua trilogia ertica, O Caderno Rosa de Lori Lamby, Cartas de um Sedutor e Contos de Escrnio TextosGrotescos, e ao livro de poemas Buflicas. Mas so quatro livros num total de 40 que a autora escreveu, e mesmo esses quatro livrosno seriam considerados chocantes se tivessem sido escritos por um homem.Nossa convivncia durou at o fim da vida dela. Em 1983, quando meu filho ia nascer, minha mulher, Olga, e eu resolvemos retornarpara So Paulo. Mas voltei para a Casa do Sol em 1998. Hilda j estava muito fragilizada, tinha tido trs isquemias. Foi um tempomuito especial e muito triste tambm. Mas todo o legado de Hilda ainda continua l. Os cachorros esto timos, so muito queridos.Estamos a poucos dias de transformar a casa num espao vivo, de intercmbio cultural, fundando a Instituio Hilda Hilst Casa doSol Viva. Temos um interessante calendrio para 2005, o primeiro ano da instituio, que inclui, alm de cursos sobre sua obra,eventos teatrais e tambm o lanamento de um CD produzido por Zeca Baleiro, que musicou dez poemas de Hilda.

    Abro a Folha da Manh.

    Por entre espcies grfinas,emerge de musselinasHilda, estrela Aldebar.Tanto vestido assinadocobre e recobre de vezsua preclara nudez!Me sinto mui perturbado.Hilda girando em boates,Hilda fazendo chacrinha,Hilda dos outros, no minha...(Corao que tanto bates!)Mas chega o Natal e chama ordem Hilda: no vsque nesses teus giroflsesqueces quem tanto te ama?Ento Hilda, que sabi(l)da

    usa sua arma secreta:um beijo em Morse ao poeta.Mas no me tapeias, Hilda.Esclareamos o assunto.Nada de beijo postal.No Distrito Federalo beijo na boca - e junto.Poema escrito para Hilda Hilst porCarlos Drummond de Andrade em 31/12/52(...) Aflio de ser eu e no ser outra.

    Aflio de no ser, amor, aquelaQue muitas filhas te deu, casou donzelaE noite se prepara e se adivinhaObjeto de amor, atenta e bela.

    Aflio de no ser a grande ilha

    Que te retm e no te desespera.(A noite como fera se avizinha.)Aflio de ser gua em meio terraE ter a face conturbada e mvel.E a um s tempo mltipla e imvelNo saber se se ausenta ou se te espera.

    Aflio de te amar, se te comove.E sendo gua, amor, querer ser terra (...)Trecho de Da Morte.Odes Mnimas (1980), Hilda Hilst

    http://www.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/2683_BELA+FERA