Behaviorismo e a Anál Exp Cpto

7
BEHAVIORISMO E ANÁLISE EXPERIMENTAL DO COMPORTAMENTO1 João Cláudio Todorov Universidade de Brasília Permitam-me iniciar com uma citação de Skinner: "O comportamentalismo, com acentuação no 'ismo', não é o estudo científico do comportamento, mas uma filosofia da ciência preocupada com o tema e métodos da psicologia." (Skinner, 1980, p.339) Similarmente, a análise experimental do comportamento não é uma área da psicologia, mas uma maneira de estudar o objeto da psicologia. Este trabalho é uma tentativa de esclarecer os significados dos termos "behaviorismo", "análise experimental do comportamento" e "psicologia", e uma tentativa baseada principalmente nas contribuições de B.F. Skinner e de Harzem e Miles (1978). O termo "behaviorismo" tem sido utilizado de diversas maneiras e de tal modo que se pode afirmar que há muitas variedades de significado para ele. Desde o manifesto de Watson, muitas características foram atribuídas ao termo. Muitas delas perderam-se no tempo ante críticas irrespondíveis, outras permanecem. Para Harzem e Miles, a palavra behaviorismo tem uma "família de significados", e por isso, além de desnecessário, é um equívoco esperar-se encontrar o seu "verdadeiro" significado. Portanto, a menos que se faça a distinção entre as diversas variedades de significado, não é útil proclamar-se "a favor" ou "contra" o behaviorismo. Harzem e Miles (1978) utilizam uma classificação defendida por Mace (1948) para as variedades de behaviorismo: metafísico, metodológico e analítico. O behaviorismo metafísico afirma que mentes ou eventos mentais não existem; o behaviorismo metodológico afirma que se mente ou eventos mentais existem, não são objetos apropriados para o estudo científico; e o behaviorismo analítico afirma que os enunciados feitos com o propósito de se referir à mente ou eventos mentais, tornam-se, quando analisados, enunciados acerca do comportamento. Harzem e Miles argumentam que as discussões sobre o behaviorismo metafísico e o behaviorismo metodológico são o resultado de erros conceituais, e que tanto a aceitação quanto a rejeição de um ou de outro são igualmente (e logicamente) injustificáveis. O behaviorismo analítico é diferente dos outros dois tipos porque suas proposições têm caráter claramente conceitual. A tese central afirma que sentenças a respeito de mentes e eventos mentais requerem uma tradução para sentenças sobre o comportamento. O behaviorismo analítico, neste sentido, é uma proposta conceitual: não é uma teoria sobre o que deve ser estudado, nem é um conjunto de instruções sobre como se deve ser estudado, nem é um conjunto de instruções sobre como se deve fazer pesquisa (Harzem & Miles, 1973, pp.35-39). Dito isto, compreende-se o desânimo de alguns dos chamados behavioristas, hoje, frente a afirmações como as de Mackenzie (1977). Em seu livro "Behaviorism and the limits of scientific method", Mackenzie fala do behaviorismo no passado, apesar de conceder sua grande importância na psicologia moderna. Mas atribui sua importância ao fato de haver falhado ao tentar construir uma ciência da psicologia pelo uso de regras e procedimentos detalhados e explícitos, os quais seriam resultado das análise mais rigorosas e sofisticadas da lógica da ciência. Mackenzie trata o behaviorismo como um movimento, o que é, no mínimo, uma temeridade. Diz que o behaviorismo baseou-se grandemente em uma abordagem agressivamente objetiva dos problemas da psicologia (estaria falando só de Watson ou de Tolman também?); que ganhou o apoio da maioria dos psicólogos que tiveram contato com ele (esquecendo-se de mencionar quais psicólogos, quais lógicos, em qual época, e sobre quais aspectos dos vários behaviorismos); que continuou a atrair novos adeptos e a desenvolver novos métodos de investigação durante os quarenta ou cinqüenta anos nos quais dominou a psicologia, gerando enorme quantidade de pesquisas cuidadosas e sofisticadas e, sem contudo, produzir um corpo significativo de conhecimento científico duradouro que possa ser comparado ao que se verifica em outras ciências (não especifica o que quer dizer com "um corpo

description

Behaviorismo e a Anál Exp Cpto

Transcript of Behaviorismo e a Anál Exp Cpto

  • BEHAVIORISMO E ANLISE EXPERIMENTAL DO COMPORTAMENTO1

    Joo Cludio Todorov

    Universidade de Braslia

    Permitam-me iniciar com uma citao de Skinner:

    "O comportamentalismo, com acentuao no 'ismo', no o estudo cientfico do comportamento, mas uma filosofia da cincia

    preocupada com o tema e mtodos da psicologia."

    (Skinner, 1980, p.339)

    Similarmente, a anlise experimental do comportamento no uma rea da psicologia, mas uma maneira de estudar o objeto da

    psicologia. Este trabalho uma tentativa de esclarecer os significados dos termos "behaviorismo", "anlise experimental do

    comportamento" e "psicologia", e uma tentativa baseada principalmente nas contribuies de B.F. Skinner e de Harzem e Miles (1978).

    O termo "behaviorismo" tem sido utilizado de diversas maneiras e de tal modo que se pode afirmar que h muitas variedades de

    significado para ele. Desde o manifesto de Watson, muitas caractersticas foram atribudas ao termo. Muitas delas perderam-se no

    tempo ante crticas irrespondveis, outras permanecem. Para Harzem e Miles, a palavra behaviorismo tem uma "famlia de significados",

    e por isso, alm de desnecessrio, um equvoco esperar-se encontrar o seu "verdadeiro" significado. Portanto, a menos que se faa a

    distino entre as diversas variedades de significado, no til proclamar-se "a favor" ou "contra" o behaviorismo.

    Harzem e Miles (1978) utilizam uma classificao defendida por Mace (1948) para as variedades de behaviorismo: metafsico,

    metodolgico e analtico. O behaviorismo metafsico afirma que mentes ou eventos mentais no existem; o behaviorismo metodolgico

    afirma que se mente ou eventos mentais existem, no so objetos apropriados para o estudo cientfico; e o behaviorismo analtico

    afirma que os enunciados feitos com o propsito de se referir mente ou eventos mentais, tornam-se, quando analisados, enunciados

    acerca do comportamento. Harzem e Miles argumentam que as discusses sobre o behaviorismo metafsico e o behaviorismo

    metodolgico so o resultado de erros conceituais, e que tanto a aceitao quanto a rejeio de um ou de outro so igualmente (e

    logicamente) injustificveis. O behaviorismo analtico diferente dos outros dois tipos porque suas proposies tm carter claramente

    conceitual. A tese central afirma que sentenas a respeito de mentes e eventos mentais requerem uma traduo para sentenas sobre

    o comportamento. O behaviorismo analtico, neste sentido, uma proposta conceitual: no uma teoria sobre o que deve ser

    estudado, nem um conjunto de instrues sobre como se deve ser estudado, nem um conjunto de instrues sobre como se deve

    fazer pesquisa (Harzem & Miles, 1973, pp.35-39).

    Dito isto, compreende-se o desnimo de alguns dos chamados behavioristas, hoje, frente a afirmaes como as de Mackenzie (1977).

    Em seu livro "Behaviorism and the limits of scientific method", Mackenzie fala do behaviorismo no passado, apesar de conceder sua

    grande importncia na psicologia moderna. Mas atribui sua importncia ao fato de haver falhado ao tentar construir uma cincia da

    psicologia pelo uso de regras e procedimentos detalhados e explcitos, os quais seriam resultado das anlise mais rigorosas e

    sofisticadas da lgica da cincia. Mackenzie trata o behaviorismo como um movimento, o que , no mnimo, uma temeridade. Diz que o

    behaviorismo baseou-se grandemente em uma abordagem agressivamente objetiva dos problemas da psicologia (estaria falando s de

    Watson ou de Tolman tambm?); que ganhou o apoio da maioria dos psiclogos que tiveram contato com ele (esquecendo-se de

    mencionar quais psiclogos, quais lgicos, em qual poca, e sobre quais aspectos dos vrios behaviorismos); que continuou a atrair

    novos adeptos e a desenvolver novos mtodos de investigao durante os quarenta ou cinqenta anos nos quais dominou a psicologia,

    gerando enorme quantidade de pesquisas cuidadosas e sofisticadas e, sem contudo, produzir um corpo significativo de conhecimento

    cientfico duradouro que possa ser comparado ao que se verifica em outras cincias (no especifica o que quer dizer com "um corpo

  • significativo de conhecimento cientfico; seria uma teoria axiomatizada, como a fsica atmica ainda no tem?). Mackenzie continua

    para afirmar que, como no produziram resultados em larga escala, as grandes teorias behavioristas foram praticamente abandonadas

    (desde quando se pode jogar Hull e Skinner no mesmo balaio?).

    A anlise do comportamento, que no se limita anlise experimental do comportamento, como veremos a seguir, origina-se de uma

    posio behaviorista assumida por Skinner por motivos mais histricos que puramente lgicos. Skinner parte da constatao de que h

    ordem e regularidade no comportamento. Um vago senso de ordem emerge da simples observao mais cuidadosa do comportamento

    humano. Estamos todos continuamente analisando circunstncias e predizendo o que os outros faro nessas circunstncias, e nos

    comportamos de acordo com nossas previses. Fosse possvel, isto , se as interaes entre os indivduos fossem caticas,

    simplesmente no estaramos aqui. O estudo cientfico do comportamento aperfeioa e completa essa experincia comum, quando

    demonstra mais e mais relaes entre circunstncias e comportamentos, e quando demonstra as relaes de forma mais precisa

    (Skinner, 1978).

    Quando Skinner explicitou um programa de trabalho para o desenvolvimento de uma cincia do comportamento, previu uma anlise

    experimental do comportamento como um dos aspectos de um empreendimento maior, vejamos o que diz em "Cincia e

    comportamento humano", publicado originalmente em 1953 (Skinner, 1978):

    "As variveis externas, das quais o comportamento funo, do margem ao que pode ser chamado de anlise causal ou fundamental.

    Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individual. Esta a nossa 'varivel dependente'- o efeito para o qual

    procuramos a causa. Nossas 'variveis independentes'- as causas do comportamento - so as condies externas das quais o

    comportamento funo. Relaes entre as duas - as 'relaes de causa e efeito' no comportamento - so as leis de uma cincia"

    (Skinner, 1978, p.45).

    Para Skinner, o material a ser analisado provm de muitas fontes, das quais a anlise experimental do comportamento apenas uma

    delas. Skinner aponta a utilidade de observaes casuais, observao de campo controlada, observao clnica, observaes

    controladas do comportamento em instituies, estudo em laboratrio do comportamento humano, e por fim, estudos de laboratrio do

    comportamento de animais abaixo do nvel humano.

    No h sentido, pois, em discutir anlise experimental do comportamento sem discutir primeiro anlise do comportamento. E para

    entender-se anlise do comportamento, necessrio examinar algumas das premissas sustentadas por Skinner e associados e aceitas

    por aqueles que se denominam analistas do comportamento. Vejamos algumas dessas premissas:

    "Os homens agem sobre o mundo, modificam-no, e, por sua vez, so modificados pelas conseqncias de sua ao". (Skinner, 1978 b,

    p.15)

    "A psicologia... o estudo da interao entre organismo e ambiente". (Harzem e Miles, 1978, p.47).

    "Na ausncia de uma distino arbitrria, o termo comportamento deve incluir a atividade total do organismo - o funcionamento de

    todas as suas partes"..."A definio do objeto de estudo de qualquer cincia... determinado em grande parte pelo interesse do

    cientista..." "...Estamos interessados primariamente no movimento de um organismo em algum quadro de referncia" (Skinner, 1961,

    p.337).

    "Atravs de anlise, os psiclogos chegam aos conceitos de estmulo e resposta. Um estmulo pode ser provisoriamente definido como

    'uma parte, ou mudana em uma parte, do ambiente', j uma resposta pode ser definida como 'uma parte, ou mudana em uma parte,

    do comportamento". Devemos reconhecer entretanto, que um estmulo no pode ser definido independentemente de uma resposta".

    (Keller e Schoenfeld, 1966)

    Com estes pressupostos, e sem descartar a priori quaisquer fontes de informao, a anlise do comportamento desenvolveu-se como

  • uma linguagem da psicologia, aperfeioou: mtodos de estudo para questes tradicionais da psicologia, abriu novos campos de

    pesquisa e gerou tecnologias em uso por parte. J se escreveu muito sobre os mtodos da anlise do comportamento, e as descries

    so aproximadamente as mesmas, variando apenas na nfase dada a estes ou aqueles aspectos (e.g., Skinner, 1980; Honing, 1976).

    Tais mtodos so utilizados por um grupo de pesquisadores, um grupo de dimenses razoveis, que vem crescendo desde os anos 50.

    Como resumido por Honing (1966), seus mtodos de trabalho na pesquisa caracterizam-se pela utilizao conjunta dos seguintes

    aspectos quando o trabalho de anlise experimental:

    1- Estudo intensivo do comportamento do indivduo.

    2- Controle escrito do ambiente experimental.

    3- Uso de uma resposta repetitiva que produz pouco efeito imediato no ambiente.

    4- Meios eficazes de controle do comportamento do sujeito.

    5- Observao e registro contnuo do comportamento.

    6- Programao de estmulos e registro de eventos automticos

    interessante notar que as caractersticas dos mtodos utilizados geralmente referem-se apenas anlise experimental do

    comportamento animal. Essa caracterizao falha, e por vrios motivos:

    1- No h sentido em descries que confundam anlise do comportamento com anlise experimental do comportamento animal. Ao

    apontar as virtudes destas, Skinner foi claro:

    "O comportamento humano se caracteriza por sua complexidade, sua variedade, e pelas suas maiores realizaes, mas os princpios

    bsicos no so por isso necessariamente diferentes. A cincia avana do simples para o complexo: constantemente tem que decidir se

    os processos e leis descobertos para um estgio so adequados para o seguinte. Seria precipitado afirmar neste momento que no h

    diferena essencial entre o comportamento humano e o comportamento de espcies inferiores; mas at que se empreenda a tentativa

    de tratar com ambos nos mesmos termos, seria igualmente precipitado afirmar que h".(Skinner, 1978,p.47)

    Uma anlise experimental do comportamento animal , ento, uma parte, e no necessariamente a inicial, do trabalho. E no um fim

    em si mesma.

    2- As caracterizaes normalmente ignoram anlise conceitual como parte de uma anlise do comportamento. Entretanto, fcil

    constatar o quanto da contribuio de Skinner psicologia tem a ver com o que Harzem e Miles denominam "o comportamento lgico

    dos conceitos". Veja-se, por exemplo, alm de "Cincia e Comportamento Humano", o recm-lanado em portugus "Sobre o

    Behaviorismo", e os trabalhos de Evalyn Segal (1977) e de George Robinson (1977).

    3- Muito do progresso obtido pela anlise do comportamento deve-se a anlises funcionais no experimentais. Seguramente, mais da

    metade dos escritos de Skinner refere-se a anlises funcionais no-experimentais, isto , identificao (ou tentativa de) de variveis

    dependentes e independentes, e de processos de interao em exemplos de comportamento humano. Veja-se como ilustrao, as

    sees "O indivduo como um todo", "O comportamento de pessoas em grupo" e "Agncias controladoras", em "Cincia e

    comportamento humano" (Skinner, 1978) e o livro "Contingncias de reforo (Skinner, 1980).

  • 4-A anlise do comportamento j no pode ser resumida ao "grupo do Journal of the Experimental Analysis of Behavior". Mesmo os

    trabalhos de anlise experimental animal no so, h mais de 15 anos, exclusividade dessa revista, e nunca o foram totalmente. No

    momento, os trabalhos l publicados representam apenas uma pequena parcela do que se publica em outras revistas, especializadas ou

    no em anlise do comportamento, e em vrias lnguas.

    5- Intentos de caracterizao da anlise do comportamento muitas vezes confundem aspectos com anlise com idiossincrasias do

    analista. Os trabalhos de Skinner, por exemplo, podem ser vistos sob diferentes prismas: h trabalhos de anlise experimental, de

    anlise conceitual, de anlise funcional no experimental, e h trabalhos de prescrio moral. Poucos analistas do comportamento

    admitiriam, entretanto, que prescries morais caracterizam a anlise do comportamento.

    6- Questes ideolgicas muitas vezes confundem caracterizaes da anlise do comportamento, especialmente quando o aspecto

    ideolgico no explicado. Vale ressaltar que isso quase sempre acontece quando se discute a resoluo de problemas prticos por

    psiclogos que se utilizam de uma anlise do comportamento. Neste ponto, devemos admitir que a ideologia dominante em uma

    sociedade dirige tanto os esforos de pesquisa quanto os de aplicao. Quando questes ideolgicas no so explicitadas e analisadas,

    corremos o risco de confundir pressupostos bsicos da anlise do comportamento com caractersticas ideolgicas de uma determinada

    sociedade.

    Neste ponto poder-se-ia perguntar se estamos aqui para esclarecer ou para confundir. Antes que perguntem ao final da palestra,

    adiantamos que a inteno, claro, esclarecer. Mas para atingir esse objetivo, pareceu-nos necessrio deixar explcito que utilizamos

    os termos "behaviorismo", "anlise experimental do comportamento", "anlise do comportamento" e "psicologia" de maneira diferente

    daquela encontrada nos manuais de introduo psicologia e de modificao do comportamento, muito em voga. E que as respostas

    usuais pergunta "o que anlise do comportamento?" so equivocadas.

    Vejamos ento um resumo do exposto. Behaviorismo analtico (ou lingustico, como prefeririam os filsofos de hoje) uma reflexo a

    respeito dos enunciados da psicologia: no uma teoria sobre o que deve ser estudado, nem um conjunto de instrues sobre como

    se deve fazer pesquisa. A anlise do comportamento uma linguagem da psicologia que v seu objeto como o estudo de interaes

    organismo-ambiente. Interessa-se especialmente pelo homem, mas estuda tambm interaes envolvendo outros animais sempre que

    houver algum motivo para supor que tais estudos possam ajudar no esclarecimento de interaes homem-ambiente. A anlise

    experimental do comportamento busca relaes funcionais entre variveis, controlando condies experimentais (variveis de contexto

    - Staddon, 1973), manipulando variveis independentes (mudanas no ambiente) e observando os efeitos em variveis dependentes

    (mudanas no comportamento).

    A decomposio do conceito de ambiente apenas um recurso de anlise til para apontar os diversos fatores que, indissociveis,

    participam das interaes estudadas pelo psiclogo. Sem a decomposio necessria para a anlise, o todo ininteligvel; por outro

    lado, a nfase exclusiva nas partes pode levar a um conhecimento no relacionado ao todo. O jogo constante de ir e vir, de atentar

    para a intercalao das partes na composio do todo, essencial para o entendimento das interaes organismo-ambiente. Assim

    como o ambiente pode ser analisado em diferentes nveis, comportamento pode ser entendido em diferentes graus de complexidade.

    No a quantidade ou a qualidade de msculos ou glndulas envolvidas, ou os movimentos executados, o que importa. O

    comportamento no pode ser entendido isolado do contexto em que ocorre. No h sentido em uma descrio de comportamento sem

    referncia ao ambiente, como no h sentido, para a psicologia, em uma descrio do ambiente apenas. Os conceitos de

    comportamento e ambiente, e de resposta e estmulo, so interdependentes. Um no pode ser definido sem referncia ao outro

    (Todorov, 1981).

    "Quando nos lanamos a construir uma cincia do comportamento, somos imediatamente confrontados por dois problemas. O primeiro

  • problema o de dizer quanto do que ocorre no mundo considerado comportamento. Todas as mudanas em estados dos organismos

    so comportamentais, ou apenas parte delas? Ento, quais? se apenas parte delas, ento quais?... O segundo problema o de

    selecionar unidades de comportamento. Como deve o comportamento ser dividido em unidades, de maneira a tornar possvel uma

    explicao?... Felizmente, no necessrio afirmar exatamente o que comportamento antes de iniciarmos a construo de uma

    cincia do comportamento. Podemos isolar algumas instncias do comportamento e comear a estuda-las, mesmo que no seja

    possvel definir exaustivamente o que e o que no comportamento." (Schick, 1971, p.413)

    Ao isolar alguma instncia do comportamento, estamos detectando algum tipo de interao organismo-ambiente. Vejamos um

    exemplo. A perda de um parente prximo ser seguida ou no de depresso dependendo de fatores como a idade de quem morreu, a

    idade do parente que sobrevive, o grau de parentesco, o grau de afetividade do relacionamento, a durao da enfermidade, a

    magnitude da herana, etc. A relao funcional "perda de um parente-depresso exgena" depende de variveis de contexto, que so

    fatores apontados (Staddon, 1973). Staddon, em um artigo sobre a noo de causa em psicologia, mostra como a noo de contexto

    no limitada temporalmente. Contexto no se refere apenas s caractersticas atuais do ambiente externo. No nosso exemplo, o grau

    de afetividade pode ter se estabelecido h anos atravs de interaes envolvendo os dois parentes, e exerce sua influncia mesmo que

    a morte ocorra num perodo em que os dois no se comunicam h muito tempo.

    O exemplo serve para ilustrar a arbitrariedade na escolha do que causa e do que contexto. Poderamos falar da relao funcional

    "grau de parentesco-depresso", dado o contexto da morte de um parente prximo. A seleo de uma varivel como causa e a

    designao de outras como contexto vai depender de quais so os interesses envolvidos no estudo, pois quando variveis de contexto

    so consideradas, uma relao de causa e efeito apenas um instrumento para a descoberta de princpios de maior generalidade.

    Princpios so a descrio mais econmica do conjunto de relaes causais e variveis de contexto que do origem a eles. Um sistema

    de relaes funcionais bem definidas resultar em uma teoria til se tambm vier acompanhada de especificaes de onde, no

    ambiente externo, as variveis independentes e as variveis de contexto devem ser encontradas, alm de instrues sobre como

    detecta-las e/ou medi-las. Causa, pois, so os ingredientes primrios e empricos com os quais se constroem explicaes (teorias) mais

    abrangentes. Portanto, o termo "causa" tem sentido apenas dentro de uma teoria ou modelo. No h uma causa real de um dado

    evento. H apenas modelos do mundo mais ou menos adequados, e sempre passveis de modificao, de acordo com critrios como

    predio, simplicidade e generalidade entre outras (Staddon, 1973).

    Para a identificao de relaes funcionais, o analista do comportamento se utiliza do conceito de contingncia como instrumento. O

    termo contingncia empregado para se referir a regras que especificam relaes entre eventos ambientais ou entre comportamento e

    eventos ambientais (Skinner, 1978 b; Weingarten e Mechner, 1966; Schwarta e Gamzu, 1977). O enunciado de uma contingncia

    expresso em forma de afirmaes do tipo "Se, ento". A clusula "se" pode especificar algum aspecto do comportamento (Weingarten e

    Mechner, 1966) ou do ambiente (Schwartz e Gamzu, 1977), e a clusula "ento" especifica o evento ambiental conseqente. Assim

    como relaes funcionais so instrumentos na busca de princpios mais gerais, contingncias so utilizadas pelo psiclogo experimental

    na procura de relaes funcionais. As contingncias so as definies de variveis independentes na anlise experimental de

    comportamento. Weingarten e Mechner distinguem contingncias de variveis independentes de proposies empricas associadas s

    contingncias. Quando a clusula "se" refere-se a algum aspecto do comportamento. Como numa contingncia do tipo "se" ocorrer um

    aumento na produo, ento o salrio ser aumentado, uma proposio emprica seria da forma "se" um aumento na produo resultar

    em aumento no salrio, a produo e aumentos no salrio se completa com a indicao das variveis de contexto. (Todorov, 1981);

    isto , com a indicao das condies sob as quais a relao funcional ser observada.

    Resumindo, a anlise experimental do comportamento utiliza-se de contingncias e de relaes funcionais como instrumentos para o

    estudo de interaes organismo-ambiente. O experimentador manipula contingncias em busca de relaes funcionais e das condies

    (variveis de contexto) nas quais podem ser observadas. Um sistema de relaes funcionais constituir uma teoria til se vier

    acompanhado de especificaes de onde, no ambiente externo, as variveis independentes e as variveis de contexto devem ser

  • encontradas.

    Interaes organismo-ambiente ocorrem sempre no tempo. Nosso objeto de estudo no uma coisa, mas um processo. A maior

    importncia dada aos esforos de quantificao, nos ltimos tempos, tem levado os estudos de anlise experimental do comportamento

    a uma preocupao com processos estveis. Para a anlise do comportamento, e em especial para a resoluo de problemas prticos

    pelo psiclogo, interessam tambm, e muito, as informaes sobre processos em estgio de transio. Quando uma nova contingncia

    entra em vigor, seus efeitos dependero dos processos de interao que esto ocorrendo. O psiclogo experimental pode dispor as

    condies mais adequadas (ou menos inadequadas) para estudar essas transies, e tambm para estudar interaes dos efeitos de

    diversas variveis. O psiclogo no exerccio profissional, entretanto, se defronta com um problema prtico. A identificao dos

    processos de interao quase nunca pode ser feita aps minucioso estudo experimental acerca de quais, dentre possveis variveis,

    esto presentes no caso que tem em mos. O psiclogo depende nessas circunstncias, da linguagem terica da anlise do

    comportamento para orienta-lo na identificao dos processos e nas possveis intervenes. Ao refletir sobre essa linguagem e sobre

    sua aplicabilidade realidade em que se vive, o psiclogo contribui para os trabalhos de anlise conceitual e de reviso conceitual.

    Vejamos como Harzem e Miles (1978) distinguem anlise conceitual de reviso conceitual.

    H uma diferena importante, claro, entre afirmar que X um caso de Y e estipular, ou propr, que X deveria ser visto como um caso

    de Y. A pessoa que afirma que um tomate um legume em muitos contextos seria entendida simplesmente como se estivesse

    indicando alguma coisa j implcita no conceito de legume; em contraste, como uma criana sugando o seio materno no , por

    definio, um caso de atividade sexual, defrontamo-nos aqui com uma proposta de que o conceito de sexualidade seja ampliado para

    incluir o exemplo. A resposta de enunciados conceituais, portanto, til distinguir-se dois tipos: (1) aqueles que se representam ao

    comportamento lgico dos conceitos, e (2) aqueles que recomendam propostas de mudana conceitual. O primeiro pode-se dizer,

    envolve anlise conceitual, o segundo, reviso conceitual.

    O processo da anlise do comportamento decorre do intercmbio pesquisa-aplicao, onde pesquisa nem sempre a de laboratrio, e

    aplicao se refere a trabalhos outros alm da soluo de problemas prticos imediatos. A reflexo acerca da linguagem que

    empregamos para esse intercmbio essencial para evitar-se confuses. E nesta tarefa, os filsofos da cincia tm a oferecer uma

    contribuio indispensvel.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    HARZEM, P. & MILES,T.R. Conceptual issues in operant psychology. Chicheste, Inglaterra: Wiley, 1978.

    HONING, W.K. Introductory remaks. In W.K. Honing (org) Operante behavior: areas of research and application. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-

    Hall,1966, pp.1-11.

    KELLER, F.S. & SCHOENFELD.W.N. Princpio de psicologia. So Paulo: EPU, 1966.

    MACE, D.A. Some implications of analytical behaviorism. Aristotelian Society, 1948, XLIX, 1-16. Citado em Harzem e Miles (1978).

    MACKENZIE; B.D. Behaviorism and the limits of scientific method. Atlantic Highlands, N.J., Humanities Press,1977.

    ROBISON,G. Procedures for the aquisition of syntax. In W.K. Honig & J.E.R.STADDON (orgs) Handbook of operant behavior. Englewood Cliffs, New

    Jersey: Prentice-Hall, p. 619-627.

    SCHICK,K. Operants. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1971, (16), p413-423.

    SCHWARTZ, B. Pavlovian control of operant behavior. In W.K. Honing & J.E.R.Staddon (Orgs.) Handbook of operant behavior. Englewood Cliffs, New

    Jersey: Prentice-Hall, 1977, p.53-97.

  • SEGAL, E. Toward a coherent psychology of language. In W. K. Honing & J.E.R. Staddon (Orgs) Handbook of operant behavior. Englewood Cliffs, New

    Jersey: Prentice-Hall, 1977, p.628-654.

    SIDMAN, M. Tticas da pesquisa cientfica. So Paulo: Brasilience, 1976.

    SKINNER, B.F. Cumulative record. New York: Appleton-Century-Crofts, 1961.

    SKINNER, B.F. Cincia e comportamento humano. (4 ed.), So Paulo: Martins Fontes, 1978. (a)

    SKINNER, B.F. O comportamento verbal. So Paulo: Cultrix, 1978 (b)

    SKINNER, B.F. Contingncias do reforo: uma anlise terica. So Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleo "Os Pensadores")

    STADDON, J.E.R. On the notion of cause, with applications to behaviorism. Behaviorism. 1973, (1), p.25-63.

    TODOROV,J.C. A psicologia como estudo de interaes. Braslia, 1981. (texto mimeografado)

    WEINGARTEN, K. & MECHNER, F. The contingency as an independent variable of social interaction. In T. Verhave (org.) The experimental analysis of

    behavior. New York: Appleton-Century-Crofts, 1966. p. 459.

    1 Texto original em: Cadernos de Anlise do Comportamento, 1982, n.3, pp.10-23