Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

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'I!'" A questão nacional, redefinida, passa hoje no plano interno pela questão social e a construção da nação; e a autonomia, no plano externo, passa pela questão tecnológica e da dívida.A inflação e a dívida externa constituem os desafios que o Brasil enfrentará nas próximas décadas e cuja solução dependerá tambémda trajetóriados EstadosUnidos na economia-mundo. 168 5 Õ LEGADO DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA E A REESTRUTURAÇÃO DO TERRITÓRIO .2.-B~~ ing~:s.2!!..n~ moderl!ig'.lçl~ela.yiaãu.~~~~ eo \ projeto geopolítico do Brasil-Potência, elaooracto e geriâo pe- lasForças Armadas, deixou marcas profundas sobre a socieda- de e o espaço nacionais. A economia brasileira alcançou a posição de oitavo PIB do mundo, seu parque industrial atingiu elevado grau de complexidade e diversificação, a agricultura apresentou indicadores flagrantes de tecnificação e dinamis- mo,e uma extensa rede de serviços interligou a quase-totalida- de do território nacional.' ~ No entanto, a maioria da população brasileira não partici- pou diretamente das benesses do crescimento econômico. O Br~Sil inaugurava a modernidade da pobreza. Não a pobreza ~nrnitiva,mas aquela iluminada pelapequena janela das telas ~saparelhos de televisão,que se espalhavam nas centenas de ~llhares de casas, casebres e favelas.Conectando ricos, reme- Ia~os'epobres no mundo ilusório e utópico das novelase dos nOtIciáriosprogramados, a ideologiaeletrônica da televisão 169

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'I!'"

Aquestão nacional, redefinida, passa hoje no plano internopela questão sociale a construção da nação; e a autonomia,noplano externo, passa pela questão tecnológica e da dívida.Ainflação e a dívida externa constituem os desafios que o Brasilenfrentará nas próximas décadas e cuja solução dependerátambémda trajetóriados EstadosUnidosna economia-mundo.

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5Õ LEGADO DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA E AREESTRUTURAÇÃO DO TERRITÓRIO

.2.-B~~ ing~:s.2!!..n~ moderl!ig'.lçl~ela.yiaãu.~~~~ e o \projeto geopolítico do Brasil-Potência, elaooracto e geriâo pe-lasForças Armadas, deixou marcas profundas sobre a socieda-de e o espaço nacionais. A economia brasileira alcançou aposição de oitavo PIB do mundo, seu parque industrial atingiuelevado grau de complexidade e diversificação, a agriculturaapresentou indicadores flagrantes de tecnificação e dinamis-mo,euma extensa rede de serviços interligou a quase-totalida-de do território nacional.' ~

No entanto, a maioria da população brasileira não partici-poudiretamente das benesses do crescimento econômico. OBr~Silinaugurava a modernidade da pobreza. Não a pobreza

~nrnitiva,mas aquela iluminada pela pequena janela das telas~saparelhosde televisão,que se espalhavamnas centenas de

~llharesde casas, casebres e favelas.Conectando ricos, reme-Ia~os'epobres no mundo ilusório e utópico das novelase dos

nOtIciáriosprogramados, a ideologia eletrônica da televisão

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cumpriu no Brasilum papel único no mundo, enquanto instru-mento de política social e formação de op'inião durante o pe-ríodo autoritário e mesmo depois dele. \~/

A modernidade funde-se com a pobreza em um tecido Com-

plexo. Como explicar a habilidade de milhares de mecânicosexistentes ao longo de uma vasta rede rodoviária, capazes demanter uma frota diversificada de veículos, sem que jamaistenham freqüentado uma escola e, em grande número, sequersaibam ler eescrever? Não se trata do "arcaico" e do "moderno"separados por uma nítida linha divisória, dos" dois brasis", ouda Belíndia, uma Bélgica com uma Índia. É mais do que isto,é uma estrutura híbrida, ambivalente, instável, porém muito

dinâmica. Este é o legado da modernização conservadora, queserá analisado neste capítulo ao nível social, econômico e es-pacial.

A ~odernidade da pobreza

A modernização conservadora gerou uma pobreza específi-ca, associada à modernidade. Aproblemática social da semipe-riferia se manifesta em um grande descompasso entre expan-são das redes de serviços e de equipamentos coletivos e o pre-cário estado social da nação. O regime autoritário tentoufa~

ltIIla mas~~5!° da_s..RQluicass!;tcl'!i~gt;Ldando cQ.Ul!S~

~ua!!~ade dos servi~ O problema gerencial, operacional ea ministrativo das políticas sociais "foi o espaço esquecidO doaparelho estatal" (Lessa, 1990).

No entanto, a malha "programada" gerou efeitos imprevis-tos -externalidades do modelo -significando profundas m~-

danças estruturais, como foi o caso da "revolução demogr~f1íca" e da fragmentação social. Além disso, a dinâmica saCIaescapa à regulação estatal; à estrutura oficialmente regulada CoTl-

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trapÕs-seuma sociedade subterrânea, "paralela","não oficial",quecrio~ suas próprias regras e suas formas específicas deresistêncIa.

Aexplosãodemográficaquenão houve

Q'Peclí,

nio da natalida~e constitui-se talvez na transforma-ção ~is impoEa_nte pára o país neste fim de século e tem

. implicaçõesainGanão conhecidas. O desconhecimento da novarealidade decorr\ do caráter inédito das tendências recentes, ~

do fechamento da's informações em círculo restrito de especi- .alistase da campann,(l internacional contra a ameaça da "explo-sãodemográfica" (~rtine, 1989).

. Atransição demOgráf

!:ic, no Brasil- passagem de altos para

~ baixosníveisde natali~ ,e mortalidade -se distingue da tran-sição clássica dos paíse uropeus por duas características

básicas.Aprimeira é a velocidade da transição brasileira 9u~-...docomp~aa aos paarões tradicionais. O Brasil, como outros

I?aí~ ~riférif~-Wá completandQ,.em ãfg~mas ]éE.a{as~t~(l.!!sforma~õe~1@c;,de~am d..el!m_~dois ~é9!Jos .~a~e~nçrwz~etp.~.§!r.Qpa. ..E_taLy-eloJ,;idade_está.associada..àrechJ.çã,Qviolenta e sl!rl?reen~~ nos níveis fkkcundida~,COflLç2~~[ência:pa};a.e.GJ;escimento vegetatblO.da popllla-~ito.9Júyel ~ais elev~o do crescimenjQ~,g~gtivo_l:>ra§ileitQOCOttPJ.!~~déçad..as...de..l..950 ..eJ9..6_0L2,9% ~l-I.!°). f!evid2-à,qued~ol!ÍydWvoUalidadeassociadaàindustJjalizaçãQ..M~desdeofina}.9P§ anos,§,Q.,.ã.D.!lt;:1Jidader;;ome.çggavdeclin~,o~e~~ ~e ) 98Q r~lQ_u qlle j! fecuru!ida~e cé~Jr~..2.eformadra~ica~neralizada_e1JltodQ Q,Jlai5..?taIlli?,!13s.2~des ,<El}lo~aâ.ar.e~J~is (Fig. 5.1). Essa tendência se confirmou na décadabe 8?;~ntre 1980 e 1984, o número médio de filhos de umarasIleIra teria de 4,35 para 3,53, um declínio de 19%. Este

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r A 1/ r r I' ') rr .ri 1 1),

f,l~i rt / 1/

declínio foi ainda mais espetacular no Nordeste. Em canse.qüência, o ritmo de crescimento demográfico caiu para 2,5%na década de 70, estimando-seque atualmente estejaemtornode 1,8% (Martine, 1989).

5045403530252015

105o

""""'~

. . . ~

1,4% 1,9°/0'

2,9%

/ I I I/I I I I I1840 1860 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020

t\::::.~ TAXA DE NATAL! DADE l[iI TAXA DE MORTALIDADE

Figura 5.1 Transição demográfica no Brasil -1840.2020.(Fonte: Martine, 1989)

A segunda característica é que a transição não se associadiretamente à melhoria nas condições materiais de parcelas cadavez maiores da população. O declínio das taxas de natalidadenão foi fruto de uma política deliberada do governo, mas amodernização acelerada está na raiz de sua explicação. Trata-se de impactos indiretos imprevistos de uma série de políticas

e gastos governamentais para a modernização da infra-estrllt~-ra básica e dos serviços públicos (Faria, 1988; Hirschman, 1986.

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particularmente, as políticas de telecomunicações, saúde, tra~ortes e educação aceleraram a difusão de valores, do conhe-

~imentQ.e.A~~ovas prá~icas ~atitudes culturais que estimula-ramo(controle da nat~lida~e~omesmo tempo, os métodosdecontrole tornaram-s~:n~is a_c:,ssíveis.JEmpesquisa recente,observou-seque 73% das md{lieres casadas na faixa de 15 a 44

anosjá haviam utilizado a pílb..laanticoncepcional, sendo que93%destas haviam comprado ~ produto diretamente nas far-mácias, sem nenhum preparo ptévio ou acompanhamentomédico(Martine, 1989). fI!! sum~ popula.çjo brasikiLa e.mrOlJna era da pílula sem Eir da er~ qa miséria... Adisjunção entre indicadores econôm1cos..(\sociais sugerequeo comportamento demográfico e socia'VnãJ está mais rigi-damenteli&aE!oysoscilaçõ~ ~op~Q.ll1i~, nã'o tendgJldo..2 sec.everterpor guedas temporárias de renda. Significa que, até o .~--=o- =" ~...- .

finaldo sé.ciilo~õ Brasil apresentará padrões de fecundidade edecrescimento populacional próximos aos dos países desen-volvidosnos dias atuais.

oestado social da nação

Maisda metade da população brasileira é pobre. A pobrezadanação se manifesta sobretudo nas altas taxas de analfabetis-mo,nas baixas rendas e nas precárias condições de vida. QuaseUmterço da população com mais de cinco anos é analfabeta,e.estáconcentrada principalmente no Nordeste. Embora o

nUmerode escolas tenha aumentado, o ensino básico faliu: hojeacriançabrasileira permanece, em média, apenas duas horasemeiapor dia na escola, e as taxas de analfabetismo são desi-gUaispor sexo e por regiões. (Tabela 5.1)

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TABELA 5.1Taxas médias de alfabetismo no Brasil por região e sexo -

1970-1988 (%)

Apobreza está relacionada à baixa remuneração do trabalhonão qualificado em oposição à alta remuneração de serviçostécnicos e gerenciais, e a distribuiçãO desigual da renda aumen-tou. (Tabela 5.2)

Apesar da redução das desigualdades regionais - devidoaos ganhos reais registrados no Nordeste e no Centro-Oeste-a concentração da renda cresceu. Cerca de 60% da populaçãoeconomicamente ativa que recebe algum rendimentO (52,4milhões de indivíduos dos quais 35 milhões de homens) nãoultrapassam a casa de dois salários mínimos, o que demarca alinha de pobreza, atingindo o máximo no Nordeste e o míniIJ10

174

TABELA 5.2

Distribuição da renda no Brasil-1970-89

----% 1970 1980 1986 1989

10- 1,2 1,1 1,0 0,650- 19,4 12,6 12,5 10,410+ 46,7 50,9 48,8 53,2

Superior 1+ 14,7 16,6 15,2 17,3fõiite: IBGE, Censos Demográficos de 1970 e 1980.

lBGE, Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), 1986, 1989.

iiJériõr

noSudeste.Um terço dos brasileiros que trabalham recebe atéum salário mínimo (Tabelas 5.3A e 5.3B).

TABELA 5.3A

Desigualdades de renda por sexo -1981-19891(renda média mensal em dólares)

175

1Sudeste

Centro- --Norte Nordeste Sul Oeste BraSil 2

Homens-

1970 54,9 38,8 74,1 72,1 58,7 .62,01980 61,2 45,9 80,8 81,4 68,2 69,31988 79,8 54,0 84,4 84,5 77,2 75,1

Mulheres1970 53,7 39,6 69,0 68,1 515,1 58,61980 60,9 49,4 77,6 78,7 67,6 68,21988 80,6 59,4 82,9 83,2 77,8 75,8

Total1970 54,3 39,2 71,6 70,1 57,0 60,31980 61,1 47,7 79,2 80,1 67,9 68,81988 80,2 -5,1 83,6 83,8 77,5 75,4

1 Dados de 1988, exclusive população rural.2 Dados de 1988, exclusive população rural da região Norte.fonte: IBGE, Censos Demogrãficos de 1970 e 1980.

IBGE,Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), 1988.

Sexo 1981 1983 1985 1987 1989

Total 155,72 137,75 163,11 178,26 209,27Homens 250,48 219,83 258,59 277,61 327,64Mulheres 64,77 58,48 71,52 83,85 97,44

Exdusive população rural da região Norte.Onte:IBGE,1990b.

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---r-I

TABELA 5.3B

Desigualdades regionais de renda - 1989(renda média mensal em dólares)

Brasill-

Centro-Oeste

E534368,86106,39

Norte 2 Nordeste Sudeste Sul

212,44333,27

95,12

Total 209,27 217,02 107,10Homens 327,64 335,74 169,46Mulheres 97,94 108,86 48,971 Exc\usive população rural da região Norte.2 Exc\usive população rural.Fonte: IBGE, 1990b.

265,28413,25126,83

Além disso, os trabalhadores carecem de amparo legal.Embora legalmente se exija dos empregadores que assinem acarteira de trabalho de seus empregados, somente um poucomais da metade dos trabalhadores tem carteira de trabalho

assinada, carteira que garante o acesso ao seguro-desemprego,tribunais do trabalho ebenefícios públicos. Esta maciça evasãodo registro legal é uma das mais impressionantes violações dalei no país. Em todos esses aspectos, a pior situação ocorre noNordeste e entre as mulheres. Precárias condições de vida dasfamílias e mortalidade infantil são corolários dessas situações.O acesso desigual e inadequado aos serviços públicos reduz arenda real. Um dos piores problemas que afetam a saúde é aausência de rede de esgotos, situação que éparticularmente graveno Nordeste (Tabela 5.4). Na década de 80, com a crise fiscaldo Estado, os serviços sociais se deterioraram ao extremo, assimcomo a escola pública. Aviolência se intensificou nas ruas, bair-ros e domicílios, e o sistema de transporte coletivo, irregular eapinhado, tritura aexistência cotidiana do trabalhador: que gastagrande parte dos seus dias em longas viagens da residência parao trabalho.

176

~

TABELA 5.4

Abastecimentode água e esgotopor regiões (%) -1970-1986

(J"-

.)\

o campo brasileiro não é comparável às áreas rurais da África,Ásia, nem mesmo com grande parte da América Latina. Apobreza relacionada ao campo brasileiro está fortemente liga-da aos centros urbanos. A maior parte da população de mise-ráveisocorre em áreas "urbanas", isto é, núcleos urbanos commenos de 20.000 habitantes, onde a população depende tantode empregos sazonais e temporários na agricultura como deempregos nas c.idades.

Informações sobre salários, renda, acesso às amenidades,proteção trabalhista e alfabetismo evidenciam que a pobreza

estác~ncentr,:da ~5!E:?:E.°~~~rd"~?t~~. entre ~L~lhere~EmCQntrapartida,as estatísticas sobre as condições sociais pou-Codizem sobre as estratégias de sobrevivência criadas pelaPopulação para complementar a renda familiar e resistir àPobreza absoluta. Indícios dessa estratégia parecem ser o de-chnio da fecundidade e a crescente mobilidade do trabalho.

177

Abastecimento de água EsgotoRegião 1970 1980 1986 1970 1980 1986

Brasil 32,8 54,9 69,9 26,6 43,2 51,1Norte 19,2 39,2 81,9 8,8 20,4 51,8Nordeste 12,4 31,6 47,4 8,0 18,2 28,2Sudeste 51,6 72,6 84,6 43,9 63,5 71,3Sul 25,3 52,0 65,4 20,1 40,3 55,1Centro- 19,9 41,7 58,8 15,0 21,8 29,6Oeste

I Exclusivepulação rural da região Norte.Fonte:IBGE, ensos Demográficosde 1970 e 1980.

IBGE,Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), 1986.

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IA mobilidade do trabalho

A concentração do capital e o crescimento econômico nãrepousaram a.Ee.l1as~~e~pres~ão salarial, ma~ta~b~m na ex~trao~~ináriaWi!eI1~lftcação~~!TIõ6TI~cIa~ehiStórica dO§lrabaTI1a-~e...P processo migratório reSUltou não só na ampliaçàócramargem de pobreza, mas na emergência de novas frações sociaisque compõem o universo da sociedade capitalista. Simultane-amente, intensificaram-se a rotatividade do emprego e a "poli-valência", isto é, o exercício de múltiplas tarefas ou múltiplosempregos por um mesmo indivíduo. 1

Estamobilidade espacial esocial foiinduzida pela modemi-" zação das firmas, por políticas trabalhistas explícitas, bem como. políticas não explícitas, tendo dois condicionantes principais,

De um lado, a atração exercida pelos espaços dinâmicos, com.novasoportunidades de empregoe/ou de acessoà terra,sobre-. tudo no Sudeste, nas metrópoles e, secundariamente, na fron-. teira (Centro-Oeste e Amazônia) (Fig. 5.2). De outro lado, a. modernização da agricultura que liberou a mão-de-obra rural.em todo o país, retirando do Nordeste a quase exclusividade. que possuía como fornecedor de migrantes. A mecanizaçãosubsidiada pelo governo, cujo m.elhor exemplo é o cultivo da

soja, ~ransform~u o J::stadod~a!~I!<tde uma "fronteira móvel.cafeelra"~l~ expo:~.~_~.~~ão-de-obra em apenas uma.década (1970/80), A concentração da pro~iedade da terr.adecorrenfe-d~strãvalorizaçãoe do acesso diferenciadoaocre-dito resultou na expropriação violenta de pequenos produto-res (posseiros, parceiros, pequenos proprietários, etc.).

Em conseqüência, a mobilidade passou a se dar na escalanacional e se fragmentou a estrutura de classes sociais. Amobilidade está em grande parte associada à formação de uITInovo mercado de trabalho com especificidades regionais. f?r-

mou-se um l?roletariado diversificado, cuto primeiro tiPQ'CdOprgletariadp móvel rural-urbano. Nas áreas onde o mercado e- ..

178

Paticipaçãa Relativa

O Imigrantes

~ Emigrantes

íf IntenSIdade das fluxas200 O 400 800 1200

L...1 , I , I , I

Milhares de habitantes

figura 5.2 Fluxos migratórios no Brasil -1970-1980.(Fonte:Ablas e Fava, 1984)

179

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trabalho é melhor organizado, como São Paulo, assalariadrurais permanentes foram transformados em trabalhadores te~~porários que vivem nas cidades evão trabalhar diariamente ncampo, "os bóias-frias". Em áreas menos capitalizadas, o ca~pesinato tradicional se adaptou, transformando-se em semipro-letários e semicamponeses, vendendo o seu trabalho alternati-vamente para o mercado urbano ou rural dependendo da esta-ção, e residindo em áreas urbanas. Esse processo significoumaior instabilidade e exploração do trabalho, pois permitemanter baixos os salários, induz à ampliação da jornada detrabalho e "libera" os patrões das obrigações trabalhistas.

Um segundo tipo de proletariado corresponde aos emprega-dos no setor urbano formal e informal das grandes cidades eque responde em grande parte por seu crescimento. Ressalta,de um lado, a formação de um operariado de melhor qualifi-cação associado à expansão da indústria metal-mecânica emSão Paulo. De outro lado, uma fantástica massa de empregadorese empregados constituindo uma "economia paralela" que fogeda regulação oficial. Ainda pouco estudada, essa massa incluiatividades muito diversificadas, que vão desde o pequeno ven-dedor ambulante até as pequenas indústrias.

A ex ansão . .. -o da classe édia ass ciada aocresci s setores secundário e ter' , a are1ho

. o stado consJJtue um ~atos m~i.;: marca~~'--- .formação da s~jra no.;: ~no~ fiO p ~ Sua SItUa-ção é instável, na medida em que tem uma propensão consu'mista superior aos meios de que dispõe para satisfazê-Ia e,ésobre quem recai o pesado fardo dos impostos da "economIaoficial".

180

T OnOVOsignificado da urbanização

I Urnaurbanização com ritmo acelerado, cujas taxas são dasmaiselevadas no mundo, constitui a maior força por trás damodernização autoritária, atuando como um instrumento eum

produto das políticas governamentais, dos seus efeitos nãoprevistose dos ajustes espontâneos da sociedade. Isto porquea urbanização é o nexo da articulação do Brasil à economia-mundocomo semiperiferia. Os núcleos urbanos são a sede dasnovasinstituições e da circulação de bens, capital e informa-çõese são também o lugar onde a força de trabalho, expulsapelamodernização agrícola, reside, circula e é ressocializada,ingressando na modernidade da pobreza.

Astransformações estruturais da economia e da sociedadeque caracterizam a semiperiferia assumem forma concreta eexpressão máxima na formação de uma cidade mundial, SãoPaulo,que se torna um dos centros de controle e acumulação decapitalem escalaplanetária. SãoPaulopassa a terpoder não apenascomomais importante núcleo produtivo do país, mas sobretudocomoveículo de articulação financeira, de informação, de P &:D,deindústrias de ponta com a economia-mundo. Preenche, as-sim,duplo papel: estabe m a econ . -mu eexerceocoma do a integração econômico-financeira-tecnolóQ.i-ca o tp.rritt'lrionaClOna como ca eca e sua rede ur ana.

ti~

Urbanização acelerada

.O Brasil se transformou em um país urbano, em poucas

~ecada.s,comprimindo no tempo um processo que alhures seezmUltomais lentamente. As áreas urbanas passaram a con-

centrar 80 milhões de indivíduos. Ao contrário dos países la-

181

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I

~

tino-americanos como os do Cone Sul, que têm urbanizaçãomais estabilizada, o Brasil manifesta um processo extremamentedinâmico devido, em grande parte, ao próprio crescimentourbano -que não se reduz à mera "inchação" das cidades-àmobilidade da população eà fronteira móvel.

TABELA 5.5Taxa de urbanização no Brasil-1950-1989

População População UrbanaTotal Absoluta

1950 51.944.397 18.782.8911960 70.197.370 31.533.6811970 93.139.037 52.084.9841980 119.002.706* 80.436.4091989 144.293.110 107.239.796

* Não está incluida a populaçãorural da regiãoNorte.Fonte: IBGE, Censos Demográficos, 1950, 1960, 1970 e 1980.

IBGE,1990b.

Ano %

36,244,955,967,674,3

Entre 1950-80, dobrou o número total de cidades, mas ocrescimento mais significativo ocorreu nas cidades médias egrandes. As cidades de mais de 100.000 habitantes passaramde 11 para 95, representando em 1980,48,7% da populaçãourbana do país. Dois movimentos complementares caracteri-zam a urbanização: a acentuação da concentração e a tendênciaà dispersão espacial (Davidovich e Friedrich, 1988). (Fig. 5.3)

Em termos de concentração, as regiões metropolitanas aU-

mentaram sua participação relativa, nos anos 70, de 25,5% par~29,0% do total da população urbana. A indústria teve papecentral no crescimento das metrópoles e das aglomera~~esurbanas imediatamente abaixo deste nível. Somente as reglOeS

metropolitanas de São Paulo e Rio deJaneiro -com 12 milhõ~.Se 9 milhões de habitantes, respectivamente -juntas respon 1-

182

1970

[=:J o - 25%r== 25- 50%~ 50- 10"-- 15-100%

1980

c:::J o - 25%r-~, 25 - 50%~ 50 -15%- 75-100%

.,. I.(F~gura5.3Urbanização brasileira pormesorregião -1970-1980.

Onte: Egler, 1989)

183

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am, em 1980, por 75,4% do pessoal ocupado e quase 65% dvalor da transformação na industrial em todo o país. o

Estas metrópoles são secundadas, tanto ao nível do cresc'-mento demográfico, como de situação de renda, por dOistipOIde cidades: a) as que correspondem à desconcentração indu:trial de São Paulo ou à implantação da fronteira científico-tec-nológica, e tiveram crescimento demo gráfico superior ao daprópria região metropolitana paulista, como é o caso de Cam-pinas e São José dos Campos; b) regiões metropolitanas Comindústrias ou pólos industriais avançados, como BeloHorizon-te (metalurgia e material de transporte), Salvador (petroquími-ca), Curitiba e' -strias diversificadas).

A tendência à is er~ão urba'R , tanto em termos populacio-nais, como de ren a, se az por . ovidas porfatores que não se ligam direta me à indústria, eralmentecorrespond . - e contato entre áreas eecoItomi-as diversas. rimeira oããliCtade-- ex~ão co~irIlu~decentros urb os a partir da cidade mun Ia; trata-se de ciàadesricas que izam regiões de agricultura diversificada e regiõesbasicam te pecuaristas por onde avança a agricultura moder-n da s a cana-de-açúcar.

A s und é a formação de uma G'mj?í.i];nte ~al!-a_~ln eniaçã correspondente às gran~s capitais estaduais dos

stad sã'ó'centro-norte, que balizam a urbanização no interiorcomo pontos de contato e intermediação entre as bordas dacidad mundial e áreas de avanço da fronteira. Papel central naprese ça de grandes populações e de rendas relativamenteelevad s deve-se ao Estado. O expoente máximo dessa situaçãoé Brasí a, a capital da geopolítica, que registrou a maior pro-

-o o aís da PEAurbana nas mais altas classes de ren~'

rceir modalidade da dispersão é característica d~r!Q!l'teirallnclui centros regionais e locais que constituem a bas~lõgiSticadas frentes de expansão agropecuárias eminerais; incluItambém o crescimento explosivo de pequenos núcleos disper-

sos vinculados à abertura da floresta ou a garimpos, que se I

184

nstituememlocaisdereprodução da forçadetrabalho móvel,~~ãOpela qual muitos são também efêmeros, deslocando-secomo deslocamento das frentes (Becker, 1984).

pobrezaurbana

Aurbanização foi sustentada em grande parte por uma es-magadoramaioriademão-de-obrabarataepobre (Santos,1979).Eainda assim, o trabalho urbano significa ascensão, pois aproporção de trabalhadores na faixa inferior a um saláriomínimofoi de cerca de 25% no Brasilurbano, bem inferior àpercentagemde 38% do país como um todo.

Apesarda multiplicidade de tempos e espaços, persiste, aonívelregional,a polaridade riqueza/pobreza entre o NordesteeSãoPaulo.NoNordeste, alémdapobreza rural, aurbanizaçãocomindustrializaçãoinduzidanãoresultounaelevaçãoda rendadostrabalhadores, mesmo nas grandes concentrações metro-politanas.Existe um padrão nordestino de urbanização: ascidadesapresentam prevalência de baixa renda, em que maisde50%da PEAurbana recebem até um salário mínimo.

Aonívelintra-regionale intra-urbano -a disparidade se re-produz.Aregião metropolitana de SãoPauloé muito mais ricadoquea do RiodeJaneiro, e a pobreza está contida dentro dasgrandesmetrópoles. Na região metropolitana de São Paulo, a?roporçãode trabalhadores ganhando até um salário mínimoe9,2%;na do RiodeJaneiro é superior a 14,0%, e na de BeloHorizontealcança quase 21%.

Crescimentoeconômico com pobreza crescente, movimen-toseSpOntâneosna economia informal e estruturas econômi-Casformais se complementam para sustentar o crescimento~etropolitano.A pobreza, por um lado, constitui um entravearn .

alor expansão das grandes empresas; mas, por outro, per-

185

Page 10: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

mite a proliferação de fabricação menos capitalizadas e criado..ras de emprego. O mercado unifica a economia urbana e, qUan-to maior a cidade, maior a possibilidade de multiplicação deatividades informais. Explica-se, assim, a expansão do empre-go - ainda que rotativo e mal remunerado - na indústria me-tropolitana, ao contrário do que ocorre nas economias centrais.No caso brasileiro, a periferia cresce com a indústria e a migra-ção da população de baixa renda. O lugar da riqueza till:n~literalmente o IU\!arda pobreza (Santos, 1989).

As metrópoles tornaram-se também o lugar da crise urbanadas carências sociais de vários tipos manifestando em movi~mentos de "posseiros", de "invasões dos sem-teto" e loteamen-tos clandestinos. Elas têm os problemas de gestão complexacomum às grandes aglomerações urbanas que se repartem entredistintas administrações locais, bem como os problemas espe-cíficos das cidades de economias periféricas, resultando em ele-vado potencial de conflitos reivindicatórios de direito à ci-dadania.

As grandes aglomerações urbanas tornaram-se o palco prin-cipal da luta pela redemocratização da sociedade e pela preser-vação do parque industrial nacional. Amais viva expressão desteprocesso foi a eleição de Luiza Erundina, mulher, migrantenordestina e ativista do Partido dos Trabalhadores, para aPrefeitura da cidade mundial brasileira em 1989.

comp.

lexos

.

e rede

.

s: a armadu~a O

. .

territÓrio

(--pÇ~ I~ ( [r/1" Cl' A 0-1'JI';' rr')(

Entre 1967 e 1982 uma crescente transnacionalização da

estrutura produtiva e um elevado endividamento externO severificaram no país. O Estado autoritário, de modo distintO d~sdemais países vizinhos do Cone Sul, procurou sustentar níveISelevados de investimento, não apenas expandindo a rede de

186

. fra-estrutura, como também avançando à frente do setor pri-Indo em segmentos industriais considerados estratégicos para~aconsolidação do projeto geopolítico.

Complexosindustriais I

~i// {/ /~ rComo resultado desta política, ertii97~scl:or indust!"ial !

re~Eo~a J2.or38%2-P1B, e a pa~~ do manu atura~ '"' vdos,que segundo o critério do Banco Mun ial r' onde ao

. segmento mais dinâmico da indústria atingia 28% o PIE. Aestrutura industrial brasileira sofreu uma armação subs-

I tancial nas últimas duas décadas (Tabela 5.6). Esta mudançaéexplicada, em grande parte, por variações nas participaçõesdeapenas quatro ramos industriais: metalurgia e produtos quí-micos,que aumentaram sua participação, e têxteis e alimentosque reduziram sua participação (Penalver, et al., 1983:9)..

,',

TABELA5.6

Taxas de crescimento das categorias industriais no Brasil- 1966-1980 (índices percentuais anuais)

Indústrias 1966/67

Bensde consumo 4,8a) duráveis 13,4

transportes 13,1elétricos 13,9

b) não-duráveis 1 3,6Bensde capital 4,5~ntermediários 6,8

Fonte:Penalver, M. et a!., 1983

1968/73

11,923,624,022,6( 9,418,113,9

1974/80

5,07,73,3

15,5-"jój;,5,.

'~~

I

A. 1876

Page 11: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

Em 1962, a metalurgia e os produtos químicos respondia1l1por 20,5% do total da produção industrial, enquanto têxteisprodutos alimentares atingiam 34,3%. Em 1980, a situação haVi.:se invertido, com os dois primeiros ramos dinâmicos respon-dendo por 33,8% e estes últimos por 21,1% do valor da pro-dução manufatureira. A situação se manteve essencialmente amesma para os demais ramos, exceto a indústria mecânica, cujaparticipação cresceu regularmente de 2,9% em 1962 para 7,8%em 1976, declinando ligeiramente para 6,4% em 1980.

Os efeitos desta dinâmica, aliados ao próprio movimentointerno da economia, vão se refletir de modo contraditório sobrea distribuição territorial da indústria no Brasil. De um ladoreforcam-se as tendências concentradoras do padrão espacial

o na concorrência oligopólica. De outro, observa-~dis ersão do investim~nt9 em localizações privilegiad~ COl~portos, distritos in ustriais incent~ a Zona Franca deManaus. (Fig. 5.4) -.. ...

E importante ressaltar que este movimento tem pouco aver

, com a~~~cia de U}!!.'Ü~~~~eg~~ q\}e,~t1nfig.uras-se como uma estrutura produtiva relativaqlent(autô~oma..Pelocontrário, o deslocamento espacial do investime1rto-i1ídÍ1st~gue se ac-.e.ntuanos anos 70. foi um processo complementar earticulado à acumulação no núcleo industrial consolidado. Odesenho da nova divisão territorial do trabalho no Brasil assu-

me os contornos ditados pela própria estrutura industrial, coma conformação de complexos fortemente integrados, como éoexemplo do químico e do metal-mecânico. - ~

. Adivisãoemcomplexosindustriaiséa maisadequadaparaanal

.

isar

,.

a nova

.

diV

.

l'SãOter

,

ritorial do trabalho resultante d

j

a

I'nserção do Brasil como semiperiferia na economia-mundo

~ ..:Erim..~lr~rqu..!:. rompe com a segmentação e~~rndústria gricul~f~rviÇOS lle apoio à produção, permlt~no com een ~f, por 'êXen'rf>1õ',o ComplexoAgroindustr~aCAI), como a forma contemporânea de expansão do capitaho no campo brasileiro. Segundo, porque a estrutura em cO

188

I

I

--L

EMPREGONA INOL1STRIA

J- D

~

CRESCIMENTO19 7 o / 80

~1 - 5%- 5 - 12%

.,2%

PRODUÇÃO INDUSTRIAL

CRESCIMENTO1970/80

~ 1 - 5%- 15 - 10%- 10%

"'o.J il" 3_°t!,.

Figura 5.4 Produção industrial e força de trabalho porl11esOrregião-1970-1980. (Fonte: Egler, 1989)

189

v

Page 12: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

~ f

~" ~ >,~ ~ 7 -I 1\'1~JJx~"'/ '.' , J 1,.

plexo industrial permite verificar a separação territorial entras atividades de gestão e P &:D das atividades produtivas r~tineiras. Assim, enquanto se centralizavam os escritórios degerência e os centros de pesquisa e desenvolvimento, verifica-va-se a dispersão de fábricas por diversos pontos do territóriodependendo da qualificação necessária da força de trabalho.'

TABELA 5.7

Perfil de eficiência dos complexos industriais -1984(evolução dos índices de produtividade)

Nota: Setor ascendente: produtividade crescente de 1975 a 1984.Setor descendente: produtividade decrescente de 1975 a 1984.Setor indefinido: produtividade decrescente só depois da crise de 1982.

Fonte: Araújo,]. T. et ai., 1989.

x;-- A configuração espacial do complexo químico no Brasilé. ilustrativa deste processo. Originalmente concentrado no eiXO.entre São Paulo e Rio, onde estão estabelecidas as grandes cor-. porações multinacionais, algumas delas bastante antigas na. mercado brasileiro - como é o caso da Bayerou da RhodiaeS-.tabelecidas no primeiro quartel deste século -ele se expandiú

190

diVersificouvigorosamente através de investimentos maciços,erincipalmente de empresas estatais. Atuando na montagem

- ~asindústrias básicas do complexo, principalmente na petroquí-Il1ica,o Estado comandou o processo de descentralização do

,setOrcom a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari,-naBahia, eposteriormente o de Triunfo, no Rio Grande do Sul.

No entanto, a distribuição espacial do complexo mostra queasindústrias de química fina, intensivas em tecnologia, conti-nuam concentradas nas vizinhanças da cidade mundial, ondedispõemde mão-de-obra treinada e quadros técnicos qualifica-dos indispensáveis para a produção de substâncias químicasderigorosa especificação. Do mesmo modo, os centros de gestãodocomplexo químico, sejam de empresas estatais ou privadas,estãocentralizados no eixo Rio-São Paulo, mesmo aquelas cri-adaspara operar no Pólo de Camaçari, como é o caso da Nor-desteQuímica S.A.(NORQUISA), cujo escritório central se si-tua no centro financeiro do Rio de Janeiro. y.De modo semelhante, o complexo metal-mecânico expan-

-- diu sua área de atuação não apenas no entorno da cidade.mundial, mas, também, através da ação do Estado, em novaslocalizações. O eixo automobilístico do complexo continuou

'--basicamente concentrado em São Paulq,-éxceto pela implanta-çãodaFIATnas vizinhanças de BeloHorizonte. Entretanto, novas

-plantasindustriais, tanto montadoras de veículos, como de auto-.peças,iniciaram sua operação nas bordas da cidade mundial,-principalmente no Vale do Paraíba Paulista e no Sul de MinasGerais,onde havia mão-de-obra treinada e com baixo nível de

sindicali~açã~ . "EspecIaldestaque deve ser dado ao eIXOeletroeletrõmco, pOIS

SUaconfiguração espacial foibastante influenciad p I lan-

~~ÇãOda Zona Franca de Manaus em 1967 que, ido às aci-Idades de importação de peças e componentes, . ou aU:°ntagemde aparelhos eletrônicos de consumo, como levi-

~oes,rádios e aparelhos de som para o interior da Amazonia.ZonaFranca não deve ser confundida com uma Zona de Pro-

I

1

191

Setores Tamanho

-Q.s Ascendente Descendente Indefinido Relativo

Químico 5,1 31,7 63,2 75,9

Metal-mecârilco ) 69,9 22,8 7,3 32,1

Agrom&ust.r-ial-'" 44,8 39,0 16,2 22,0

Têxtil e calçado 91,5 8,5 - lI)

Papel e impressâo 43,3 34,4 22,1 4,5

Construçâo - 60,6 39,4 4,3

TOTAIS 45,8 29,2 25,0 100,0

Page 13: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

10, )

~ (cessamento de Exportações, pois a maior parcela de SUapro-~ dução destina-se ao mercado interno. No entanto, apesar de~ \ todas as vantagens fiscais oferecidas, o preço interno dos pro-

dutos oriundos de Manaus é quatro vezes maior do que Os

/' \~ \ praticados no mercado internacional (Araujo,] .T.et aI., 1989)e os incentivos, que deveriam contribuir para o avanço n~desenvolvimento do setor, são integralmente transferidos parao exterior através da importação de componentes eletrônicosefetuados por filiais de grandes corporaçôes multinacionais.

A desarticulação entre as montadoras de produtos eletrôni-cos e a indústria de componentes, principalmente de semi-condutores de larga integração, têm sido um entrave para odesenvolvimento da microeletrônica no Brasil. Isto afeta tantoa indústria de informática, como a bélica, que são considera-dos setores estratégicos pelas Forças Armadas. A eletrônicaembarcada, que inclui desde equipamentos computadorizadospara automóveis até aviões, constitui um dos segmentos maisatrasados do complexo, justamente devido à dificuldade deestabelecer os laços entre a indústriá mecânica nacional e amicroeletrônica estabelecida no exterior.

O terceiro complexo em importância no Brasil é o agroin-dustrial; sua conformação representa diretamente os resulta-dos da política agrícola da modernização conservadora. Qle-senvolvimento do sistema de crédito rural, os subsídios diretOS

'- a tecm lcaçao e os mcen IVOSa ex or a ão oram os instrumen--\ ~ ) ver a ex ansão a r o I

'). :-- campo pras~9 (Tabela 5.8). Este processo converteu a ag~i-.. cultura em condição necessária da acumulação na indústrIa, \articulando diretamente o complexo agroindustrial em forma;)ção, ao químico e ao metal-mecânico.'- As mudanças estruturais não se resumem aos aspectoS eco-nômicos e tecnológicos, mas abarcam também aestrutura sociaLNovas relações se estabeleceram entre trabalhadores rurais, co111ou sem terra, e com as corporações que ampliam sua área deatuação (Muller, 1982). Formas anteriores de produçãO fora111

~,>

Ç\

v

192

einventadas sob o controle do capital agroindustrial, como é~ caSOdo colonato, típico das regiões cafeeiras do início doséculo, que assumem novas dimensões justamente onde ostratOSculturais são intensivos em mão-de-obra, como na cultu-radavinha ou na criação de pequenos animais, assim como na

generalização do trabalho temporário e sazonal, caso dos bóias-friasque habitam a periferia de pequenas e médias cidades.

TABELA 5.8

Empréstimos do sistema bancário nacional à agricultura-1973-1980 (em bilhões de cruzeiros)

Banco do Brasil Bancos PrivadosPeríodo Total Valor % Valor %

1973 36,6 22,9 62,4 13,7 37,61975 105,0 71,2 67,S 33,S 32,21977 212,0 154,5 72,9 57,4 27,11979 461,3 357,9 77,6 103,3 22,41980 * 626,S 491,5 7S,4 135,3 21,6

*Janeiro/julho.Fonte: Banco Central do Brasil - Departamento Econômico.

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g~árialaicqp,;izdegqranhram~~Q..d~g l~ Ia:\Les.de..sUa.GfGs-

c.ente teS!lifica.,Ç.ã,o " . lID2P..rie.da.dt.

As:onseqüênci~s <!.~ste{>roceê§o foram inevit;:í,y_eis,com alibe..r~ç~o mãcTça.de..gr.audes.coRtingerúes. populacionais qUB-SedIrIgiram para as pequenas e grandes cidades, funciona_ndocOmoreservade màõ-ãe-õbra,ãCeiiiuãnao.ams'iórka conc~-~raçãoda posse cfa terra,fraoe1as -5.9Ãe 5. 9B). Na década d~ O,cOmoefeIto de medidãs anteriores ligadas às áreas fiscal e fi-Ilanceira e de melhoria das condições de acessibilidade -atra-

1

193

Page 14: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

vés de grandes eixos viários que articulam as áreas de maiodesenvolvimento econômico do país com espaços pouco inte~grados à produção -a agricultura apresentou uma ampliaçãoextraordinária da superfície cultivada. Registrou-se um aumentoabsoluto de 70.708. 955 hectares na área dos estabelecimentoso mais elevado desde 1940, como resposta aos fortes incenti:

vos governamentais à ocupação da mata amazônica e do cer-rado, consubstanciados em programas especiais, criados em1975, para o desenvolvimento do Brasil Norte e Central (Mes-quita, O. e Silva, S.T. 1988).

TABELA 5.9A

Percentagem do total de área pertencente às 5%'" maiores propriedades rurais no Brasíl-1960-1980

Mesmono Nordeste, onde apersistência dos domíniosagra-mercantis se faz marcante até os dias atuais, a modernização

está presente nos grandes projetos de irrigação e na revitaliza-ção da agricultura canavieira, que recebeu subsídios vultosospara a produção de álcool combustível. As novas formas deadaptação tornaram as oligarquias regionais dependentes ~efinanciamentos e de bens e-insumos agrícolas, do mesmo mO o

194

T

que os agricultores do Sudeste ou Sul. A questão é que isto foiconseguido através de tratamento privilegiado por parte do

aparelh? do Estado, que garan~iu não apenas linh~s de ~réditoespeciaIS,como mercados catIvos para a produçao regIOnal.

TABELA 5.gB

Posseda terranoBrasil- 1985(em percentagem de estabelecimentos rurais)

menos de 100 hanQ área

Brasil 90,0 21,2 8,9 35,1Norte 83,0 22,0 15,9 30,2Nordeste 94,3 28,6 5,1 39,3Sudeste 75,8 25,6 23,4 46,7Sul 94,1 39,0 5,4 35,9Centro-Oeste 62,4 4,8 30,7 25,9Fonte: IBGE, Sinopse Preliminar do Censo Agrícola, 1985.

195I

1

1960 1970 1980

Brasil 67,9 67,0 69,3

Norte 90,1 64,5 68,6

Nordeste 65,3 66,7 68,3

Sudeste 55,2 53,0 53,9

Sul 56,6 56,3 57,9

Centro-Oeste 64,6 67,4 65,3

Fonte: Hoffrnann, 1982.

100 a 1.000 ha mais de 1.000 hanQ área nQ área--

O,! 43,71,1 47,80,6 32,10,8 27,70,5 25,16,9 69,3

Page 15: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

escala das plantas de beneficiamento. A soja é um produto danova fase da agricultura brasileira, onde o complexo agroin-dustrial assume papel preponderante na moldagem do espaçorural.

26000 -r-

21000

(f)wO::(,) 16000<:!

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~ 11000<:!:I:..J~

6000

1000o - '" '" .,. '" '" I'- <X>'" o - '" '" .,. '" '" I'-I'- I'- I'- I'- I'- I'- I'- I'- I'- I'- <X> <X> <X> <X> <X> <X> <X> IX)~~~ ~~!!! ~~~~~~~~ ~~~2!

Figura 5.5 Evolução da área cultivada com soja. (Fonte: IBGE,produção agrícola municipal, vários anos)

As redes nacionais

A organização espacial das redes de circulação de mercado-rias, distribuição de energia elétrica e de telecomunicações

,

constitui um indicador, mesmo que superficial, dos efeitOSdoprocesso de modernização sobre o território, na medida eII1

. que foram transformadas estruturas espaciais pretéritas ecol1S- I

trUidasnovas formas adequadas ao processo de produção eestãOda empresa capitalista em sua fase avançada. Neste

~entido,as redes manifestam a territorialidade dos complexosindustriais.(Fig. 5.6)

FERROVIASRODOVIAS

ENERGIAELI!TRICA

y:"."""""

Figura5.6 Redes nacionais. (Fonte: Egler, 1989)

---L

196 197

Page 16: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

1

~

r---\ A rede de circulação de mercadorias, expressa na malha

rodoviária nacional, delimita,grosso modo, a área de mercado

integrada.~ão se trata ~f'~de uma estrutura monta-~~ Da~rmanu atureiro,~~'~:~~er,,:~~;::',;?~~:::~'I,u~~dO 3;~;;'; r~~~~v~aC:;""'M "'O,A;'OO' '01 '1»'" o r=~:'E("v;iria. ~r~as"bacias" superimpõe-se o traçado dos grandes eixos nacionaisque convergem para o centro manufatureiro no Centro-Sul d~país, como, por exemplo, a BR-116, antiga Rio-Bahia, que seconstitui no primeiro grande eixo de interligação entre o Nor-deste e o núcleo industrial do Sudeste.

A rede de energia superimpõe-se à área industrial central,mostrando a capacidade da atividade manufatureira de cons-

. truir sua base técnica territorial, que, no caso específico da rede

. de distribuição de energia elétrica, foimontada nos últimos trinta. anos com maciço investimentO estatal. É corrente considerar as. fontes de energia como um fator-chave de localização industri-

, aI. Entretanto, dado o caráter tardio da industrialização brasi---leira, que já nasceu buscando atingir economias de escala, e

. considerando a mobilidade da energia elétrica, a constituição. do parque industrial ocorreu concomitantemente coma cons-. trução da rede de distribuição de energia, o que resultou naextraordinária concordância entre a localização de plantas

- industriais e os circuitos da rede de energia elétrica.. O re~ultado espacial deste processo pode ser percebido

.quando se compara o sistema de geração e distribuição de'energia elétrica no Sudeste com seu congênere nordestino..Enquanto na área industrial central observa-se o adensamentO

dos circuitos, formando uma rede complexa, o sistema norde~'tino se apresenta com eixos isolados que atendem os principaIsnúcleos urbanos da região.

Finalmente, a rede nacional de telecomunicações, expressano sistema de microondas, mostra que os maiores aglome~a'dos urbanos estão interligados no que diz respeito à circulaçao

198

rápida de informações a longa distância. A construção destarede,iniciada durante os anos sessenta e intensificada durantea década de setenta, mostra os efeitos da centralização dos

processos decisórios na cidade mundial eatende, principalmen-te, às demandas do setor financeiro, que depende de ligaçõesrápidas e confiáveis a longa distância para operar competitiva-mente.

A principal observação que deve ser feita quanto à rede detelecomunicações é que, desde o momento de sua concepção,

já necessariamente é uma rede nacional. Em poucas palavras,éamaterialidade espacial da forma mais avançada de operaçãocapitalista, a empresa financeira multilocacional. É neste sen-tidoque é possível compreender o rápido desenvolvimento dosistema nacional de comunicações a longa distância que, emduas décadas, interligou todo o território nacional, sem que agrande maioria da população tenha acesso sequer a um apare-lho telefônico.

o espaço transfigurado

199

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~

pais que permite expandir a mobilizaçãode recursos eo povo-amento, mas favorece também a desigualdade.

, Apolitização u ra espacial neste contexto foilevadd

. a,ao extremo,co o espaç ornan o-seInstrumento e COnd~'da !llode . 'adora. Agestão estatal do território. foi eminentemente estratégica, envolvendo não apenas SUa

- adm.

in.

is.traçãoe~

.

termosecqnÔlTliCOS,mastambéma~r:.elaçô~, . ~R.9.4..e.t.Entre 1955 e 197j), a política regional procurou se

./ I identificar com a ceBStRr(ãoda nação. A macrorregião foia;' I ' escala ótima de operação do trip~ tanto para promover a uni.

\11~~ ficação do illeJ"~a~Qn~cional, como para a ce.llt:mlgação do podergovernamental. Na década de 70, os grandes projetos geridospelas empresas estatais, em joint-ventures ou isoladamente,substitueI).1a Rolítica regional através de novos ajustes com asfrações hegem6nicas regionáis.

t,-. I ,., 9). 11

, , 'J "''''

A e;pdcialidade da semiperiferi

Os modelos de análise disponiveis para apreender umare-. alidade complexa como a brasileira podem ser grupados em.duas vertentes básicas. O primeiro deles se fundamenta nas. estruturais duais, na concepção do tradicional que se opõeao.moderno como um freio que dificulta o desenvolvimento eco-,nômico e a difusão do progresso técnico. A superação da con-cepção dualista foi feita através do conceito de "heterogeneida-de estrutural" proposto originariamente por Anibal Pinto (1965),que refutava a aplicação mecânica de modelos fundados na'homogeneidade' das estruturas econômicas e sociais, típicOSdas economias centrais, na América Latin: 'Ü mérito da con-cepção de Pinto estava em romper o 'nó górdio' imposto pelodualismo, permitindo compreender as sociedades latino-aII1e-ricanas, não como estruturas imperfeitas ou disformes, II1as,

200

elocontrário, como aquelas que têm na heterogeneidade seuPaço constituinte fundamental.tr A questão que fica a descoberto, entretanto, é a de comocOII1preendero movimento de uma sociedade heterogênea. Ouseja,jáque ela não "evolui" na direção da ~omogeneidade, qual

'.será o seu comportamento dinâmico? E nesse ponto que o_conceito de semiperiferia de Wallerstein assume importância.

Enquanto síntese contraditória, ela combina, em um mesmo

-território e em um mesmo momento, espaços e tempos díspa-res cujo ajuste é conseguido a partir de instrumentos políticos,onde o Estado assume papel central. ';xl

O Estado participou da introdução das rápidas mudanças- domundo contemporâneo, sincronizando-as com a permanên-

, da deestruturas diacrônicas, cujo tempo é definido por rotinas, solidamente enraizadas que tendem a "atrasar" o relógio da, modernidade. S~ó ritmos e cadências completamente distin-,tos, com diferentes velocidades que convivem em um mesmo_períodotemporal, obrigando a uma complexa gestão dos rit-

, mosde mudança.

" Oespaço dos fluxos, conectado aos circuitos internacionais, decapitais,mercadorias e informaçôes, tende a "descolar-se"do espaço dos lugares, fundado na permanência de territoria-.lidades historicamente adquiridas, que constituem imensa

-- resistência a transformações. A semiperiferia é o loeus de fortes, tensõesque tendem a levar à fragmentação espacial, em várias' escalas,de mosaicos de modernidade em uma superfície irre-guIarde misér

~' . ~ /"

, O Brasil é í par p ra exemplificar esta situação, contribu-.Indo inclusive ra elhor precisar o próprio conceito deS~miperiferia. tus de potência regional foi alcançado atra-'~esde uma modernização conservadora, que produziu trans-, ormações significativas, sem r m er com ordem social hierar-

I~,

UI~all1~nteorganizada. gestão autontaria Oterritório oi

~mInstrumento essencIal para produzir fronteiras, enquantoIndutoras de rupturas; garantir domínios, enquanto suportes

201I

-L

Page 18: Becker egler brasil_uma_nova_potência_cap_5

~ I~ dO establishment e c~nsolidar uma cidade mundial, enquantonexo com a economIa-mundo.

~ Afronteira não se resume a uma vasta extensão de terras li-i vres, a ser explorada por homens também - pretensamente -

r livres, nem tampouco representa um determinado tipo d..E

.

e~..

iferi~. Const~t~i u:n es.

a..

o econô.

mico, sQciale polític rí~. Jple~!lmente eswutmi!d e otencialmente er or e reau\.{a;-es no..YiJ,s. geopo ítlca do Estado brasi eiro construiu, não

'apenas uma, mas muitas fronteiras, que deveriam oferecer pers-pectivas de crescimento econômico, de solução de tensõessociais e do pleno exercício do poder sobre o tempo e o espaço.

Os domínios são áreas consolidadas, com estruturas políti-nte estáveÍs, inantidas através de alianças com

interesses Tocãise regionaiS que participam do bloco do poder,, dando sustentação ao projeto de modernização conservadora.'.. Assim se perpetuaram formas quase monopolistas de propri-

edade da terra e do capital, graças a toda sorte de instrumentospolíticos que garantem privilégios adquiridos, criando barrei-ras à entrada de novos concorrentes.

Fronteiras e domínios são articulados atravésde uma cidademundial, que manifesta a nova forma de inserção do Brasilnaeconomia-mundo. A cidade mundial na semiperiferia é, aomesmo tempo e lugar, centro de gestão e acumulação de capitalem escala planetária e núcleo de comando de uma vasta redeurbana que conecta a multiplicidade de espaços e tempos que

, compõem o território nacional.A emergência da cidade mundial é explica da, em parte, pelo

. movimento de acumulação do capital multinacional na ecano-- mia-mundo. Entretanto, é da combinação deste movimentO. global com a atuação do Estado que se configura, no Brasil,u~. padrão dinâmico onde a concentração social e espacial da n-. queza é acompanhada pela dispersão seletiva do investimentOpúblico e privado através da malha "programada", imposta pelo

-c:> Estado, porém cujo traçado atende aos interesses que compõeJ11o tripé.

~ 202

~

A malha "programada" manteve domínios, expandiu fron-teiras e fortaleceu a cidade mundial, que na escala nacionala~sumemexpressão mais geral respectivamente na persistên-~lada questão re onal ardeste, na configuração de umallnen"a Fronteira e na onformação de um vasto complexourbano-industri a r do centro dinâmico do Sudeste. Estesl11ovimentosexpropriaram e excluíram significativos contin-gentessociais, gerando conflitos que constituem matrizes denO~asterritorialidades, que passam a expressar projetos alter-nativosda sociedade civil.

203

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Reestruturação territorial

'/r[- ,~A estrutura centro-pertferia foi transfig\1rada pela moderni-

zação conservadora,~edefinindo hierarquias e posições depoder, reestruturando funções e unidades de produção, distri-buição e gest"o. A consolidação da cidade mundial, de domi-nios, e a abertura de fronteiras são expressões desse processo.Asnovas territorialidades que emergem do conflito entre a malhaprogramada e o espaço vivido assumem feições específicas emcada uma destas formações espaço tempo. (Fig. 5.7)

\

A cid~de mun~ialf o complexo urbtn~-industrial(I 'Ç,jfi () rr1~'

;, "" /- ,Anova forma de inserção do Brasil na êconomia-mundo teve

sua maior expressão na formação da cidáde mundial-São Paulo-e de uma estrutura urbano-industrial intimamente articula-

da, que emergiu da concentraç~ e ampliação do núcleo eco-nômico durante os anos ~~"(9.'fsta área é a parte do país maisintegrada à economia-mundo e a mais dinâmica, tanto em ter-mos de relações internas, como externas, promovendo a urba-nização acelerada do território e gerando focos de modernida-de. As mudanças na distribniçã,o_territorial da população ex-pressa esse proéCS~ :zado pelo descompassoentre o intenso crescimento urbano, esmo em áreas de pre-domínio das atividades-a~ - fraca mudança no aden-samento da populaç,ão, só expressiva em tor~o de São Pauloenas bordas da grande fronteira. (Fig. 5.8) X;

Os fluxos de informação estão amplamente concentrados eJ1lSão Paulo, sede da maioria dos bancos privados, correspon-dendo a 60% do sistema bancário nacional, incluindo 18 dos

23 bancos estrangeiros que operam no Brasil (Corrêa, 1989). I

204

'"

1910

1980

HABI Km2

c:::Jmenos de 2

c::::J de 2 o 20E=.3 de 20 o 40

~ de 40 o 80- maisde80

Figura5.8 Densidade populacional por mesorregião.(Fonte: Egler, 1989)

205

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C)

o~ Sul

Figura 5.9 Expansão da área metropolitana de São Paulo-1930-1980. (Fonte: Retrato do Brasil, 1984)

Os bancos são os principais clientes dos serviços da EMBRA-:fEL que ligam o centro nevrálgico da Av. Paulista às restantes- cidades mundiais. Para São Paulo vai metade do fluxo de cha-madas da rede de telex nacional (Cardoso & Bovo, 1989). Con-tíguo à cidade mundial, consolidou-se um domínio dinâmico,que absorveu grandes fatias do investimento estatal e das mu':tinacionais, configurando-se como o locusprivilegiado do triP.e(Figs. 5.9 e 5.10). Aí se localiza a fronteira científico-tecno!ógl-ca, o eixo de expansão metropolitano que conecta São PauloaO

206

- ROdo,;o,

EXPANsÃO INDUSTRIAL

O ATÉ 1975

~ '91~ o 1988

sÃo PAULO

Figura5.1OExpansão industrial no Estado de São Paulo -1975-1986. (Fonte: Azzoni, 1989)

~iOdeJaneiro e uma grande área industrial praticamente con-tJguaque, partindo da cidade mundial, ultrapassa os limites doE.stadode São Paulo - incorporando porções dos Estados vi-zInhosde Minas Gerais e Rio de Janeiro - e projeta um vetore~ direção a Brasília, a . Ida geopolítica (Vesentini, 1986)(flg. 5.U). À sua vol a, um onstelação de metrópoles -for-l11adapor Belo Horizo te, ritiba e Porto Alegre -destaca-sePelodinamismo do cre c ento da indústria, conf gurando uma

207I

rL

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hierarquia de funções e de poder vinculada às atividadespro-dutivas, de distribuição e de gestão.

Um vasto cinturão agroindustrial 'se espraia em todas as- direções,desdeos camposmeridionaisatéoscerradoscentrais. avançando em fronteiras ao longo dos principais eixos rod;, viários, dinamizando centros regionais, capitais estaduaise a

~ própria capitalfederal.Apartir daí,a moderrdade se instalaem. focos isolados, na sua maioria resultantes daf.1alha programad;t-

d> Bolsõesde pobreza e domínios conservaaoTespermanecem- nas vizinhanças e mesmo dentro da própria cidade mundial e.nas demais metrópoles. Em contrapartida, aí emergem a opo-

- sição e as novas territorialidades mais significativas, que não.podem ser desligadas da nova forma de inserção na economia-

- mundo. É na borda ocidental da cidade mundial, no território- da indústria automobilística, que emergiu o "novo sindicalis-

~ mo", autônomo em relação ao Estado, com ligações com fede..rações sindicais internacionais. Novas formas de resistência à

- modernização conservadora foram geradas e difundidas apartir. da cidade mundial e de seu entorno imediato. Movimentos

- sociais, de base 10calizada~ep!!Sent.a.m,projet ~ alternativosda sociedade em busca d jústiça socialtJ'- -

t.'-/ ".(-. ' <).c..< r>-<.A '" \j 'S"'-----~-

o domínio agromercantil com frentes demodernidade

o domínio agromercantil expressa a persistência de nívei,Sdramáticos de pobreza rural e urbana e de modernas oligarquI'as. No caso do Nordeste, através do expediente histórico ~eutilizar a fragilidade da economia regional às estiagens peno-dicas como instrumento de solicitar tratamento diferenciada.construiu-se uma intrincada trama de subsídios e proteçãO

208

'"

Figura5.11 Brasíh

IBGE/CNG,1966)

47° 40

- PLANO PI'.OTO

O SETOR HABITACIONAL

m CIDADES SATÉLITES- RODOVIAS

-r-'- FERROVIAS ~km 5 '?

,/vades-satélites. (Fonte: adaptado do

~

209

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estatal, que resiste às forças da concorrência intercapitalistaReside aí a "questão regional" nordestina. .

A proposta de industrialização regional promovida pelaSUDENE facilitou a integração do domínio nordestino à cida-de m~ndial. Entretanto, foram os grandes projetos da décadade 70 que criaram fronteiras de modernidade, seja em focoscomo é o caso do Pólo Petroquímico de Camaçari, nas vizinhan-ças de Salvador, seja em eixos como foi o caso dos grandesprojetos de irrigação ao longo do vale do São Frapcisco. OPrograma Nacional do Álcool - PROÃLCOOUevou à/tnoder-

I nizaçãoda agro-indústriacanavieiranordestina, emboradefor-

ma distinta de sua congênere paulista, pois foi incapaz de com-pletar plenamente a integração em complexo devido àsua grandedependência de fornecedores extra-regionais de equipamentose insumos.

Com o PROÃLCOOL,a luta pela terra e pela regulamentaçãodos direitos trabalhistas assumiu novas formas.Aherança dasLigasCamponesas, movimento social de camponeses que eclodiu nazona canavieira no final da década de 50, foipotenciada e unifica-da pelos conflitos resultantes da expansão das plantações, oque transformou os sindicatos de canavieiros em instrumentosde luta pelos direitos sociais e levou à conquista de territóriosatravés da resistência, geralmente apoiada pela Igreja Católica,à expropriação promovida pela modernização da agricultura.- A fronteira energética e de recursos também atua diretamen-te sobre o domínio agromercantil. A exploração de gás natural

. e petróleo offshorerealizada pela PETROBRÁS,levou à implan-- tação de bases de apoio, terminais e instalações de beneficia-

men~o em vári.os po~tos do litor~l, desde Campos, no Estad~ ,

. do RIOde janeIro, ate Natal, no RIOGrande do Norte. Grande. I

r- projetos foram implantados, na forma de complexos territaO-. ais, que incluem minas, plantações, unidades de beneficiamen-. to, dutos, ferrovias e terminais especializados, produzindo ferro

-ç:.,.e metais ferrosos, bauxita e alumina, soda e barrilha, celulosee papel, na maior parte destinados 'â exportação.--

210I

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~

Os impactos desses grandes projetos sobre o domínio agrá-rio-mercantil são restritos. De um lado forçam reacomodaçõesentre os grupos dominantes locais, que se beneficiam de mododiferenciado do aporte de recursos; de outro, têm efeitos limi-tados sobre a estrutura produtiva e de renda, já que em suamaioria operam com elevada produtividade e internalizam boaparte de sua demanda por bens e serviços, o CJ.uepouco resultaemtermos de desenvolvimento regional. Há, no entanto, exter-nalidades inerentes aos projetos. Uma delas é a rápida difusãodemovimentos ecológicos, que gradativamente assumem di-mensão nacional a partir do final dos anos setenta, passandoa exercer pressões sobre as autoridades locais no sentido deminorar a deterioração acelerada das condições ambientais.

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Agrande fronteira~ .;

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AAmazônia assume hoje a expressão básica das fronteiras.

Devidoà ausência de organizações sociais preexistentes capa-zesde oferecer resistência, o governo federal assumiu direta-mente a iniciativa da modernização, implantando a malha

programada em tempo acelerado enuma escala gigantesca quetransformou parte das antigas regiões Centro-Oeste e Nordestee toda a região Norte numa grande fronteira nacional.

o valor simbólico da malha programada, entretanto, foimaiordo que o seu valor real para a ocupação da região. Programaseprojetos, ainda que nem sempre materializados, provocaram~mimediato aumento do va r da terra e dos conflitos sociais,Incompatíveiscom as reI ivam aixas taxas de investimen-to,oCUpaçãoe produção. orne te 24% da área total da regiãoeStavamocupados por es produtivas em 1980, repre-sentando 7% das terras cultivadas no país.

211

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I

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Os assentamentos estão restritos às áreas ao longo das prin-cipais rodovias. Domínios agromercantis situados nas margensda floresta foram criados, favorecendo o crescimento da gran-de metrópole regional, Belém,edas capitais estaduais, que atuamcomo elos de articulação à cidade mundial. Surgiram elesapartirde programas de colonização e de cerca de 600 projetos agro-pastoris subsidiados de grandes empresas naciemais e estran-geiras, embora só 20% deles fossem efetivamente instalado.

Focos de modernidade estão representados pela Zona Fran-ca de Manaus, cidade que cresce hoje mais rapidamente queBelém, epelos grandes projetos de exploração mineral com sedenas company-towns -núcleos de produção e gestão - em joint-ventures ou isoladamente. Devido à recessão muadial do iníciodos anos 80, o investimento estrangeiro foi muito menor doque o esperado. Dos seis granaes projetos implantados segun-do os objetivos do programa, somente um é totalmente estran-geiro - Alcoa-Billington, o maior investimento estrangeiro jájeito noJkaSIl; A mais importanteempresiiê a estatal Cía. do'Vale do Rio Doce (CVRD), que nesse processo se transnacio-nalizou, diversificando atividades e ampliando sua participa-ção no mercado mundial. (Fig. 5.12)

Da estratégia de ocupação regional resultaram também in-tensos conflitos sociais e ecológicos. Com a expansão da pecu-ária, da exploração florestal e da mineração, verificou-se umdesmatamento a uma taxa exponencial. Estimativas do totaldesmatado na década são conflitivas e vão desde 12% (Mahar,1988),8,2% (Fearnside, 1986) até 5,1% (INPE), equivalentesa598.921 km2, 399.765 km2e 251.429 km2, respectivament,e,

O legado da modernização conservadora sobre o territónoé ambivalente. Asustentação do tripé levou o Estado a estendersua função reguladora e empresarial além de seu poder de gerarfundos públicos, esgotando assim sua capacidade de susten~ardomínios, de abrir fronteiras e negociar com o capital multinaclD-nal. O território foium instrumento de consolidação ecrescirnen-to do Leviatã, mas também expressão de sua vulnerabilidade.

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