BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

12

Click here to load reader

Transcript of BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

Page 1: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

1

BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

Heros Augusto Santos Lobo*

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Curso de turismo com ênfase em ambientes naturais. Laboratório de Planejamento e Organização do Turismo em

Ambientes Naturais – LabPOTAN. 0xx67 3411-9139/9140

Eixo temático: A Trilha Sub-eixo: Implantação e Manejo de Trilhas em Cavernas

Resumo As trilhas são equipamentos imprescindíveis para a execução do turismo em áreas naturais, servindo como estrutura de acesso e como oportunidade de desenvolvimento de diversas atividades e modalidades turísticas. As trilhas espeleoturísticas são concebidas sob a mesma lógica, mas com restrições em sua concepção, implantação e manejo, determinadas em função da conservação do ambiente cavernícola. Tais aspectos foram, a princípio, analisados em sua base teórica, considerando os impactos causados pela instalação das estruturas de visitação, o confinamento espacial e as respectivas restrições ao percurso de visitação e a fragilidade do ambiente cavernícola. Posteriormente, foram feitas observações de campo em trilhas nos roteiros de visitação de cinco cavidades naturais, no Vale do Ribeira, SP e na Serra da Bodoquena, MS. Conclui-se que nenhuma das trilhas espeleoturísticas analisadas atende integralmente os preceitos apontados, que são primordiais para a ampliação da sustentabilidade turística e conseqüente conservação do patrimônio espeleológico. Palavras-chave: Espeleoturismo; Implantação e Manejo de Trilhas; Planejamento Turístico. 1 Introdução

O turismo é um fenômeno que requer estruturas e elementos para sua existência e

manutenção, que vão dos fatores de atratividade, passando pela infra-estrutura básica do

núcleo receptor e culminando na infra-estrutura de atendimento ao turista. Além dos

aspectos mercadológicos, sobretudo potencialidade e infra-estrutura, o turismo também

possui outras esferas de análise, que nas palavras de Beni (2002), são o conjunto das

relações ambientais. Tal perspectiva deriva do entendimento do turismo como um sistema * Bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi – UAM. Especialista em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Mestrando em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Professor, pesquisador e atual coordenador do curso de Turismo com ênfase em ambientes naturais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS/Dourados, MS. Atual presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Espeleologia – SBE. Filiado à Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo – ANPTUR. [email protected]

Page 2: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

2

onde o ambiente social, ecológico, cultural, econômico e político, entre muitos outros,

interagem entre si e com seu meio externo.

No caso das áreas naturais, a complexidade e a fragilidade do meio devem ser à

base das limitações e possibilidades para o planejamento, a implantação e o manejo do

turismo, de forma a minimizar a alteração das características e parâmetros ambientais

(LOBO, 2006). As especificidades dessas áreas precisam ser levadas em conta no

processo de turistificação, como ocorre com as cavidades naturais.

Partindo dos pontos apresentados, o presente trabalho visa apontar e brevemente

analisar e discutir, as características mínimas para a implantação e manejo de trilhas em

cavidades naturais. Com isso, pretende-se apontar as principais diferenças existentes

entre as trilhas em ambientes amplos e no confinado espaço subterrâneo, de forma a

fornecer alguns subsídios para os planejadores e gestores de atividades turísticas. O foco

da discussão está centrado na atividade espeleoturística, segmento da atividade turística

carente de estudos no Brasil, sobretudo no que diz respeito às técnicas, procedimentos e

métodos de planejamento e gestão. Tal abordagem justifica o presente estudo ao admitir

para este trabalho a trilha como a base para o desenvolvimento da atividade turística em

áreas naturais, concentrando a análise nas trilhas espeleoturísticas – aquelas que se

localizam dentro das cavidades naturais.

Para a consecução dos objetivos propostos, foram a princípio executadas

pesquisas bibliográficas, considerando a escassez de material específico sobre o tema na

literatura disponível. Foram também realizadas observações diretas individuais de campo1

em duas áreas onde o espeleoturismo se desenvolve: Vale do Ribeira, nas Cavernas de

Santana e Morro Preto em Iporanga, SP e do Diabo, em Eldorado, SP; e na Serra da

Bodoquena, nas Grutas do Lago Azul e de São Miguel, em Bonito, MS. As pesquisas

bibliográficas forneceram os subsídios teóricos para as discussões apresentadas. Em

campo, buscou-se identificar as semelhanças e disparidades entre as bases teóricas e os

atuais processos de planejamento e gestão das trilhas espeleoturísticas nas cavidades

naturais observadas. O período de desenvolvimento das pesquisas se deu entre janeiro

de 2003 e março de 2006, com a organização do artigo ocorrendo entre os meses de

fevereiro a agosto de 2006.

1 Executadas durante os projetos de pesquisa: “A Percepção dos Impactos Ambientais do Ecoturismo no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira e nas Comunidades de Entorno”, Especialização em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais, UFLA, 2002-2003; e “Apropriação do Patrimônio Natural: Espeleoturismo na Serra da Bodoquena”, Mestrado em Geografia, UFMS, 2005-2006.

Page 3: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

3

2 As especificidades do espeleoturismo

As cavidades naturais possuem determinadas características que precisam ser

prioritariamente consideradas para o manejo turístico, indo além das fragilidades

normalmente encontradas em áreas naturais. Lobo (2006) ressalta que a presença de

zonas afóticas e o confinamento espacial – aqui acrescido de outras particularidades de

cunho geológico, geomorfológico, biológico, ecológico, meteorológico, arqueológico,

paleontológico e cultural – estão entre os pontos críticos do ambiente subterrâneo face à

atividade turística.

A análise destes fatores necessita de um cuidado especial. Ao mesmo tempo em

que um belo conjunto de espeleotemas proporciona beleza cênica – característica

fundamental para o turismo de contemplação – pode também ser composto de minerais

raros e/ou frágeis, o que, por vezes, torna-se incompatível com a presença humana. Do

ponto de vista meteorológico, os parâmetros de temperatura, umidade relativa do ar e

taxas de gás carbônico, podem variar de forma a prejudicar não só a biota, mas também a

composição mineral de alguns espeleotemas. Isto ocorre, sobretudo, em áreas com baixa

circulação de energia (HEATON, 1986), onde se observa uma situação paradoxal:

apresentam maior beleza cênica, mas são mais frágeis e de recuperação ambiental mais

lenta ou, por vezes, irreversível. Situações como estas demonstram a necessidade de

encarar os diversos aspectos do patrimônio espeleológico2 sob a dualidade da fragilidade

ambiental e da potencialidade turística (LOBO et al, 2006).

Em função do nível de detalhamento necessário e das características dos

ambientes subterrâneos, cria-se um nicho de estudos diferenciado dentro do turismo.

Apesar de os preceitos de sustentabilidade e conservação serem os mesmos, os

procedimentos, técnicas e métodos utilizados precisam ser adaptados, revistos ou até

mesmo desenvolvidos.

Em diversos lugares do mundo as cavidades naturais são tratadas como qualquer

outro ambiente, sendo por vezes modificadas ao extremo. Exemplo digno de nota desse

processo de espetacularização e artificialização da natureza são as “show caves”, modelo

de visitação espalhado por diversos países do mundo. Nestas cavidades naturais, as

estruturas e procedimentos de visitação são transformados em verdadeiros espetáculos,

2 A Resolução CONAMA 347/2004, artigo 2°, parágrafo III, define-o como “o conjunto de elementos bióticos e abióticos, socioeconômicos e histórico-culturais, subterrâneos ou superficiais, representados pelas cavidades naturais subterrâneas ou a estas associadas” (CONAMA, 2004, s.p.).

Page 4: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

4

com luzes coloridas, música ambiente, passarelas de concreto e estruturas metálicas,

visando a massificação do uso do ambiente. Não raro, são feitas intervenções estruturais

nas cavidades naturais, como a abertura de novos acessos na rocha matriz, fechamento

das entradas originais e conseqüente modificação das condições meteorológicas internas.

Entretanto, o que se propõe como norteador da presente discussão é a redução

dos impactos ambientais negativos e a estruturação física ambientalmente harmoniosa.

Tal postura vai ao encontro de uma perspectiva de uso que seja mais responsável e que

busca conciliar o uso turístico com a conservação ambiental.

3 A trilha: base para os roteiros espeleoturísticos

A implantação do espeleoturismo permeia diversos aspectos, que vão da

identificação do potencial de uso face as possíveis modalidades turísticas, passando

pelas fragilidades ambientais e culminando na formatação do roteiro de visitação. Os

roteiros, por sua vez, têm nas trilhas a sua base físico-estrutural, componente essencial

para o desenvolvimento da experiência turística.

Determinar um roteiro espeleoturístico apresenta algumas facilidades e, por outro

lado, diversas complicações. Um dos aspectos facilitadores está ligado às condições

geomorfológicas e estruturais das cavidades naturais.

Por se tratarem de feições subterrâneas de um relevo, as cavidades naturais

possuem grandes zonas desprovidas de iluminação, e nem sempre apresentam uma

considerável camada de solo em seu interior – muitas delas têm seu piso direto na rocha

matriz. Tais aspectos acarretam na diminuição e/ou eliminação de diversos impactos que,

para Soldatelli (2005), são comuns em trilhas, como a compactação do solo, a exposição

de raízes de plantas e os demais impactos na flora.

Por outro lado, os determinantes estruturais das cavidades naturais podem

apresentar limitações severas ao uso turístico. A começar pela restrição espacial, que

pode representar um dual componente psicológico: limitante para os turistas

convencionais e pessoas com problemas de claustrofobia; e instigante, mas por vezes

perigoso, para os aventureiros. Além disso, conforme apontam Boggiani et al. (2002), o

confinamento espacial se apresenta como um limitador para algumas alternativas de

manejo do ambiente, o que pode implicar na redução de métodos aplicáveis ao

espeleoturismo. Outros agravantes, também causados pelas limitações espaciais, são as

áreas que Heaton (1986) classifica como sendo de baixa circulação de energia. Em tais

Page 5: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

5

zonas das cavidades naturais, em função da baixa circulação do ar, da água e de outros

elementos que permitem a ciclagem energética do ambiente, a renovação ambiental é

muito lenta. Além disso, a presença de fauna endêmica e de vestígios arqueológicos e

paleontológicos, também pode vir a ser um fator que limite o uso turístico.

4 Implantação de trilhas espeleoturísticas

Consideradas as restrições impostas pelo ambiente e as potencialidades de uso,

tem-se a base para a implantação da trilha espeleoturística. Para sua estruturação, os

aspectos considerados levam em conta, sobretudo, a sua forma, materiais utilizados em

sua confecção, finalidade da trilha e a interpretação ambiental.

O primeiro aspecto a ser abordado é o uso do espaço subterrâneo. Andrade

(2003) aponta basicamente três formatos para as trilhas: lineares, circulares e em forma

de oito. O autor ressalta que as trilhas circulares e em forma de oito são mais

interessantes para uso turístico, pois auxiliam na dispersão dos impactos ambientais – o

turista não volta pelo mesmo caminho – e ampliam as oportunidades de visitação.

Ressalta ainda que as trilhas em formato de oito são mais interessantes para áreas

pequenas, de forma a aproveitar melhor o espaço. Para o espeleoturismo, ambas as

possibilidades ressaltadas como ideais possuem poucas oportunidades de uso. Isso

porque o espaço confinado das cavidades naturais normalmente condiciona um caminho

único de visitação. Isso pode ser observado na íntegra na Caverna do Diabo, em

Eldorado, SP, onde não existem caminhos alternativos; e parcialmente na Caverna de

Santana, Iporanga, SP, com parte do circuito de visitação, um total de 160,95 metros,

servindo tanto para entrada quanto para saída da cavidade. Em cavidades com mais de

um acesso, como é o caso da Gruta de São Miguel, em Bonito, MS e da Caverna

Alambari de Baixo, em Iporanga, SP, o trajeto linear se torna um atrativo a mais para o

turismo, sendo a travessia mais um componente do imaginário que contribui para a

experiência de visitação. Outras cavidades, como a Gruta do Lago Azul, em Bonito, MS e

a Caverna Laje Branca, em Iporanga, SP, permitem, por sua estrutura física, a formatação

de trilhas circulares – com trajetos que saem e retornam ao mesmo ponto de origem, mas

por caminhos distintos. Entretanto, até o presente, por questões ligadas à sua gestão,

ambas ainda possuem trilhas lineares, com os turistas indo e voltando pelo mesmo

caminho.

Page 6: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

6

De uma forma geral, a restrição das possibilidades de implantação de trilhas

circulares, em oito ou travessias, deve ser considerada como agravante para a visitação

turística, pois restringe as oportunidades de visitação e amplia os impactos ambientais

numa única área da cavidade.

As estruturas de acesso utilizadas em trilhas espeleoturísticas não diferem muito

das demais trilhas de uso turístico. Normalmente as adaptações feitas a título de facilitar o

acesso aos turistas e promover sua segurança são as pontes, parapeitos, corrimãos,

escadas e deques. O que deve ser diferente nesses casos são os materiais utilizados

para a confecção de tais estruturas, embora isso de fato ainda não aconteça em larga

escala nas áreas pesquisadas.

Autores como Andrade (2003) e Ceballos-Lascurain (1998) apontam direta e

indiretamente a madeira como sendo um dos melhores materiais para a confecção de

estruturas em trilhas. A madeira apresenta um aspecto natural e harmonioso com o

ambiente, de forma a não descaracterizar em demasia as trilhas em relação ao seu

entorno. Nas cavidades naturais, o uso de madeira, apesar de não ser raro, não pode ser

apontado como o mais apropriado. Isso porque a madeira entra em decomposição,

propiciando a proliferação de colônias de bactérias e fungos, que podem alterar a

ciclagem de nutrientes do ecossistema cavernícola além das possibilidades de

contaminação. Recomenda-se então que as escadas, pontes, parapeitos e demais

estruturas, quando não puderem ser confeccionadas por meio de blocos rochosos

rejuntados por argamassa ou similares (ANDRADE, 2003; MITRAUD, 2001), o sejam

feitos em materiais menos sujeitos à decomposição, com o aço cortem (BOGGIANI et al.

2002) ou o aço inoxidável (LOBO, 2006). O uso de concreto e alvenaria também deve ser

considerado, desde que com parcimônia e prudência. Estruturas que destoem totalmente

do ambiente, como é o caso das passarelas da Caverna do Diabo, devem ser evitadas a

todo custo, pois o impacto visual pode ir muito além dos benefícios obtidos.

Quanto ao substrato das trilhas, alguns exemplos em trilhas ao ar livre apresentam

sucesso na diminuição dos impactos físicos diretos e indiretos do turismo, como a

compactação do solo, exposição de raízes, formação de poças d’água e ravinamento,

entre outros. Na região da Serra da Bodoquena, alguns substratos utilizados em trilhas de

conhecidos atrativos têm demonstrado eficiência nesse sentido. Como exemplos, a

aplicação de pedriscos no Recanto Ecológico Rio da Prata, em Jardim, MS, bolachas de

madeira de reaproveitamento no Rio Sucuri, em Bonito, MS e passarelas de madeira

Page 7: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

7

suspensas, em áreas lodosas, sujeitas a alagamentos e margens de rios e proximidades

de cachoeiras, na Estância Mimosa, Bonito, MS.

No caso das cavidades naturais, não foram encontrados exemplos de utilização de

substratos nas trilhas internas, com exceção aos locais de transposição de desníveis,

onde se podem ver blocos rochosos fixados por meio de argamassa ou travados com

madeira. Como já dito anteriormente, dado que o substrato das cavidades naturais

normalmente é composto pela própria matriz rochosa, diminuem-se as possibilidades de

impactos pela visitação e, portanto, as necessidades de intervenção. Todavia, caso se

faça necessário o uso de substratos em áreas específicas da cavidade, como em bancos

de sedimentos e/ou areia, por exemplo, sugere-se tomar ao menos dois cuidados iniciais:

verificar se o local não é resultado da calcificação gerada pela espeleogênese, o que

implicaria no mínimo em análises de cunho paleontológico e arqueológico; e usar

substratos mais inertes, como pedriscos. Não se recomenda o uso de madeira, pelos

motivos já explicitados.

A estruturação das trilhas espeleoturísticas deve também levar em conta as

características do tipo de turista que pretende atingir e as oportunidades de interpretação

ambiental. O perfil dos turistas de aventura exige menos estrutura física construída do que

o dos turistas de contemplação. Isso porque a sensação de risco é componente básico da

aventura (SPINK et al., 2004), enquanto a segurança percebida é ponto primordial para

que a contemplação do ambiente possa se dar de forma satisfatória.

Outro estudo, realizado por El-Dash; Scaleante (2005), explica que existem três

grupos de visitantes de cavidades naturais: os detalhistas, os aventureiros e os místicos.

Destes, destacam-se os detalhistas, para os quais as informações sobre as curiosidades

do ambiente subterrâneo são componentes fundamentais para o melhor aproveitamento

da experiência turística. Ressalta-se daí a importância da interpretação ambiental quando

do planejamento das trilhas, de forma a oportunizar, por meio de um planejamento do

roteiro de visitação que contemple características distintas da cavidade, o aprendizado em

conjunto com o lazer.

5 Métodos e técnicas de manejo de trilhas espeleoturísticas

Os procedimentos de manejo de trilhas espeleoturísticas também sofrem

restrições ao uso, a exemplo do que ocorre quando de sua concepção e construção. Os

maiores limitantes aos métodos e técnicas conhecidos estão ligados ao confinamento

Page 8: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

8

espacial. A falta de alternativas de uso, em função de muitas vezes existir uma única

possibilidade de caminho, termina por anular alguns dos métodos consagrados ao manejo

de áreas naturais, como o Limite de Aceitação de Câmbio – LAC e o Visitors Impact

Management – VIM. Por outro lado, o cálculo da capacidade de carga pelo método

proposto por Cifuentes pode ser executado nas trilhas espeleoturísticas. Exemplos disso

são as propostas de Boggiani et al. (2002) para a Gruta do Lago Azul e de Lobo (2005)

para a Caverna Santana – esta última, em caráter preliminar.

O método de Cifuentes se divide em três fases: o cálculo da capacidade de carga

física, que propõe a relação entre o espaço disponível e ocupado pelos turistas e o tempo

de visitação; a capacidade de carga real, que leva em conta os fatores ambientais –

bióticos e abióticos – que podem limitar a visitação; e a capacidade de carga efetiva, que

submete ao cálculo a capacidade de manejo do órgão gestor da área. A identificação dos

fatores de correção é um das fases mais importantes do processo em termos

conservacionistas, e leva em conta situações-problema como: chuva, alagamentos

temporários, horas de exposição ao sol, declividade, grau de dificuldade e compactação

do solo (ARIAS et al., 1999).

Todavia, o método de Cifuentes é utilizado e criticado em escala praticamente

igual, principalmente em função de sua proposição altamente quantitativa de análise.

Muitos fatores, de ordem comportamental e cognitiva não são facilmente adaptáveis aos

procedimentos propostos, pois raramente podem ser quantificados. No caso das trilhas

espeleoturísticas, outras questões precisam também ser consideradas:

a. A falta de parâmetros cientificamente comprovados para a composição da fase de

cálculo da capacidade de carga real. O ambiente subterrâneo não permite que

fatores como a chuva, o sol e a compactação do solo sejam amplamente

utilizados. Por outro lado, fatores específicos raramente são considerados, em

função da falta de estudos que comprovem as relações de interferência entre o

turismo e o ambiente cavernícola. Alguns poucos exemplos são citados por

Boggiani et al. (2002), que sugere considerar a emissão de Radônio como fator de

correção; e por Lobo (2005), que aponta para os níveis de circulação de energia

como outra possibilidade. Em ambos os casos, a validação dos fatores apontados

fica prejudicada pela falta de estudos mais aprofundados;

b. O fato de algumas cavidades naturais permitirem apenas um caminho de visitação

pode vir a ser problemático, dado que a Capacidade de Carga foi desenvolvida a

Page 9: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

9

princípio para trilhas aonde o caminho de ida e de volta não venham a coincidir. A

adaptação da metodologia para trilhas onde o turista retorna pelo mesmo caminho

ainda não foi posta à prova.

Embora alguns métodos de controle de visitação não sejam totalmente aplicáveis

ao manejo das trilhas espeleoturísticas, algumas de suas premissas podem ser

consideradas. Destacam-se os fechamentos temporários e a educação ao turista.

Os fechamentos temporários podem ser adotados de forma a mitigar os impactos

de visitação em determinadas épocas do ano, sobretudo quando existirem dificuldades de

recuperação das condições meteorológicas. Duas possibilidades podem ser consideradas

nesse sentido. Na forma mais simples, propõe-se, por exemplo, o fechamento regular do

circuito de visitação, ou parte dele, em um dia da semana, dando um maior espaço de

tempo para a recomposição ambiental. Por outro lado, admite-se o fechamento em

determinada temporada do ano. Embora tal proposta seja mercadologicamente menos

interessante, pode apresentar melhores resultados na conservação do ambiente,

sobretudo se forem consideradas as mudanças na circulação do ar dentro das cavidades

naturais em função das estações do ano, apontadas em Llopis-Lladó (1970).

A educação ao turista complementa o manejo das trilhas espeleoturísticas. Muitos

dos impactos gerados pela visitação derivam do comportamento por vezes inadequado

dos turistas. Estabelecer limites comportamentais pode vir a ser uma estratégia de

mitigação dos impactos negativos decorrentes de suas atitudes. Deve-se ter o cuidado

para que as limitações não soem como proibições, o que poderia ser assimilado de forma

negativa. Nesse sentido, recomenda-se o uso de técnicas de interpretação ambiental, que

ampliem as oportunidades de visitação e que conduzam a experiência do turista de forma

agradável e proveitosa. Conhecer e compreender os motivos dos limites de visitação pode

transformar as sensações dos turistas, indo da frustração por não poder fazer algo, ao

comprometimento com o ambiente visitado.

Por fim, a Tabela 1 apresenta um resumo das cavidades analisadas,

demonstrando até que ponto atendem aos preceitos e métodos abordados no presente

artigo.

Page 10: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

10

Tabela 1 – Situação geral das trilhas espeleoturísticas pesquisadas

3 Equipamentos utilizados para a iluminação, funcionam a base de Carbureto de Cálcio, produto que gera o gás Acetileno, o qual por sua vez permite o fogo em um bico acoplado ao capacete. As pesquisas de Scaleante (2003) apontaram que são danosas ao ambiente.

Perspectiva sustentável para o

espeleoturismo

Aspecto Analisado

Caverna de Santana

(Iporanga, SP)

Caverna Morro Preto

(Iporanga, SP)

Caverna do Diabo (Eldorado, SP)

Gruta de São Miguel

(Bonito, MS)

Gruta do Lago Azul (Bonito, MS)

Conciliar o uso das potencialidades ambientais e a mitigação dos impactos negativos.

Demarcação da trilha

Trilha demarcada, total 486,34 metros. A visitação passa por áreas de baixa circulação de energia.

Não existe uma definição da trilha. Sua estrutura física possibilitaria a implantação de trilhas circulares.

Trilha demarcada. Concilia o uso turístico com áreas de alta circulação de energia.

Trilha demarcada, atravessa a cavidade, aproveitando as áreas de alta circulação de energia.

Trilha demarcada, com retorno pelo mesmo percurso, apesar da possibilidade de implantação de uma trilha circular.

Construir as feitorias em materiais menos impactantes (aços cortem ou inoxidável, blocos de rochas e alvenaria).

Pontes ou passarelas; escadas; corrimãos; parapeitos; deques.

As pontes e escadas são em madeira, com suportes e passarelas em blocos rejuntados com argamassa e corrimãos em taquara.

Duas escadas, em madeira.

Possui escadas desmontáveis para manutenção fora da cavidade, em metal e madeira.

Escadas em blocos rejuntados com argamassa.

Evitar a compactação do solo.

Substrato da trilha

- -

A trilha é composta por passarelas, escadas, substrato e demais estruturas em concreto. Cobre quase todo o percurso de visitação. Corrimãos em metal.

- -

Estabelecer limites e critérios para a visitação turística.

Métodos e/ou técnicas de manejo

A maior parte da cavidade é restrita ao turismo. Não existem limites estipulados para o número de turistas no circuito de visitação. Permite o uso de carbureteiras3.

Os limites de visitação nem sempre são respeitados. Não existem limites estipulados para o número de turistas no circuito de visitação. Permite o uso de carbureteiras.

Estruturada para o turismo de massa, contando inclusive com iluminação artificial. Não existem limites estipulados para o número de turistas no circuito de visitação.

Dotada de Plano de Manejo, que estipula limites de visitação. O número de visitantes tem por base a capacidade de atendimento do empreendimento.

Dotada de Estudos de Impactos Ambientas (EIA-RIMA), embora este não seja respeitado na íntegra. Visitação limitada pela Capacidade de Carga (método de Cifuentes).

Page 11: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

11

6 Considerações Finais

De um modo geral, considerando-se as técnicas e materiais de construção,

bem como os métodos de manejo, pode-se dizer que a Gruta de São Miguel, em

Bonito, MS, é a única que melhor se aproxima dos ideais ora apontados. Todas as

demais carecem de substanciais adaptações, para que possam vir a apresentar

aspectos menos danosos ao ambiente cavernícola. Os maiores extremos nesse

sentido são a Caverna de Santana, em Iporanga, SP, e a Caverna do Diabo, em

Eldorado, SP.

Além disso, destaca-se que em sua concepção teórico-prática, a trilha tem sido

normalmente entendida tão somente como o acesso até a cavidade natural. A

implantação e manejo de trilhas para a composição de roteiros espeleoturísticos ainda

é um campo novo dentro dos estudos e pesquisas do turismo. As bases e

procedimentos até o presente utilizadas, em sua maioria, não foram desenvolvidas em

função das especificidades do ambiente cavernícola. Novos métodos e materiais

precisam ser desenvolvidos, testados e validados de forma a contribuir com a

ampliação da sustentabilidade das trilhas e demais componentes do espeleoturismo.

Referências Bibliográficas ANDRADE, Waldir Joel de. Implantação e manejo de trilhas. In: MITRAUD, Sylvia (org.) Manual de ecoturismo de base comunitária. Brasília: WWF, 2003. 470 p. ARIAS, Miguel Cifuentes. et al. Capacidad de carga turística de las áreas de uso público del Monumento Nacional Guayabo, Costa Rica. Turrialba: CATIE/WWF, 1999. 75 p. BENI, Mário Carlos. Análise estrutural do turismo. 7.ed. São Paulo: SENAC, 2002. 516 p. BOGGIANI, Paulo César. et al. Estudo de impacto ambiental da visitação turística do Monumento Natural Gruta do Lago Azul – Bonito, MS. Campo Grande: UFMS, 2002. Versão digital. CEBALLOS-LASCURAIN, Hector. Ecoturismo, naturaleza y desarrollo sostenible. Cidade do México: Diana, 1998. 185 p. EL-DASH, Linda Gentry; SCALEANTE, Oscarlina Aparecida Furquim. Atitudes de freqüentadores de cavernas: um estudo usando metodologia “Q”. In: Congresso

Page 12: BASES PARA A IMPLANTAÇÃO E MANEJO DE TRILHAS ESPELEOTURÍSTICAS

12

Brasileiro de Espeleologia, 28, 2005, Campinas, SP. Anais. Campinas: SBE, 2005. CD-ROM. HEATON, Timothy. Caves: a tremendous range in energy environments on earth. National Speleological Society News, Huntsville, v. 08, n. 44, p. 301-4. 1986. LLOPIS-LLADÓ, Noel. Fundamentos de hidrogeología Cárstica: introducción a la geoespeleologia. Madrid: Blume, 1970. 269 p. LOBO, Heros Augusto Santos. Considerações preliminares para a reestruturação turística da Caverna de Santana – PETAR, Iporanga, SP. In: Congresso Brasileiro de Espeleologia, 28, 2005, Campinas. Anais. Campinas: SBE, 2005. CD-ROM. ______. Fundamentos básicos do espeleoturismo. Dourados: UEMS, 2006. No prelo. ______. et al. Relatório final de pesquisa: Levantamento do potencial espeleoturístico do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Dourados: UEMS, 2006. p.i. MITRAUD, Sylvia F. (coord.) Uso recreativo no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha: um exemplo de planejamento e implantação. Brasília: WWF Brasil, 2001. 97 p. SCALEANTE, José Antonio Basso. Avaliação do impacto de atividades turísticas em cavernas. Campinas: UNICAMP, 2003. Dissertação (Mestrado em Geociências), Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas. 2003. SOLDATELI, Márcio. Impactos ambientais negativos no contexto do turismo de natureza. In: TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi. et al. (eds.) Análises Regionais e globais do turismo brasileiro. São Paulo: Roca, 2005. 934 p. SPINK, Mary Jane P. et al. Onde está o risco? Os seguros no contexto do turismo de aventura. Psicologia & sociedade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 81-9, maio-ago. 2004.