barreiras conceituais na geografia: o problema visual da paisagem.

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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 5139 BARREIRAS CONCEITUAIS NA GEOGRAFIA: O PROBLEMA VISUAL DA PAISAGEM. TARSO GERMANY DORNELLES RUTH E. NOGUEIRA Resumo As pessoas com deficiência sofrem limitações de barreiras ocasionadas pela sociedade. As quais impedem que estas pessoas executem suas necessidades diárias independentemente. Os conceitos acadêmicos também podem ser limitadores da compreensão do mundo tanto para pessoas com deficiência quanto para pessoas que são definidas como “normais”. Pois estes conceitos não contemplam a todos. O exemplo de barreira que nos propomos a discutir nesse artigo é a barreira conceitual ocasionada pelo conceito de paisagem na perspectiva da Geografia. O qual por vezes pode excluir pessoas cegas e pessoas que vêem diferente das ditas “normais”. Palavras-chave: Paisagem; Barreiras conceituais; deficiência; Modelo social; Abstract The people with disability suffer limitations caused by barriers imposed by society and preventsto do their daily needs independently. The academic concepts also can be limiters of the understandingof the world to "normal" people and to the people with disability. These concepts do not include all of them.The example of barriers that we are going to propose in this article is the conceptual caused by the conceptof landscape from the perspective of geography that can exclude blind people and the others that see different from the usually said "normal". key words: landscape; conceptual barriers; disability; social model. 1- Introdução A discussão que pauta este artigo surgiu na disciplina Deficiência e Contemporaneidade, ministrada pelos professores Adriano Henrique Nuernberg e Marivete Gesser no segundo semestre de 2014 no programa de pós graduação em psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Durante uma das aulas onde

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

5139

BARREIRAS CONCEITUAIS NA GEOGRAFIA: O PROBLEMA

VISUAL DA PAISAGEM.

TARSO GERMANY DORNELLES

RUTH E. NOGUEIRA

Resumo

As pessoas com deficiência sofrem limitações de barreiras ocasionadas pela

sociedade. As quais impedem que estas pessoas executem suas necessidades

diárias independentemente. Os conceitos acadêmicos também podem ser

limitadores da compreensão do mundo tanto para pessoas com deficiência quanto

para pessoas que são definidas como “normais”. Pois estes conceitos não

contemplam a todos. O exemplo de barreira que nos propomos a discutir nesse

artigo é a barreira conceitual ocasionada pelo conceito de paisagem na perspectiva

da Geografia. O qual por vezes pode excluir pessoas cegas e pessoas que vêem

diferente das ditas “normais”.

Palavras-chave: Paisagem; Barreiras conceituais; deficiência; Modelo social;

Abstract

The people with disability suffer limitations caused by barriers imposed by

society and preventsto do their daily needs independently. The academic concepts

also can be limiters of the understandingof the world to "normal" people and to the

people with disability. These concepts do not include all of them.The example of

barriers that we are going to propose in this article is the conceptual caused by the

conceptof landscape from the perspective of geography that can exclude blind

people and the others that see different

from the usually said "normal".

key words: landscape; conceptual barriers; disability; social model.

1- Introdução

A discussão que pauta este artigo surgiu na disciplina Deficiência e

Contemporaneidade, ministrada pelos professores Adriano Henrique Nuernberg e

Marivete Gesser no segundo semestre de 2014 no programa de pós graduação em

psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Durante uma das aulas onde

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cegueira e deficiência visual foram o foco do debate, o professor comentou que um

tipo de barreira que pessoas com deficiência enfrentam são as barreiras conceituais,

as quais ainda não possuem uma definição do que as caracterizam. Portanto como

nossa pretensão é de discutir em nossa dissertação a barreira que por vezes o

conceito de paisagem ocasiona para pessoas cegas e pessoas que não vêm como

as outras, faremos uso desta idéia e discutiremos o por que o conceito de paisagem

pode ser uma barreira e também buscaremos compreender estas barreiras e suas

características.

Para isso realizaremos uma revisão bibliográfica com objetivo de apresentar a

discussão de alguns temas. Inicialmente revisaremos a mudança de paradigma

referente o significado de deficiência, passando pelo modelo biomédico, pelo modelo

social da deficiência e por fim a discussão mais recente do modelo social,. Também

buscaremos conceituar os tipos de barreiras que a sociedade produz para as

pessoas com deficiência, estas barreiras podem ser: físicas, comunicacionais,

sociaise atitudinais, podendo também ocorrer duas ou mais simultaneamente. Assim

compreendendo o significado e o que constitui os tipos de barreiras buscaremos

compreender o conceito de paisagem e o porque este pode caracterizar uma

barreira conceitual.

A partir disso mostraremos brevemente algumas formas que se conceitua

paisagem para que haja uma compreensão dos limites e das possibilidades deste

conceito. Nossa revisão passou principalmente pela geografia crítica de Milton

Santos e pelas novas propostas que a Geografia cultural trouxe fazendo uso dos

sentidos na compreensão da paisagem.

2- Uma importante explicação do que compreendemos como deficiência

As pessoas com deficiência durante muito tempo foram vistas em nossa

sociedade como doentes, sendo que estas pessoas até metade do século XX no

Brasil eram afastadas das pessoas “normais”, portanto sua participação na

sociedade passou a tomar força mais para o fim do século passado. Esta crença de

que pessoas deficientes são doentes provem de um paradigma nomeado como

modelo biomédico da deficiência. Este modelo caracteriza-se pela busca constante

da “normalização” de todas as pessoas que não seguem um padrão proposto

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socialmente, alem disso a cura dessa “diferença” é um de seus objetivos, seja

através de tratamentos psicológicos ou de intervenções cirúrgicas.

Como demonstra (MARTINS 2012) neste modelo as pessoas com deficiência

eram definidas como passivas e necessitavam de cuidados constantes, com isso o

foco da reabilitação era na pessoa, pois a deficiência era um fator do individuo.

Ainda acreditava-se que o processo de decisão destas pessoas deveria partir dos

profissionais da área, retirando o poder decisório de suas mãos, o que segundo o

autor levou as desigualdades sociais que as pessoas com deficiência sofrem hoje,

estas desigualdades são centrais por que a relação de poder existente entre

pessoas com deficiência e estes profissionais ocasionou uma desqualificação das

perspectivas destes indivíduos.

O que mais evidenciou a concepção que este modelo transmitia para a

sociedade foi o catálogo internacional de classificação da deficiência elaborado pela

organização mundial de saúde em 1980, a OMS propunha uma classificação em três

partes, onde segundo (diniz, 2003) em primeiro plano estava a lesão, em segundo a

deficiência e por fim as limitações sociais impostas ao individuo. Este documento

desde seu principio foi duramente criticado, pois como (DINIZ 2003) e (MARTINS

2012) apontam, existia a individualização da deficiência, onde o “problema” provinha

do corpo, da pessoa. Estes autores também demonstram que neste documento

existia uma comparação do corpo com deficiência a partir de uma perspectiva de

normalidade, o que levava a acreditar que as pessoas deveriam ser mais adaptáveis

que a sociedade e do que os ambientes.

Este paradigma ganha concorrência na década de setenta, onde alguns teóricos do

reino unido mostram uma nova forma de se pensar a deficiência. Esta nova forma é

chamada de modelo social da deficiência. A discussão destes pesquisadores partia

do principio de que a deficiência ao invés de ser um problema do individuo era uma

forma de opressão social, onde deficientes constituíam uma minoria, assim como

mulheres, negros, etc. Dois argumentos são trazidos por (DINIZ 2003) para

contextualizar o que foi construído pelos autores do modelo social.

O primeiro aponta que a lesão corporal não determina, nem explica os

motivos da ocorrência de pessoas com deficiência serem subalternas socialmente e

politicamente. Aqui uma questão conceitual se apresenta, pois para estes teóricos,

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lesão é uma expressão biológica no corpo do individuo, já a deficiência é uma

expressão sociológica onde a deficiência parte de uma definição social que torna a

pessoa deficiente. Por isso que uma limitação corporal do individuo não pode

explicar qualquer forma de diferenciação social, assim como apontam os debates

feministas, que segundo a autora retiraram a culpa de sub alternidades da natureza

com a criação dos conceitos de sexo e gênero, onde o modelo social se baseou.

Onde lesão se aproxima do conceito de sexo, ou seja, uma definição biológica

“isenta de sentido.” (Diniz 2003, p. 2). Enquanto deficiência se aproxima de gênero,

que se consiste apenas em construções da sociedade.

O segundo argumento que Diniz apresenta trata que se a deficiência não é

um problema biológico, mas sim social, as soluções não estão no individuo ou no

tratamento, mas sim estão em ações políticas. Pois o que estes teóricos propunham

os posicionava contra qualquer forma de direcionar o problema para o individuo,

retirando a idéia de tragédia pessoal, principalmente porque a deficiência é resultado

de construções sociais. Diniz reforça que os teóricos do modelo social não eram a

favor de estudos médicos e tecnológicos relacionados a deficiência, mas sim não

concordavam com estas serem as únicas medidas tomadas frente as desigualdades,

pois como visto para eles o individuo não era mais o deficiente, a sociedade é quem

deficientiza as pessoas.

Estas críticas que cresceram constantemente a partir da difusão do modelo

social e a importância que a forma de se ver a deficiência tiveram na luta destas

pessoas levou a OMS lançar um novo documento em 2001 modificando os

parâmetros de compreensão do que seria deficiência. O próprio nome -

Classificação Internacional de Funcionamento Deficiência e Saúde - já evidencia

uma mudança, onde antes o ponto de partida era o individuo e seu corpo, agora

existe a busca pela compreensão da relação do que é a deficiência e quais as

limitações e dificuldades que esta pessoa enfrenta no seu ambiente diário. (DINIZ

2003) mostra que esta nova classificação permite uma maior compreensão entre

lesão e funcionalidade, ela menciona o exemplo que existe a possibilidade de se

avaliar desde as limitações de idosos, até crianças com paralisia cerebral, e isso só

é permitido por uma mudança de paradigma da deficiência. Outra vitória importante

é que a lesão pode estar separada da deficiência, o exemplo que a autora utiliza é

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de que um cadeirante em um ambiente adaptado não será deficiente neste

ambiente. “O conceito de deficiência passa a ser uma classificação neutra frente à

diversidade corporal humana e, não mais um destino da natureza imposto pela

lesão.” (Diniz 2003, p. 3).

A partir deste documento é constituído segundo (MARTINS 2012) um novo

modelo denominado de biopsicossocial da deficiência. Este acredita que as

categorias utilizadas para análise da nova classificação são suficientes na

explicação do que é a lesão, a deficiência e suas relações com a sociedade, as

categorias são: funções do corpo, estruturas do corpo, atividades e participação, e

fatores ambientais. Mas teóricos do modelo social da deficiência continuam as

críticas referente a OMS, onde agora o principal ponto de choque segundo

(MARTINS 2003) é de que ainda é priorizado o modelo médico, pois os aspectos

sociais são apontados apenas como ambientais,enquanto para estes autores que

fazem a crítica estes aspectos sociais vão muito alem.

Um outro paradigma que através de criticas trouxe evolução aos debates do

modelo social da deficiência é a critica feminista. Pois como é sabido os primeiros

teóricos do modelo social eram homens, cadeirantes e que faziam parte de uma elite

dentre os deficientes. Segundo (Diniz 2003) mesmo estes sendo baseados no

materialismo histórico para fazer sua critica frente ao modo que a sociedade

reconhecia as pessoas com deficiência, sua principal discussão partia do principio

da inclusão destas pessoas no mercado de trabalho. Por isso nos ateremos em uma

das criticas apontada pela autora ao modelo social, o principio de que a igualdade

parte da independência.

Como o discurso fazia crer que a autonomia levaria as pessoas com

deficiência a entrarem no mercado produtivo, as autoras feministas acreditam que

apenas uma parcela dos deficientes eram contemplados nesta perspectiva. A

grande valorização da independência poderia vir a ser uma idéia perversa para

muitas pessoas com deficiência que talvez nunca pudessem vir a ser

independentes. O exemplo que a autora utiliza é de que não importa o tamanho dos

ajustes que fossem realizados algumas pessoas nunca viriam a ser produtivos no

contexto social onde vivemos. A crítica feminista faz uso do conceito de

interdependência como oposição ao conceito de independência. Este argumento

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parte do ponto que todos em algum momento da vida somos dependentes de outro

e isso que nos torna iguais.

Neste trabalho buscamos mostrar uma área da academia que esquece da

importância de diferentes formas de sentir o mundo. A construção conceitual vem a

partir da forma que as pessoas reconhecem o mundo, se essas pessoas que tem a

hegemonia acadêmica vêem, elas construirão conceitos a partir da sua visão, e

assim pessoas que não vem são excluídas das diferentes discussões acadêmicas

que poderiam vir a ser mais diversificadas e constituídas de outros pontos de vista

que não só o hegemônico, isto vale para outras diversidades como deficiências

variadas e outros grupos de pessoas que são oprimidas socialmente, como

mulheres, negros, entre outros. Para isso buscaremos construir uma investigação

emansipatória onde é deixada de lado a neutralidade da ciência e busca-se a

libertação das pessoas através do reconhecimento de suas necessidades. Martins

define investigação emancipatória como “a capacitação das pessoas com deficiência

através da transformação das condições materiais e sociais de produção da

investigação" ( Martins apud Barnes, 2012, p. 48). O autor ainda indica a

necessidade da politização dos trabalhos científicos, para que haja um maior

compromisso com as pessoas e como dito anteriormente, suas necessidades.

A partir disso teremos necessidade de fazer uso do modelo social da

deficiência, de forma a compreendermos as diferensas e respeita-las para que

nosso artigo parta do pressuposto que todos somos dependentes uns dos outros e

que em algum momento todos somos deficientes. Já que constantemente a

sociedade reproduz e evidencia a exclusão, seja nas suas formas, impedimentos

físicos, ou em ações que geram barreiras de conteúdo, este trabalho utilizará o

modelo social com idéia de tentar subverter alguns pensamentos constituídos na

academia para apontar sua hegemonia dos iguais.

3- Barreiras

Para conceituarmos barreiras necessitamos compreender o que é

acessibilidade, a NBR 9050/2004, define como a possibilidade de alcance,

percepção e entendimento para a utilização com autonomia de espaços, edificações,

equipamentos urbanos, entre outros. Estes devem permitir o alcance acionamento,

uso e vivencia de qualquer pessoa. É importante observarmos que esta

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acessibilidade não trata apenas de uma perspectiva física, o acesso a comunicação

e a informação também são necessários para a utilização dos lugares e serviços.

Com isso a compreensão do que são barreiras nos fica evidente, é qualquer

impedimento que limite alguma pessoa de circular, se informar, participar, etc. Desta

forma (Elali 2010) conceituou os tipos de barreiras existentes na sociedade, ela as

define como: físicas, comunicacionais, sociais e atitudinais. Importante observarmos

que uma forma não impede a outra de existir, portanto a simultaneidade entre

barreiras é possível.

As barreiras físicas se definem em impedimentos ocasionados pelo meio

físico, como calçadas sem rampas de acesso para cadeirantes, diferença de nível

em calçadas, entre outros. A autora classifica barreiras comunicacionais como as

que não permitem a pessoa ter acesso a informação, bons exemplos são a falta de

áudio descrição na televisão, a não existência de mapas táteis em prédios. Esta

barreira também traz dificuldades nas tecnologias, por exemplo um site com fotos

onde as fotos não possuem descrição. Estas barreiras alem de tudo podem trazer

dificuldades na comunicação, onde pessoas com algum tipo de deficiência deixam

de receber informações, por não ouvirem, não enxergarem ou qualquer outra

dificuldade.

Barreiras sociais são aquelas que alguma diferença que não é considerada

“normal” em nosso modelo de sociedade leva a pessoa a situação de exclusão, um

ótimo exemplo são as pessoas com deficiência que até hoje em alguns lugares são

vistos como incapazes e por isso tem dificuldade de serem incluídos no mercado de

trabalho assim sua lesão, já o leva a uma condição de deficiência, e sua deficiência

leva a dificuldades financeiras.

Por fim, a ultima forma de barreira que apresentamos que foi exposta por

(Elali 2010) são as barreiras atitudinais, aonde de forma intencional ou não,

indivíduos ou grupos impedem alguma forma de acesso a outras pessoas. Um bom

exemplo é quando camelôs montam suas bancas sobre o piso podotátil dificultando

a passagem de pessoas cegas e por vezes até de outras pessoas. Um exemplo que

é grave é quando pessoas acreditam que por alguma deficiência alguém não tem

condições de realizar algo e não permitem que ela tente, como pais não permitirem

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que seus filhos cegos saiam na rua na adolescência por julgarem que eles não são

capazes.

Muitas das vezes estas barreiras não estão sozinhas, o que com certeza traz

mais problemas. Um exemplo disso são sites sem descrição nas fotos como

mencionado antes, é ocasionada uma barreira comunicacional, pois quem não vê

não tem acesso aquela informação, mas também é uma barreira atitudinal, pois é

uma questão de atitude dos construtores dos sites de colocar ou não uma descrição

em suas imagens.

3.1. Uma proposta de barreira conceitual

Com nossa idéia do que são barreiras mais consolidada, buscamos identificar

o que poderia vir a ser uma barreira conceitual. Este termo foi utilizado pelo

professor Adriano Nuernberg na aula do dia 07 de outubro de 2014, onde ele

apontou a necessidade de se pensar as formas que um conceito construído por

pessoas que vêem podem limitar a compreensão de pessoas que não enxergam.

Como mencionamos anteriormente as ciências são construídas por poucas pessoas,

na maior parte das vezes estas fazem parte de um grupo onde existe uma aparente

“normalidade”. Poucos “diferentes” conseguem romper esta padronização, sejam

eles negros, mulheres, deficientes, entre outras minorias que por diversos motivos

tem dificuldade de formação e principalmente para alcançarem níveis superiores de

ensino e pós graduação.

Então como estas pessoas na maior parte das vezes não são convidadas a

fazerem ciência, os conceitos que constituem as relevâncias metodológicas e

epistemológicas das ciências não contempla estas pessoas. Assim sendo o autor

que é cego se propôs em indicar as barreiras que o conceito de paisagem provindo

da Geografia pode ocasionar nos estudos de uma pessoa cega.

4. A paisagem: por que eu não vejo o que tu vê?

Este conceito foi escolhido por ser um tanto caricato, a primeira coisa que se

relaciona a paisagem são imagens, dessa forma a primeira coisa que se acredita é

que um cego não pode ver a paisagem. Se assim é realmente, a paisagem se

caracteriza em uma barreira conceitual e poderíamos terminar o artigo por aqui. Mas

a Geografia trouxe para o conceito de paisagem a ação antrópica, por isso todos de

uma forma ou de outra trazem diferentes formas de ver a paisagem.

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O que hoje entendemos por paisagem parte da idéia de paisagem do

renascimento no século XV onde o homem começa a possuir tecnologia pra

modificar a natureza, segundo (SCHIER 2003) isso passa primeiramente pelas

artes, que faziam reprodução o mais fiel possível de paisagens naturais do planeta.

Esse período também se caracterizava pela quebra do sagrado, onde se buscava

outra explicação para as ocorrências naturais, que não fosse apenas divina.

Desde o principio dos estudos geográficos o conceito de paisagem varia

constantemente de importância e significação, isso se dá pelas mudanças de

paradigmas que ocorreram e ocorrem ao longo do tempo nos estudos desta ciência.

Por ter sido pensada durante o século XIX a Geografia sofreu muita influencia da

ciência positivista, que predominava no período. Boa parte dos cientistas que

idealizaram a Geografia eram naturalistas, assim importando alguns conceitos de

suas ciências de origem, ou seja, a ciência neste período se dava principalmente por

observação e comprovação de teses e a Geografia não era diferente, mas já que

seus estudos diziam respeito ao homem e a natureza, seus estudos também se

davam através de observação de paisagens.

4.1. Paisagem para Milton Santos

A paisagem na proposta de Milton Santos parte da idéia de um recorte de um

momento, que não pode representar a totalidade do espaço, pois não possui

conteúdo, apenas a constituição das formas. Assim sendo por que no momento que

se faz um recorte no tempo, no nosso entendimento, não existe movimentação, a

ação não se constitui, assim por isso a paisagem chega a ser um pedaço do espaço

que não é o espaço, pois ela pode representar a atualidade de um acumulo, mas

não pode nos mostrar a construção dos objetos, seus significados e significantes.

Santos esvazia o conceito de paisagem para reforçar e evidenciar seu

conceito de espaço geográfico. Para (Santos 2006) o espaço é a paisagem, que é

constituída de formas, mais a vida que a anima, ou seja, as ações. Um ponto

importante trazido por Santos é a paisagem como resultado de relações no decorrer

da história para constituí-la “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado

momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações

localizadas entre homem e natureza.“ (SANTOS 2006, P.66).

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Mas o ponto onde o autor inicia a caracterizar o choque que dificultaria a

análise da paisagem por quem não vê é onde ele se refere que o melhor exemplo

para a paisagem seria a utilização da bomba de nêutrons, que retiraria toda vida só

preservando as formas. Acreditamos que a paisagem observada dessa forma não

poderia se constituir, pois ela existiria apenas pra quem vê, quem não enxerga

ficaria desprovido da capacidade de reconhecê-la. Pois quem traz sonoridade para

paisagem são os seres vivos, muito dos cheiros que a paisagem carrega também

são decorrentes dos seres vivos, então para nós apenas existiria um vazio, apenas

os objetos com seus significados mas ninguém para compreendê-los.

4.2. Paisagem para a geografia cultural

A geografia cultural trouxe força novamente para o conceito de paisagem na

geografia brasileira. Mas em maior parte de seus estudos subdivide em categorias

esta conceituação. Como as paisagens olfativas, sonoras, táteis entre outras. Ainda

apontando uma maior significação para a paisagem visual, pois ela não possui o

sufixo que a diferencia das outras. Portanto quando se fala em paisagem, estamos

falando em paisagem visual.

Cosgrove quando mencionado por Castro retoma a importância do

simbolismo na paisagem, a importância dos sentimentos nessa análise, o que

segundo o autor a geografia humana tem deixado de lado constantemente. Mas tem

de ser ressaltado que este autor busca trazer as relações de poder em seus

estudos, para ocorrer alem de uma análise simbólica ocorrer a compreensão critica

da sociedade. O autor ainda diz que um grupo dominante poderá querer impor suas

culturas como verdadeiras, colocando seus conhecimentos como fatos. Assim

cosgrove colabora junto com Castro para que compreendamos melhor o que ocorre

no caso da construção conceitual da paisagem, onde como nós demonstramos

anteriormente, um grupo hegemônico torna sua realidade e modo de construir a

ciência como verdade.

Assim estas paisagens vem sendo utilizadas principalmente para analises

culturais de áreas enquanto estas outras formas de se observar a paisagem

deveriam partir de uma analise individual, onde o individuo não parte com o objetivo

de analisar uma paisagem sonora que já se constitui como realidade, mas sim onde

a paisagem existente vem até o individuo todos os dias, pois o individuo que não vê

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também pode compreender essa paisagem, mas partindo de outro sentido que não

impede sua interpretação do mundo.

A paisagem traz forte relação com o olhar como demonstra (Castro) mas para

compreendê-la não basta ter visualidade, que Castro junto a Ferrara definem como o

concreto, enquanto para compreender a paisagem é necessária a visibilidade,que é

a imagem concreta transformada em relações para construir um significado.

5. Considerações sobre o horizonte, onde está o nosso final?

A cada passo que damos em direção ao horizonte, mais próximos ficamos a

ele e mais distante ele fica de nós. Por tanto este artigo pretendeu ser apenas um

primeiro passo para aproximarmos as discussões sobre deficiência a ciência

Geográfica, mas ao abrirmos este debate que busca contemplar a compreensão da

diferença na geografia, abrimos diversos campos que podem ser explorados para

transformarmos o que hoje é hegemonia de normovisuais nesta ciência que,

perdoem a redundância, poderia ser sentida com todos os sentidos.

A paisagem é apenas um conceito que evidencia o problema das barreiras

conceituais, alem de tudo é um tanto caricato para construir as evidencias de que é

uma barreira. Pois como visto foi construída com o objetivo de conceituar imagens

pintadas em quadros. Assim a geografia tomou apara si este conceito e perdeu a

oportunidade de uma nova significação da paisagem a partir das relações que esta

ciência se propõe a compreender.

Santos de forma muito feliz indica que a Geografia não deve fazer uso dos

conceitos provindos de outras disciplinas, pois tornam-se metáforas se não

passarem por adequação, por isso a Geografia deve criar seus próprios conceitos,.

“Conceitos em uma disciplina são frequentemente apenas metáforas nas outras, por

mais vizinhas que se encontrem. Metáforas são flashes isolados, não se dão em

sistemas e não permitem teorizações. “(Santos 2006, p. 56). Fazemos uso desta

citação com intenção de apontarmos a qualidade de metáfora que o conceito de

paisagem tem na Geografia para pessoas cegas.

Para o autor deste artigo a paisagem da forma que se constitui hoje e

provavelmente para todos os cegos não passa de uma metáfora, pois não é possível

analisar uma paisagem de forma “completa” sem ver a constituição dessa paisagem.

Por isso queremos indicar que ocorra a construção de um conceito que venha a

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contemplar todas as diferenças, seja a cegueira, a surdez, ou mesmo pessoas com

todos os sentidos em funcionamento, mas que não conseguem apreender o que os

teóricos propuseram como paisagem.

Neste sentido nossa proposta é uma paisagem onde não se parta do principio

do que se deve encontrar, mas sim do principio do que o sujeito deve sentir, esta

idéia ainda está insipiente em nossas construções, mas acreditamos que a

paisagem deve partir do individuo e seus sentidos, ao invés de ser algo que parta de

fora pra dentro. Para que dessa maneira todos tenham possibilidade de

compreender, seja com seus olhos, seja com seus ouvidos, ou ainda mais, seja com

todos os sentidos que são o que constitui a percepção. Quando nos referimos a

todos os sentidos buscamos a significação de que estes são todos que a pessoa

tem acesso.

Assim, buscando uma paisagem sensorial, contemplaremos todas as

diferenças existentes na sociedade, cumprindo assim o compromisso de

relacionarmos o modelo social da deficiência, que prega a celebração da diferença,

para também construirmos uma ciência mais acessível.

REFERÊNCIAS CASTRO, Demian Garcia. Significados do Conceito de Paisagem: Um Debate Através da Epistemologia da Geografia. UERJ http://www.pucsp.br/~diamantino/PAISAGEM.htm DINIZ, Debora. Modelo Social da Deficiência: A Crítica Feminista Conferência ministrada no VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em julho de 2003, Brasília. Doutora em Antropologia. Consultora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/Programa das Nações Unidas (PNUD) no Programa “Deficiência e Políticas Públicas no Brasil”. Diretora da ANIS: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Do Conselho Diretor da Rede Internacional de Perspectivas Feministas para a Bioética (FAB) e da Associação Internacional de Bioética (IAB). [email protected]. ELALI, A. G.; de ARAÚJO, G. R.; PINHEIRO, Q. J. Acessibilidade Psicológica: Eliminar barreiras “físicas” não é o suficiente. In: Revista Crítica de Ciências Sociais98 (2012) Número não temático MARTINS, Bruno Sena, FONTES, Fernando, HESPANHA, Pedro e BERG, Aleksandra. A emancipação dos estudos da deficiência. http://www.acessibilidadenapratica.com.br/textos/tipos-de-barreiras/ SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção -4. ed. 2. reimpr. -São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. -(Coleção Milton Santos; 1) SCHIER Raul, Alfredo. Trajetórias do conceito e paisagem na geografia. Trajectories of the concept of landscape in geography 1 RA’E GA, Curitiba, n. 7, p. 79-85, 2003. Editora UFp